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Recomendações Clínicas Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar Álcool e Cuidados de Saúde Primários Recomendações Clínicas para a Detecção e Intervenções Breves Álcool e Cuidados de Saúde Primários Recomendações Clínicas para a Detecção e Intervenções Breves ÍNDICE Este documento corresponde a adaptação e tradução do texto “Alcohol and Primary Health Care: Clinical Guidelines on Identification and Brief Interventions” elaborado por Peter Anderson, Antoni Gual e Joan Colom, sendo parte integrante do Projecto Europeu de Cuidados Primários e Álcool (PHEPA). O Projecto PHEPA foi co-financiado pela Comissão Europeia e pelo Departamento de Saúde do Governo da Catalunha, Espanha. O projecto em questão contou com a colaboração dos representantes de 17 países europeus, entre os quais Portugal. O volume português foi realizado no âmbito de um protocolo entre a APMGF – Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar e o Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências sob coordenação da Prof. Doutora Cristina Ribeiro e da Dra. Inês Maio do Núcleo de Comportamentos Aditivos da APMGF. A tradução foi assegurada por Prof. Doutora Cristina Ribeiro, Dra. Inês Maio, Dra. Cátia Nunes e Dr. Frederico Rosário. A versão electrónica original do documento, e mais informações podem ser consultadas no site: http: www.phepa.net. Sumário I. Introdução ----------------------------------------------------------------------- 14 II. Método de preparação das recomendações clínicas ---------- 17 III. Descrição do consumo de álcool e dos danos associados ----------------------------------------------------------------------- 19 IV. Álcool e saúde ----------------------------------------------------------------- 27 V. Identificação do uso de álcool de risco e nocivo --------------- 85 VI. Eficácia das intervenções breves VII. Custos e efectividade das intervenções breves VIII. Implementação de programas de identificação ---------------------------------------------------- 113 130 e de intervenção breve ----------------------------------------------------- 137 IX. This document should be quoted: Anderson, P., Gual, A., Colom, J. (2005). Alcohol and Primary Health Care: Clinical Guidelines on Identification and Brief Interventions. Department of Health of the Government of Catalonia: Barcelona. Health Department of the Government of Catalonia Barcelona, Layout and cover design by Xavier Cañadell Conforme original, a qual se acrescentaram nomes dos Coordenadores e tradutores da versão portuguesa na contracapa conforme texto acima. Dep. Legal 349731/12 Avaliação do dano provocado pelo álcool e pela dependência de álcool-------------------------------------------- 155 Anexos --------------------------------------------------------------------------------------- Agradecimentos ------------------------------------------------------------------------- 183 195 Sumário Introdução A União Europeia é a região do mundo com a maior proporção de consumidores de álcool e com os maiores níveis de consumo alcoólico per capita. O álcool é o terceiro factor de risco mais importante para a ocorrência de doença e de morte prematura, a seguir ao consumo de tabaco e à pressão arterial elevada, sendo mais importante que os níveis elevados de colesterol e excesso de peso. Além de ser uma substância psicoactiva que provoca dependência e de causar cerca de 60 diferentes tipos de doenças e lesões, o álcool é ainda responsável por diversos problemas do foro social, mental e emocional, em que se incluem o crime e a violência familiar, acarretando elevados custos para a sociedade. O álcool não só prejudica o consumidor, mas também todos aqueles que estão à sua volta, em que se incluem os filhos ainda por nascer, as crianças, outros membros da família, as vítimas de crimes, situações de violência e acidentes de viação. Tem sido atribuída aos profissionais dos cuidados de saúde primários a responsabilidade de identificar e intervir junto dos doentes com consumos de álcool de risco e nocivo. A identificação destes doentes ao nível dos cuidados de saúde primários e subsequente aplicação de programas de intervenção breve, constitui uma oportunidade para educar estes doentes acerca dos riscos do consumo de bebidas alcoólicas. O conhecimento da quantidade e frequência dos consumos alcoólicos pode contribuir para o diagnóstico do problema de saúde actual do doente, e pode alertar o médico para a necessidade de aconselhar os doentes cujo consumo de álcool possa interferir com a medicação e com outras vertentes da terapêutica. A implementação dos programas de rastreio e de intervenção breve, com acompanhamento e empenho adequados, implica que as pessoas que não apresentam dependência alcoólica reduzam ou deixem de consumir álcool mais facilmente que os dependentes. Todavia, os profissionais dos cuidados de saúde primários deparam-se frequentemente com dificuldades na identificação e aconselhamento dos doentes relativamente ao consumo de álcool. As razões mais citadas são a falta de tempo, o treino inadequado, receio de hostilizar o doente, a noção de incompatibilidade dos programas de intervenção breve com os cuidados de saúde primários, e a crença de que os doentes com dependência alcoólica não apresentam resposta às intervenções. Preparação das recomendações clínicas O objectivo destas recomendações é resumir a evidência dos efeitos lesivos do consumo alcoólico, e de como este problema pode ser abordado ao nível dos cuidados de saúde primários. As recomendações também descrevem a dependência alcoólica e a forma como pode ser abordada, de modo a que os profissionais dos cuidados de saúde primários saibam o que esperar quando 4 5 Sumário um doente com abordagem mais complexa seja referenciado a consulta especializada nesta área. O principal objectivo destas recomendações é aconselhar os profissionais dos cuidados de saúde primários sobre o estado da arte sobre a efectividade de diversas técnicas de abordagem a pessoas com consumo de álcool de risco ou nocivo. Estas recomendações baseiam-se em revisões da evidência e na experiência do grupo de trabalho criado para as elaborar. O consumo de álcool e problemas associados O consumo de álcool pode ser descrito em termos de gramas de álcool consumido, ou em termos bebidas-padrão, considerando-se a nível europeu que uma bebida-padrão contém 10g de álcool. Considera-se consumo alcoólico de risco um nível ou padrão de consumo cuja persistência aumente a probabilidade de ocorrência de danos para a saúde. A Organização Mundial de Saúde (OMS) propõe uma definição funcional deste comportamento de risco, descrevendo-o como um consumo regular médio diário de 20 a 40g de álcool nas mulheres, e de 40g-60g nos homens. O consumo nocivo é definido como um padrão de consumo de álcool que causa danos quer na saúde física, quer na saúde mental do indivíduo. A definição funcional da OMS considera consumo nocivo um consumo médio regular de mais de 40g de álcool por dia na mulher, e superior a 60g por dia no homem. Um consumo episódico excessivo (também designado por binge drinking), que pode ser particularmente lesivo na presença de certos tipos de problemas de saúde, pode ser definido como a ingestão de pelo menos 60g de álcool numa única ocasião. A dependência de álcool é um conjunto de fenómenos fisiológicos, comportamentais e cognitivos, no qual o comportamento de consumo de álcool toma um lugar prioritário e central na vida de um indivíduo, em detrimento de outros comportamentos que antes, para ele, tinham um elevado valor. O património genético do indivíduo modifica o risco de consumo nocivo e de dependência alcoólica: alguns genes aumentam a probabilidade ao passo que outros parecem ser protectores. Existe interacção entre os genes e o meio ambiente, verificando-se que as pessoas que consomem mais álcool ou que vivem em ambientes de maior consumo alcoólico apresentam um risco aumentado de desenvolver problemas de saúde associados ao álcool. Qualquer que seja a quantidade de álcool consumido, as mulheres parecem estar sujeitas a um risco superior, variando o nível de risco com as comorbilidades do indivíduo. É provável que esta diferença resida na presença de menor quantidade de água corporal em relação ao peso na mulher do que no homem. O facto dos homens de meia-idade pertencentes a grupos de nível socioeconómico baixo apresentarem mais 25% de risco de morte, em comparação com outros indivíduos do mesmo sexo e idade mas oriundos de grupos socioeconómicos elevados, pode dever-se ao consumo de álcool. 6 Sumário O consumo alcoólico, os problemas relacionados com o consumo e a dependência alcoólica devem ser perspectivados como um continuum e não como entidades estanques. O mesmo indivíduo pode, ao longo da sua vida, movimentar-se para trás e para a frente ao longo deste continuum. Álcool e Saúde O álcool aumenta o risco de diversas problemáticas sociais de modo dose-dependente, não se tendo encontrado evidência da existência de um efeito limiar. Considerando cada consumidor de álccol individualmente verifica-se que o risco é tanto maior quanto maior for o consumo de álcool. Os danos causados pelo consuno de álcool vão desde problemas sociais menores, como por exemplo a perturbação do sono de terceiros, até situações mais graves como a desestabilização de relações conjugais, o abuso infantil, o roubo, a violência ou mesmo o homicídio. De um modo geral constata-se que quanto mais grave é um crime ou dano, maior é a probabilidade do álcool estar envolvido. Os danos causados a terceiros são uma importante razão para se intervir nos consumos alcoólicos de risco e nocivo. O álcool é a causa de numerosas lesões, perturbações mentais e comportamentais, patologias gastrointestinais, neoplasias, doenças cardiovasculares, alterações imunológicas, problemas osteoarticulares, alterações reprodutivas e pré-natais. Da mesma forma que para os problemas sociais verifica-se uma relação dose-efeito no risco de ocorrência de problemas individuais sem que se tenha encontrado evidência da existência de um efeito limiar, ou seja, quanto maior for o consumo alcoólico maior o risco. O consumo de pequenas quantidades de álcool reduz o risco de doenças cardiovasculares, embora ainda se encontre em discussão a dimensão exacta da redução do risco e a quantidade de álcool que deve ser consumida para que tal efeito protector ocorra. Tanto os estudos de melhor qualidade metodológica como aqueles que abarcam os possíveis factores de influência, demonstram menor risco se o nível de consumo de álcool for baixo. Grande parte da redução do risco pode ser alcançada através do consumo médio diário não superior a 10g de álcool. A partir de um consumo de 20g de álcool por dia, o risco de desenvolvimento de patologia coronária aumenta. As evidências apontam o álcool em si como responsável pela redução do risco de doença cardíaca e não um qualquer tipo específico de bebida alcoólica. A ingestão de maiores quantidades de álcool numa só ocasião aumenta o risco de arritmias cardíacas e de morte súbita. O risco de morte ligado ao álcool resulta de um equilíbrio entre o aumento do risco das doenças associadas ao álcool e a diminuição do risco de doença cardíaca que é atribuído a um consumo de pequenas quantidades de álcool. Este equilíbrio mostra que, exceptuando as pessoas idosas, o consumo de álcool não está livre de riscos. O nível de consumo de álcool