Untitled - Área de Acesso UCDB

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MATO GROSSO DO SUL: APONTAMENTOS
HISTÓRICOS.
Neimar Machado de Sousa (org.)
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MISSÃO SALESIANA DE MATO GROSSO
UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO
INSTITUIÇÃO SALESIANA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR
Chanceler: Pe. Dr. Afonso de Castro
Reitor: Pe. José Marinoni
Pró-Reitor Acadêmico: Pe. Jair Marques de Araújo
Ficha Catalográfica
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© 2005 Editora UCDB
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
1ª Edição
2006
Coordenação de Editoração
Ereni dos Santos Benvenuti
Editoração Eletrônica
Neimar Machado de Sousa
Capa
José Francisco Sarmento
É proibida a reprodução total ou parcial desta publicação,
para qualquer finalidade, sem autorização por escrito dos
editores.
O conteúdo publicado é de inteira responsabilidade do autor
e não representa o posicionamento da Editora UCDB.
Feito depósito legal na Fundação Biblioteca Nacional
(Decreto n. 1825 de 20/12/1907).
Os direitos desta edição são reservados à Editora
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A história só se repete como farsa ou como tragédia.
K. Marx
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Dedico este livro:
Aos professores e colegas do Curso de
História/UCDB, aos meus alunos no Curso
de História pelo esforço, apoio e paciência
que tiveram comigo.
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SUMÁRIO
A CRIAÇÃO DO TERRITÓRIO FEDERAL DE PONTA PORÃ......................................9
A HISTÓRIA DO POVO TERENA...................................................................... 11
ARNALDO ESTEVÃO DE FIGUEIREDO ............................................................. 14
BARÃO DE ANTONINA E AS TERRAS DE MATO GROSSO ................................... 17
DIVISÃO DO ESTADO DE MATO GROSSO ....................................................... 23
VIDA E OBRA DE DOM AQUINO CORRÊA (1885 – 1956) ................................... 28
FILINTO MÜLLER ......................................................................................... 44
MADAME LYNCH .......................................................................................... 48
MOVIMENTO DIVISIONISTA NO MATO GROSSO DO SUL................................... 52
A VIDA E OBRA DE PAULO COELHO MACHADO................................................ 55
A TRILHA DO PEABIRU ................................................................................. 63
A GÊNESE DE CORUMBÁ............................................................................... 69
ARLINDO DE ANDRADE GOMES..................................................................... 76
CORONELISMO EM MATO GROSSO (1889-1943) ............................................. 80
HISTÓRIA E FRONTEIRA: O SUL DE MATO GROSSO 1870-1920. ....................... 85
PEDRO PEDROSSIAN.................................................................................... 92
RIO PARAGUAI NO MATO GROSSO DO SUL..................................................... 96
RONDON E OS ÍNDIOS DO CENTRO-OESTE BRASILEIRO ................................ 101
SILVINO JACQUES O ÚLTIMO DOS BANDOLEIROS ......................................... 109
UM POUCO DA VIDA DE VESPASIANO BARBOSA MARTINS.............................. 113
VIRGÍLIO CORRÊA FILHO............................................................................ 117
ENTREVISTAS ........................................................................................... 134
PEDRO PEDROSSIAN.................................................................................. 135
PAULO COELHO MACHADO ......................................................................... 145
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APRESENTAÇÃO
A grande parte dos acadêmicos ao ingressarem na universidade conhecem
mais a história de Roma que a própria. O mesmo pode-se dizer com relação à Bolívia,
aos índios, ou mesmo dos processos históricos regionais ou locais e sua conexão com
a história do país. Embora o raciocínio parece simplicista, encerra uma provocação
relevante que remete ao currículo de história de nossas escolas na educação básica e
até mesmo no ensino superior de onde provém nascem os professores que
administrarão este currículo nas salas de aula e preparação os futuros acadêmicos.
Ressalta-se aqui o fato deste texto nascer no bojo de uma graduação em
história e atinge assim futuros professores que produzem material didático-pedagógico
ao mesmo tempo em que treinam a própria pena. O texto também visa suprir uma
lacuna de textos reamente mais afinados com a produção acadêmica para uso
posterior em sala de aula devido ao uso público e gratuito desta obra, por isso a opção
pelo formato eletrônico.
Prof. Neimar Machado de Sousa
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A CRIAÇÃO DO TERRITÓRIO FEDERAL DE PONTA
PORÃ
Josué Antonio Teodoro1
RESUMO: Esse texto foi elaborado de acordo com as exigências da disciplina de
História do Mato grosso do Sul, ministrado pelo Profª Neimar Machado no 5º semestre
do curso de história desta instituição. Tem por objetivo analisar o processo de criação
do território federal de Ponta Porá, apontando suas principais características. Para
tanto os procedimentos metodológicos utilizados, foi a leitura e analise de textos,
cujas os resultados estão serão apresentes no referente artigo.
PALAVRAS-CHAVE: Território Federal, Mato Grosso, Povoamento.
A CRIAÇÃO DO TERRITÓRIO FEDERAL DE PONTA PORÃ
Na década de 40 Getúlio Vargas, decide ocupar os “vazios” do Brasil. Pois a
zona Central do país era totalmente dezabitadas, em pleno século vinte, uma enorme
parte do território nacional ainda era desconhecida, a naõ ser pelas lendas de indios
assacinos que corriam pela imaginação das pessoas e os relatos dos banderantes nada
se sabia ao certo dessas região. Essa iniciatica do governo de povoar os territórios
brasileiros ficou conhecido como “A Marcha para o Oeste” um moimento que organizou
varias espedições, uma delas ficou conhecida com marcha do Roncador Xingu
lideradas pelos três irmão Orlando Villas Bôas, o mais velho, Cláudio e
Leonardo.Pois na época o governo precisava de homens para a difícil empreitada e
estava convocando voluntários. Assim tem inicio a Marcha para o Oeste.
Em setembro de 1943, são criados no país cinco novos territórios federais:
Amapá, Rio Branco, Iguaçu, Ponta Porá, Nioaque, e Dourados.
Dentre esses Ponta Porã:
Em 1943, por decreto-lei de 13 de setembro, foi criado o Território
Federal de Ponta Porã, entre outros, ao longo das fronteiras do país
diante da necessidade de povoar essas distantes regiões.[...] era
constituído pelos municípios de Porto Murtinho, Miranda, Nioaque,
Belas Vista, Ponta Porã, Maracaju e Bonito. Ponta Porã era a capital e
seu primeiro governador foi Ramiro Noronha (1945-45).
(CAMPESTRINI, GUIMARÃES, 1995, p.129).
Além disso, mais tarde como o objetivo de ocupar a região de fronteira com o
Paraguai e reduzir o poder da Companhia Mate Laranjeira, o governo federal
implantou a colônia agrícola de Dourado. Essas áreas foram divididas e cedidas a
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Aluno do 5º semestre do curso de História da Universidade Católica Dom Bosco
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colonos, a concessão desses lotes deu origem a vários municípios favorecendo assim o
povoamento.
Ouro fator importante a ser lembrado e que a criação do território de Ponta
Porá, representou uma grande contribuição para a tão sonhada criação do Estado de
Mato Grosso do Sul. No entanto, este território teve vida curta, pois em 1946, com a
promulgação da Nova Constituição Federal, ele foi extinto.
Contudo pode-se concluir que essa necessidade de povoar o país, através da
Marcha para Oeste, foi responsável pela criação de novos municípios o que vai
favorecer o povoamento da região. Vimos que Mato Grosso também passou por esse
processo, através da criação do território federal de Ponta Porã, e da colônia agrária
de Dourados. É que essa divisão dentro de Mato Grosso, ai fortalecer os idéias para
uma divisão desse Estado, a criação do novo Estado de Mato Grosso do Sul.
BIBLIOGRAFIA
CAMPESTRINI, Hildebrando, GUIMARÃES, Acyr, Vaz. História de Mato Grosso do
sul. 4 ed.Campo Grande: Brasília. 1995
GRESSLER, Lori, VASCONCELOS, Luiza, SOUZA, Zélia. História e Geografia do Mato
Grosso do Sul.
Site: http://www2.uol.com.br/caminhosdaterra/reportagens/140_roncador:
Matéria publicada na edição #140 da revista Os Caminhos da Terra.
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A HISTÓRIA DO POVO TERENA
Ramão da Silva Fermino 2
RESUMO: Este artigo foi desenvolvido com o objetivo de analisar e estudar a história
do povo terena no Estado de Mato Grosso do sul, seus principais momentos na
história, suas contribuições para o desenvolvimento da região, bem como também
como seu passado de exploração, e quais as conseqüências que o passado trouxe para
a vida desse povo, que já sofreu com muitas explorações, nos dia atuais. Para se
conhecer a história dos terenas é preciso recorrer a várias fontes de informações.
Podemos conhecer o passado dos terenas pelos produtos da sua cultura material como
objetos de cerâmica; tecelagem, instrumentos musicais, que revelam muito dos
hábitos e costumes antigos e que atualmente nem sempre existe. Mais Também ouvir
os relatos orais dos mais velhos.
PALAVRAS-CHAVE: Terenas, História, Origem, Território.
A LÍNGUA DOS TERENA
A língua falada pelos terenas é a mais importante fonte que se tem para se
conhecer parte da história mais recente é também do passado.
Saber a origem do povo é muito difícil. Em geral, cada povo cria mitos
e lendas para explicar sua origem. O mito sobre como os terenas
forram criados, pode ser contado de várias maneiras, as diferenças
entre as versões narradas estão ligadas ao momento e a situação
vivida pelo povo, quando contam essa parte de sua história.
(BITENCOURT, 2000, p. 22)
A região do Exiva (Chaco) ficava próxima das minas de metais preciosos onde
os colonizadores europeus disputavam esse território.
As várias tribos da região foram envolvidas por essas lutas, com isso houve o
deslocamento. Os terenas construíram suas aldeias perto do forte Coimbra e das vilas
das serras de Albuquerque entre os rios Paraguai e Miranda.
Na época em que os terenas deixaram o Exiva, a região de Miranda era
desabitada.
MOMENTOS HISTÓRICOS DO POVO TERENA
Para os terenas, têm relembrado três grandes momentos em sua história.
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Acadêmico de História/UCDB. Indígena da etnia Terena.
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O primeiro foi à saída do Exiva, foi um período em que os Terenas ocupavam
um território vasto, dedicando-se a agricultura, e estabelecendo alianças importantes
com os guaicuru e com os portugueses.
O segundo momento foi à guerra do Paraguai (1864-1870) os terenas e
guaicuru aliaram-se aos brasileiros e lutaram para preservar seus territórios.
O terceiro foi os tempos de servidão, quando os terenas serviam aos brancos,
hoje os terena têm sido obrigados a se submeter a trabalhar para os proprietários de
terra particulares. Este momento ainda está sendo vivido por eles, que estão fazendo
sua história buscando maior autonomia enquanto povo, e mais direitos como cidadãos
brasileiros.
OS TERENA NA GUERRA DO PARAGUAI
O governo brasileiro também chamou índios de Mato grosso para
combaterem os paraguaios. Os Guaicurus lutaram ao lado do exercito
brasileiro enquanto os terenas, que sempre foram grandes
agricultores, além de enfrentar o exército, também participavam da
guerra fornecendo alimentos para os combatentes. (BITENCOURT,
2000, p. 56).
Taunay conta que no caminho para Nioque a coluna de soldados foi atacada
pela epidemia de cólera que matou muitos soldados. Um dos primeiros a morrer pela
doença foi um terena, após a guerra dois fatos marcaram a história dos terenas, a
criação dos serviços de proteção aos índios o SPI e a construção da estrada de ferro e
a criação das áreas dos terenas.
A CRIAÇÃO DAS ÁREAS DOS TERENAS
Os terenas aproveitaram o trabalho junto a Rondon, quando da instalação da
linha telegráficas para solicitar-lhe que o governo lhes garantisse a posse de suas
terras por meio de decretos reservas aos índios. Algumas comunidades, como
Cachoerinha, Bananal e Ipeque, tiveram suas terras demarcadas em 1905 e mais
tarde, em 1911, foram reconhecidas pelo SPI.
Quando os terenas solicitaram a demarcação de territórios, não estava
pedindo um presente para o governo ou de Rondom. O Povo terena
havia enfrentado o exército paraguaio para proteger suas terras. A
demarcação das áreas terenas foi à confirmação de um direito muitas
vezes conquistado no decorrer de sua história. E sobre esse direito que
falam os mais velhos (BITENCOURT, 2000, p. 100).
O tamanho das áreas demarcadas pela antiga SPI era muito menor do que o
território ocupado pelos terenas antes da guerra do Paraguai.
Algum tempo depois os terenas começaram a ir para as cidades a partir do
final dos anos 50. A saída dos terenas de suas aldeias para as cidades, acontecia
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porque havia um crescimento da população nas reservas e a falta de “fulturo” nelas.
Em 1960, foi constatado que havia cerca de 480 terenas na época morando em
Campo Grande.
Embora existam muitas explicações que podem justificar a saída dos terenas
de suas reservas, é importante reconhecer que a falta de uma área suficiente para a
população, que cada vez vem aumentando.
OS TERENA HOJE
Atualmente os terenas aldeados vivem espalhados em municípios sul matogrossense como Miranda, Aquidalana, Anastácio, Sidrolândia, Dois Irmão do Buriti e
Nioaque.
Hoje a FUNAI não resolveu os problemas mais importantes da vida dos
terenas, o direito à terra para que toda da autonomia as autoridades terenas tem
consciência da necessidade de buscar novas alternativas no relacionamento com a
sociedade nacional e no usufruto pleno de seus territórios.
BIBLIOGRAFIA
BITENCOURT, Circe Maria, LACERDA Maria Elisa. A história do povo terena. Brasília:
MEC. 2000.
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ARNALDO ESTEVÃO DE FIGUEIREDO
Leandra Alves
∗
O presente artigo analisa a trajetória de um dos personagens da história
política de Mata Grosso do Sul, Arnaldo Estevão de Figueiredo. Nasceu em 1892, na
fazenda Paulo Lopes, de seus pais Antônio Estevão de Figueiredo e Antônia Maria
Pinheiro de Almeida, no município de Rosário Oeste, próximo a cidade de Cuiabá no
atual Estado de Mato Grosso.
Estudou no Liceu Cuiabano e quando se formou, ganhou uma bolsa de
estudos do Cel. Pedro Celestino Corrêa da Costa para fazer o curso de Engenharia
Agrônoma no Rio Grande do Sul.
Convocado para o campo político , por se tratar de um jovem de família
abastada , cuja formação em Engenharia Agrônoma , favoreceria aos interesses do
Coronel Pedro Celestino em relação a demarcação de terras da região sul do Estado de
Mato Grosso.
Por isso , Arnaldo Estevão de Figueiredo ao adentrar para a carreira política
filiou –se imediatamente ao Partido Republicano Mato-grossense chefiado por aquele
subsidiou os seus estudos.
Arnaldo iniciou sua carreira política por volta dos vinte e cinco anos, quando
chega a cidade de Campo Grande:
Desde quando cheguei a Campo Grande, em 1917, fui convocado para
a política, pelos amigos da cidade. Havia na época dois partidos: o
Partido Republicano Mato-grossense – PRMG, chefiado pelo Cel. Pedro
Celestino Corrêa da Costa, e o Partido Republicano Nacional – PRN,
conservador, comandado pelo Senador Azeredo: ingressei no
Republicano Mato-grossense. (RIBEIRO, p. 293).
Em 1920, Arnaldo E. de Figueiredo foi convocado a assumir o cargo de ViceIntendente do município de Campo Grande. Devido aos reclames da população
campograndense ao abastecimento de água, uma das medidas importantes realizadas
por Arnaldo como Intendente foi a criação do primeiro serviço de abastecimento de
água em Campo Grande. Já em 1924, Arnaldo foi responsável pelo assentamento de
famílias imigrantes em Terenos.
Em 1946, Arnaldo E. realiza sua campanha política ao cargo do governo do
Estado do Mato Grosso, com um discurso dirigido aos trabalhadores:
Dirijo-me aos trabalhadores de Mato Grosso, homens de todas as
classes [...] e para cuja grandeza e prosperidade, todos, sem exceção,
individual com coletivamente trabalham nos campos ou na cidade, quer
amanhando a terra para a produção benfazeja ou arrancando do seu
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Graduanda do 5º semestre em História pela Universidade Católica Dom Bosco/UCDB.
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seio generoso as gemas preciosas, quer servindo na indústria, no
comércio, ou nas múltiplas formas de suas atividades em busca do seu
sustento e da sua família (RIBEIRO, p.340-341).
Arnaldo vence as eleições para o cargo de governador do Estado de Mato
Grosso, a respeito da posse de Arnaldo, “O Tribunal Regional Eleitoral, por ata de 21
de março de 1947 declarou eleito Governador do Estado de Mato Grosso para o
primeiro período do vigente regime constitucional, o cidadão Doutor Arnaldo Estevão
de Figueiredo (RIBEIRO, p.342)”.
A respeito do governo de Arnaldo, Rubens Mendonça ressalta, o início de uma
nova era na política de desenvolvimento do Estado, dando ênfase a política de
colonização do Estado do Mato Grosso:
Ao governo de Arnaldo Estevão de Figueiredo devemos o início da era
de desenvolvimento do norte do Estado [...] o Dr. Arnaldo Estevão de
Figueiredo pode realizar no seu govêrno, a política de colonização do
Mato Grosso. E graças a sua ação, foi feita a colonização do Vale do
São Lourenço, Dourados, Bodoquena, Barra do Bugre e as terras
férteis começaram a ser desbravadas (MENDONÇA, 1970, p.124).
No exercício do cargo de Governador do Estado, Arnaldo ressalta a
importância que deu ao problema da terra, e no processo de colonização do Estado, a
atenção dada as correntes migratórias:
Como Governador e no desempenho de atividades executivas, encarei
o problema da terra como da maior prioridade para Mato Grosso [...]
convivi de perto com todas as correntes migratórias que se dirigiam
para o Mato Grosso, principalmente o elemento gaúcho que foi o
principal contingente a povoar as terras da fronteira com o Paraguai ,
desde Ponta Porã, Dourados, Amambaí e Bela Vista [...]“Criei a
Delegacia Especial de Terras e Colonização, em Campo Grande
(RIBEIRO, p.345-346).
Uma das políticas adotadas no governo de Arnaldo a respeito da terra foi a
política agrária, onde os pequenos produtores recebiam incentivos do governo para a
produção agrícola, “Os pequenos produtores rurais receberam incentivos através da
distribuição de sementes selecionadas e ferramentas agrícolas. (RIBEIRO, p. 360)”
A Política Viária era uma das propostas do Governo de Arnaldo, nesse sentido
essa política foi de extrema importância para a ligação do Sul do Mato Grosso com o
Norte:
Em meu governo, disse o Dr. Arnaldo, mister, foi, portanto, traçar um
plano de ação, no qual figurou em prioridade a ligação Norte/Sul, com
a criação da Comissão de Estradas de Rodagem – CER [...] Foi assim
que a CER ligou Rondonópolis a Campo Grande rumo sul e para oeste
conseguiu implantar até Alto-Araguaia. (RIBEIRO, p. 360).
Com o objetivo de expandir sua política educacional para regiões inóspitas
do sul e norte do Estado de Mato Grosso, Arnaldo Estevão de Figueiredo encontrou
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soluções no ensino primário para as colonizações definitivas de áreas pouco
povoadas. Em sua profissão de Engenheiro Agrônomo , Arnaldo Figueiredo pode
analisar de perto a realidade dos moradores que habitavam o interior do Estado e
executou medidas como a construção de Escolas Rurais em todo o Estado de Mato
Grosso:
Foram construídas mais de 200 (duzentas) Escolas Rurais, tanto ao
norte quanto ao sul do Estado, que funcionavam a princípio, em casas
improvisadas, afirma J.M. de Figueiredo . As Escolas Rurais tinham por
fim ministrar a instrução primária rudimentar. Eram localizadas a mais
de 3 quilômetros da sede Municipal, constando de seu programa: o
ensino de leitura, escrita, as quatro operações sobre números inteiros,
noções de História pátria, Geografia do Brasil, e especialmente do
Estado de Mato Grosso, e noções de higiene. (RIBEIRO, p.361).
Como um personagem da vida política, Arnaldo participou do movimento
divisionista na criação do Estado de Mato Grosso do Sul:
Arnaldo Estevão de Figueiredo participou ativamente a favor da criação
do Estado de Mato Grosso do Sul, desmembramento este, que almejou
com harmonia, pois era vantajoso para ambos os quadrantes, tanto ao
norte como ao sul seriam beneficiadas as pessoas e o progresso
(RIBEIRO, p.471).
Arnaldo Estevão de Figueiredo, faleceu no dia 15 de dezembro de 1991,
conforme narra Lélia Ribeiro, “O atestado médico acusou um enfarte do miocárdio,
porém, a causa mais profunda permaneceu ignorada, conjecturando-se, em especial o
rompimento de um aneurisma intestinal que o incomodava já há uns 3 anos
(RIBEIRO, p. 543)”.
BIBLIOGRAFIA
MENDONÇA, Rubens. História de Mato Grosso. 2ª ed.Instituto Histórico de Mato
Grosso,Cuiabá/MT,1970.
RIBEIRO, Lélia Rita E. de Figueiredo. O homem e a terra. Editora do Senado Federal,
Campo Grande/MS, sem referência de data.
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BARÃO DE ANTONINA E AS TERRAS DE MATO
GROSSO
Ana Cláudia da Silva
Simone Ferreira
Ovilda de Souza
RESUMO: Barão de Antonina; João da Silva Machado, tenente-coronel, nascido a 17
de junho de 1782 na vila de Taquari, província do Rio Grande do Sul, grande criador
do hoje estado do Paraná. Foi também oficial da ordem do cruzeiro e grande
dignatário da ordem de Rosa, irmão do Barão de Ibicuí. João da Silva Machado iniciou
a luta pela vida como negociante de gado; comprava tropas no Rio Grande do Sul e
repúblicas vizinhas para revender na feira de Santana, da Bahia, chegando mesmo até
Caxias do Maranhão. Em 1821 foi escolhido pela Comarca de Curitiba para servir de
eleitor de deputado a constituinte portuguesa. Em 1820 foi incumbido pelo governo de
São Paulo de explorar minérios de prata no morro do Itaiyó, já exercia o posto de
sargento-mor de milícias. Irrompe o movimento revolucionário de 1835 no Rio
Grande do Sul; toma parte ativa na defesa da legalidade e recebe as honras de
Coronel honorário do exército. Deflaga a revolução de 1842 em Sorocaba; Monte
Alegre, então presidente da província de São Paulo, encontra nele a única pessoa para
reprimir o alastramento da onda sediosa na região do Paraná. Em recompensa, pela
defesa da lei recebe por decreto imperial de 11 de setembro de 1843, o título de
Barão de Antonina elevado a Barão com grandeza, por decreto de 13 de agosto de
1860. Em 1854 atinge o ponto culminante de sua carreira política: separa a comarca
de Curitiba, formando nova província a do Paraná, que o elege senador. Abandona a
política militante da província de São Paulo, ocupando-se unicamente com a do
Paraná. Por ordem do governo imperial estabelece núcleos de catequese auxiliados
por missionários, em Tibagi, Paranapanema, Ivaí Ribera; organiza e instala
aldeamentos de índios em Tibagi e em São João Batista do Rio Verde, em São Paulo;
funda povoações como São Jerônimo, Jataí e outras. As estradas de rodagem foram
objetos de sua atenção entre outras citamos a de Ribeira e Curitiba, a da Graciosa,
abriu uma estrada através de incultos sertões entre Paraná e o Mato Grosso. Ilustre
escritor, agregado a família pelo casamento. O Barão de Antonina faleceu em São
Paulo a 18 de março de 1875 de tifo e morreu com 92 anos.
PALAVRAS-CHAVE: biografia: Barão de Antonina, Paraná, Tibagi.
INTRODUÇÃO
18
O Barão de Antonina (João da Silva Machado) iniciou a luta pela vida como
negociante de gado, comprava tropa no Rio Grande do Sul e repúblicas vizinhas pra
revender nas feiras de Sorocaba, província de Minas Gerais, feira de Santana, da
Bahia, chegando até Caxias do Maranhão.
Em 1854 separa a comarca de Curitiba, formando nova província a do Paraná,
por ordem do Governo imperial estabelece núcleos catequese auxiliados por
missionários, em Tibagi, Paranapanema, Ivaí Ribera, organiza e instala aldeamentos
de índios em Tibagi e em São João Batista do Rio Verde, em São Paulo funda
povoações como Jerônimo, Jataí e outras.
A partir dos anos 1840, as iniciativas de ocupação das terras da bacia do
Tibagi foram levadas adiante pelo Barão de Antonina, este encarregou José Francisco
Lopes e John Henrique Elliot de várias expedições de reconhecimento da região. A
segunda expedição tinha num total de 9 pessoas, saíram da Fazenda Monte Alegre,
pertencente ao Srº Manoel Inácio do Canto e Silva, atravessaram o Tibagi e seguiram
rumo norte-noroeste em direção a serra da Apucarana. No dia 15/09/1846, chegaram
ao Rio Apucarana nas fraldas da serra Elliot afirma que desse local avistou os campos
do Inhonhô distante oito e nove léguas a nordeste na margem ocidental do Tibagi.
Desse local eles concluíram que o Tibagi deveria ser navegável logo abaixo desses
campos, e se eram grandes o suficiente para o estabelecimento de um depósito e
acomodação de gado, bem como o fornecimento de pastagens para as tropas que
seguissem com mercadorias para o embarque no Tibagi rumo ao Mato Grosso. De
volta, chegaram dia 08/10/1846 na fazenda Monte Alegre, e dia 13/10/1846 na
Fazenda Pirituba, então o Barão determinou que eles deveriam prosseguir as
explorações seguindo o caminho de Curitiba ao Mato Grosso.
Um semana após terem chegado da Serra de Apucarana, Lopes e Elliot,
partiram para os campos do Inhoó. Eram uma expedição de trinta pessoas com dois
índios como guias. Chegando a esses campos no dia 20/11/1846. Demoram na
exploração dessas Campinas durante dez dias, eram várias Campinas entremeadas de
matos. No dia 04/12/1846 eles se encontravam nos campos do Inhoó que
denominaram de São Jerônimo.
Em 16/12/1846, Lopes e Elliot e mais doze pessoas, por determinação do
Barão rumaram dos campos do Inhoó para norte acompanhado Tibagi de uma a duas
léguas de distância, depois acompanharam o Rio Congonhas.
Em 15/13/1847 a quinta entrada de Lopes e Elliot, partiu dos campos
de Inhoó em direção aos fogos dos índios que eles tinham visto na
exploração de novembro de 1846. após atravessarem o Rio
Congonhas, a seis léguas dos campos do Inhoó. Em 14/06/1847, Elliot
e Lopes e três camaradas embarcam no Tibagi, uma légua abaixo dos
campos do Inhoó. Dia 20/09 iniciaram a viagem de retorno de
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Albuquerque no Mato Grosso para Pirituba em São Paulo, onde
chegaram a 27/12/1847.
A partir dessa data os territórios do cacique Inhoó nos planaltos a leste do Rio
Tibagi seriam transformados em entreposto comercial, caminho para o Mato Grosso e
fazenda de criação do Barão de Antonina. Podemos constatar que após seis anos da
chegada de Lopes e Elliot aos territórios Kaingang fazenda esta que alguns anos
depois ele vai repassar ao Governo do Império para a criação do aldeamento indígena
de São Jerônimo. Em 31/08/1856, o Barão de Antonina ordenou a demissão de todos
os empregados de São Jerônimo, e retirou todo o pessoal da fazenda, inclusive
escravos e animais.
No final de 1858 (14/12/1858) o Kaingang atacaram a fazenda São Jerônimo
levando ferramentas e materiais do trem bélico que ali estava estacionada. O
administrador refugiou-se na fazenda Fortaleza, a pretexto de ir buscar presentes. O
governo provincial enviou um contingente de quarenta e seis praças sob o comando
do Capitão Camilo Xavier de Souza, para a Fazenda de São Jerônimo, acabou não
encontrando os índios. Os Kaingang atacaram a fazenda que o Barão de Antonina
tinha cravado nos campos do Cacique Inhoó, no centro dos seus territórios no Vale do
Tibagi.
No ano seguinte em 17/06/1859, possivelmente devido ao levante dos
Kaingang na região, foi criado, pelo aviso da Secretaria de Estado dos negócios do
Império o aldeamento indígena de São Jerônimo da serra. No antigo território
Kaingang possiado pelo Barão de Antonina. Esse aldeamento teve como primeiro
religioso o Frei Mathias de Gênova, e em seguida assumiu Frei Luiz de Cemitille.
Alguns dias depois de criado o aldeamento de São Jerônimo (21/06/1859), o Barão de
Antonina passou para o domínio do Governo Imperial a fazenda São Jerônimo, da qual
era dono a quatorze anos, desde a posse feita em 1846. A extensão dessas terras era
de 33.800ha.
Os primeiros Kaingang deslocados para esse aldeamento foi o grupo do
Cacique Arapquembé, num total de 78 índios. E no início de 1860, Joaquim F. Lopes
foi para Curitiba com mais de 32 índios Kaingang para receberem presentes. O ano de
1875 é marcado por um fato importante que sinaliza o início da ocupação das terras
do aldeamento indígena de São Jerônimo por populações não indígenas. Em
04/09/1875, o Governo Imperial, pelo aviso da Fazenda, nº 150, autorizou o Governo
da Província a conceder títulos de arrendamento ás famílias brancas residentes no
aldeamento, conforma a solicitação de Frei Luiz de Cemitille.(CAVALCANTI, 1924)
A comunicação do Diretor Geral dos índios, e uma decisão que já tinha sido
tomada pelo Presidente da Província, com a autorização do Governo Imperial, de
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ceder as terras do aldeamento de São Jerônimo para os brancos que estavam na
região.
Em 1878, Cemitille comunicou que iria colocar todos os seus empregados e
índios para abrir um novo caminho. Esse novo caminho procurou evitar os ribeirões, o
novo traçado seguiu pelos espigões divisores das águas do Tibagi e cinzas, passando
por Ventania até a Fazenda Fortaleza, o que seria a estrada do cerne joje (BR 090).
O relatório anual do Frei Cemitille de 01/01/1979, informou que no
aldeamento de São Jerônimo estava em construção oito casas para moradia dos índios
que residiam no aldeamento, um engenho de moer cana, um monjolo, além da
existência das residências do pessoal administrativo, cadeia e igreja. A população de
indos aldeados era 405 indivíduos assim distribuídos; 132 do sexo masculino de 10
anos, 111 do sexo feminino maiores de 10 anos, 90 menores do sexo masculino e 72
do sexo feminino. (ofícios, 01/01/1789. APEP). Mas em 22/11/1881 por aviso do
Ministério da Agricultura o Frei Luiz Cemitille foi transferido para o aldeamento de
Guarapuava. Ele é enviado pelo Ministro da Agricultura a tratar de serviço de
catequese no sul, nos sertões de Guarapuava. (ORLEANS, 1957)
As tentativas de ocupação das terras indígenas dos campos do Inhoó, pelos
brancos continuou agora nas terras “doadas aos Kaingang pelo Barão de Antonina”.
O objetivo de Telêmaco Borba e de seus seguidores era tentar apoderar-se
das terras indígenas do aldeamento de São Jerônimo. (WACHOWICZ, 1987).
Com a saída do Frei Luiz de Cemitille, o Frei Timóteo de Castelnuovo assumiu
as funções religiosas em São Jerônimo. Em 30/09/1883, Frei Timóteo crismou
duzentas e cinqüenta pessoas, essa crisma rendeu para a paróquia 14$600, ele teve a
ajuda do Padre José Julhiani, cinco anos depois, em 1888, morreu e foi sepultado em
São Jerônimo, um dos braços direito do Barão de Antonina no reconhecimento de
amplos territórios a oeste dos campos gerais, John Henrique Elliot e sua mulher
Reginalda Rocha Elliot, eles deixaram quatro filhos.
As tensões entres os Kaingang e as populações brancas da região eram
constantes, e em 07/04/1891, os Kaigang atacaram viajantes no caminhos de São
Jerônimo, nesse ataque morreu o Kaigang Gaspar. Os Kaigang de São Jerônimo
revidaram incendiando o acampamento dos brancos nas margens do Rio Congonha.
Dessa forma chegamos ao fim do século XIX, os Kaigang defendendo seus
territórios ancestrais da invasão branca, e este utilizando todas as formas possíveis
para expandir suas conquistas nos territórios Kaigang do Tibagi.
A morte de Frei Timóteo de Castelnuovo, e 1895, resultou no
desmantelamento do aldeamento indígena de São Pedro de Alcântara em frente a vila
de Jataí. De qualquer forma, na virada deste século, dado o quadro de abandono,
21
podemos deduzir que os Kaigang retornaram para as florestas principalmente para a
região de serras entre os rios Tibagi e Cinzas. (TOMMASINO, 1995)
Nessa região das serras e ao longo do Tibagi foram criadas as Reservas
indígenas onde foram “acomodados” os Kaingang. A Reserva Apucarana no Município
de Londrina, a Tibagi e Queimadas no Município de Ortigueira, e os territórios
Kaingang do cacique Inhoó foram ocupados e transformados na cidade de São
Jerônimo da Serra, restando aos Kaingang nesse município duas áreas; a de São
Jerônimo, junto a cidade e a área denominada Barão de Antonina também no
Município de São Jerônimo da Serra. No século XX o esbulho das terras dos Kaingang
em São Jerônimo continuou e no Governo de Getúlio Vargas foi legitimado a
expropriação dos territórios indígenas no Tibagi. Em 30/06/1945, através do Decreto
Lei 7692, o Governo Federal cedeu ao Governo do Paraná a antiga fazenda São
Jerônimo para a instalação do município, de uma área original de 33.800ha os índios
ficaram apenas com 4.840ha em duas áreas separadas. O mesmo ocorreu em 1949
com a área indígena do Apucarana, os 54.000ha originais foram reduzidos a 6.399ha,
também dividida em áreas separadas.
CONCLUSÃO
No século XIX, tivemos a ocupação da bacia oriental do Tibagi pelos grandes
fazendeiros dos campos gerais paranaense que procuravam expandir seus domínios.
A partir dos anos 1840, as iniciativas de ocupação das terras da bacia do
Tibagi foram levadas adiante pelo Barão de Antonina (João da Silva Machado), um
homem que começa sua vida com a compra e venda de tropas e mais tarde isso lhe
proporciona um grande destaque no meio político e econômico.
Passa de Sargento-mor a categoria de Barão de Antonina e sua ascensão
econômica é explicada através da posse do território Kaingang.
O que percebemos é que o Barão de Antonina como tantos outros fazendeiros
daquele estado possuíam grandes extensões de terras que pertenciam aos territórios
indígenas, como afirma a citação abaixo:
Alguns dias depois de criado o aldeamento de São Jerônimo, (21/06/1859), o
Barão de Antonina passou para o domínio do Governo Imperial a fazenda São
Jerônimo, da qual era dono há 14 anos, desde a posse feita em 1846. a extensão
dessas terras era de 33.800ha. (MOTA, 1997)
Daí pode se ter uma idéia de onde vem os grandes latifúndios brasileiros.
No século XIX, teve a conquista dos territórios, que usurparam os territórios
indígenas que foram justificada em torno da questão nacional. Já no século XX, temos
a destruição dos territórios Kaingang do Tibagi; por causa do progresso muitas áreas
foram invadidas e desmatadas, fora criadas nessas áreas, grandes campos agrícolas,
22
também agora no final do século a companhia elétrica do Paraná, em nome do
Progresso vai construir várias barragens no Rio Tibagi, onde vai inundar a única
floresta que restou aos Kaingang, então destroem a natureza em nome do progresso.
BIBLIOGRAFIA
MOTA, Lúcio Tadeu. As guerras dos índios Kaingang: a históira épica dos índios
Kaingang no Paraná. Maringá: Editora da UEM, 1994
CAMPESTRINI, Hildebrando e GUIMARÃES, Acyr Vaz. História de Mato Grosso do
Sul. Campo Grande: Tribunal de Justiça de Mato Grosso do sul, 1991.
MERCER, Edmundo A. & MERCER, Luiz Leopoldo. História do Tibagi. Curitiba:
Cenicom, 1977
BROTERO, Frederico de Barros. João da Silva Machado. Disponível em:
www.jbcultura.com.br/gde_fam/pafn07.htm.
23
DIVISÃO DO ESTADO DE MATO GROSSO
Gesiany da Costa Souza 3
Nilva Maria Assis Rosa 4
RESUMO: Este trabalho tem o objetivo de compreender o processo divisório do
Estado de Mato Grosso, considerando o seu aspecto econômico, político, social e
cultural. A decisão de dividir o Estado de Mato Grosso em dois estados foi tomada em
1977 e efetivada em 1979. As dissensões políticas e os interesses econômicos das
oligarquias formadas entre ambas as regiões foram proeminentes nas idéias
separatistas. Um líder de grande importância no movimento separatista do Sul de
Mato Grosso foi Vespasiano Martins. A primeira nota oficial da divisão do Estado de
Mato Grosso foi dada pelo então Ministro Rangel Reis na cidade de Pelotas (RS) em
março de 1977. Enquanto o Sul de Mato Grosso recebia a notícia com euforia, no
Norte mais precisamente em Cuiabá, a população amargava a derrota. O movimento
em prol da divisão aconteceu sem a participação popular, enquanto uma batalha
travada entre os líderes em busca do poder. Este trabalho foi realizado por meio de
pesquisas bibliográficas.
PALAVRAS-CHAVE: Divisão, Estado, Política e Desenvolvimento.
DIVISÃO DO ESTADO DE MATO GROSSO
Este trabalho tem como objetivo compreender o processo divisório do Estado
do Mato Grosso, mostrando os passos e encaminhamentos políticos, econômicos,
sociais e culturais bem como seus principais líderes.
A decisão de dividir Mato Grosso em dois estados foi tomada em 1977 e
efetivada em 1979 com a criação de Mato Grosso do Sul. Na época afirmava ser essa
a melhor forma de administrar e desenvolver uma região tão extensa, diferenciada e
estratégica. Além disso, a região centro sul de Mato Grosso, com a agricultura mais
intensiva, distribuída por um número maior de propriedades, tem crescimento
diferenciado da região norte, onde predomina a pecuária extensiva e o latifúndio. Para
a região sul chegam muitos emigrantes desde o final do século XIX, vindo do sul e do
sudeste. Esse movimento se fortalece neste século e cria uma sociedade mais
complexa e aberta, além de laços políticos sólidos com os Estados vizinhos,
especialmente São Paulo. (Almanaque Abril 2000 p.187)
3
4
Graduando em História na Universidade Católica Dom Bosco. E-mail: [email protected]
Graduando em História na Universidade Católica Dom Bosco. E-mail: [email protected]
24
Um líder de grande importância no movimento separatista do Sul de Mato
grosso foi Vespasiano Martins
As dissensões políticas e os interesses econômicos das oligarquias formadas
distintamente entre ambas as regiões, foram proeminentes nas idéias separatistas.
Enquanto a liga sul-mato-grossense trabalhava no sentido de obter a divisão
do Estado, o centro Cuiabá procurava abafar os mecanismos arquitetados pela mesma
para acabar com o movimento. Visto que as autoridades centristas começam a taxar
de subversivas as aspirações sulistas. Como reforço as delegacias de polícia passaram
a receber de Cuiabá ordens para reprimir os movimentos separatistas. Taxar de
subversivas as idéias separatistas, foi indubitável forma encontrada pelas autoridades
do centro para acalmar os ânimos separatistas. Segundo Rodrigues com a Revolução
de 31 de março de 1964, os separatistas novamente se recolheram, mas sentem as
esperanças renascerem com a chegada em Cuiabá dos coronéis Ernesto Geisel e
Golbery do Couto e Silva.
A ideologia de apego a terra e o culto à tradição procuram demonstrar que os
cuiabanos se sentem integrados à vida mato-grossense em todos os momentos de sua
história e em qualquer ponto do território, integrando-o à nação e defendendo-o a
qualquer preço. (Rodrigues, 1985 p. 165)
As grandes diferenças na formação da estrutura econômica e cultural das
duas regiões sempre foi mola propulsora para os movimentos políticos separatistas
dentro do Estado nas duas regiões.
Desde a Independência do Brasil, houve em 1823 a preocupação da
Assembléia Constituinte com os vazios demográficos do Império, principalmente nas
regiões do Pará, Amazonas e Mato Grosso. ( Rodrigues 1985).
Em 1932 através do prefeito de Campo Grande, Vespasiano Martins surge
mais concretamente um movimento separatista criando o Estado de Mato Grosso do
Sul ou de Maracajú (SILVA, 1996).
A década de 70 foi sem dúvida decisiva dentro do processo divisório de Mato
Grosso.
Se na área federal os representantes do Governo se manifestavam, o mesmo
aconteceria com os políticos mato-grossenses, que não escondiam sua euforia a favor
ou contra o processo divisório em andamento.
Em 1972, os políticos Sul-mato-grossenses já opinavam quanto à designação
nominal do Novo Estado, sendo mais citado o de Maracajú.
Para o governador José Fragelli, o Estado dividido deveria ocorrer em
federações: Campo Grande e Mato Grosso, assim como a criação de três territórios
federais: Aripuanã, Xingu e Araguaia.
25
As afirmações desses parlamentares vêm confirmar, as rivalidades existentes
entre duas partes do Estado. O centralismo político e administrativo imposto pelo
centro durante tanto tempo criou as arestas que os incompatibilizaram durante um
século. O rápido crescimento do sul, em desarmonia com o marasmo do centro em
todos os aspectos, veio consolidar de fato uma situação de direito.
Podemos observar que os períodos de governos do Estado de Mato Grosso
nas pessoas de Pedro Pedrossian e José Fragelli, este último, inclusive, com raízes
separatistas adquiridas do pai Nicolau Fragelli, que foi deputado, e de estreitas
relações com Vespasiano Martins, tiveram papel decisivo no desenvolvimento político
administrativo e econômico do sul do Estado.
Em março de 1977 em Pelotas (RS), o Ministro Rangel Reis, anunciava que o
“pacote” da divisão territorial de Mato Grosso estava pronto. Entretanto, a Presidência
da República só divulga a primeira nota oficial a respeito da divisão territorial no dia
03 de maio de 1977. Na ocasião o Estado criado recebe provisoriamente o nome de
Campo Grande. A 15 de novembro do mesmo ano, a Presidência da República assinou
a mensagem que encaminhou ao congresso Nacional o projeto de lei complementar
propondo o desmembramento da região Sul de Mato Grosso.
A mudança do nome de Campo Grande, anunciada em 03 de maio, para Mato
Grosso do Sul, ocorreu em função dos protestos de todo o Sul de Mato Grosso.
No dia 11 de outubro de 1977, às 11h30min horas, em Brasília, consolidavase a luta dos sul-mato-grossenses pela divisão territorial pretendida.
