#117 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS
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#117 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS
#117 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS COMUNIDADE CHUPANKY E OUTRA vs. LA ATLANTIS DEMANDA MEMORIAL DOS REPRESENTANTES DAS VÍTIMAS 2012 LISTA DE ABREVIATURAS #117 Art. / Arts. CADH – Convenção Americana de Direitos Humanos Comissão/CIDH – Comissão Interamericana de Direitos Humanos EISA – Estudo de Impacto Socio-Ambiental OEA – Organização dos Estados Americanos OIT – Organização Internacional do Trabalho ONU – Organização das Nações Unidas 2 #117 2. ÍNDICE DE JUSTIFICATIVA Documentos Legais Convenção Americana de Direitos Humanos Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (1994) – Convenção de Belém do Pará Convenção no. 29 da OIT – Sobre Trabalho Forçado ou Obrigatório (1930) Convenção no. 169 da OIT – Convenção Relativa aos Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes Doutrina PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 7ed. São Paulo : Saraiva, 2006, p.144. Casos Legais Contenciosos 1. Corte Interamericana de Direitos Humanos Corte IDH. Caso de la Comunidad Indígena Xákmok Kásek vs. Paraguay. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 24 de agosto de 2010, Serie C No. 214, párr. 243. Corte IDH. Caso del Pueblo Saramaka Vs. Surinam. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 28 de noviembre de 2007. Serie C No. 172, párr. 37. Caso de la Comunidad Indígena Yakye Axa Vs. Paraguay, supra nota 5, párr. 135; Caso Comunidad Indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguay, supra nota 20, párr. 118, Caso Comunidad Mayagna (Sumo) Awas Tingni Vs. Nicaragua. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 31 de agosto de 2001. Serie C No. 79, párr. 149 3 #117 Caso de la Masacre de Pueblo Bello, supra nota 195, párrs. 123 y 124 Caso de los “Niños de la Calle” (Villagrán Morales y otros) Vs. Guatemala. Fondo, supra nota167, párr. 144. Caso de la Masacre de Mapiripán Vs. Colombia. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 15 de septiembre de 2005. Serie C No. 134, párr. 178. Caso de la Comunidad Moiwana, supra nota 4, párr. 110; Caso Ricardo Canese, supra nota 185, párr. 115 e Caso do Massacre de Mapiripan VS. Colômbia, 15 de setembro de 2005, par. 168. Caso Fleury VS. Haiti par. 93. Sentença de 23 de novembro de 2011, fondo e reparaciones. Caso Herrera Ulloa Vs. Costa Rica. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 2 de julio de 2004. Serie C No. 107, párr. 127. Corte IDH. Caso Ivcher Bronstein Vs. Perú. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 6 de febrero de 2001. Serie C No. 74, párr. 155. 2. Comissão Interamericana de Direitos Humanos CIDH, Informe No. 75/02, Caso 11.140, Mary y Carrie Dann (Estados Unidos), 27 de diciembre de 2002, párr. 140. CIDH, Informe No. 40/04, Caso 12.053, Comunidades Indígenas Mayas del Distrito de Toledo (Belice), 12 de octubre de 2004, párr. 150. 3. Sistema Universal de Direitos Humanos Caso Sandra Lovelace Vs. Canadá. Comunication n⁰ 24/1977, U.N.Doc.CCPR/C/OP/1 AT 37 (1984). OUTROS 4 #117 Relatório Global do Seguimento da Declaração da OIT sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho de 2005, quadro 1.1.; Identificação de Trabalho Forçado na Prática, 6. CIDH. Comunidades cautivas: Situación del pueblo indígena guaraní y formas contemporáneas de esclavitud en el Chaco de Bolivia. Doc. OEA/Ser.L/V/II.l, Doc. 58, 24 de diciembre de 2009, párr. 166. OIT, “Los Derechos de los Pueblos Indígenas y Tribales en la Práctica. Una Guía sobre el Convenio No. 169 de la OIT”. Programa para promover el Convenio Núm. 169 de la OIT (PRO 169), Departamento de Normas Internacionales del Trabajo, 2009, pág. 9. CIDH, Acceso a la Justicia e Inclusión Social: El camino hacia el fortalecimiento de la Democracia en Bolivia. Doc. OEA/Ser.L/V/II, Doc. 34, 28 de junio de 2007, párr. 246. CIDH, Segundo Informe sobre la Situación de los Derechos Humanos en el Perú. Doc. OEA/Ser.L/V/II.106, Doc. 59 rev., 2 de junio de 2000, párr. 26. ONU – Consejo de Derechos Humanos – Informe del Relator Especial sobre la situación de los derechos humanos y libertades fundamentales de los indígenas, James anaya. Doc. ONU A/HRC/12/34, 15 de julio de 2009, párr. 65. CIDH, Informe de Seguimiento – Acceso a la Justicia e Inclusión Social: El camino hacia el fortalecimiento de la Democracia en Bolivia. Doc. OEA/Ser/L/V/II.135, Doc. 40, 7 de agosto de 2009, párr. 160. 5 SUMÁRIO 6 #117 1. DOS FATOS O Estado de La Atlantis é uma ilha do continente americano com aproximadamente 9 milhões de habitantes. É atualmente uma democracia representativa e está dividida em 15 províncias. La Atlantis depende principalmente de seus recursos naturais. O crescimento econômico se dá apesar da escassez crônica de energia, que tem como consequência frequentes apagões em zonas urbanas e preços muito altos nas tarifas de energia elétrica, dependendo principalmente do fornecimento externo de energia. A parte leste do país é uma selva tropical que conta com uma vasta e complexa diversidade biológica e que representa 30% do território nacional. Ali encontra-se o rio Motompalmo, um dos principais rios do país que atravessa grande parte do território de norte a sul e deságua na costa leste da ilha. É na região Leste do país que se registram os maiores índices de pobreza e marginalização entre os vários grupos étnicos e camponeses. Antes da conquista européia, o território era habitado por importantes culturas indígenas na região. Segundo o antropólogo Don Francisco Ortiz, uma autoridade na matéria, seus rituais e formas de vida lhes permitiam manter um equilíbrio harmônico com a terra, seus rios e montanhas. Essas civilizações foram submetidas a escravidão durante a conquista. Mais tarde, durante o século XIX e até a metade do século XX, existiu uma política nacional de extermínio dos povos indígenas. Já nos anos 70, o governo optou por uma política de assimilação que entre outras coisas incluia dividir as comunidades através de conflitos territoriais indígenas e, promover a miscigenação para quebrar a linhagem indígena, acarretando diversos conflitos entre as comunidades. Alguns povos conseguiram sobreviver aos ataques graças à resistência de alguns movimentos indígenas e devido ao difícil acesso às suas comunidades. Hoje o Estado de La Atlantis reconhece 11% da população como indígena, aos quais outorgou cédulas de identidade oficiais. No entanto, existe uma grande controvérsia em relação aos grupos que foram divididos durante a época em que regia a política de assimilação. Através do Plano Nacional de Desenvolvimento de 2003, o Estado se comprometeu a erradicar a pobreza extrema no marco 7 #117 dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio das Nações Unidas Como uma das principais ações para gerar energia na ilha, a Comissão de Energia e Desenvolvimento (em adiante CED), uma entidade paraestatal, licitou entre empresas nacionais e estrangeiras a construção da Usina Hidroelétrica do Cisne Negro, com aproximadamente 500 MW, utilizando o rio Motompalmo. Depois de um estudo de viabilidade realizado em novembro de 2003, foi determinado que o projeto seria construído na zona média da região de Chupuncué, pois ela permite mudar o curso do rio, oferece melhor acesso para os trabalhos de construção e possui extensões de terra apropriadas para a implantação do projeto. A CED estimou que com esta usina hidroelétrica seria melhorado o serviço de eletricidade das principais cidades do país, utilizando a chamada energia verde e beneficiando a zona leste do país. A usina representa também um dos principais projetos de investimento estrangeiro da década, gerando vários benefícios industriais para o país. Segundo o primeiro relatório da CED de fevereiro de 2004, a zona de realização do projeto cobriria uma áreade aproximadamente 10 km2; afetando o lado oeste do rio Motompalmo no território da comunidade camponesa “La Loma” composta de 75 famílias e aproximadamente 240 habitantes, e do lado leste do rio, o território da comunidade indígena Chupanky com 215 famílias e aproximadamente 620 habitantes. A comunidade indígena Chupanky pertence ao povo indígena Rapstan, povo ancestral da zona que tradicionalmente se estabeleceram nas margens do rio Motompalmo ou Xuxani, no idioma rapstani, e têm-se regido por seus usos, costumes e tradições próprias, assim como pela cosmovisão que os identifica. A comunidade é composta por 58% de mulheres e 42% de homens. Nas últimas décadas a comunidade se constituiu como una comunidade patriarcal. A principal autoridade é o Conselho de Anciãos, com 21 membros, e seu chefe é o Gauchan Veloz. Seus assentamentos e formas de vida estão intimamente ligados ao rio Motompalmo, o qual no idioma Rapstaní se chama “Xuxani”. Este rio, além de ser sagrado segundo sua cosmovisão, é a via de transporte fluvial para se conectar com outras comunidades Rapstan ao norte e sul assim como com a costa leste , a partir da qual podem chegar ao mercado 8 #117 e vender seus produtos, derivados da pesca, da agricultura, e artesanato. Sua alimentação se baseia principalmente na pesca, na caça e nas sementes que cultivam em seu território. Em 16 de agosto de 1987 assinaram, junto com outras comunidades indígenas do país, o “Acordo de Paz com a Terra”, cujo longo processo de implementação se concluirá em 21 de dezembro de 2012 com a Celebração do “Dia Um” em seu território ancestral, em função do fim do Calendário Rapstan de contagem do tempo que marca o novo início de integração com a sua verdadeira natureza. A comunidade camponesa de La Loma formou-se durante os anos 80 quando o governo dividiu as comunidades Rapstan, promovendo casamentos miscigenados, o que levou, segundo os costumes do povo Rapstan, a que as mulheres da comunidade que participaram dessa situação fossem expulsas sem poder voltar a suas comunidades. Esses casais se estabeleceram no lado oeste do rio Motompalmo e formaram sua própria comunidade preservando muitas das tradições culturais, as quais estão intrinsecamente ligadas ao seu território e à vida do rio Motompalmo. A comunidade é predominantemente matriarcal. Através de decretos de 1985, o estado outorgou à comunidade de La Loma o reconhecimento oficial como comunidade camponesa, o que lhes permitiu, na época, receber subsídios do governo para semear cevada, criar porcos e obter materiais para a produção de sapatos. Em janeiro de 2005, a CED decidiu outorgar a concessão para a construção da Usina Hidroelétrica Cisne Negro à empresa Turbo Water (em adiante TW) com 40% de capital estatal e 60% dividido entre empresários de Tripol e capital estrangeiro. O projeto foi dividido em três fases. Fase 1: realizar acordos com os proprietários dos territórios afetados; Fase 2: etapa de saneamento e construção das represas; Fase 3: etapa de irrigação , testes e operação. Em abril de 2005, o Estado declarou a zona do projeto como de utilidade pública e depositou 50% do valor cadastral dos lotes do terreno da comunidade La Loma. Em junho de 2005 a CED iniciou um processo de negociação com diversos integrantes das comunidades de La Loma e ofereceu terras alternativas, de qualidade agrícola, na zona Oeste do rio, há aproximadamente 25 km do rio Motompalmo. 