associado ao mais baixo risco de morte para mulheres com idades inferiores a 65 anos é de zero ou aproximadamente zero, e menos de 5g de álcool por dia, no caso de mulheres 7 Sumário com 65 anos ou mais. No caso dos indivíduos do sexo masculino, o nível de consumo de álcool associado a um menor risco de morte é igual a 0g para idades abaixo dos 35 anos, cerca de 5g por dia nos indivíduos de meia-idade, e menos de 10g naqueles com 65 ou mais anos. Existem benefícios para a saúde decorrentes da redução ou paragem do consumo de álcool. Todos os riscos agudos podem ser completamente revertidos com a abstinência alcoólica. Mesmo nas doenças crónicas como a cirrose hepática ou a depressão, a redução ou a abstinência alcoólica estão relacionadas com rápidas melhorias na situação de saúde. Portanto, como o álcool está implicado numa vasta variedade de problemas físicos e mentais de um modo dose-dependente, existe a possibilidade de os profissionais de saúde dos cuidados primários identificarem entre os pacientes adultos, aqueles que têm consumos de álcool de risco ou nocivo. Além disso, sabendo que os cuidados de saúde primários englobam o tratamento de vários problemas físicos e mentais comuns, torna-se necessário abordar e gerir os motivos que levam os doentes a consumir bebidas alcoólicas, assumindo particular importância a redução do risco de danos causados a terceiros. Identificação do consumo de risco ou nocivo Uma verdadeira abordagem preventiva só pode ser alcançada se forem rastreados todos os utentes adultos relativamente ao consumo alcoólico de risco e nocivo, incluindo os padrões de consumo excessivo episódico. Se esta abordagem não for praticável pode-se considerar em alternativa o rastreio de algumas situações específicas ou de grupos de alto risco, em que se poderão incluir os homens jovens e de meia-idade. Não há evidência que indique qual a frequência com que se deve rastrear este tipo de situações mas, a não ser que exista uma razão clínica, admite-se a sua realização a cada quatro anos. As questões mais simples a colocar são aquelas que se dirigem ao consumo de álcool. As primeiras três questões do Questionário de Identificação das Perturbações do Consumo de Álcool (AUDIT-C em inglês) da OMS, desenhadas para identificar o consumo de álcool de risco ou nocivo no contexto dos cuidados de saúde primários, foram extensamente testadas e validadas. A primeira questão interroga sobre a frequência de consumo de álcool; a segunda pergunta qual a quantidade média diária de álcool consumida; e a terceira refere-se à frequência de consumos episódicos de álcool em excesso. A identificação do consumo de álcool de risco ou nocivo funciona melhor quando é integrada nas práticas clínicas de rotina e nos sistemas. Isto pode ser conseguido, por exemplo, se as questões forem sistematicamente colocadas a todos os novos utentes no acto de registo na unidade de saúde, a todos os utentes que se apresentem para uma consulta de vigilância de saúde, ou a todos os utentes do sexo masculino com idades compreendidas entre os 18 e os 44 anos que se apresentam a uma consulta. Não existe evidência que mostre que a identificação sistemática dos utentes com consumo alcoólico de risco ou nocivo produza efeitos adversos, tais como embaraço ou insatisfação dos utentes. 8 Sumário Os utentes do sexo masculino com cinco ou mais pontos no questionário AUDITC, ou cujo consumo semanal é igual ou superior a 280g de álcool, e as mulheres com quatro ou mais pontos no AUDIT-C, ou que consomem 140g ou mais de álcool por semana devem ser convidados a completar as 10 questões do AUDITC, para uma avaliação mais pormenorizada. Os testes bioquímicos para as perturbações associadas ao consumo de álcool incluem a enzimologia hepática [gama-glutamil transferase sérica (GGT) e as aminotransferases], a transferrina deficiente em carbohidratos (TDC), e o volume globular médio (VGM). Estes parâmetros analíticos não são úteis para o rastreio uma vez que resultados elevados apresentam baixa sensibilidade, identificando apenas uma pequena proporção dos utentes com consumos alcoólicos de risco e nocivo. Efectividade das intervenções breves A evidência parece sugerir que os profissionais dos cuidados de saúde primários devem oferecer aconselhamento breve aos utentes do sexo masculino cuja pontuação no AUDIT se situe entre 8-15, ou cujo consumo de álcool seja igual ou superior a 280g por semana. No caso feminino tal medida deveria ser tomada perante utentes que pontuem 8-15 no AUDIT, ou cujo consumo de álcool por semana seja igual ou superior a 140g. Estes pontos de corte devem ser ajustados em função das avaliações e orientações específicas de cada país. Uma pontuação no AUDIT que se situe entre 8 e 15, geralmente indica um consumo de álcool de risco, podendo incluir utentes cujo consumo seja nocivo, ou que sejam dependentes. O enquadramento para os conselhos breves pode incluir: Dar Feedback, informando o utente que o seu actual padrão de consumo de álcool coloca-o na categoria de consumo de risco; Fornecer Informação acerca dos riscos específicos associados ao consumo continuado de álcool em níveis de risco; Proporcionar o estabelecimento de objectivos pelo utente no sentido da alteração do seu padrão de consumo; Dar Conselhos sobre os Limites para que os homens passem a consumir menos de 280 g de álcool por semana, e as mulheres menos de 140g de álcool por semana. Encorajar o utente mostrando que um consumo de risco não é sinónimo de dependência alcoólica e que é possível alterar o padrão de consumo. O aconselhamento breve, deve ser oferecido aos utentes do sexo masculino que pontuem entre 16 e 19 no AUDIT, ou cujo consumo de álcool seja semanalmente, igual ou superior a 350g, bem como às utentes do sexo feminino que pontuem entre 16 e 19 no AUDIT ou cujo consumo alcoólico semanal seja igual ou superior a 210g. Estes pontos de corte, devem ser ajustados conforme as avaliações e orientações definidas por cada país. Mesmo os utentes com pontuações no AUDIT entre 16 e 19 que preencham os critérios de dependência alcoólica podem beneficiar do aconselhamento breve. O enquadramento do aconselhamento breve pode incluir: Providenciar Conselhos Breves baseados no exposto anteriormente; Avaliar e Adequar o Aconselhamento ao Estadio de Mudança, tendo em conta que se o utente está na fase de précontemplação, a sessão de aconselhamento deve-se focar mais no feedback 9 Sumário com o objectivo de motivar o utente a encetar a mudança; se o utente já pensa em iniciar a mudança (fase de contemplação), a ênfase deve ser colocada nos benefícios resultantes da mudança, nos riscos de se manter com o mesmo comportamento, e em como dar os primeiros passos; se o utente já se sente preparado para a mudança, a sessão de aconselhamento deve focar-se no estabelecimento de objectivos de um compromisso por parte do utente visando a redução do consumo alcoólico; por último deve-se proporcionar um Followup, através do qual os profissionais responsáveis pela aplicação da intervenção breve devem continuar a oferecer ajuda e suporte, feedback, e apoio no estabelecimento e alcance de novas metas realistas. É importante ter-se em conta que se o utente, vários meses após o início da intervenção, continuar a demonstrar dificuldades no cumprimento e manutenção dos objectivos, pode-se tornar necessário referenciar o utente a cuidados especializados se estes estiverem disponíveis. As intervenções breves demonstraram eficácia quando aplicadas nos cuidados de saúde primários na redução dos problemas relacionados com o consumo de álcool, desde que os utentes não apresentassem dependência alcoólica. É necessário aconselhar oito utentes para que um beneficie deste tipo de intervenção. Existem poucas evidências da existência de um efeito dose-resposta, e nada indica que as intervenções especializadas sejam, neste contexto, mais eficientes que as intervenções breves. A sua efectividade é seguramente mantida durante um ano, mas pode-se estender até quatro anos. As intervenções breves parecem ser igualmente efectivas no tratamento de homens e mulheres, dos diferentes grupos etários. Parecem ser também, mais efectivas, nos problemas menos graves. Custos e relação custo-benefício das intervenções breves Estima-se que por cada mil utentes atendidos por um médico de clínica geral, seriam necessários, em média, €1644 por ano para implementar e manter um programa de identificação e intervenção breve na União Europeia. Foi também estimado que a aplicação das intervenções breves visando os consumos alcoólicos de risco e nocivo se traduziria numa poupança anual de €1960, à custa da prevenção obtida nas situações de doença e morte prematura. Isto significa que as intervenções breves na área do consumo alcoólico de risco e nocivo, ao nível dos cuidados de saúde primários, estão entre as intervenções médicas mais económicas que se traduzem em ganhos em saúde. Por outras palavras, ao se considerar a possibilidade de se iniciar uma nova área de intervenção ao nível dos cuidados de saúde primários, as intervenções breves visando os utentes com consumos alcoólicos de risco e nocivo posicionam-se como as que apresentam maiores ganhos em saúde para a população, sendo superior à aplicação de dez minutos no desempenho de uma qualquer outra actividade. 10 Sumário Implementação dos programas de identificação e intervenção breve A existência de apoio consultivo é um pré-requisito essencial para o envolvimento dos profissionais dos cuidados de saúde primários nos problemas ligados ao álcool. Esta rede de suporte permite o auxilio na resolução de situações mais complexas garantindo, ao mesmo tempo, a continuidade do desenvolvimento profissional. Os médicos de Clínica Geral que trabalham com uma rede de apoio revelam-se mais abertos para trabalhar os problemas ligados ao álcool e são capazes de gerir um maior número de doentes. Para que estes programas surtam efeito não basta apenas disponibilizar normas de orientação clínica aos profissionais no terreno. É necessário proporcionar a estes profissionais o treino adequado e a criação de redes de apoio, ainda que estas se resumam a apenas uma ida de especialistas nesta área à Unidade de Saúde e subsequente apoio telefónico. Nestas condições verificou-se um aumento das taxas de identificação e aconselhamento nos cuidados de saúde primários de cerca de 50%. Ainda que se tenha demonstrado igual eficácia na comparação entre o fornecimento de treino e a disponibilização de materiais de apoio, verificou-se que a sua aplicação simultânea produz resultados superiores a qualquer uma delas isoladamente. Isto não quer necessariamente dizer que uma rede de acompanhamento intensivo seja superior que uma outra menor intensidade. O adequado funcionamento da rede de apoio depende da sua orientação para as necessidades e atitudes dos médicos de Medicina Geral e Familiar. Caso contrário acabará por ter um efeito nocivo a longo prazo. Para aumentar a experiência e eficácia dos médicos de MGF na abordagem aos problemas relacionados com o álcool, tanto a educação, como o treino, como a existência de uma rede de apoio, são essenciais para melhorar a confiança e o empenho. A disponibilidade de ajuda de um especialista nesta matéria pode aumentar a actividade dos profissionais de cuidados de saúde primários, uma vez que na gestão de casos mais complexos estes médicos têm ao seu dispôr apoio consultivo especializado e, em última análise, a possibilidade de referenciação. Tendo em conta a sua efectividade e rentabilidade, o financiamento dos serviços de saúde deveria incluir uma rúbrica destinada à implementação e manutenção de programas de identificação e intervenções breves do consumo alcoólico de risco e nocivo. Estima-se que o aconselhamento médico breve, com uma cobertura de 25%, seria responsável pela redução de 91 anos de doença e morte prematura por cada 100 000 habitantes, ou seja, 9% de todas as doenças e mortes prematuras atribuídas ao álcool na União Europeia. O projecto PHEPA desenvolveu um instrumento para avaliar a adequação dos serviços relativamente ao consumo de risco e ao consumo nocivo de álcool ao nível dos cuidados de saúde primários. 