Se a divisão de Mato Grosso trouxe alegrias e tristezas, as dúvidas também
fizeram parte do cotidiano do Mato-Grossense antes da solenidade oficial de 11 de
outubro de 1977. As dúvidas se resumiram em saber com certeza o nome do Novo
Estado. E as dívidas do novo Estado com que ficavam? Quanto seria necessário a
União para criar dois Estados viáveis? O Governador Garcia Neto dizia que os gastos
estariam em torno de 20 milhões de Cruzeiros, mas já se sabe que a União não dispõe
de meios para oferecer tanto dinheiro. (Rodrigues 1985).
Ainda Rodrigues, de acordo com a exposição de motivos número 37, de 24 de
agosto de 1977, o nome do Estado criado foi Mato Grosso do Sul. Houve apenas o
desmembramento do Sul do Estado a partir dos rios: Correntes, Piquiri, Itiquira,
Cuiabá e Paraguai, procurando evitar a divisão de municípios.
A dívida do Estado foi “perdoada” pela União assim como carreados recursos
na ordem de CR$ 1.400,000. 000,00 (Um bilhão e quatrocentos milhões de Cruzeiros)
uma vez retirados de seus cofres 75% da receita enviada pelo Sul. A tranqüilidade dos
40 mil funcionários do estado se fez através de artigos, 23, 24, 25, 26 e 27do cap. IV
da Lei Complementar n° 31 que previu múltiplos aspectos do problema.
26
O movimento divisionista chegou ao seu fim. Importava saber se realmente
devia trazer aquilo que os sul-mato-grossenses esperavam, pois a população
acreditava ingenuamente que os chamados divisionista seriam convocados para
orientar os trabalhos de instalação do Novo Estado e se para os centristas serviu de
exemplo para o extremado centralismo político, historicamente comprovado que
durante tanto tempo impuseram ao resto do estado.
A Lei Complementar estabelecera, no seu artigo 48, que “O Poder Executivo
Federal criará Comissão Especial, vinculada ao Ministério da Justiça, da Secretaria do
Planejamento da Presidência da República e do Departamento Administrativo do
Serviço Público- (DASP.)”.
Indiscutivelmente era uma comissão de nível, à qual cabia a responsabilidade
de Construir dois futuros grandes Estados do Brasil. Esperava-se que Mato Grosso do
Sul se tornasse em “O Estado Modelo”, para futuras divisões territoriais”.
O Estado Modelo ao invés de começar pequeno com pé no chão, dava os seus
primeiros passos de forma nababesca.
Enquanto os membros da Comissão Especial tomavam as suas decisões, nem
sempre calcadas nas necessidades da região por serem elementos de pouca ou quase
nenhuma vivência com a terra a que vinham servir, o povo se contentava apenas em
esperar o dia 1 de janeiro de 1979, quando seria instalado o Estado recém criado.
Ao mesmo tempo em que a Comissão se reunia em Campo Grande, em
Brasília ocorria uma “luta terrível de foice no escuro” eram velhos políticos procurando
levar vantagens junto ao governo federal. De um lado, o senador Dr. Pedro Pedrossian
e seus companheiros políticos, de outro lado os seus adversários, representados por
senadores e deputados federais. Por não haver consenso entre as facções políticas, o
Governo Federal procurou um nome que pouca ligação tinha com a nascente unidade
federativa. O nome escolhido foi de Harry Amorim.
A instalação oficial do governo aconteceu, às 17 horas do dia 1 de janeiro de
1979, no Teatro Glauce Rocha, na cidade universitária em Campo Grande, presidida
pelo ministro da Justiça Armando Falcão.
As diferenças regionais entre os dois Estados, se não foram relevantes para
criar os antagonismos políticos, econômicos, sociais e culturais, pelo menos serviram
como justificativa.
Segundo o autor em sua obra dá ênfase às palavras do então Presidente da
República, quanto aos motivos da criação do Novo Estado (RODRIGUES, 1985, p 159).
A criação do Estado de Mato Grosso do Sul deve ser entendida como
reconhecimento político uma realidade econômico-social. Como uma
decisão que vem atender a vontade de um povo; que ao mesmo
27
tempo, objetiva melhor integração nacional e a consolidação da
ocupação da região Centro Oeste; que beneficia também o próprio
Estado de Mato Grosso, visto como poderá este dedicar-se, doravante,
com o apoio da União, ao melhor aproveitamento de seu imenso
território e exploração de suas grandes potencialidades de
desenvolvimento. Antevejo para o novo Estado promissor futuro. De
deu povo e de seu governo, estou certo, muito esperam os brasileiros.
(Ernesto Geisel).
A Liga Sul-mato-grossense não mediu esforços em perpetuar a luta pela
divisão territorial criando comitês em diversas cidades do sul, tentando conscientizar a
população de suas vantagens. A mesma não escondeu sua satisfação e se fez
presente ao ato de assinatura de lei complementar de n° 31, como se nota na leitura
da “Ata n° 09 da Liga Sul-mato-grossense”, onde se descreve a viagem e a solenidade
realizada no Palácio do Planalto, até sua volta a Campo Grande.
Se a euforia fazia parte dos sul-mato-grossenses, no norte, Cuiabá amargava
a derrota sofrida.
Mas o que motivou a divisão territorial de Mato Grosso, segundo a divisão
oficial foi a necessidade de ocupação dos vazios demográficos da Amazônia Legal.
Os movimentos divisionista aconteceram pelas lideranças sem a participação
popular. Nos processo de desmembramento territorial, os aspectos econômicos,
sociais e políticos tem muita relevância nas decisões. Quanto à análise ao seu
resultado se foi bom ou ruim não se tem conhecimento, porém cada vez que acontece
uma divisão territorial na federação, surge junto novas esperanças de trabalhadores e
aventureiros em busca de melhores oportunidades e condições de vida.
Para os líderes o que se observa é uma batalha travada em busca de poder
entre as facções políticas.
BIBLIOGRAFIA
ALMAQUE ABRIL. 26° ed. São Paulo: Abril, 2000.
SILVA, Jovam Vilela. A Divisão do Estado de Mato Grosso ( uma visão histórica 18921977). Cuiabá: Ed UFMT, 1996.
RODRIGUES, J. Barbosa. História de Mato Grosso do Sul. Ed. do Escritor: São Paulo
1985.
28
VIDA E OBRA DE DOM AQUINO CORRÊA (1885 –
1956)
Andréa dos santos chagas1
Jorge Mendonça Júnior2
Daniela Araújo Magalhães3
RESUMO: Este artigo analisa a trajetória social e política de Dom Aquino Corrêa
através de referências bibliográficas. Grande personagem da história de Mato Grosso,
enquanto Bispo de Cuiabá foi nomeado Presidente do Estado de Mato Grosso e
posteriormente fundou o Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso e ainda
ocupou uma cadeira na Academia Brasileira de Letras.
PALAVRAS-CHAVE: Cuiabá, Bispo, Presidente de Estado.
O DESPERTAR DA SUA VOCAÇÃO
Cuiabá não era o ambiente mais propício para o desabrochar de uma vocação
sacerdotal e religiosa, era um lugar deserto que durante longos quarenta anos de
episcopado, Dom Carlos não ordenara sequer um sacerdote diocesano.
FIGURA 01 – D. AQUINO CORRÊA
Fonte: Curia Metropolitana de Cuiabá.
O adolescente Francisco, alegre e barulhento, sentiu dentro do teu coração à
vontade de ser padre e disse: “já resolvi”. Então procurou o Padre Rafael Traversa que
no confessionário ouviu-o atentamente, e compreendendo suas dúvidas, deu-lhe
conselhos que naquela noite, resolveu-se em definitivo o problema de sua vocação.
Graduando do 5º semestre do curso de História da Universidade Católica Dom Bosco - UCDB
Graduando
do 5º semestre do curso de História da Universidade Católica Dom Bosco- UCDB
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Graduando do 5º semestre do curso de História da Universidade Católica Dom Bosco - UCDB
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Ele decidiu: seria um sacerdote salesiano, lembrando das palavras de seu patrono São
Luís de Gonzaga: “O que não é eterno, nada vale”.
Foi então que em 4 de Novembro de 1902, despediu-se de seu pai e seguiu
para o noviciado dos padres de Dom Bosco, às margens de Coxipó-Mirim, sobre sábia
direção do mestre, Padre Filipe Pappalardo.
Em 19 de março de 1903, recebeu junto com outros companheiros sua batina
das mãos do Inspetor dos Salesianos, Padre Antônio Malan.
Dom Aquino foi um eterno noviço, ele definira em noviço: florindo sempre
sem deixar fenecer o frescor e noviço dos inícios de sua vida religiosa.
Quando acabou o seu período de noviço, seguiu para Roma em 2 de julho de
1904, com passagens pagas pelo Presidente do Estado, que a 1º de outubro de 1904,
pronunciou os votos consagrando-se a Deus na Congregação Salesiana, Francisco
quando chegou em Turim, teve a grata oportunidade de conversar com o Padre Rua,
sucessor de Dom Bosco.
Apesar de sua saúde fraca, por cinco anos, dedicou-se aos estudos em Roma
vindo a doutorar-se em Filosofia e Teologia.
Foi eleito Bispo em dezembro de 1919.
Em 17 em janeiro de 1909, aos 23 anos de idade, como Presbítero em Roma,
dia seguinte celebra sua primeira Missa na Basílica de São Pedro.
Havia uma cerimônia na antiga disciplina eclesiástica, chamava-se o dia da
“Tonsura”, que o Bispo cortava simbolicamente os cabelos do jovem, marcando o 1º
passo para o ingresso do candidato ao estado clerical, indicando assim que não mais o
mundo e sim unicamente Deus seria a herança de sua vida.
Dom Aquino tinha problemas sérios de saúde, seus superiores da
Congregação, o mandam de volta para Roma, para um tratamento severo e repouso
absoluto, mas a necessidade de sua presença trouxe-lhe de volta a pátria, e antes
mesmo de matar as saudades do querido pai e de sua família, sua obrigação já era
representar os Salesianos de Mato Grosso no Primeiro Congresso Interamericano de
Ex-alunos Salesiano, em Buenos Aires, o jovem sacerdote impressionou sendo o
orador oficial da Representação do Brasil.
Enquanto estava em Roma mandou uma carta ao pai relatando a sua alegria
de poder estar celebrando as missas em lugares tão especiais e sempre colocando as
suas intenções como por exemplo: seu saudoso pai, sua falecida mãe e seus avós, e
descreve ainda sua fortuna em ver o Santo Padre a falar-lhe duas vezes, de receber a
Benção Papal que na sua audiência, Pio X, pousou-lhe a mão sobre a cabeça.
30
Como diretor do Liceu Salesiano, sua liderança era incontestável, jovem,
simpático e orador são meios estes de que se vale Dom Aquino, no espírito do Dom
Bosco que se apóia todo na razão, na religião e no amor, instruiu a formar a
juventude de sua terra.
Marco de sua rápida passagem na direção do Liceu Salesiano foi o lançamento
da primeira pedra e o início da construção do Santuário de Nossa Senhora Auxiliadora,
em 24 de maio de 1912.
Quatro anos apenas de atividade religiosa, apontavam-no como digno de ser
escolhido para os ônus do episcopado, pois seria assim o primeiro bispo salesiano
brasileiro. Esta nomeação pontifícia aconteceu em 2 de abril de 1914, no dia em que
completava 29 anos de idade, sendo o Bispo mais jovem do mundo. Foi um triunfo,
muitas homenagens foram feitas entre praças e teatros.
No Natal recebeu de presente de Dom Carlos uma cruz de ouro, tendo no
centro e nas quatro extremidades esmeraldas, que usava somente em solenidades,
pois no dia-a-dia, preferia usar uma cruz mais leve, que ganhou de seu velho pai, mas
o presente de Dom Carlos foi roubado em 13 de agosto de 1986, num assalto à mão
armada a Residência dos Arcebispos.
Dom Aquino, nas férias, visitava as colônias indígenas dos Borôro, com sua
simplicidade e constante jovialidade, agradava muito, conseguindo até se expressar
no seu idioma.
Dom Aquino já se preocupava com a situação política de Mato Grosso.
Diante da situação em que passava o Estado, o presidente da República, Dr.
Wenceslau Brás, decretou a intervenção federal no Estado de Mato Grosso enviando
um representante para encontrar alguém que reunisse autoridade moral, inteligência,
simpatia, honestidade, cujo nome fosse aceito por todos.
Em 12 de julho de 1917, Dom Aquino toma posse da Diocese de Corumbá e
neste mesmo período alguns partidos concordam na pessoa do Bispo para Presidente
do Estado, ele ciente das dificuldades que o aguardam, aceita a indicação de seu
nome para candidato, e então começa a preparar a plataforma de seu governo.
Dois partidos firmam acordo em outubro de 1917: o Partido Liberal e o
Partido Republicano, com o apoio dos dois, Dom Aquino foi aceito e proclamado
candidato de Conciliação para Presidente do Estado de Mato Grosso.
Então em 1º de novembro Dom Aquino foi proclamado Presidente do Estado,
onde sua maior preocupação era o sul do Estado que de Corumbá a Três Lagoas, que
abrangia imensa área povoada e rica.
Após haver tomado posse, ele inaugura nova modalidade de governo: o
governo itinerante, pois seria a melhor maneira de conhecer o Estado, visitando
31
cidades, entrando contato direto com as autoridades e com o povo, sentindo assim de
perto suas necessidades e anseios.
Umas das realizações do Bispo Presidente do Estado, que perdura até hoje, foi
à criação de uma instituição literária fundada em setembro de 1921 como Centro
Mato-grossense de Letras, mas em agosto de 1932, denominou-se Academia Matogrossense de Letras.
Fundou também, para preservar a memória do seu Estado em 1919, o
Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso.
As coisas não corriam bem no Estado, e ambos os partidos que apoiavam o
Presidente, queriam em troca, a máquina administrativa. E aconteceu o imprevisto: os
dois Partidos se coligaram e irredutíveis, uniram-se contra o Bispo Presidente, e
formaram a “Fusão Mato-grossense”.
Dom Aquino continuou a governar, a sofrer ataques de ambos os Partidos, até
que as duras penas entregou o Estado ao seu sucessor Pedro Celestino Corrêa da
Costa, ele saiu vaiado, humilhado e desprezado.
Oferecem a Dom Aquino a Diocese de Belo Horizonte. Ele excita pois os dois
Partidos estão contra ele, é um período de sofrimento pois mal tem onde morar e
volta temporariamente para Liceu Salesiano. Só após oito meses, toma posse de sua
Arquidiocese em 16 de abril de 1922, não mas com grande projetos, mas com
prioridade e preocupação de trabalhos voltada para a pregação da palavra de Deus.
Em 8 de outubro, no Santuário do Coração de Jesus, em São Paulo, recebe a
insígnia própria dos Arcebispos Metropolitanos – O Pálio.
Durante o seu episcopado, Dom Aquino passava longas horas em oração e
meditação na Igreja do Bom Despacho, que celebrou ali até mesmo de madrugada a
Santa Missa e as suas Bodas de Prata Sacerdotais.
Por 34 anos, Dom Aquino levava à Padroeira de Cuiabá os anseios, as
súplicas, as lágrimas de seu povo, e a este trazia conforto e bênçãos.
E EXALTOU O HUMILDE
Valeu-se um acontecimento mundano para projetar no mundo social e
literário o Arcebispo de Cuiabá. Fala-se da inauguração do Jóquei Clube do Rio de
Janeiro, que Dom Aquino estava hospedado no Palácio São Joaquim, por indicação do
Arcebispo do Rio de Janeiro e seu amigo Dom Sebastião Leme que era incumbido de
fazer a benção inaugural do Jóquei para a alta classe da sociedade do Rio de Janeiro,
por motivo de uma faringite aguda indicou de última hora para substituí-lo Dom
Aquino em junho de 1926.
32
Essa substituição do eminente Arcebispo Dom Sebastião Leme, figura
exponencial do clero e de todos conhecidos, pelo obscuro e inexpressivo Arcebispo de
Cuiabá, não deixou muito satisfeitos os membros da Comissão organizadora. No dia
da solenidade, após o discurso do presidente do Jóquei Clube, quando Dom Aquino
deveria, em nome do chefe da província eclesiástica, dizer algumas palavras de
parabéns e a seguir, proceder à benção, alteou a voz e começou fazer um breve
discurso improvisado, que logo chamou a atenção geral.
Depois do discurso, ele era a pessoa mais aplaudida e aclamada pela multidão
que estava presente, e foi a nota principal do jornal O Globo na manhã seguinte.
Os discursos da inauguração do Jóquei Clube e de posse no Instituto Histórico
e Geográfico brasileiro propiciaram o lançamento da candidatura de Dom Aquino a
uma vaga na Academia brasileira de letras, com total incentivo de Dom Sebastião
Leme.
A insistência de Dom Sebastião Leme em que aceitasse a difícil candidatura e
se sujeitasse aos azares da eleição, tinha uma sábia e apostólica finalidade: a
mensagem de Cristo devia ecoar, reproduzir nas salas da Academia, e impunha a
presença e a palavra e um Sacerdote e de um Bispo como Dom Aquino. Preparando a
candidatura, tratou de republicar o livro de versos, Terra Natal, o qual com os dois
volumes de Odes, deveria ser apresentado a cada um dos acadêmicos. Dom Aquino
disputava a vaga que era do Senador Lauro Muller com seu único opositor o Sr.
Lindolfo Collor, que era Deputado pelo Rio Grande do Sul, homem de grande projeção
política cultor do vernáculo o distinto orador.
Todos já confiavam na vitória de Dom Aquino, inclusive o Jornal O Globo, que
venceu e a notícia despertou em Mato Grosso e na Arquidiocese uma alegria incontida,
vendo o primeiro filho do longínquo e esquecido Mato Grosso eleito para Academia dos
Imortais (1926).
Encerrava-se triunfantemente o Ano Centenário de Cuiabá. O Bispo fora
recebido no mirante da história, o Instituto Histórico e Geográfico e ingressava
vitorioso para a Academia Brasileira de Letras. Trata-se da segunda mitra a penetrar
os umbrais solenes da Academia, pois a primeira fora a do Santo e sábio Dom Silvério
Gomes Pimenta o imortal Arcebispo de Mariana.
Assentar-se entre os “imortais” conferia lustre e prestígio, não só a pessoa
mas a agremiação à qual pertencesse , neste caso a Igreja Católica. Fora esta a razão
da insistência de Dom Sebastião Leme em que, apesar da eventual derrota Dom
Aquino se candidatasse a Academia: com ele era a Igreja, o Episcopado que entrava
para a imortalidade acadêmica. Na solenidade de posse da cadeira nº 34 no dia 3011-1927 estava o Presidente Washington Luis todo o Ministério e a grande
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participação de toda sociedade da Capital da República na posse do Arcebispo de
Cuiabá.
VISITA A ROMA 1929
Há sete anos havia assumido o Governo da Arquidiocese e, atendendo a
determinação do Código de Direito Canônico, deveria ir visitar e venerar os túmulos
dos Apóstolos Pedro e Paulo, e apresentar a Santa Sé o relatório sobre o estado da
Arquidiocese. Pela primeira vez encontraria com o Santo Padre o Papa Pio XI e
participaria da homenagem a Dom Bosco, o qual seria declarado Bem-aventurado a
dois de junho de 1929 em Roma.
Sua personalidade, sua simpatia, atraíram atenção de todos, e foi convidado a
celebrar a Missa Dominical no salão do transatlântico. A devoção do celebrante o
sermão em perfeito italiano, empolgaram o numeroso auditório que fez questão de
custear a edição do folheto contendo a homilia.
Criação da prelazia do Diamantino era devido a vastidão da Arquidiocese e a
falta de clero, a impossibilidade de prover ao bem espiritual das provações de índios e
de civilizados dispersos.
Entre várias paróquias, a mais preocupante era a de Nossa Senhora da
Conceição do alto Paraguai no Diamantino. As visitas pastorais foram umas das
atividades menos conhecidas, mais edificante e trabalhosa da vida apostólica do
Arcebispo e no entanto, das mais preciosas ante o Divino Pastor, foi as visitas
pastorais, mas isso não fez sozinho precisou da ajuda de irmãs e abnegados
franciscanos e toda despesa era paga com suas próprias economias.
Encontrando jovens de famílias pobres com inclinações para arte e ofícios,
levava-os para o Liceu Salesiano São Gonçalo, onde gratuitamente durante anos eram
eles instruídos e formados em algum ofício.
Em 1925, Dom Aquino vai visitar as pastorais do velho Bispo Dom Silvério
Gomes Pimenta, que era querido por todos onde celebrou muitas crismas, comunhões
e confissões, pois, devida a precariedade e dificuldade dos meios de transporte e
comunicação e o custo da visita era por sua conta.
OS FRANCISCANOS NA ARQUIDIOCESE. A CRIAÇÃO DA
PRELAZIA DA CHAPADA.
Assim noticiava uma publicação sobre missões religiosas:
“No fim de janeiro de 1937, encontrando-se em São Paulo, Dom Aquino
Corrêa ouviu de um frade a possibilidade da ida de missionários franciscanos para
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Mato Grosso. O Arcebispo muito se alegrou com essa notícia e logo ofereceu três
paróquias de sua Arquidiocese e se prontificou a entregar uma região para Prelazia.
De fato, o governo da Província Franciscana da Imaculada Conceição de São
Paulo, em reunião definitorial de 15 de janeiro daquele ano, tinha resolvido ceder à
Província Franciscana de Santa Isabel da Turíngia, na Alemanha, todo o território do
então Estado de Mato Grosso.
Na reunião definitorial Provincial de 2 de março de 1937, o governo da
Turíngia aceitou a oferta e decidiu a fundação da nova missão em Mato Grosso.”
A notícia foi logo comunicada ao Arcebispo com o agradecimento pela oferta
das três paróquias e, ao mesmo tempo, foi-lhe exposta a seguinte dificuldade: as leis
em vigor na Alemanha proibiam levar dinheiro para fora do País, nem permitiam
enviar auxílios de qualquer espécies era necessário, pois, ter a certeza de que os
padres enviados a Mato Grosso teriam garantido o sustento.
A 16 de março de 1937, Dom Aquino respondeu expressando a alegria em
receber os filhos de São Francisco, oferecendo-lhes duas paróquias: a de Nossa
Senhora do Rosário, em Rosário Oeste, e a de Santo Antônio do Leverger.
A seguir, escreve: “A verdadeira messe, grande e digna dos filhos do Patriarca
Seráfico, será a paróquia desta Arquidiocese denominada “Sant’Ana da Chapada” a ser
em breve erigida, como é lícito esperar, em sede de Prelazia nullius, de acordo com o
pedido que eu mesmo encaminhei, faz pouco tempo, à Nunciatura Apostólica”. No fim
da carta, acrescenta que já oferecera a projetada Prelazia aos Padres da Congregação
dos Sagrados Corações de Picpus, na Holanda, cuja resposta estava esperando para
breve. Caso, porém, não aceitassem a Prelazia, como previa o Arcebispo, ficaria à
disposição da Província Franciscana da Turíngia.
Finalmente, após tantos anos de desolação, a Providência consolava o Pastor
com a vinda de novos operários para vinha do Senhor! A perseguição que o Nazismo
intensificava mais e mais contra a Igreja Católica na Alemanha viria beneficiar Mato
Grosso e, de maneira particular, a Arquidiocese de Cuiabá.
No dia 23 de fevereiro de 1938, os primeiros Franciscanos Alemães chegaram
de barco a Cuiabá, e foram cordialmente recebidos e hospedados pelo Arcebispo. No
dia 17 de março, foi-lhes oferecido um banquete de despedida e, no dia 20 do mesmo
mês, realizava-se a posse do primeiro vigário, Frei José Passmans, e despontava uma
nova era de vida espiritual para aquela imensa e desolada região que, desde o ano de
1904, não contava com pároco residente.
Haveria mais uma paróquia a oferecer aos franciscanos, a de Santo Antônio
do Leverger, mas Dom Aquino ia protelando, aconselhando calma e devagar. Qual era
a razão de adiar a entrega de uma paróquia há tantos anos abandonada e necessitada
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urgentemente de pastor? O secretário de Dom Aquino revelou o segredo: o Arcebispo
não tinha dinheiro para adquirir uma casa para os padres, tampouco para prover ao
seu sustento... Os poucos recursos da Arquidiocese eram absorvidos e consumidos na
ampliação e na reforma do velho prédio do Asilo Santa Rita.
O sonho do Arcebispo era a criação da Prelazia da Chapada e entrega-la ao
zelo dos Franciscanos. Há anos vinha mantendo correspondência com a Nunciatura
Apostólica, e, em sua viagem à Europa, em 1938, estivera em Roma para tratar, com
os organismos competentes, da criação da Prelazia.
A 22 de janeiro de 1939, o Padre Frei Pedro Holz foi empossado como
primeiro pároco da Paróquia de Sant’Ana da Chapada. Bom é que tenhamos uma idéia
do que era aquela Paróquia para aquilatar as preocupações e trabalhos do nosso
Arcebispo.
Na proposta da criação de Prelazia, a população foi calculada em cerca de
15.000 habitantes. Estes se dividiam em três classes, distintas entre si, pelas
condições de vida e pela atitude religiosa, a saber: índios pagãos, garimpeiros e
sertanejos:
índios pagãos: naquele tempo, viviam ainda na região três tribos diferentes: a
tribo dos Guatós, que morava na parte central e cujo número era bem pequeno. Mais
longe, os Caiapós habitavam nas grandes matas do norte e ainda eram verdadeiros
selvagens. Eram nômades e não mantinham relações nem com civilizados nem com
outras tribos indígenas. No centro da Prelazia, no rio São Lourenço, existiam seis
aldeias de índios meio civilizados, da tribo dos Borôro. Estes, segundo as estimativas,
eram perto de 1.000 indígenas;
Garimpeiros: dentro do território da Prelazia se localizavam umas 20 minas de
diamantes e de ouro. Os garimpeiros, cujo número era, ora maior, ora menor, não
tinham moradia fixa. Na sua maioria, eram aventureiros que vinham de todos os
Estados do Brasil, e mesmo do estrangeiro, para, em pouco tempo, fazer fortuna.
Mas, em geral, vegetavam na maior miséria econômica e moral, porque a sorte não
sorria para todos;
Sertanejos: eram os antigos habitantes da região. Em geral, eram pequenos
camponeses com pobre choupanas de palha e barro. Cultivavam o que precisavam
para viver e mais nada. Como estavam desligados de todo comércio, não tinham
possibilidade de nenhuma venda ou troca, e assim não pensavam em melhorar suas
condições de vida. Contudo, viviam felizes e contentes. Quase todos eram
analfabetos. Em todo o território da Prelazia, então, havia poucas escolas, nenhum
médico, nenhum dentista, nenhuma farmácia, nenhum hospital, nenhum cuidado
social. Segundo Dom Vunibaldo, primeiro Prelado, o povo que morava na Prelazia era
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“um povo bom e simples, mas um pouco sofredor, trabalhando continuamente, sem
muitas esperanças. Alimentando-se mal, sobrevive aquela gente por um milagre
quase inconcebível de nutrição. Sem roupa suficiente, vai resistindo às intempéries
como pode. Em moradia, mais ruína que casa, vive a rigor de iminente desabrigo.
Sem medico nem remédios de farmácia, livra-se lutando contra os males e as
doenças.”
As condições religiosas eram deveras lastimáveis, pois, durante anos a fio,
não aparecia um sacerdote para catequisar aquelas povoações e, quando chegara um
vindo, de Minas Gerais, fora preciso suspendê-lo do uso de ordens pela sua vida pouco
edificante. Dom Vunibaldo, mais uma vez, nos descreve a situação:
“Um povo, na realidade, católico. Mas a ignorância em matéria de fé era tal
que dava pena. A prática da vida religiosa quase se reduzia a meras formas ocas, cujo
significado não compreendiam. Acompanhar a folia com bandeira do santo, para
muitos era o maior ato de religião. Usavam o nome de Deus em suas expressões:
parece que pouco o invocavam em suas preces. E o que dizer do respeito a Deus em
seus mandamentos mais importantes?”
Nada mais compreensível, perante tão desolada realidade, que o Arcebispo se
empenhasse a mais não poder para entregar esta porção enorme da Arquidiocese aos
Franciscanos, pois os Padres da Congregação dos Sagrados Corações de Picpus
haviam recusado a oferta.
Como demorava a criação da nova Prelazia, Dom Aquino, em 1938, foi tratar
do assunto junto à Congregação Consistorial, em Roma. Agosto é mês de férias e o
Cardeal preposto à Congregação não estava. E Roma achava que uma população de
15.000 almas não necessitava de ser elevada a Prelazia...
Não tinham, porém, a mais longínqua idéia do que são 140.000 km²! Afinal,
Dom Aquino desabafou entristecido e decepcionado que em Roma houvesse tão pouca
compreensão sobre a situação do Brasil!
Finalmente, a 13 de julho de 1940, foi publicada a Constituição Apostólica
“Quo Christi Fidelibus”, com a qual era criada a Prelazia nullius da Chapada e, um ano
depois, no dia 19 de julho de 1941, foi nomeado o Padre Frei Vunibaldo Talleur,
membro do Comissariado dos Franciscanos de Mato Grosso, para Administrador
Apostólico.
A 16 de maio de 1910, em Cuiabá, aparecia o Semanário da Arquidiocese, A
Cruz, nascido do ardor apostólico e da aguerrida pena de Frei Ambrósio Daydée,
Franciscano da Terceira Ordem de Alby, com as bênçãos do belicoso e autoritário
Arcebispo Dom Carlos Luiz D’Amour, ambos varões de excepcional envergadura moral,
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os quais, naquele tempo e naquelas circunstâncias, exerceram, com destemor e zelo
ardente, o seu apostolado.
Um clima de hostilidade e desprezo, desde a queda do Império, envolvia a
Igreja de Cuiabá, seu Arcebispo e o Clero. Calúnias hediondas, veiculadas pela revista
A Reação, estavam a exigir uma tomada de posição, e esta veio com ingentes
sacrifícios, no Seminário da Conceição, nasceu o jornal Católico A Cruz, ao qual melhor
caberia o nome de Espada, tais os golpes e contragolpes que brandia.
Tanto o jornal A Cruz quanto os “sabatinos” deixaram de existir com a morte
do Arcebispo.
Em geral, era ele quem corrigia as provas tipográficas, com a meticulosidade
que lhe era peculiar. Redigia crônicas religiosas, e, durante muitos anos, enriqueceu o
jornal com o “artigo de fundo” sob o título geral de “Pétalas do Evangelho”, artigos
religiosos e, ao mesmo tempo, literários de alto valor, enfeixados mais tarde, por
ocasião de 25º aniversário de sua morte, em volume com o mesmo expressivo título
Pétalas do Evangelho.
Tantas eram as dificuldades do jornal que as catequistas e algumas dedicadas
Filhas de Maria, mais próximas, sob a sorridente e santa liderança da Professora
Aureolina Ribeiro, a queria e conhecida Professora Oló, dobravam-lhe as páginas,
escreviam os endereços e o remetiam aos assinantes!
Mas, enquanto viveu, nem pobreza, nem cansaço, nem falta de colaboradores
e dificuldades de obter o papel necessário conseguiram faze-lo desistir de, através da
boa imprensa, pregar a verdade nos lares e localidades mais distantes de sua
Arquidiocese.
Mantinha-se, desse modo, fiel, sobranceiro às dificuldades, ao lema que
escolhera como ideal do seu episcopado: “Sanctifica in Veritate” – Santificar através
da Verdade.
No ano de 1938, o Governo brasileiro foi convidado e aceitou a participar da
VII Conferência da Instrução Pública em Genebra. Para representar o Governo foi
convidado o Arcebispo de Cuiabá que aceitou a honrosa incumbência.
Quarenta e duas nações fizeram-se representar e, no dia 18 de julho, o
primeiro ato foi a eleição dos dois vice-presidentes, pois era praxe, nas assembléias
internacionais, que o Presidente da Conferência anterior propusesse o novo presidente
a ser eleito.
Eleito por aclamação o delegado da França, Paulo Barrier, este propôs, para
primeiro vice-Presidente, o nome de Dom Aquino que foi entusiasticamente aclamado.
Mais um prestigio e orgulho para o episcopado e a longínqua Cuiabá.
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Com o Arcebispo do Rio de Janeiro, inicia Dom Sebastião leme uma grande
campanha para recuperar o prestígio social do Catolicismo no Brasil, reivindicando
para a Igreja o lugar que – como dizia - lhe cabe por direito na vida social. Por ocasião
do Centenário da Independência do Brasil, em 1922, promove um grande Congresso
Eucarístico, objetivando mostrar, às autoridades do País e ao povo em geral, a força
viva do catolicismo.
Dom Aquino, recém-saído do Governo do Estado de Mato Grosso, fora
convidado para proferir, na Igreja de São Francisco de Paula, o sermão de abertura
oficial do Congresso Eucarístico, em que se sagrou, desde logo, no mais empolgante
orador sacro.
A própria candidatura de Dom Aquino à Academia Brasileira de Letras, que ele
não desejara nem favorecera, parecia fazer parte do plano de Dom Sebastião Leme,
que, como líder do Episcopado e da intelectualidade católica, estava empenhado em
que a Igreja continuasse a ter partipação efetiva no mais alto silogeu da
intelectualidade brasileira, ausente que estava desde o falecimento de Dom Silvério
Gomes Pimenta, o primeiro representante do clero a ter assento naquele sodalício.
As diretrizes do Pontificado de Pio XI eram a revitalização do Catolicismo
dentro de uma óptica de reivindicação e conquista dos direitos de Cristo Rei. A
tradicional concepção da Igreja “sociedade perfeita” deveria estar ao lado e em
sintonia com o poder civil.
É neste contexto histórico, que se inicia e desenvolve, a contar de 1922, o
serviço episcopal de Dom Aquino, cuja personalidade, em contínua e luminosa
ascensão no cenário nacional, é aproveitada especialmente por Dom Sebastião Leme
para o necessário diálogo entre Igreja e Governo Federal.
A amizade e a admiração do Presidente Getúlio Vargas, a chancela acadêmica
que conferia a seu nome extraordinário prestígio, fizeram de Dom Aquino o orador das
grandes solenidades promovidas pelo Governo Federal.
Justo é observar, no entanto, que a maioria dos discursos foi pronunciadas
em Missas ou Te Deum em ação de graças em dias festivos da nacionalidade. Assim
em 1933, no Rio de Janeiro. Era a primeira vez que um Presidente da Argentina
visitava oficialmente o Brasil. Fora o Arcebispo de Cuiabá convidado para a oração
gratulatória, sendo o oficiante Dom Sebastião Leme, então Cardeal-Arcebispo do Rio
de Janeiro.
Deixou empolgado o auditório, e o Presidente Getúlio Vargas, agradecendo,
perguntou ao Arcebispo o que lhe poderia oferecer em retribuição a tão relevante
serviço.
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Tratava-se de reabrir o Seminário da Conceição, que, desde os primeiros anos
do episcopado de Dom Carlos, cerrara suas portas para os candidatos ao sacerdócio e,
finalmente, voltaria a ser casa de formação como Noviciado da Inspetoria Salesiana de
Mato Grosso. Viriam da Itália os primeiros noviços, e Dom Aquino queria oferecer-lhes
uma viagem igual à dos primeiros missionários vindos, em 1895, a Cuiabá. Pediu ao
Presidente custeasse a viagem dos jovens que viriam da Europa para se prepararem à
entrega, de corpo e alma, à promoção religiosa e humana do nosso povo.
Em 1941, mais uma vez o Presidente Getúlio Vargas desejou que a voz de
Dom Aquino ecoasse no Rio de Janeiro perante imensa multidão, ao serem inumados
os restos mortais dos heróis de Laguna e Dourados, no monumento a eles erigido na
Praia Vermelha.
Não era simplesmente vínculos de amizade, simpatia ou gratidão, mas o
reconhecimento de um bispo católico ao Presidente, o qual, após anos de tenebroso
laicismo, dera à Igreja e às suas instituições o respeito e prestígio merecidos.
A 7 de agosto de 1941, o Presidente Getúlio Vargas era recebido festivamente
em Cuiabá: era a primeira visita de um Presidente da República a Mato Grosso. Dom
Aquino, como uma das figuras representativa do Estado, promoveu um solene Te
Deum de ação de graças na velha Catedral.
1948- ANO DE SOFRIMENTO E DE TRABALHO.
O ano de 1948 apresenta-nos, dia após dia, a múltipla e verdadeira faceta do
Arcebispo, madrugava as três e meia todos os dias para orar, meditar e estudar.
Neste mesmo ano a 19 de fevereiro falece vigário geral, Padre Luís Sutera, o
qual, durante vinte anos fora seu auxiliar dedicado. Reduzido a inatividade por um
derrame cerebral, passou os últimos meses da sua vida na Santa Casa de
Misericórdia, onde todos os dias o Arcebispo ia visitá-lo.
Presidiu as cerimônias fúnebres e também ele rendeu-se à doença que há
muito o fazia sofrer, tinha ele um rim deslocado que estava a exigir pronta
intervenção cirúrgica.
O tempo de Quaresma não permitia que ele se ausenta-se, entretanto em 14
de abril as condições de saúde se agravaram e ele foi levado ao Rio de Janeiro, em
avião especial da Presidência da República, para ser submetido a exames e à
operação, apesar de muito a contragosto pois, a 2 de maio haveria a inauguração da
matriz de Santo Antonio do Leveger e no dia 18 seria a posse do novo Bispo da
Chapada Dom Vienebaldo Talleur. No final do mês, dia 30 de maio pelo médico Drº
Joaquim Moreira da Fonseca deixando a Casa de Saúde somente em agosto.
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A 28 de outubro em Porto Alegre pronunciou a oração inaugural no Pontifical
de abertura do V Congresso Eucarístico Nacional. Ao voltar ao Rio de Janeiro, antes de
retornar a Cuiabá, brinda o Episcopado com um pequeno livro em latim: Florelegium
Axceticum pro Episcopis. Florégio Ascético para os Bispos.
Em 26 de novembro retorna a cidade natal e é recebido por todas as
autoridades encabeçadas pelo Governador do Estado, pelo Clero, pelos religiosos e
pelo povo fiel.
SEU PRECÁRIO ESTADO DE SAÚDE. A DESIGNAÇÃO DE SEU
BISPO AUXILIAR.
Antes da ordenação ao presbiterado, em Roma sofreu um profundo
esgotamento nervoso, que exigiu meses de tratamento e lhe impediu de obter outros
títulos acadêmicos, além dos que já possuía: doutor em Filosofia e em Teologia.
Durante uma de suas internações, de São Paulo em 1943 ele escreveu uma
linda Carta Pastoral sob o título “O dever da oração”, e nos dá a conhecer seu estado
de saúde.
Em 1947 devido a uma longa e grave doença escreve outra notável Carta
Pastoral: O Testamento do Vosso Arcebispo.
Em 1952 teve uma gravíssima e dolorosa infecção, agravado por problemas
cardíaco e diabético, e durante o tempo que ficou internado escreveu a Carta Pastoral
sobre O Congresso Eucarístico de Cuiabá e os frutos que dele esperamos.
Enfraquecido por tantas enfermidades, e ao sentir declinarem-lhes as forças,
solicitou por intermédio da Nunciatura Apostólica, ao Santo Padre, um Bispo auxiliar e
mais tarde querendo preparar-se ao grande passo na oração e no recolhimento, um
Arcebispo coadjutor com direito à sucessão.
Ao longo de vários anos enviou insistentes pedidos para superiores maiores
da Congregação Salesiana, quanto a Nunciatura Apostólica, mas os nomes por ele
apresentado já estavam sendo cogitados para outras dioceses.
Os dois nomes sugeridos pelo Arcebispo foram os de Pe. João Rezende Costa
e Pe. Orlando Chaves, ambos ligados a Dom Aquino, honraram sobremaneira a
Congregação e o Episcopado Nacional.
Em 20 de junho de 1950, recebe o telegrama da Nunciatura Apostólica em
que lhe comunicava que o Papa Pio XII nomeava o Pe. Antônio Campelo de Aragão,
Bispo titular de Sesta e auxiliar do Arcebispo de Cuiabá.
Os poucos anos que o Bispo auxiliar passou em Cuiabá foram de muitas
iniciativas, organizador do 1º Congresso Eucarístico de Cuiabá, fez vibrar a cidade e a
Arquidiocese.
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Com a morte, em março de 1956, do Arcebispo de Cuiabá, governou Dom
Campelo, como vigário capitular, vindo a tomar posse a 11 de fevereiro de 1957 da
Diocese de Petrolina, no Estado de Pernambuco.
NA SEMANA SANTA – 1950
O aniversário natalício de Dom Aquino leva-nos a relembrar e reviver a
Semana Santa, pois que ele nascera no dia 2 de abril de 1885, numa quinta- feira
Santa. O acontecimento de maior relevo nessa semana que ele invariavelmente
celebrava e presidia em sua sede com muitos trabalhos e extraordinária devoção, era
o Sermão do Encontro.
Nada melhor do que a Epístola a Dom Aquino, escrita e publicada pelo
acadêmico Corsíndio Monteiro da Silva, dirigida a Dom Aquino por ocasião do
Centenário de seu nascimento.
DOIS JUBILEUS E O CONGRESSO EUCARÍSTICO
O ano de 1952 marcava, na sua vida duas datas jubilares: uma de ouro e de
prata a outra, ambas ricas de alto significado para a sua vida de religioso salesiano e
de literato. Completava-se meio século de vida religiosa salesiana e, há 25 anos
recebera os lauréis da imortalidade literária com a eleição à Academia Brasileira de
Letras.
O Bispo auxiliar para “comemorar, santificar e perpetuar as duas efemérides
jubilares”, lançara a idéia de um Congresso Eucarístico, o 1º de Mato Grosso, um
Congresso em Cuiabá era tarefa tão nobre quanto ousada: a distância que muito e
tudo dificultava, porém em se tratando de Dom Aquino, todos se uniam, todos
vibravam e cooperavam felizes. Era dado a Dom Aquino presidir ao 1º Congresso
Eucarístico do Estado que governava como Presidente de Conciliação.
Concorrera e vencera dois concursos para o hino dos Congressos Eucarísticos
Nacionais - da Bahia em 1933, e de Pernambuco em 1939.
O trabalho inteligente e ingente do Bispo Dom Campelo, auxiliado por uma
plêiade de católicos, conseguiu tornar Cuiabá digna de um Congresso Eucarístico.
A 12 de junho de 1952, no primeiro dia do Congresso, o Colégio Salesiano
São Gonçalo, do qual ele fora aluno, professor e diretor, inaugurava o salão de atos
com a sessão solene em homenagem ao acadêmico jubilar.
Outra expressiva homenagem partira da iniciativa do afilhado Drº Luis Phelipe
Pereira Leite na praça principal da capital, entre o Palácio do Governo e a Catedral
Metropolitana, uma escultura em bronze feita por Leonardo Viana da Cunha Lima.
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ANO DE 1954
A pouco e pouco, vamos chegando aos últimos anos de vida do Arcebispo
tendo ele, agora o Bispo Auxiliar a dinamizar a vida religiosa da Arquidiocese,
ausenta-se com mais freqüência demorando no Rio de Janeiro e em São Paulo.
A 19 de novembro, no Rio de Janeiro recebe as insígnias de Comendador da
Ordem do Mérito Militar, havendo sido já por ocasião do Congresso Eucarístico
agraciado com as insígnias de Grande Oficial da Ordem do Mérito Naval.