25% dos 9 #117 proprietários da comunidade aceitaram a oferta, o restante a repudiou alegando sua ligação cultural com o rio Xuxani. Em novembro de 2005, iniciou-se o processo de expropriação das terras dos diversos proprietários de terrenos da comunidade La Loma no sétimo juízo civil de Chupuncué (em adiante juiz civil), a fim de fixar o valor a ser pago como indenização. Em fevereiro de 2006 foi promulgada a ordem de ocupação imediata dos terrenos declarados como utilidade pública em La Loma, com o fim de começar os trabalhos de preparação e saneamento no lado Oeste do rio, despejando seus residentes, os quais foram reassentados em acampamentos provisórios, uma vez que não aceitaram as terras alternativas. Em março de 2006, 75% dos proprietários insatisfeitos solicitaram ao juiz civil que fossem reconhecidos os padrões internacionais para a realização de um processo de consulta prévia e divisão de benefícios assim como a realização de estudos de impacto ambiental. Através da Ordem 1228/2006 de maio de 2006, o juiz civil determinou que tais padrões eram aplicáveis a comunidades indígenas ou tribais segundo os diversos instrumentos na matéria e que a comunidade de La Loma não tinha esses direitos pois, segundo os Decretos de 2005, era reconhecida como uma comunidade camponesa. No momento, o processo de expropriação encontra-se pendente, a espera de resolução para fixar o valor final correspondente. No entanto, alguns dos membros da comunidade indicaram ao jornal “El Oscurín Pegri” que os acampamentos provisórios dispõem apenas de condições mínimas e que querem voltar ao seu lugar de origem aonde estão suas tradições, e por esse motivo não aceitam nem indenização nem terras alternativas. Com respeito à comunidade Chupanky, devido a pressão de diversas organizações nacionais e internacionais que apoiam os direitos dos povos indígenas, o Estado iniciou um processo de consulta prévia em novembro de 2007, o que atrasou a Fase 1 do projeto no lado Leste do rio. Para tanto, o governo criou um Comitê Inter-Setorial, composto por autoridades do governo e da empresa TW, com capacidade de fazer acordos com a comunidade. Durante a primeira reunião com o Conselho de Anciãos foram estabelecidas as diretrizes a seguir. Segundo os usos e costumes da comunidade 10 #117 seriam realizados processos de consulta com as autoridades da Comunidade e com os homens chefes de família e quatro reuniões com tais pessoas para oferecer informação a respeito do projeto e negociar os benefícios derivados do mesmo. O Comitê Inter-Setorial ofereceu às pessoas consultadas, terras alternativas com dimensões maiores que as atuais, de boa qualidade agrícola, situadas a 35 quilômetros de distância da ribeira leste do rio Motompalmo, pois grande parte de seu território seria inicialmenteutilizado para a construção da usina hidroelétrica e posteriormente alagado pela represa. Em todo caso, a mudança do seu território só aconteceria na Fase 3. Também foi oferecida a possibilidade de trabalhar na construção da hidroelétrica a todos os membros da comunidade maiores de 16 anos, segundo suas tradições, e a realização de estudos de impacto ambientais por peritos independentes. Estando a hidroelétrica em funcionamento, a comunidade receberia energia elétrica, 3 computadores e 8 poços de água localizados no seu novo território, o qual teria uma ligação direta com o rio através de uma estrada, para que possam visitar suas deidades. Dadas estas oportunidades de trabalho, durante as reuniões de consulta a maioria dos chefes de família mostraram-se dispostos a colaborar com o projeto. Na quarta reunião, em dezembro de 2007, através de uma votação que obteve a maioria dos consultados, foi aprovada a primeira fase do projeto e aceitou-se prosseguir para a segunda fase. A reunião contou com alguns intérpretes da língua Rapstaní. O Conselho de Anciãos manifestou verbalmente ao Comitê que uma vez concluída a segunda etapa do projeto seria convocada outra assembleia para decidir sobre a terceira fase do projeto. Em 20 de janeiro de 2008, Mina Chak Luna, de 23 anos de idade, integrante da comunidade conseguiu mobilizar mais 13 mulheres para manifestarem-se contra o projeto, formando o grupo “Guerreiras do Arco Íris”. 2. DA DEFINIÇÃO DE POVOS INDÍGENAS E TRIBAIS PERANTE O DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS 11 #117 Previamente à defesa fática acerca das inúmeras violações de artigos da CADH perpetradas pelo Estado de La Atlantis em face das Comunidades Chupanky e La Loma, insta definir o que se entende por povos indígenas e tribais no âmbito da proteção internacional dos direitos humanos, uma vez que as vítimas do presente caso devem ser assim reconhecidas. Nesse diapasão, uma vez que o Estado de La Atlantis já considera a Comunidade Chupanky como um povo indígena, resta apenas comprovar o caráter tribal da Comunidade La Loma. No Guia de Aplicação da Convenção N⁰ 169, a OIT explica que os elementos que definem um povo como tribal são tanto objetivos como subjetivos. Os elementos objetivos incluem: i. uma cultura, organização social, condições econômicas e forma de vida distintos aos de outros segmentos da população nacional, por exemplo em suas formas de sustento, idioma, etc.; ii. tradições e costumes próprios e/ou um reconhecimento jurídico especial. O elemento subjetivo consiste na identificação própria desses grupos e de seus membros como tribais 1. Para a Corte Interamericana, segundo expôs no Caso do Povo Saramaka, considera-se tribal “un pueblo que no es indígena a la región [que habita] pero que comparte características similares con los pueblos indígenas, como tener tradiciones sociales, culturales y económicas diferentes de otras secciones de la comunidad nacional, identificarse con sus territorios ancestrales y estar regulados, al menos en forma parcial, por sus propias normas, costumbres o tradiciones”2. Alega o Estado que a Comunidade La Loma não goza da proteção especial conferida pelo direito internacional dos direitos humanos aos povos indígenas ou tribais, pois, internamente, é identificada como comunidade camponesa em razão de um Decreto publicado em 1985. 1 OIT, “Los Derechos de los Pueblos Indígenas y Tribales en la Práctica. Una Guía sobre el Convenio No. 169 de la OIT”. Programa para promover el Convenio Núm. 169 de la OIT (PRO 169), Departamento de Normas Internacionales del Trabajo, 2009, pág. 9. 2 Corte IDH. Caso del Pueblo Saramaka Vs. Surinam. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 28 de noviembre de 2007. Serie C No. 172, párr. 79. 12 #117 Independentemente da nomenclatura utilizada, frente às características da comunidade, a sua classificação como camponesa não passa de mera formalidade. Afinal, um dos requisitos expressos no artigo 9 da Constituição de La Atlantis, para que uma comunidade possa ser reconhecida como camponesa é: serem seus integrante descendentes dos povos que habitavam o território antes da colonização e conservarem, a maior parte de suas instituições econômicas, culturais e políticas. Como exposto, tais características vão de acordo com o que a Corte entende por povo tribal. Por derradeiro, saliente-se que o elemento mais relevante foi cumprido, qual seja, a autoidentificação dos integrantes da comunidade La Loma como povo tribal. Tal resta claro quando se observa que o próprio grupo requereu internamente a aplicação, pelo Estado de La Atlantis, dos parâmetros internacionalmente reconhecidos aos povos indígenas e tribais, em relação ao seu processo de expropriação. Pedido este negado pelo juiz civil através da Ordem 1228/2006 de maio de 2006. 3. DO MÉRITO 3.1. VIOLAÇÃO AO ARTIGO 23 DA CADH (DIREITOS POLÍTICOS) c/c ARTIGO 8 (GARANTIAS JUDICIAS) O artigo 23.1.a da Convenção Americana garante a todos os cidadãos o direito de “participar na direção dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de representantes livremente eleitos”. Tal direito conferido a toda pessoa de participar do governo, aplicado aos povos indígenas no marco dos projetos de desenvolvimento que se realizem nas terras, territórios e recursos naturais que usam ou ocupam, se traduz em procedimentos prévios, livres e 13 #117 informados de consulta, conduzidos de boa-fé, com o fim de alcançar um acordo ou consentimento sobre as medidas propostas, segundo disposições da Convenção 169 da OIT 3. De acordo com o posicionamento da Corte Interamericana esposado no Caso do Povo Saramaka Vs. Suriname, toda decisão que possa afetar, modificar, reduzir ou extinguir os direitos de propriedade indígenas se sujeita não apenas à consulta prévia, mas também à obtenção do consentimento do povo respectivo 4. Em face dos parâmetros internacionais acima expostos referentes aos requisitos necessários a uma consulta efetiva, demonstrar-se-á, a seguir, que o Estado de La Atlantis violou o art.23 da CADH em detrimento das Comunidades La Loma e Chupanky. 