“Hoppípolla” e as novas imagens do envelhecimento

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“Hoppípolla” e as novas imagens do envelhecimento
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“Hoppípolla” e as novas
imagens do envelhecimento
Barbara Tancetti
Ruth Gelehrter da Costa Lopes
O envelhecimento
A idade, bem como o envelhecimento, está ligada a fenômenos biológicos e
determinada e pontuada por estes, mas seu significado é determinado social
culturalmente. A abordagem do ciclo biológico como estágios da vida surgiu
partir do séc. XX, graças às grandes mudanças na estrutura econômica
social das sociedades ocidentais a partir da industrialização.
é
e
a
e
Com o surgimento da infância e da adolescência como fases da vida, alvos de
estudos de diversos setores (bem como de legislação e demarcação dentro da
sociedade e do mercado), a velhice se tornou proeminente como outra fase,
distinguindo-se suas necessidades daquelas da meia idade. Seu rito de
passagem é a aposentadoria, que instituiu a idade média do início da velhice
em um padrão de 65 anos. Dessa forma, essa diferenciação acarretou uma
determinação das funções sociais e econômicas, de acordo com a idade,
aumentando a segregação e distinção destes grupos.
Mas as necessidades desta nova etapa também se evidenciaram por outros
fenômenos, como a alteração da estrutura familiar – com famílias cada vez
menores e, principalmente, a transformação e a redefinição de seus valores, o
que incluiu a diminuição da interdependência entre membros da família. Isto
teve como principais efeitos: a maior segregação do idoso também dentro do
próprio núcleo familiar, e a institucionalização do cuidado dos seus membros
mais necessitados, resultando na adoção do asilo como o lugar de cuidado
para os idosos.
Desta forma, estas construções históricas e sociais contribuíram
consideravelmente para que, gradualmente, a imagem da velhice fosse ligada
a estereótipos negativos, de decadência, incapacidade, inutilidade e exclusão.
Este fenômeno, associado ao crescente culto à juventude, cada vez mais
evidente na atualidade, e que também decorre do mesmo processo de
segregação de faixas etárias, ajuda a reforçar ainda mais essa imagem.
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A entrevista
A realização da entrevista foi precedida da exibição do videoclipe da música
“Hoppipolla” do artista Sigur Rós, para contextualizar a reflexão. Foi
entrevistado o designer Jairo Neto, 23 anos, pós graduando em Cinema, Video
e Fotografia: Comunicação em Multimeios.
Quais são, de maneira geral, as principais impressões causadas pelo
vídeo e a música?
A faixa passa uma sensação de alegria e aparente esperança. Acho que isso
se vê muito pelos timbres utilizados nela, com um crescendo de sinos que
atinge o clímax com um conjunto de metais e cordas. Acho que esse
expediente musical ajuda nessa leitura "favorável" da composição.
O nome da música em sua tradução ao português significa "pulando" (do
islandês hoppipolla). Se ouvirmos direito o andamento e tempo da percussão,
percebemos que lembram algum saltitar.
Esta música é tão boa que foi utilizada em trailers, como do filme "Filhos da
Esperança" e em programas de tevê, nos documentários do Discovery
Channel. Só mais um comentário que, talvez por ser em islandês e quase
ninguém entender o que eles falam, a melodia se sobressai, tornando a música
mais universal.
Que aspectos da velhice são retratados?/ Que imagem da velhice é
abordada no vídeo?
Acho que de um descompromisso ou falta de medo. Talvez, uma procura por
uma alegria diferente. Só somos apresentados a ações dos grupos de
velhinhos, então pouco conseguimos saber ou concluir do passado deles, mas
pelo o que é apresentado já é suficiente para tirá-los de dentro da visão usual
que temos da velhice, que precisa ser aquela coisa recatada e senil. Acho que
ainda mais pelo descompromisso das ações do grupo.
O que você considera como velhice? Quais as principais perspectivas
para esta fase da vida?
Velho e sábio. Talvez. Acho que tenho uma perspectiva de ter lido muitos livros
ou de ter mais tempo para ler mais livros. Ou até de ir mais vezes ao cinema.
Quem sabe, ter mais certeza das coisas da vida. Ou não. O que me dá mais
medo é ser afetado por alguma doença misteriosa que me impeça de fazer
atividades básicas. Ou que me impeça até de lembrar memórias recentes ou
até antigas. Acho que é medo de ficar privado de pensar e raciocinar direito.
Você considera essa imagem retratada no vídeo condizente com aquela
predominante na sociedade? Por quê?
Não, ainda mais pelos velhinhos terem atitudes condizentes com as de
adolescentes rebeldes. Acho que a sociedade espera que uma pessoa idosa
tenha uma vida mais recatada e fechada. Até mais limitada se é possível dizer
assim. Claro que talvez a velhice traga maiores limitações físicas e
psicológicas. Ainda mais que a sociedade deixa isso claro ao estabelecer
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maiores facilidades e comodidades em locais públicos, como vagas em
estacionamentos e caixas especiais. Só não creio que o idoso precise se
acomodar tanto a estes pressupostos.