11 Sumário Avaliação dos danos causados pelo consumo nocivo de álcool e pela dependência de álcool Os utentes com consumos alcoólicos de risco ou nocivo, bem como todos aqueles com suspeita clínica de consumo nocivo ou de dependência de álcool podem beneficiar com a realização de avaliações complementares. Uma ferramenta de primeira linha é o já mencionado Teste de Identificação das Perturbações do Uso do Álcool (AUDIT) na sua versão de dez itens. Pontuações iguais ou superiores a 20 neste teste são indicativas de dependência de álcool, embora tal possa ocorrer com pontuações inferiores. Estes casos devem ser encaminhados à consulta da especialidade para reavaliação diagnóstica e tratamento. A dependência de álcool pode ser medida com base no módulo de dependência de álcool da OMS, nomeadamente a Entrevista Internacional de Diagnóstico – ECID – originalmente denominada Composite International Diagnostic Interview (CIDI). É constituída por sete questões que medem a dependência de álcool, admitindo-se um diagnóstico de dependência quando são dadas respostas positivas a quatro ou mais perguntas. O álcool é muitas vezes responsável pela presença de níveis aumentados de GGT, aminotransferases, CDT e VGM. Uma vez que estes exames fazem parte dos testes bioquímicos "de rotina", a presença de níveis aumentados deve alertar o clínico para o possível diagnóstico de consumo alcoólico nocivo e dependência. Gestão dos sintomas de abstinência As pessoas que têm dependência física do álcool têm elevada probabilidade de vir a desenvolver sintomas de privação entre 6 a 24 horas após a ingestão da última bebida alcoólica. O diazepam é recomendado como tratamento de primeira linha nas situações de abstinência, devido à sua grande semi-vida e por existir evidência da sua eficácia. O protocolo terapêutico padrão consiste em doses regulares de diazepam durante dois a seis dias, devendo cessar no sexto dia para evitar o risco de dependência de benzodiazepínicos. Sumário Os tratamentos especializados incluem a abordagem comportamental e a farmacoterapia. O treino de competências sociais, a abordagem do reforço comunitário, e a terapia conjugal de cariz comportamental estão entre os modelos de intervenção mais eficazes, em particular quando a sua ênfase recai sobre as capacidades do doente para parar ou diminuir o consumo de álcool, através da aprendizagem de competências de auto-gestão, do aumento da motivação e do reforço do sistema de suporte pessoal. O acamprosato e o antagonista opiáceo naltrexona também demonstraram eficácia no tratamento da dependência alcoólica. Metodologias desenhadas para educar, confrontar ou promover o insight relativamente à natureza e causas da dependência alcoólica, assim como a frequência obrigatória dos Alcoólicos Anónimos não demonstraram eficácia. Existem poucas evidências que sustentem a ideia de que os resultados globais dos tratamentos possam ser melhorados caso os doentes sejam sujeitos a diferentes tipos de intervenções. Não é claro o modelo que melhor caracteriza a relação existente entre cuidados primários e serviços especializados embora pareça que a integração dos dois serviços leva a melhores resultados do que a sua utilização em separado. A realização de consultas de acompanhamento pode reduzir o risco de uma recaída, logo é importante que os profissionais de cuidados de saúde primários mantenham o contacto a longo prazo com os seus doentes que efectuaram tratamento da dependência alcoólica que já não tenham consultas em centros especializados. Gestão da dependência do álcool Algumas pessoas que sofrem de dependência de álcool conseguem melhorar por elas mesmas, logo nem todos os casos de dependência necessitam obrigatoriamente de um tratamento especializado. As pessoas com este tipo de dependência podem ser assistidas nos cuidados de saúde primários: se concordarem em ficar abstinentes mesmo quando pensam que não são dependentes de álcool; quando o doente recusa a referenciação a um centro de tratamento especializado; ou se o doente não apresentar comorbilidades psiquiátricas, médicas ou sociais. O doente com dependência alcoólica deve ser referenciado para tratamento especializado: quando apresente tentativas de tratamento prévias sem sucesso; na presença de complicações ou risco de desenvolvimento de sintomas de abstinência moderados a graves; na presença de comorbilidade médica ou psiquiátrica grave; e quando o tratamento não puder ser efectuado pela equipa dos cuidados de saúde primários. 12 13 1. Introdução A União Europeia (UE) é a região do mundo com a maior proporção de indivíduos consumidores de bebidas alcoólicas, e com os níveis de consumo de álcool per capita mais elevados (Anderson et al. 2005). O álcool é o terceiro factor de risco mais importante nos problemas de saúde e na morte prematura, depois do tabaco e da tensão arterial elevada, sendo mais importante do que os níveis aumentados de colesterol e o excesso de peso, três vezes mais importante do que a diabetes, e cinco vezes mais relevante do que a asma (Organização Mundial de Saúde, 2002). O consumo desta substância é a causa de 1 em cada 14 casos de doença e de morte prematura na União Europeia (Anderson et al 2005). Além de ser uma substância psicoactiva que cria dependência, e apesar de estar directamente relacionada com cerca de 60 tipos diferentes de doenças e danos, o álcool é também responsável por danos sociais, por perturbações mentais e emocionais, incluindo o crime e a violência familiar, o que custa à UE aproximadamente 124 biliões de euros (Baumberg & Anderson 2005). O álcool prejudica quer o consumidor, quer todos aqueles que se encontram à sua volta, incluindo o feto nos casos de gravidez, as crianças, os diferentes membros familiares, e as vítimas de crimes, de violência e dos acidentes rodoviários. Cerca de 55 milhões de adultos europeus – 15% da população adulta – que bebe bebidas alcoólicas encontra-se nos níveis de consumo de risco (definido como um consumo médio diário de 20-40g de álcool para as mulheres, e de 40g-60g para os homens), com uma taxa de casos fatais de 3.5 – 4.8 por milhar de mulheres, e uma taxa de 3.7 – 8.1 por milhar de homens (Chisholm et al. 2004). Vinte milhões de homens representando 6% da população adulta da UE, têm consumos nocivos de álcool (definidos como um consumo médio diário superior a 40g de álcool para as mulheres, e superior a 60g por dia no caso dos homens). De um modo geral, a frequência média europeia de consumos episódicos excessivos (também designados por binge drinking) é aproximadamente 11/2 vezes por mês, o que representa 10-60% das ocasiões de ingestão de bebidas alcoólicas para os homens e cerca de metade para as mulheres (Anderson et al. 2005). Cerca de 118 milhões de europeus revelam consumos episódicos excessivos pelo menos uma vez por mês, o que representa, aproximadamente um em cada três indivíduos da população adulta. Uma vez que 5% dos adultos do sexo masculino e 1% das mulheres adultas são dependentes de álcool, significa que em qualquer ano seleccionado ao acaso existem cerca de 23 milhões de pessoas com dependência alcoólica (Anderson et al. 2005). Aos profissionais de cuidados de saúde primários tem sido atribuída a responsabilidade de identificar e intervir nos casos em que o consumo de bebidas alcoólicas por parte dos pacientes tem provocado danos ou riscos para a sua saúde (Babor & Higgins-Biddle 2001). A identificação e as intervenções breves com pacientes com certos níveis de consumo de álcool, nos cuidados 14 1. Introdução primários, têm permitido educar os pacientes sobre as consequências do consumo de risco e nocivo. A informação sobre a quantidade e frequência do consumo pode ajudar no diagnóstico dos pacientes, e pode também alertar os clínicos para a necessidade de informar os pacientes que consomem álcool sobre os efeitos adversos da interacção entre o consumo de álcool e a medicação e outros aspectos do tratamento. No caso da identificação e dos programas de intervenção breve o aspecto mais significante a ter em conta é o facto de os indivíduos não dependentes de álcool, mais do que os dependentes, revelarem maior facilidade na redução ou paragem do consumo, sempre que contam com o devido apoio e assistência. Porém, muitos profissionais de cuidados de saúde primários deparam-se com dificuldades na identificação e no aconselhamento sobre o uso do álcool. As razões mais apontadas são a falta de tempo, treino inadequado, receio de criar hostilidade por parte dos pacientes, e a incompatibilidade percepcionada entre as intervenções breves dirigidas à problemática do álcool e os cuidados de saúde primários (Beich et al. 2002), e por último a crença de que as pessoas com dependência de álcool são incapazes de responder às intervenções (Roche & Richard 1991; Roche et al. 1991; Roche et al. 1996; Richmond & Mendelsohn 1998; McAvoy et al. 1999; Kaner et al. 1999; Cornuz et al. 2000; Aalto et al. 2001; Kaariainen et al. 2001). O objectivo destas recomendações é o de resumir a evidência que demonstra os danos provocados pelo álcool, assim como se deve proceder à detecção e subsequente realização de intervenções breves ao nível dos cuidados de saúde primários. Estas recomendações não são um manual para o tratamento da dependência de álcool. Contudo, descrevem resumidamente o contexto da dependência e como se pode intervir nela, nomeadamente como os profissionais dos cuidados primários podem reencaminhar os casos para uma ajuda especializada nesta área. As intervenções breves dirigidas ao consumo de risco ou nocivo de álcool são muito eficazes e apresentam elevada relação benefício-custo. Se fossem amplamente implementadas pela Europa, cobrindo no mínimo um quarto da população adulta com problemas de consumo de álcool de risco e nocivo, com um custo relativamente baixo de 740 milhões de euros, cerca de 9% do total dos problemas de saúde e morte prematura causados pelo álcool, na Europa, poderiam ser evitados (Anderson et al. 2005). A preparação das recomendações ocorreu a nível europeu, como parte integrante do Projecto Europeu de Cuidados de Saúde Primários no Álcool, (em inglês PHEPA). Conta com a colaboração de 17 países europeus, cofinanciado pela Comissão Europeia e coordenado pelo Ministério da Saúde da Catalunha. As recomendações servem como um quadro de referência para as políticas específicas de cada país e região, sobre como identificar e reduzir os riscos e danos causados pelo consumo de álcool, nos cuidados de saúde primários. 