3.1.1 Violação do art. 23 da CADH em relação à Comunidade tribal La Loma Em relação à comunidade tribal La Loma, houve violação do direito de seus integrantes à participação no governo, uma vez que não foram consultados pelo Estado a respeito da construção da Usina Cisne Negro em suas terras. Segundo fatos comprovados do caso, o Estado procedeu a uma mera negociação com os proprietários da comunidade, em junho de 2005, quanto à expropriação, oferecendo terras alternativas, porém, não lhes rendendo a oportunidade de opinar ou interferir nos rumos da implementação do projeto hidrelétrico. De acordo com a CIDH, os procedimentos de consulta, não devem limitar-se unicamente a uma notificação ou a um trâmite de quantificação de danos5. A consulta não é um ato singular, senão um processo de diálogo e negociação para alcançar um 3 CIDH, Acceso a la Justicia e Inclusión Social: El camino hacia el fortalecimiento de la Democracia en Bolivia. Doc. OEA/Ser.L/V/II, Doc. 34, 28 de junio de 2007, párr. 246. CIDH, Segundo Informe sobre la Situación de los Derechos Humanos en el Perú. Doc. OEA/Ser.L/V/II.106, Doc. 59 rev., 2 de junio de 2000, párr. 26. 4 Corte IDH. Caso del Pueblo Saramaka Vs. Surinam. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 28 de noviembre de 2007. Serie C No. 172, párr. 135. 5 CIDH, Acceso a la Justicia e Inclusión Social: El camino hacia el fortalecimiento de la Democracia en Bolivia. Doc. “Propender por la obtención del consentimiento libre e informado de los pueblos y no limitarse únicamente a una notificación o a un trámite de cuantificación de daños” OEA/Ser.L/V/II, Doc. 34, 28 de junio de 2007, párr. 248. 14 #117 acordo mútuo. Um ato de negociação em que o Estado apresenta uma proposta, cabendo ao povo interessado apenas aceitá-la ou não, sem a possibilidade de também oferecer propostas conformes com seus interesses não pode ser considerado um processo de consulta genuíno. Ressalte-se que, apesar de 75% dos proprietários de La Loma terem repudiado a proposta estatal em relação às terras alternativas com base em sua ligação cultural com o rio Xuxani, tal fato não foi tomado em consideração pelo Estado de La Atlantis que em fevereiro de 2006 promulgou a ordem de ocupação imediata dos terrenos declarados como de utilidade pública na comunidade, despejando seus residentes, os quais foram reassentados em acampamentos provisórios. 3.1.2 Violação do art. 23 c/c com a convenção de Belém do Pará em relação à comunidade indígena Chupanky Em relação à comunidade indígena Chupanky, houve a realização de uma consulta à comunidade, no entanto, tal procedimento não cumpriu com os parâmetros internacionalmente exigidos afinal: a) não foi prévio, b) não foi devidamente informado e c) foi discriminatório. A seguir, analisar-se-á cada quesito separadamente. a) A consulta à comunidade Chupanky não foi prévia Em todos os casos em que se aplique o dever de celebrar consultas, estas devem realizarse nas primeiras etapas da elaboração ou planejamento da medida proposta a fim de que os povos indígenas possam verdadeiramente participar e influir no processo de adoção de decisões 6. Os povos indígenas devem participar desde a elaboração dos projetos, licitação e concessão, até sua execução e avaliação7. 6 ONU – Consejo de Derechos Humanos – Informe del Relator Especial sobre la situación de los derechos humanos y libertades fundamentales de los indígenas, James anaya. Doc. ONU A/HRC/12/34, 15 de julio de 2009, párr. 65. 7 CIDH, Acceso a la Justicia e Inclusión Social: El camino hacia el fortalecimiento de la Democracia en Bolivia. Doc. OEA/Ser.L/V/II, Doc. 34, 28 de junio de 2007, párr. 248. 15 #117 Analisando os fatos do caso, verifica-se que em novembro de 2003 o Estado já havia decidido construir a Usina Cisne Negro na zona média da região de Chupuncué, utilizando-se do Rio Motompalmo/Xuxani como fonte geradora de energia. Ademais, desde fevereiro de 2004 o relatório da CED já apontava que a área prevista para realização do projeto afetaria os territórios da comunidade La Loma, do lado oeste do rio, e da comunidade indígena Chupanky, do lado leste do rio. Entre janeiro de 2005 e novembro de 2007 o Estado de La Atlantis: outorgou à empresa Turbo Water a concessão para construção da Usina, planejou o projeto para ser elaborado em três fases, declarou como de utilidade pública a zona de sua construção e realizou a desapropriação das terras de La Loma. A despeito de possuir tais informações, apenas em novembro de 2007, mais de três anos depois da emissão do relatório pela CED, o Estado iniciou o procedimento de consulta com a comunidade de Chupanky, cedendo às pressões de diversas organizações nacionais e internacionais que apoiam os direitos dos povos indígenas. b) A consulta à comunidade Chupanky não foi devidamente informada A consulta deve ser informada, no sentido de que os povos indígenas tenham conhecimento dos possíveis riscos, inclusos os riscos ambientais e de salubridade, a fim de que aceitem o plano de desenvolvimento ou investimento proposto com conhecimento e de forma voluntária 8. O caráter informado da consulta conecta-se com a obrigação de realizar estudos de impacto social e ambiental com caráter prévio à execução de planos de desenvolvimento ou investimento ou de concessões extrativas suscetíveis de afetar esses povos. Os grupos indígenas interessados devem conhecer esses estudos de impacto nas primeiras etapas de consulta, ter 8 Corte IDH. Caso del Pueblo Saramaka Vs. Surinam. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 28 de noviembre de 2007. Serie C No. 172, párr. 133. 16 #117 tempo suficiente para entender as conclusões dos estudos e poder apresentar suas observações e receber informação acerca de qualquer preocupação que solicitarem9. O Estudo de Impacto Ambiental realizado pelo Estado de La Atlantis foi divulgado apenas em 14 de maio de 2008, realizado pela Organização de Recursos Energéticos Verdes por designação do Ministério do Meio Ambiente e Recursos Naturais (MARN). Observe-se que quando o Estado obteve a aprovação da primeira fase do projeto e o prosseguimento da segunda fase, junto aos homens da Comunidade Chupanky, ainda não havia sido nem sequer solicitada a produção do EISA, fato que ocorreu apenas em 28 de fevereiro de 2008. Ademais, o EISA além de ter sido enviado ao Conselho de Anciãos sem tradução para o Rapstaní, mostrou-se incompleto e insuficiente para validar a construção da Usina. Conforme demonstrado pelas Guerreiras do Arco-Íris, lideradas por Mina Chak Luna, o EISA não contemplava danos ambientais típicos dos empreendimentos hidrelétricos. Várias pessoas surpreenderam-se ao notar as alterações na pesca e na mobilidade fluvial, demonstrando não terem sido suficientemente esclarecidas durante as reuniões com o Comitê Inter-Setorial. Tanto foi assim, que o Conselho de Anciãos, diante das evidências recolhidas, convocou uma assembleia geral com todos os integrantes de Chupanky na qual decidiram vetar a continuação das fases 2 e 3 da Usina Cisne Negro. c) A consulta foi discriminatória e violou o art. 4 da Convenção de Belém do Pará Os Estados devem permitir a participação efetiva dos povos indígenas e tribais, em conformidade com suas tradições e costumes. A regra de adequação cultural da consulta exige que o próprio povo indígena decida quem o representará, de acordo com suas próprias tradições. #117 9 ONU – Consejo de Derechos Humanos – Informe del Relator Especial sobre la situación de los derechos humanos y las libertades fundamentales de los indígenas, James Anaya. Doc. ONU A/HRC/12/34, 15 de julio de 2009, párr. 53. 17 #117 Porém, quando o respeito às tradições do povo indígena ou tribal afetado representar um risco de violação de direitos humanos, o requisito da adequação cultural das consultas deverá ser restringido. A Convenção 169 da OIT é clara nesse sentido quando dispõe em seu Artigo 8º, ponto 2, que: Esses povos terão o direito de manter seus costumes e instituições, desde que não sejam incompatíveis com os direitos fundamentais previstos no sistema jurídico nacional e com direitos humanos internacionalmente reconhecidos. No presente caso, a comunidade indígena Chupanky segue o modelo patriarcal de organização social. O Conselho de Anciãos, formado por 21 (vinte e um) homens, constitui-se na maior autoridade dentro da comunidade. Apesar disso, apenas os homens chefes de família participam da eleição de seus membros 10 . Tal fato torna-se especialmente preocupante ao considerar-se que 58% dos habitantes de Chupanky são mulheres. O fato de apenas os homens participarem da escolha dos membros do Conselho de Anciãos tornava tal instituição inapropriada para representar a comunidade junto ao Estado, pois não refletia a vontade da totalidade do povo afetado e, consequentemente, tornava nulas as decisões de seus membros. No entanto, sob a alegação de respeito às tradições patrilineares da Comunidade 11, o Estado de La Atlantis realizou quatro reuniões apenas consultando o Conselho de Anciãos e os outros homens chefes de família, ao fim das quais conseguiu a aprovação do projeto de construção da Usina Cisne Negro. Dessa forma, ao consentir com a tradição patriarcal de representação existente na Comunidade Chupanky e não consultar as quase 360 mulheres da Comunidade, o Estado de La Atlantis viciou o processo de consulta, tornando-o discriminatório, e violou o direito assegurado no art. 4º, alínea j da Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência Contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará), abaixo transcrito: 10 Questão esclarecedora nº 29. 