Desde a aurora até ao crepúsculo de sua existência de literato e pastor de
almas, sua vida foi suavemente iluminada pelo amor à Santíssima Virgem.
ÚLTIMA MENSAGEM
O ano de 1955 girou, todo ele em torno do 36º Congresso Eucarístico Interno,
sua preparação e realização.
Foi em janeiro de 1956 que Padre Pedro Cometti acompanhou Dom Aquino
até a Catedral, pois ele desejava escolher e definir o local onde deveria ser enterrado.
O Presbitério da Velha Sé Catedral, de estilo colonial achava-se bem elevada acima da
nave central a ele ascendia por seis degraus, em baixo estava a mesa de comunhão
entre esta e os degraus de acesso ao presbitério, havia um espaço de metro e meio de
largura, pelo comprimento da nave central, por onde o Sacerdote passava distribuindo
a Comunhão. Ele escolheu este espaço, entre os degraus e a mesa de Comunhão, e
pediu que uma lápide de mármore branca cobrisse seus restos e tivesse gravado, em
letras grandes, a frase: “A Eucaristia é tudo”.
Desde os primórdios de seu Episcopado, Dom Aquino escrevia semanalmente
um artigo para o Semanário A CRUZ, a partir de 1951, após muita insistência ele
concordou que os artigos fossem enfeixados em volume e em 1955 ele levou os
originais a Imprensa Nacional. Com o falecimento do Arcebispo e com o passar dos
dias nenhuma informação era passada a respeito do edição do livro, a não ser que os
originais haviam sumido, após um não o sucesso do Arcebispo teve conhecimento de
que “um amigo” retirara da imprensa os originais e os levara para sua residência,
guardando com muito cuidado, porém, certo dia sua empregada, num assomo de
vontade de limpar e ordenar, jogou tudo no fogo, e lá se foram as pétalas do
Evangelho. Entretanto um paciente trabalho do Padre Raimundo Pombo conseguiu
coligir grande parte dos artigos esparsos em jornais e revistas, havendo a
Arquidiocese de Cuiabá, com o patrocínio da Prefeitura Municipal de Cuiabá, mandado
publicar, no 25º ano de seu falecimento.
No ano de 1952 no mês de julho Padre Pedro Cometti acompanhou Dom
Aquino a residência do Drº Marcelo Moreira para um almoço, antes de entrar na
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residência como era do seu feitio Pe. Cometti olhou se o Arcebispo estava “em
ordem”, quando notou uma gota de pus na narina direita, foi então que Dom Aquino
lhe disse que era um tumor, mas já estava tratando e pediu para que não dissesse a
ninguém.
Na máxima reserva, tomava aplicações de radioterapia e a intercessão do
Padre Rinaldi, alcançou-lhe que o tumor estacionasse. Faleceu sem que ninguém mais
soubesse.
O mês de janeiro de 1955 praticamente o passou no quarto sem incômodos
específicos, porém com um mal-estar generalizado e grande fraqueza.
Dois meses após Dom Aquino ter ido visitar as construções do aeroporto em
Várzea Grande, o avião que traria seus restos mortais seria o primeiro a pousar
naquele “mar de asfalto” como ele havia se referido.
MORRE DOM AQUINO
Dom Aquino passa por alguns exames médicos realizados em São Paulo,
entretanto, aconselhavam uma operação que não apresentava alto risco, pois se
tratava de um cálculo encontrado na parede da bexiga, causava certa preocupação
pelo físico extremamente debilitado do paciente e pelos problemas cardíacos que
tinha. Fora operado com êxito no dia 18 de março, mas o pós-operatório não
apresentou indícios favoráveis a uma pronta recuperação, pois os rins não
funcionavam bem e receava-se uma uremia fatal, o que, infelizmente acabou
acontecendo no dia 22 do mesmo mês.
Na tarde tristíssima do dia 23 de março de 1956, pela primeira vez, um avião
de carreira chegava ao novo aeroporto, ainda não inaugurado trazendo os restos
mortais de Dom Aquino, o qual ele havia visitado dois meses antes.
BIBLIOGRAFIA
COMETTI, Pe. Pedro. Dom Aquino Corrêa: vida e obra. Cuiabá, 1993.
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FILINTO MÜLLER
ADENILTON BERNARDES FELICIANO5
RESUMO: Este artigo visa apresentar a contradição existente sob à imagem de Filinto
Müller. Um homem aparentemente admirado por companheiros políticos e amigos, isto
é, se existir amizade na política, mas execrado pela maioria da sociedade, pela sua
participação e atuação com requintes de violência contra opositores ao governo
Vargas, no período da ditadura no Brasil , no qual ele ocupara o cargo de chefe de
policia e responsável direto pela ordem e segurança do governo de 1933 à 1941. Mas
como é sabido por muitos, pela manipulação e por não ser de interesse das lideranças
políticas do país, que cheguem ao conhecimento da massa, determinados fatos ou
períodos da história recente, são quase que inexistentes bibliografias e outras
matérias, para que se possam ser feitas analises minuciosas sobre os fatos ou
personagens que fazem parte dessa história, e poder tirar da mesma a própria
conclusão sobre os acontecimentos. E por maior dificuldade que exista, este texto
busca trazer o leitor à uma reflexão sobre a possibilidade de uma personagem poder
sair como herói ou somente como vitima das circunstâncias de determinadas situações
da qual tenha participado diretamente, trazendo dor e sofrimento à muitas pessoas,
através apenas de fontes apresentadas por ex-companheiros de labuta, ou que por
maiores que sejam, por mais desculpas que se possa pedir, nunca se apagará da
memória de um povo, os males por ele sofridos, nem mesmo se esses males tenham
sido realizados por alguém que estivesse achando que na realização de suas funções
estivesse fazendo o correto, em busca apenas da ordem da nação, sem se aperceber
que estaria deixando marcas profundas de dor e sofrimento para a posteridade.
PALAVRAS-CHAVE: Chefe de policia, Ex-companheiros, Ditadura, Herói, Sistema.
A VIDA DE FILINTO MÜLLER
Filinto Muller , nasceu no dia 11 de julho de 1900, em Cuiabá – MT.
Pertencente a uma família de tradição na política matogrossense, onde seu pai, Júlio
Frederico Müller, foi prefeito de Cuiabá por várias vezes durante a República Velha e
seus irmãos Fenelon e Júlio Müller foram interventores federais no estado durante o
primeiro governo de Getúlio Vargas. Fez os estudos secundários em Cuiabá, e os de
grau superior na Escola Militar do Realengo, onde se especializou em Artilharia, e na
Faculdade de direito de Niterói, onde bacharelou-se em ciências Jurídicas e Sociais
(MELLO, 1970).
5
Acadêmico do curso de História/UCDB.E-mail: [email protected]
45
Foi senador por quatro mandatos, nas legislaturas de 1947, 1955, 1962 e
1970, com destacadas atuações. Exerceu a liderança do PSD e, posteriormente, do
governo JK. No mandato de 70 ocupou a liderança da ARENA e do governo, e a
presidência nacional do partido, além de ter sido Chefe de Polícia durante a ditadura
do Governo de Getúlio Vargas, entre 1933 e 1941, período que o colocou na história
do Brasil como sendo uma figura monstruosa que fechava sindicatos, prendia
operários e mandava torturar e matar comunistas. Em 1973 assumiu a presidência do
senado. Neste mesmo ano, no dia do seu aniversário (11 de Julho), vitima de acidente
aéreo, morreu, junto à mulher o neto e mais 119 pessoas (www.diariodaserra.com.br)
Político preocupado com o desenvolvimento intelectual, cientifico e econômico do seu
estado natal, muitos mato-grossenses tiveram formação acadêmica no Rio de Janeiro,
com o apadrinhamento de Filinto Müller, sob uma única condição, de que após
formados deveriam retornar para o Mato Grosso, de forma a contribuirem para o
desenvolvimento do Estado. Foi Ele também um dos principais responsáveis pela
fundação da Universidade Federal de Mato Grosso.
È difícil acreditar que na política do Brasil, onde sempre um esta querendo
puxar o tapete do outro, existam amigos ou admiradores dos feitos realizados pelos
seus concorrentes. Porém segundo políticos como Saldanha Derzi e Plínio de Mello, excompanheiros de Filinto Müller, ele fora um homem admirável, de muitas qualidades,
responsabilidades e de integridade moral, principalmente por não se colocar em
discussões quando o acusavam de alguma arbitrariedade que desabonasse sua figura,
ou até mesmo por saber reconhecer seus erros cometidos.
Plínio de Mello, em seu livreto “ DE ALCESTE A FILINTO: O Perfil de Um
Homem”, deixa bem explicita a descrição desses fatos:
Um homem que durante anos e anos a fio , viu sua personalidade
arrastada na lama dos insultos, recebendo serenamente os raios da
calúnia que ribombavam sobre ele, mas sem lhe abater a estatura de
homem. Calúnias, infâmias, ódio; ódio por amor do ódio, se assim me
posso expressar, servindo de pára-raios de toda uma situação, uma
época política, às vezes como único culpado de ações que não foram
suas nem delas tivera conhecimento e que quase sempre nem a elas
se poderia opor, pois não lhe sobrava poder para tanto!(pág. 2)
Filinto Müller tem a grandeza de reconhecer perante a Nação o seu
erro, pensando que na ditadura se encontrariam os meios para criar
uma situação que eliminasse a corrupção e a imoralidade que ele,
quando moço, via em torno de si. Hoje, reconhece, sinceramente, que
errou e prega a sua fé na democracia, “porque a democracia é o único
regime que realmente respeita a integridade do homem e lhe
possibilita elevar-se e dignificar-se” , isto é, atingir os mais altos
padrões de dignidade humana, aproximando-o mais Daquele que, em
sendo Deus, se deixou crucificar, por amor dos homens e desse ideal
de maior perfeição humana.(pág.3)
46
CUMPRIMENTO DO DEVER OU ABUSO DO PODER?
Como já foi descrito, sua principal presença na história do Brasil não está
relacionada à sua participação de liderança dentro da política nacional e nem tão
pouco, na sua visão progressista para o MT, e muito menos ainda pelo seu caráter,
honestidade, carisma, entre outras qualidades. Sua presença é marcante durante o
governo Vargas, onde por quase uma década (1933 – 1941) fora Chefe de policia do
governo, sendo responsável direto pela manutenção da ordem e segurança do país,
fato que o tornara, o maior alvo das acusações e perseguições sofridas pelo governo,
por parte dos esquerdistas contrários ao Getulianismo que eram perseguidos pelo
mesmo, de forma que alguém deveria executar o trabalho de proteger o governo
contra os revolucionários da época, se é que se pode falar em revolução para aquele
período de nossa história, e esta função era de responsabilidade de Müller, que usava
de todas as formas para conseguir realizar bem seu trabalho, não importando a forma
como conseguiria realiza-lo. Enfim, fora Ele o pára-raios de Vargas, segundo alguns
desses seus “amigos” – “Sobre seus ombros recaiu o peso da ditadura, da repressão
ao comunistas e integralistas, das torturas, das prisões injustificadas e dos
desaparecimentos” (www.tce.mt.gov.br), pois como culpar por mortes e torturas um
homem tido como “o pai do povo”, que assegurou os direitos trabalhistas, entre outras
inúmeras conquistas? (www.diariodaserra.com.br).
De todas a acusações, a mais conhecida e polêmica, é a da prisão e
deportação da judia alemã, Olga Benário, militante comunista e mulher de Luís Carlos
Prestes, que era orientador da Aliança Nacional Libertadora, um órgão do partido
comunista e um dos principais opositores ao governo.
Em entrevista consedida por Filinto Müller ao JORNAL DO BRASIL do dia 16 e
17-11-69, ele se isenta da culpa de deportação e conseqüentemente a morte em um
campo de concentração alemão, da militante comunista, e diz que somente cumpria
ordens.
Toda gente sabe no Brasil que um ato de expulsão de estrangeiro não
depende de um chefe de Policia, mas sim de decisão do Presidente da
República, referendada pelo Ministro da Justiça. Fui convocado para
uma reunião ministerial e notificado de que deveria levar
esclarecimentos sobre a situação das mulheres estrangeiras
presas[...]. Levei a documentação à reunião ministerial. Houve longo
debate. Fiquei contra a expulsão. Ao final decidiu-se que as
estrangeiras seriam expulsas. A polícia fez o que lhe competia[...]. A
minha atuação foi a de coligir dados do processo e de cumprir o
decreto de expulsão (JORNAL DO BRASIL).
Não se pode dizer portando que Filinto Müller fora um homem sem
escrúpulos, por toda sua participação e influência durante o período que ocupou o
cargo de Chefe de Policia do Governo Vargas, mas também, ele não pode ser isentado
47
de todas as atrocidades ocorridas. Mas a questão que fica em relação à Filinto Müller
enquanto Chefe de Policia e responsável direto pela ordem e segurança do País, já que
praticamente todas as fontes que se encontram à respeito dele são descritas pelos excompanheiros ou por aqueles influenciados a faze-lo de forma à transforma-lo em
herói, ou somente vitima do sistema, é! Ele, somente executava as ordens da maneira
que lhes eram passadas, ou pelo poder a ele outorgado, agia de forma mais viril do
que deveria ser ?
E mesmo sendo apontado por muitos como um personagem mal de um
período da história, por outros fora, ou é apontado como um personagem que teve
que se adequar aos períodos, onde,quando teve que usar a força, usou, e
posteriormente quando virou político, e teve que usar sua inteligência e visão
progressista, também usou. Enfim, Filinto Müller entrou na História do Brasil, pela
porta dos fundos, fazendo o serviço sujo, mas o sistema insiste em coloca-lo como
sendo um homem bom, que apenas pelo seu patriotismo, buscava manter a ordem a
qualquer custo.
BIBLIOGRAFIA
DERZI, Saldanha. Filinto Müller. Brasília, 1973.
MELLO, Plínio de. De Alceste a Filinto, O Perfil de Um Homem. 1970.
http//www.diariodaserra.inf.br
http//www.tce.mt.gov.br
http//www.senado.gov.br
48
MADAME LYNCH
Tais Sebastiana.Leite da Silva Pereira1
RESUMO: Ao longo dos séculos XIX, XX e XXI, biográficos, memorialistas e
historiadores traçaram, com propósito diferentes perfis de Elisa Lynch, dando a ela
um lugar de destaque no confronto conhecido como Guerra do Paraguai. O que
interessa, quando se escreve sobre a história de Madame Lynch, e, sobretudo, a
tarefa de fazer meditações entre duas culturas, entre o passado e o presente, e de
resgatar a trajetória de sua vida. Este artigo e de levantar esses perfis, o que permite
uma conclusão mais precisa para este estudo.
PALAVRAS-CHAVE: Mulher; Guerra do Paraguai.
MADAME LYNCH
Em 1835, nasce na Irlanda Eliza Alicia Lynch, com apenas 12 anos foi estudar
em Londres, junto com o irmão, freqüentando as melhores escolas e o conservatório
de música, onde aprendeu piano.
Sua beleza física, acentuada por educação refinada, era de tal ordem que aos
15 anos foi pedida em casamento pelo médico militar francês Xavier de Quatrefages,
que se aperfeiçoava em um hospital britânico. Apesar de ainda estar na adolescência,
sua família aceitou o pedido do pretendente, que tinha mais do dobro de sua idade.
Reclusa em seu quarto de hotel, não restava a Elisa senão a leitura,
preferencialmente a de literatura romântica, seu marido ficava no quartel. Entediada,
ela conseguiu convencê-lo a permitir que o acompanhasse como enfermeira-auxiliar,
em missão militar no deserto. Mal sabia que tal experiência teria grande utilidade,
anos mais tarde, quando acompanhou Solano López na guerra.
Após ser acusada de ser amante de um jovem russo, seu esposo a mandou de
volta a França. O Ministério das Colônias lhe informou que não tinha direito a qualquer
pensão, já que seu casamento não era reconhecido pelas autoridades
francesas.Quatrefages havia casado com uma estrangeira, segundo as leis inglesas, e
não havia solicitado a indispensável autorização prévia de seus superiores.
Elisa escreveu então ao marido, liberando-o de qualquer compromisso, e
recebeu como resposta de Quatrefages que ele também a liberava, pois já não a
considerava sua esposa desde o duelo.
Tais Sebastiana Leite da Silva Pereira Graduando em História na Universidade Católica Dom Bosco(UCDB)
[email protected]
1
49
Juntamente com uma amiga ex-esposa do comandante do Regimento de
Argel, que havia voltado a Paris depois de também separar-se do marido. As amigas
trocaram confidências e Elisa recebeu, surpresa, convite para ir morar na casa de uma
certa "Madame", que era freqüentada pela ex-esposa do militar e também por
personalidades da alta sociedade, que ali mantinham encontros íntimos.
Em 1854, Francisco Solano Lopez, filho mais velho do Presidente do Paraguai
Carlos Antonio Lopez, foi enviado a Europa como ministro plenipotenciário para
comprar armamento e estabelecer contatos comerciais. Em Paris conheceu a irlandesa
Elisa Alicia Lynch, foi o capitão Brizuela, ajudante-de-ordem de Solano Lopez, que o
levou a Lynch.
Passaram a encontrar-se diariamente e a viajar juntos em todas as ocasiões
que Solano tinha compromissos diplomáticos. Os rumares do romance chegaram aos
ouvidos do pai de Solano, que determinou a sua volta ao Paraguai, alegando razões de
Estado, para separá-lo da amante. Também a família de Elisa não aprovava a
possibilidade de vê-la partir para a distante América do Sul, continente atrasado onde
havia indígenas e escravos, além de febres tropicais e animais selvagens.
Foi combinado que Elisa viajaria antes e aguardaria Solano em Buenos Aires,
enquanto ele voltaria primeiro ao Paraguai para convencer o pai a aceitar que
vivessem juntos. Finalmente Solano foi buscá-la, revelando que seu pai aceitara que
vivessem juntos, de maneira discreta, isolados da sociedade e residindo em uma casa
localizada nos arredares de Assunção.
Desde sua chegada ao Paraguai, Elisa enfrentou a hostilidade da Igreja
Católica e da sociedade local, que não aceitavam seu concubinato com o filho do
presidente.
Sua casa, ampla e decorada por ela própria, possuía inclusive sala de música,
sendo freqüentada apenas por uns poucos casais amigos de seu companheiro e por
diplomatas europeus que eram recepcionados em jantares e saraus musicais. Era,
enfim, um verdadeiro centro cultural na provinciana capital paraguaia.A sociedade,
escandalizada, fazia comentários maldosos. As mulheres diziam que "a casa de
madame Lynch" era uma cópia do "prostíbulo de luxo de Paris, de onde Solano a
tirara". Outras, invejosas de sua beleza e mais ferinas, afirmavam que a casa da
"gringa aventureira" era o lugar ideal para quem gostava de beber, pois sua adega
guardava os melhores vinhas e licores importados.
Indiferente aos comentários, Elisa cuidava pessoalmente da educação das
quatro filhos dois casais de sua união com Solano e evitava expor-se em público.
Quando, em outubro de 1862, Solano López tornou-se presidente pouca coisa
mudou na rotina do casal. Elisa recusou-se a morar no palácio, a fim de não estimular
50
novas críticas. Durante a guerra, a irlandesa comprou terras e imóveis, área que
correspondia exatamente à extensão territorial da colônia de Dourados delimitados
pelo decreto do governo imperial de 26 de abril de 1856. Também se tornou
proprietária, graças ao beneplácito de Solano Lopez, de uns 4375 quilômetros
quadrados entre os rios Bermejo e Pilcomayo, território reconhecido como argentino
no pós-guerra, e, ainda, outros 135 mil quilômetros quadrados na região oriental do
Paraguai. Para manter a aparência de lisura desses negócios, em lugar do próprio
Presidente como era de praxe, as vendas possuíam a autorização do vice-presidente
Sánchez.
Em suas solicitações de compra, Elisa Lynch invocou a condição de cidadã
britânica com filhos paraguaios, pretextando o desejo de contribuir, com dinheiro que
oferecia pelas terras, em favos do esforço de guerra do Paraguai, Como bem ressaltou
Centurion, quando as vendas se deram, em fins de 1869, já não havia tempo para
usar o dinheiro arrecadado na defesa Nacional, e, ademais, não havia nenhuma lei
que autorizasse a alienação das terras publicas. O enriquecimento imobiliário de
madame Lynch foi possível porque o Estado paraguaio era praticamente um feudo da
família Lopez. Na descrição de Ricard Francis Burton, escritor, aventureiro e diplomata
inglês.”O país e, de fato uma grande estância da qual o supremo magistrado atua
como proprietário”.
Em 23 de dezembro de 1868, quando estava cercado pelo inimigo em Lomas
Valentinas, Solano Lopez deixou seu testamento aos cuidados do representante
diplomático norte-americano, general MacMahon. Nele, mostrava-se “agradecido pelos
serviços [sic!] da senhora dona Elisa e a declarava sua herdeira universal”.
A transferência de terras publicas para Elisa Lynch se explica pela
preocupação de Solano Lopez com a sorte da família. Outra explicação hipotética não
excluente, e a de que, consciente da derrota final que se aproximava Lopez estava
convencido de que o Paraguai seria dividido entre a Argentina e Brasil, deixando de
existir como Estado independente.
Após sepultar seu companheiro, Elisa Lynch e seus filhos foram levados para
Assunção sob a proteção do general Câmara, nessa capital, as mulheres de antigos
exilados paraguaios publicaram uma carta no jornal La Regeneración, na qual exigiam
que se tomassem medidas enérgicas contra a companheira do falecido ditador. Lynch
foi acolhida, para a sua segurança, a bordo do navio de guerra brasileiro, e, pouco
depois, partiu para a Europa.
Empobrecida Elisa Lynch chegou a Buenos Aires em 1885, aí estivera dez
anos antes, a caminho de Assunção, onde não pode permanecer devido à hostilidade
das mulheres da elite local com o objetivo de obter a posse das terras que o governo
51
de Solano Lopez transferira para seu nome. Ao tomar consciência da dificuldade de
conseguir seu objetivo, Elisa transferiu seis supostos direitos de posse para o filho
mais velho, Enrique Venâncio Solano Lopez.
De volta a Europa, Elisa Lynch morreu em Paris, em 1886, na miséria, a
ponto do enterro ter sido pago pela prefeitura.
Em 1961, nas comemorações do sesquicentenário da independência
paraguaia, as cinzas de Elisa Lynch voltaram solenemente a Assunção, a bordo de um
navio de guerra que trouxe sua urna funerária da França.
Contudo, sua última vontade de ser sepultada ao lado do companheiro e do
filho não foi cumprida. A alegação foi a de que a mausoléu de Solano López estava no
Phanteón, que é também uma igreja. Assim, as autoridades religiosas vetaram que as
cinzas da concubina repousassem eternamente ao lado das de seu amante.
O mausoléu de Elisa Lynch, a irlandesa que desafiou preconceitos e os
horrores das batalhas, foi erguida na entrada principal do Museu Militar do Paraguai.
BIBLIOGRAFIA
Doratioto, Francisco..Maldita Guerra: Nova História da Guerra do Paraguai.São Paulo:
Companhia de Letras, 2002
Dourado, Maria Tereza Garritano. Mulheres comuns, Senhoras Respeitáveis. Campo
Grande: Editora UFMS, 2005
www.uff.br
52
MOVIMENTO DIVISIONISTA NO MATO GROSSO
DO SUL
Marco Aurélio de Sousa Manvailler Vendas
Poucos estudos se propõem em apresentar uma hipótese sobre o surgimento
do movimento que culminou com a divisão do estado de Mato Grosso em 1977,
sobretudo a uma análise do papel dos agentes envolvidos em tal movimento.
A real importância da pesquisa realizada pela historiadora Alisolete
Weingartner, que resultou na publicação de seu livro Movimento Divisionista em Mato
Grosso do Sul, está em acrescentar à historiografia regional um estudo sobre a política
coronelista de Mato Grosso do final do século XIX e a efetiva participação de
determinados grupos no processo de manutenção da unidade estadual.
A proposta inicial de identificar o aparecimento do ideário divisionista, perde
espaço em certo ponto do livro para a ilustração da movimentação política em torno
do governo estadual, pois segundo a autora, foi justamente a luta pelo controle
político da região que determinou a forma de atuação do movimento divisionista.
Após a guerra contra o Paraguai a região sul de Mato Grosso experimentou
um acentuado aumento da atividade econômica e a emergência de um grande número
de cidades, isso foi estimulado sobretudo pelo crescimento da atividade pastoril e pela
migração de populações oriundas de diversas regiões, mas principalmente de Minas
Gerais, Rio Grande do Sul, São Paulo além da região do Norte de Mato Grosso.
O crescimento econômico do sul de Mato Grosso fomenta o surgimento das
oligarquias sulinas independentes do controle da capital do estado. Esses grupos
sociais detentores de grande poder econômico exercem consequentemente o controle
político da região através dos coronéis que em sua absoluta maioria são grandes
latifundiários capazes de arregimentar numerosos contingentes para as lutas armadas
nas quais asseguravam a sua supremacia.
A ascensão econômica do sul, proporcionada pela atividade pastoril contrasta
com a decadência da exploração aurífera no norte, sobretudo em Cuiabá capital do
estado, causando uma instabilidade entre as forças políticas (oligarquias) do norte e
do sul, por um lado o norte interessado em expandir seu controle para o sul e por
outro os latifundiários sulistas juntamente com os pequenos posseiros (sua maioria
migrantes gaúchos e mineiros) reivindicando a legalização das posses de terras.
Neste contexto, surge na região sul do estado a “Companhia Matte
Larangeira” que logo se torna a principal exportadora de todo o Mato Grosso sendo
responsável pela maior parte da arrecadação estadual, a atividade desta empresa é
53
baseada na exploração dos ervais em uma área arrendada pelo estado, porém a
peculiaridade observada em relação a esta empresa é que ela obtém o monopólio
desses arrendamentos, proporcionando-a um gigantesco acúmulo de poder econômico
e político, além do controle sobre a propriedade das terras da maior parte do sul de
Mato Grosso, visto que o contrato de arrendamento previa o controle da ocupação
territorial como obrigação da arrendatária.
O governo estadual atraído pelo crescente fortalecimento econômico do sul e
receoso pela independência política das oligarquias sulinas alinha-se à Matte
Larangeira a fim de estender sua influência na região, isto impulsiona as crises entre
os coronéis do sul de Mato Grosso e a Companhia Matte Larangeira em relação à
posse de terras, assim, apesar do caráter privado da empresa, o poder econômico da
Matte proporcionava ao estado através de acordos e subsídios, o controle da grande
área dos arrendamentos.
Portanto a luta pela posse das terras juntamente com a tentativa de
enfraquecer a influência da Companhia Matte Larangeira na região, são fatores que,
segundo Alisolete, agem como a gênese do Movimento Divisionista no Mato Grosso do
Sul.
Contudo esta luta pela divisão confunde-se com as disputas entre os grupos
oligárquicos pelo controle do poder estadual, e isto acentua ainda mais as
divergências entre os proprietários sul-mato-grossenses e a Matte, uma vez que esta
empresa sempre interferia nas disputas a fim de garantir seus privilégios.
Tais disputas pelo governo estadual desencadeiam uma crise política que leva
alguns militares do sul de Mato Grosso a instituírem em 31 de março de 1892 o
“Estado Livre de Mato Grosso” ou “República Transatlântica de Mato Grosso”, este ato
apesar de seu fracasso, não determina o fim da idéia de divisionista.
Apesar do grau de desenvolvimento do sul de Mato Grosso e do crescente
número de cidades no início do século XX, o movimento divisionista estava ligado
essencialmente às lutas pela posse de terras o que lhe empregava um caráter rural.
Contudo com o gradativo aumento da importância das cidades, sobretudo
daquelas ligadas ao comércio de gado e fora das áreas sob controle da Companhia
Matte Larangeira, o ideal divisionista passa a ganhar um aspecto mais urbano com a
crescente participação de profissionais liberais e comerciantes.
Concomitantemente a este fenômeno de “urbanização” o movimento recebe
um grande fator incentivador principalmente por causa da instalação da estrada de
ferro em Campo Grande, o que promove o surgimento de novas forças políticas
ligadas ao comércio, pois a partir daí esta cidade passa a configurar como pólo
econômico do estado.
54
Outro resultado da implementação da estrada de ferro em Campo Grande é a
intensificação do intercâmbio desta cidade com os grandes centros como São Paulo e
Rio de Janeiro, assim a região atendida pela ferrovia passa a sofrer um processo de
intensa urbanização e interação cultural e ideológica com São Paulo, isto vai fortalecer
a idéia divisionista com fontes teóricas trazidas por grupos politizados de outras
regiões.
Não obstante, a ferrovia promoveu sem dúvida, o desenvolvimento urbano e
o crescimento populacional das regiões por onde passava isso se verificou pela
insurgência de novas cidades onde haviam estações de parada, diferentemente do que
ocorria nos territórios controlados pela Companhia Matte Larangeira que praticava o
monopólio da terra e somente permitia instalação de novos moradores se estes
estivessem subordinados a ela.
Outro ponto de extrema relevância para o movimento divisionista é a “Revolta
Tenentista” de 1922 por causa da adesão de alguns setores da sociedade, sobretudo
dos profissionais liberais ao movimento revolucionário que prometeu criar o estado de
Brasilândia, porém as derrotas das colunas revolucionárias de Izidoro Dias Gomes e
Luis Carlos Prestes, arrefecem e demonstram desorganização do movimento
divisionista, além disto deixa clara a hegemonia econômica e política da Companhia
Matte Larangeira.
Em suma, a política do estado de Mato Grosso no fim do século XIX e início do
XX é marcada e movimentada por disputas oligárquicas pelo poder, onde a
supremacia econômica da empresa Companhia Matte Larangeira trabalhando como
agende de unidade estadual fez com que esta estivesse sempre exercendo influência
política no estado, seja qual fosse o resultado das disputas entre as oligarquias. As
disputas pelo governo do estado juntamente com a luta pela legalização da posse das
terras estimulam o surgimento de um movimento que visava à divisão da região sul
do restante do estado.
55
A VIDA E OBRA DE PAULO COELHO MACHADO
Alfredo F. Montier
Rubia Mara A. Garcia
A Vida e Obra de Paulo Coelho Machado, é uma pesquisa elaborada através
da análise de trabalhos já concluídos sobre suas obras e trajetória de sua vida no
Estado do Mato Grosso do Sul. Todo esse contexto histórico se passa num momento
em que a sociedade brasileira vive plena ditadura militar, e dentro desse cenário a
região Sul Mato Grossense, luta em busca de ter uma identidade e melhorias de vida.
Objetivo desse artigo é demonstrar, como foi importante a colaboração de Paulo
Coelho Machado, para história da cidade de Campo Grande e a sua formação, e sem
esquecer a importância da visão de sua filha Marisa Machado, além disso tudo lembrar
da importante colaboração de Hidelbrando Campestrini para entendermos quem foi o
Paulo C. Machado. O artigo vai expor para os interessados no assunto como foi que se
deu a divisão do Estado de Mato Grosso, e o envolvimento de Paulo C. Machado
dentro desse processo. A forma de pesquisa desenvolvida, foi através de leitura de
obras trabalhos já existentes sobre o grande memorialista Paulo Coelho Machado. No
final dessa pesquisa ficara bem claro, que o artigo teve como meta trazer a tona, a
realidade de uma época em que toda população brasileira estava sofrendo os terríveis
momentos da política dos militares no Brasil.
Palavras-Chave: Mato Grosso; Mato Grosso do Sul; Campo Grande; Paulo Coelho
Machado.
RESUMO:
Inicialmente, para esclarecimento iremos abordar como foi a vida desse
homem brilhante e importante para história de nosso Estado. A história de Paulo
Coelho Machado começa, em São Paulo no dia 16/12/1917, data de seu nascimento,
logo depois com dois anos sua família decide mudar para Campo Grande, aqui ele vai
estudar em várias escolas como o colégio Spencer do professor Bartolomeu que
localizava-se na rua 13 de Maio.
Depois de terminado os primeiros anos de estudo, ele retorna a São Paulo
para concluir o ginásio, no semi-interno do colégio São Bento onde termina o ginásio.
Alguns anos depois a convite de sua irmã Inah muda-se para o Rio de Janeiro capital
do país nesse período.
No Rio de Janeiro, ele se forma em direito na Faculdade Nacional, voltando
para a cidade de Campo Grande no ano de 1940, aqui Paulo Coelho Machado, vem
para trabalhar como professor e advogado.
56
Em Campo Grande ele inicia sua vida profissional lecionando em várias
instituições de ensino como: Colégio Nossa Senhora Auxiliadora; Colégio Oswaldo Cruz
e a Escola Normal Joaquim Murtinho. Com dona Zilá Guimarães Corrêa, casa-se e tem
quatro filhos. Foi um excelente advogado, sempre trabalhando dentro dos padrões da
ética por mais de 30 anos.
Homem de extrema importância para esclarecer as duvidas da municipalidade
de Campo Grande através de excelentes obras, além de ter participado ativamente da
política no Estado do Mato Grosso do Sul, é um dos idealizadores que reativou a liga
Sul Mato Grossense, entidade que teve relevante importância na divisão do Estado,
fundada inicialmente por estudantes em 1934. As suas obras além de refletir o
momento que Paulo C. Machado vivia, é importante para entendermos como foi sua
vida e a sociedade de sua época, principalmente a população de Campo Grande.
Paulo C. Machado, foi um dos personagens, mais importantes que
participaram ativamente do movimento da criação do Estado do Mato Grosso do Sul.
Ele por duas vezes foi vereador, mais nunca-se deixou seduzir pela política.
A divisão do Estado, para Paulo C. Machado estabeleceu-se como uma peça
fundamental. Ele e outras pessoas importantes como: Dr Kerman Machado, Dr José
Fragelli e Cândido de Castro Rondon, receberam uma missão do então Ministro do
Interior Rangel Reis, que formasse uma comissão que deveria fornecer as necessárias
informações sobre o Estado do Mato Grosso.
Devidas as dificuldades de ocorrer de imediato, a divisão do Estado Paulo C.
Machado reativa a liga Sul Mato Grossense, entidade fundada em 1934. Através da
Constituição Federal, eles sabiam que teriam êxito apesar da forte oposição dos
cuiabanos.
Depois de várias dificuldades Paulo C. Machado, enviou para o Ministro do
Interior Rangel Reis, as informações necessárias do Estado do Mato Grosso,
conseguindo o aval do presidente Ernesto Geisel autorizando a divisão. O presidente
Geisel nomeia o nome do novo Estado de Campo Grande. Os municípios vizinhos não
aceitaram que o Estado chamasse Campo Grande. Para acabar com a polêmica, Paulo
C. Machado presidiu uma reunião em que a maioria votou pelo nome de Mato Grosso
do Sul, aprovado pela assembléia Legislativa, só que todos imaginavam que Mato
Grosso chamaria “Mato Grosso do Norte”. Paulo C. Machado sugeriu dois nomes para
o novo Estado, Amambai e Maracaju, só que não teve jeito ficou como Mato Grosso do
Sul. Paulo C. Machado, admitiu que foi com muita dificuldade, que concretizou o sonho
da divisão tão esperada por toda sociedade do Sul de Mato Grosso. A sua participação
na política foi fundamental nesse momento para realização desse projeto, da formação
do Estado do Mato Grosso do Sul.
57
As principais obras escritas por Paulo C. Machado são ricas em detalhes, nos
conteúdos trazem os aspectos dos primórdios do município ao longo do tempo. A
origem da cidade de Campo Grande e a história de seus habitantes estão na coleção
de livros com o título: Pelas Ruas de Campo Grande.
As grandes colaboradoras que beneficiaram no entendimento das
peculiaridades que permitiram a idéia de como formou-se o município, são as obras: A
Rua Velha ( 26 de agosto ); A Rua Principal ( 14 de Julho ); A Rua Barão ( A Barão do
Rio Branco ); A Rua Alegre ( Rua 7 de Setembro ) e a Grande Avenida ( Afonso Pena
).
Na obra Rua Velha, o autor conta como foi o surgimento da rua hoje
denominada hoje 26 de Agosto, descrevendo a história de todos os moradores que
viviam no local e a formação do comércio, onde viviam classes opostas, uma era de
trabalhadores humildes e a outra privilegiada da época. Na obra sobre a Rua Principal,
o autor descreve o surgimento de uma maneira sintética o desenvolvimento do local e
a origem da Rua 14 de Julho, lugar hoje centralizador de instalações comercias,
atividades artísticas e outros acontecimentos de grande relevância, que colaboraram
para o desenvolvimento de Campo Grande, além dessa obra possuir detalhes que
enriquecem a história, os costumes e os personagens do período. Na brilhante obra
sobre a Rua Barão, o autor analisa o perfil de seus moradores e tem como principal
objetivo demonstrar o crescimento do comércio e também relata que naquela rua
moravam cidadãos de grande importância da cidade como: políticos, comerciantes
entre outros que tanto colaboraram no sentido de dar a cidade um desenvolvimento
gigantesco para a caminhada da história de Mato Grosso do Sul de uma forma
simples.
Além dessas magníficas analises, que já citamos acima temos a visão da filha
de Paulo C. Machado, que faz um esboço sobre sua visão pessoal que tem de seu pai.
A entrevista feita com Marisa Machado pelo acadêmico Marcos Caetano da Silva será
colocada abaixo na íntegra onde buscaremos entender um pouco quem foi Paulo C.
Machado através de suas analises pessoais.
ANEXO
Segundo Marisa Machado, o seu pai sempre foi um homem íntegro, um bom
pai, intelectual, um exemplo de homem. Estes são alguns adjetivos em que Marisa
Machado, filha de Paulo C. Machado citou em entrevista concedida ao pesquisador
Marcos Caetano da Silva, a qual segue na íntegra:
58
“Paulo C. Machado veio para Campo Grande muito pequeno. Quando o Dr.
Arlindo de Andrade ( Juiz de Direito ) veio da Bahia para cá, trouxe meu avô o Sr.
Eduardo Olímpio Machado, que também era advogado, e então começaram a trabalhar
nessa área jurídica.
Quando meu avô veio para esta região, tornou-se prefeito de Campo Grande,
aliás, foi um dos primeiros prefeitos do município. Entre suas atividades aqui exercida,
fundou a associação Comercial. Assim, ele tinha um forte círculo de amizades, e meu
pai, já desde pequeno lembrava muito da época do Jockey Clube, das pessoas maiores
e mais velhas, por este motivo estava sempre enfronhado com as coisas de Campo
Grande.
Na sua mocidade, meu pai estudou Direito e também possuiu um jornal. O
Campograndense.
Acontece que tudo isso foi envolvendo-o na paixão por Campo Grande. Tanto
é, que pouco tempo antes de sua morte, é que aceitou ganhar o título de cidadão
campograndense, pois ele não admitia este título porque tinha o receio que
descobrissem que ele era paulista e não campograndense.
Há mais de 40 anos foi que ele começou este trabalho de pesquisa. Ele tinha
um pequeno gravador, colhia as informações com todas aquelas pessoas mais antigas,
das quais muitas já se foram, então ele copiava todo o material e ia juntando as
histórias e organizando-as de maneira subseqüente. Ele dizia que não era um
historiador, e sim um contador de história, isso porque ele pesquisava, mas quem
contava eram as pessoas que davam seus depoimentos.
Dessa forma ele recolhia fotos, e com recursos próprios mandava reproduzilas e em seguida as devolvia às famílias.
E com isso começou a montar um acervo, e a idéia de escrever sobre Campo
Grande era porque ele sempre teve essa paixão, esse fascínio pela história; primeiro
por ser advogado, e depois por ter trabalhado como professor em alguns colégios da
cidade, isso porque quando ele veio muito pequeno, Campo Grande ainda era uma
Vila; então ele presenciou o crescimento da cidade.
Papai não era uma pessoa festeira, mas gostava de uma boa prosa, assim ele
tinha a facilidade de captar o assunto e repassar de uma maneira muito gostosa,
principalmente por ser professor e utilizar a didática para esclarecer o assunto. E foi,
também didaticamente que passou a história para os seus livros, o que os tornaram
de fácil entendimento.
A obra que eu mais gosto é a Rua Principal, porque eu tenho também um
certo fascínio pela história, e a rua 14 de Julho porque realmente foi o início do
comércio, o início do desenvolvimento da cidade; onde os mascates, os imigrantes
59
começaram a chegar; os libaneses etc...; esses comerciantes foram formando as
primeiras lojas, com o Gaburas; Palace Royal; a Primorosa; e então a vida passou a
ter um outro ritmo. Isso não quer dizer as outra obras não sejam também
importantes, mas a Rua Principal, eu acho bárbaro, já que eu sempre gostei de ver o
início das pessoas; como começou determinada atividade etc...
Como político o meu pai era super honesto, uma honestidade que nos dias
atuais não se encontra facilmente por aí. Digo isto, não por ser meu pai, mas porque
ele realmente transmitia essa característica. Por duas vezes ele foi o vereador mais
votado, numa época em que vereador não tinha salário; ele tinha sua profissão e
colaborava com cidade.
Em seguida, foi secretário de Agricultura acumulando a pasta de Indústria e
Comércio no Governo de José Fragelli, um dos últimos governadores do Estado ainda
uno.
Por esse desempenho, envolvimento, ele foi um divisionista; foi um dos
líderes na divisão do Estado de Mato Grosso.
Politicamente, ele sempre trabalhou na questão da divisão. E quando foi
Secretário, o Governador em Cuiabá sempre o recebeu de braços abertos, já que ele
fez muito pelo Estado; fez grandes projetos que até hoje a gente deve pelo trabalho
que ele realizou. Por exemplo: O terreno onde está instalada a indústria da Coca Cola
foi um incentivo dele. Também as localidades onde estão os laboratórios próximo ao
Lago do Amor foram doações do Governo do Estado através de sua gestão. Incentivou
a produção do soro antiofídico; organizou um movimento denominado guerra da
madeira, o qual tinha como objetivo ações contra a saída indiscriminada de madeira
do Estado.
Quando findou o Governo de José Fragelli, meu pai foi convidado pelo
presidente Geisel a formar uma equipe de estudos econômicos, demográficos e uma
série de detalhes; já que havia necessidades de apresentar um projeto com
argumentos para convencer o Presidente da República de que era inevitável a divisão
do Estado.
Uma luta em que já havia muito tempo, inclusive com meu avô. Entretanto
com a reativação da Liga Sul Mato Grossense pró divisão, o papai tornou-se
presidente da mesma, onde desencadeou-se o processo de divisão até o Presidente
Ernesto Geisel assinar a Lei.
Quando a divisão foi concretizada, que era um sonho acalentado pelo sul de
Mato Grosso e o norte do Estado não queria, passou a haver então discussões em
torno do nome a ser dado ao novo Estado.
60
Inicialmente foram sugeridos três nomes: Estado de Maracaju; Estado de
Campo Grande e Estado de Amambaí, o que acabou finalmente ficando como Mato
Grosso do Sul, nome escolhido pelo Presidente Geisel.
Depois da divisão, o Presidente Ernesto Geisel foi hábil no sentido de trazer
uma pessoa técnica para montar de forma administrativa o Estado, para depois entrar
os políticos locais. Porém na época, os políticos não entenderam a estratégia, e
juntaram forças no sentido de derrubar o Governo de Harry Amorim Costa.