15 1. Introdução No anexo 1 encontra-se uma nota de orientação para os clínicos sobre a identificação e intervenções breves nos casos de consumos de risco ou nocivo, baseada no manual da OMS de intervenções breves no consumo de álcool de risco ou nocivo (Babor & Higgins-Biddle 2001). Referências Aalto, M., Pekuri, P. & Seppa, K. (2001) Primary health care nurses’ and physicians’ attitudes, knowledge and beliefs regarding brief intervention for heavy drinkers. Addiction, 96,305-11. Anderson, P., Baumberg, B. & McNeill, A. (2005). Alcohol in Europe. Report to the European Commission. Babor, T.F. & Higgins-Biddle, J.C. (2001) Brief Intervention For Hazardous and Harmful Drinking. A Manual for Use in Primary Care Geneva: World Health Organization Baumberg, B. & Anderson, P. (2005). The social cost of alcohol to Europe. Submitted for publication. Beich, A., Gannik, D. & Malterud, K. (2002). Screening and brief intervention for excessive alcohol use: qualitative interview study of the experiences of general practitioners. British Medical Journal, 325, 870-872. Chisholm, D., Rehm, J., Van Ommeren, M., & Monteiro, M. (2004) Reducing the Global Burden of Hazardous Alcohol Use: a Comparative Cost-Effectiveness Analysis. Journal of Studies on Alcohol, 65 (6), 782-93. Cornuz, J., Ghali, W.A., Di Carlantonio, D., Pecoud, A. & Paccaud, F. (2000) Physicians’ attitudes towards prevention: importance of intervention-specific barriers and physicians’ health habits. Family Practice, 17, 535-40. Kaariainen, J., Sillanaukee, P., Poutanen, P. & Seppa, K. (2001) Opinions on alcohol-related issues among professionals in primary, occupational, and specialized health care. 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Australian and New Zealand Journal of Public Health, 20, 401-8. World Health Organization (2002) The World Health Report 2002. Reducing risks, promoting healthy life. Geneva; World Health Organization. 16 2. Método de preparação das recomendações clínicas O objectivo principal destas recomendações é informar os profissionais dos cuidados de saúde primários sobre os conhecimentos actuais relativos à efectividade de várias técnicas de assistência a pessoas que têm consumos de risco e nocivo. As recomendações baseiam-se numa revisão das evidências científicas existentes, e na experiência de uma equipa criada especialmente para desenvolver estas linhas orientadoras de acção. Estas recomendações, sempre que possível, encontram-se alicerçadas nos resultados de investigações científicas com planos bem desenhados. Quando tal não for possível, as recomendações feitas derivam de experiência clínica adequada. Em cada capítulo as evidências em questão encontram-se resumidas. A intenção é proporcionar informação que guie sem impor um modelo único de intervenção, educação e desenvolvimento profissional. As presentes recomendações não visam a substituição das linhas orientadoras específicas de cada país, mas pretendem antes apoiar e estimular o desenvolvimento e implementação de medidas de acção eficazes por todos os países. Propósito das recomendações O objectivo primordial das recomendações é proporcionar informação actualizada, aos profissionais de cuidados de saúde primários sobre o como e porquê da identificação e intervenção, junto a pessoas que têm um consumo de álcool de risco ou nocivo. Esta informação torna-se preponderante quando olhamos para a dimensão e o peso para a saúde relacionado com o consumo nocivo de álcool, das diferenças na prática, e a falta de prática ao longo da Europa, para abordar os pacientes com consumo de álcool de risco ou nocivo para a saúde. A quem se dirigem estas recomendações Estas recomendações dirigem-se em especial aos profissionais de cuidados de saúde primários (médicos e enfermeiros) que intervêm junto de pacientes com consumos de risco e nocivo de álcool, mas também pretendem ser úteis a gestores, educadores, financiadores e avaliadores dos serviços de saúde primários. Desenvolvimento das recomendações As recomendações baseiam-se em revisões dos estudos disponíveis e nos conhecimentos de uma equipa de trabalho criada pelo projecto PHEPA com o objectivo de definir estas mesmas linhas orientadoras. A identificação dos materiais de investigação envolveu vários procedimentos dos quais se destacam a pesquisa nas mais importantes bases de dados referentes a revisões de literatura e meta-análises; a investigação de referências bibliográficas através da rede de internet; o contacto com os melhores investigadores e centros de investigação. As bases de dados consultadas foram a Medline, a Psychinfo, e a Cochrane Database of Systematic Reviews. Ainda foram consultadas publicações e estudos da Comissão Europeia, da Organização Mundial de Saúde, e do 17 2. Método de preparação das orientações clínicas Instituto Nacional do Abuso de Álcool e Alcoolismo dos Estados Unidos da América (para as referências, ver capítulos individuais). Níveis de evidência e força das recomendações As organizações que preparam este género de trabalhos, como as orientações, costumam classificar a qualidade da evidência disponível e a força das recomendações resultantes. Cada organização utiliza um sistema próprio de classificação, e isto porque ainda não se chegou a um acordo no que toca à criação de um sistema universal. Apesar do nível da evidência preferido advir de revisões sistemáticas e meta-análises de estudos epidemiológicos e de ensaios aleatorizados controlados, nem sempre existe informação suficiente para todos os tópicos de interesse. Quando as revisões sistemáticas e as meta-análises não estão disponíveis, os autores das orientações optam por estudos aleatórios controlados como o nível seguinte de evidência. Os ensaios clínicos aleatórios controlados permitem que o investigador conclua com um certo grau de certeza se um dado tratamento é mais eficaz do que a ausência dele. Aquando da inexistência destas provas controladas, os autores optam por estudos comparativos, estudos não-analíticos e pela opinião de peritos, numa ordem decrescente. Uma vez que o projecto PHEPA não constitui um grupo de desenvolvimento de orientações formais, foi decidido não graduar a força das suas recomendações tal como outros autores haviam feito, mas em vez disso, fazer recomendações consistentes com outras publicações, centradas nas opiniões especializadas dos membros do projecto. Este processo foi integralmente avaliado com o instrumento AGREE (Appraisal of Guidelines for Research and Evaluation), (AGREE Collaboration 2001). Referências AGREE Collaboration (2001) Appraisal of Guidelines for Research & Evaluation (AGREE) Instrument. Disponível em: http://www.agreecollaboration.org. 3. Descrição do consumo de álcool e dos danos associados Sumário de evidências do capítulo 1. Como é que o consumo de álcool pode ser descrito? O consumo de álcool pode ser descrito em termos de gramas de álcool consumido ou em termos de bebidas standard ou padrão, e na Europa, estas bebidas geralmente contêm 10g de álcool. 2. Como é que podem ser descritos os consumos de álcool de risco, nocivo e a dependência? Um consumo de risco de álcool consiste num nível de consumo ou padrão de bebida que aumenta a probabilidade de ocorrência de danos para a saúde caso tais hábitos persistam. A Organização Mundial de Saúde (OMS) propõe uma definição funcional deste comportamento de risco, descrevendo-o como um consumo regular médio diário de 20 a 40g de álcool nas mulheres, e de 40g-60g nos homens. O consumo nocivo é definido como um padrão de consumo de álcool que causa danos quer na saúde física, quer na saúde mental do indivíduo. A definição funcional da OMS descreve-o, no caso das mulheres, como um consumo médio diário superior a 40g de álcool e, no caso dos homens, como o consumo médio diário maior do que 60g. Um consumo episódico excessivo (também designado por binge drinking), que pode ser particularmente prejudicial para certos tipos de problemas de saúde, quantitativamente pode ser definido como um consumo de pelo menos 60g de álcool numa única ocasião. A dependência de álcool é um conjunto de fenómenos fisiológicos, comportamentais e cognitivos, no qual o consumo de álcool toma um lugar prioritário e central na vida de um indivíduo, em detrimento de outros comportamentos que antes, para ele, tinham um elevado valor. 3. O consumo de álcool de risco ou nocivo, e a dependência de álcool ocorrem num continuum? O consumo de álcool, os danos associados, e a dependência de álcool existem dentro de um continuum. Estas entidades não são fixas e imutáveis, assim, os indivíduos podem mover–se para trás e para a frente ao longo desse continuum no decorrer das suas vidas. 18 19 3. Descrição do consumo de álcool e dos danos associados 3. Descrição do consumo de álcool e dos danos associados Recomendações 1. Ao nível científico, a notação preferencial é a que utiliza os gramas de álcool. Por outro lado, no que toca aos cuidados de saúde primários, a notação mais utilizada são as bebidas standard ou padrão. 2. Os termos preferenciais para descrever os padrões de consumo de risco e nocivo são “consumo de álcool de risco”, “consumo de álcool nocivo”, “consumo episódico excessivo” e “dependência de álcool” em vez de “abuso de álcool”, “uso indevido de álcool” e “alcoolismo”. 3.1. Como pode ser descrito o consumo de álcool? Os profissionais de cuidados de saúde primários podem descrever o consumo de álcool dos seus doentes em termos de gramas de álcool consumidos ou de bebidas standard ou padrão. Na Europa, uma bebida standard ou padrão contém 10g de álcool absoluto (Turner, 1990). Ao nível científico, as referências sobre as quantidades de álcool consumidas devem ser expressas em gramas de álcool absoluto, para facilitar a comparabilidade internacional. O termo bebida standard ou padrão é utilizado para simplificar a medição do consumo de álcool. Apesar de se poder esperar alguma inexactidão, o nível de precisão é suficientemente bom para ser recomendado como um método para calcular o consumo de álcool em diversos contextos, como por exemplo, em cuidados de saúde primários, serviços de urgências, em acidentes e em doentes internados. Muito embora o emprego do termo bebida standard ou padrão vantagens, existem também dificuldades associadas: tenha . O conteúdo de álcool das bebidas varia enormemente, entre 1 e 45%, o que pode levar a cálculos errados. · O mesmo tipo de bebida pode ser colocado em diferentes tipos de recipientes, com as consequentes diferenças em quantidade de álcool. · Num mesmo tipo de bebida o grau de concentração de álcool pode variar, dependendo do local e do modo como é produzida. · As bebidas standard ou padrão variam entre países. · Na maioria dos países o conteúdo de álcool característico de uma bebida standard ou padrão é definido por consenso, sem investigação científica prévia. 20 O uso de bebidas standard ou padrão simplifica a avaliação do consumo de álcool, podendo ser adoptado no contexto dos cuidados de saúde primários de forma sistemática. Porém, sabendo que há diferenças entre países a este respeito, o conteúdo de álcool de uma bebida standard deverá ser definido por cada país, de acordo com a investigação científica existente, e não através de consenso. A Organização Mundial de Saúde (Babor & Higgins-Biddle, 2001) propôs que uma unidade de bebida standard é equivalente a: 330 ml de cerveja a 5% 140 ml de vinho a 12% 90 ml de vinhos fortificados a 18% 70 ml de um licor ou aperitivo a 25% 40 ml de bebidas espirituosas a 40% Devido à sua gravidade específica, 1ml de álcool contém 0,785 g de álcool, logo a definição da OMS referente a uma unidade de bebida standard é de cerca de 13 g de álcool. Na Europa, uma bebida standard geralmente contém aproximadamente 10g de álcool (Turner 1990). 