courrier/courrier 24-11-06

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courrier/courrier 24-11-06
c onvidado
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RUZICA DJINDJIC
Mulheres: os tectos de vidro
E
Frattini, no debate sobre o relatório: «São os homens quem ainda
M 1980, por decisão do Presidente Ramalho Eanes, Portutoma a maioria das decisões. Os estereótipos e a descriminagal quebrou um tecto de vidro: teve uma primeira-minisção persistem. As parcialidades dos sistemas de recrutamento
tra. Efemeramente, embora: mostrou-se pequeno para a
e promoções estão generalizadas.»
mulher de horizontes globais que era Maria de Lurdes
Foi também esta uma das conclusões que ressaltou de audiPintasilgo. Está por reconhecer a diferença que a sua acção pública sobre o tema que organizei em Lisboa, com o contribução internacional, por um mundo melhor, fez também peto desempoeirado do ministro da Defesa, Nuno Severiano Teixeilo bom nome de Portugal.
ra, e testemunhos de mulheres diplomatas, magistradas, jornalisVinte e seis anos depois, no dia em que os militantes do PSF
tas e oficiais das Forças Armadas e da Polícia, com experiência em
escolheram Ségolène Royal para candidata à Presidência da Franmissões internacionais: a tendência dos sistemas de recrutamença, o Parlamento Europeu aprovou um relatório sobre o tema «Muto e promoção para perpetuar a «old boys network», sem suficienlheres na Política Internacional». Redigido por mim, nele se identites mulheres neles integradas. Mais que o desiquilibrio da repartifica o que se passa quanto à participação de mulheres nos centros
ção de responsabilidades familiares e profissionais, este foi identide poder da política internacional, com recomendações para suficado como principal factor impeditivo de maior número de porprir o défice dessa participação. Apesar da Declaração de Pequim
tuguesas ascender a cargos de poder e de participar mais em mise dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, em apenas 15
sões internacionais (A par, claro,
dos 191 Membros da ONU, os Cheda inépcia para colocar e promofes de Estado ou de governo são
ANA GOMES
ver a carreira de portugueses/as,
mulheres. E só 16 por cento dos
Eurodeputada socialista e ex-dirigente do PS
como instrumento estratégico ao
parlamentares são mulheres.
com Ferro Rodrigues, nasceu em Lisboa há 52 anos.
serviço do interesse nacional).
Apesar da Resolução 1325 do
Diplomata formada em Direito, foi consultora
É preciso nesta matéria ir
Conselho de Segurança da ONU,
de Eanes em Belém e representou Portugal
além dos números: a participação
desde o ano 2000, instar à incorna ONU, Tóquio e Londres. Destacou-se na secção
das mulheres na política tem de
poração de mulheres na negociade interesses de Portugal na Indonésia (e tornou-se
ser assegurada também pela difeção e resolução de conflitos interembaixadora), pela defesa do povo de Timor-Leste.
rença substantiva que implica panacionais e em missões de paz,
ra a definição das agendas políticas. Sendo que os números conapenas se contam nove mulheres entre os 91 enviados ou representam, porque é preciso haver «massa crítica» para fazer a diferentantes do secretário-geral. E as mulheres continuam sub-represença, tanto nacional como internacionalmente. Pelo que interessa:
tadas nas missões, sobretudo em postos cimeiros.
pelos direitos humanos — e os das mulheres em especial. Pela
Na Europa, o panorama não é melhor. Apesar da UE ser presipaz, reconciliação, justiça. Pela boa governação. Pela transparêndida pela finlandesa Tarja Halonen e de Angela Merkel ser Chancecia da administração pública. Pela democracia e Estado de direito.
ler da Alemanha, apesar da resolução 2025 do PE também aprovaA diferença qualitativa feita pelas mulheres em missões de paz
da em 2000, e apesar do Roteiro da Comissão Europeia para a
ou em negociações internacionais é reconhecida pelo Conselho
Igualdade entre Homens e Mulheres: não temos ainda uma Comisde Segurança da ONU, através da Resolução 1325, como essencial
são Europeia com composição paritária; temos apenas uma mupara a melhoria do desempenho e eficácia das próprias missões.
lher entre os 14 representantes pessoais do «Sr. PESC»; e entre os
Mulheres constituem a maioria esmagadora das vítimas de confliactuais 107 chefes de delegação da Comissão Europeia pelo muntos, entre deslocados e refugiados. Não foram elas quem, em redo fora apenas sete são mulheres (uma delas portuguesa).
gra, tomou as decisões que desencadearam ou perpetuam guerras
E, no entanto, abundam na Europa mulheres qualificadas, come conflitos. Mas sem lhes dar voz e as envolver nos processos de
petentes e experientes em relações internacionais, direitos humapaz, não há reconciliação nem solução de conflito que se sustente.
nos, segurança e defesa, justiça, administração pública, organizaNa esfera nacional, sem presença equilibrada de ambos os
ção eleitoral, comunicação e «media» e outras valências essengéneros nos centros de decisão política e económica, fica em cauciais na negociação diplomática, em missões de paz e de prevensa a democracia representativa. Sem suficientes mulheres a fazer
ção e resolução de conflitos. Elas enxameiam todos os níveis das
a diferença na agenda política, a democracia fica em défice. Em
instituições europeias e das administrações públicas, empresas,
Portugal, a Lei da Paridade poderá, a prazo, fazer a diferença. Mas
universidades e ONG dos países europeus. Todos os níveis, excepela poderia vir antes, havendo liderança com vontade política pato no topo: nos órgãos cimeiros de poder e decisão política e ecora quebrar tectos de vidros. Demonstra-o o Governo paritário de
nómica na Europa, e, em Portugal, as mulheres continuam escanZapatero, aqui ao lado, em Espanha.