11 Ponto 14 do Caso Hipotético. 18 #117 Art. 4º. Toda mulher tem direito ao reconhecimento, gozo, exercício e proteção de todos os direitos humanos e liberdades consagradas pelos instrumentos regionais e internacionais sobre direitos humanos. Estes direitos compreendem entre outros: [...] j) o direito de ter igualdade de acesso às funções públicas de seu país e a participar nos assuntos públicos, incluindo a tomada de decisões. No âmbito interno, o Estado sustentou que as supostas práticas discriminatórias contra as mulheres seriam, neste caso, responsabilidade da própria comunidade, resultante de sua autonomia e livre determinação como povo. Todavia, como visto anteriormente, ainda que a prerrogativa de exercer sua própria cultura seja um direito fundamental, nenhuma concessão é feita às “peculiaridades culturais” quando houver risco de violação a direitos humanos 12. Tal posicionamento já foi aplicado pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU no caso Sandra Lovelace vs. Canadá, no qual não admitiu a discriminação de gênero existente no denominado Indian Act, cujas disposições estavam de acordo com a tradição patrilinear dos indígenas canadenses e fizeram com que a demandante perdesse seu status de índia. O Estado, na oportunidade, foi condenado e obrigando a garantir o retorno de Lovelace às terras de sua tribo13. 12 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 7ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p.144. 13 Caso Sandra Lovelace Vs. Canadá. Comunication n⁰ 24/1977, U.N.Doc.CCPR/C/OP/1 AT 37 (1984). Nesse caso, a peticionária, índia da etnia Maliseet, alegava violação do direito à igualdade de gêneros, pois considerava discriminatórias as disposições do Indian Act, vigente no Canadá à época, que dispunha que uma índia que se casasse com um não-índio perderia seu status de índia. No entanto, a mesma sanção não era aplicada aos homens índios que se casassem com não-índias. O Estado canadense, na oportunidade, argumentou que as disposições do Indian Act levaram em conta as tradições patrilineares dos indígenas canadenses, afinal, o próprio conselho tribal da reserva Tobique, onde residia originariamente, não a reconhecia mais como índia e se negava a reconhecer seu direito de voltar a morar na reserva, mesmo após seu divórcio. Ainda que contrário à tradição patriarcal, o Comitê de Direitos Humanos garantiu à Lovelace seu reconhecimento como índia e o direito de residir nas terras de seu grupo/tribo. 19 #117 Não deve prevalecer, com base em tais argumentos, o entendimento do Tribunal Contencioso de La Atlantis que decidiu que com base no princípio de pacta sum servanda a comunidade teria aceito os termos e, portanto, deveria permitir que o projeto avançasse até sua etapa final, uma vez que não houve consentimento da totalidade da Comunidade Chupanky. Importante ressaltar que as mulheres de Chupanky, organizadas no grupo denominado “Guerreiras do Arco-Íris”, protestaram no dia 20 de janeiro de 2008 nas imediações do projeto, contra a construção da hidrelétrica enquanto não fossem devidamente consultadas. Apesar dos protestos, o diretor do projeto, ligado à empresa Turbo Water, recusou-se a reunir-se com o grupo. Posteriormente, as Guerreiras do Arco-Íris também foram ignoradas pelo Comitê InterSetorial que, através do ofício CI-2008, afirmou que não teria condições de ir até a comunidade nos seis meses seguintes, uma vez que o Comitê possuía sede em Tripol e havia concluído seus trabalhos no processo de consulta. Aduziram, no entanto, que analisariam o pedido, mas este não foi atendido e em 20 de junho de 2008 iniciaram-se as obras de construção da Usina Hidrelétrica Cisne Negro sem a consulta e sem o consentimento de 58% da comunidade indígena afetada. 3.1.3 Violação do dever do Estado de respeitar as garantias do art. 8 da CADH no âmbito dos procedimentos administrativos Em qualquer matéria, inclusive de natureza trabalhista e administrativa, a discricionariedade da administração tem limites intransponíveis, sendo um deles o respeito dos direitos humanos. É importante que a atuação da administração se encontre regulada, e esta não pode invocar a ordem pública para reduzir discricionariamente as garantias dos administrados. Por exemplo, não pode a administração ditar atos sancionatórios sem outorgar aos sancionados a garantia do devido processo legal. É um direito humano a obtenção de todas as garantias que permitam alcançar decisões justas, não estando a administração excluída de cumprir com esse dever. As garantias mínimas 20 #117 devem ser respeitadas no procedimento administrativo e em qualquer outro procedimento cuja decisão possa afetar os direitos das pessoas. Por não ter respeitado as garantias do devido processo legal em relação ao processo de expropriação da Comunidade La Loma e da Comunidade Chupanky, inclusas, neste ultimo caso, as irregularidades nos procedimentos de consulta acima apontadas, o Estado de La Atlantis violou o art. 8 da Convenção Americana. 3.2 VIOLAÇÃO DO ART. 22 DA CADH (DIREITO DE CIRCULAÇÃO E RESIDÊNCIA) O artigo 22.1 da Convenção Americana protege o direito de toda pessoa que se ache legalmente no território de um Estado de nele circular e residir. Para a Corte, a garantia de tal direito é condição indispensável para o livre desenvolvimento da pessoa 14 . No contexto das comunidades indígenas e tribais a proteção do direito a circulação e residência torna-se ainda mais relevante. Afinal, o seu local de residência não é escolhido aleatoriamente, mas resulta de sua conexão especial com suas terras decorrente da ocupação histórica e tradicional por seus ancestrais. Essa relação entre os povos indígenas e tribais e seus territórios não se limita às aldeias ou assentamentos específicos em que habitam, mas abrange também os espaços utilizados para suas atividades culturais ou de subsistência, tais como as vias de acesso15. Tal direito, no entanto, pode ser restringido pelos Estados quando cumpridos os requisitos estabelecidos na Convenção Americana no artigo 22, pontos 3 e 4. A Corte já sustentou em diversas ocasiões que os Estados podem restringir o exercício de direitos, nos termos da CADH, sempre que tais restrições: a) tenham sido previamente estabelecidas em lei. B) sejam 14 Cfr. Caso de la Comunidad Moiwana, supra nota 4, párr. 110; Caso Ricardo Canese, supra nota 185, párr. 115 e Caso do Massacre de Mapiripan VS. Colômbia, 15 de setembro de 2005, par. 168. Caso Fleury VS. Haiti par. 93. Sentença de 23 de novembro de 2011, fondo e reparaciones. 15 CIDH, Informe de Seguimiento – Acceso a la Justicia e Inclusión Social: El camino hacia el fortalecimiento de la Democracia en Bolivia. Doc. OEA/Ser/L/V/II.135, Doc. 40, 7 de agosto de 2009, párr. 160. 21 #117 necessárias; c) proporcionais e d) que tenham o fim de lograr um objetivo legítimo numa sociedade democrática 16. Os Estados devem assegurar que os projetos de desenvolvimento importantes que se realizem em terras indígenas, em zonas de populações indígenas ou seus arredores, previamente ao cumprimento dos requisitos e autorizações da lei, não causem danos irreparáveis à identidade e aos direitos religiosos, econômicos ou culturais das comunidades indígenas. Tais são exigências do pluralismo, tolerância e abertura sem as quais não existe uma 'sociedade democrática'. O Estado de La Atlantis, apesar de ter cumprido as normas internas para a expropriação dos povos afetados pela construção da Usina Cisne Negro, tendo declarado a utilidade pública das terras, não respeitou os parâmetros internacionais exigidos. Afinal, a construção das represas da hidrelétrica afetarão irreversivelmente o modo de vida dessas comunidades e seus membros não foram devidamente consultados. Segundo ficou definido no estudo de viabilidade da hidrelétrica realizado pela CED em 2003, para a execução do projeto, o curso do rio será alterado na altura da zona média da região de Chupuncué, exatamente onde estão localizadas as comunidades, causando a inundação de seus assentamentos, aos quais estão vinculadas cultural e historicamente. Pelo exposto, o Estado de La Atlantis viola o art. 22 da Convenção Americana em detrimento das Comunidades Chupanky e La Loma. 3.3 VIOLAÇÃO DO ARTIGO 21 DA CADH (DIREITO À PROPRIEDADE PRIVADA) 16 Corte IDH. Caso Comunidad Indígena Yakye Axa Vs. Paraguay. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 17 de junio de 2005. Serie C No. 125, párrs. 144, 145. Corte IDH. Caso Ricardo Canese Vs. Paraguay. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 31 de agosto de 2004. Serie C No. 111, párr. 96. Corte IDH. Caso Herrera Ulloa Vs. Costa Rica. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 2 de julio de 2004. Serie C No. 107, párr. 127. Corte IDH. Caso Ivcher Bronstein Vs. Perú. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 6 de febrero de 2001. Serie C No. 74, párr. 155. Corte IDH. Caso Comunidad Indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguay. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 29 de marzo de 2006. Serie C No. 146, párr. 137. 