3.2. Como podem ser descritos o consumo de álcool de risco, nocivo e a dependência? Consumo de álcool de risco O consumo de risco pode ser definido como um nível ou padrão de consumo que acarreta risco de consequências prejudiciais para a saúde, se o consumo persistir (Babor e tal. 1994). Não existe um acordo relativamente ao nível de consumo de álcool que implica um consumo de risco, mas, como se evidencia no capítulo 4, para diversas condições, qualquer nível de consumo de álcool implica riscos. Uma definição funcional da OMS descreve este tipo de consumo como um consumo médio diário de 20-40g de álcool para as mulheres, e de 40-60g para os homens (Rehm et al. 2004). Consumo de álcool nocivo Refere-se a um padrão de consumo que afecta as pessoas tanto ao nível da sua saúde física (por exemplo, cirrose hepática) como da sua saúde mental (p.e. depressão) (World Health Organization 1992). Baseada em dados epidemiológicos relacionados com o consumo nocivo de álcool (ver Capítulo 4), a OMS adoptou uma definição funcional deste género de consumo, descrevendo-o como um consumo médio diário superior a 40g de álcool nas mulheres, e superior a 60g nos homens (Rehm et al 2004). 21 3. Descrição do consumo de álcool e dos danos associados Intoxicação Pode ser definida como um estado mais ou menos breve de incapacidade funcional psicológica e psicomotora, induzida pela presença de álcool no corpo (OMS, 1992), mesmo com um nível baixo de consumo (Eckardt et al. 1998). Consumo episódico excessivo de álcool Consumo de álcool que inclui um consumo de pelo menos 60g de álcool (OMS, 2004). Em termos comuns é frequentemente denominada ‘binge drinking’. Dependência de álcool O ICD-10, Manual da OMS para a Classificação Internacional das perturbações Mentais e Comportamentais (1992) define a dependência de álcool como um conjunto de fenómenos fisiológicos, comportamentais e cognitivos nos quais o uso do álcool para um dado indivíduo torna-se prioritário em relação a outros comportamentos que antes tinham mais importância. A característica central é o desejo ou compulsão forte (dificuldade de controlar) para consumir álcool. Voltar a beber depois de um período de abstinência é frequentemente associado ao rápido reaparecimento das características da síndrome. Estas características estão descritas no quadro 3.1. Tabela 3.1 ICD 10 Critérios para a dependência de álcool 1. Existência de evidência da tolerância aos efeitos do álcool, que reflicta a necessidade de um marcado aumento progressivo das doses de álcool para alcançar o efeito desejado, ou que, por outro lado, ocorra uma acentuada diminuição do efeito esperado quando se consome continuamente a mesma quantidade de álcool. 2. Ocorrência de um estado de abstinência fisiológica sempre que o nível de álcool sofra reduções ou seja interrompido, o que é visível através dos sintomas da síndrome de abstinência da substância ou privação, ou pelo uso da mesma substância com a intenção de aliviar ou evitar os sintomas de abstinência. 3. Persistir com o consumo de álcool apesar da clara evidência das suas consequências nefastas, ou quando a pessoa tem consciência, acerca da natureza e extensão dos prejuízos a que o consumo continuado pode levar. 4. Preocupação com o uso de álcool, manifestada pelo abandono e desinvestimento em fontes de prazer e diversões alternativas, devido ao uso de álcool; ou maior parte do tempo dispendido em actividades 22 3. Descrição do consumo de álcool e dos danos associados indispensáveis para se obter álcool, consumi-lo, ou a recuperar dos seus efeitos. 5. Diminuição da capacidade de controlo do uso de álcool, no que diz respeito a iniciar e parar, ou regular o seu nível de consumo, o que é evidenciado por um aumento do tempo e da quantidade de consumo de álcool, fracassando assim o esforço ou o desejo persistente de parar ou controlar o uso de álcool. 6. Um desejo compulsivo de consumir álcool. Ill – Termos mal definidos cujo uso não se recomenda Existe um número de termos mal definidos que não devem ser empregues, tais como: 8 Consumo Moderado de Álcool Deve-se evitar utilizar a palavra “moderado”, já que é uma expressão inexacta que tenta descrever um padrão de consumo oposto ao consumo excessivo. Embora comummente seja denotada com uma forma de consumo que não causa problemas (não sinónima de beber em excesso), é difícil defini-la. Uma melhor descrição deveria ser consumo de baixo risco. 8 Consumo Sensível, consumo responsável e consumo social, são termos impossíveis de definir pois dependem do meio social, dos valores culturais e éticos, que podem diferir drasticamente de país para país, de cultura para cultura e de época para época. 8 Consumo excessivo é correntemente um termo a evitar, para descrever um padrão de consumo que excede uma norma de consumo menor. O consumo de risco é o termo a usar preferencialmente. 8 Alcoolismo é um termo utilizado há muitos anos e de significado variável. Geralmente refere-se a um consumo crónico contínuo, ou a um consumo periódico de álcool que é caracterizado pela diminuição do controlo face a ingestão de bebida, aos frequentes episódios de intoxicação, e à preocupação com o álcool e o uso de álcool, apesar das suas consequências adversas. A inexactidão do termo levou a que o Expert Committee da OMS, descartasse ou desaconselhasse o seu uso, e actualmente prefira a referência à síndrome de dependência de álcool como um dos muitos problemas existentes relacionados com o álcool (Edwards & Gross 1976; World Health Organization 1980). Além de que o termo “alcoolismo” não consta como uma entidade de diagnóstico no ICD-I0. O termo preferido é a dependência de álcool. 23 3. Descrição do consumo de álcool e dos danos associados 3. Descrição do consumo de álcool e dos danos associados 8 Abuso de Álcool é um termo de uso corrente, mas de significado variável. Embora seja utilizado na classificação do DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders) (American Psychiatric Association 1994), deve ser encarado como uma categoria residual, à qual a “dependência” tem precedência quando aplicável. O termo abuso é muitas vezes utilizado de forma pejorativa para se referir a qualquer tipo de consumo, particularmente a drogas ilícitas. Devido a esta ambiguidade, o termo não é empregue na classificação do ICD-10. Os termos consumo nocivo e consumo de risco são os termos equivalentes. 8 Uso indevido de álcool é um termo que descreve o uso de álcool com um propósito inconsistente com as orientações médicas ou legais, como a auto-medicação de medicamentos que precisam de prescrição médica. Apesar deste termo ser preferido por alguns, em substituição da palavra “abuso”, por acreditarem que acarreta menos juízos de valor, este termo não deixa também de ser ambíguo. O Consumo de Risco é o termo equivalente. 3.3. O consumo de risco, o consumo nocivo e a dependência de álcool existem num continuum? O consumo de álcool, os danos associados e a dependência existem dentro de um continuum, que vai desde a abstinência à dependência de álcool, passando pelo consumo de baixo risco e pelo consumo de risco e nocivo. De igual modo, o dano causado pelo consumo de álcool vai desde causar danos menores, até produzir danos consideráveis e graves. O consumo de álcool, os danos relacionados e a dependência não são entidades fixas, pois os indivíduos movem-se dentro desse contínuo, uma e outra vez, e inclusivamente podem deixar de ser dependentes de álcool e voltar a sê-lo novamente durante as suas vidas. Um estudo Americano descobriu que 18% das pessoas que tinham estado dependentes de álcool num período anterior ao último ano foram abstémicas durante o último ano, 18% foram consumidoras de baixo risco, 12% foram consumidoras de risco assintomáticas e mostraram um padrão de bebida que os coloca em risco de recaída, 27% estavam em remissão parcial e 25% foram classificadas como dependentes (Dawson et al. 2005). Somente um quarto destas pessoas alguma vez usufruiu de um tratamento específico para a dependência de álcool. A etiologia e o ciclo de consumo nocivo e a dependência de álcool são amplamente explicados por factores comportamentais, ambientais e do decurso da vida (McLellan et al. 2000; Bacon, 1973; Öjesjö, 1981; Edwards, 1989; Moos et al. 1990). Estes podem ser descritos como transtornos clínicos ambientalmente sensíveis (Curran et al. 1987; Pattison et al. 1997; Humphreys et al. 2002); são sensíveis aos factores ambientais como sejam das políticas do 24 álcool, como o preço do álcool e a sua disponibilidade no mercado (Bruun et al. 1975; Edwards et al. 1994; Babor et al. 2003); e são também sensíveis ao tratamento (Klingemann et al. 1993; Blomqvist, 1998), cujo impacto pode aumentar com a presença de políticas ambientais efectivas. Referências American Psychiatric Association (1994) Diagnostic and Statistical Manual of mental Disorders. 4th edn. Washington DC: American Psychiatric Association Babor T et al. (2003) Alcohol: no ordinary commodity. Research and public policy. Oxford, Oxford University Press. Babor, T., Campbell, R., Room, R. & Saunders, J., eds. (1994) Lexicon of Alcohol and Drug Terms, World Health Organization, Geneva. Babor, T.F. & Higgins-Biddle, J.C. 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Descrição do consumo de álcool e dos danos associados Humphreys, K., & Tucker, J. (2002) Toward more responsive and effective intervention systems for alcohol-related problems. Addiction, 97, 126-132. 4. Álcool e saúde Sumário Klingemann, H., Takala, J-P. & Hunt, G., eds. (1992) Cure, Care or Control: Alcoholism Treatment in Sixteen Countries. Albany, NY: State University of New York Press. McLellan, A. T., Lewis, D. C., O.Brien, C. P. & Kleber, H. D. (2000) Drug dependence, a chronic medical illness: implications for treatment, insurance, and outcomes evaluation. Journal of the American Medical Association, 284, 1689-1695. Moos, R. H., Finney, J. W. & Cronkite, R. C. (1990) Alcoholism Treatment: Context, Process and Outcome. New York: Oxford University Press. Öjesjö, L. (1981) Long-term outcome in alcohol abuse and alcoholism among males in the Lundby general population, Sweden. British Journal of Addiction, 76, 391-400. Pattison, E. M., Sobell, M. B. & Sobell, L. C., eds. 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O álcool aumenta o risco de um amplo leque de problemas sociais de modo dependente da dose sem a evidência de um efeito limiar. Para o indivíduo que bebe, o aumento do consumo de álcool aumenta o risco. Os danos causados pelo consumo de álcool a terceiros, vão desde danos sociais menores, como a existência de insónias, até consequências mais sérias tais como a fragilização de relações conjugais, o abuso de crianças, o crime, a violência e no último dos cenários o homicídio. Geralmente quanto mais grave é um crime ou uma lesão, maior é a probabilidade do álcool estar na sua origem. Os danos causados a outros são uma poderosa razão para se intervir no consumo de risco e no consumo nocivo de álcool. 2. O álcool aumenta o risco de doença? Além de ser uma substância que provoca dependência, o álcool é a causa de mais de 60 tipos distintos de doenças e lesões, como as perturbações mentais e de comportamento, doenças gastrointestinais, cancro, doenças cardiovasculares, perturbações imunológicas, doenças osteoarticulares, problemas de natureza reprodutiva e lesões congénitas. O álcool aumenta o risco de desenvolvimento destas doenças em função da dose consumida, não existindo evidências para um efeito limiar. Quanto maior é o consumo de álcool, maior é o risco. 