Assim, ficamos parados no tempo, enquanto Mato Grosso crescia porque já
tinha uma estrutura política formado, aqui aconteciam os desentendimentos políticos e
deixando de crescer na velocidade que merecíamos.
Todo divisionista que entendia a divisão como uma coisa inevitável, também
possuía a idéia que papai tinha. Ele dizia que Mato Grosso do Sul era privilegiado pelas
fronteiras, principalmente pela proximidade de São Paulo, isso nas distâncias entre
Cuiabá e São Paulo e que o norte que já possuía uma parte quase amazônica, passaria
a ter uma ajuda muito maior do Governo Federal.
Assim sendo, verificamos que os divisionistas possuíam uma visão bastante
futurista do que estava acontecendo; pensavam nas melhorias de 10, 20 ou 50 anos
adiante; isto demostrava o amor que papai, Demóstenes Martins e outros possuíam
pelas terras, que não eram deles também. Terras que adotaram, vislumbraram o
desenvolvimento, o que com o Estado uno tornaria muito difícil a administração com
grandes distâncias, e dividindo criava-se duas identidades.
O que não houve de início, exatamente por causa da pressão política contra o
Harry, foi um amadurecimento de se criar uma identidade do Estado. O que ocasionou
uma indefinição cultural, seja ela na música, na culinária. Tudo ainda era ligado ao
Mato Grosso, o nome confundido, enfim um cordão umbilical difícil de ser rompido
mantinha raízes fortes, mas era inevitável a divisão.
O meu pai como político era um raro de honestidade, de visão, de capacidade
e como técnico. Ele não era um político de palanque, o feitio dele era de produzir, de
ação.
Ele foi um verdadeiro exemplo como filho dessa terra, até por não ter nascido
aqui, deixou um exemplo de amor pela preservação da história, dos bons costumes e
da família que deixou.
Papai teve dois sonhos que ele pode concretizar. O primeiro deles foi conhecer
a família de seu avô em Portugal ( o que o deixou muito emocionado ), o segundo foi
a conquista maior, ele conseguiu ganhar o maior prêmio de expositores de gado
Nelore. Enfim, sentiu-se muito contente.
61
Papai, apesar de ter sido uma excelente pessoa, era muito fechado. Não
demonstrava muito diálogo, era sempre reservado, mas pronto a responder a tudo o
que lhe fosse perguntado. Bastante intelectual, estava sempre pronto a discutir os
mais variados assuntos, como por exemplo: a respeito de todos os sistemas religiosos
no mundo, no campo político, artístico etc...
Homem bondoso de coração inigualável, ele procurou dar o melhor de si,
assim pôde construir este grande trabalho que foi contar a história de Campo Grande”.
Outra pessoa importante, e amigo fiel Hidelbrando Campestrini esteve sempre
ao lado de Paulo C. Machado, oportunamente teceu o seguinte comentário a respeito
do escritor.
“No historiador Paulo Coelho Machado devem ser destacadas duas
características: a seriedade na pesquisa e a simplicidade da linguagem. Ele tinha o
faro da verdade histórica: perseguia os indícios, recolhia as informações, estudava-as
e ordenava-as com uma seriedade e responsabilidade tais que o que ele registrava
tinha crédito.
Não omitia circunstâncias, nomes ou datas; não camuflava, não mudava a
cor. Não lhe interessava a versão do fato, interessava-lhe o fato, exposto de forma
serena, completa, com a imparcialidade peculiar dos sábios, sem qualquer formalismo
acadêmico.
A segunda característica é a linguagem fluente, leve, de um guia que narra e
descreve, para o transeunte atento, os fatos e pessoas que habitaram estas vias e
povoaram esta região.
O leitor sente-se perambulando pelas ruas, pelas estradas, pelos anos e pelas
décadas, parando aqui, observando acolá, magnetizando sempre pela narrativa
envolvente e observações sutis do historiador, empolgado por tão rico conteúdo
histórico. Este seu modo de contar, solto, coloquial, está presente nos fatos mais
surpreendentes.
Foi um homem de coisas simples. Nunca se deixou dominar pelos bens
materiais, pelo patrimônio que construiu. Paulo C. Machado foi o historiador de Campo
Grande. Por mais de 40 anos, recolheu, principalmente da tradição oral, informações e
dados, e conseguiu reunir um invejável patrimônio histórico sobre esta terra,
tornando-se o depositário e fiel testemunho do mais rico material sobre Campo
Grande.
Vale lembrar que Paulo C. Machado foi eterno estudioso. Sempre rodeado de
livros e fontes. Ele, que era a fonte da história da cidade, tão procurado por tantos
estudiosos e pesquisadores, que a todos atendia com bons préstimos.
62
É absolutamente desnecessário recomendar ao leitor a de Paulo C. Machado.
O público o conhece e o admitira de longa data. Faço-o, todavia, por dever de gratidão
por ter sido principalmente ele a motivar-me a estudar história desta terra que me
acolheu tão hospitaleiramente, berço hoje de meus filhos e netos; de respeito por ter
sido, ao longo destes anos, o orientador compreensivo e desinteressado; de orgulho
do discípulo que se envaidece do mestre.
BIBLIOGRAFIA
SILVA, Marcos Caetano da . Vida e Obras de Paulo Coelho Machado. UCDB, Campo
Grande, 2001.
CAMPESTRINI, Hidelbrando. “O Cronista da cidade”. In: Revista de divulgação do
Arquivo Histórico de Campo Grande-MS nº 6. Campo Grande: UFMS, 1998. p. 6-10.
MACHADO, Paulo Coelho. “14 de Julho”. In: Revista de divulgação do Arquivo Histórico
de Campo Grande-MS nº 5. Campo Grande: UFMS, 1995. P. 14-26.
MACHADO, Paulo Coelho. “Pelas Ruas de Campo Grande”. In: A Rua Barão. Vol. III.
MACHADO, Paulo Coelho. “Pelas Ruas de Campo Grande”. In: A Rua Principal. Vol. II.
MACHADO, Paulo Coelho. “Pelas Ruas de Campo Grande”. In: A Rua Velha. Campo
Grande: Imprensa da UFMS, 1990.
63
A TRILHA DO PEABIRU
Valquiria Allis Nantes6
RESUMO: Esta pesquisa é referente à trilha indígena pré-colombiana que ligava o
Brasil, Paraguai, Bolívia e Peru. Por se tratar do estudo de um período anterior à
chegada dos europeus na América – Latina, a pesquisa foi baseada em uma entrevista
com a pesquisadora Rosana Bond, e em outras bibliografias. A trilha do Peabiru foi de
grande importância para os índios Guaranis para buscar caça, ligar diversas aldeias,
serviu para andanças e migrações de povos indígenas além de ter servido como elo de
comunicação entre os índios sul-americanos.
PALAVRAS-CHAVE: História da América; Peabiru; Trilha Indígena.
A TRILHA MAIS ANTIGA DA AMÉRICA
Uma das grandes características humanas que os fazem diferirem dos animais
é a capacidade de transformar o meio de acordo com suas necessidades.
A trilha do Peabiru foi um grande feito, provavelmente de uma civilização
muito avançada, transformando o meio para atender as necessidades de uma época.
Os estudos sobre a trilha do Peabiru ainda são limitados. Essas pesquisas são de
caráter arqueológico e por meio de literaturas antigas, tendo em vista que houveram
muitas transformações nas áreas onde se encontrava a trilha, essas transformações
aconteceram por meio da urbanização, agricultura, pecuária e entre outros fatores
que acabam por dificultar pesquisas da história pré-colombiana e a memória
indígena.
Mesmo com poucas certezas sobre ela, pode-se dizer que foi a mais
importante via transcontinental na América do Sul pré-colombiana.
A pesquisadora Rosana Bond que estuda esta trilha indígena descreve:
“A linha tronco tinha cerca de três mil quilômetros, ligando o Atlântico
ao Pacífico, ou seja, ia do Brasil ao Peru ou vice-versa. Unia o litoral de
Santa Catarina e São Paulo ao litoral peruano. No trajeto, o Brasil
(Santa Catarina,
Paraná, São Paulo, Mato Grosso do Sul), Paraguai,
Bolívia e Peru”7
Graduanda do curso de História, 5º semestre, na Universidade Católica Dom Bosco – UCDB. Pesquisadora
Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Políticas de Educação superior – GEPPES. E-mail:
[email protected].
7
Entrevista com a pesquisadora Rosana Bond. Disponível em: http://www.anovademocracia.com.br Acesso
em: 15/05/2006
6
64
A rota exata da trilha do Peabiru ainda não é possível saber mas segundo
Bond, apoiando-se em pesquisas literárias e em descobertas arqueológicas pode-se
traçar uma rota entre o Brasil e Peru:
“Partindo talvez do atual município de Palhoça (Massiambu) e
Florianópolis, a trilha ia até Barra Velha, penetrando continente
adentro no rumo do rio Itapocu. Cruzava o nordeste catarinense,
passando possivelmente por Guaramirim e São Bento, e chegava ao
Paraná.
Já dentro daquele estado, passava em Castro e seguia pelas cabeceiras
dos rios Ivaí e Cantu. Chegava ao médio Piquiri, indo pela margem
esquerda deste até cruzar o rio Paraná, acima de Guaíra. Havia outra
passagem por Foz do Iguaçu, mas esta não era a original da linha
tronco, segundo afirmaram Reinhard Maack e Jaime Cortesão.
Atravessando o rio Paraná, estava-se no Paraguai.
A entrada do Peabiru na terra paraguaia se fazia por dois ramais. O
primeiro era rio Mondaí-Assunção/rio Paraguai-Chaco. O segundo era
rio Iguatemi-Alto Chaco-Porto Casado. Os dois ramais se juntavam no
Chaco. O Peabiru, então, seguia o rio Paraguai ao norte até a serra de
Santa Luzia.
Em Corumbá e Puerto Suarez, guinando a oeste, penetrava na Bolívia,
passando por Cochabamba-Sucre-Potosí. Nesses locais existiam
caminhos incas e era provavelmente ali que o Peabiru já se confundia
com eles.
A partir de Potosí, a estrada inca seguia pelo rio Desaguadero, ou por
uma linha paralela mais ao norte. Alcançava depois o lago Titicaca,
entrando no Peru. Contornava o lago pelo norte
e sul. A bifurcação se
unia em Cacha, voltando a ser uma via única”8
Com grande extensão, a trilha possuía características diferentes dependendo
do tipo de terreno. O Padre Lozano descreveu:
“oito palmos de largura e forrado com grama miúda; Moisés Bertoni
(...) disse que esses índios semeavam suas trilhas com gramináceas de
sementes glutinosas que grudavam nos pés e pernas dos viajantes.
Assim, ao caminhar, ia-se multiplicando o plantio. Há relatos de que
certos trechos eram pavimentados com pedras, do mesmo modo que
as vias incaicas. Donato menciona dois prováveis achados: um
perto
da aldeia de Meruri (MT); e outro a 50 km do rio Miranda (MS)”9
ORIGEM DA PALAVRA “PEABIRU”
A palavra Peabiru é de origem Tupi-Guarani e há várias traduções: “caminho
forrado, entulhado”, “por aqui passa o caminho antigo de ida e volta”, “caminho
pisado, pegada do caminho, marca do caminho”, “caminho ralo, caminho sem ervas”,
“caminho brando, suave”, “caminho cujo percurso se iniciou”, “caminho tortuoso,
cheio de voltas”, “caminho que leva ao céu, ou às alturas”.
AS HIPÓTESES DA CONSTRUÇÃO DO CAMINHO E A SUA IMPORTÂNCIA
8
9
Idem, Ibidem
Idem, Ibidem
65
Sobre a construção desta impressionante “estrada” não há teses conclusivas,
porém existem três suposições notáveis que Rosana Bond esclarece em uma
entrevista publicada em junho de 200310:
Caminho da Terra Sem Mal: “Os guaranis, saídos do Paraguai, teriam se
deslocado para o litoral catarinense entre os anos 1000 e 1300. O Peabiru teria sido
aberto nessa migração, cujo objetivo seria a procura de um paraíso, a chamada Terra
Sem Mal, Yvy marã ey.
‘Crêem que (a Terra Sem Mal) está situada na direção leste, onde nasce o sol,
e as migrações dos povos guaranis os levavam à sua busca naquele lado. Muitos
chegaram à costa atlântica...’, afirma o estudioso paraguaio Dionísio Gonzalez. A
motivação religiosa teria transformado o Peabiru em algo sagrado para os guaranis.”
Caminho dos incas: “A rede viária incaica no Peru, Equador, Argentina Bolívia,
com 16 mil quilômetros, era impressionante.
Vários autores levantam a hipótese de que os incas teriam aberto o Peabiru.
Romário Martins, Augusto Pinto, o Barão de Capanema e Caldas Tibiriçá supunham
que os andinos desejassem ligar Cuzco ao Atlântico, dentro de uma concepção
expansionista do império.
Luiz Galdino (...) e Hernâni Donato dizem que os incas podem ter estado em
praias sul-brasileiras. Florianópolis (SC), Guaratuba (PR) e litoral santista incluídos.
Sugerem que através do Peabiru, funcionários do soberano inca podem ter visitado S.
Catarina, Paraná e S. Paulo, até com uma certa assiduidade, para avaliar a
possibilidade de contatos comerciais. ‘Mera prospecção’, diz Donato.
Galdino acredita que as viagens dos batedores incas ocorreram em época
recente, pouco antes da vinda dos europeus, e eram realmente uma tentativa daquele
império de colocar um pé no Atlântico. ‘Só que aqui a imensa confederação Carió
(Guarani), no sul, e Tupinambá, de Cananéia para cima, botaram-nos para correr’ afirma ele, bem-humorado.
Mesmo sem relações duradouras, as idas e vindas de guaranis e incas pelo
Peabiru deixaram vestígios de uma certa influência cultural. Por exemplo:
- Na astronomia: os meses do ano são relacionados à lua (jassy, em tupiguarani e killa, no idioma quíchua, praticado pelos incas).
- Na estatística: o ainhé (cordão de cipó guarani) é semelhante ao quipu
(cordão com nós, dos incas, usado para contagem).
- Na música: grupos guaranis adotaram a flauta de pã dos Andes.
- Nas armas: a macaná guarani (clava, borduna) é muito parecida com a
maqana dos incas. Na denominação de fauna, flora: sara (espiga, em guarani; milho
10
Idem, Ibidem
66
em quíchua); cui (animal roedor, nos dois idiomas); jaguar, jaguara (felino, nos dois
idiomas); mandioca (guarani) e ioca ou iuca (quíchua), suri (ema, nos dois idiomas).”
Caminho de São Tomé: “Segundo essa versão, o caminho teria sido aberto
por São Tomé, apóstolo de Cristo. A passagem de Tomé pela América foi bastante
mencionada a partir do século XVI. Entre os depoimentos estão os dos padres
Montoya, Lozano, Manoel da Nóbrega e da Newe Zeitung Ausz Persill landt (Nova
Gazeta da Terra do Brasil, 1508).
A versão corrente é a que um homem branco, barbudo, trajando um
camisolão - identificado como o apóstolo - teria chegado ao Brasil "andando sobre as
águas". Chamado de Zumé, Sumé ou Pay Sumé pelos índios, esse personagem teria
falado de um deus único e transmitido aos nativos uma série de conhecimentos.
Em sua peregrinação, teria percorrido trechos do Brasil e ido rumo ao
Paraguai e ao Peru, abrindo então o Caminho de S. Tomé (Peabiru). Em terras
paraguaias foi chamado de Sumé. Saindo dali, a figura teria continuado a abertura do
Caminho até os Andes, onde foi chamado de Kon Illa Tijsi Viracocha - também
conhecido por Kon Tiki e Viracocha.”
O Peabiru foi muito usado pelos índios Guaranis para buscar e transportar
caça, ligar diversas aldeias, serviu para andanças e migrações de povos indígenas,
além de ter servido de elo de comunicação entre os índios sul-americanos. Há
hipóteses de que essa extensa rota pode ter sido utilizado pelos Itararés, no interior
paranaense já nos anos 400 ou 500 d. C., mil anos antes da conquista européia. Mais
tarde foi utilizada pelos bandeirantes paulistas para proceder “uma expansão em
direção à fronteira oeste”11, serviu também para a “descoberta de riquezas, criação de
missões religiosas, comércio, fundação de povoados e cidades”12.
Atualmente no Brasil praticamente não há trechos do Peabiru, sabe-se que
existem poucos vestígios em Pitanga (PR).
“Nos anos 70, o Profº Igor Chmyz localizou um pequeno trecho de um ramal
em Campina da Lagoa (PR), mas este, segundo ele, foi destruído pela atividade
agrícola pouco tempo depois”13. O mesmo acontece nos demais países da América
Latina, em que a grande parte do acervo pré-colombiano foi e está sendo destruído.
A ODISSÉIA DE ALEIXO GARCIA E O PEABIRU
Os náufragos europeus que ficavam perdidos no Brasil formavam famílias,
aprendiam costumes indígenas, lendas, histórias e tornavam-se também
A autora Elizabeth Siqueira cita a trilha do Peabiru na sua obra: A História de Mato Grosso, 2002, p. 21
Entrevista
com
a
pesquisadora
Rosana
Bond.
Disponível
em:
http://www.anovademocracia.com.br/10/25.htm
Acesso
em:
15/05/2006
13
Idem, Ibidem
11
12
67
conhecedores da língua dos nativos que estabeleciam contato. Assim aconteceu com
Aleixo Garcia, um português do qual não se sabe sua cidade de origem ou data de
nascimento, mas sabe-se que viveu entre os índios patos. Ao tomar conhecimento da
história referente à serra da Prata e ao poderoso “Rei Branco”.
Convencido da veracidade da história o Aventureiro português parte no verão
de 1524 para uma jornada em direção ao Peru e às fabulosas riquezas do império Inca
juntamente com um “exército” formado por dois mil índios flexeiros (Carijós, em sua
maioria). “[...]Do porto dos Patos, a tropa de Garcia se dirigiu até a foz do rio Itapocu,
considerado ‘a porta de entrada do sertão. (...) Seguindo pela margem esquerda do
Itapocu, o grupo penetrou no continente e deu início à caça ao tesouro’”14.
Sendo Guiado pelos indígenas, Aleixo Garcia chegou a uma trilha indígena
bem demarcada, o Peabiru. Durante a jornada os viajantes alimentaram-se de mel
silvestre, palmito, milho e farinha de pinhão. No sudeste da Bolívia, o Português e
seus índios Guarani
“[...] atacaram os postos fronteiriços do Império Inca (...). Garcia deve
ter estado a menos de 150 km de Potosi, a fabulosa montanha de mais
de 600 m., quase inteiramente de prata pura, e local que dera origem
à legenda da ‘serra da prata’. O ‘Rei Branco’ também existia: era o
Inca Huayna Capac, que vivia
em Cuzco, a capital imperial localizada
600 km ao norte de Sucre”15.
O exército de flexeiros saquearam os vilarejos nos arredores de Sucre e
Potosi. Na retirada do grupo para o regresso à Santa Catarina, foram atacados pelos
Payaguá às margens do rio Paraguai. Centenas de índios morreram e entre eles
estava Aleixo Garcia.
Os sobreviventes ao ataque dos Payaguá chagaram ao porto dos Patos, por
volta de 1525, e entre eles estava o mulato “Francisco Pacheco, um dos náufragos de
Solis”. Pacheco fez um relato da experiência e mostrou algumas peças que restaram
do saqueamento, o que criou uma “febre” de procura de riquezas em Melchior
Ramires, Henrrique Montes, indígenas e em outros viajantes europeus. Segundo
Eduardo Bueno (2001, p.146), por intermédio deles, as notícias sobre a “serra da
Prata” e o “rei branco” também iriam chegar aos ouvidos dos reis de Portugal e
Espanha – e se tornariam a força motriz que impulsionou a exploração do rio da Prata
e a ocupação do litoral sul do Brasil.
BIBLIOGRAFIA
BUENO, Eduardo. Náufragos, Traficantes e Degredados: as primeiras expedições
no Brasil, 1500- 1531. Rio de Janeiro: objetivo, 1998, 143 – 146.
BUENO, Eduardo. Náufragos, Traficantes e Degredados: as primeiras expedições no Brasil, 1500- 1531.
Rio
de Janeiro: objetivo, 1998, 143.
15
Idem, p. 145.
14
68
ENTREVISTA com a pesquisadora Rosana Bond. Disponível em:
http://www.anovademocracia.com.br Acesso em: 15/05/2006
SIQUEIRA, Elizabeth Madureira. História de Mato Grosso: da ancestralidade aos dias
atuais. Cuiabá: Entrelinhas, 2002, p. 21.
69
A GÊNESE DE CORUMBÁ
Fabiana Pereira V. Navarro16
Ricardo Fernandes Silva17
Vanessa Moreno Soncela18
RESUMO: Este trabalho procura resgatar o Processo de Colonização de Mato Grosso
desde o início da sua ocupação pelos espanhóis do Século XVI, até as últimas décadas
do Século XVIII, momento em que os portugueses consolidaram a posse sobre esse
território. Ajuda a entender um pouco mais a história desta região. De modo especial
os conflitos entre os dois povos ibéricos que, a princípio confrontaram-se para manter
o controle da mão-de-obra nativa e, posteriormente, para garantir a posse dos
territórios mato-grossenses, ricos em metais preciosos.
PALAVRAS–CHAVE: História da Gênese, Biografia, Confluência, Espanha, Portugal.
O PROCESSO DE OCUPAÇÃO
Este artigo apresenta o processo de colonização de Mato Grosso em especial
da região do Pantanal Sul, e também da expansão mercantilista européia nos séc.
XVI, XVII e XVIII dando importância tanto na fase espanhola como na portuguesa.
Esta pesquisa teve o propósito de resgatar o processo de colonização
de Mato Grosso, mais especificadamente da região do Pantanal sul,
dentro dos quadros da expansão mercantil européia nos séculos XVI,
XVII e XVIII, co0nsiderando para tanto duas fases: a espanhola e a
portuguesa. (ESSELIN, 2000, p-9).
A primeira vista procura mostrar o que atraiu os espanhóis para a bacia
platina no início do séc. XVI, como foi a ocupação por parte dos mesmos, da ocupação
a implantação de núcleos populacionais nas terras mato-grossenses e sua evolução
colonial.
Segundamente destaca o atrativo dos portugueses na região mato-grossense,
na metade do séc. XVI, em razão principalmente da mão-de-obra indígena . Desde
então inicia-se a competição pelo monopólio da mão-de-obra indígena e logo após
com a descoberta de ouro do Cuiabá pela posse das regiões auríferas.
O foco do livro A Gênese de Corumbá é mostrar que por falta de
conhecimento e de acesso a documentações cabíveis o processo de colonização do
Mato Grosso era exclusivo somente aos portugueses sendo que os espanhóis tiveram
uma importância de peso nesta ocupação. Os espanhóis fundaram o primeiro núcleo
Acadêmica – Universidade Católica Dom Bosco; Graduanda em História; E-mail: [email protected]
Acadêmico – Universidade Católica Dom Bosco; Graduando em História; E-mail [email protected]
18
Acadêmica – Universidade Católica Dom Bosco; Graduanda em História; E-mail [email protected]
16
17
70
populacional de MT a cidade de Santiago de Xerez, só este fato faz desmentir a
primazia a Cuiabá no ciclo do ouro.
A GÊNESE
Além disso, antes da fundação de Cuiabá, a Companhia de Jesus apoiada pela
coroa Espanhola, fundaram a redução do Itatim, que era importante
estrategicamente, o estuário do Prata aos contrafortes andinos e servia de escudo
contra á penetração portuguesa na região argentífera do Peru.
O processo de ocupação do Paraguai pelos espanhóis em direção ao Mato
Grosso foi iniciado no séc. XVI, porque os mesmos estavam empenhados em
encontrar o caminho marítimo que os levassem as Índias que para tanto era rica em
especiarias, este foi o principal fator que os trouxe ao estuário do Rio da Prata.
No começo do século XVI, os espanhóis estavam empenhados na busca
de um caminho marítimo que os conduzisse às Índias, rica em
especiarias. Foi essa busca que os trouxe ao estuário do rio do Prata.
(ESSELIN, 2000, p-21).
A princípio o continente americano só servia como um obstáculo para o
encontro de tal rota marítima.
Posteriormente foi firmado um contrato com o rei espanhol Fernando V, com a
finalidade de achar um estreito que ajudasse na penetração do Rio da Prata. Assim foi
feito e essas expedições encontraram várias ilhas. Logo adiante em costa Uruguaias
alguns outros tripulantes ao desembarcarem nessas ilhas foram mortos por índios
charruas. O restante da tripulação européia teve no seu retorno barco naufragado
próximo à ilha de Santa Catarina tendo alguns de seus tripulantes salvos um que mais
se destacou foi Aleixo Garcia. Acolhidos pelos indígenas formaram famílias,
aprenderam costumes e até conheceram melhor sobre a existência de metais como a
prata.
Estas histórias e firmamento de espanhóis em novas terras fez com que os
portugueses ficassem atentados a adentrara a Serra do Prata. Com isso enviaram uma
expedição comandada por Martin Afonso de Souza, que teve um insucesso na mesma,
pois forma morta pelos naturais daquelas regiões quando tentaram carregar riquezas
peruanas.
Mesmo com tamanho insucesso, Martin fundou São Vicente e Piratininga,
principalmente porque essas vilas davam acesso primoroso ao Paraguai e ás minas do
Peru.
Com todo esse acontecimento os espanhóis só tinham uma idéia fixa e uma
expedição afim da ocupação da Serra do Prata e por toda região do rio da Prata. O
propósito era apenas de explorar os metais e tudo que os indígenas produziam, e não
71
trazer nenhum cultivo ou benefício a essas terras. Os índios inicialmente foram
amigáveis dividindo até sua alimentação com a expedição, mais depois que se
negaram a dar alimento foram atacados pelos expedicionários que agora queriam
escravizá-los até que cultivassem alimentos para os mesmos. Isso não deu certo, pois
alguns índios querandins se deslocaram para o interior fugindo da escravidão e os que
ficaram lá se revoltaram e atacavam constantemente os espanhóis. Por essa razão os
espanhóis tiveram que cultivar a sua própria comida, fundaram posteriormente o forte
de Corpus Christi com o intuito de isolarem de ataques.
Deve-se deixar claro que os únicos índios que ajudaram os espanhóis depois
de serem vencidos foram os guaranis que tinham suam importância para os
espanhóis, pois eram agricultores, caçavam e coletavam de ótima forma, e os
espanhóis ficaram incumbidos de proteger os índios de ataques nômades. Essa junção
de nativos e expedicionários fez com que fosse formada a sociedade paraguaia, tendo
uma grande miscigenação entre os mesmos.
Com toda essa disputa luso espanhola o que fica bem claro com todas essa
fundações de vilarejos e fortes estratégicos é que os indígenas sofreram muito com
isto pois foi a mão de obra deles que mais causou conflitos e sofrimentos naquela
época.
A fundação da cidade de Santiago de Xerez foi estratégica, pois servia de
reservatório de mão - de – obra indígena com muita catequização religiosa. No
começo o contato com colonizadores foi amistoso, mais depois com tanta opressão e
abuso sofrido pelos indígenas eles começaram a fugir quando pegos eram açoitados e
colocados em grilhões para evitar nova fuga, uma barbárie.
A chegada dos Jesuítas e o seu trabalho missionário em Mato Grosso
marcaram também a colonização espanhola em nosso continente, e com sua cartilha
religiosa oprimia os indígenas a praticarem seus cultos religiosos de costumes.
Essas reservas e até a redução do Itatim receberam invasões portuguesas
que dizimaram vários nativos e assim alguns indígenas que conseguiram fugir dessa
execução em massa se refugiaram para as matas onde voltaram aos seus cultos e
adorações a seus deuses.
“As vitórias portuguesas sobre os núcleos de povoação castelhana se
revestiram de importante significado”. (ESSELIN, 2000, p-93).
Os portugueses conseguiram uma vitória significativa em cima dos espanhóis
nas suas reduções: à medida em que Xerez foi invadida e Itatim abandonada,
deixaram de ser um empecilho nas investidas portuguesas pela regiao do prata e no
vice-reino do Peru.
72
O campos de Xerez passaram a ser usadas pelo portugueses como ponto de
pousada, albergue, colheita de sementeiras e infalivelmente passagem privilegiada ao
Extremo Oeste. antes de atingir o Extremo-Oeste, as bandeiras voltaram suas
atenções para a região do Paraguai e do vice-reino do Peru, onde seus ataques foram
mais constantes. Promoviam inavasões, roubos de gado e cavalos e destruíam áreas
cultivadas, apossando-se de colheitas e capturandoos naturai, o que obrigava os
grupos indégenas a procurarem abrigo nas imediações dos núcleo depovoamento
espanhol.
Os Portugueses chegaram a invadir em 1652, a província do Paraguai com
quatro poderosas colunas, mas foram supreendidos pelas forçasespanhola que
uniram-se indígenas e jesuítas,que,a mando do governador destríram os exércitos
invasores.
A derrota que os portugueses sofreram no Paraguai, nao foi motivo para eles
desistirem das suas investidas em direção da preaindígena. Em fevereiro
de1676,invadiram Vila Rica do Espírito Santo, ao poente do rio Paraná, em torno da
qual existia grande população índigena que prestava serviços aos seus moradores.
Nao ofereceram qualquer resistência e se renderm à superioridade bélica dos
invasores, os quais levaram quatro povoados de índios, com aproximadamente quatro
mil peças, além de terem despovoado completamente a Vila,uma vez que seus
habitantes procuraram refúgio em Assunção.
A invasão de Vila Rica trouxe como consequencia a completa desestabilização
da economia paraguaia, que foi privada da maior parte da mão-de-obra de sua
principal atividade econômica – a erva-mate.
A descoberta das primeiras minas em Cuiabá ocasionou a imediata
afluência de portugueses, principalmente os de São Paulo, ao local das
jazidas,tidas, na época, como as mais ricas da colônia. Foram formadas
várias comitivas para irem em busca do cobiçado metal. (ESSELIN,
2000, p-103).
Os primeiros aventureiros tiveram muitos obstáculos: percorriam por volta de
500 léguas de navegação fluvial, num período de quatro a seis meses, enfrentando as
mais variadas dificuldades; a falta de alimento, a falta de pilotos com experiência para
comandar as embarcações, os naúfragios eram constantes; os pioneiros enfrentavam
ainda o ataque de mosquitos e o forte calor. A busca pelo ouro, traziam aos montes,
que eram vitimados pela fome ou pelas epidemias.
O ouro mato-matogrossense era de aluvião, ou seja, as minas só eram
opulentas na superfície, que, apesar de extensa, possuía ouro em pequena
73
concentração. Após descobertas a coroa portuguesa em Cuiabá, determinou a
contribuição anual, de duas oitevas e meia para cada pessoa que trabalhasse em
qualquer ofício,sendo arrecadadas, quatro arrrobas de ouro, que, rapidament,foram
levadas à provedoria de São Paulo, pelo padre André dos Santos Queiros, provocando
entusiasmo geral na população.
A corrida ao ouro de Cuiabá provocou novo afluxo para a região das minas.
Precavidos com o que ocorreu em Minas Gerais a Coroa portuguesa procurou
assegurar a prioridade da posse do metal para os paulistas, evitando assim novos
conflitos como o que aconteceu com a guerra dos Emboabas.
O povoado de Cuiabá sofreu com a ocupação rápida populacional e a alta
especialização da atividade mineiradora trouxe graves problemas, tais como o
completo desinteresse por outras atividades econômicas fundamentais,o que provocou
crises de fome e miséria. Os negros, ocupados nas lavras, não dispunham de tempo
para se dedicar ao cultivo. Cabia quase que exclusivamente aos comerciantes
paulistas fornecer aos garimpeiros todos os produtos necessários, desde os
deconsumo até equipamentos mais sofisticados.
As monções que antes se dedicavam exclusivamente a caça aos índios,
passaram a fazer o comércio,altamente lucrativo. Foram elas que asseguraram a
comunicação entre São Paulo e Mato Grosso e introduziram este novo terrítorio nas
hostes da política mercantilista portuguesa.
O ouro mato-grossense, geralmente encontrado no leito e nas margens dos
cursos d`´agua, obrigava os negros a trabalharem com seus corpos mergulhados,o
que causava danos irrecuperáveis à saúde, diminuindo sua produção e o seu tempo de
vida.
A morte ou invalidez prematura dos escravos exigia constante reposição da
mão-de-obra. Como a exploração aurífera na região alternou período de grande
produção com outros de marcante decadência,o negro tornou-se mercadoria muito
cara, incompatível como os rendimentos dessas lavras, o que obrigou o minerador a
utilizar o indígena no processo de produção.
Os indios mais utilizados na procura ao ouro foram os bororos e os parecis, os
quais ofereciam menor resistência e eram de fácil trato. No ano de 1726, chegara em
Cuiabá o Governador da Capitania de São Paulo, Rodrigo Cesar de Menezes, a quem
estava submetido aquele territorio. Cumprindo ordens reais, vinha com objetivo
deregularizar a cobrança de impostos e organizar a, administração pública.
”As prioridades portuguesas eram delimitar a área, fixar o povoamento
e garantir a posse, o que justifica a ação do governador em estimular a
agricultura e a pecuária”.(ESSELIN,2000,p.129).
74
Em defesa do comércio, do povoamento e da navegação nos rios Guaporé e
Madeira, Rolim de Moura, em carta a Diogo de Mendonça Corte Real, pediu que fosse
franqueada a comunicação de Mato Grosso com o Pará, e isso por diversas razões:
A primeira que do Pará hão de concorrer naturalmente muitas pessoas para
aquelas minas. A segunda que as fazendas e mantimentos do reino vindos por ali hão
de ser mais baratos, o que facilitará a subsistência dos seus moradores. A terceira que
por aquela parte fica muito mais breve a comunicação com o corte donde pode ser
socorrida esta capitania, com grande brevidade. E quarta fazerem - nos senhores
daquela navegação.
Essa abertura contribuiria ainda para introdução de negros na região, mãode-obra essencial para as minas e cultivo de terra facilitaria a imigração dos
açoreanos, acelerando a fixação do povoamento.
Após a descoberta da rota fluvial que ligava Mato Grosso ao Pará, os Jesuítas,
visando iniciar a ocupação e bloquear a navegação portuguesa, fundaram a aldeia de
Santa Rosa, no lado Oriental. Com a demarcação do Tratado de Madri, essa aldeia foi,
em comum acordo, restituída aos portugueses.
Em 1759, a construção de um forte no local, que recebeu o nome de Presídio
de Nossa Senhora da Conceição, mais tarde presídio de Bragança.
O contrabando, não obstante, era intenso e contava com a conivência de
muitas autoridades.
Assim sendo, o forte construído para deter o avanço espanhol e
garantir o uso privado da navegação do rio, na verdade não cumpriu
bem seu papel, pois, em boa parte do ano, com as cheias do pantanal,
toda área ficava alagada, permitindo que as embarcações o
contornassem, deixando de ser alvo fácil de seus canhões. (ESSELIN,
2000 p.141).
Em 21 de setembro de 1778, Marcelino Roiz Camponês fundou o novo
povoado também com o nome de Albuquerque, por ser uma vila sobre altos barrancos
do rio, hoje denominada Corumbá.
Os primeiros colonizadores do povoado vieram na companhia de seus
fundadores, à custa da Fazenda Real, e enfrentaram grandes dificuldades.
A situação começou a melhorar após as colheitas e também em função das
atividades de comércio que os moradores mantinham com Cuiabá. Desenvolveram
uma economia de subsistência: produziam milho, feijão, algodão e mandioca,
praticavam a caça e a pesca e exportavam couros e peles de animais silvestres e o
algodão, que, pós fiado e tecido, era trocado por equipamentos agrícolas ou por outros
produtos que não tinham condições de plantar.
Em Abril de 1791, havia em Corumbá 141 pessoas, sendo um oficial, 12
soldados de guarnição, com seis crianças brancas e 50 índios e nove pretos escravos,
75
todos do sexo masculino; 11 mulheres e crianças brancas, sessenta e duas índias e
três negras escravas.
Em 1850, o Governador de Mato Grosso, João José da Costa Pimentel,
determinou a ocupação de Fecho dos Morros por um destacamento militar. Ao tomar
conhecimento do ocorrido, o Presidente do Paraguai imediatamente enviou uma tropa
ao local e desalojou os brasileiros do sítio onde se haviam instalado. A partir desse
incidente, as autoridades brasileiras se convenceram da necessidade de utilizar
economicamente a região. Para movimentar a economia local e para dar início á
atividade mercantil em larga escala, era necessário utilizar a navegação regular do rio
Paraguai.
No ano de 1856, Brasil e Paraguai assinavam o Tratado de Amizade, comercio
e navegação. Através dele, o império conseguiu liberar a navegação do rio Paraguai,
permitindo á cidade portuária de Corumbá desenvolver-se e manter com regularidade
contatos comerciais com navios brasileiros e também com aqueles de bandeira de
outros países, o que concorreu para acelerar o seu desenvolvimento econômico,
tornando-a o principal entreposto comercial do estado de Mato Grosso.
A prioritária necessidade de defender a região de ataques de inimigos (índios
ou espanhóis) baseou-se na fundação de pequenos núcleos isolados, disseminados em
mais de quinhentas léguas de fronteira e assentados em locais estratégicos,
facilmente fortificáveis, que pudessem rechaçar eventuais ataques inimigos.
Corumbá, que antes de tudo era uma guarnição de fronteira, reflete essa
estratégia de ocupação. Foi no governo de Luis Albuquerque que ocorreu a
consolidação do poder luso nesse território. Ao construir o forte Príncipe da beira, no
Guaporé, assegurou a navegação a navegação com Belém do Pará. No momento
período, com a construção de Coimbra e de Corumbá, garantiu acesso da Capitania ao
litoral.
Em ambos os casos, conseguiram manter os espanhóis em seus territórios,
impedindo sua expansão. Além de ocupar a terra e conter os inimigos, esses novos
núcleos propiciaram o avanço da colonização, pois os fazendeiros, que até então
assentavam suas propriedades apenas nas proximidades de Cuiabá, passaram a se
estabelecer nas terras adjacente às fortalezas, dedicando-se então à agricultura,
pecuária e exploração dos recursos locais.
BIBLIOGRAFIA
ESSELIN, Paulo Marcos. A GÊNESE DE CORUMBÁ: Confluência das Frentes
Espanhola e Portuguesa em Mato Grosso 1536-1778. Campo Grande, MS: Ed. UFMS,
2000.
76
ARLINDO DE ANDRADE GOMES
Tânia Mara Redivo19
RESUMO: Este trabalho tem por objetivo pesquisar a vida e obra de Arlindo de
Andrade, tendo como metodologia para sua elaboração, pesquisa bibliográfica em
obras que tratam deste homem público da história sul-mato-grossense. Filho de
senhores de engenho em Pernambuco, formado em direito na faculdade de Recife
como muitos outros filhos da elite de seu tempo. Através de amigos dos pais, no Rio
de Janeiro, conseguiu ser nomeado para emprego público no Mato Grosso. Juiz em
Nioaque, pediu transferência para Campo Grande, onde estranha as atitudes hostis e a
maneira violenta de se resolver os problemas na cidade. Depois de ter exercido a
magistratura por pouco mais de um mês e meio, dedicou-se à advocacia, ao
jornalismo e à política. Foi também editor do primeiro jornal de Campo Grande, O
ESTADO DE MATO GROSSO. Assumiu a intendência de Campo Grande e trabalhou,
segundo os cronistas, no saneamento e urbanismo da cidade.
PALAVRAS-CHAVE: História regional, Campo Grande, Arlindo de Andrade Gomes.
A HERANÇA DE ARLINDO
Nasceu em Timbaúba-Pe, em 16/04/1884, num velho engenho de açúcar,
onde passou a infância. Filho de Manoel da Cunha Andrade Gomes e Maria Cavalcante
de Andrade.
No Recife fez a faculdade de direito. Trabalhou no Diário de Pernambuco.
Gostava muito de ler e estudar. Colou grau em direito no dia 05/12/1907.
Descontente com a orientação política abandonou o Diário e foi para o estado de Mato
Grosso, chegando lá no mês de abril de1908, com pouco dinheiro no bolso, foi em
busca de trabalho. Iniciou como professor de botânica no tradicional “Lyceu
Cuyabano”, onde teve alunos como Arnaldo Estevão de Figueiredo – que veio a ser
governador de Mato Grosso em 1946, e Ulisses Cuiabano – um dos maiores poetas
mato-grossenses.
Em 10 de julho, Arlindo foi nomeado inspetor escolar da capital e a seguir,
procurador fiscal da delegacia do tesouro federal do estado de Mato Grosso, assinada
pelo presidente Nilo Peçanha, tomando posse no dia 14 de outubro.
Porém, não era o que Arlindo esperava, no ano seguinte, aceitou o lugar de
juiz de direito da Comarca de Nioaque e posteriormente, em decorrência da criação da
comarca de Campo Grande, através da lei número 549, publicada no dia 20/07/1910,
foi removido para nossa Comarca, sendo então, o primeiro juiz de direito de Campo
19
Acadêmica de Historia/UCDB. E-mail: [email protected]
77
Grande. O juiz tinha 27 anos. Era um homem simples, tolerante, afável, modesto.
Uma pessoa com atributos para distribuir a justiça.
Nos 50 primeiros dias depois da sua posse, Campo Grande foi invadida por
cerca de 300 homens armados, comandados pelo caudilho Bento Xavier. Amando de
Oliveira, presidente da Câmara improvisa a reação fazendo fugir o invasor. O primeiro
tenente Constantino de Souza acusou Amando de Oliveira de ter abusado do poder e
mandou prende-lo por isso. Arlindo de Andrade, imediatamente concede uma ordem
de habeas-corpus em favor de Amando de Oliveira. A autoridade militar não só
descumpre a ordem como determina a prisão do próprio juiz.
Revoltado com atitudes arbitrárias do presidente da câmara que baixava
decretos absurdos de estado de sítio e ameaças de guerra contra quem afrontasse
suas decisões, Arlindo de Andrade decide demitir-se do cargo. E assim Campo Grande
perde seu primeiro juiz.
Deixando o cargo de juiz, dedicou-se à advocacia, ao jornalismo e à política.
Arlindo seguiu os passos de seu colega e amigo Eduardo Olímpio Machado que abria
caminho novo na advocacia: as divisões de terras.
Até o início deste século, as fazendas não possuíam cercas divisórias, o gado
era querenciado em determinados lugares e os entreveros evitados por meio da
identificação pela marca a fogo e os bezerros pela divisa, consistente em um picote na
orelha.
O arame farpado foi descoberto no final do século passado, possibilitando
extremar as lindes das propriedades rurais, bem como construir divisões internas das
pastagens.
Ao estabelecer a prática de cercar os imóveis rurais, logo surgiu a
necessidade de se fixarem limites e confrontações das propriedades e de extinguir os
condomínios existentes, por meio das ações de divisão e demarcação de terras.
Arlindo e Olímpio Machado se especializaram nesse tipo de serviço forense.
Com os honorários da advocacia, pôde adquirir uma pequena chácara, esta se
transformou em pouco tempo num verdadeiro parque da cidade, que os amigos e
curiosos inevitavelmente visitavam. Frutas, flores, árvores ornamentais, fruteiras
tropicais de sua terra, pássaros em grandes viveiros ou em pequenas gaiolas, outros
soltos a procurar o alimento que todos os dias lhes eram distribuído. Tudo classificado
por Arlindo com o nome popular e o correspondente científico.