22 #117 3.3.1 O direito dos povos indígenas e tribais à propriedade coletiva da terra Ao analisar o conteúdo e alcance do artigo 21 da Convenção, em relação com a propriedade indígena, a Corte tem tomado em conta a Convenção N⁰ 169 da OIT, à luz das regras gerais de interpretação no artigo 29 da Convenção, para interpretar as disposições do citado artigo 21 de acordo com a evolução do sistema interamericano, em função do desenvolvimento experimentado nesta matéria no Direito Internacional dos Direitos Humanos 17. Nesse diapasão, a Convenção 169 da OIT estabelece, em seu capítulo relativo às terras, que na aplicação de suas disposições os governos devem respeitar a importância especial para as culturas e valores espirituais dos povos interessados, sua relação com as terras ou territórios, ou ambos, conforme o caso, que ocupam ou usam para outros fins e, particularmente, os aspectos coletivos dessa relação. A Corte Interamericana, por sua vez, já reconheceu em reiteradas oportunidades que: “existe una tradición comunitaria sobre una forma comunal de la propiedad colectiva de la tierra, en el sentido de que la pertenencia de ésta no se centra en un individuo sino en el grupo y su comunidad. (…) Para las comunidades indígenas la relación con la tierra no es meramente una cuestión de posesión y producción sino un elemento material y espiritual del que deben gozar plenamente, inclusive para preservar su legado cultural y transmitirlo a las generaciones futuras18”. Segundo a Corte, desconsiderar as versões específicas do direito ao uso e gozo dos bens, dadas pela cultura, usos, costumes e crenças de cada povo, equivaleria a sustentar que só 17 Cfr. Caso Comunidad Indígena Yakye Axa, supra nota 1, párrs. 124 a 131, y Caso de la Comunidad Mayagna (Sumo) Awas Tingni. Sentencia de 31 de agosto de 2001. Serie C No. 79, párrs. 148 y 149. 18 Cfr. Caso Comunidad Mayagna (Sumo) Awas Tingni Vs. Nicaragua. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 31 de agosto de 2001. Serie C No. 79, párr. 149; Caso Comunidad Indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguay, supra nota 20, párr. 118, y Caso del Pueblo Saramaka. Vs. Surinam, supra nota 16, párr. 90. Caso Comunidade Xakmok Kásek Vs. Paraguai, par. 86. 23 existe uma forma de usar e dispor dos bens, o que por sua vez significaria fazer ilusória a proteção do artigo 21 da Convenção para milhões de pessoas 19. #117 Desse modo, tal dispositivo passou a ser interpretado no sentido de abranger a propriedade e posse coletiva das terras indígenas. Tal direito implica também o reconhecimento de um título coletivo de propriedade sobre essas terras. No âmbito do Estado de La Atlantis, a comunidade indígena Chupanky já possui o título coletivo de seu território ancestral, cujas dimensões chegam a aproximadamente 10.000 hectares, com terreno irregular e montanhoso, situadas na margem leste do Rio Motompalmo. Em relação à La Loma, assentada nas terras à margem esquerda do Rio Motompalmo, o Estado apenas reconheceu a propriedade individual de alguns habitantes da comunidade, outorgando-lhes os títulos das terras. O exercício dos direitos territoriais dos povos indígenas e tribais, todavia, não está condicionado ao seu reconhecimento expresso pelo Estado, e a existência de um título formal de propriedade não é requisito para a existência do direito à propriedade territorial indígena sob o artigo 21 da Convenção20. A dissociação entre o direito consuetudinário de propriedade indígena e a existência ou não de um título formal de propriedade implica que os atos de titulação e demarcação territoriais sejam entendidos como atos complexos que não constituem, mas meramente reconhecem e garantem direitos que pertencem aos povos indígenas por razão de seu uso consuetudinário. 3.3.2 O Direito dos povos indígenas e tribais a usar e gozar dos recursos naturais que se encontram dentro de suas terras e que tradicionalmente tem possuído. Do direito de usar e gozar o território conforme as tradições e costumes dos povos indígenas e tribais, decorre, necessariamente, o direito aos recursos naturais que se encontram dentro das 19 Caso Comunidad Indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguay, supra nota 20, párr. 120. Corte IDH. Caso Comunidad Indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguay. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 29 de marzo de 2006. Serie C No. 146, párr. 128. 20 24 terras ancestrais. Para a Corte Interamericana: “los integrantes de los pueblos indígenas y tribales tienen el derecho de ser titulares de los recursos naturales que han usado #117 tradicionalmente dentro de su territorio por las mismas razones por las cuales tienen el derecho de ser titulares de la tierra que han usado y ocupado tradicionalmente durante siglos. Sin ellos, la supervivencia económica, social y cultural de dichos pueblos está en riesgo”21. Tal entendimento corresponde à noção de territorialidade indígena elaborada pelo Convênio 169 da OIT e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Desse modo, resta clara a legitimidade da posse das comunidades La Loma e Chupanky em relação ao Rio Motompalmo, uma vez que as duas comunidades consideram-no sagrado segundo sua cosmovisão e dele se utilizam para a celebração do ritual dos dois sóis e das três luas, do ritual do “Dia Um” e para sua subsistência, no caso da Comunidade Chupanky. Em 2003, La Loma e Chupanky, espontaneamente, estabeleceram um acordo de bons ofícios para a preservação do Rio Motompalmo e para garantir o seu acesso fluvial, demonstrando que buscam, através da cooperação, preservar os modos de vida das duas comunidades e a cultura de seus membros. 3.3.3 Restrições ao direito de propriedade referentes à outorga de concessões pelo Estado de licenças para exploração de recursos naturais dentro das terras indígenas e tribais 21 Corte IDH. Caso Comunidad Indígena Yakye Axa Vs. Paraguay. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 17 de junio de 2005. Serie C No. 125, párr. 137. Corte IDH. Caso Comunidad Indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguay. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 29 de marzo de 2006. Serie C No. 146, párr. 118. 494 Corte IDH. Caso del Pueblo Saramaka Vs. Surinam. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 28 de noviembre de 2007. Serie C No. 172, párrs. 120, 121. 25 O Direito à propriedade não é um direito absoluto. A própria Convenção no art. 21 pontos 1 e 2, estabelece: a) que toda pessoa tem direito ao uso e gozo de seus bens; b) que tais uso e gozo podem ser subordinados, por lei, ao “interesse social”; c) que se pode privar uma pessoa de seus bens por razões de “utilidade pública ou de interesse social e nos caos e segundo as formas #117 estabelecidas pela lei”; e d) que essa privação se fará mediante o pagamento de uma indenização justa 22. No presente caso, o direito à propriedade das Comunidades La Loma e Chupanky foram restringidos em prol da Construção da Usina Hidrelétrica Cisne Negro, no Rio Motompalmo. Tal medida, segundo argumentos do Estado emitidos através da Comissão de Energia e Desenvolvimento, tem como objetivo solucionar o problema crônico de energia que afeta La Atlantis e, desse modo, permitir o seu desenvolvimento econômico. A usina representaria também um dos principais projetos de investimento estrangeiro da década, gerando vários benefícios industriais para o país. Os Estados das Américas, e as populações que os compõem, têm direito ao desenvolvimento, mas “ao mesmo tempo, as atividades de desenvolvimento devem vir acompanhadas de medidas adequadas e efetivas para garantir que as mesmas não se levem a cabo às custas dos direitos fundamentais das pessoas que podem ser particular e negativamente afetadas, incluídas as comunidades indígenas e o meio ambiente do qual dependem para seu bem-estar físico, cultural e espiritual” 23. Para efeitos de outorgar concessões extrativistas ou de realizar planos ou projetos de investimento e desenvolvimento que afetem os recursos naturais nos territórios indígenas ou 22 Caso da Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni Vs. Nicarágua. Sentença de 31 de agosto de 2001; Fondo, reparaciones e costas. Par. 143 23 CIDH, Informe No. 40/04, Caso 12.053, Comunidades Indígenas Mayas del Distrito de Toledo (Belice), 12 de octubre de 2004, párr. 150. 26 tribais, a Corte Interamericana tem identificado três condições obrigatórias que se aplicam quando os Estados consideram aprovar tais planos ou projetos: a) aprovação somente após consultas de boa fé – e, quando seja aplicável, do consentimento-, de um estudo prévio de #117 impacto ambiental e social realizado com participação indígena e com participação razoável nos benefícios 24; b) não aprovação de qualquer projeto que possa ameaçar a sobrevivência física ou cultural do grupo; e c) o cumprimento do direito internacional sobre a expropriação, tal e como estabelecido no artigo 21 da Convenção Americana. O Relator Especial das Nações Unidas 25 e a Corte interamericana, no caso Saramaka 26, já reconheceram que a execução de planos ou projetos de desenvolvimento ou investimento que impliquem no deslocamento dos povos ou comunidades indígenas de seus territórios tradicionais e, portanto, em seu reassentamento permanente, assim como resultem na privação aos povos indígenas da capacidade de usar e gozar de suas terras e de outros recursos naturais necessários para sua subsistência, são situações que obrigam os Estados a obter o consentimento dos povos afetados. O não cumprimento do dever de consulta e obtenção de consentimento já foi analisado anteriormente na violação do art. 23. As ameaças à sobrevivência física e cultural das 24 Corte IDH. Caso del Pueblo Saramaka Vs. Surinam. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 28 de noviembre de 2007. Serie C No. 172, párr. 130. La Corte Interamericana cita en este punto: el Convenio 169 de la OIT; la Política Operacional OP/BP 4.10 del Banco Mundial; el Comentario General 23 del Comité de Derechos Humanos, párrafo 7; y la Recomendación General 23 del Comité para la Eliminación de la Discriminación Racial, párrafo 4(d). 25 ONU – Consejo de Derechos Humanos – Informe del Relator Especial sobre la situación de los derechos humanos y las libertades fundamentales de los indígenas, James Anaya. Doc. ONU A/HRC/12/34, 15 de julio de 2009, par. 47. 26 Corte IDH. Caso del Pueblo Saramaka Vs. Surinam. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 28 de noviembre de 2007. Serie C No. 172, párr. 135. 