Que tipo de reflexões este outro conceito da velhice suscita?
Que a sociedade é calcada por padrões comportamentais que mais nos
prendem do que nos libertam. É bom ver o quanto alguns idosos podem ter
vidas tão saudáveis quanto adolescentes. Existem alguns que fazem academia
de manhã, natação a tarde e mais outras atividades que nem eu tenho tempo
de fazer. Talvez, por alguns aspectos, a velhice não seja uma fase tão ruim
como se pensa.
Reflexões
Podem ser traçados muitos paralelos entre a construção da imagem atual da
velhice e os dados fornecidos pela entrevista.
O vídeo traz, na junção de todos seus elementos, como música, título, letra e
ritmo, uma leveza e um ar infantil que não condiz, a princípio, com os idosos
que atuam nele. Estes, armados de brincadeiras, brinquedos e ar infantil, agem
como crianças no auge de sua energia e força de espírito, correndo, pulando
em poças d’água e atirando balões e bombinhas. Esta imagem é ainda
reforçada pela música, que em um crescente escalar e adicionar de força e
instrumentos traz a ideia de vida, esperança.
Esta imagem, reforçada também pelas primeiras impressões relatadas por
Jairo, traz uma oposição muito forte e muito aparente com a imagem de velhice
que predomina em uma sociedade que prefere o que é jovem e belo. A velhice,
carregada de estereótipos de caráter negativo, como decadência, feiura,
impossibilidades e, principalmente, a morte, choca frontalmente com o que é
passado pelo vídeo: a velhice também é vida, velhice também é juventude.
Este paradoxo, portanto, leva a uma reflexão e um requestionamento de
valores a respeito da imagem de velhice e as próprias perspectivas a respeito
desta fase da vida. Isto pode ser percebido durante a entrevista, já que este
questionamento e esta reflexão vieram à tona quando Jairo, ao comparar sua
visão de velhice como “velho e sábio” e aquela abordada no vídeo, chega a
questionar a respeito das verdadeiras limitações do idoso e aquilo que é
imposto como limitação pela sociedade através das comodidades.
A imagem de velhice, por quem não tem experiência direta, se dá,
primeiramente, à distância e sob a configuração da ótica de certa construção
social. Desta forma, antes que haja alguma reflexão, podem-se perceber
claramente traços em comum com essa imagem segregada e decadente da
velhice. Em contraponto, quando se entra em contato com outras imagens, que
ilustram o oposto daquela convencional, e se reflete a respeito da própria
colocação e da própria entrada neste estágio da vida, a imagem se altera,
tornando-se mais amena e mais realista.
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No caso da entrevista, esta reflexão se fez clara a medida que as perguntas
suscitavam questões. A princípio, Jairo chegou a explicitar a maneira
convencional que o idoso é visto - a forma “recatada e senil” - e, em seguida,
demonstrar temor a respeito da própria impossibilidade na velhice, reforçando a
questão da restrição desta fase. Em seguida, foi possível perceber uma
elucidação das restrições determinadas pela própria sociedade a partir das
imagens impostas e, em contraposição, uma melhor percepção das
verdadeiras capacidades dos idosos, que fica explicitada na frase “Existem
alguns que fazem academia de manhã, natação à tarde e mais outras
atividades que nem eu tenho tempo de fazer. Talvez, por alguns aspectos, a
velhice não seja uma fase tão ruim como se pensa.”.
Este final exprime uma maior esperança e uma quebra, assim como a
proporcionada pelo vídeo, da ideia de impossibilidades decorrentes da velhice,
retratando esta fase como um vislumbre de outras possibilidades que a idade e
a situação da velhice proporcionam, como o tempo, a disposição, a
oportunidade de fazer coisas que não puderam ser feitas anteriormente, que
foram adiadas para este período.
Concluindo, “Hoppípolla” mostra que a velhice não se constitui apenas de
declínios e quedas, mas pode ser vista também como um saltitar em direção a
uma nova fase, com novas perspectivas e novas possibilidades.
Ficha Técnica
Diretor: Arni & Kinski
Artista: Sigur Rós
Ano: 2005
Elenco: Kjartan Sveinsson (tecladista), Jón Þór Birgisson (guitarrista e vocalist),
Orri Páll Dýrason (baterista), Georg Holm (baixista).
Referências
HAREVEN, TAMARA K. Novas Imagens do Envelhecimento e a Construção
Social do Curso da Vida. Cadernos PAGU, Campinas, v. 13, p. 11-35, 1999.
Sigur
Ros
–
Hoppípola
(2005).
Disponível
http://www.youtube.com/watch?v=4L_DQKCDgeM . Acesso em 11/2010.
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