Com a experiência adquirida no jornal de Pernambuco, no dia 22 de junho de
1913, Arlindo de Andrade publica o primeiro número de seu jornal intitulado O
ESTADO DE MATO GROSSO, dessa forma nasce o primeiro jornal de Campo Grande.
78
Em 1918, casa-se com dona Julieta, com a qual teve 7 filhos, além de Sílvio
que se tornou médico de renome em Campo Grande, e falecido aos 37 anos de idade.
Ainda por essa época Arlindo se empenhou dia-a-dia na campanha
presidencial de Rui Barbosa, pois Arlindo se empolgava com as idéias liberais, com a
veemência de suas afirmações, a eloqüência de seus discursos eruditos, o
conhecimento profundo, tantas vezes confirmado, dos problemas brasileiros, enfim,
Rui Barbosa era para Arlindo a grande esperança para os problemas brasileiros.
Todavia Arlindo não contava com a dada derrota de seu candidato, o que o deixou
Arlindo muito contrariado, mas também o impulsionou para a sua futura atuação
política. Arlindo estava intimamente ligado aos eventos e trabalhos mais significativos
da cidade na época.
Portanto em 1921, Arlindo assume a intendência de Campo Grande e realiza
trabalho importante no progresso da cidade.
Valério de Almeida (2003) escreveu Campo Grande de outrora, onde ele
afirma:
Foi o Dr. Arlindo, sem sombra de dúvida, o passos largos desta terra,
pois com ele desapareceram velhos pardieiros e surgiram as obras
mais notáveis em prol do saneamento da cidade e quiçá do seu
urbanismo, daí a fisionomia dos novos prédios bem como passeios e
muros em todas as vias públicas.
E relaciona outras tantas obras e transformações transcendentais:
nivelamento de todas as ruas; arborização das vias, embelezamento da Av. Afonso
Pena; padrão para calçadas e passeios; implantação do horto municipal; locação e
planta do bairro Amambaí; construção de pontes e estradas na cidade e no interior do
município. E, por fim, a transferência da sede da Circunscrição Militar, de Corumbá
para Campo Grande, cujos quartéis foram construídos em área doada pela prefeitura.
(Campo Grande de Outrora, p. 21 e 22).
Entre tantas realizações, vale destacar que Arlindo foi como afirmou Ulisses
Serra (1971, p.72 a 78), o decorador da cidade:
Realmente, com sua paixão pelas plantas, foi ele quem arborizou as
ruas e cuidou das praças e jardins e também de seu arruamento. De
sua própria chácara, na Marechal Rondon, saíram, gratuitamente,
mudas das árvores que hoje ornamentam nossa cidade, amainam os
dias de verão, formando essa magnífica e deslumbrante arborização
que tanto envaidece o campo-grandense.
O personagem retratado nas linhas acima é um daqueles poucos, que, com
muito esforço, dom e dedicação construíram e reproduziram tradição política da
República Velha o clientelismo e a política feita pelos “doutores”.
A biografia de Arlindo de Andrade Gomes não difere muito, com base nos
cronistas, dos relatos tradicionais, ou seja, o político é apresentado como homem
regido pela ética, em um mundo onde os valores se invertem; enfim, de tudo que se
79
expôs, fica o personagem como paradigma das atuais e futuras gerações. Uma
característica dos relatos das crônicas é não desagradar a ninguém, especialmente se
o biografado for influente.
BIBLIOGRAFIA
ANDRADE GOMES, Arlindo de. O Município de Campo Grande em 1922. Instituto
Histórico e Geográfico de MS.
D’ALMEIDA,Valério. Campo Grande de Outrora. Editora letra livre, 2003.
MACHADO, Paulo Coelho. Arlindo de Andrade, primeiro juiz de direito de Campo
Grande.Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, 1988. Campo Grande-MS.
SERRA, Ulisses. Camalotes e Guavirais. Editora Clássico-científica, 1971.
80
CORONELISMO EM MATO GROSSO (1889-1943)
Claudemir Rosalvo Seron20
Ivanio A. Nogueira21
Marco Aurélio Olarte22
RESUMO: Este trabalho analisa ao período determinado entre os anos de 1889 a 1943
sobre os coronéis, abordando especificamente as estruturas econômicas e sociais
neste período, com ênfase especial à política republicana regional e suas
características. Sendo assim o artigo “o coronelismo em Mato Grosso ” tem por
objetivo compeender os fatos políticos e sociais na região, o grande interesse da
pesquisa enfoca os fatos políticos que marcaram a história mato-grossense.
PALAVRAS-CHAVE: coronelismo, banditismo republicano.
BANDITISMO
O estudo do coronelismo mato-grossense faz nos compeender o fanomeno
político que caracteriza em um dado momento a história brasileira da região,
entretanto no período colonial se deram as primeiras viagens, e aqui instalou-se um
centro mineiro marcando assim o ciclo do ouro em Mato Grosso. A violência sempre
esteve presente desde o primeiro contato com o homem branco.
Uma característica marcante do coronelismo mato-grossense aconteceu em
função da delimitação no tempo e no espaço a nível regional, assim com o regime
republicano aparecem no Mato Grosso coronéis que pegam em armas pelo poder.
Outro aspecto do coronelismo em Mato Grosso foi o envolvimento com o banditismo
que existia nessa região em fins do séc. XIX, a relação do coronel com o bandido no
período republicano teve características bem definidas, no início com o auge do
coronelismo coincide lutas políticas no estado quando os bandidos são protegidos
pelos coronéis que tendo poder domina homens armados e vinculam bandidos a
polícia local. Num segundo momento o banditismo em Mato Grosso marca o
aparecimento de grandes bandos e ganham fama alem das fronteiras.
O poder dos coronéis começa entrar em decadência somente com a
intervenção federal no estado a partir de 1917, o que abalou a estrutura do
coronelismo em Mato Grosso foi a mudança em suas bases econômicas e sociais
ocorridas nos anos 20, essas mudanças fizeram surgir um relativo e importante
Claudemir Rosalvo Seron, graduando do curso de História pela Universidade Católica Dom Bosco – UCDB.
[email protected]
21
Ivânio A. Nogueira, graduando do curso de História pela Universidade Católica Dom Bosco – UCDB.
22
Marco Aurélio Olarte, graduando do curso de História pela Universidade Católica Dom Bosco – UCDB.
marcoauré[email protected]
20
81
processo de urbanização no sul do estado e a transferência do eixo econômico de Mato
Grosso com o comércio que concentrava nos centros como Corumbá-rio-Paranácuiabá agora com a estrada de ferro deslocou-se para Campo Grande, ainda em 20 o
sul de Mato Grosso recebe influências de São Paulo através da ferrovia e é sacudido
por políticas revolucionárias dos sindicatos e dos movimentos tenentistas.
A revolução de 30 sacode ainda mais o poder coronelista por uma ação
opressora com intervensões federais golpeando grandes proprietários de terra e
usineiros do norte e mais tarde com o desarmamento da população do sul mudando a
feição da política regional.
Para entender a violência política em Mato Grosso no período republicano ao
qual atingiu seu ponto máximo é preciso analisar a ocupação da fronteira oeste, um
ponto se refere a guerra com o Paraguai e a repercussão da invasão no território
mato-grossense. A história sempre reduziu e justificou a ação dos bandos como
excepcional e não como algo real que atuava na formação econômica e social e
política da sociedade rural brasileira, expressando de uma forma de repressão ao
banditismo.
Depois da independência, a violência tomou formas declaradas a nível político,
assim foi palco de muitas agitações gerando a rebeliões em 1834, expressando o grau
de violência que ali existiu. No início do século XIX a região enfrentou muitas
dificuldades para sua sobrevivência e dependia quase que totalmente de verbas do
governo federal. A utilização da navegação pelo rio Paraguai tinha o interesse de
assegurar o controle da fronteira oeste do império, mas com a guerra do Brasil com o
Paraguai significou para o mato grosso um período de crise, além de sofrer a invasão
e ocupação de grande parte de suas terras passou a um isolamento quase completo
pelo fato de haver proibição da navegação por parte do Paraguai, no entanto a guerra
foi para Mato Grosso um período de fome e doenças sofrendo assim uma estagnação
em sua economia, e mesmo após a guerra a região viveu um clima de estabilidade e
violência esta que ali existiu era tão rotineira e acontecia com tanta naturalidade que
impressionava até aqueles que passavam por aquela região.
AS DISPUTAS
As disputas dos coronéis na região fizeram desenvolver ainda mais o
banditismo envolvendo-os em lutas políticas e partidárias locais tornando comum em
todos os movimentos revolucionários a partir de 1891 e chega a um ponto que o
banditismo e o coronelismo não podem mais serem compreendidos separadamente. O
poder dos coronéis nesse contexto político facilitava arrebanhar homens armados
sustentando assim o poder na região, entretanto o envolvimento dos bandidos no
82
processo político escapou ao controle dos coronéis que passaram a saquear fazendas
de inimigos políticos e inclusive deles próprios.
No entanto o que caracterizava Mato Grosso, na república velha, e início do
estado novo foi a impunidade, nesse período quando alguém era submetido a
julgamento era quase sempre absolvido pois os acusados apresentavam-se com seus
inofensivos revólveres à cinta. Outra forma de violência ocorrida anterior a 1931 foi o
trabalho escravo nos ervais e fazendas de açúcar com troncos para o castigo, só
através do coronel Antônio Mena Gonçalves em 1931 com a ajuda da força militar
invadem usinas prendendo seus proprietários. Em 1939, inicia o desarmamento dos
coronéis e bandidos e da população em geral quando o General João Pessoa intensifica
a lei do desarmamento.
A crise política que marcou o período republicano, teve seus reflexos em Mato
Grosso, onde em 1892 uma revolta na cidade de Corumbá daría continuidade a um
processo de disputas políticas e econômicas em todo o estado. Esta revolta baseou-se
em questões econômicas, nas quais a burguesia local se via prejudicada pelos
desmandos do governo de Manuel J. Murtinho, sob as influências do governo de
Deodoro e que desfavoreceu a região sul de Mato Grosso na questão dos benefícios
recebidos. Os movimentos contestatórios também fizeram presentes em Cuiabá, onde
o governo central era alvo do descontentamento político.
Em meio a este quadro de convulsões sociais a figura dos coronéis teve papel
relevante nas decisões políticas do estado. O processo histórico de Mato Grosso
caracterizou-se pela atuação dos coronéis suas disputas que se fizeram ao longo do
período republicano. Esses movimentos entremeados pela violência que protagonizou
a história local fez com idéias separatistas que proliferassem na região sul do estado.
A razão maior em relação a essas intenções se baseava nos desequilíbrios econômicos
e administrativos da região.
MATE LARANGEIRA
Os inúmeros episódios políticos que ocorreram no período republicano e
marcados pela intransigência dos personagens históricos, realçou a figura dos coronéis
como elemento aglutinador de revoltas e contra-revoltas, pois havia entre estes, os
simpatizantes das causas governistas. Ainda como fator alimentador das causas
separatistas, a migração de um contingente gaúcho fomentou o movimento
separatista dos coronéis locais. Este apoio dos sulistas oriundos das regiões gaúchas
teve episódio relevantes nas reviravoltas das disputas políticas no estado. Figuras
como Bento Xavier e outros incrementaram a violência na região. Segundo Corrêa
(1995, p.19) companhias como a erva mate laranjeira predominavam o setor de
83
exportador tendo ainda a pecuária aliada a este aspecto, com a conseqüente criação
de vários saladeiros pelo estado. Apesar de todos os entreveiros porque passou a
história de Mato Grosso, a decadência dos coronéis teve seu período esgotado, o qual,
em função do progresso que se apresentava, paulatinamente este quadro conturbado
na vida social do estado foi se extinguindo com a predominância cada vez maior pela
presença do estado legalizado. Este período de convulsões ficou conhecido como a
terra da “lei do 44”. Em 1930, as questões separatistas ganharam mais força, onde
Campo Grande passa a irradiar esse movimento pois as desigualdades econômicas e
os favorecimentos políticos punham a região norte em nítida vantagem social. Ainda
que este fato tenha prejudicado o aspecto social e econômico da região, a introdução
da estrada de ferro alterou sobremaneira o desenvolvimento e povoação da região sul
do estado.
E ao mesmo tempo auxiliou no controle da atuação dos revoltosos em vários
pontos do estado, com o transporte e ocupação dos militares nesses locais.
Paralelamente em meio a essas inúmeras questões sociais políticas e econômicas que
envolveram o estado onde a figura ímpar dos coronéis se destacou, outro elemento
contestador é “sui generis” irá se destacar e que será o surgimento de grupos ou
bandos armados atuando em meio as revoltas e contestações sociais, sendo
considerados pelo poder constituido como bandidos e criminosos da sociedade.
Esses grupos sempre atuaram em meio às reivindicações sociais e de forma
rebelde às políticas exercidas pelo estado. O banditismo exerceu aliado ao coronelismo
movimentos revolucionários e sangrentos nos quadros políticos do estado, chegando
mesmo a ter seus líderes reconhecidos em âmbito nacional. A grande contribuição
para o desenvolvimentos desses grupos foi a leva de gaúchos que migraram para o sul
do estado, trazendo de sua terra as experiências revolucionárias e os costumes tipicos
em sua maneira de lutar, tais com a famosa “degola”. Nos anos de 30 e 40, a fama
desses grupos ultrapassou as fronteiras do estado pondo o governo central e local em
situação delicada, ainda que esta situação predominasse no meio rural. Dentre esses
bandidos, o mais conhecido na história de Mato Grosso é Silvino Jacques que se
transformou em mito devido ao seu destemor e perícia como atirador. Oriundo do Rio
Grande do Sul este personagem marcou o período de banditismo no Mato Grosso de
maneira relevante, porém em 1939, o governo inicia a operação da captura de Silvino
Jacques onde após uma perseguisão árdua ao grupo consegue êxito eliminando o
famoso bandido que tanto perturbava a burguesia de então.
Além desse período, ainda em 1941 a existência de grupos armados como os
famosos baianinhos fez com que o governo organizasse outra captura para por fim às
ações desse grupo de bandoleiros que assaltavam fazendas e faziam extorsões. Após
84
vários embates, o grupo foi se dizimando aos poucos com os últimos elementos se
refugiando no Paraguai.
Portanto, a história de Mato Grosso se formou na trajetória desses elementos
contraditórios em seu meio social, propiciados em seu surgimento por uma herança da
administração colonial onde os mandos e a precária estrutura política e econômica
sempre favoreceu a um pequeno grupo da elite em detrimento da grande massa de
trabalhadores oprimidos e explorados. Invariavelmente este fenômeno universal
ocorrerá toda vez que se fizer presente a incoerência e a displicência do estado no
trato das questões econômicas e sociais, impostas às classes mais humildes da
população.
BIBLIOGRAFIA
CORRÊA, Valmir Batista. Coronéis e Bandidos em Mato Grosso. Campo Grande:
UFMS, 1995.
85
HISTÓRIA E FRONTEIRA: O SUL DE MATO
GROSSO 1870-1920.
23
Lucélia Gonçalves Cavalcante
24
Viviane Luiza da Silva
RESUMO: Este artigo tem como questão fundamental a análise da consolidação da
fronteira Oeste do Brasil, no período de 1870 a 1920, ou seja, no pós-guerra do
Paraguai, enfocando o espaço correspondente ao Sul de Mato Grosso, o atual Estado
de Mato Grosso do Sul para a compreensão da História regional e sua influência na
História do Brasil. Pelo posicionamento a fronteira Sul de Mato Grosso incorporou
culturas e costumes de diferentes localidades internas: gaúcho, nordestino, paulista,
mineiros e externas: bolivianos e principalmente paraguaios, surgindo um Estado com
combinação variadas na sua base social, política e cultural que ao estudar o processo
de demarcação de fronteira compreendemos a identidade regional da população sul
mato-grossense.
PALAVRAS-CHAVE: História Regional, Sul de Mato Grosso e fronteira.
INTRODUÇÃO
Este artigo foi elaborado em base de pesquisa bibliográfica de Lúcia Salsa
Corrêa, cujo título é História e Fronteira: O Sul de Mato Grosso 1870-1920. Sobre a
autora é importante ressaltar que graduou-se na faculdade de Filosofia, Ciência e
Letras São Bento da PUC-SP, onde obteve os títulos de licenciatura e bacharel em
História, no ano de 1973. Durante toda sua carreira de docente e pesquisadora
dedicou-se à História Regional, o que resultou em diversas publicações. Foi professora
titular da UFMS, hoje aposentada. Nos primórdios de 1999 assumiu a direção do
Centro de Pesquisa, Pós-graduação e Extensão da UCDB. Atualmente faz parte da PróReitoria da UNIDERP.
O livro História e Fronteira, foi resultado da tese de Doutorado e relata O
processo da fronteira do atual estado de Mato Grosso do Sul. O sul do então estado de
Mato Grosso passou por conflitos indígenas no século XVI.
Até a consolidação da fronteira do atual Estado de Mato Grosso do Sul ocorreu
dificuldades que retardaram sua demarcação, como no século XVI conflitos indígenas
Graduando em História na Universidade Católica Dom Bosco. E-mail: [email protected]
Graduando em História na Universidade Católica Dom Bosco. E-mail: [email protected]
23
2
86
com aventureiros conquistadores, dificuldades de adentrar a região, pois o ambiente
era desconhecido e com vasta extensão de terras alagada (pântanos).
SUL DE MATO GROSSO: A FRONTEIRA, O ESPAÇO E A MIGRAÇÃO
A partir de fins do século XVII até começos do XIX houve conflito de
interesses expansionistas entre castelhanos e portugueses. A pecuária é atribuída
como uma das principais atividades econômicas do Sul de Mato Grosso no século XIX,
porém com a Guerra do Paraguai há invasões de terras na região Sul, sendo somente
após a guerra que a fronteira será definitivamente demarcada.
Aconteceu em meados do século XIX a Guerra do Paraguai, do qual a
fronteira entre o sul de Mato Grosso e Paraguai foi definido no pós-guerra.
O espaço que corresponde à fronteira do atual Estado de Mato Grosso do Sul
foi influenciado em sua demarcação pelo meio ambiente e atividades econômicas que
predominava como a pecuária, erva-mate e o término do recurso mineral-aurífero no
atual estado de Mato Grosso.
A definição de fronteira em Mato Grosso do Sul tem muita variedades de
causas e efeitos no processo de ocupação e conquista do território, por ser uma região
fronteirísticas com outros países: Paraguai e Bolívia, além dos estados brasileiros
como Minas Gerais e São Paulo.
Para compreender o início da conquista da fronteira Sul de Mato Grosso é
necessário entender período colonial.
O ponto de partida para a [...]fronteira Sul é a compreensão da
expansão colonizadora e o desenvolvimento comercial europeu em
nível mundial, a partir do século XVI. Dessa forma, as colônias ibéricas
tiveram o seu processo de expansão territorial como prolongamento da
política mercantilista, do predomínio
do Capital mercantil e da luta pela
hegemonia nos novos continentes25.
No século XVI até o século XVIII, o Sul de Mato Grosso serviu como rota
alternativa para escoamento de mercadorias (metais preciosos) consolidando o
mercado de contrabando26, como era praticado em toda colônia. Além, de permitir a
entrada de portugueses e mamelucos (paulistas) em áreas espanholas. De acordo com
Corrêa (1999), a Metrópole não conseguia controlar todo o território colonial. Assim,
permitiu o contato dos fronteirísticos com os núcleos do planalto andino e das Missões
Jesuíticas na Planície do Paraguai, reforçando um comércio clandestino de
abastecimento de mercadorias essenciais (sal, escravos, erva-mate, couro...) e
também o contrabando de metais preciosos (prata e ouro).
CORRÊA, 1999, p. 59.
Segundo o Pequeno Dicionário da Língua Portuguesa contrabando significa comércio proibido; introdução
clandestina de mercadorias estrangeiras sem pagar os direitos devidos.
25
26
87
O ambiente complexo com regiões alagadiças, até então, inexplorável,
desconhecido e com mudança de clima constante (muita chuva ou pouca) e os índios
foram uns dos fatores para retardar a conquista da região. No primeiro momento de
contato entre os conquistadores
Em um segundo momento (meados do século XVI) existiu uma fronteira
indígena – uma terra mbaiânica27- representado uma forte barreira para ocupação de
espanhóis ou portugueses até meados do século XIX. No terceiro momento foi de
integração entre colonos e índios Mbya-Guaikuru com contatos comerciais, de aliança,
catequese e casamento. A contribuição indígena foi significativa para ocupação da
região Sul, como Corrêa afirma: “De um modo ou de outro, os Guaikurú exerceram
expressiva influência no processo de ocupação da fronteira Sul de Mato Grosso até às
vésperas da guerra com o Paraguai, ocasião em que sofreram pesados reveses”.
(1999, p. 77).
A falta de recursos portugueses para assegurar suas fronteiras e a
concentração de todos os esforços nos núcleos auríferos do Norte de Mato Grosso,
acabaram por adiar a conquista definitiva da região Sul. Quando ocorre a decadência
mineira e do Norte de Mato Grosso, a população busca novas alternativas para
sobreviver, sendo um dos fatores que contribuiu para ocupar e redefinir a fronteira do
Sul de Mato Grosso.
O processo migratório anterior a Guerra do Paraguai deu-se por duas
vertentes, uma por razão da crise política de Cuiabá (capital de Mato Grosso) e a
outra dos migrantes conquistadores-aventureiros (mineiros e paulistas) encontram-se
com os cuiabanos:
Uma delas foi procedente do Norte de Mato Grosso, de Cuiabá e de
seus entornos, decorrendo da crise política de 1834, deslocando-se no
sentido Norte-Sul, à procura de campos para a criação nos Pantanais,
nos vales dos rios tributários do Baixo-Paraguai e em parte dos campos
firmes da Vacaria. [...] A outra onda de migrantes
desbravadores/conquistadores procede em grande parte de Minas
Gerais e de São Paulo, em direção Leste-Oeste até encontrar-se com
os cuiabanos no vale do rio Miranda. Daí, espalhara-se até as margens
dos rios Ivinhema, Iguatemi e Apa, atingindo o extremo Sul de Mato
Grosso e a fronteira com os paraguaios,28motivada pelo entusiasmo com
os extensos e formosos campos de criar .
Na primeira metade do século XIX ocorre uma expansão interna no Sul de
Mato Grosso, por meio de expropriação de terras indígenas, disputa dos pioneiros por
terras imensas e sem limites definidos.
A pecuária foi a atividade mais importante dessa região Sul e fronteiriça. Com
a criação extensiva de gado e a exploração da erva-mate, em um futuro breve iria
Para a autora, terra mbaiânica imperou a hegemonia Mbayá sobre as demais etnias chaquenhas e das
planícies
do Médio e Baixo- Paraguai, surgindo uma fronteira indígena, uma terra mbaiânica.
28
CORRÊA, 1999, p.94.
27
88
definir a abertura da via fluvial, vinculando Mato Grosso a Bacia do Prata e pelo
estreitamento dos contatos comerciais com à Bolívia e com o Paraguai pela fronteira
seca.
Segundo Corrêa (1999) a Guerra do Paraguai, ocasionou invasão de terras
(1864-1870) em: Coimbra, Corumbá, Miranda, Aquidauana, Nioaque, Dourados,
Coxim e boa parte dos Pantanais ocasionando uma desorganização das vilas e
fazendas de gado bovino, sendo algumas das poucas cidades que tinham organização
administrativas (exemplo Corumbá) arrasadas com a invasão paraguaia. Com o fim da
guerra, aos poucos, as cidades foram recuperando seus habitantes e atividades
urbanas e rurais. Tendo dificuldades para comprovar suas posses muitos tiveram que
recorrer a Cuiabá para tentar recuperar documentos que provassem a propriedade de
sua terra, mesmo assim, era complicado. Infelizmente, as comunidades indígenas
foram os mais afetados, pois perderam muitos índios em moléstias, na guerra e
principalmente a perda de suas terras, sendo obrigados a trabalharem em fazendas ou
nas vilas, porém as relações de resistência entre índios e “civilizados” não foram
eliminadas.
Em meados do século XIX, Mato Grosso já havia definido sua produtividade, a
criação de gado (pecuária) era a principal atividade tendo campos em abundância e
exigindo menos trabalhadores do que a agricultura.
De acordo com Corrêa (1999) na Segunda metade do século XIX, com a livre
navegação do rio Paraguai a fronteira Sul de Mato Grosso foi rapidamente modificada.
Permitindo o contado da província mato-grossense com a Bolívia, Paraguai e o acesso
ao Atlântico tendo uma alternativa de abastecimento e escoamento de matériasprimas na região. Somente após a Guerra do Paraguai, o Brasil conseguiu o caráter
definitivo da livre navegação até o Porto de Corumbá, criando as condições para uma
ocupação mais efetiva da fronteira Sul, com base em suas regiões ribeirinhas. Esse
livre-trânsito fluvial tinha interesse capitalista das potências européias e norteamericana, pois facilitaria a entrada de produtos e capitais estrangeiros e o Brasil
exportaria produtos primários.
O livre-trânsito fluvial dos rios platinos, incluindo o rio Paraguai, foi,
portanto, uma reivindicação impulsionada pela expansão do livrecomércio e defendia pelas potências capitalistas desde princípios do
século XIX, (...) eram ideais a um trânsito mercantil de mão-dupla:
uma via de entrada de mercadorias e capitais europeus e norteamericanos pelo interior do continente sul-americano, e uma via de
escoamento 29de produtos primários baratos, destinados aos mercados
de além-mar .
29
CORRÊA, 1999, p.126.
89
Mato Grosso ressentiu-se com os reflexos tardios das transformações do
período pós-guerra de 1914-1918, que inviabilizaram a manutenção da sua principal
via de abastecimento e comércio internacionais, através de Corumbá e da navegação
pela Bacia do Prata. O Estado continuava dependente de produtos básicos e
desenvolvia uma agricultura rudimentar.
A posse de terras no Sul de Mato Grosso no período pós-guerra com os
Paraguaios não foi tão diferente do modelo clássico de ocupação e instalação de
fazendas de criar pelos sertões de todo o Brasil. As mesmas variáveis que
caracterizaram as mesmas frentes de ocupação em especial a pecuária na região de
fronteira Sul-mato-grossense aconteceu de forma diferenciada por motivo de suas
determinações ambientais e o seu processo histórico de conquista e expropriação de
terras. Segundo Lucia Salsa Correa (1999) em nenhuma outra parte do país ocorreu a
posse mansa e pacífica conforme determinavam as leis e os documentos oficiais a
esse respeito.
O que marcou a expansão das unidades territoriais para a criação de gado ou
extração da erva-mate foi avaliado pelo alto grau de violência, dada a situação de
risco de posseiros, pioneiros, configurada pela insegurança e instabilidade da fronteira
paraguaia e indígena. E sem contar com difícil e sofrida adaptação ao meio ambiente e
pelo isolamento nos confins dos sertões. Além, o problema dos transportes precários e
a ineficiência fiscalizadora do estado, responsáveis pelo aparato de segurança das
fronteiras.
Por volta de 1880 a 1890, formaram-se fazendas de gado na fronteira Sul de
Mato Grosso pela apropriação de vastas extensões de terras sem limites definidos, e
pela impraticabilidade dos cercamentos.
Ainda a respeito dos limites de posse e da sua legalização em Mato Grosso,
Virgilio Correa Filho afirmava que:
...Os limites mencionados vagamente abrangiam, não raro, a área
muitas vezes maior que a devida, quando
não se processa a mediação
de acordo com as exigências legais 30.
Um outro fator agravante das tensões e da violência desse processo foi a
disputa por terras entre os próprios posseiros que lutavam, entre si e contra a entrada
de imigrantes pelas terras sem dono no sul-mato-grossense. Nem mesmos as leis na
segunda metade do século XIX conseguiram classificar esse processo de lutas, ou,
evitar posses irregulares que caracterizaram a região por longo tempo.
A legalização das propriedades esbarrava em diversos fatores, um deles foi à
desorganização provocada pela invasão paraguaia em Mato Grosso e pela
30
CORRÊA FILHO, VIRGILIO. Fazendas 1955. p. 20 – 21.
90
movimentação das tropas do exército brasileiro em campanha contra o Paraguai,
conseqüentemente ocasionando a demora reordenação das atividades rotineiras da
fronteira.
A fase heróica da fronteira sul-mato-grossense no período entre 1870 e 1920
correspondeu, às especificidades e singularidades que a caracterizavam, como por
exemplo, a consolidação dos latifúndios pecuaristas e a formação e crescimento de
matérias-primas em regime de cria extensiva do gado bovino. De forma paralela
ocorreu uma valorização gradativa das terras na região Sul de Mato Grosso.
E, finalmente, a fronteira se desenvolveu em condições adversas que
delimitaram o desenvolvimento capitalista da imensidão de seus sertões.
Outro ponto visível da fronteira foi o fluxo migratório nas três últimas décadas
do século XIX. O movimento de imigração recebeu suporte oficial através das políticas
de colonização do Brasil, para solucionar o problema de falta de braços para a lavoura
e a substituição da mão de obra escrava livre e assalariada, com o concurso de
colonos estrangeiros. Acompanhando essa tendência, o Governo da Província
empenhou seus parcos recursos, a despeito de suas persistentes limitações
orçamentárias, para incentivar o povoamento mais intensivo de seus sertões vazios,
oferecendo vantagens e procurando atrair investidores e trabalhadores para o solo
mato-grossense.
Todavia é preciso salientar que, comparado à movimentação migratória dos
grandes portos atlânticos sul-americanos nesse final do século, como Buenos Aires,
Rio de Janeiro e Santos, o fluxo de gente que se dirigiu a Mato grosso foi pequeno,
mas contribuiu de modo muito significativo no bojo das transformações econômicas
ocorridas em sua região Sul. Assim, paulistas, mineiros, goianos e nordestinos em
geral dirigiram-se para a fronteira Sul mato-grossense, em pequenos grupos e em
escala gradativa.
O imigrante paraguaio incorporou-se na comunidade da fronteira sul-mato-grossense,
sobre tudo como elemento predominante de trabalho nos ervais e, em menor proporção, nas
fazendas de criação de gado bovino.31
Após a Guerra do Paraguai, Mato Grosso recebeu um significativo numero de
estrangeiro e de brasileiros de outras regiões, que demandavam a sua fronteira Sul.
Os paraguaios, que representavam a maior parte de pessoas que migraram para Mato
Grosso.
Autora explica que o paraguaio veio atenuar a grande carência de mão-de-obra em atividades e técnicas
que lhes eram familiares no Paraguai, tradicional país de pecuária extensiva e exploração primitiva de
yerbales nativos. p. 222.
31
91
No que se diz respeito das migrações internas, a oferta ilusória de terras
disponíveis da fronteira mato-grossense e seus abundantes recursos naturais, trouxe
também uma corrente gaúcha em demanda das matas de ervais nativos do extremo
Sul.
No processo de povoamento da fronteira Sul de Mato grosso adquiriu marcas
da contravenção e da violência. E para compreender melhor esse traço na História
mato-grossense, não se pode excluir o peso da herança colonial no seu contexto
fronteiriço, principalmente as características de um território imenso e sem controle
administrativo estatal, sem polícia, sem barreiras fiscais adequadas. Como explica
Lucia Salsa Correa:
A fronteira aberta e imensa, vigiada de forma sempre insuficiente,
oferecia a perspectiva concreta de fuga e a certeza da impunidade. As
autoridades dos núcleos populacionais fronteiriços acusavam a
gravidade do problema, cientes de sua impotência para coibir e punir
desordens e crimes diversos e sem poder garantir as mínimas
condições de ordem e tranqüilidade pública em suas comunidades32.
Outro fator singular da violência da fronteira de Mato Grosso foi a participação
de soldados e oficiais nas questões políticas regionais, e movimentos rebeldes tanto
no lado brasileiro como nas republicas limítrofes.
A fronteira Sul de Mato Grosso por circunstâncias históricas, resultou, num
espaço determinado pela violência, construído no processo de lutas persistentes pela
posse de terras e domínio político regional. Por outro lado, constitui-se num espaço de
trocas culturais, em especial a Paraguaia, que deixou marcas profundas nas
comunidades Sul Mato-Grossenses.
BIBLIOGRAFIA
CORRÊA, Lucia Salsa.Historia e Fronteira: o Sul de Mato Grosso 1870-1920. Campo
Grande:UCDB,1999.
CORRÊA, Virgilio Filho.Fazendas de gado no Pantanal Mato-Grossense. Rio de
Janeiro:Ministério da Agricultura-Serviço de Informação Agrícola,1955.
LISA.Pequeno Dicionário da Língua Portuguesa.Supervisão Alpheu Tersariol. Vol.1.São
Paulo:LISA,1972.
32
Historia e Fronteira, p. 208.
92
PEDRO PEDROSSIAN
Eliza Castagnetti*
RESUMO: Este trabalho apresenta parte da vida e participação de Pedro Pedrossian,
um político que teve intensa participação na vida e construção da historia do lugar
onde vivemos. Como governador de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul realizou
importantes obras e concretizou sonhos. Com uma larga experiência política expõe
idéias e opiniões, principalmente sobre política, suas experiências e conquistas. Acha
que já cumpriu seu papel e missão como governador. Em um entrevista fala de sua
trajetória na política, também da situação e construção de Mato Grosso e Mato Grosso
do Sul.
PALAVRAS-CHAVE: Biografia, Profissão, Carreira, Política, Governador,
Contribuições, Social.
PEDRO PEDROSSIAN PARTICIPANDO DE NOSSA HISTORIA
Pedro Pedrossian nasceu no dia 13 de agosto de 1928 em Miranda, Mato
Grosso do Sul. Filho de João Pedro Pedrossian e Rosa Pedrossian, estudou o
secundário no Liceu Nossa Senhora Auxiliadora e cursou Engenharia Civil na
Universidade Mackenzie. Engenheiro e proprietário rural, nos anos de 1966 a 1971
elege-se governador de Mato Grosso ainda não desmembrado; e senador de 1979 a
1980.Chegou a receber homenagens como Medalha do Pacificador (Ministério do
Exército); e Ordem do Mérito Aeronáutico (Ministério da Aeronáutica).
Em Mato Grosso,1965, um jovem engenheiro do sul do estado ousou encarar
eleitoralmente de frente poderosas forças oligárquicas que se eternizavam no poder,
tradicionalmente. Então assume o cargo de Governador do estado de Mato Grosso em
31 de janeiro de 1966. O engenheiro civil Pedro Pedrossian, em 1967, promove o
planejamento econômico e financeiro do Estado, enfatizando o orçamento,
estabelecendo prioridades e distribuição de recursos em todos os municípios. Com
uma grande identificação com as massas populares e as camadas empresariais.
Nesta linha de ação, é criada a Secretaria de Segurança Pública, no Estado
substituindo a antiga chefatura de Polícia. Na ocasião,1971 ocorreu uma reforma de
base nos setores de justiça e segurança pública. O delegado deixou de ser nomeado
em função dos interesses da política partidária, só podendo ser designado para o
posto quem tivesse diploma de bacharel ou fosse oficial de carreira. Foram criadas as
Delegacias Regionais, com serviços de rádio patrulha nas principais cidades do Estado,
e a Penitenciária Estadual de Cuiabá, resolvendo problemas de ordem social.
93
Suas principais obras, ele próprio considera como símbolos concretos de
compromisso, são as universidades e centros educacionais. Também criou a
PROMOSUL (Promoção Social Mato Grosso do Sul) em 1991, com variados e amplos
projetos beneficiando toda a população. Em 1966 em Cuiabá, instala a UFMT
(Universidade Federal de Mato Grosso).Em Campo Grande instala em 1993 a UEMT
(Universidade Estadual de Mato Grosso), mais tarde federalizada, tornando-se UFMS
(Universidade Federal de Mato Grosso do Sul). Promovendo grande desenvolvimento e
oportunidades a todos os estratos sócio-econômicos.
“Certamente nenhum outro instrumento pode ser mais efetivo, permanente
e prodigioso para fixar as balizas da rota para o futuro que uma Universidade”.(Pedro
Pedrossian,1994).
Também obra do governador, o Palácio Popular da Cultura/Centro de
Convenções, dispondo de um espaço turístico, cultural e empresarial, consagrado ao
desenvolvimento integral humano e econômico, localizado no coração do Parque dos
Poderes (1983) também obra de sua idealização. Pedro Pedrossian percebia uma
grave crise espacial, criando o centro político administrativo do Estado no Parque dos
Poderes, juntamente com a Reserva Ecológica do Parque dos Poderes.
Outra importante obra entre muitas, foi o Parque das Nações Indígenas,
assim como o Parque Ayrton Senna, o Hospital Rosa Pedrossian e importantes
programas de Conjuntos Habitacionais. Não menos importantes obras e projetos
foram os Ambientais, promovendo a preservação, e os projetos econômicos.
O ex-governador de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul acha que já cumpriu
seu papel, que o sonho petista acabou porque o Brasil começa a entender e a gostar
da democracia. Em um dos seus discursos, em setembro de 1969, ao receber o título
de “Cidadão Corumbaense”, Pedro Pedrossian demonstra todo seu patriotismo,
reconhecendo responsabilidades e metas. Onde o novo Mato Grosso e fruto de lutas
e trabalho de todos, sendo uma grande parte do Brasil e com grandes potenciais
futuros. Finaliza com uma mensagem de otimismo e agradecimento a Corumbá,
também enfocado no estadual e nacional.
A história de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul tem um antes e um depois.
Esse divisor de águas dizem, ser os três governos do engenheiro Pedro Pedrossian,
que se elegeu governador do velho Mato Grosso ainda jovem para seu cargo, em
plena efervescência do regime ditatorial e que se tornaria, ao longo do tempo, na mais
importante liderança política do Mato Grosso e, depois, do Mato Grosso do Sul, sua
opção de domicílio eleitoral, com a divisão do Estado, em 1977. De acordo com o
próprio ex-governador, se tivesse optado por Mato Grosso, não seria diferente, pois
basta que se pronuncie este nome em qualquer roda de cafezinho, numa praça ao
94
lado do velho Palácio Alencastro, no centro de Cuiabá, ou numa roda de cerveja com
peixe frito num barzinho da ponte do rio Coxipó, é unanimemente reconhecido por
certas pessoas como líder inconteste de todos os mato-grossenses, com ou sem
divisão.
Governador em três ocasiões e Senador da República, Pedro Pedrossian, aos
71anos, mata saudade dos tempos de poder contemplando grandes painéis com
fotografias das principais obras que edificou, no último andar de um prédio que nem é
dos mais sofisticados, na área nobre de Campo Grande, onde vive com a esposa, dona
Maria Aparecida, sempre rodeado por filhos e netos e, de vez em quando, recebendo
visitas de um restrito número de amigos. Mesmo quando estava no auge do poder,
Pedrossian sempre foi de poucos amigos e avesso a conversas que não fossem lá
muito interessantes. É conhecida a história de um deputado que teve que voltar do
portão da famosa fazenda Petrópolis, em Miranda, onde o governador descansava
num final de semana, pois não admitia ser importunado com conversas sobre política
ou de governo quando estava no aconchego familiar.
Mas é comum encontrarmos biografias com vidas cheias de glamour com
belas histórias e reconhecimentos; onde a outra parte nunca encontramos. É um
problema da população brasileira que fecha os olhos quando deve abrir. Mas há quem
garanta que ele aproveitava muito pouco esses momentos com a família, pois sempre
que retornava desse aconchego trazia um grande projeto debaixo de braço. Mesmo
quando governava, jamais abandonou a prancheta de engenheiro à qual ainda recorre
mesmo nestes tempos de potentes computadores com telas de plasma ou cristal
líquido, como se tivesse ainda algum grande projeto em mente. Pescador de sonhos?
Folclore político. Verdade? Não sei.
Por esses e por outros, em 1994, a Folha de São Paulo publica pesquisa que
avalia o desempenho dos governadores em seus estados. Pedro Pedrossian é o
primeiro no ranking dos governadores brasileiros, com aprovação moral,
administrativa e política no comando do Executivo sul-mato-grossense.
Pedro Pedrossian dizem ser um desbravador, o tocador das grandes obras,
mas não gosta de ser reconhecido desta forma. Ele diz que realizou programas e
implantou projetos. Foi ele quem criou as primeiras Universidades, os linhões de
energia elétrica, os primeiros conjuntos habitacionais, as rodovias que interligaram as
regiões produtoras dos dois estados, os estádios de futebol, mas foi também e, muito
provavelmente, o mais polêmico de todos. Dizia-se um forjador de lideranças, mas
não conseguiu deixar um sucessor na política estadual e reclamava sempre que seus
aliados não entendiam sua política de administrar de divergências.
95
Quando o Estado foi dividido, comprou o terno para tomar posse como
primeiro governador, achando que seria nomeado pelo presidente Geisel. Mendes
Canale, primeiro secretário do Senado à época, barrou essa pretensão. Veio Harry
Amorim. Foi derrubado por Pedrossian, que nomeou Marcelo Miranda, que também foi
derrubado pelo próprio Pedro, que acabou assumindo o governo. O ex-governador
admite a soberba que o levou a perder duas eleições, mas diz que não perdeu, que
apenas não as ganhou, o que é mais grave, segundo ele, admitindo que não soube ler
o sentimento popular. E, pela primeira vez, fala da grande obra que faltou construir
em seus três governos.Não concorda com a premissa de que o motivo da criação do
Estado de Mato Grosso do Sul se embase na “razão da argumentação histórica de que
o Sul sustentava o Norte”. Este não é um bom argumento, e muito menos é histórico.
Considera esse um conceito reducionista e, permite, preconceituoso, também ao se
referir à indolência do mato-grossense.
Acredita, sim que ambos tem vocações e aptidões próprias e diversas. Mato
Grosso do Sul por razões geoestratégicas e mais voltado a adaptação e evolução dos
seus setores secundário e terciário da economia; enquanto Mato Grosso e possuidor
de fortes tendências a sustentabilidade econômica baseadas nas atividades primaria e
secundária. Mas acredita que Mato Grosso do Sul tem maiores possibilidades e está
mais apto de verticalizar a sua produção. Ha de se ler esse momento com uma
aguda visão de futuro. O que vê e a formação de uma classe empresarial atualizada,
informada; antevê um amanha brilhante.
Sempre acreditou que tudo tem o seu tempo. Confessa que não consegue
observar um político que deu certo sem que busque, imediatamente, as lições que
fizeram dele um ator permanente por mais que variem os cenários. Sempre que fez
esse exercício resultou em grandes contribuições ao seu entendimento do que seja,
realmente, a Política. Mas, acima dos interesses de grupos ou de corporações, sempre
colocou os interesses do Estado ou do País. Mais ainda: os interesses da maioria.
BIBLIOGRAFIA
PEDROSSIAN, Pedro. Três governos, dois estados, uma trajetória. Curitiba: Ed.
Serena LTDA,1995.
PEDROSSIAN, Pedro. O Novo Mato Grosso. 1969.