27 comunidades Chupanky e La Loma já foram delineadas na análise da violação do art. 22 da CADH. Em relação ao terceiro requisito, o direito a obter o pagamento de uma “indenização justa” conforme o artigo 21.2 da Convenção se traduz no direito dos membros dos povos indígenas ou tribais a participar, de forma razoável, dos benefícios derivados da restrição ou #117 privação do direito ao uso e gozo de suas terras tradicionais e daqueles recursos necessários para sua sobrevivência. Não existe uma forma específica de cumprimento dessa obrigação, mas a determinação de como as comunidades afetadas serão beneficiadas exige a participação efetiva dos povos indígenas e tribais e o consenso entre estes e o Estado quanto às medidas definitivas. Por não ter garantido às comunidades La Loma e Chupanky o direito à participarem adequadamente da determinação das formas de participação nos benefícios, através de consultas informadas e efetivas com a totalidade de seus membros e mediante seu consentimento, o Estado de La Atlantis não cumpriu a obrigação do art. 21.2 da CADH. 3.4 VIOLAÇÃO DO ARTIGO 26 DA CADH (DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS) O Estado La Atlantis violou o artigo 26 da Convenção Americana de Direitos Humanos ao não garantir efetivamente um desenvolvimento progressivo dos direitos econômicos, sociais e culturais das comunidades La Loma e Chupanky. Em relação a La Loma, aqueles membros que não aceitaram as terras alternativas propostas pelo Estado foram levados para acampamentos provisórios, nos quais vivem em condições mínimas, de pobreza, sofrendo além da perda das suas terras tradicionais às quais estavam culturalmente vinculados, as dificuldades decorrentes do descaso estatal. Assim, também, ao não garantir-lhes o exercício de sua autodeterminação como comunidade tribal, o Estado de La Atlantis violou em detrimento da Comunidade La Loma o direito ao não retrocesso. 28 Quanto a comunidade Chupanky, a violação dos direitos econômicos, sociais e culturais verifica-se nas condições de trabalho a que foram submetidos seus membros, passando de povo indígena livre para mão de obra explorada pela empresa Turbo Water, sob a ameaça de perda de suas terras, influenciando diretamente em seu desenvolvimento social e cultural. #117 Pela negligência em garantir a dignidade das comunidades indígena e tribal atingidas pelo empreendimento hidrelétrico estatal, acarretando um retrocesso ao patamar de proteção já alcançado por seus membros, o Estado de La Atlantis violou o art. 26 da CADH. 3.5 VIOLAÇÃO DO ART. 5.1 (DIREITO À INTEGRIDADE) 3.5.1 Violação do art. 5.1 em prejuízo de La Loma O direito à integridade pessoal é previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos em seu artigo 5 e a Convenção no.169 da OIT 27, em seu artigo 2, estabelece o compromisso assumido pelos governos em respeitar a integridade dos povos indígenas e tribais devendo ser consideradas a identidade social e cultural das comunidades tradicionais 28. O direito à integridade pessoal foi violado em relação à comunidade La Loma devido ao sofrimento pelo qual passou seus membros, como consequência da perda de suas terras ancestrais, e ainda, o não reconhecimento por parte de La Atlantis da comunidade como tribal, de acordo com os padrões internacionais, sendo-lhes negadas garantias asseguradas a estas comunidades. A Corte, no caso Xakmok Kasek vs. Paraguai 29, reforça o seu entendimento ,já elaborado desde o caso Moiwana vs. Suriname, quanto violação do direito à integridade psíquica e moral como consequência da remoção de comunidades tradicionais de suas terras. A relevância 27 Convenção Relativa aos Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes, Organização Internacional do Trabalho, 1989. 28 OIT, Convenção 169, Art. 2.2.b. 29 Corte IDH. Caso de la Comunidad Indígena Xákmok Kásek vs. Paraguay. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 24 de agosto de 2010, Serie C No. 214, párr. 243. 29 da relação entre uma comunidade tradicional e suas terras tradicionais já foi verificada várias vezes em sentenças da Corte, e pode ser entendida, não apenas como uma relação de posse e propriedade, porém mais ainda, uma referência de sua “cosmovisão”, componente de sua #117 estrutura social e cultural, sendo, portanto, elemento intrínseco dessas comunidades 30 . As consequências da perda de um território ancestral está muito além da perda da propriedade 31. O Estado La Atlantis violou o artigo 5.1 da Convenção Americana em relação a La Loma pois não garantiu os direitos à Comunidade referente a sua condição tribal, afetando sua integridade cultural. 3.5.2 Violação art. 5.1 em prejuízo de Chupanky O Estado de La Atlantis violou o direito a integridade cultural da comunidade Chupanky ao não respeitar suas características culturais e lhes submeter a uma série de situações que contrariam seu modo de vida tradicional. Essa situação foi diagnosticada no Chaco boliviano, onde a perda das terras tradicionais afetava a comunidade em seu desenvolvimento, seu autogoverno e suas instituições sociais e culturais 32. A imposição de uma carga horária de trabalho excessiva afeta diretamente o modo de vida dos indígenas, não observando nem as características culturais nem trabalhistas, pois não houve acompanhamento do aumento do salário. Ainda, as mulheres da comunidade tiveram sua 30 Corte IDH. Caso de la Comunidad Indígena Xákmok Kásek vs. Paraguay. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 24 de agosto de 2010, Serie C No. 214, párr. 182. Corte IDH. Caso del Pueblo Saramaka Vs. Surinam. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 28 de noviembre de 2007. Serie C No. 172, párr. 37. 31 Cfr. Caso de la Comunidad Indígena Yakye Axa Vs. Paraguay, supra nota 5, párr. 135; Caso Comunidad Indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguay, supra nota 20, párr. 118, y Caso del Pueblo de Saramaka Vs. Surinam, supra nota 16, párr. 120. 32 CIDH. Comunidades cautivas: Situación del pueblo indígena guaraní y formas contemporáneas de esclavitud en el Chaco de Bolivia. Doc. OEA/Ser.L/V/II.l, Doc. 58, 24 de diciembre de 2009, párr. 166. 30 dinâmica familiar afetada, como consequência das condições de trabalho. Porém, deve ser entendido o impacto diferenciado dessas condições numa comunidade tradicional. Os membros da comunidade sentiram-se ameaçados quanto as celebrações do Dia Uno, consequentemente sentiram uma ameaça a sua cultura tradicional frente as intransigências durante todo o processo de construção da Hidroelétrica Cisne Negro. Não assegurando a integridade cultural das comunidades La Loma e Chupanky, o estado La Atlantis violou o artigo 5.1 da Convenção Americana. 3.6 VIOLAÇÃO DO ART. 4.1 (DIREITO À VIDA) 3.6.1 Violação do artigo 4.1 em relação a membros da comunidade La Loma O Estado La Atlantis violou o direito à vida de membros da comunidade tribal La Loma pois não assegurou condições dignas nos acampamentos provisórios nos quais se encontravam sob responsabilidade do Estado. A violação do direito à vida pode ser consequência de ação ou omissão do estado. Para isso, exige-se do estado obrigações positivas e negativas para resguardar tal direito 33. Os membros da comunidade que se encontram nos acampamentos passaram a viver em condições de pobreza. Sendo acampamentos providenciados pelo Estado, este esteve a par da situação desde o primeiro momento, e nenhuma providência foi tomada, configurando o violação do dever garantir condições dignas de vida 34. Fica clara a responsabilidade, e consequentemente, exigível prestação de cuidados decorrentes da obrigação positiva de prestar cuidados, ou seja, uma obrigação positiva do Estado 35, sendo ainda possível e proporcional 36. 33 Corte IDH. Caso de la Comunidad Indígena Xákmok Kásek vs. Paraguay. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 24 de agosto de 2010, Serie C No. 214, párr. 187. 34 Caso de la Masacre de Pueblo Bello, supra nota 195, párrs. 123 y 124, y Caso Comunidad Indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguay, párr. 155. 35 Caso de los “Niños de la Calle” (Villagrán Morales y otros) Vs. Guatemala. Fondo, supra nota167, párr. 144. 36 Caso Comunidad Indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguay, párr. 155; Cfr. Caso de la Masacre de Pueblo Bello, supra nota 3, párr. 124 31 Na sentença da Corte, do caso Xakmok Kasek vs. Paraguai, foi considerado violação ao direito a uma vida digna o fato de o Estado não ter promovido o abastecimento adequado, em quantidade e qualidade, de suporte básico para os membros da comunidade. O abastecimento de água potável, alimentos nutritivos e até medicamentos, mostrou-se insuficiente em quantidade e qualidade , pondo em risco a vida de membros da comunidade Xakmok Kasek: “En el presente caso, junto con la carencia de tierra, la vida de los miembros de la Comunidad Sawhoyamaxa se caracteriza por el desempleo, [...], la desnutrición, las precarias condiciones de su vivienda y entorno, las limitaciones de acceso y uso de los servicios de salud y agua potable, así como la marginalización por causas económicas, geográficas y culturales.”37 3.6.2. Violação do artigo 4.1 em relação a membros da comunidade Chupanky O direito à uma vida digna foi violado, em relação ao membros da comunidade Chupanky, uma vez que estes foram submetidos a condições exploratórias de trabalho na construção da Usina Hidroeléctrica Cisne Negro pela empresa Turbo Water. Não sendo observadas as condições dignas de trabalho, de modo reflexo, o direito a uma vida digna e de acordo com a cultura e tradições próprias. A exploração trabalhista de indígenas já fora analisada pela Corte Americana de Direitos Humanos como no caso Xakmok Kasek vs. Paraguai, no qual foi considerado que o Estado não ofereceu prestações básicas a uma população que se encontrava em situação de risco “real e imediato” 38, violando assim o direito previsto no artigo 4o da Convenção Americana de Direitos Humanos. No caso Sawoyamaxa vs. Paraguai, ao analisar as condições em que se encontravam os membros da comunidade Sawoymaxa, em relação aos trabalhos que executavam, a Corte 37 Caso Comunidad Indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguay, párr. 155; Cfr. Caso de la Masacre de Pueblo Bello, supra nota 3, párr. 168. 