3. O consumo de álcool reduz o risco de doenças cardíacas? Uma pequena dose de álcool reduz o risco de desenvolvimento de doenças cardíacas, embora a medida exacta dessa mesma redução do risco e o nível ideal de consumo ainda esteja em discussão. Os estudos de melhor qualidade, como os que abordam os possíveis factores de influência, encontram menor risco se o nível de consumo de álcool for baixo. Uma redução do risco pode ser conseguida com o consumo médio diário de 10g de álcool. O risco de doença coronária aumenta quando o consumo é superior a 20g diários de álcool. Parece que é o álcool que reduz o risco de doenças cardíacas e não uma bebida alcoólica em particular. Beber grandes quantidades de álcool numa única ocasião aumenta o risco de arritmia cardíaca e morte súbita por doença cardíaca. 4. O consumo de álcool está livre de risco? O risco de morte com o consumo de álcool depende da existência do equilíbrio entre o aumento do risco de várias diferentes doenças e 26 27 4. Álcool e saúde 4. Álcool e saúde Recomendações lesões associadas ao álcool e a diminuição do risco de doença cardíaca que em pequena medida, é atribuído a um consumo de quantidades mínimas de álcool. Este equilíbrio mostra que, excepto para as pessoas idosas, o consumo de álcool não está livre de riscos. O nível de consumo de álcool associado ao mais baixo risco de morte para mulheres com idades inferiores a 65 anos é de zero ou aproximadamente zero, e menos de 5g de álcool por dia, no caso de mulheres com 65 anos ou mais. No caso dos indivíduos do sexo masculino, o nível de consumo de álcool associado a um menor risco de morte é igual a 0g para idades abaixo dos 35 anos, para a meia-idade é igual a 5g de álcool por dia, para 65 anos ou mais de idade o nível de consumo é menor que 10g de álcool diárias. 5. O que determina o consumo de risco, o consumo nocivo e a dependência de álcool? Os genes desempenham um papel no consumo nocivo de álcool e na dependência de álcool. Certos genes aumentam o risco e outros genes diminuem o risco. Existe uma interacção entre os genes e o meio, sendo que as pessoas que bebem mais álcool ou que vivem num ambiente em que é frequente o uso de álcool, apresentam maior risco de desenvolverem doenças relacionadas com o álcool. Para qualquer nível de consumo, as mulheres parecem ter risco acrescido para diferentes doenças. Isto deve-se provavelmente ao facto das mulheres terem menor quantidade de água corporal por quilo que os homens. A comparação de homens de meia idade com baixo nível socioeconómico versus alto nível socioeconómico mostrou que cerca de um quarto do aumento do risco de morte no primeiro grupo pode ser devido ao álcool. 6. Quão importante é o álcool como causa de doenças? Na União Europeia o álcool é uma das mais importantes causas de doença e morte prematura. É menos importante que o hábito de fumar e a pressão arterial elevada, mas mais importante do que os níveis de colesterol elevados e excesso de peso. 7. A redução do uso de álcool leva a melhorias na saúde? Existem benefícios para a saúde quando se reduz ou suspende o consumo de álcool. Todos os riscos podem ser completamente revertidos se o álcool for removido. Mesmo nas doenças crónicas, como a cirrose hepática e a depressão, a redução ou paragem do consumo está associada a rápidas melhoras na saúde. 28 1. Como o álcool está implicado numa ampla variedade de problemas de saúde físicos e mentais de um modo dose-dependente, existe uma oportunidade para todos os profissionais de cuidados de saúde primários identificarem todos os pacientes adultos com consumos de álcool de risco ou nocivo. 2. Dado que os cuidados de saúde primários envolvem o tratamento de muitas doenças físicas e mentais comuns, as suas causas associadas ao uso de álcool precisam de ser tidas em conta e geridas. É de particular importância reduzir o risco de causar danos a terceiros. 4.1. O álcool aumenta o risco de danos sociais e a terceiros? Álcool e prazer social O consumo de álcool induz prazeres de várias índoles (Peele & Grant, 1999; Peele & Brodsky, 2000). A crença de que consumir uma dose pequena de álcool é bom para a saúde é tão antiga como a própria história do álcool (Thom, 2001) e está integrada na sabedoria popular (Cherrington, 1925). Quando são colocadas questões à população em geral, acerca dos efeitos do consumo de álcool, a maioria das respostas referem-se mais a sensações e experiências positivas do que a negativas (p.e. relaxamento e sociabilidade), raramente mencionando os danos causados (Makela & Mustonen, 1988; Makelay Simpura, 1985: Nystrom, 1992). O álcool tem um papel importante na vida social quotidiana, estando presente em ocasiões sociais tão diversas como o nascimento de uma criança, casamentos e funerais, assim como na transição entre o trabalho e o lazer, facilitando o intercâmbio social. Ao longo da história e em diferentes culturas, o álcool é um meio comum utilizado entre amigos e companheiros para aumentar a diversão e desfrutar mais da companhia dos outros (Heath 1995). Os benefícios para os que bebem em encontros sociais são determinados pela cultura e o ambiente em que se encontram, e pelas expectativas dos consumidores a respeito dos efeitos do álcool. Estas crenças acerca do álcool são tão fortes que as pessoas se tornam mais sociáveis se acreditam ter bebido, quando na realidade não o fizeram (Darkes & Goldman, 1993). Uma razão que justifica o comportamento de consumo de álcool em contexto social, é o facto de num curto espaço de tempo as pessoas sentirem efeitos positivos no seu humor (Hull & Stone, 2004). Existe uma elevada quantidade de evidências no que respeita 29 K555 5 5"# K "' ,5?$)!$ #"' 5"' 4. Álcool e saúde #" 5. M J )GGG!$ 4. Álcool e saúde aos efeitos imediatos do álcool, entre os quais se destacam os seguintes: maior prazer, euforia, felicidade e ânimo positivo, sentimentos percepcionados de forma mais intensa em grupo do que bebendo isoladamente (Plinner & Cappel, 1974), e que são muito influenciados pelas expectativas que se têm sobre estes efeitos (Brown et al. 1983, Hull et al. 1983). Nos poucos estudos disponíveis com pessoas que referiram ter sentido benefícios psicológicos com o consumo de álcool, o número de benefícios apontados correlacionam-se com a quantidade de álcool consumida e com a frequência dos consumos excessivos (Mäkelä & Mustonen 1988). As pessoas que consumiam mais álcool eram as que tinham maior probabilidade de apresentar problemas relacionados com o consumo, e a relação benefícios / problemas tendia a diminuir com o aumento do consumo. Figura 4.1 Risco de ocorrer pelo menos uma consequência social negativa por consumo de álcool anual, ao nível dos países europeus seleccionados (Reino Unido – UK; Suécia555 – SW; Itália – IT; 1*&25#5'. Alemanha – GE; França – FR; Finlândia – FI) (Norström et al. 2001). 5 5"#! $8N8N5 (>("22 ,M, ,2,$(-PU $/00)$ Apesar da redução do stress, aumento do ânimo, da sociabilidade, e o relaxamento serem os benefícios psicológicos do consumo de álcool mais mencionados (Hull & Bond 1986; Baum-Baicker 1987), ainda não foi comparada a eficácia do uso de álcool com outros meios de redução de doenças relacionadas com o stress. Contudo, existe muita evidência científica que indica que os indivíduos que sofrem de ansiedade e consomem álcool para aliviar o seu stress tendem, mais facilmente, a tornarem-se dependentes de álcool (Kessler et al. 1996 1997; Book & Randall 2002). Estima-se que em cada oito indivíduos com perturbações de ansiedade, acompanhados durante um ano, pelo menos um tenha também um problema com o consumo de álcool. (Grant et al. 2004). O álcool também é frequentemente visto como um indutor de sono, pois ajuda a adormecer, mas ainda que possa de facto induzir o sono é também responsável pelo aumento de situações de insónia e por despertares a horas tardias, o que acaba por agravar as perturbações do sono (Castaneda et al. 1998). Álcool e as suas consequências sociais negativas O álcool é frequentemente consumido pelos seus efeitos intoxicantes, e muitos consumidores de álcool, em particular os homens jovens, deliberadamente e conscientemente utilizam o álcool com o objectivo de ficarem intoxicados. É esta intoxicação que é uma causa frequente de prejuízos sociais. Composite Os danos sociais causados por terceiros que consomem álcool são também ( ;#5 5 comuns e geralmente as suas consequências são desde as menos graves (como '. ser perturbado durante a noite5#"#5# por alguém intoxicado) passando por ser !55' ameaçado em público ou em festas privadas, ser insultado ou ser amedrontado 55#" pela presença de pessoas alcoolizadas em recintos públicos até outras de maior '. 5 gravidade, como ser maltratado fisicamente ou danos à propriedade (Rosow & 5! M"J5/00?!$(" Hauge, 2004). Diversos estudos mostram que somente uma pequena proporção '""5 da população sofre danos de forma repetida e de maneiras distintas, com os " "5# . jovens, as mulheres, os que referem uma maior ingestão de álcool anual, os que = .'#55 têm episódios de intoxicação mais frequentes e os que frequentam mais lugares #'' ;#5 M")GG9+AW#W públicos onde se bebe álcool a apresentarem maiores probabilidades de serem $)GGG!$#5'' afectados pelo consumo de outras pessoas (Rossow 1996; Mäkelä et al. 1999). O padrão de consumo de uma vítima tipo de danos causados por outros indivíduos que consomem álcool é muito semelhante ao padrão de consumo daqueles que sofrem distintos tipos de danos sociais devido ao seu próprio consumo de álcool (Hauge y Irgens-Jensen 1986; Room et al.1995; Midanik, 1999; Mustonen y Makela, 1999; Rehm y Gmel, 1999). No quadro 4.1 resumem-se os danos causados pelo álcool a terceiros. Midanik 1999; Mustonen & Mäkelä 1999; Rehm & Gmel 1999). O risco da ocorrência das consequências sociais negativas mais comuns devidas ao consumo de álcool – tais como envolver-se em lutas, problemas nas relações familiares, profissionais, nos estudos ou na vida social, aumenta de forma directamente proporcional com a quantidade de álcool consumido, sem uma clara evidência de um efeito limiar (Figura 4.1). O aumento do risco nos níveis inferiores de consumo de álcool deve-se aos consumidores ligeiros, que ocasionalmente consomem elevadas quantidades de álcool (Rehm & Gmel 1999). 