96
RIO PARAGUAI NO MATO GROSSO DO SUL
Elizabet A. D. Khodr
RESUMO: Este trabalho apresenta a história do Rio Paraguai e a sua importância para
o Mato Grosso do Sul. Sendo que na introdução serão apresentadas algumas
informações, um breve histórico e o valo do Rio Paraguai para o Estado. Consta
também a história do envolvimento de Mato Grosso e o uso e controle do Rio Paraguai
na Guerra da Tríplice Aliança. As informações apresentadas neste trabalho baseiam-se
em dois livros que estão citados na referência bibliográfica.
PALAVRAS-CHAVE: Rio Paraguai, Tríplice Aliança.
RIO PARAGUAI
O Rio Paraguai nasce na Chapada dos Parecis, perto da cidade de Diamantina
no Estado de Mato Grosso, numa área de grande importância da hidrografia sul
americana, pois reúne as nascentes do Paraguai e tributários do Amazonas. Seus
primeiros 50 KM. Na direção Sul o nome de Paraguaisinhos. Corta o Pantanal, a
República do Paraguai e deságua no Paraná perto da cidade de Corrientes na
Argentina; banha a cidade de Cáceres, Corumbá, Porto Murtinho, Concepción e
Assunção. Sua extensão de 2621 Km é de indiscutível importância política, militar,
econômica e estratégica.
“A grande profundidade, a corrente e velocidade constantes e o imenso
volume de água” transformam o rio Paraguai numa das mais importantes vias de
penetração, de colonização e desenvolvimento da região oeste do Brasil.
O rio Paraguai e, sem qualquer dúvida, o rio de mais valor para o Mato Grosso
do Sul. Por ser navegável (o rio Paraguai) desempenhou um importante papel na
formação histórica da região, juntamente com os seus afluentes. Por ele chegaram os
habitantes pré-históricos, os ancestrais dos índios, que foram se adaptando ao longo
das suas margens. Cruzaram os espanhóis em busca das minas do Peru, no século
XVI. Por ele também navegaram as Monções (bandeiras fluviais), que no século XVII e
XVIII vieram procurar índios e acabaram encontrando ouro Às margens do rio Coxipó,
fundando a cidade de Cuiabá em 08 de abril de 1719. Foi palco de muitas batalhas de
portugueses, espanhóis e índios pela conquista e posse da terra, às suas margens
foram fundados fortes, povoados, presídios, quando então governava a capitania de
Mato Grosso e Cuiabá o quarto governador, Capitão-General Luiz Albuquerque de
Mello Pereira e Cáceres (1739-1797), consolidando a coroa portuguesa às terras
alcançadas pelos bandeirantes, pelo Tratado de Tordesilhas deveriam pertencer a
97
Espanha. Na guerra do Paraguai (1865-1870) testemunhou e se tingiu de sangue,
servido de cemitério a muitos cadáveres. Por ele recebemos influência da República do
Prata. Influência nos hábitos, na linguagem, na cultura do povo mato-grossense tendo
em vista que, até século XIX, a então imensa Província só se ligava com a corte do Rio
de Janeiro por via fluvial e marítima, desprezando a extenuante viagem por terra que
se fazia a lombo de burro e demorava vários meses.
CONTROLE DO RIO PARAGUAI E O ENVOLVIMENTO DE MATO
GROSSO NA GUERRA DA TRÍPLICE ALIANÇA
O controle de uso das vias navegáveis constituíram sempre uma das
preocupações das nações expansionistas e colonialistas. Para recompor os interesses
dos europeus após o expansionismo napoleônico, ficou estabelecido que era
inteiramente livre a navegação dos rios e que nada poderia impedir neles o comércio.
A posição atendia aos interesses do Capitalismo industrial inglês.
A utilização de vias navegáveis, como era o caso do Paraguai, tornava-se
imprescindível para a expansão dos interesses econômico-políticos. A política
isolacionista e contrária a esses interesses internacionais, praticadas pelo ditador
Francia continuou a ser seguida pelos López. Carlos López, ao assumir o governo
paraguaio, reforçou o poder estatal na economia, inclusive na formação do setor
industrial. Esta política dos governantes guaranis tornou-se um obstáculo a livre
navegação do rio Paraguai. O desenvolvimento singular do Paraguai aos demais países
da América do Sul, se não foi um entrave aos demais interesses de expansão do
capital europeu, representou pelo menos uma ameaça potencial que foi superestimada
por seus vizinhos com os quais discutia questões de fronteiras pendentes desde o
processo de emancipação política. A questão da livre navegação somente seria
solucionada com a posterior delimitação da região de fronteira com o território
paraguaio. Em 1845, Carlos López declarou o país aberto ao comércio e à imigração,
porém com restrições.
Em 1857, pela intervenção do ministro das relações exteriores do governo
brasileiro, e independente da posição do governo paraguaio, estabeleceram-se entre
os países de fronteiras do rio, tratados permitindo a navegação dos rios Paraguai,
Paraná e Uruguai por parte de navios de qualquer nação. A navegação fluvial através
do Prata tornou o rio Paraguai um veículo de penetração de investimentos
estrangeiros que, a despeito de seu pequeno volume em relação às inversões de
capital em outras regiões do país, foi em Mato Grosso um poderoso fator de
transformação. O Brasil iniciaria as hostilidades com o Paraguai, dependendo da
navegabilidade do rio Paraná. Por outro lado recebia também garantias do próprio
98
império brasileiro de franquear a navegação do Paraguai até o Porto de Corumbá aos
navios mercantes de todos os países. A falta de uma ligação em condições favoráveis
entre a sede do império e a região fronteiriça transformava o sistema fluvial do
Paraguai, Paraná e Prata. O fato de o Paraguai estar em pleno desenvolvimento
possibilitava a distante província de Mato Grosso crescer economicamente nos círculos
econômicos paraguaios e até desintegrar-se do império brasileiro.
Em 1857, foi assinado um protocolo reservado entre Paranhos e a
confederação Argentina, estabelecendo vários aspectos: se o Paraguai não chegasse a
um acordo amigável, o império brasileiro estaria disposto a lançar mão de medidas
coercitivas e também recorrer a guerra. Estabeleceu que a confederação Argentina
deveria aliar-se ao império brasileiro se a guerra tivesse por objetivo pôr um fim não
só na questão fluvial, mas também à fronteira. Foi nessa pressão diplomática e
política que Paranhos conseguiu com Solano López (com autorização do pai Carlos
López) a liberação da navegação do rio Paraguai até o porto de Corumbá.
A guerra parecia ser inevitável. Encurralado por todos os lados, López
justificava a invasão paraguaia na província de Mato Grosso no fato da região tomarse uma retaguarda importante ao garantir fornecimento de gado para seus exércitos.
A razão de López em enviar um oficial de seu exército, disfarçado de comprador de
gado e terras, para fazer um levantamento da extensão do rebanho bovino da região
de fronteira, chegando até Corumbá.
Antes de terminar o ano, as forças paraguaias atacaram o forte de Coimbra.
Com a queda do forte os paraguaios continuaram avançando até Corumbá. Navios
paraguaios subiram o rio no encalço de fugitivos de Corumbá, alcançando-os na região
do rio São Lourenço onde se deram combates. As tropas paraguaias não chegaram até
Cuiabá impedidos pelas águas rasas do rio.
Em 1867, forças brasileiras retomaram a praça de Corumbá. Todos os
habitantes da vila há meses estavam enfrentando um inimigo mais poderoso: uma
epidemia de varíola. Devido à epidemia, os soldados e sobreviventes retomaram a
Cuiabá, levando a doença.
No mesmo ano, os paraguaios retomaram a Corumbá permanecendo até o
ano seguinte, quando retiraram para o Paraguai.
Retomando a questão das causas e efeitos da guerra do Paraguai constata-se
o choque de interesses do imperialismo liberal. As transformações econômicas que se
processaram em todo cone sul-americano, após o conflito com os paraguaios,
tomaram inequívoca a atuação inglesa nos bastidores político-diplomáticos da guerra.
A guerra com o Paraguai, até então explicada como interesses imediatos, de
conflitos de fronteiras, da luta pelo controle e internacionalização das águas do rio
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paraguai, foi também uma conseqüência do jogo de interesses da burguesia portenha
e da burguesia mercantil brasileira. O contexto econômico e político ao nível
internacional caracterizaram esse período da guerra como a etapa do predomínio do
liberalismo.
A região do Prata era então palco de uma disputa hegemônica entre
interesses nacionalistas dos governantes argentino e brasileiro.
No tocante a Mato Grosso, a invasão paraguaia foi um divisor de águas no
processo de ocupação da fronteira oeste. A guerra com o Paraguai imprimiu marcas no
desenvolvimento mato-grossense. As conseqüências da guerra acabaram por
promover mudanças significativas em seu processo histórico, sobretudo no setor
econômico, que passou a receber uma influência da região do Prata.
A internacionalização das águas do rio Paraguai até Corumbá tomou este
porto o mais importante entreposto comercial de Mato Grosso. Foi através deste porto
que se estabeleceram contatos mais assíduos e uma influência de grande significado
econômico de praças comerciais e financeiras estrangeiras sobre a região de Mato
Grosso.
A guerra abriu a porta necessária aos investimentos de capital na região de
Mato Grosso, tanto na produção agropecuária, como no comércio importadorexportador.
A navegação fluvial uma vez aberto o rio Paraguai às embarcações,
possibilitou a exploração mais acentuada dos recursos da região sob formas diversas:
Compras de grandes glebas de terra por grupos estrangeiros, aberturas de casas
comerciais filiais em Corumbá, surgiram as primeiras casas bancárias em Mato
Grosso.
O núcleo de Corumbá tomou-se porto obrigatório de embarque e
desembarque de mercadorias e passageiros nacionais e estrangeiros. Com a
internacionalização das águas do Paraguai até o porto corumbaense, concentrou um
considerável número de estabelecimentos comerciais estrangeiros e de comerciantes
locais ligados ao comércio platino, dando uma força econômica e política à cidade
capaz de sustentar movimentos contra a centralização política e administrativa de
Cuiabá.
O período que se inaugurou em Mato Grosso após a guerra foi marcado por
transformações de ordem econômica, com a participação de capitais estrangeiros,
como também a formação de novos grupos sociais.
Na região de fronteira sul, por exemplo através de concessão, Thomaz
Laranjeira deu início à exploração de áreas de ervais nativos, entre a região de
100
Dourados e Ponta Porã. Antes apenas alguns criadores de gado haviam ocupado o
planalto de Maracajú.
No plano político, o período teve o poder de renovar as lideranças provinciais
com o aparecimento de novos grupos de pressão que passarão a atuar no cenário
republicano. Estabeleceu uma fronteira móvel, sem uma clara definição, permeada de
brasileiros de várias partes do país e de estrangeiros, em especial os paraguaios, para
brigarem pela posse de terra. Nessa luta surgiram coronéis fazendeiros e seus peões,
pequenos agricultores, lavradores e comerciantes, bandidos e ervateiros.
Estes coronéis da frente de ocupação do espaço mato-grossense lutaram
durante a Primeira República entre si, pela posse de terra, e contra os grupos
oligárquicos do norte, pelo controle político do estado.
BIBLIOGRAFIA
CORREA, Lúcia Salsa. Fronteira oeste. Campo Grande: UFMS, 2002.
CAMPESTRINI, Hildebrando e GUIMARÃES, Acyr Vaz. História de Mato Grosso do
Sul. Campo Grande: Tribunal de Justiça de Mato Grosso do sul, 1991.
101
RONDON E OS ÍNDIOS DO CENTRO-OESTE
BRASILEIRO
Devane M.S. Gonçalves.
RESUMO: Este trabalho retrata a trajetória do grande sertanista, Marechal Rondon, o
desbravador do interior do país. Teve contato direto com diversos povos índigenas
(algumas hostis, outras “pacificadas” ou escravisadas por fazendeiros) quando
construía as linhas telegráficas que ligaram Goiás a Mato Grosso. Obteve a
demarcação de terras de várias etnias. Recebeu do Congresso Nacional, através de lei
especial, o posto de marechal do Exército sendo nacionalnente conhecido como
defensor das causas indígenas.
PALAVRAS-CHAVE: Rondon; Exército; Índios.
VIDA E OBRA DO MARECHAL RONDON NO INTERIOR DO BRASIL
Marechal Candido Mariano da Silva Rondon o desbravador
do sertão brasileiro, também conhecido como O Pacificador, entre
outras homenagens a ele prestadas. Homem simples, de natureza
humilde, viveu sua vida em beneficio da Pátria e dos índios da qual aprendeu a respeitar da maneira mais intima e sincera que
se possa imaginar, a ponto de dar a sua própria vida em sua
defesa. Seu lema era “Morrer se for preciso, matar jamais”.
Candido mariano da Silva nasceu em Mimoso no Mato
Grosso em 05 de maio de 1965, em meio à guerra entre Brasil e Paraguai. Herdou o
nome do pai, que não conhecerá devido a sua morte, mas que deixou o seu destino
traçado nas mãos do tio Manuel Rodrigues da Silva Rondon E sua mãe Claudina de
Freitas Evangelista que também morrerá após dois anos e meio de seu nascimento.
Candido era o único filho do casal de descendentes de bandeirantes com
aborígines, tendo seu pai origem luso portuguesa, espanhola e guaná e sua mãe
sangue bororo por parte da avó, e terena por parte da mãe, portugueses por parte do
avô e do pai.
Candido cresceu na fazenda do avô Materno onde teve seu primeiro contato
com a escola.
Ainda menino, foi levado pelo tio Manuel para Cuiabá para o cumprimento da
promessa que fizera a seu irmão no seu leito de morte. Em 1873 para não perder o
ano foi estudar no Mestre Cruz, escola particular. No ano seguinte matriculou na
102
escola João Batista de Albuquerque, da escola de Mestre João Candido passou para a
escola do professor Francisco Ribeiro da costa onde terminou seu curso primário em
1878.
Em 1879 passou a estudar na escola normal que logo depois passou a
chamar-se Liceu Cuiabano. Aos dezesseis anos terminava o curso normal, sendo
nomeado professor primário.
Com o sonho de estudar no Rio de janeiro decidiu que como soldado o faria, e
assim poderia estudar na escola militar, poucos dias antes de terminar o curso no
Liceu Candido já era praça do 3.º Regimento de Artilharia a Cavalo.
Iniciou a sua carreira a 26 de novembro de 1881, no quartel do antigo
acampamento Couto Magalhães em Cuiabá. Seu destino era a Escola Militar da Praia
Vermelha, aonde chegou em 31 de dezembro do mesmo ano. Sobre a tutela do 2.º
Regimento de Artilharia a Cavalo, incluído na 4.º Bateria do Regimento, sob o
comando do então capitão Hermes da Fonseca.
Como tinha boa letra foi designado amanuense da secretaria do Regimento, e,
logo depois, amanuense do Quartel-Mestre-General.
Não pode matricular-se em 1882 porque os exames do Liceu Cuiabano não
eram validos no Rio. Escreveu-se no Dom Pedro II, para enxames na Instrução Publica
sendo examinado em Português e Geografia. Devido a uma campanha que assentaria
200 aprovado nos exames de admissão para 1883, e para não iniciar seu curso
superior apenas em 86, resolveu cortar caminho, cursou o 1.º ano e requereu exames
vagos para o 2.º e o 3.º anos, tentou e venceu, ficou famoso pela façanha.
Em 1884 iniciava o curso superior, seu rendimento escolar era muito bom,
sua meta se definia em alcançar o posto de alfares-aluno. Essa promoção foi
concebida em 4 de julho de 1888, neste mesmo ano o governo criou a Escola Superior
de Guerra, nesse novo órgão Candido concluiu seus estudos de matemática superior.
Cinqüenta e cinco dias após a proclamação da republica, recebendo o titulo de
Engenheiro militar e o diploma de Bacharel em Matemática e Ciências Físicas e
Naturais, Candido era desligado da Escola Superior de Guerra.
Em janeiro de 1890. Foi promovido ao posto de temente para o Corpo de
Estado Maior de 1.ºclasse, neste mesmo ano, pela portaria de 28, do Ministério da
Guerra, foi autorizado a acrescentar ao seu nome o sobrenome de Rondon e passou a
chamar-se Candido Mariano da Silva Rondon. Nome que ficou consagrado história.
Seu regresso a Cuiabá aconteceu em março de 1890, foi rever a terra natal e
visitar parentes e amigos.
Pouco tempo depois o major Antonio Ernesto Gomes Carneiro recebia um
telegrama do Quartel-General. Rondon tinha sido indicado pelo General Benjamim
103
Constant, para lente substituto da 1.º seção da Escola Militar, cargo vitalício. Gomes
Carneiro não aceitou o ajudante com cargo vitalício e telegrafou para Q-G explicando o
motivo.
A resposta veio do general Floriano Peixoto que não tardou em dá-la.
“De acordo consultei o ministro da guerra” major Gomes Carneiro, que
Rondon o traria como abaixo de Benjamim Constant, era um grande conhecedor dos
problemas indígenas e defensor de suas causas, donos das terras que as linhas
precisavam atravessar.
Gomes Carneiro foi influência decisiva para que Rondon abraçasse a missão
que o tornaria famoso.
Proibiu que se atirasse nos índios ainda que fosse para assustá-lo “quem dora
em diante tentar matar ou afugentar os índios de suas legitimas terras, terá de
responder, por este ato, perante a chefia desta comissão”.
Na sua primeira experiência colaborou com a implantação de 583 quilômetros
de linha telegráfica sobre a estrada anhanguera, a primeira estação que Rondon viu
inaugurar, a do Capim Branco.
Os índios bororos habitavam 400 quilômetros dessa estrada, os do baixo São
Lourenço ou Bororo Ocidentais já estavam pacificados os do leste ou bororo orientais
ainda não pacificados.
De Capim Branco com muares escolhido iniciaram os trabalhos de
reconhecimento no sertão leste de Mato grosso para o traçado definitivo das linhas
que viam de minas, foi nesta viagem que chefe e ajudante se ligaram pro resto da
vida, o Major foi um verdadeiro professor para Rondon, sempre tendo referencias das
paradas de pouso, todavia, sempre perto de riachos e bom pasto. Seu destino era
alcançar o Registro do Araguaia. E dali para sangradouro. Passando por terras
indígenas.
Rondon fez os trabalhos de levantamento topográficos de linha construída e
determinou as coordenadas geográficas dos pontos mais importantes ate ali, onde ate
então não havia entrado em contato com nenhum grupo indígena daquela região.
Após esse trabalho Rondon fora chamado a Capital Federal onde assumiu o
cargo de professor e se casou com Francisca Xavier, filha de seu ex-professor, com
quem teve sete filhos.
Entre ser professor e sertanista, Rondon fez a opção, o serrado e a selva, do
posto de major, foi rebaixado a seu posto real de capitão de engenheiro e nomeado
chefe do 16.º Distrito Telegráfico, subordinado ao Ministério da aviação e inspetor
geral do Destacamentos do Sertão cargo ligado ao ministério da guerra.
104
De volta a Cuiabá no Mato Grosso Rondon recebe a missão de levar 1.746
quilômetros de linhas telegráficas fazendo ligações com a fronteira, alcançaria
Corumbá, Porto Murtinho, Bela Vista e Cáceres, divisa com a Bolívia e Paraguai. A
linha vinha de Cuiabá passando por Coxim, Nioque, Miranda e o Forte Coimbra. Estes
eram os únicos aglomerados urbanos do rumo sudeste naquela época. No oeste
Poconé e Livramento. Integrando toda essa região ao resto do país.
Nessa época Rondon estabeleceu contato com os índios Bororo. Se
encontrando no rio São Lourenço, partiu para visitar a aldeia Kajare (buraco do
morcego) o chamejera (cacique, chefe) pediu a Rondon que ficasse dois dias na
aldeia, porque os índios queriam homenageá-lo. Os índios organizaram então um
bacoro.
Dois dias depois Rondon partiu se despedindo em língua bororo, e
agradecendo a homenagem prestada.
Em 1901 Rondon teve uma visita inesperada, o chemejera Oraine Ecureu e o
pajé Baru acompanhados de suas gentes e logo seguiram para Itiquira.
As doenças, as inevitáveis deserções reduziram em pouco tempo a sua tropa
de oitenta homens para trinta homens. Rondon estava quase sem homens para o
trabalho, quando na inauguração de uma das estações chegou a gente de Baru,
depois um emissário de Oriane Ecureu, pedindo remédio para
um índio que se ferira numa luta contra uma onça negra.
O remédio seguiu, e poucos dias depois, o chemejera
chegava trazendo 150 homens. Rondon lhe pediu ajuda e
ofereceu-lhes trabalho, os índios aceitaram, sobre a condição
de que fossem comandados por pagmejera (titulo dado a
Rondon).
Os soldados eram intimados a respeitar os
aldeamentos dos índios, ficavam separados do acampamento,
os
índios havia trazido suas famílias consigo.
Quando chegaram perto de Itaquira, um incidente matou muitos índios. Havia
sarampo na cidade, a epidemia se alastrou na tribo vitimando principalmente os
homens. Esses se atiravam na água para diminuir a febre, o que era fatal, ate que
Rondon conseguir convencê-los a seguir os conselhos médicos.
Sendo inaugurada e estação Itaquira Rondon seguiu para Coxim, era o mês
de maio e o pantanal começava a secar, épocas em que o trabalho iria entrar em
terras de outras nações indígenas. Os bororos se despediram de Rondon a margem do
rio Taquari, pois, dali para frente era terra de caiamo, denominados por eles assim os
105
terena, guaiacuru e uachiri. Levaram consigo os presentes que ganhara, seus
pertence, e os baquites, contendo restos mortais dos que faleceram na epidemia.
De Coxim a Corumbá, o terreno era pantanoso. Rondon fez inúmeras viagens
de reconhecimento percorrendo rios da região, levava sempre seus cães que ele o
denominava onceiros (caçadores e onça).
Ao inaugurar a estação de Coxim, viajou para Mimoso e depois para o Rio de
Janeiro junto com o chefe bororo Adriano (Coguricaxoreu - Galina preta) para
tratamento medico, retornando em 17 de janeiro de 1903 para Cuiabá, com sua
família.
De volta a Coxim a linha seguiu então para Aquidauana, o terreno era de
difícil acesso entre as baixas o tenente Horta Barbosa que fora devorado pelas
piranhas.
O trecho de Aquidauana a Corumbá era mais difícil ainda, os serviços foram
iniciados com o pantanal na sua época de cheia. No dia 1.º de janeiro de 1904 o então
Major de engenharia Rondon inaugura a linha telegráfica Cuiabá-Corumbá
Rondon tinha como companheiros dois índios bororo Cogurica-choreu e tóri,
que o seguiam por toda parte como se fosse sua sombra, antes mesmo da solenidade
acabar pegaram os cavalos e foram para Aquidauana, pois era preciso levar a linha
telegráfica ate a fronteira do Paraguai e Bolívia.
Iniciaram os levantamentos percorrendo os trajetos Aquidauana, Miranda e
Porto Murtinho, Margarida, Nioque e Aquidauana. Depois partiu para explorar o rio
negro, nesta viagem encontrou um grupo de índios uachiri, com quem manteve
contato, um desses índios o ajudou muito na exploração de um brejo no rio Corrente,
onde o rio sumia estava ele procurando passagem para as linhas, bom caçador
observou a abundancia de caça na região, principalmente de onças. De volta ao Rio
Negro achou o caninho que precisava.
Portos Murtinho e Margarida não demoraram a ficar ligados. Seguindo a linha
de fronteira, passou pela aldeia terena do Ipegue onde comandava o capitão Jose
Caetano Tavares, índio terena apesar do nome aportuguesado, como havia muitas
fraudes nos limites das terras indígenas, Rondon tratou de demarcá-las. Depois desse
trabalho regressou a Cuiabá, e foi á aldeia Kejare visitar Ocureu e levar alguns
presentes que havia caçado: couro de onças, entre outros.
No período de 1.900 a 1.906. Rondon foi responsável pela construção de
1.746 quilômetros de linha telegráficas e 17 estações de comunicação. Nessa época
salvou Ipegue e cachoeirinhas, os únicos pedaços de terras dos terena e
quiniquinauas, que em outrora, tiveram extensos territórios. Ele ainda conseguiu do
governo o reconhecimento dessas terras e dos direitos dos índios. Conseguiu ainda
106
salvar os remanescentes da tribo dos ofaiés pertencentes a cabeceira do rio Taboco e
Negro que estavam sendo caçados e exterminados por se alimentarem das reses
pertencentes um coronel-fazendeiro.
Nestes anos Rondon colocou sob sua proteção as tribos Bororo, Terena, Ofaié
e Kadiwéu. E procurou ajuda-los de todas as formas possíveis.
Rondon terminará seu serviço no sul de Mato Grosso integrando através das
estações telegráficas esta parte do país, agora seu trabalho seria integrar o norte do
país.
Em 1907 Rondon parte de Diamantino para descobrir o rio Juruema. Com as
linhas traçadas ao norte e Mato Grosso com destino a mata amazônica, Rondon
organiza essa expedição e parte com destino a serra dos Parecis, chegando a um local
denominado Cágados no dia 07 de setembro. Um índio pareci ajudou a estear a
bandeira brasileira, seria esse o começo de uma longa amizade. Na aldeia Queimada
um grupo de índios já esperava com ansiedade por Rondon, chefiados por Toloiri que
já tinha ouvido falar de Rondon.
Saindo da aldeia Queimada, tomaram a excursão a pé, apos vários dias de
caminhadas começaram a aparecer os primeiros sinais dos nhambiquaras, índios
considerados não civilizados pelos exploradores. Certa manhã Rondon viu um índio
próximo do acampamento às margens do rio Sauê-uiná.
Ao saíram dali em direção ao rio Juruema, e quando a alcançaram
comemoraram com tiros para o auto, descalçaram dois dias na sua margem e então,
bateram então em retirada. Rondon preparava para visitar uma aldeia quando, no
meio da mata, ocorreu um ataque dos nhambiquaras, Rondon só escapou porque uma
das flechas arremessada contra ele parou no couro de sua bandoleira. Seus homens
se vingar do audacioso ataque, Rondon então os impediu e os lembrou de que ele só
estava defendendo suas terras dos invasores. Voltando no local do ataque deixou
presentes e partiu.
Sua tropa vinha doente, cansados com receio de um ataque dos
nhambiquaras que os perseguia dia e noite. Alcançaram o rio Sauê-uiná limites dos
domínios dos nhambiquara com os parecis. Rondon não perdeu um homem se quer
nesta arriscada exploração.
De volta a terra dos nhambiquaras dois índios parecis iria acompanhar
Rondon, Zoôlô conhecedor da língua nhambiquara e seu irmão Toloiri já conhecido de
Rondon, esse a morte não deixou ir nesta expedição.
Explorando campos e matas, Rondon encontrou um grupo de índios
nhambiquaras viajando com seus objetos, mulheres e crianças. Os cachorros os
atacaram e eles fugiram, uma criança ficou para traz, Rondon cuidou dela, deu-lhe
107
presentes e deixou no lugar do acontecimento. Horas depois, voltou lá, a criança havia
sumido e os presentes deixados no local, uma prova de resistência para Rondon.
Em 1910 Rondon foi para o Rio de Janeiro, nessa época foi convidado a
organizar o Serviço de Proteção aos Índios e Trabalhadores Nacionais. Antes de seguir
para o norte o então tenente-coronel Rondon esteve no interior de São Paulo para p
trabalho de pacificação dos índios Caingangues, o que conseguiu em seis meses.
Em julho de 1911 estava em Mato Grosso, pronto para explorar o sertão,
coordenando as atividades da comissão. Dedicava a maior parte do tempo com os
índios, visitou varias nações e verificava os seus problemas, evitou sempre que os
tratassem com dureza. Ao inspecionar o a linha da seção norte de Santo Antonio do
Madeira ate o Jamari descendo o Jiparana sempre visitando as aldeias, sua fama já se
estendia por todos os lados, os índios já sabiam que podia contar com aquele que
agora era Coronel.
Na expedição Roosevelt-Rondon,
estiveram acampados na aldeia Queimada
dos parecis. Seu objetivo era chegar ao
Rio das Duvidas. Tiveram vários contatos
com os nhambiquaras, todos amistosos.
Porem dias depois em uma exploração
acompanhada por lobo, seu cão preferido,
entrou na mata atrás de uma caça e foi
morto a flechadas por índios, Rondon ficou triste e ainda assim deixou presentes ao
lado do cão morto, para mostrar que eram amigos.
Rondon fez o levantamento geográfico de diversas regiões de Mato grosso,
organizou o Serviço de Proteção aos Índios, serviu também vários museus nacionais e
do mundo, foi elogiado por inúmeras celebridades e Chefes de Estados.
Em 1939 Rondon e nomeado presidente do Conselho Nacional de Proteção ao
Índio, podendo novamente dedicar-se a sua obra que começou com a presidência do
Serviço de Proteção aos Índio, fundado em 1.910.
No dia 5 de maio de 1.955, dia do seu aniversário, foi homenageado no
congresso nacional com as platinas de Marechal do Exercito, graduação máxima do
exercito brasileiro.
Faleceu em 19 de fevereiro de 1958, o país entrou em luto oficial por três
dias. No seu velório autoridades, índios, admiradores entre outros davam adeus ao
bravo herói, sendo sepultado no cemitério São João Batista no Rio de Janeiro.
Foi no sertão do Brasil que passou maior parte da sua vida desbravando,
explorando e fazendo contato com etnias por onde passava, entre suas conquistas
108
estão: a criação da S.P.I. (Serviço de Proteção ao Índio); Parque Indígena do Xingu;
foi colaborador do Museu Nacional coletando peças para varias coleções, junto de
outros trabalhos de relevância para a unidade nacional.
Em todo centro-oeste não havia nenhuma etnia indígena que não o
conhecesse.
BIBLIOGRAFIAS.
MARTINS. Demósthenes. Marechal Rondon. Conferencia proferida na Academia Matogrossense de Letras (Cuiabá-MT). ed. Arte e diagramação; Art&Traço. Em 05 de maio
de 1963.
FREITAS. Sebastião Costa Teixeira. A vida dos grandes brasileiros. Marechal Rondon,
ed. três São Paulo, SP. Brasil 1974.
RONDON, o último dos bandeirantes. Produção: Leão Film. Direção: Joel W Leão.
2000.
109
SILVINO JACQUES O ÚLTIMO DOS
BANDOLEIROS
Karolyni Moti
Lucimara Corrêa
Rosangela Braga33
RESUMO: Esse trabalho foi elaborado de acordo com as exigências da disciplina
História do Mato Grosso do Sul, ministrada pelo Profº Neimar Machado no 5º semestre
do curso de História da Universidade Católica Dom Bosco. Tem por objetivo analisar a
vida de Silvino Jacque contada no livro Silvino Jacques o ultimo dos Bandoleiros, de
Brigino Inhames. Apontando assim seu papel na história de Mato Grosso e Mato
Grosso do Sul.
PALAVRAS-CHAVE: Silvino Jacques, Mato Grosso do Sul, Bandoleiro
SILVINO JACQUES O ÚLTIMO DOS BANDOLEIROS
Silvino Elmiro Jacques, seu nome verdadeiro, nasceu em 17 de fevereiro de
1906, no distrito de Camapuã, município de São Borja Rio Grande do Sul, seu pai era
Leão Pedro Jacques, e sua mãe Santa Ana Jacques, afilhado de Getúlio Vargas. Era
uma pessoa de personalidade forte, e que ficou bastante conhecido, seu nome sempre
vinha acompanhado de medo e confusão.
Silvino moldou sua personalidade ao exemplo do padrinho, de homem
afável que não desperdiçava palavras e que tinha uma maneira
profundamente realista para enfrentar situações de grande perigo [...]
moço alto, pele suavemente amorenada, [...] olhos gaúcho e rasgados,
exibindo no sorriso dois dentes de ouro, prosa simpática, ele atraia a
atenção das pessoas. (IBAHES, 1997, p.19)
Passou sua infância na cidade natal lá estudou até os 15 anos, chegando à
idade, serviu a Brigada Milita, chegou até terceiro sargento, quando saio da brigada,
foi trabalhar como fiscal de linha entre Santo Ângelo e Santa Rosa.
Silvino andava de um lado para outro atrás de trabalho foi numa dessas
andanças que em uma noite começou, a sua vida de fugitivo.
[...] chegando em são Ângela de passagem, resolveu divertir-se no
Cabaré da Bolinha [...] lá pelas tantas, [...] achando-se um tanto
desapercebido das atenções femininas, resolveu fazer, notaram sua
presença perguntando ‘essa casa tem goteira !?’ – alguém respondeu,
‘não’. Ele ‘então agora tem!’[...] a patrulha da polícia municipal que
estava por ali e mais alguns civis que se ofenderam, resolveram
33
Acadêmicas do 5º semestre do curso de história da Universidade Católica Dom Bosco
110
assediá-lo à bala [...] tendo Silvino matado três e arrancado o bigode
do Deoclécio. (IBAHES, 1997, p.24).
Depois desse acontecimento a vida de Silvino Jacques não seria mais a
mesma naquela noite ele saiu fugido de Santa Ângela passando por vários municípios,
sempre perseguido pela polícia, chegando então a fronteira com a Argentina, lá
também não permaneceu por muito tempo, pois as autoridades argentinas
negociaram sua captura com seus perseguidores, Silvino segue então para São Borja,
chegando ficou por algum tempo, tendo que sair novamente fugitivo, pois o delegado
já estava alertado de sua situação. Silvino resolve então partir para Mato Grosso.
Silvino como tantos outros gaúchos envolvidos em mortes e malvistos
no seu Estado, resolvera emigrar para o distante Mato Grosso, que na
época era a terra prometida onde a justiça se cumpria pela lei do
quarenta-e-quatro. (IBAHES, 1997, p.29).
Em Mato Grosso Silvino marcaria sua historia como herói e assassino.
Chegando em Bela Vista, Silvino adota um nome falso Sr. Valdemar Pereira, por lá
ficou por um longo tempo, onde ganho a confiança das pessoas do lugar, com seu
jeito boêmio e alegre(IBAHES, 1997) mais um Certo dia e descoberto por um visitante
gaúcho que estava de passagem, sendo obrigado a fugir novamente, seu destino
agora seria uma pequena vila chamada Porteira, lá permaneceu e fixou moradia ainda
como seu Valdemar, trabalhando nas fazenda
Quando chegou a revolução de 1932, Silvino se juntaria as tropas
constitucionalista, lutando do lado de se padrinho, onde ficaria bastante conhecido,
pois seu bando lutou em nome do Estado de Mato Grosso contra os Paulistas.
Esse grupo de aproximadamente 150 homens teria destaque de suma
importância no bom êxito na campanha a favor de Getúlio Vargas,
graças à temperança e coragem de seu afilhado, que na época tinha 26
anos, e ganharia o titulo representativo de capitão, Comandante do 2º
esquadrão. (IBAHES, 1997, p.64)
Terminada a revolução de 32, Silvino traz sua mulher para morar com ele na
fazenda Paraíso. Mais não demoraria para se meter em confusão novamente. Quando
a Revolução de 1935, começo Silvino vil um importante chance de um poder político
legal na região. Mas infelizmente a revolta fracassou e Silvino levou grandes prejuízos,
pois fornecia alimento às tropas revolucionárias. Para recuperar-se começo a fazer
pequenos serviços, matando um ou outro, não demorando muito para ele passar de
herói a bandido, nessa época em vivia em bonito e foi por lar que, começaria a disputa
que marcaria para sempre a história da região.
Silvino e seu bando, encabeçado por Adão Jacques e Antonio Nio Paim,
se empenhava em ferrenha perseguição aos Dos Santos. Estes
possuíam varias fazendas, entre elas a São Manoel a Descavado, as
Brite-Kuê, a Loma Porá, Morro Bonito, e outras. A quadrilha atacava os
peões, e quando não os matavam castravam-os para humilhar seus
111
inimigos. Roubavam o gado e nada lhes acontecia. O exercito parecia
impotente para persegui-los, tal a mobilidade exibida pelos bandidos.
(IBANHES, 1997, p164).
A desculpa do bandoleiro quanto a suas jornadas de assaltos, perseguição e
assassinatos no Brasil eram de que, ele estava protegendo a entrada de Paraguaios na
região, e que eles estariam protegendo as fronteiras.
Muitos delegados o apoiavam como por exemplo, o Delegado Otávio Sanchez,
e o Felisberto. A região dos Três Morros perto de Bonito era de Trânsito livre para
Silvino e seu bando ali o que eles fizessem estava feita e ninguém os incomodaria, o
seu bando era formado por: Adão Jacques seu primo e melhor amigo, Antônio Paim,
Codô e o Guedes ambos irmão de Raída ultima mulher do Silvinio, Tertuliano, Ramão,
Maneco e o Nico, outros não ficavam por muito tempo.
No ano de 1938 as patrulhas dos quartéis saíam principalmente da cidade do
sul de Mato Grosso (Campo Grande), num certo dia um Tenente do exército lhe
entregou um pacote lacrado e dentro havia uma arma automática enviado pelo próprio
Getulio Vargas, o sanguinário ditador do Brasil desta época.
Neste momento os dos Santos com seu bando já conduzira homens para
capturar o silvinio, mas todos suas tentativas não tiveram resultados, mas estes
perseguidores dos bandoleiros nunca desistiria, afinal Silvinio era um excelente
atirador e muito habilidoso, e não seria fácil capturá-lo.
Esse grupo dos santos não era legalizado pelo governo, não tinham permissão
legal para formar um grupo armado para recrutar gente para perseguição, eles agiam
por conta própria, pondo-se em risco, podendo até serem presos .
O prefeito de bela vista e demais autoridades civis fizeram um abaixo
assinado e enviaram ao governador do Estado de Cuiabá pedindo que Orcírio do
Santos viesse a Ter Carta Banca para chefiar a captura do bandoleiro. Como resposta
veio não só a liberação como também, eliminá-lo. Sendo assim com armas de guerra
patrulhavam todas as fazendas á procura dos bandidos, mas quem acabou
encontrando foi Rodrigues Peixoto perto de Guia Lopes da Laguna.
Em 15 de Maio 1939 em Miranda, Silvino desistiu da briga, pois não tinha
nenhuma chance de superar o inimigo, alem do mais, seus companheiros estavam
feridos e cansados.
Em meio à batalha, nenhum dos bandos desistia, Silvino sentiu uma forte
pancada acima do rim, com o golpe da bala do fuzil escorregou e bateu o rosto no
mourão dois dos seus cangaços arrastaram-no para perto da cerca a fim de protegê-lo
de outro tiro, mais nada adiantou seu fim tinha chegado, ela dentro da mata morreu.
Como o torvelinho que passa a galope e voa para longe, o seu espírito
arrancou-se daquele corpo e galopou nas patas de um povoeiro
resplandecente para junto do seu criador, que é esse o destino de todo
112
ser vivente. Falecia assim aos 33 anos de idade, o cidadão Silvinio
Ermínio Jacques, e nascia o mito grandioso, invencível e assustador do
capitão Silvinio Jacques, um gaúcho predestinado a sofrer a
perseguição dos homens, gerada pela sua própria violência, um inimigo
implacável e esperto que pensara um dia vencer a sua guerra [...] O
silvinio quase sempre dormia na mata, e agora repousava na rede o
seu sono eterno. IBANHES, 1997,p.259-260.
Assim termina a história de Silvino Jacques, para uns heróis para outro
assassino de sangue frio. Que deixou sua história registrada, mesmo que na maioria
das vezes marcada com sangue, foi de fundamental importância, em uma época que a
lei era feita pelos mais fortes, e a base do quarenta-e-quatro.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICA
INHAMES, Brígido. Silvino Jacques o último dos Bandoleiros: o no mito gaúcho
sul-mato-grossense. 3° ed. Campo Grande: Universidade Federal de Mato Grosso do
sul. 1997
113
UM POUCO DA VIDA DE VESPASIANO BARBOSA
MARTINS
Joseane da Silva Lima34
RESUMO: Vespasiano Barbosa Martins, foi um grande lutador, que sempre defendeu
seus ideais juntamente com o povo sul-matogrossense. Como político planejou é um
país em prática tudo aquilo que a classe de elite almejava.
PALAVRAS-CHAVE: Médico; Político
O MÉDICO E POLÍTICO VESPASIANO BARBOSA MARTINS
No dia 3 de agosto último, a Academia sul-mato-grossense de Letras
promoveu uma sessão solene em homenagem a Vespasiano Barbosa Martins, primeiro
governador do sonhado Estado de Maracaju, instalado em 11 de julho de 1932, que
teve efêmera existência, pois não durou mais que 82 dias.
Vespasiano, o governador emposado, conclama todos os mato-grossenses a
lutar “pela unidade da nossa pátria. Pela unidade do Brasil, pela guarda do nosso
patrimônio moral. Pela segurança dos destinos da nossa nacionalidade”.
Governou oito e dois dias. Vencidos os divisionistas, sobrou-lhes a trilha do
exílio.
Não, morreu, todavia o idealista; não fineceu, contudo, o ideal; retraíram-se
os indomáveis sonhadores, para adensar as forças e retornar com mais vigor à luta. E
venceram.
No dia 11 de outubro de 1977, o Presidente Ernesto Geisel, gaúcho,
admirador desta região, ocultando-lhes os recônditos onseiros e reconhecendo-lhe a
missão histórica – mais do que os próprios mato-grossenses – Cria o Estado de Mato
Grosso do Sul.
Vespasiano Barbosa Martins, historicamente considerado o principal líder do
Sul de Mato Grosso.
Vespasiano, ao que consta, foi o primeiro mato-grossense do sul a obter
diploma universitário.
Vespasiano Barbosa Martins nasceu na fazenda Campeiro, Município do Rio
Brilhante, em 4 de agosto de 1889, de onde saiu, na culatra de uma boiada, em
direção a Uberaba para se matricular com Colégio Diocesano Marista, em fevereiro de
1903. No final do ano seguinte, Vespasiano volta para Mato Grosso e, em 1905 viaja
para Cuiabá, para cursar o colégio, onde termina o ginásio em 1909.
34
Graduanda do Curso de História, 5º semestre, na Universidade Católica Dom Bosco – UCDB.
114
Segue para o Rio de Janeiro e, em 1910 entra na Faculdade Nacional de
Medicina, da Praia Vermelha, onde se forma em medicina em 1915 tendo sido aluno
brilhante.
Como médico, começa sua vida profissional na cidade de São Luiz de Cáceres;
depois vem para Campo Grande, onde monta seu consultório e reinicia sua clínica.
Em 1917 casa-se, em São Paulo, com Alina Baís, filha de Bernardo Baís,
primeiro prefeito eleito de Campo Grande e primeiro Juiz de Paz. Cerimônia discreta,
bem ao gosto do Drº Vespasiano; casados ficam morando com os pais na Av. Afonso
Pena enquanto passa a construir sua residência na rua 15 de Novembro, um dos
palacetes mais bonitos de Campo Grande.