38 Caso de la Comunidad Indígena Xákmok Kásek vs. Paraguay. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 24 de agosto de 2010, Serie C No. 214, párr. 217. 32 considerou que o Estado não “adotou ações pertinentes para diminuir o risco em que se encontram.” 39, deixando que os membros da comunidade permanecessem na situação de perigo. 3.7 VIOLAÇÃO DO ART. 6.2. (PROIBIÇÃO DA ESCRAVIDÃO E DA SERVIDÃO) EM PREJUÍZO AOS MEMBROS DA COMUNIDADE CHUPANKY A Convenção Americana de Direitos Humanos, em seu artigo 6, veda a prática de exploração trabalhista determinando que “ninguém deve ser constrangido a executar trabalho forçado ou obrigatório” (art. 6.2). Ainda no mesmo diploma, os estados assumem a obrigação de respeitar direitos e garantias, artigo 1, e, se necessário, comprometem-se a adotar em suas legislações internas meios para assegurar o uso e gozo de direitos (artigo 2). Frisa-se que nem nos guerra, de perigo público, ou de outra emergência que ameace a independência ou segurança do Estado-parte (artigo 27.1 da Convenção Americana), poderá haver suspensão da proibição do uso de trabalho escravo ou da servidão. Há responsabilidade do Estado se houver tolerância, negligencia ou aquiescência diante de práticas de violação de direitos humanos. Podendo ser praticadas por agentes estatais ou privados. Portanto, haverá responsabilidade internacional do Estado em ações ou omissões. A OIT conceitua trabalho forçado na Convenção no. 29 40, em seu artigo 2o, como a forma de trabalho executado por "uma pessoa sob ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido espontaneamente”. Para melhor delimitar o alcance da norma, a Organização, em seu relatório de 2005 41, enumera práticas que podem configurar trabalho forçado, entre elas, a exploração do trabalho em troca de remuneração abaixo do salário mínimo, falta de consentimento, sendo este, 39 Caso Comunidad Indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguay, párr. 155; Cfr. Caso de la Masacre de Pueblo Bello, supra nota 3, párr. 163. 40 Convenção n. 29 da OIT. Sobre o Trabalho Forçado ou Obrigatório (1930). 41 Relatório Global do Seguimento da Declaração da OIT sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho de 2005, quadro 1.1.; Identificação de Trabalho Forçado na Prática, 6 33 resultado de engano ou falsas promessas sobre tipos e condições de trabalho; ou ainda, violência como supressão de direitos ou privilégios, privação de meios para suprir suas necessidades, e até, a piora nas condições de trabalho. O estado de La Atlantis violou o artigo 6.2 da Convenção Americana de Direitos Humanos pois na construção da usina hidroelétrica de Cisne Negro encontra-se uma série de irregularidades decorrentes do não enquadramento às condições dignas de trabalho, nem observando as peculiaridades culturais de membros de Chupanky. como estabelece a OIT, que, ao aplicar a legislação nacional, “deverão ser levados em consideração seu costumes e seu direito consuetudinário.” (art. 8, OIT 169). Ainda no mesmo diploma da OIT, no artigo 20, fica evidente o dever de proteção dos direitos e garantias trabalhistas aos povos indígenas e tribais quanto contratação e condições de trabalho, assegurando o direito e acesso a assistência médica (art. 20.2.c, OIT 169), devendo, ainda, serem informados de seus direitos trabalhistas (art. 20.3.a, OIT 169). O Estado, através do Comitê Intersetorial, criado para negociar com a comunidade Chupanky, informou 'a comunidade a respeito da oportunidade dos membros indígenas interessados em trabalhar na construção da hidroelétrica. Entretanto, desde o início não foram observadas importantes questões como o salário digno, as características de vulnerabilidade e, após o início, da piora nas condições de trabalho 42. Constata-se a violação do direito a uma remuneração adequada uma vez que a maior remuneração, oferecida aos homens que trabalhariam na construção da hidroelétrica, era de USD 4,5, o que está muito abaixo do salário mínimo do país. A remuneração das mulheres seria ainda menor, USD 2, estando abaixo da metade do salário mínimo de La Atlantis, o qual seja USD 250. Esta situação Contraria, assim, normas internacionais como o artigo 7.a. do Protocolo Adicional de San Salvador, o qual preceitua o direito a uma remuneração que assegure um 42 Caso de la Masacre de Mapiripán Vs. Colombia. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 15 de septiembre de 2005. Serie C No. 134, párr. 178. 34 mínimo para sua subsistência. (Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais). Desrespeitando ainda padrões estabelecidos pelo O.I.T. através de sua Convenção 169, no artigo 20.b, bem como o artigo 7.a do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Passados dois meses de trabalho, as condições de trabalho pioraram. A jornada de aumentou de 9 (nove) para 15 (quinze) horas diárias, sem o pagamento de horas extras, tanto para os homens como para as mulheres, pois estas ficavam responsáveis pela limpeza do local e alimentação dos trabalhadores, sem garantir um limite razoável das horas de trabalho, previsto no art.7.g do Protocolo de San Salvador. De acordo com o laudo médico solicitado pelas Guerreiras do Arco Íris, alguns trabalhadores foram afetados pela síndrome de descompressão, deixando, assim, de observar o direito a um ambiente de trabalho sadio e seguro, como estabelecido no artigo 7.e. do Protocolo Adicional de San Salvador. Como consequência, esses trabalhadores tiveram suas vidas, saúde e até suas estruturas familiares afetadas profundamente pelas condições em que trabalhavam na construção de Cisne Negro, tendo assim, uma clara contradição a realidade do ambiente de trabalho de membros da comunidade Chupanky e o estabelecido na Convenção 169 da O.I.T., em seu artigo 8.1, o qual estabelece o dever de serem observados os costumes dos povos indígenas e tribais. O Conselho de Anciãos reuniu-se em em 20 de dezembro de 2008 em assembleia comunitária e decidiu pelo veto da continuação das fases 2 e 3 do projeto devido as péssimas condições em que trabalhavam. Como resposta, a empresa se recusou a paralisar as obras e ameaçou despedir e demandá-los por descumprimento de contrato, demonstrando assim a coerção que impede os membros da Comunidade Chupanky a buscar melhorias no exercício do seu direito ao trabalho. De acordo com o Relatório da OIT, caracteriza-se como forma sutil de intimidação “ameaças de demissão quando o trabalhador se recusa a fazer horas extras além do 35 estipulado em seus contratos ou na legislação nacional.” 43. Segundo o mesmo relatório, ainda que haja consentimento inicialmente, este poderá ser considerado irrelevante se houve engano ou fraude quanto as condições de trabalho, havendo, posteriormente a coerção legais, físicos e psicológicas para a permanência na situação em que se encontram. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos já havia afirmado que situação semelhante, observada na região do chaco boliviano os índios guaranis, configura-se como trabalho forçado. Caracterizado por excessiva quantidade de horas trabalhadas em troca de remuneração ínfima, sem o direito de participar na elaboração das condições de trabalho 44 . Assim, resta claro que La Atlantis violou o artigo 6.2, ao explorar a mão de obra de membros da comunidade Chupanky ao submetê-los ao trabalho forçado, caracterizado pela ínfima remuneração, condições inadequadas no ambiente de trabalho e excessiva carga horário. Resultando num abalo na estrutura familiar dentro da comunidade. 3.8 VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 25 DA CADH (PROTEÇÃO JUDICIAL) A Convenção assegura o direito de toda pessoa a um recurso efetivo, simples e rápido que proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais 45. No mesmo sentido, o Projeto de Declaração Americana Sobre os Direitos dos Povos Indígenas, garante o direito a uma estrutura legal efetiva de proteção a seus direitos aos recursos naturais de suas terras46 . A Corte tem estabelecido que não basta a existência formal dos recursos, senãoq eu estes devem ter 43 Relatório Global do Seguimento da Declaração da OIT sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho de 2005, quadro 1.1.; Identificação de Trabalho Forçado na Prática, pag. 6. 44 CIDH. Comunidades cautivas: Situación del pueblo indígena guaraní y formas contemporáneas de esclavitud en el Chaco de Bolivia. Doc. OEA/Ser.L/V/II.l, Doc. 58, 24 de diciembre de 2009, párr. 166. 45 Art. 25 da CADH. 46 Projeto de Declaração Americana Sobre o Direito dos Povos Indígenas, Art. XVIII.4. 36 efetividade, ou seja, devem dar resultados ou respostas às violações de direitos contemplados na Convenção 47. Nesse tipo de processo, a estrutura judicial de La Atlantis prevê que: i) a primeira instância é a autoridade administrativa; ii) a apelação é interposta perante o Tribunal Contencioso Administrativo, e iii) existe o recurso de apelar ao Supremo Tribunal como última instância 48. 3.8.1 Não garantia de Proteção judicial em relação à La Loma Em novembro de 2005, iniciou-se o processo de expropriação das terras dos diversos proprietários de terrenos da comunidade La Loma no sétimo juízo civil de Chupuncué (adiante juiz civil), a fim de fixar o valor a ser pago como indenização. Em fevereiro de 2006 fo i promulgada a ordem de ocupação imediata dos terrenos declarados como utilidade pública em La Loma, despejando seus residentes, os quais foram reassentados em acampamentos provisórios, uma vez que não aceitaram as terras alternativas. Em março de 2006, 75% dos proprietários insatisfeitos solicitaram ao juiz civil que fossem reconhecidos os padrões internacionais para a realização de um processo de consulta prévia e divisão de benefícios assim como a realização de estudos de impacto ambiental. Através da Ordem 1228/2006 de maio de 2006, o juiz civil determinou que La Loma não possuía esses direitos pois, segundo os Decretos de 1985, era reconhecida como uma comunidade camponesa. O juiz ordenou proceder à nomeação de um perito especialista, quem no dia 19 de outubro de 2006 apresentou seu relatório de perícia. Os representantes da comunidade de La Loma interpuseram objeções ao relatório de perícia em 30 de outubro de 2006, com base em que não aceitariam vender suas terras. 