dalosamente sub-representadas. Como reconheceu o comissário
PALAVRAS DITAS
l ALINA CASTRO,
filha de Fidel Castro
JULIO IGLESIAS,
cantor espanhol
l Compreensiva
l Ordinário
«Recentemente, ele reaproximou-se da
religião e, às portas da morte, descobriu
Jesus, o que não me surpreende, porque o nosso pai foi educado por jesuítas». Terá medo da morte? «Não sei, mas
parece-me que está mais interessado na
salvação da sua alma do que no futuro
de Cuba». Corriere della Sera, Milão
«As pessoas imaginam que quando faço chichi sai
ouro, que não tenho artrite ou que
sou imortal». O
«sex-symbol» en- Íx Julio Iglesias visto
velhecido respon- por Bertina, Barcelona
dia, filosoficamente, a uma pergunta sobre a passagem do
tempo. Aos 63 anos, acaba de lançar um
novo álbum e espera um filho. El Periódico
de Catalunya, Barcelona
FAROUK HOSNI,
ministro da Cultura egípcio
l Temerário
«Os cabelos das mulheres são belos como flores e não devem ser escondidos
nem cobertos com véus na presença
das outras pessoas». Estas palavras provocaram uma tempestade de indignação
tanto da parte dos Irmãos Muçulmanos
[movimento islamita] como na mesquita
Al-Azhar. Reclamam a demissão do ministro. Al-Masri Al-Yom, Cairo
te a sua recente visita oficial à Argélia. El
Watan, Argel
AVIGDOR LIEBERMAN,
ministro israelita das Infra-estruturas
(extrema-direita)
l Sensível
«Não se deve atacar os campos de refugiados [palestinianos], onde as pessoas
vivem na miséria, mas antes os dirigentes do Hamas e da Jihad Islâmica, que
devem desaparecer todos, para entrarem, juntos, no paraíso». Maariv, Telavive
SILVIO BERLUSCONI,
ex-primeiro-ministro italiano
l Reformado
BÜLENT ARINÇ,
presidente da Assembleia Nacional turca
l Acusador
«O mundo inteiro deve tomar conhecimento dos massacres e dos genocídios
cometidos [pela França] em Sétif e noutras regiões da Argélia», declarou, duran-
«Certamente voltaremos ao poder, mas
posso, desde já, dizer-vos uma coisa.
Aconteça o que acontecer, não regressarei ao Palácio Chigi [casa do chefe do Governo]». Aos 70 anos, o líder da oposição
anunciou que tão-pouco disputará a Presidência da República. Libero, Milão
O exemplo de Zoran
mulher não será, também na
Sérvia, o futuro da
política? Ruzica
Djindjic, viúva do
primeiro-ministro
Zoran Djindjic, assassinado em Belgrado, em 2003,
decidiu entrar para a lista do Partido Democrata (DS), fundado pelo defunto. Uma vez que é cabeça-de-lista, tem grandes hipóteses de assumir o cargo que foi de Zoran, na chefia
do Governo, caso o DS tenha um bom
resultado eleitoral no próximo dia 21 de
Janeiro. «Ou continuamos na via democrática e europeia ou enveredamos pela dos radicais», afirma, referindo-se ao
Partido Radical de Vojislav Seselj, julgado por crimes de guerra no Tribunal Penal para a ex-Jugoslávia. Esta bela mulher, muito discreta, até agora desligada
da política, explica o seu envolvimento
«pela vontade de ajudar o DS a concluir a democratização do país e as reformas [iniciadas pelo seu marido]».
Nesta óptica, não exclui aliar-se ao Partido Liberal Democrata do turbulento Cedomir Jovanovic, ex-braço-direito do primeiro-ministro Djindjic e «enfant terrible»
da política sérvia. Ao defender uma ruptura rápida e radical com a herança de Slobodan Milosevic, Jovanovic bateu com a
porta na cara do DS, que considerava demasiado consensual. Danas, Belgrado
A
DR
8
GUSTAVO MONCAYO
Acorrentado
Á um mês
que este colombiano de 54
anos dá aulas de
Ciências Sociais
de mãos acorrentadas. Esta não é
uma pena inovadora, explica o
madrileno El Mundo. Gustavo Moncayo solidariza-se com
o seu filho mais velho, Pablo Emilio, sequestrado há nove anos pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia
(FARC). A 21 de Dezembro de 1997, foi
raptado, com 17 outros soldados, numa
base militar do Sudoeste do país. Tinha
19 anos. Em Junho de 2001, graças a
um acordo com o Governo de Andrés
Pastrana, os rebeldes libertaram os reféns, excepto Pablo Emilio e outro companheiro. Gustavo recebeu notícias dele
por três vezes. Há um mês, esperava-se
que fosse solto, mas a explosão de um
carro armadilhado no centro de Bogotá,
a 19 de Outubro, levou o Presidente Álvaro Uribe a bloquear as negociações e a
optar pela força. Gustavo acorrentou-se
então e promete permanecer assim até
que Pablo recupere a liberdade. «De início, os pais dos meus alunos queixaram-se. Achavam que eu ia traumatizar os miúdos, mas penso que traumatizados são os que estão sequestrados na floresta há anos». Agora, o professor goza do apoio dos pais dos seus
alunos e continua a chamar a atenção para a sorte do filho, que partilha com o seu
amigo a sinistra distinção de ser o refém
«mais duradouro» do mundo.
H
DR
COURRIER INTERNACIONAL
GENTE D’AMANHÃ