Na Clínica Geral, o Drº Vespasiano sente-se seguro, como fora o seu mestre
Miguel Couto; mas realizar uma cirurgia era um desafio que exigia superação;diante
dessa realidade, começa a estudar, disseca as ilustrações anatômicas e diante de um
paciente com hérnia estrangulada, o Dr. Vespasiano tem seu primeiro teste. Improvisa
“A sala de cirurgia” no seu consultório; o anestesista, o dono da farmácia; e o auxiliar,
outro clínico recém-chegado , o Drº César Galvão. Ou operário ou deixaria o paciente
sucumbir ao abdômen agudo que se instalava. Ao terminar o ato cirúrgico, com
ediceção do improvisado anestesista, que dormia o paciente estava salvo e nova vida
começava para um cirurgião autodidata. No dizer do Drº Fernando Correa da Costa, o
Drº Vespasiano “aprendeu e começou a exercer a cirurgia, por absoluta premência, no
su próprio consultório” ali ao lado da farmácia Royal, na esquina da 14 de julho com a
A. Afonso Pena.
Ao identificar os pontos nos quais deveria se aprofundar no estudo da
cirurgia, depois de acumular experiência e algumas economias, resolveu vender os
bens e viajar para Europa; partiu em 25 de fevereiro de 1925, em busca de centros
médicos de maior nomeada; em Berlim, estuda cirurgia com o Profº Strasmami;
depois vai para Paris e recicla as tácnicas cirúrgicas com o Profº Leguet, dando-lhe o
embasamento de que tanto necessitava para ser o cirurgião que influenciaria os
médicos da época, que tinham tido formação cirúrgica com Brandão Filho e Fernando
Magalhães, na Santa Casa do Rio de Janeiro. É ainda do Drº Fernando a afirmação
seguinte: “não vi ninguém oprar tão pessoalmente como Vespasiano. Em cirurgia ele
era ele mesmo”.
Em 1926, de volta ao Brasil, foi ser o diretor de cururgia do hospital Otemã,
em São Paulo, onde permanece até 1929, quando retorna a Campo Grande e reinicia
suas atividades médicas, ao mesmo tempo em que se candidata o prefeito de Campo
Grande, pelo recém-fundado Centro Cívico, sendo derrotado por Ontero Paes de
Barros, numa das mais fraudulentas eleições, segundo os historiadores.
115
Ao participar da política, o Drº Vespasiano não abandonava a medicina, a qual
exercia com personalidade e grande tirocínio clínico. E é deste médico que a diretoria
da associação médica de Mato Grosso do Sul incubiu-me de falar.
Como especialista, anestesiei na Santa Casa, em 1954, um sen paciente, que
fora submetido à prostectomia por via supropúbica auxiliado pelo Drº Fernando
Correia da Costa, formavam a dupla mais qualificada de médicos do estado. Iniciando
o ato cirúrgico, na hora do descolamento da glêndula, que é feito com os dedos
indicador e médio, com toda a habilidade que possuía, o Drº Vespasiano não
conseguiu sua retirada. Um tanto cansado pelo esforço, apelou para o auxiliar,
carinhosamente: “Fernando, arranca essa danada...”
Naquela época, o Drº Vespasiano Barbosa Martins ainda cumpria o mandato
de Senador da República e a Santa Casa continuaria sem sua presença tão marcante
pelos conhecimentos e pela cultura que a todos enrriquecia.
Segundo o escritor Ulisses Serra, saudoso fundador da
Academia sul-mato-grossense de Letras, Vespasiano era de “extrema bravura pessoal
e de um mundo de ternura”.
Mas foi no final de 1964 e início de 1965, na sua casa, na rua 15 de
Novembro, um sobrado com escadaria de acesso ao primeiro piso, que tivemos a
oportunidade de conviver com o líder político e o grande expoente da medicina em
Mato Grosso, ao prestar assistência médica a sua mulher, dona Celina, portadora de
uma doença (dermatomiosite) que exigia perfusões e transfusões semanais, durante
as quais conversávamos sobre causas políticas e casos clínicos que havia tratado,
descrevendo-os de maneira singular.
Dona Celina, paciente colaboradora para receber sangue ou soro introvenoso
associado as vezes a outros medicamentos, tinhas veias pequenas e escondidas, o que
obrigava ao uso de pequenas agulhas, pois na época não havia scalpes ou cateteres
para o uso indovenoso. Preparado a equipe para tranfusão, dirigia-me para borda do
leito de dona Celina acompanhado pelo Drº Vespasiano, que torcia para que eu
acertasse a veia e, feito ista, exclamava entusiasticamente: “desgraçado para pegar
uma veia...”
Horas a fio, enquanto assistíamos ao gotejar das soluções, o Drº Vespasiano
contava os casos de medicina que fizera nas idas à Campo Grande e depois pedia para
a empregada um refresco. Deliciávamos uma limonada, que ele degustava com
prazer, e dizia: “como tem gente que troca limonada ou uma laranjada por um desses
refrigerantes engarrafados?! Não posso acreditar...”
Certo dia, falando sobre o valor do trabalho médico, confidenciou-nos que a
profissão não dava para enriquecer, mas sentia-se um homem realizado
116
profissionalmente e, para suas aspirações, estava economicamente bem, mesmo não
tendo jamais enviado uma cobrança de seus honorários aos seus clientes e nunca lhe
faltava o dinheiro que precisava.
Homem simples, sisudo, franco enérgico e defensor intransigente da “coisa
pública” e da ética médica, o Drº Vespasiano foi um homem carismático, capaz, leal,
honesto e íntegro cujo nome a Associação Médica deu a sua biblioteca, reverenciando
uma das “figuraras mais perfeitas da vida pública nacional”, segundo palavras do
Deputado Ruy Santos.
No dia 14 de janeiro de 1965, as duas horas da manhã, o Drº Vespasiano,
que já sofrera um enfarte em 1952, tem um novo ataque, cai fulminado, nem um
gemido, nem um grito nem nada, nem sofrimento como era o seu desejo. Ao ser
sepultado, o orador oficial da associação médica de Campo Grande, Drº Hugo Pereira
do Vale, numa adoração emocionada disse: “Vespasiano Barbosa Martins, meu colega
e amigo. Que dolorosa coincidência para você que me trouxe a vida; eu venho hoje
com profunda emoção, trazer cadeira da morte, para iluminar os caminhos da
eternidade”.
Drº Vespasiano Barbosa Marins, que as gerações atuais e vindouras, de
políticos e de médicos, o tenhamcomo exemplo, quer no trato dos negócios públicos
quer na medicina, que o Drº Vespasiano exerceu com tanto zelo e o melhor de sua
capacidade profissional, em benefício do próximo.
BIBLIOGRAFIA
CAMPESTRINI, Hidelbrando; ROSA, João Pereira. O Médico Vespasiano Barbosa
Martins.
CAMPESTRINI, Hidelbrando. Vespasiano e a Saga da Divisão.
MARTINS, Nelly. Vespasiano Meu Pai.
SILVA, Jovam Vilela. A Divisão do Estado do Mato Grosso do Sul
117
VIRGÍLIO CORRÊA FILHO
João Paulo Pereira Zanela35
Virgílio Corrêa Filho (Cuiabá – MT, 1887/ Rio de Janeiro – RJ, 1973)
pertenceu a tradicional elite mato-grossense sendo um intelectual engajado no
movimento pela construção e propagação de uma identidade de Mato Grosso, visando
assim a propaganda e integração da região ao cenário nacional, como na política
estatal vigente no período da era Vargas. O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
(IHGB-RJ), o Conselho Nacional de Geografia (CNG-RJ), bem como o Jornal do
Comércio (RJ), desempenharam um papel decisivo na trajetória de Virgílio Corrêa
Filho projetando-o ao cenário nacional e internacional. As instituições oficiais como o
IHGB e o CNG, entre outras, desempenharam um papel relevante neste período ao
colaborar, sob diversos aspectos, para o consenso em torno do programa de
construção de uma identidade do estado nacional, mantendo intelectuais oficiais em
seus órgãos para atender aos objetivos do grupo social dominante, no caso, colaborar
com a propaganda doutrinária em voga, tendo em vista o discurso que vigorava em
suas publicações. Virgílio Corrêa Filho fazia parte da intelectualidade que, na década
de 20, defendia o ideário nacionalista e que foi cooptada por Getúlio Vargas para
desenvolver o seu projeto de “reconstrução nacional” sob os auspícios de um “novo
conceito de democracia” em que o governo e o povo se diziam “uma só e mesma
poderosa realidade”, representados pelo Estado Novo.
RESUMO:
INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO BRASILEIRO
A institucionalização da pesquisa histórica no Brasil deu-se a partir da
fundação do IHGB (Instituto Histórico e Geográfico Brasil), pelo então imperador Dom
Pedro II, no ano de 1883. Seus idealizadores o justificavam pela necessidade de
investigação, organização e publicação dos documentos tidos como históricos que
estavam dispersos nas províncias do Império.
Virgílio Corrêa Filho ficou reconhecido e prestigiado no IHGB como autor dos
trabalhos: Mato Grosso, destinado a compor o Dicionário do IHGB, Estrada da
Chapada, Questões de Terras, Notas à Margem, As Raias de Mato Grosso, Os Tratados
com a Bolívia, As estradas de Mato grosso, Os Predecessores de Rondon e Monografias
Cuiabanas. Também por meio de suas obras fez questão de divulgar as iniciativas do
IHGB para efetivar pesquisas nos arquivos da Europa. Além de substancial conteúdo,
relacionou os arquivos consultados em vários países, trazendo assim, uma extensa
relação de documentos.
35
Acadêmico de História na Universidade Católica Dom Bosco.
118
Com a política integracionista vigente na época, a atenção em torno da
construção de uma história através de ideais patrióticos e da segurança pelo futuro do
país, sempre foram umas das principais preocupações de Virgílio Corrêa Filho. Para ele
o estudo sobre o passado deveria ser sempre o principal objetivo dos pesquisadores,
cuja finalidade seria aproveitar suas lições, para fortalecer o sentimento de unidade
nacional e garantir o desenvolvimento do país, referendando, aqui, uma concepção de
história nitidamente pragmática.
Para sustentar os seus empolgantes argumentos sobre a política personalista
de Getúlio Vargas, Virgílio Corrêa Filho relatou algumas das obras realizadas neste
período, destacando os fatores positivos dos empreendimentos, tais como: a
eletrificação da E. F. Central do Brasil, o seu prolongamento até o Paraguai e Bolívia;
o saneamento da Baixada Fluminense; as indústrias bélicas; a pesquisa do petróleo; a
siderurgia em ampla escala; a legislação trabalhista e a organização da previdência
social por meio de instituições. Neste mesmo intento, comentou que “os exemplos de
fora estimulavam as tendências inovadoras”, colocando Franklin Roosevelt, presidente
dos Estados Unidos, na série dos grandes presidentes, comparando sua política de
grandes obras à de Getúlio Vargas, no sentido de ter tomado medidas eficazes contra
“agentes agressivos”, internos ou externos do Estado, podendo-se assim notar o
caráter nitidamente cultualista vigente em sua obra.
O papel destinado ao IHGB, como foi possível verificar, pode ser mesmo
considerado como o de “guardião das tradições nacionais”, na medida em que se
esmerava para reunir, conservar e divulgar documentos tidos como fundamentais para
a história do país, cultivando e legitimando, através das suas publicações,
conferências e cursos, realizados sob sua égide, uma memória histórica destinada a
preservar valores que, sem dúvida, foram socialmente produzidos, a partir de um
trabalho coletivo de construção da realidade social, neste caso, pelos intelectuais
oficiais do Estado Novo, para cultuar a imagem pública de Getúlio Vargas.
CONSELHO NACIONAL DE GEOGRAFIA
O Conselho Nacional de Geografia, organismo oficial de coordenação e
supervisão das atividades geográficas brasileiras, foi outro órgão que exerceu
profunda influência na trajetória de Virgílio Corrêa Filho. A sua colaboração constante
prestada aos interventores de Mato Grosso, naturalmente homens de confiança do
presidente, garantiu-lhe as credenciais necessárias que o levaram a pertencer à alta
burocracia do CNG. Tendo participado, neste mesmo período, como delegado do
governo de Mato Grosso e representante do IHMT, e em 1937, da sessão inaugural do
119
CNG. De fato, a sua inserção no âmbito político e cultural, após este acontecimento,
ampliou-se significativamente.
Para Virgílio Corrêa Filho, a fundação do Conselho Nacional de Geografia,
tendo o seu aparelhamento e planificação sistemática dos estudos sobre o território do
país, serviria para garantir o desenvolvimento e a segurança, além de estabelecer
propostas sugerindo uma diretriz para a política nacional. Para o governo era
fundamental promover a realização da campanha pela sistematização e divisão
territorial do Brasil, sendo assim, orientar os órgãos controladores da economia
nacional, espalhando a idéia da importância da pesquisa geográfica e da estatística
censitária para a segurança do país.
O interesse do Virgílio Corrêa Filho pelo perfeito conhecimento e organização
territorial do Brasil ficou registrado nos artigos publicados na imprensa na época,
como por exemplo, no Jornal do Comércio, bem como, na Revista Brasileira de
Geografia, destinada à divulgação trimestral de assuntos relativos ao território
brasileiro, além de estimular a produção geográfica.
Virgílio Corrêa Filho fazia parte dos geopolíticos que debatiam questões
relativas às fronteiras nacionais, em que se criavam o “ideal pela defesa” do território
nacional, tema por excelência na geopolítica da época, no campo das relações
internacionais. É possível perceber seu interesse em colaborar para a definição da
propriedade dos latifúndios, legitimando a organização para o povoamento do interior
do país, bem como, as faixas de fronteira, a implementação dos meios de transportes
e os limites mato-grossenses.
Sendo atuante propagandista da política Varguista e “intelectual orgânico” do
regime, não poderia deixar de contribuir para cultuar um dos maiores
empreendimentos do Estado Novo, como foi a Marcha para Oeste, fator de integração
nacional, defesa das fronteiras, exploração e povoamento, especialmente da região
Centro-Oeste, efetivando-se a partir dos postulados da geopolítica, desenvolvidos nos
anos 30 e 40, com a contribuição do desenvolvimento das pesquisas e estudos
realizados no CNG. Para reforçar suas impressões, publicou o artigo “Divagações”, a
18 de junho de 1939, em que discorreu sobre o passado das três cidades matogrossenses já atingidas pela “marcha progressista”, quais sejam Campo Grande,
Corumbá e Cuiabá, enfatizando a última, com o objetivo de reivindicar a ligação de
sua cidade natal, com as regiões litorâneas por meio da estrada de ferro. Aqui
também, concluiu o texto asseverando que, ninguém “para tal missão construtora se
emparceirará com o Presidente Getúlio Vargas (...) feito bandeirante da brasilidade”,
notando-se novamente o caráter cultuador do escritor.
120
Um forte condicionamento geopolítico levou-o a desenvolver temas nesta
perspectiva, não os restringindo, porém, à região de origem. Desta forma, é
necessário enfatizar que quando escreveu sobre Mato Grosso, não foi somente por
mero sentimentalismo pelo torrão natal. Seus trabalhos têm um sentido mais
complexo e só podem ser melhor dimensionados, à luz de um universo maior.
Tratava-se de uma região com posição geográfica estratégica, para o desenvolvimento
dos projetos de interiorização do país, de ligação com o litoral e com os países da
América Latina.
Outro fator geopolítico importante que contribuiu significadamente na época,
e que fazia parte do projeto nacionalista centralizador, é a extensão do território, além
dos rios, vias que, quando bem aproveitadas, podem contribuir para a defesa e
integração nacional.
Muitos desses estudos desenvolvidos durante o Estado Novo foram
precursores dos debates realizados nas décadas posteriores, em cujo clima foi fundado
a Escola Superior de Guerra.
Era uma exigência das Forças Armadas, especialmente, após a entrada do
Brasil na Guerra Européia na década de 40, como providência indispensável à
segurança nacional. A prestação de informações, que segundo Virgílio Corrêa Filho
eram “oportunas, precisas e circunstanciadas”, discorriam sobre os mais diversos
aspectos das condições brasileiras, como, por exemplo, a organização da estatística e
de mapas precisos sobre o território nacional. Neste sentido, o IBGE, integrado ao
CNG, cujas seções de Estatística Militar funcionavam como órgãos colaboradores do
Conselho de Segurança Nacional e dos Estados Maiores da Forças Armadas durante o
período do conflito, prestavam serviços à planificação do esforço de guerra do país,
fornecendo às autoridades o resultado de suas pesquisas e executando inquéritos
especiais, de caráter eventual ou permanente, inclusive o levantamento dos estoques
e outros índices econômicos, que as Forças Armadas considerassem úteis aos seus
serviços técnicos e estatísticos.
Para Virgílio Corrêa Filho, o decreto-lei N.311, de 02/03/1938, responsável
pela divisão territorial do país, denominado Lei Geográfica do Estado Novo, contribuiu
para o perfeito conhecimento do país, além de ter colaborado para reforçar a unidade
nacional a partir da utilização de critérios comuns, elaborados por todo o território
nacional, para a distribuição do país por circunscrições. Pela primeira vez, comentou,
que os municípios tiveram “os seus limites definidos com precisão, em toda amplitude
do território nacional”, o que teria evidenciado “a capacidade organizadora dos
dirigentes” guiados pelo “idealismo patriótico”. A racionalidade administrativa para a
121
organização do território seria, portanto, o resultado da aplicação dos estudos
geográficos.
POLÊMICA E PRODUÇÃO DO DISCURSO HISTÓRICO
Como muitos intelectuais, Virgílio Corrêa Filho também enveredou pela
polêmica, em especial nas primeiras décadas do século atual, período em que viveu
em Cuiabá.
Roberto Ventura, um estudioso das polêmicas literárias no Brasil, afirma que
este estilo pode revelar o “caráter personalista” da intelectualidade brasileira, “desde o
século XIX até nossos dias”. Segundo este autor, embora os polemistas procurassem
enfatizar oposições, predominavam os “caracteres comuns devido à relativa ausência
de diferenciação teórica e ideológica até as primeiras décadas do século XX”. Assim,
geralmente, predominavam os ataques pessoais.
Roberto Ventura ainda comenta que, prevalecia uma “orientação autoritária”
ao invés do debate de idéias, levando a uma “série infindável de monólogos”, em que
os autores pretendiam reafirmar suas próprias “crenças”. A polêmica, para ele,
portanto, constitui um “modo específico de prática intelectual” que se aproxima em
sua estrutura, “da política partidária e parlamentar” e das “lutas entre oligarquias”.
Nas lutas entre “parentelas”, seriam, nada mais que, “lutas pelo poder” marcadas por
divergências pessoais.
Assim, Roberto Ventura concluiu que, comuns no século XIX, as polêmicas
personalistas persistiram no século XX integradas aos padrões culturais ainda
vigentes, porém, incorporando, além de campanhas em prol da modernização,
projetos contraditórios de reformulação do Estado, da sociedade e da cultura, que se
acentuou na década de 30.
Tal efervescência político-cultural teria influenciado os projetos dos
intelectuais inserindo-os em uma “conjuntura de recriação institucional”.
Como expressão que marcaram a trajetória de Virgílio Corrêa Filho, homem
público e intelectual atento aos acontecimentos do seu tempo, é muito significativa a
série Polêmica. Para completá-la, publicou ainda uma coletânea de discursos,
proferidos, em maio e junho de 1928, pelo então Senador Pedro Celestino Corrêa da
Costa, sob o título: Política de Mato Grosso – Como se desmascaram e se esmagam as
perfídias de um paranóico imbecil, antecedidos de uma nota explicativa de sua
autoria.
A série Polêmica, além de refletir as preocupações pessoais e políticas que lhe
deram origem, representa, na verdade, uma parte da história vivida por Virgílio Corrêa
Filho. Porém, mais do que isto, constituem, com muita propriedade, a memória que
122
ele desejou deixar registrada sobre os acontecimentos em questão, ou seja, ele
construiu a representação dos acontecimentos de acordo com sua experiência de
historiador.
Assim, escrevendo a história do seu próprio tempo, procurou precaver-se de
futuras interpretações, ou mesmo intenções políticas que pudessem deturpar o fato
nos quais esteve envolvido. Autor, narrador e personagem confundem-se de tal forma
no decorrer de sua obra, como será possível observar, que acabei por concluir estar
analisando, neste caso, uma autobiografia, hoje também conhecida como ego-história.
Da mesma forma, poderíamos, pois, afirmar que na ego-história de Virgílio
Corrêa Filho aparece, apenas, uma parte de sua vida, aquela que lhe parecia
conveniente preservar e divulgar, ou seja, ele selecionou algumas lembranças de sua
vida pública, tentando mostrar, especialmente, como desempenhou o papel de
secretário geral no governo de Mato Grosso. Enfim, como se desenrolou a sua
carreira, naquele quatriênio da história, defendendo-se sempre das acusações que lhe
foram imputadas, revelando a contragosto, segundo declarou, sua vida “modesta, mas
digna como as que mais o forem”.
Virgílio Corrêa Filho já desenvolvia em 1919, seus dotes de jornalista, na
cidade de Cuiabá, publicando semanalmente os editoriais do jornal O Mato Grosso,
órgão do Partido Republicano estadual. O estopim que deu início à polêmica derivouse justamente de alguns destes artigos, em especial o que foi publicado em 22 de
agosto de 1926. Neste ele criticou tópicos da mensagem presidencial publicada na
Gazeta Oficial, a 10 de junho do mesmo ano, que, de acordo com ele, estava
“recheada de falsas acusações da administração passada” como, por exemplo, o
legado de uma situação financeira “penosa e difícil”. Para ele, a mensagem
presidencial constituía um “veemente libelo contra todas as administrações
republicanas de Mato Grosso e, em particular, contra sua antecessora”.
O presidente, após a leitura do artigo de Virgílio Corrêa Filho denominado “O
detrator oficial”, fez publicar na Gazeta Oficial um telegrama endereçado ao Coronel
Pedro Celestino Corrêa da Costa, seu antecessor no governo, repudiando o citado
artigo do dia 22 de agosto, no qual, segundo ele, Virgílio Corrêa filho reeditara,
“torpes infâmias e vis calúnias” contra Antônio Corrêa da Costa, ex-governador e seu
pai, publicadas doze anos antes. Dirigindo-se a Mário Corrêa da Costa com ironia
peculiar, Virgílio Corrêa Filho escreveu: “Presumo que tenha havido troca de
endereço”, pois que o telegrama, escrito “a propósito de um artigo publicado no jornal
O Mato Grosso”, e contra o seu autor, deveria, segundo ele, ter-lhe sido encaminhado,
aproveitando para criticar o presidente pelo mau costume de não responder as
correspondências que lhe eram enviadas.
123
Virgílio Corrêa Filho, mostrando que, inicialmente, tentou manter uma
correspondência, na medida do possível, amigável com os agressores, identificados
através dos artigos lidos especialmente na Gazeta Oficial, justificou a elaboração e a
publicação da série denominada Polêmica. Transcreveu, também, nesta série, sua
correspondência ativa e passiva, referente à questão, principalmente entre e ele e
Mario Corrêa da Costa. Sua intenção era demonstrar o relacionamento amistoso
mantido com os ilustres políticos cuiabanos antes das injunções políticas causadoras
dos desentendimentos e, inclusive, a sua disposição para colaborar com o governo.
A “série de provocações e injúrias” contra o governo passado e contra ele,
através da Gazeta Oficial, em especial, as publicadas a 15 e 16 de março de 1926,
com o aval de Mário Corrêa da Costa, intensificavam-se.
Ao referir-se a Antonio Corrêa da Costa, escreveu ele, tentou estabelecer uma
comparação entre duas épocas em que ocorreram difamações e calúnias pelos jornais.
Para ele, Mário Corrêa da Costa não entendeu as suas intenções. Aliás, acusando o
presidente de desconhecimento dos fatos, lembrou que a 05 de agosto de 1914, já
participava de polêmicas, quando publicou no Jornal do Comércio, o artigo “Política de
Mato Grosso – A Verdade dos Fatos”, no qual fez a defesa do eminente político matogrosssense. Para ele, o erro do presidente foi causado por “paixões” que, certamente,
perturbaram o seu julgamento, ou mesmo, pelo desconhecimento da história do seu
Estado.
Virgílio Corrêa Filho acusou Mário Corrêa da Costa de inventar um artigo que
teria publicado contra Antônio Corrêa da Costa. Demonstrando indignação, declarou
que tal artigo “imaginário sob a epígrafe abissínia”, jamais fora escrito por ele e nem
jornal algum publicou. Em algumas colaborações na Imprensa, realmente, afirmou,
não achava necessário assinar os artigos, fossem de interesse geral, de “defesa do
partido”, e de vários assuntos “que surgiam simplesmente como da redação”, da qual
não constava que fizesse parte.
Frente a tantos ataques sofridos, procurou demonstrar a disparidade de forças
em luta: “O gigante”, Mário Corrêa da Costa, que o desafiava, trazia as “insígnias do
mando e da força bruta” e surgia “encouraçado de baionetas e metralhadoras”,
enquanto ele, o “microscópico lutador”, apoiava-se somente “na verdade e na justiça
da sua causa”.
Uma manifestação de desagravo à memória de Antônio Corrêa da Costa, foi
publicada no editorial nº 8 do Democrata, a 26/8/26. Mas na verdade, o artigo visava
destruir a imagem pública de Virgílio Corrêa Filho, conforme sua interpretação,
tratando-o como “individualidade raquítica e incolor”, responsável pela reedição de
inomináveis perfídias capazes de macular o passado de tão eminente político,
124
atingindo, então, de forma vingativa o “coração vilmente alanceado do filho
extremoso”.
Assim, Virgílio Corrêa Filho registrou que, além dos insultos de baixo calão
subscritos oficialmente pelo Dr. Mário Corrêa da Costa, sofreu, também, os ataques do
Democrata, ou “Demo”, apelido vulgar do bi-semanário fundado em Cuiabá, “para
servir o governo atual”. Porém, não respondeu às agressões publicadas no periódico,
porque, além de não dispor de tempo para ocupar-se de todas as “verrinas”, este, “é
jornal que vive fora da lei”, pois, não apresenta um diretor ou redator principal,
afirmou. Somente o “secretário particular do Presidente”, aparecia como gerente e,
ainda, com vencimentos ilegais.
Além destes dois personagens envolvidos na Polêmica, qual seja, o “detrator
oficial”, Mário Corrêa da Costa, presidente do Estado, e a “gralha empavonada”,
Manoel Paes de Oliveira, Secretário do Interior, havia ainda um terceiro: “o siamês”,
Carlos Gomes Borralho, Secretário da Agricultura.
Com este último, Virgílio Corrêa Filho, também, trocou várias cartas
alertando-o para o fato de que responderia às acusações publicadas na Gazeta Oficial,
numa “série difamatória da administração passada”, que, segundo ele, careciam de
provas documentais.
Para uma melhor compreensão dos episódios políticos ocorridos em Mato
Grosso, naquela época, é muito importante considerar o histórico denominado como
“Contestação ao libelo de borra”, 4º capítulo do “Siamês da Gralha Empavonada”.
Neste, aliás, como em toda série Polêmica, Virgílio Corrêa Filho deixou evidente a
existência de uma forte tradição localista que existia em Cuiabá, em que poderosos
grupos do poder estavam sempre à frente das questões políticas. Fato daí decorrente,
teria ocorrido em janeiro de 1921, ou seja, a fusão do “celestinismo” (grupo do
Senador Pedro Celestino Corrêa da Costa) com o “azeredismo” (grupo do Senador
Antônio de Azaredo). Daí resultara, portanto, o acordo em torno da candidatura do
senador Pedro Celestino Corrêa da Costa à Presidência e do Dr. Estevão Corrêa a vice,
em substituição a D. Aquino Corrêa. Carlos Gomes Borrado, então deputado estadual,
permaneceria na Assembléia Legislativa. Porém, a incerteza da posse de Pedro
Celestino da Costa, devido às atividades no Senado, cogitou-se que deveria assumir o
vice, Estevão Corrêa. Carlos G. Borrado, segundo Virgílio Corrêa Filho “Borra-alho”,
interessado em ocupar tal cargo, conspirou contra Estevão Corrêa, através de uma
série de abaixo-assinados, para obter apoio dos chefes locais, “em prol da sua
inqualificável maquinação”. Porém, Pedro Celestino Corrêa da Costa resolveu assumir
o exercício do cargo a 22 de janeiro de 1922, em nome da coesão do partido. Em
reunião com a Comissão Executiva do partido, para acalmar os ânimos, o presidente
125
eleito teria apresentado o projeto para nomear Carlos G. Borrado, Secretário Geral do
Estado. No entanto, Estevão Corrêa, “hostilizado (...) pelos embustes borralhescos”,
acusou-o de traição em benefício próprio. Houve unanimidade às argumentações de
Estevão Corrêa. O “Borra-alho”, enfim, “não era persona grata à Comissão Executiva
do partido situacionista, que lhe embargou a nomeação”.
Enfim, para Virgílio Corrêa Filho, o Dr. Mário Corrêa da Costa revelara-se
“habilíssimo teatrólogo”, tão rápidas eram as mudanças das suas orientações, “como
nas revistas opulentas de números variados”. Ao prometer manter-se afastado das
agitações partidárias, promoveu a fundação do Partido Democrata, assumindo a sua
chefia política. Assim, acabou por misturar a administração com a política, conforme
os documentos publicados nesta série.
Assim, Virgílio Corrêa Filho concluiu que, realmente, alguém deveria redigir as
mensagens que o presidente, por certo, apenas assinava, caso contrário, a subida ao
poder teria lhe causado uma “lastimável amnésia”, responsável pelos erros e
incoerências do “desabusado presidente”, ao redigir as mensagens publicadas. Em
Política de Mato Grosso – Como se desmascaram e se esmagam as perfídias de um
paranóico imbecil, obra já citada, Virgílio Corrêa Filho, completando os argumentos e
as provas para legitimar a memória que construiu sobre os fatos relatados, numa nota
explicativa, ainda não satisfeito, fez questão de registrar os ilustres representantes da
“estirpe” Corrêa da Costa.
O verdadeiro objetivo para esta publicação, segundo Virgílio Corrêa Filho, era,
além de completar a série intitulada Polêmica, divulgar, para além das fronteiras de
Mato Grosso, onde Mário Corrêa da Costa se via protegido pela imunidade do cargo,
os desatinos que vinha praticando, através de suas mensagens na Assembléia
Legislativa do Estado.
A CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA
Tendo suas obras valorizadas pelos membros do Instituto Histórico e
Geográfico de Mato Grosso (IHGMT) e mais tarde, do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro (IHGB), entre outros já citados, Virgílio Corrêa Filho foi também
recomendado como modelo de historiador, pois, a partir de uma nova concepção de
história, fundamentada na “razão social” em que “se concentram as nacionalidades”,
usaria uma “linguagem que fala muito para o futuro”, conforme avaliação de Feijó
Bittencourt, seu contemporâneo.
Assim, tendo sempre ocupado cargos de destaque como funcionário público,
além de jornalista e Engenheiro Civil, Virgílio Corrêa Filho dedicou mais de cinqüenta
anos de sua vida à elaboração de trabalhos destinados, segundo ele, ao
126
“conhecimento exato do ‘Brasil bem fadado’”. Sem dúvida, foi um representante do
ideário nacionalista que predeterminou na década de 20, que como já me referi,
impunha aos intelectuais a necessidade de conhecer os problemas e a história do país.
Na obra Capítulos de História Colonial (1500-1800), espelhava-se em
Capistrano de Abreu, num Auto-Retrato Capistraneano, palo saber do “historiador
madurecido, que fora às fontes abeberar-se de informações utilizadas com perspicácia
incomparável”. Surpreendia-se de que em meio à “desordem de sua mesa de
trabalho”, como registrou em algumas das suas correspondências, pudesse Capistrano
desenvolver trabalhos que lhe “imortalizaram o nome de historiador arguto e
desvendaram novos rumos aos seus continuadores”. Além disso, admirava-o por
estimular a colaboração de escritores contemporâneos, alguns esquecidos, como por
exemplo, Vale Cabral e Silveira Caldeira.
No artigo “Dois Excitadores de Dedicações”, lembrando o esquema teórico de
Plutarco, ao comparar figuras exemplares colocando-as em paralelo, Virgílio Corrêa
Filho homenageou dois escritores, Capistrano de Abreu e Alberto Torres, que, segundo
ele, foram glorificados na década de 30, embora “diversos em tudo mais, tiveram
gloriosa recompensa, que os irmanou perante a Posterioridade veneradora de seus
espíritos devassadores de novos rumos”.
O grande problema nacional seria o contraste representado pelas duas
civilizações, “que se avizinham sem se penetrarem, mutuamente, a litorânea e a
sertaneja”, era para Virgílio Corrêa Filho, inegável. E, ainda, não se encontrara o meio
eficaz de articulá-las intimamente, em benefício geral. Partindo da constatação de
que, nem a educação dos jovens que migram para a cidade, bem como dos citadinos
para o meio rural, conseguiam modificar, “de forma sensível a divergência que separa
as duas atividades”. O “descendente do roceiro”, mandado a realizar estudos
superiores, movido pelo anseio dos pais por uma vida melhor, adquire, segundo ele,
“aspirações incompatíveis com a sua origem modesta, e transforma-se em incurável
candidato à burocracia, nas suas várias modalidades”. Já o profissional urbano, muitas
vezes, não se adapta ao sertão.
Para Virgílio Corrêa Filho, as “forças vivas do país”, encontravam-se em
“reserva”, a que faltava a “competente mobilização com finalidade produtiva”. Para
que o homem possa revelar-se um “agente do progresso”, seria necessário o
“adestramento nas operações impostas pela intensa vida moderna”. Seguindo a
doutrinação de Alberto Torres, afirmou ainda que sobram qualidades ao brasileiro que,
“devidamente exercitadas” o habilitará a trabalhar em setores diferentes, qualificandoo para desenvolver “os mesmos feitos que o imortalizaram no devassamento dos
sertões, nas campanhas defensivas do território, na fusão de capitanias desarticuladas
127
em um só organismo político, de enormes proporções, e nas várias atividades
industriais e científicas, quando superiormente orientadas”. Seria preciso, portanto,
investir na educação profissional que lhe desenvolva os “pendões naturais”, e lhe
aumente a “valia espontânea”, como a que permitiu a “arrancada heróica dos
bandeirantes”, para dilatação da área ocupada, através de obstáculos de toda ordem e
a improvisação de “artífices e inventores”, em alguns dos quais a humanidade festejou
o “admirável gênio benfazejo”.
Várias vezes considerado como “profundo admirador e cultuador” do “estilo
exuberante” de Euclides da Cunha, Virgílio Corrêa Filho dedicou-lhe, nada menos do
que treze artigos, publicados no Jornal do Comércio, que mereceram citação na Obra
Completa de Euclides da Cunha. No artigo “Euclides da Cunha”, Virgílio Corrêa Filho
sintetizou o que representou para ele “o escritor que interpretara os mais complexos
aspectos e aspirações da nacionalidade” brasileira, e que “insculpira em páginas
imortais o poema incomparável” de “Os Sertões”. Para Virgílio Corrêa Filho, Os
Sertões “maravilhou” desde os seus primeiros leitores e críticos literários, tendo
agitado “violentamente a pacatez costumeira do ambiente das letras”. Jamais,
afirmou, tratara alguém sobre a “magma questão nacional”, com tanta “segurança de
raciocínio”, ao ensinar-lhe os diferentes aspectos, de maneira tão original,
distinguindo-se de escritores de longa “trajetória luminosa”, como Machado de Assis,
José Veríssimo, Joaquim Nabuco, entre outros.
Finalmente, para completar o rol dos notáveis nacionalistas, Virgílio Corrêa
Filho referiu-se a Vicente Licínio Cardoso, copiando o estilo de Plutarco, ao compará-lo
a Euclides da Cunha, no artigo denominado “O Ensaísta Modelar”, já citado. Vicente
Licínio Cardoso e Euclides da Cunha teriam em comum a formação em engenharia, o
que teria contribuído para “irmaná-los na glória”, sendo Vicente Licínio Cardoso, o
“continuador da sua campanha superiormente nacionalizadora”, afirmou.
Vicente Licínio Cardoso reconhecia, portanto, de acordo com Virgílio Corrêa
Filho, a dificuldade para implementar a “missão renovadora, a míngua de preparo
prévio do meio social, em que pretendia agir” Euclides da Cunha. Interessado em
completar-lhe a “transformação mental”, não se contentou em elaborar ensaios
“comprobatórios da opulência dos seus cabedais intelectuais”. Empenhou-se
arduamente na campanha, que declarou indispensável à solução dos “magnos
problemas nacionais”. Como um apologista da educação integral, em que via o mais
eficiente fator de engrandecimento nacional, contribuiu como professor na Escola
Politécnica, mediante concurso, tornando-se “sub-diretor técnico da Instrução, ao
tempo da implantação da reforma, que deu novos rumos ao ensino municipal no
Distrito Federal”.
128
A importância destes textos publicados por Virgílio Corrêa Filho, é permitir o
resgate de sua visão da história e os elementos que compunham sua preocupação de
historiador, ou seja, suas impressões pessoais sobre as questões predominantes entre
os intelectuais, seus contemporâneos. É possível constatar que privilegiou alguns
valores em comuns entre os escritores selecionados, que alimentaram, com certeza,
sua concepção de história e orientaram sua metodologia para a produção do seu
próprio discurso. A argumentação de Virgílio Corrêa Filho reflete, portanto, suas
intenções básicas, ou seja, selecionou seus temas sempre os relacionando ao
momento histórico vivido. Neste caso, ao exaltar os grandes ideólogos do
nacionalismo, colaborou para perpetuar valores caros à política de integração nacional.
BIOGRAFIA E INTELIGÊNCIA HISTÓRICA
Para a elaboração deste exercício historiográfico, escolhi as biografias de três
personagens que viveram em épocas diferentes, dignos exemplos de “dedicação
apostolar” e merecedores da “benemerência da posterioridade”, na expressão de
Virgílio Corrêa Filho. São eles: Alexandre Rodrigues Ferreira, brasileiro que se projetou
na Europa como naturalista dedicado ao estudo das riquezas da Pátria; Augusto
Leverger, militar e estadista, “bretão cuiabanizado”, que a partir das suas grandes
obras adquiriu prestígio nacional, e Joaquim Murtinho, mato-grossense ilustre que se
projetou na política nacional. Significam, com certeza, figuras modelares, expressão
dos valores mais caros a Virgílio Corrêa Filho, perfeitos defensores de “sadia
brasilidade”.
Alexandre Rodrigues Ferreira. Vida e Obra do Grande Naturalista Brasileiro,
integrante da clássica coleção Brasiliana, cuja finalidade era “definir as peculariedades
da terra brasileira e sua gente”. Ainda estudante, serviu de “demonstrador de história
natural”. Apenas formado como doutor em Filosofia, a 10 de janeiro de 1779, fora
incumbido pelo ministro Martinho de Mello e Castro para integrar a chamada “Viagem
Filosófica” nas terras coloniais portuguesas, indicado por sugestão da Congregação de
Coimbra, como seu “mais qualificado discípulo para tamanha entrepreza” , cabendolhe “aquilatar” as riquezas naturais do Brasil.
Virgílio Corrêa Filho registrou com entusiasmo as belezas e as riquezas
naturais brasileiras, investigadas por Alexandre Rodrigues Ferreira, referindo-se ao
“encanto das paisagens” e à “utilidade inigualável do solo dadivoso”, propício às
plantações. Além de cumprir pontualmente com os encargos recebidos durante os
nove anos em que permaneceram no Brasil, na Amazônia e Mato Grosso, seu
biografado ainda contribuía com críticas e sugestões, que visariam antes de tudo, a
“utilidade da Pátria” ou o “crédito da Nação”, como ao denunciar as fraudes cometidas
129
por exportadores inescrupulosos de produtos como algodão, bem como, pela má
organização da agricultura e da pecuária. Para ele, Alexandre Rodrigues Alves possuía
um “incoercível sentimento patriótico”, além de um “amor entranhado às pesquisas”.
Além de contribuir para o conhecimento dos lugares visitados nos tempos coloniais,
esta biografia traz, sem dúvida, o oculto de um personagem modelar
Outra biografia que lhe garantiu reconhecimento foi Augusto Leverger - O
Bretão Cuiabanizado, escrita em 1941. É interessante mencionar que Virgílio Corrêa
Filho mantinha correspondência com familiares do biografado, residentes em Paris,
mesmo sem conhecê-los pessoalmente. Numa destas cartas, declarou que o epíteto
“Bretão Cuiabanizado”, fora criado por ele, tendo recebido aceitação geral. Este
representaria, portanto, o “forasteiro”, que através, especialmente da “parentela”,
agregou-se ao projeto de construção de uma identidade mato-grossense de “arrojada
bravura”.
O espírito que perpassa as biografias de Virgílio Corrêa Filho, de um modo
geral, é, portanto, de imortalização dos “homens notáveis”, os “vultos cérebres do
passado”, que não se intimidam diante de qualquer adversidade, capazes de realizar
“Sacrifício Inigualável” e “Ato de Bravura” para o perfeito cumprimento dos deveres,
como teria feito Leverger.
Nesta biografia, relatou os principais acontecimentos que marcaram a
permanência de Leverger em Mato Grosso, de 1830 até sua morte, em 1880, período
em que “portou-se com a mesma habilidade de marujo afeito a navegar pelos mares
revoltosos”, reportando-se às experiências, herdadas do pai, de “aventureiro do mar”.
Quando leverger chegou a Mato Grosso a Bacia do Prata já seria, então, “o palco
movimentado” em que ocorriam as lutas movidas pelas questões de fronteira entre o
Brasil e as províncias platinas, tema sempre caro a Virgílio Corrêa Filho.
Além da contextualização histórica que desenvolveu neste trabalho biográfico.
Virgílio Corrêa Filho, apoiou-se em fontes documentais que constituem indicações
importantes para os pesquisadores, como, por exemplo, vários ofícios presidenciais,
correspondências, memórias e obras de Augusto Leverger, como: Apontamentos
Cronológicos da Província de Mato Grosso; Diário de Reconhecimento do Rio Paraguai,
desde a cidade de Assunção, até o rio Paraná; Roteiro da Navegação do Rio Paraguai,
desde a foz do São Lourenço até o Paraná; Roteiro da navegação do rio Paraguai,
desde a foz do Sepotuba até à do São Lourenço, entre outras, publicadas pelo
Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso/IHGMT e pelo Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro/IHGB.
Joaquim Murtinho, outra biografia em que exaltou mais um personagem
ilustre. Joaquim Murtinho (Cuiabá/ 1848 – Rio de Janeiro/ 1911) projetou-se na
130
política nacional como Ministro das Finanças no governo de Campos Sales, Virgílio
Corrêa Filho elaborou esta biografia para comemorar o centenário do seu nascimento.
Traço marcante do conjunto de sua obra é o fato de tê-la elaborado sempre
buscando no passado os acontecimentos que pudessem colaborar para a montagem
do quadro onde deveriam se desenrolar os fatos e a trama dos personagens na
história que se propunha a construir.
Joaquim Duarte Murtinho teria recebido este nome em homenagem ao avô
materno, o sargendo-mór português Joaquim Duarte Pinheiro, vítima das violências da
Rusga em 1834. Tendo estudado até os treze anos no Seminário Episcopal de Cuiabá,
seguiu para o Rio de Janeiro com os irmãos, em 1861, para prosseguir os estudos,
como era comum, naquela época, entre as famílias locais de maior poder econômico.