47 Cfr. Caso Juan Humberto Sánchez, supra nota 31, párr. 121; Caso “Cinco Pensionistas”, supra nota 32, párr. 126; y Caso Hilaire, Constantine y Benjamin y otros, supra nota 39, párr. 150. 48 Perguntas Esclarecedoras, n⁰ 27. 37 Segundo uma nota de imprensa datada 20 de janeiro de 2012, publicada no jornal El Oscurín Pegri, o Juiz da Vara Cível do caso fixou o valor total da justa indenização em $USD 6 por metro quadrado para cada prédio expropriado em La Loma. Os beneficiários desse pagamento negaram-se novamente a recebê-lo. Por não ter assegurado os direitos da comunidade La Loma decorrentes de seu status tribal, o Estado de Chupanky violou o art. 25 da CADH. 3.8.2 Não Garantia de Proteção Judicial em relação à Comunidade Chupanky A comunidade Chupanky solicitou a anulação do projeto de construção da Cisne Negro perante a CED, porém teve seu recurso administrativo rejeitado sob o fundamento de que a comunidade estava ciente e aprovou o projeto. No mesmo ano, o processo foi submetido ao Tribunal Contencioso Administrativo, que proferiu sentença que estabeleceu que a consulta estava de acordo com os padrões internacionais, assim, se houve discriminação, seria consequência das características culturais, realizado, portanto, o controle de convencionalidade. Com isso, a comunidade deveria obedecer o princípio pactam sum servanda, permitindo o andamento da construção. Declarou, ainda, ser a competência trabalhista das varas especializadas ou de mecanismo contemplado no Tratado de Livre Comércio. A comunidade interpôs recurso de amparo perante o Supremo Tribunal de Justiça solicitando a suspensão tendo em vista que esta punha em risco a integridade física e cultural da comunidade. O recurso foi rejeitado com o fundamento de que todo o procedimento da construção estaria de acordo com os padrões internacionais. Na mesma decisão, o tribunal afirmou que a integridade cultural não é reconhecida como direito autônomo pela Corte Interamericana. O Estado La Atlantis violou o artigo 25, em relação a Chupanky pois, apesar da existência dos recursos administrativo e judicial, bem como, de os membros da comunidade terem sido ouvidos pelas autoridades competentes, não foi exercido o controle de 38 convencionalidade, uma vez que as decisões proferidas são incongruente com CADH e demais normas internacionais. 4. DA SOLICITAÇÃO DE ASSISTÊNCIA 4.1 Medidas Provisórias são necessárias para evitar dano grave e irreparável ao meio ambiente físico, meios de subsistência e integridade cultural da comunidade indígena Chupanky A. Autoridade para Determinar Medidas Provisórias Esta Corte é competente, segundo o art. 63.2 da Convenção, para determinar medidas provisórias em casos extremamente graves e urgentes que possam resultar em danos irreparáveis às pessoas. B. Gravidade, urgência e irreparabilidade dos danos à Comunidade Chupanky Como tantos outros povos indígenas, a Comunidade Chupanky possui uma estreita ligação com seu território, dele dependendo para realização de sua cultura e para sobrevivência como um todo. Dependentes da caça, pesca e da venda dos produtos que plantam em seus territórios, a subsistência da Comunidade Chupanky é estreitamente ligada às suas terras ancestrais e ao Rio Motompalmo/Xuxani. Para efeitos de adoção de medidas provisórias a Convenção requer, quanto ao requisito de “gravidade”, que esta seja “extrema”, ou seja, que se encontre em seu nível mais intenso ou elevado. O caráter urgente da situação objeto de solicitação de medidas provisórias, implica que o risco ou ameaça envolvidos sejam iminentes, o qual requer que a resposta para remediá-los seja imediata. Em relação ao dano, deve existir uma probabilidade de que se materialize e não deve recair sobre bens ou interesses jurídicos que possam ser reparados. A Corte já estabeleceu que “si bien es cierto los hechos que motivan una solicitud de medidas provisionales” “no 39 requieren estar plenamente comprobados, sí se requiere un mínimo de detalle e información que permitan al Tribunal apreciar ‘prima facie’ una situación de extrema gravedad y urgencia”. Todos esses requisitos restam evidentes quando analisados os seguintes fatos: a) Após infrutífera busca da Comunidade Chupanky por proteção interna do Estado de La Atlantis, culminando na sentença de indeferimento de 15 de dezembro de 2009 do Supremo Tribunal de Justiça, a Comunidade recorreu à Comissão Interamericana. Esta, através de seu relatório de admissibilidade 969/2011, emitiu solicitação de medidas cautelares ao Estado para que interrompesse as obras de construção da hidrelétrica até resolução do mérito, o que não foi cumprido, motivo pelo qual, em 4 de outubro de 2011 #117 a Comissão Interamericana solicitou perante essa Corte medidas provisórias em favor da Comunidade Chupanky; a) As obras de construção da hidrelétrica continuam 49 , ameaçando irreversivelmente a integridade cultural, a dignidade e o meio-ambiente vital da comunidade indígena Chupanky, afinal, a construção da Usina Cisne Negro acarretará a inundação do território ancestral da Comunidade Chupanky e a alteração do curso do Rio Motompalmo; b) Além disso, a celebração do “Dia Um”, prevista para acontecer no dia 21 de dezembro de 2012, está ameaçada, uma vez que é cerimônia realizada no território tradicional da Comunidade Chupanky, que poderá ser completamente alagada, caso as obras da hidrelétrica cheguem à fase 3 do projeto. c) A TW aumentou o nível de exigência por parte dos trabalhadores locais e tomou as providências necessárias com as autoridades a fim de remover a comunidade Chupanky para as terras alternativas o mais cedo possível, e substituir sua força de trabalho. 49 Pergunta Esclarecedora n⁰ 69. 40 No caso em análise, a necessidade de proteção de direitos humanos fundamentais da Comunidade Indígena Chupanky é diretamente proporcional ao interesse Estatal de ver em atividade o projeto energético que representa um dos principais projetos de investimento estrangeiro da década, gerando vários benefícios industriais para o país. Ressalte-se, todavia, que o crescimento econômico em La Atlantis se dá apesar da escassez de energia 50 e que o ímpeto de desenvolvimento econômico não vislumbra nem fração da urgência que merece a proteção dos direitos da Comunidade Chupanky, dos quais sua existência mesma como um povo é dependente. Não conceder à comunidade a proteção imediata ora pleiteada, significaria legitimar o progresso econômico às custas da supressão de minorias historicamente marginalizadas, como #117 é o caso dos indígenas, gerando perdas irreparáveis não somente para os membros dessa comunidade, mas também para o Estado de Direito, para cuja existência é requisito o pluralismo. 4.2 Das Reparações e das Custas Em decorrência da responsabilidade internacional do Estado de La Atlantis pelas violações de direitos humanos consagrados na Convenção Americana de Direitos Humanos, a jurisprudência consolidada da Corte IDH, baseada no art. 63.1 da CADH, determina a obrigação de reparar do Estado. Busca-se a restauração do status quo das vítimas anterior às violações cometidas ou, em não sendo possível, a restitutio in integrum. 4.3 Dos Pedidos Ante o exposto, os representantes das vítimas solicitam à Corte IDH: a) Seja o Estado de La Atlantis condenado pela violação dos artigos 4, 5, 6, 8, 21, 22, 23, 25 e 26 da Convenção Americana em detrimento das Comunidades La Loma e Chupanky e pela violação 50 Caso Hipotético, §1. 41 do art. 4, alínea j da Convenção de Belém do Pará em detrimento das mulheres da Comunidade Chupanky; b) Que os membros de La Loma sejam restabelecidos em suas terras ancestrais; c) Que o Estado proceda à realização de consultas efetivas com a Comunidade La Loma a fim de ouvi-los sobre a construção da hidrelétrica Cisne Negro e, na oportunidade, sobre as formas de participação nos benefícios; d) Que as decisões proferidas pelo Juízo Cível responsável pelo processo de expropriação dos membros de La Loma sejam anuladas; e) Que o Estado garanta a interpretação das normas internas conforme a Convenção e reconheça os direitos da Comunidade La Loma enquanto comunidade tribal; f) Que o Estado proceda a novas consultas com os habitantes de Chupanky, ouvindo inclusive as mulheres da comunidade; g) Que o Estado interrompa as obras de construção da Usina Cisne Negro enquanto não proceder às consultas devidas com as duas comunidades; #117 h) Que o Estado refaça os Estudos de Impacto Ambiental e Social, investigando o impacto da Usina Cisne Negro na cultura e no modo de vida das comunidades atingidas e entregue cópia fiel do EISA traduzido para a língua rapstani aos representantes das comunidades atingidas; i) Que o Estado pague justa indenização por danos morais causados às vítimas; j) Que o Estado arque com as custas processuais referentes ao procedimento interno, assim como perante essa Corte IDH; k) Que o Estado publique no Diário Oficial e em outro periódico de ampla circulação nacional, a sentença ditada pela Corte dentro do prazo de seis meses a partir da notificação da mesma; l) Que o Estado reconheça, em ato público com a presença das mais altas autoridades, a responsabilidade internacional do Estado, para que sirva de exemplo e garantia de não repetição; 42
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#252 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS
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