30 31 4. Álcool e saúde 4. Álcool e saúde Quadro 4.1 Danos causados pelo álcool a terceiros 32 CONDIÇÃO ResumodosResultados Consequências sociais negativas São mais comuns os danos sociais de menor gravidade causados pelo consumidor de álccol (p.e. não poder dormir de noite por desacatos causados por pessoas embriagadas) do que os de maior gravidade (p.e. sentir medo pela presença de pessoas alcoolizadas em áreas públicas). A incidência de danos causados pelo álcool a terceiros é maior que as consequências sociais negativas para o próprio. Violência e crime Existe uma relação entre o consumo de álcool e o risco de envolvimento em violência (incluindo homicídio), que é mais evidente no caso de intoxicação. Existem também relações entre o elevado uso de álcool e a violência sexual (particularmente a violência contra estranhos) e a violência doméstica (embora seja atenuada quando outros factores são tidos em conta). Geralmente quanto mais elevado é o nível de consumo de álcool mais grave é a violência. Danos conjugais Além de uma forte associação entre o consumo excessivo e os danos maritais, alguns estudos bem desenhados demonstram um aumento significativo do risco de separação ou divórcio entre pessoas que têm consumos excessivos de álcool. Abuso Infantil Um grande número de estudos, nem sempre com boa metodologia, informam que vários tipos de abusos a menores prevalecem mais entre os indivíduos que bebem. Danos relacionados com o trabalho O elevado uso de álcool resulta numa fraca produtividade e aumenta os ferimentos para com os outros. Beber e conduzir O risco de acidentes e lesões a terceiros como consequência de beber álcool aumenta com o número de ocasiões de consumo excessivo. Condições Pré-natais O álcool revela uma toxicidade reprodutiva. A exposição pré-natal ao álcool pode ser associada a padrões de défices intelectuais que emergem mais tarde na infância. Mesmo que o volume de bebida seja baixo, beber com frequência durante a gravidez pode aumentar o risco de um aborto espontâneo, baixo peso do recém-nascido, prematuridade e atraso no crescimento intra-uterino, e pode também reduzir a produção de leite materno. Violência Uma considerável proporção das agressões e dos crimes violentos envolvem uma ou mais pessoas que haviam bebido álcool antes da ocorrência (Pernanen, 1991; Collins, 1993; Wells et al. 2000; Pernanen et al. 2000; Allen et al. 2003). Em média, 40 a 50% dos crimes violentos são cometidos por pessoas que tinham consumido álcool, variando esta proporção com o país e a cultura (Murdoch, Pihl & Ross 1990). Existe uma relação entre o consumo de álcool e o risco de envolvimento em actos de violência, incluindo o homicídio, sendo esta relação mais forte nos casos de intoxicação por álcool do que no consumo em geral (Rossow 2000; Wells et al 2000). Vários estudos demonstram um aumento significativo do risco de envolvimento em situações de violência por parte de pessoas que consomem álcool em excesso, apresentando estes ainda maior probabilidade de serem vítimas de violência (Rossowet al. 2001; Greenfield & Henneberg 2001). O consumo episódico excessivo, a frequência com que se consome e o volume de consumo são factores que estão independentemente associados ao risco de provocar ou sofrer agressões (Wechsler et al. 1994; Wechsler et al. 1995; Wechsler et al. 1998; Komro et al. 1999; Bonomo et al. 2001; Swahn, 2001; Richardson & Budd, 2003; Swahn & Donovan, 2004; Wells et al. 2005), aparecendo como factor principal a frequência do consumo (Wells et al. 2005). Numa amostra populacional, o volume de bebida consumido estava associado a agressões provocadas pelo álcool, mesmo quando o excesso de álcool estava controlado (Room et al. 1995). Existe uma relação entre o elevado consumo de álcool e a violência criminal e doméstica, existindo evidência proveniente de estudos sobre violência doméstica e sexual (Mirrlees-Black, 1999; Abbey et al. 2001; Caetano et al. 2001; Brecklin & Ullman, 2002; White & Chen, 2002: Lipsey et al. 1997; Greenfeld, 1998). A relação é atenuada quando se tem em conta outras características como a cultura, género, idade, classe social, criminalidade, abuso de menores e uso de drogas, juntamente com o consumo de álcool. De um modo geral, quanto maior é o consumo de álcool, maior é o grau de violência (Gerson & Preston 1979; Martin & Bachman 1997; Sharps et al. 2001). Estudos do Reino Unido (Mirrlees-Black 1999) e da Irlanda (Watson & Parsons 2005) indicam que um terço da violência íntima num casal ocorre quando o perpetrador está sob a influência de álcool. É mais provável que o álcool esteja envolvido em actos de violência contra estranhos do que na violência contra um membro do casal (Abbey et al. 2001; Testa & Parks 1996). Tanto os perpetradores de violência como as suas vítimas apresentam comummente altos níveis de álcool no sangue, ou níveis elevados de consumo (Makkai, 1997; Mirrlees-Black, 1999; Brecklin & Ullman, 2002). A probabilidade de ocorrer um ataque sexual cometido por estranhos aumenta com a quantidade de álcool consumido pelas vítimas ao passo que, o risco de ocorrência de um ataque sexual entre companheiros ou cônjuges provocado pelo álcool parece ser 33 4. Álcool e saúde independente do consumo de álcool por parte da vítima (Kaufman Kantor & Asdigian, 1997; Chermack et al. 2001). Muitas vítimas desenvolvem problemas de consumo de álcool em resposta à violência sexual sofrida (Darves-Bornoz et al. 1998). Além de estudos epidemiológicos e experimentais que suportam uma relação causal entre a intoxicação e a violência (Gram & West, 2001), existem ainda investigações que indicam a existência de mecanismos biológicos específicos que ligam o álcool ao comportamento agressivo (Bushman 1997; Lipsey et al 1997), os quais são moderados pelos factores situacionais e culturais (Wells & Graham 2003). Os efeitos do álcool incluem o aumento da labilidade emocional e o foco no presente (Graham et al. 2000), diminuição da consciência, ou menos auto-consciência (Hull 1981), redução da capacidade de ponderar as consequências (Hull & Bond 1986; Pihl et al. 1993; Ito et al. 1996), ou diminuição da capacidade de resolver problemas (Sayette et al. 1993), e enfraquecimento da capacidade de auto-regulação e auto-controlo (Hull & Slone 2004). O álcool parece interagir com as características da personalidade e com outros factores relacionados com a propensão pessoal para a violência, como a impulsividade (Zhang et al. 1997, Lang & Martin 1993). As lesões causadas pela violência também podem estar mais estreitamente relacionadas com a dependência do álcool em comparação com outros tipos de danos relacionados com o álcool (Cherpitel 1997). Juntamente com o consumo de álcool e os padrões de bebida, o contexto social de consumo é também importante ao nível dos comportamentos agressivos causados pelo álcool (Eckardt et al. 1998; Fagan 1990; Martin 1992; Collins & Messerschmidt 1993; Graham et al. 1998; Parker & Auerhahn 1998), especialmente nos jovens, cujo comportamento de beber é influenciado fortemente pelos pares (Hansen 1997). Uma meta-análise mostrou que os efeitos do álcool eram superiores em situações caracterizadas por grande ansiedade, conflito de inibição e frustração, enquanto as diferenças existentes entre pessoas sóbrias e intoxicadas eram pequenas em situações que envolviam elevada provocação ou mais atenção a si mesmo (Ito et al. 1996). Foi também demonstrado que, na presença de suficientes factores dissuasores da agressão, os efeitos do álcool na conduta agressiva podem baixar ou mesmo serem eliminados (Hoaken et al. 1998; Jeavons & Taylor 1985). Os estabelecimentos públicos de consumo são locais de alto risco para a agressão relacionada com o consumo de álcool (Pernanen 1991; Stockwell et al. 1993; Archer et al. 1995; Rossow 1996; Leonard et al. 2002). Todavia, os contextos de consumo por si só, não explicam a relação existente entre o álcool e a agressão, uma vez que o impacto do álcool actua independentemente do contexto em que é consumido (Wells et al 2005). Porém, o ambiente não é independente da agressão relacionada com o álcool. Por exemplo, em ambientes destinados ao consumo, como os bares, não faz sentido tentar determinar a proporção de violência que ocorreria mesmo que a pessoa não consumisse álcool, uma vez que estes ambientes não podem existir sem o consumo de 34 4. Álcool e saúde álcool. Embora uma pequena parte dos incidentes que ocorrem em bares envolvam conflitos interpessoais entre amigos ou casais que poderiam ter ocorrido num outro contexto, a maior parte dos incidentes de agressão que ocorrem nestes locais não são planeados, emergem naturalmente da interacção social (Graham & Wells 2001) e frequentemente envolvem estranhos. A maioria dos incidentes de violência que se dão em bares e em outros ambientes onde o acto de beber é a actividade central, podem ser atribuídos ao álcool, quer directamente pelos seus efeitos químicos, quer indirectamente, pelas normas sociais relacionadas com o consumo de bebidas alcoólicas. Danos e violência conjugal Numerosos estudos transversais demonstram a estreita relação entre o consumo excessivo e o risco de crises conjugais (Leonard & Rothbard, 1999), mas só alguns estudos bem desenhados evidenciam que há um risco significativamente maior de separação ou divórcio entre indivíduos com consumos excessivos, em comparação a outros (Fu & Goodman, 2000). Vários estudos transversais (Lipsey et al. 1997; Leonard, 2005) e alguns estudos longitudinais sobre o consumo de álcool e agressão conjugal mostram que o consumo excessivo de álcool aumenta o risco de violência conjugal (Kaufman, Kantor & Straus, 1987). Também parece que o tratamento da dependência de álcool reduz a violência íntima entre o casal (O.Farrell & Choquette 1991; O.Farrell et al. 1999; O.Farrell et al. 2000; O.Farrell et al. 2003; Stuart et al. 2003). As mulheres com problemas relacionados com o álcool apresentam com frequência problemas conjugais (Blankfield & Maritz 1990), e têm menor confiança na possibilidade de resolver esses problemas (Kelly et al. 2000). As mulheres que são dependentes de álcool apresentam maior prevalência de agressões contra os seus maridos (Miller et al. 1989, Miller & Downs 1993) e as mulheres que se encontram no papel de vítimas de violência associada ao álcool tendem a beber mais (Olenick & Chalmers 1991). AbusoInfantil Vários estudos revelam que uma grande variedade de perturbações mentais e comportamentais da infância tendem a ter maior prevalência entre as crianças filhas de indivíduos que consomem álcool em excesso, embora muitos destes estudos tenham sido criticados devido à sua metodologia inadequada (Miller et al. 1997; Rossow 2000; Widom & Hiller-Sturmhofel 2001). Os resultados de estudos recentes bem desenhados demonstram um elevado risco de abuso infantil em famílias cujos pais consomem álcool em excesso (Rossow 2000). Reduçãododesempenholaboral O elevado consumo de álcool resulta no aumento do desemprego (Mullahy & Sindelar 1996), e em menores vencimentos quando comparado com menores níveis de consumo (Hamilton & Hamilton 1997). O elevado uso de álcool e a intoxicação aumentam o risco de absentismo laboral (incluindo chegar ao 35 4. Álcool e saúde 4. Álcool e saúde trabalho tarde e sair cedo) devido a doença ou suspensão disciplinar, o que resulta em perda de produtividade, rotação de pessoal por morte prematura, problemas disciplinares ou baixa produtividade, comportamento inapropriado, furto e outros crimes e o enfraquecimento de relações de cooperação no trabalho (Marmot et al 1993; Mangione et al. 1999; Rehm & Rossow 2001). 