Outra atividade de Joaquim Murtinho, comentada por Virgílio Corrêa Filho,
estaria ligada à Companhia Mate Laranjeira, empresa que desenvolvia a indústria
ervateira em Mato Grosso. Informou que esta empresa, “nada mais seria que simples
ramo das atividades comerciais do estabelecimento de crédito”, que Joaquim Murtinho
dirigia, ou seja, o Banco Rio e Mato Grosso. O Dr. Antônio Corrêa da Costa, secretário
do governo em Mato Grosso na gestão de Antônio Maria Coelho, teria iniciado a
empresa, por orientação de Joaquim Murtinho, na fazenda Três Barras, “à margem
esquerda do Rio Paraguai, onde abriu o porto, a que em homenagem ao seu mestre e
amigo, deu o nome de Porto Murtinho”. Neste local fora estabelecida a sede da
Empresa Mate Laranjeira, que antes ficava em Concepción, vila do Paraguai. Era
representante de Joaquim Murtinho, o seu irmão Francisco, que através de contratos
com o governo de Mato Grosso, para a “expansão da área e do prazo” para os
investimentos, desenvolveu a empresa até torná-la um “verdadeiro Estado no Estado”.
Tomaz Laranjeira adquiriu ao seu acervo, posteriormente. Algumas cidades foram
fundadas a partir da Mate Laranjeira, tais como: Porto Murtinho, Campanário, além do
implemento da população de Bela Vista e Ponta Porá. Fora construída, também, a
primeira via férrea de Mato Grosso, ligando Porto Murtinho a São Roque, para facilitar
o transporte do mate.
Como médico do Marechal Deodoro, Joaquim Murtinho teria exercido
significativa influência para a nomeação do primeiro governador de Mato Grosso,
Antonio Maria Coelho, e do seu secretário, Antonio Corrêa da Costa, seu ex-aluno na
Escola Politécnica. Os partidos políticos mato-grossenses encontravam-se ainda
“desmantelados”, segundo Virgílio Corrêa Filho, pois, teriam recebido de surpresa a
notícia da mudança do regime federal.
131
Em 1891, Manuel José Murtinho assumiu a presidência do Estado, enquanto
Joaquim Murtinho desempenhava o seu papel de senador da República, continuando a
residir, portanto, no Rio de Janeiro.
Joaquim Murtinho fora nomeado, então, para o Ministério da Indústria Viação
e Obras Públicas, em 1896, durante o governo interino de Manuel Vitorino, “de
exaltação patriótica”, vice de prudente de Morais.
Na presidência de Campos Sales, este mesmo iniciou o seu governo
nomeando para Ministro da Fazenda Joaquim Murtinho. Como uma das primeiras
medidas no ministério, “elevou o imposto de consumo à categoria de eficiente fator de
aumento da receita da União”. Sua missão seria “reabilitar o Brasil em suas finanças”,
daí a organização de um esquema fiscal mediante decretos especiais. As práticas
financeiras de Joaquim Murtinho como a criação e aumento de impostos, a deflação,
entre outras, exigiam sacrifícios da população, fato este muito explorado pela
imprensa de oposição, segundo Virgílio Corrêa Filho. Assim, Joaquim Murtinho teria
visto “crescer contra o seu nome a transbordante maré de injúrias e calúnias”.
Novamente servindo-se, com certeza, da metodologia de Plutarco, Virgílio Corrêa Filho
comparou Joaquim Murtinho a Floriano Peixoto. Este, “consolidou a República,
dominando insurreições freqüentes”.
A tendência pragmática em evidência no trabalho de Virgílio Corrêa Filho, no
sentido de ressaltar em cada personagem biografado qualidades exemplares, não
desmerece a hipótese de que são as suas biografias destinadas à “inteligência
histórica”. Com certeza, elas trazem um acervo de informações diversas que, embora
mereçam ser devidamente dimensionadas, são importantes para o conhecimento de
uma época determinada da história do Brasil.
Seu êxito como escritor e historiador teve início com a obra Mato Grosso.
Expressão do momento histórico de sua produção, é representativa do sentimento
patriótico que envolvia os mato-grossenses no seu bicentenário, sentimento este
aguçado pela proximidade da comemoração do centenário da Independência do Brasil.
Representativa dos seus anseios geopolíticos, a obra As Raias de mato
Grosso, já citada, constituiu-se de quatro volumes consagrados ao estudo da “fixação”
dos limites do estado, além de registrar a memória de seus “homens ilustres”, como
Antônio Corrêa da Costa, que teria esboçado o plano inicial do primeiro volume,
tendo-lhe dado, portanto, origem, sendo, depois, completada por Virgílio Corrêa Filho.
As mesmas hipóteses evidenciadas nas obras de Virgílio Corrêa Filho até aqui
analisadas, também podem ser observados em História de Mato Grosso, escrita em
1959 e publicada em 1969, atualizada e ampliada, contendo 741 páginas.
132
Nessa publicação é possível perceber que Virgílio Corrêa Filho manteve a
mesma perspectiva histórica da identidade mato-grossense preconizada por ele, já
observada em obras anteriores, insistindo, por exemplo, na origem bandeirante de
Cuiabá, então capital de Mato Grosso. O orgulho da descendência bandeirante se
percebe em muitos trechos, de forma bastante explícita.
É possível, também, observar nesta obra, a proposição da idéia de isolamento
em que se encontra localizado seu estado natal, especialmente a capital, “a mais de
quinhentas léguas do litoral atlântico”, o que, certamente, viria reforçar sua tese sobre
a necessidade, da implementação de vias de comunicação, como as ferrovias, visando
a ligação do chamado “sertão” com as regiões mais desenvolvidas do país, ou seja,
com o sudeste. Na defesa dos seus ideais geopolíticos, acabou por colaborar com esta
perspectiva que se tornou, durante muito tempo, recorrente na historiografia matogrossense, isto é, a máxima do isolamento que teria marcado o estado de Mato
Grosso.
Enfatizou a recomendação sobre a importância da “imitação” do currículo das
escolas dos países mais adiantados para possibilitar o “progresso” do Brasil.
Interessante ressaltar o fato de que Virgílio Corrêa Filho construiu um painel
com os programas escolares para exemplificar a diferença do conteúdo do ensino de
“história do Brasil” desenvolvido em alguns estados brasileiros. É importante observar
que sua intenção, acompanhando o momento histórico vivido, tido como populista, era
demonstrar que havia liberdade para a elaboração dos programas, porém, desde que
se observassem uma diretriz que enfocasse sempre os “imperativos da unidade
nacional”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Entendo que a contribuição de Virgílio Corrêa Filho para a história deve ser
melhor dimensionada, considerando-se o pioneirismo de autores que, como ele,
sensibilizaram-se e providenciaram a proteção, a conservação e a organização de
documentos valiosos, acervos imprescindíveis para a construção do conhecimento. É
tarefa do historiador aproveitar esse legado cultural atendo-se para as questões
contemporâneas, fazendo avançar o conhecimento histórico a partir das novas
necessidades que se apresentam a fim de compreender melhor o passado e, portanto,
dar condições para que novos paradigmas venham propiciar meios mais eficazes para
a investigação científica.
BIBLIOGRAFIA
133
TRINDADE, Vilma E. Política, História e Memória em Mato Grosso: Virgílio Corrêa Filho.
Campo Grande: Editora UFMS.
134
ENTREVISTAS
135
PEDRO PEDROSSIAN
36
A história de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul tem um antes e um depois.
Os três governos do engenheiro Pedro Pedrossian, que se elegeu governador do velho
Mato Grosso aos 3l anos de idade, em plena efervescência do regime ditatorial e que
se tornaria, ao longo do tempo, na mais importante liderança política do Mato Grosso
e, depois, do Mato Grosso do Sul, sua opção de domicílio eleitoral, com a divisão
Estado, em 1977. Se tivesse optado por Mato Grosso, não seria diferente, pois basta
que se pronuncie este nome em qualquer roda de cafezinho, numa praça ao lado do
velho Palácio Alencastro, no centro de Cuiabá, ou numa roda de cerveja com peixe
frito num barzinho da ponte do rio Coxipó, que ele é unanimemente reconhecido como
líder inconteste de todos os mato-grossenses, com ou sem divisão.
Governador em três ocasiões e Senador da República, Pedro Pedrossian, hoje,
aos 71anos, mata saudade dos tempos de poder contemplando grandes painéis com
fotografias das principais obras que edificou, no último andar de um prédio que nem é
dos mais sofisticados, na área nobre de Campo Grande, onde vive com a esposa, dona
Maria Aparecida, sempre rodeado por filhos e netos e, de vez em quando, recebendo
visitas de um restrito número de amigos. Mesmo quando estava no auge do poder,
Pedrossian sempre foi de poucos amigos e avesso a conversas que não fossem lá
muito interessantes. É conhecida a história de um deputado que teve que voltar do
portão da famosa fazenda Petrópolis, em Miranda, onde o governador descansava
num final de semana, pois não admitia ser importunado com conversas sobre política
ou de governo quando estava no aconchego familiar. Mas há quem garanta que ele
aproveitava muito pouco esses momentos com a família, pois sempre que retornava
desse aconchego trazia um grande projeto debaixo de braço. Mesmo quando
governava, jamais abandonou a prancheta de engenheiro à qual ainda recorre mesmo
nestes tempos de potentes computadores com telas de plasma ou cristal líquido, como
se tivesse ainda algum grande projeto em mente.
Pedro Pedrossian foi um desbravador, o tocador das grandes obras, mas não
gosta de ser reconhecido desta forma. Ele diz que realizou programas e implantou
projetos. Foi ele quem criou as primeiras Universidades, os linhões de energia elétrica,
os primeiros conjuntos habitacionais, as rodovias que interligaram as regiões
produtoras dos dois estados, os estádios de futebol, mas foi também e, muito
provavelmente, o mais polêmico de todos. Dizia-se um forjador de lideranças, mas
não conseguiu deixar um sucessor na política estadual e reclamava sempre que seus
* Entrevista publicada 11 de Outubro de 2005 e disponível em: http://www.douradosnews.com.br Acesso
em 20/05/2006. Agradecimentos à acadêmica Eliza Castagnetti pela garimpagem da entrevista.
136
aliados não entendiam sua política de administrar de divergências, como aconteceu
nas eleições de 1982, em Dourados, quando lançou José Elias como candidato a
governador, mas apoiou, na base, a candidatura de Braz Melo, que concorria com Luiz
Antonio Gonçalves, o candidato apoiado por José Elias.
Quando o Estado foi dividido, Pedro Pedrossian comprou o terno para tomar
posse como primeiro governador, achando que seria nomeado pelo presidente Geisel.
Mendes Canale, primeiro secretário do Senado à época, barrou essa pretensão. Veio
Harry Amorim. Foi derrubado por Pedrossian, que nomeou Marcelo Miranda, que
também foi derrubado pelo próprio Pedro, que acabou assumindo o governo.
Nesta entrevista ao jornal folha de dourados - e republicada hoje pelo
Dourados News em homenagem ao aniversário da criação do novo Estado - o exgovernador admite a soberba que o levou a perder duas eleições, mas diz que não
perdeu, que apenas não as ganhou, o que é mais grave, segundo ele, admitindo que
não soube ler o sentimento popular, mas critica também a arrogância e a soberba do
PT, afirmando que acabou o sonho petista de implantar uma ditadura partidária como
qualquer outro regime de exceção. E, pela primeira vez, fala da grande obra que
faltou construir em seus três governos.
O movimento divisionista, que culminou com a criação do Mato Grosso
do Sul, deu-se em razão da argumentação histórica de que o Sul sustentava o
Norte, que os cuiabanos eram indolentes, que não produziam, essas coisas.
Veio a divisão e parece que o tiro saiu pela culatra, o Mato Grosso explodiu
em desenvolvimento e as coisas por aqui não se alteraram tanto. Qual sua
avaliação desses 28 anos?
Em primeiro lugar, não concordo com a premissa do jornalista de que o
motivo da criação do Estado de Mato Grosso do Sul se embase na “razão da
argumentação histórica de que o Sul sustentava o Norte” (sic). Este não é um bom
argumento, e muito menos é histórico. Considero esse um conceito reducionista e,
permita-me, preconceituoso, também ao se referir à indolência do mato-grossense.
A secessão mato-grossense dá-se por razões estratégicas geopolíticas,
administrativas, econômicas e culturais. Sequer o ato justifica-se por fatos meramente
históricos ou geográficos, isoladamente. Foi produto de muita prospecção, avaliação e
de estudos, depois ajustados aos interesses do sistema que detinha o poder e
medidas todas as conseqüências do ato e do momento.
A rigor, a secção dá-se pela culminância de diversos fatores embricados. Em
um determinado instante histórico, eles se ajustam numa acomodação das partes,
137
para a formação de uma só corpo, ou razão, ou justificativa, ou motivo homogêneo
que favoreceu a culminância de um processo secular.
É conseqüência, portanto, da soma de várias partes de um mesmo conjunto,
de uma mesma unidade. Apenas considero que o governo militar acreditou que todos
esses fatores estavam realmente coesos e prontos, como os átomos de uma mesma
molécula, e que realmente era aquele o melhor momento para se executar essa
medida.
Tentar explicar a criação de MS tomando-se por base apenas uma das
complexas razões inter-relacionadas é comprometer o todo, tentando se valorizar uma
parte.
Essa atitude provoca sistematicamente uma visão quando não cega, míope ou
estrábica do cenário mais amplo que é necessário se ver e se conhecer para uma
interpretação mais clara e menos nebulosa do fenômeno desse histórico como um
todo.
Permita-me discordar – pelas mesmas razões de reducionismo ou de
simplismo preconceituoso e perigoso – da segunda parte da pergunta. Não creio que
Mato Grosso tenha explodido e Mato Grosso do Sul tenha se reduzido a uma lenta
caminhada. Para a História, 28 anos significam tanto quanto um grão de areia para,
apenas, um pedacinho do leito do rio Dourado, como exemplo.
MS e MT são estados díspares; têm suas idiossincrasias, suas peculiaridades e
particularidades – tanto que foram separados – e, portanto, pertencem a processos
diferentes de desenvolvimento. Medir e comparar esses processos é misturar ou tentar
fazer com que o óleo e a água deixem de ser imiscíveis e se combinem.
Acredito, sim, que ambos têm vocações e aptidões próprias e diversas. Mato
Grosso do Sul por razões geoestratégicas é mais voltado à adaptação e evolução dos
seus setores secundário e terciário da economia; enquanto Mato Grosso é possuidor
de fortes tendências a sustentabilidade econômica baseada nas atividades primária e
secundária – nas ordens de valores aqui colocadas. À medida que agreguem valor às
commodities produzidas, como exige a moderna economia, ambos explodirão, para
usar um termo do jornalista. Mas acredito que MS tem maiores possibilidades e está
mais apto, até por razão geoestratégica, de verticalizar a sua produção primária.
Importante que se perceba que os processos de adaptação aos seus
potenciais não são os mesmos. Como resultado, os tempos de resultados também são
diferentes. Mas ambos cumprem com extraordinária capacidade de futuro os seus
papéis nos cenários de desenvolvimento nacional e mundial. Serão dois notáveis
estados, muito eficientes e competitivos, independente dos governos que possam ter.
Disso, não duvido.
138
Há de se ler esse momento com uma aguda visão de futuro. O que vejo é a
formação de uma classe empresarial atualizada, informada, com domínio da ciência e
de tecnologias específicas, nas duas unidades. Antevejo um amanhã brilhante.
Avizinha-se o tempo de colher, porque sempre acreditei que tudo tem o seu tempo.
O Mato Grosso produziu também novas lideranças políticas, aqui o
deputado Londres Machado ainda reina absoluto. Sente-se culpado por isso?
Em razão de tudo o que afirmei, reitero meu desejo que olhemos a realidade
de acordo com as características, o momento e as destinações de cada Estado. Nada
acontece gratuitamente na História. Tudo é resultado de uma combinação de fatores.
Se, em algum momento, em algum lugar do mundo, desponta alguma liderança
realmente autêntica – reforço o autêntica – razões existem para esse destaque. Isso
nada tem de profecia, mas de determinismo histórico. Quanto a sua permanência é
outra questão da qual cuidará a própria História.
Não vejo razões, de quaisquer naturezas, para que Mato Grosso produza
lideranças que Mato Grosso do Sul não possa também produzir. Não há impeditivos
explícitos para esse fenômeno. É só questão de tempo e de oportunidade. Mato
Grosso do Sul tem belos quadros políticos a serem ainda revelados. Sinto e vejo
claramente esse potencial em nossa juventude.
Quanto ao deputado Londres Machado, o considero um político de seu tempo.
Conciliador e com extrema capacidade de liderar interesses dispersos. É craque na
solução de contraditórios e de superar situações conflitantes. É um talento que a
História, certamente, irá destacar.
Devo confessar que não consigo observar um político que deu certo sem que
busque, imediatamente, as lições que fizeram dele um ator permanente por mais que
variem os cenários. Sempre que fiz esse exercício resultou em grandes contribuições
ao meu entendimento do que seja, realmente, a Política.
Londres é um exemplo. Dispo-me de todos os ranços e me limpo de todas as
teias de aranha, dos preconceitos, dos pruridos ou da intolerância para avaliar um
político, especialmente, da estatura e importância do Londres. Olho dessa maneira,
acima dos muros partidaristas ou das cores ideológicas. Sempre procuro conhecer,
com realismo e dessa maneira pragmática, tanto os meus companheiros como os
adversários de momento. Ao meu ver, esse metido sempre deu certo para mim.
Sua convivência com a classe política nunca foi das mais tranqüilas...
O Sr. acha que os políticos se intimidavam diante de sua liderança ou não
tinham ritmo para lhe acompanhar?
139
Interessante como a pergunta do jornalista já vem acompanhada de uma
resposta insinuada. Não vejo o porquê de meu relacionamento com a classe política
tenha sido intranqüila.
Evidentemente, a política executada na prática de seu dia-a-dia envolve
interesses de setores da sociedade aos quais determinado partido está ligado ou é
dissonante, o que comumente causa entrechoques.
Mas, acima dos interesses de grupos ou de corporações, sempre coloquei os
interesses do Estado ou do País. Mais ainda: os interesses da maioria.
Fui intransigente nesse princípio. Trouxe sempre comigo esse conceito com
irritante coerência. Jamais abri mão dele. Nunca levei à sério muitos políticos
bissextos, que faziam uma política de campanário, de conchavos e de barganhas.
Todos os que me conheceram sempre souberam dessa minha disposição.
Jamais negociei com mercadores. Os que se incluíram nessa conceituação,
evidentemente se afastaram de mim, quando não, me detrataram.
Portanto é possível que vários deles tenham chorado por me conhecer. Como
o choro é livre, jamais os chamei para consolá-los. Talvez muitos tenham jogado
pedra em mim.
Mas acima de tudo, respeitei os retos e honrados. Levei em consideração os
sérios, com autoridade moral, os políticos com princípios e coerentes aos seus
princípios – fossem divergentes ou convergentes dos meus. Desses, com certeza,
recebi o mesmo respeito que a eles dediquei.
Com o governador Zeca do PT já em fim de mandato, quem o Sr.
projeta como liderança em ascensão?
O surgimento de novas lideranças independe de mandatos. Por seu lado, o
José Orcírio termina sua gestão, mas creio que irá prosseguir sua biografia política
com outro mandato eletivo, provavelmente majoritário, imagino eu. Portanto, não é
ele quem abre espaço para novo nome, ele simplesmente vai ocupar outro. As précandidaturas postas para ocupar o lugar dele são nomes já conhecidos e
sedimentados. Todos em busca de uma consolidação, o que uma eventual derrota nas
urnas não os impedirá, entretanto, de buscar novas oportunidades. São novos em
idade e futurosos.
O Sr. acha que o ex-prefeito André Puccinelli já pode ir guardando o
dinheiro para comprar o terno de posse?
140
Antigamente se dizia que barriga de mulher grávida, cabeça de juiz e urnas só
se pode contar quando são abertas. Ou como gostam de dizer os locutores de rádio,
em delicioso óbvio: o jogo só acaba quando termina.
A extraordinária dinâmica da política pode caminhar por diversas trilhas,
muitas imprevisíveis. Hoje, o cenário coloca o André como bastante bem cotado para
ocupar o lugar do Zeca. Amanhã, não saberia dizer qual formato de bichinho a nuvem
da política tomará.
No discurso quando lhe concedeu o título de cidadão douradense o
então vereador Raufi Marques disse que para onde se olhe, em Mato Grosso e
Mato Grosso do Sul, se vê uma obra sua. O Sr. se considera mesmo o maior
governador de todos os tempos?
Não posso me considerar o melhor Governador de todos os tempos. Primeiro,
não sei exatamente a qual dos estados o Sr. se refere. Entretanto, tenho certeza que
fui o governador, em ambos os estados, como a maior visão de futuro. Fui o que
sinalizou com maior clareza para os caminhos do porvir. Esse é o nó górdio de meus
três Governos: a falta de entendimento claro dos marcos de futuro que finquei nos
solos de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
Alguns se referem a mim como um fazedor, um tocador de obras, um
realizador. Ledo engano. Jamais construí o que não fosse um sinal, uma marca para
que dali se projetasse para o grande salto no tempo. Essa é a grande diferença que
gostaria que todos entendessem, não fui um construtor na acepção comum da
palavra. As realizações promovidas em meus governos eram apenas plataformas
alavancadoras de futuro. Não fiz obras, realizei programas e projetos.
Para um entendimento aprofundado desse conceito, tomemos, por exemplo,
as universidades. Instalei pólos de saber e de conhecimento para a formação de
massa crítica e de consciências capazes de romper com o atraso, o marasmo, o
imobilismo e, ao mesmo tempo, em que eu edificava um centro formador de quadros
capazes de atender, a um só tempo, à necessidade regional de profissionais
qualificados e de não permitir que nossos talentos, nossas inteligências ou nosso
próprio futuro fossem embora para, quem sabe, numa mais voltarem.
Realmente, exportar esses valores era lamentável, imperdoável, mesmo.
Esse, portanto é o papel da universidade. Não a vejo em sua concretude, mas em seu
conceito e proposta de futuro que contém.
O Sr. construiu universidades, preparou os dois estados para o futuro
e depois perdeu duas eleições importantes. Considera-se traído, a população
141
não soube fazer a leitura de seu tempo ou admite que houve equívocos em
seus projetos?
Jamais. A população é sábia. Ela compreende a realidade e muitas vezes tem
uma melhor leitura dela que nós, governantes enclausurados em redomas de carpetes
e refrescados pelo ar condicionado. Não perdi eleições, apenas não as ganhei, o que é
bastante diferente e, talvez, mais grave.
Explico. Não soube, naquelas oportunidades, ler o sentimento popular. Não
soube responder às perguntas do povo e atender às suas demandas mais imediatas.
Achei que já as tinha dado. No entanto estava enganado. Talvez tenha sido por
presunção que não soube compreender que novas realidades exigem novas
mentalidades e novas perguntas e, portanto, novas respostas. Exatamente eu, que
sempre preguei e apliquei esse princípio em meus governos e na minha própria vida.
O bom político jamais deve achar que tem todas as respostas. Porque, como
dizem, quando considera que as tem, vem o povo e muda as perguntas.
Neste caso, quem trai quem? Aprendi que são os políticos que traem o povo,
exatamente por falta de cotidianizar as suas respostas. E o que é isso, senão
alienação política?
Tudo bem que o Sr. disse que não fez obras e sim projetos, mas de
todas qual a que considera mais importante?
futuro.
Pelo já dito, as universidades são a síntese de uma filosofia de gestão de
Qual a obra que gostaria de fazer e não conseguiu?
Antes de terminar o meu terceiro mandato de governador, em Mato Grosso
do Sul, tinha a firme decisão de lançar as bases do Centro de Ciência e Tecnologia de
Campo Grande. Uma obra voltada para a contemporaneidade. Hoje, não mais se pode
entender o desenvolvimento holístico, integrado e sustentável sem a pesquisa, a
ciência e a tecnologia. São ferramentas indispensáveis e insubstituíveis da
modernidade, da qual sempre fui um enamorado.
Estas são os novos instrumentos da prosperidade social, coletiva e individual.
Não pude realizar esta obra extraordinária por várias razões, inclusive por não
dispor de uma área urbana favorável, como eu desejava naquele momento.
O tempo, que é um conceito abstrato, e com o qual me relaciono bem, nessa
ocasião foi meu adversário, muito mais que a falta de visão de setores da sociedade,
como dos recursos governamentais que não dispunha na oportunidade.
142
Devo assinalar que pela primeira vez, depois que deixei o Governo, estou
voltando a esse assunto, que de certa forma dá a mim uma certa sensação de
incompletitude – esse é um neologismo criado para descrever o meu sentimento – em
minhas administrações.
Seus governos sempre foram muito arrojados e de muitas realizações,
como o senhor se veria governando sob a égide da lei de responsabilidade
fiscal?
Sempre mantive a ética como parâmetro de gestão.
A lei de Responsabilidade Fiscal por certo me ajudaria muito a governar. Por
diversas vezes, o Estado deixou de receber recursos por capricho de meus
adversários. E não foram poucas as vezes. Hoje, com a LRF não aconteceria esse viés.
Muitos confundem determinação, coragem e ousadia com irresponsabilidade. Somente
cabeças que não precisam necessariamente ser muito privilegiadas podem discernir
uma coisa de outra coisa. Lamento que esse privilégio tenha, às vezes, se
transformado em raridade ou em cinismo.
Como co-responsável pela eleição do governo do PT no Estado, como
avalia o momento político, diante de tantas denúncias?
Creio, numa avaliação mais cautelosa e distante, mesmo porque jamais fui
membro do Partido dos Trabalhadores, que essa crise foi muito saudável à vida
partidária nacional.
Primeiramente, o país decretou a queda do muro de Berlim ideológico
brasileiro. A hegemonia intelectual da esquerda do Brasil ruiu, foi abaixo. Mostrou que
o PT errou e que não era detentor exclusivo, como quis fazer entender, da moral, da
boa fé, dos bons costumes, da ética em termos absolutos. A arrogância e a soberba
petista fez o muro ideológico da hegemonia intelectual desabar.
No meu caso, como milhões e milhões de brasileiros acreditei na conveniência das
propostas programáticas e ideológicas do Partido dos Trabalhadores. Claro que
fazendo as devidas e necessárias reservas.
Sou um cidadão, uma pessoa comum, portanto não possuo a capacidade
onipotente de avaliar sem erros, de concluir sem equívocos.
Entretanto, devemos reconhecer que feita a depuração política nacional, os
valores pragmáticos petistas terão vicejados e florescidos em uma árvore que precisa
de podas, de realimentação, de ser aguada e adubada com os valores do povo
brasileiro para poder se refazer e novamente dar bons frutos.
143
Distanciar-se da população e encasterlar-se no poder como em uma redoma,
sempre foi um erro político estratégico fatal. E o PT cometeu esse erro que vem
culminando em um canibalismo capaz de cortar a própria carne.
As razões ainda são nebulosas. A versão do desejo de mexicanizar o país,
através da ditadura partidária hegemônica, é bastante aceitável. O sonho petista
mergulhou em um romantismo infantil ou em uma infantilidade romântica, que foi
rapidamente despertada pela sineta democrática da nacionalidade.
O sonho petista acabou. Digo o sonho da ditadura partidária, como qualquer
outro regime de exceção, porque o Brasil começa entender e a gostar da democracia.
Com tudo isso o Estado está no rumo certo?
Tanto Mato Grosso do Sul como Mato Grosso são estados com potenciais
extraordinários de desenvolvimento equilibrado. E é importante se assinalar que
independe de eventuais governos para que venham adquirir a velocidade ideal de
progresso. E entender que essa velocidade é progressiva e não mais constante como
há 20 ou dez anos atrás quando a exclusividade da prosperidade estava em mãos
governamentais e congressuais.
A mundialização está ensinando às forças sociais e empresariais que elas
podem ser o dínamo que toca à frente os projetos das comunidades. Agora, o governo
é que começa correr atrás dos segmentos produtivos e produtores, a nova energia e
força do desenvolvimento político e social, sem enfatizar, claro, o econômico. Aos
poucos se inverte a direção da mão do desenvolvimento.
O Estado se reduz, se torna o sonhado Estado mínimo dos neoliberais.
Transforma-se apenas em regulador, normatizador e fiscalizador. Você pode ou não
concordar com esse processo. No entanto, ele é irreversível e inquestionável.
Descobrir quais são os impactos físicos, políticos e sociais que possam causar menor
dano ao conjunto das pessoas é a tarefa dos democratas e republicanos verdadeiros,
universo no qual julgo estar inserido.
E o Brasil de Lula?
Como nossos MT e MS, o Brasil é um país de um futuro esplendoroso. A
hegemonia imperialista e intervencionista americana e européia debilita-se a olhos
vistos. A China, a Índia, o Brasil, para falar apenas dos geograficamente maiores, são
países que em curto espaço de tempo irão emergir como forças de equilíbrio com as
potências dominadoras e exploradoras.
A Europa parece ter compreendido isso antes e melhor que os Estados
Unidos. A formação de blocos econômicos homogêneos – às vezes nem tanto – é sinal
144
de que a comunidade financeira internacional começa a sentir o impacto do
crescimento dos grandes países com uma geografia física e humana fantástica. O
Brasil, antes quintal, começa a se mobilizar para ocupar a sala-de-estar. É preciso que
se amplie a sala ou que se aceite o aperto que virá pela frente.
Pedro Pedrossian. Alguma chance de o eleitor vir apertar esta tecla
nas urnas eletrônicas em futuras eleições?
Acho que já cumpri com honra e orgulho a minha missão como governante.
Sou um soldado suíço, vou para a guerra e, ao terminar, volto para casa, não para o
quartel. Como cidadão, é meu dever acompanhar de boa fé as coisas da política e os
acontecimentos que dizem respeito à minha vida, à vida da minha família e da minha
comunidade. Faço isso como dever de casa e com precisão cirúrgica, diariamente,
porque entendo que todo homem e toda mulher somos seres políticos por excelência.
Alguma mágoa da política?
Nenhuma. A política não erra; muito menos o povo. Somos nós que erramos.
145
PAULO COELHO MACHADO
Hidelbrando – Pelas informações disponíveis, sabe-se que Campo
Grande é uma das poucas cidades brasileiras que possui a história de seus
habitantes e de suas ruas principais. Diante desse seu trabalho agrada-lhe
ser chamado de cronista-mor de Campo Grande?
Paulo C. Machado – De certa forma, sim. Afinal, são mais de 40 anos de
pesquisa da história da cidade de Campo Grande. A história do povo simples,
trabalhador, dedicado, que construiu esta cidade e esta Capital.
Hidelbrando – Como está concretizada sua pesquisa?
Paulo C. Machado- Na série Pelas Ruas de Campo Grande, com cinco livros: A
Rua Velha, a atual Rua 26 de Agosto; A Rua Principal, A Rua 14 de Julho; A Rua
Barão; A Rua Alegre, A Rua 7 de Setembro e um pouco a Rua Maracaju e as Avenidas,
principalmente a Av. Afonso Pena.
Hidelbrando – Que tal a aceitação do público?
Paulo C. Machado – O povo sempre se entusiasma com sua história,
principalmente quando enfoca seus familiares, conhecidos e vizinhos. Foi o que
aconteceu. A Rua Velha, o primeiro deles, está esgotado há tempo.
Hidelbrando – A Rua Velha tem mais valor que as outras?
Paulo C. Machado – Em tese, não. Na prática, acredito que sim pois é o ponto
de partida da história de Campo Grande. Tudo necessariamente começa por ela.
Hidelbrando – Analisando o início de Campo Grande, seus valores e
anseios, é possível concluir sobre os princípios que nortearam a identidade
do povoado?
Paulo C. Machado – Muito trabalho e muito amor à terra são os segredos do
desenvolvimento dessa cidade.
Hidelbrando – Sendo um grande advogado, de onde veio o gosto pela
história?
Paulo C. Machado – Nasceu de uma missão do Rotary Club, que pretendia dar
à cidade, num de seus aniversários na década de 40, uma publicação que revelasse a
sua história. Fui encarregado da pesquisa por ser o mais novo da comissão. Os outros
eram o Dr. Nicolau Fragelli e o tabelião Ulisses Serra, escritores já consagrados.
146
Entreguei-me ao trabalho de localizar e entrevistar as pessoas mais antigas da cidade,
que me revelaram fatos que anotei em cadernos pois não existiam ainda os
gravadores.
Hidelbrando – Aí nasceu a paixão pesquisa?
Paulo C. Machado – De fato. Apaixonei-me pela investigação que me revela
coisas importantes. Pude perceber que pessoas comuns eram tão importantes na
formação da cidade, quanto os poderosos. Por isso refiro-me com freqüência a eles
em meu trabalho de reconstrução dos fatos que formam a vida de Campo Grande.
Hidelbrando – O trabalho da comissão foi publicado?
Paulo C. Machado – Não. Sem alternativa, resolvi divulgar o material.
Primeiro, no Jornal da Cidade e, depois, no Correio do Estado. E fui relatando os fatos,
as ruas, seus moradores. Com isso, senti-me obrigado a ampliar a pesquisa.
Hidelbrando – É normal enfrentar dificuldades na pesquisa?
Paulo C. Machado – O pesquisador deve ser teimoso, pois encontra sempre
dificuldades em seu trabalho. Tenho que recorrer à tradições oral e, por isso, estou
constantemente preocupado com a confirmação de outras pessoas, muitas vezes com
versões diferentes. Encontrar as pessoas aptas a fornecer as informações é outro
obstáculo sério.
Hidelbrando – É verdade que certas vez um informante foi
interceptado no momento de embarcar no ônibus?
Paulo C. Machado – É verdade. Encontrei-o dentro de um ônibus, que partia
para Bela Vista, onde morava. Por sorte, houve um atraso na partida, que me
proporcionou o tempo necessário à entrevista.
Hidelbrando – E sobre sustos e pesquisas?
Paulo C. Machado – Sempre há. Os piores sustos ocorrem quando o
pesquisador tem uma informação errada e descobre isso depois de publicada,
comprometendo sua credibilidade. Quando a surpresas, ás vezes fatos que se tem
como certos, pacíficos, de repente a pesquisa demonstra serem falsos.
Hidelbrando – Um exemplo.
Paulo C. Machado – Aconteceu ao pesquisar a presença dos pioneiros no sítio
de Campo Grande. Historiadores conceituados afirmam que o poconeano João
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Nepomuceno foi a primeira pessoa a fixar-se aqui. No meu livro a Rua Velha mostro o
resultado da minha pesquisa que revelou. Ter ele surgido depois de José Antônio
Pereira, demonstrando a versão consagrada por Peri Alves Campos e outros que lhe
seguiram as pegadas.
Hidelbrando – Como agir com os fatos que podem melindrar?
Paulo C. Machado – Há pessoas que se melindram quando encontram
algumas informações desaírosa a um antepassado. Por isso evito as mais pesadas.
Tive alguns casos que me aborreceram. Uma antiga cliente, que até me devia favores
e honorários, me procurou para dizer que achou de mau gosto fatos narrados sobre o
comportamento do pai dela que, afinal, nada tinha de desabonador, mas davam
apenas um tom de humor ao trabalho. Reclamou e saiu de cara fechada.
Outros me atacaram, com publicações em jornal pelas referência ao avô, mas
não reclamou do epíteto que lhe dei e até pareceu-me satisfeita por me haver
lembrado dele.
Hidelbrando – Na pesquisa, alguns vultos acabam impressionando o
historiador. Cite alguns.
Paulo C. Machado – Vários personagens acabaram por impressionar-me. Cito
Arlindo de Andrade Gomes, pernambucano, primeiro juiz de direito de Campo Grande,
que instalou a comarca em 1911. Em 1922 era prefeito e construiu o Jardim Público,
Praça Ari Coelho. Era pessoa de bem, caráter irreprochável.Intelectual, lia muito, boa
cultura. Pai de família exemplar. Conversa agradável, amava Campo Grande e a
natureza. Sobre ele escrevi uma breve biografia.
Outro, Amando de Oliveira, paulista, também amigo de Campo Grande. Foi
vereador e presidente da Câmara. Deu muitos exemplos de bravura e bom senso.
Repeliu invasão da cidade por forças revoltosas e defendeu o juiz de direito quando o
comandante da polícia decretou estado de sítio e quis prender o juiz.
Hidelbrando – É verdade que foi o primeiro a ser enterrado no
cemitério Santo Antônio?
Paulo C. Machado – Veja o que é destino. Amando de Oliveira doou á
municipalidade o terreno do cemitério Santo Antônio e foi primeiro a ser sepultado ali,
assassinado em 1914.
Hidelbrando – Mais algum personagem?
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Paulo C. Machado – Joaquim Viera de Almeida, cuiabano, o escriba do
povoado no final do século passado. Era o mais letrado dos habitantes da época.
Escrevia atas de reuniões, oficios, reivindicatórios para o governo e até cartas
particulares. Prestou muitos serviços a Campo Grande. Primeiro comerciante e
curandeiro.
Hidelbrando – Que locais históricos, em Campo Grande, não podiam
ter desaparecido e quais devem ser preservados?
Paulo C. Machado – Não podiam ter desaparecido o Coreto da Praça Ari
Coelho e o relógio da Av. Afonso Pena. Devem ser preservados o Museu da Cidade,
sede da fazenda Bálsamo, que pertenceu a Antônio Luís Pereira, filho do fundador, o
complexo das construções da Noroeste do Brasil; o obelisco da Av. Afonso Pena; a
capela da tia Eva e algumas casas mais antigas do miolo da cidade.
Hidelbrando – Há espírito para esta conservação?
Paulo C. Machado – Há. Hoje a população foi tomada pela mentalidade
conservacionista. Toda gente esá preocupada com a nossa história. Recebo
constantemente alunos e professores á procura de informações de fatos históricos.
Já perdemos muita coisa que pertencia às nossas tradições. Ainda há o que
conservar e reconstruir, o que compete aos agentes políticos.
Hidelbrando – Seu pai deixou, no então Mato Grosso, uma história de
dignidade, austeridade e retidão de caráter muito bem retratada por Antônio
Lopes Lins no trabalho Eduardo Olímpio Machado – o Homem, o Meio, seu
Tempo. Como foi Eduardo Machado para o filho Paulo?
Paulo C. Machado – Meu pai foi um homem extremamente bondoso. Em casa
procurava dar educação correta aos filhos, sem repressões. Apenas conselhos e alguns
pitos, sem qualquer castigos físico ou gritos desnecessários.
Tratava bem os empregados, protegia-os, não gostava de serviços manuais.
Foi juiz de direito e advogado. O pai dele também fora juiz. Essa, talvez, a causa de
sua austeridade e espírito de justiça. Não sabia negar favores a quem recorria a ele.
Foi, por isso, explorado por muita gente.
No fim da vida ( morreu com 93 anos ), ficava na porta da casa distribuindo
moedas aos meninos que passavam. Possuía bons amigos, a quem procurava agradar.
Tinha muita presença de espírito, bom humor e alegria.
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Hidelbrando – Sobre seu lado profissional. Como foi trabalhar como
advogado?
Paulo C. Machado – Meu trabalho de advogado, por mais de 30 anos, sempre
foi gratificante. Exerci minha profissão com garra, entusiasmo e dentro dos padrões
éticos, sem me preocupar com a remuneração de meus serviços. Estudava cada
causa, por banal que fosse.
Minha preocupação maior era não errar e produzir trabalhos corretos e
estéticos. Não havia lugar para especializações quando iniciei a profissão.
Hidelbrando – Reconhecidamente tímido, como administra sua timidez,
principalmente no júri?
Paulo C. Machado – Sem ser orador, vencendo minha timidez produzi
trabalhos no júri, com elevado número de bons resultados, que me proporcionaram
fama na advocacia criminal. Estudava bem os processos, pesquisava, procurava
informar-me sobre a vida do réu, das testemunhas, da vítima e de tudo que se
relacionasse ao caso.
Estudava lógica e a doutrina dos doutores, além da jurisprudência. Tinha bom
arquivo e um fichário atualizado.
Hidelbrando – E como juiz auditor militar?
Paulo C. Machado – Fui nomeado para exercer o cargo de juiz auditor da Nona
Região Militar, que exerci por mais de 5 anos. Uma grande experiência que me trouxe
novos conhecimentos do comportamento humano. Eram inúmeros os processos e
minhas decisões foram sempre aceitas pelo Superior Tribunal Militar.
Hidelbrando – O senhor foi vereador e secretário de Estado. Gosta da
política?
Paulo C. Machado – Na política faltava-me entusiasmo para exercer cargos
eletivos. Fui eleito vereador duas vezes, pela UDN, e gostava dos debates. O Dr.
Fernando Corrêa da Costa era preito e depois governador. Iniciou-me para que
continuasse a carreira política, prometendo incluir meu nome na chapa de deputado
federal. Recusei terminantemente. Entusiasmei-me sempre pelos movimentos
políticos, mas não me seduzia a profissão.
Hidelbrando – O senhor fez história?
Paulo C. Machado – Não tenho qualquer pretensão. O meu modesto está aí,
com o único intuito de ser útil, de registrar a caminhada de nosso povo. Nada mais.
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Hidelbrando – E sua participação na luta pela criação do Estado de
Mato Grosso do Sul?
Paulo C. Machado – Devo reconhecer que, desde a década de 40, empenheime na criação do Estado de Mato Grosso do Sul. Quando o presidente Ernesto Geisel
acenou com a viabilidade de criar o novo Estado, apressei-me em reativar a Liga Sul
Mato Grossense e, com ele, preparar os dados necessários para a Lei Complementar
nº 31.
Hidelbrando – Por que, na ei, está cria o Estado e não divide o Estado?
Paulo C. Machado – É que Mato Grosso do Sul sempre se considerou
autônomo. Não poderia aceitar que Mato Grosso fosse dividido. E sim, que ele fosse
criado com desmembramento do do território mato grossense.
Hidelbrando – E nosso Estado vai melhorar?
Paulo C. Machado – Certamente. O Estado está encontrando seu caminho, o
seu destino. O povo é trabalhador, decidido. O momento nacional não ajuda muito.
Mas vai melhorar. Aí nosso Estado estará entre os maiores e melhores do país. Pode
acreditar.
Hidelbrando – Qual sua preocupação básica na pesquisa?
Paulo C. Machado – A preocupação básica e sempre intensa é evitar que se
esfumassem nos desvãos do tempo os sucessos mais caros e importantes deste
torrão, adotado como terra natal por todos aqui aportaram.
Este trabalho teve como objetivo, resumir em poucas palavras como-se
passou a vida de Paulo C. Machado. Passamos por um breve resumo de como ele teve
sua vida acadêmica no Rio de Janeiro e sua participação na política do Estado de Mato
Grosso do Sul, principalmente referente a criação do novo Estado O trabalho abordou
o sonho e as dificuldades que a sociedade Sul Mato Grossense passava para ter uma
identidade ou seja a busca de melhores condições de vida, pois era uma parte de do
Estado do Mato Grosso esquecida pelas autoridades.
A pesquisa abordou na íntegra a visão de Marisa Machado e uma entrevista
feita por Hidelbrando Campestrini a Paulo Coelho Machado. O cronista-mor da cidade
de Campo Grande foi de extrema importância pois suas obras levou a todos nós a
entender-mos como foi a surgimento do comércio e a vinda dos imigrantes para
cidade através de uma série de obras com o título “Pelas Ruas de Campo Grande”.
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O mais importante além da história de Paulo C. Machado, foi verificar que
toda sociedade brasileira vivia um período político ditatorial no Brasil.