4.1. O álcool aumenta o risco de doenças? O álcool é uma substância tóxica relacionada com mais de 60 tipos diferentes de problemas agudos e crónicos (Gutjahr et al. 2001; English et al. 1995; Ridolfo & Stevenson 2001). A relação existente entre o consumo de álcool e o risco de perturbação da saúde por outras doenças mais graves está resumida no quadro 4.1. Para muitas condições patológicas existe um aumento do risco com o aumento dos níveis de consumo de álcool, sem evidência de um efeito limiar (Rehm et al. 2003) e onde a intensidade do risco varia com o género (Corrao et al. 1999; Corrao et al. 2004). O quadro 4.2 resume os danos causados pelo álcool ao indivíduo que bebe. Quadro 4.1. Riscos relativos às condições (doenças) seleccionadas onde o álcool é o factor de risco. Mulher Patologias Cardiovasculares (DCV) Hipertensão arterial 1.4 2.0 2.0 1.4 2.0 4.1 Doença Coronária 0.8 0.8 1.1 0.8 0.8 1.0 Acidente vascular cerebral isquémico 0.5 0.6 1.1 0.9 1.3 1.7 Acidente vascular cerebral hemorrágico 0.6 0.7 8.0 1.3 2.2 2.4 Arritmia Cardíaca 1.5 2.2 2.2 1.5 2.2 2.2 Patologias susceptíveis de ocorrer durante o período perinatal Aborto Espontâneo 1.2 1.8 1.8 1.0 1.4 1.4 Peso baixo à nascença 1.0 1.4 1.4 0.9 1.4 1.4 Prematuridade 0.9 1.4 1.4 1.0 1.7 1.7 Atraso do desenvolvimento intrauterino1 1.0 1.7 1.7 1 1 Riscos referentes ao consumo de álcool por parte da mãe durante a gestação. Fonte: Rehm et al. (2004) 1 Quadro 4.2 Os danos causados pelo álcool no próprio consumidor Homem Condição Consumo de álcool, g/dia 0 -19 20-39 40+ 0-39 40-59 60+ Patologias Neuro-psiquiátricas Epilepsia 1.3 7.2 7.5 1.2 7.5 6.8 1.3 9.5 13.0 1.3 9.1 13.0 Bem estar social Patologias Gastrointestinais Cirrose hepática Varizes esofágicas 1.3 9.5 9.5 1.3 9.5 9.5 Pancreatites Aguda e Crónica 1.3 1.8 1.8 1.3 1.8 3.2 0.9 0.9 1.1 1.0 0.6 0.7 Cancros da boca e orofaringe 1.5 2.0 5.4 1.5 1.9 5.4 Cancro esofágico 1.8 2.4 4.4 1.8 2.4 4.4 Cancro da Laringe 1.8 3.9 4.9 1.8 3.9 4.9 1.5 3.0 3.6 1.1 1.3 1.7 Patologias Endócrinas e Metabólicas Diabetes mellitus Neoplasias Malignas 36 Cancro do Fígado 1.5 3.0 3.6 Cancro da Mama 1.1 1.4 1.6 Outras neoplasias 1.1 1.3 1.7 Danos intencionais e acidentais Resumo dos resultados Consequências O risco de causar um qualquer tipo de dano sociais aumenta de forma proporcional com a quantidade negativas de álcool consumido, sem evidência de efeito limiar, para as seguintes situações: envolver-se em lutas, afectar negativamente / causar danos na vida familiar, no casamento, desempenho académico, nas relações profissionais, nas relações de amizade e na vida social. Redução do desempenho laboral Elevados consumos de álcool resultam em aumento do desemprego e absentismo. Violência Existe uma relação quase linear entre o consumo de álcool e o risco de envolvimento em actos de violência. Beber e conduzir O risco de beber e conduzir aumenta quer com a quantidade de álcool consumido, quer com a frequência de consumos excessivos episódicos. Existe um aumento de 38% do risco de acidentes quando a concentração de álcool no sangue tem um nível de 0.5g/L. 37 4. Álcool e saúde 4. Álcool e saúde Condição Lesões/ ferimentos Patologias Neuropsiquiátricas Existe uma relação entre o uso de álcool e o risco de ocorrência de acidentes e lesões fatais ou não fatais. As pessoas que costumam beber pouca quantidade de álcool, mas que periodicamente bebem grandes quantidades de álcool estão especialmente em risco. O álcool aumenta o risco de frequência de urgências hospitalares numa maneira dose-dependente, e aumenta o risco de operações e complicações cirúrgicas. Suicídio Há uma relação directa entre o consumo de álcool e o risco de suicídio ou tentativa de suicídio, que é mais forte para a intoxicação do que para o consumo em geral. Ansiedade e perturbações do sono Aproximadamente um em cada oito indivíduos com uma perturbação de ansiedade também sofre de problemas com o álcool. O álcool agrava as perturbações do sono. Depressão As perturbações pelo uso de álcool são um factor de risco para as perturbações depressivas, de um modo dose-dependente. Geralmente as problemáticas do consumo de álcool precedem a depressão, e ocorre melhoria da depressão após a abstinência do álcool. Dependência de álcool 38 Resumo dos resultados O risco de dependência de álcool começa com os baixos níveis de consumo e aumenta directamente com o volume de álcool consumido e com um padrão de consumos excessivos episódicos. Lesão do sistema nervoso Durante um período de tempo sustido, mas de forma dose-dependente, o álcool aumenta o risco de lesão do sistema nervoso periférico. Lesão Cerebral O consumo excessivo de álcool acelera a atrofia cerebral, o que leva ao declínio cognitivo. Parece existir um contínuo de lesão cerebral nos indivíduos com dependência de álcool prolongada. Patologias Gastrointestinais Neoplasias Doenças Cardiovasculares Condição Resumo dos resultados Dano cognitivo e demência O consumo excessivo de álcool aumenta o risco de deterioração cognitiva de um modo dose-dependente. Perturbações Aditivas O consumo de álcool e o uso de tabaco estão estreitamente relacionados. O consumo excessivo de tabaco está associado ao consumo excessivo de álcool. Esquizofrenia O consumo de álcool de risco é mais frequente entre pessoas com esquizofrenia. Mesmo o consumo de níveis baixos de álcool pode piorar os sintomas e comprometer a eficácia do tratamento. Cirrose hepática O álcool aumenta o risco de cirrose hepática de uma maneira dependente da dose consumida. Qualquer que seja o nível de consumo as mulheres parecem ter mais probabilidade de desenvolver esta doença do que os homens. Pancreatite O álcool aumenta o risco de desenvolvimento de pancreatite aguda e crónica, numa maneira dose-dependente. Diabetes tipo II Apesar de doses baixas de álcool diminuirem o risco em comparação com as pessoas que se abstêm do consumo, doses elevadas aumentam o risco de diabetes tipo II. Gastrointestinal O álcool aumenta o risco de cancro da boca, esófago e da laringe, e em menor escala, o cancro do estômago, cólon e recto, numa relação linear. Fígado O álcool aumenta o risco de cancro do fígado numa relação exponencial. Mama Existe agora forte evidência de que o álcool aumenta o risco de cancro da mama na mulher. Hipertensão O álcool aumenta a pressão sanguínea, bem como o risco de hipertensão, numa forma dose-dependente. 39 4. Álcool e saúde 4. Álcool e saúde Condição Resumo dos resultados Acidente vascular cerebral O álcool pode aumentar o risco de AVC hemorrágico e isquémico. Há uma forte relação entre as doses ingeridas e o AVC hemorrágico. Embora alguns estudos individuais defendam que o consumo baixo leva a uma redução do risco de AVC isquémico, uma revisão sistemática que combinou vários estudos concluiu que não existe evidência no sentido de um efeito protector causado por baixos consumos de álcool. A intoxicação é um importante factor de risco tanto para o AVC isquémico, como para o hemorrágico, sendo uma das principais causas de AVC em adolescentes e jovens. (AVC) Sistema Imunitário 40 Arritmias cardíacas O consumo excessivo episódico de álcool aumenta o risco de arritmias cardíacas e de morte coronária súbita, mesmo em indivíduos sem antecedentes de patologia cardíaca. Doença coronária Apesar de uma baixa ingestão de álcool (cerca de 20g por dia) reduzir o risco de doenças coronárias, o risco de doença aumenta, tornando-se superior ao risco de um abstémio quando o consumo excede os 80g de álcool/dia. O álcool pode interferir com o normal funcionamento do sistema imunitário, causando um aumento da susceptibilidade a certas doenças infecciosas, como a pneumonia, a tuberculose e o VIH. Patologias Osteoarticulares Parece existir uma relação dose-dependente entre o consumo de álcool e o risco de fractura óssea tanto nos homens como nas mulheres, embora seja mais significativa no caso dos homens. Patologias Reprodutivas O álcool pode prejudicar a fertilidade tanto nos homens como nas mulheres. Mortalidade Total Nas pessoas jovens (mulheres com idades inferiores a 45 anos e homens com menos de 35 anos) qualquer nível de consumo de álcool aumenta o risco de morte de um modo dose-dependente. Lesões Intencionais e Acidentais Beber e Conduzir O risco de beber álcool e conduzir aumenta quer com a quantidade de álcool consumido quer com a frequência de episódios de consumo excessivo (Midanik et al. 1996). A comparação das concentrações de álcool no sangue (CAS) de condutores envolvidos em acidentes com a CAS de condutores não envolvidos em acidentes originam curvas de risco com um aumento de 38% no risco de causar acidentes se a CAS for de 0.5g/l, e quase cinco vezes mais se a concentração for de 1.0g/l (Blomberg et al. 2002). Os riscos são mais elevados no caso de acidentes graves ou fatais, para acidentes com um único veículo e em acidentes com jovens. O uso de álcool aumenta tanto a possibilidade de dar entrada num hospital por lesões relacionadas com a condução sob efeito do álcool, como pela gravidade dessas mesmas lesões (Borges et al. 1998). Lesões/ferimentos Existe uma relação entre o consumo de álcool e o risco de acidentes e de lesões fatais e não fatais (Cherpitel et al. 1995; Brismar & Bergman 1998; Smith et al. 1999). Num estudo australiano, o risco de sofrer uma lesão após um consumo superior a 60g de álcool num período de 6 horas foi dez vezes maior para as mulheres e duas vezes maior para os homens (McLeod et al. 1999). Estão em particular risco as pessoas que habitualmente bebem álcool a níveis reduzidos, mas que periodicamente bebem grandes quantidades de álcool (Watt et al. 2004). O álcool eleva o risco de recurso às urgências hospitalares de modo dose-dependente (Cherpitel 1993; Cherpitel et al. 2003; Borges et al. 2004); entre 20% e 80% das admissões nas urgências estão relacionadas com o álcool (Hingson & Howland 1987). O álcool altera o curso do tratamento de doentes com traumatismos e pode levar a complicações cirúrgicas (Smith et al. 1999) e a uma maior probabilidade de morte (Li et al. 1994). Suicídio O consumo excessivo é o maior factor de risco para o suicídio e para o comportamento suicida entre jovens e adultos (Shaffer et al. 1996, Lesage et al. 1994, Andrews & Lesinsohn 1992; all cited in Beautrais 1998). Existe uma relação directa entre o consumo de álcool e o risco de suicídio e tentativa de suicídio (Figura 4.2) que é mais forte para a intoxicação do que para o consumo em geral (Rossow 1996). 41 55 ($)GG945$)GG? " J 4 )GG/+ 3 )GGC!$ " # ,5?$/"5=' 4. Álcool e saúde M")GG9!$ 4. Álcool e saúde Quadro 4.2 O risco de dependência de álcool em pessoas com perturbações do humor (dados dos EUA). Perturbações comórbidas do estado de humor* e Abuso de Álcool e de outras substâncias Figure 4.2 Riscos relativos de suicídio por álcool ingerido. Fonte: Strategy Unit (2003). 1 *) M' # #$ (- (5 8 /00B!$ % Doenças Neuropsiquiátricas " Depressão #'' Existe consistência entre os vários estudos relativamente ao facto de os M5)GG0+A#5$)GGC+("$)GGC+N5 pacientes com depressão e outras perturbações de humor estarem sob maior /00)+/00/+#/00/+(J3/00/!$% risco de desenvolvimento de dependência de álcool e vice-versa (Regier et al ' "% % # 1990; Merikangas et al. 1998; Swendson et al. 1998; Kringlen et al 2001; de ' #>#/00)+(#)GG9+(" Graaf et al 2002; Petrakis et al 2002; Sonne & Brady 2002). Os indivíduos $)GGC!' 5 dependentes de álcool demonstram um risco duas a três vezes maior de sofrer ' N)GG9+A#5$)GGC+ de psicopatologia depressiva (Hilarski and Wodarki 2001; Schuckit 1996; M5$/000!$'5 Swendson et al. 1998), e existe evidência de um contínuoA#$)GGC!$ na magnitude da " ' comorbilidade como função do nível de álcool consumido (Kessler et al 1996; Merikangas et al. 1998; Rodgers et al. 2000). < ))I'" Existem vários mecanismos biológicos plausíveis através dos quais a " /00?!?$/?$B dependência de álcool pode causar perturbações depressivas (Markou et al. '/0I '$ 1998). Um estudo norte-americano descobriu que, num qualquer ano escolhido ao acaso, 11% de indivíduos com depressão major eram dependentes de álcool (Grant et al 2004), ver quadros 4.2 e 4.3. Por outro lado, 20% das pessoas dependentes de álcool tiveram uma depressão major. Qualquer abuso de substância ou dependência (%) Dependência de álcool (%) Abuso de álcool (%) 32.0 56.2 60.7 48.1 27.2 4.9 27.6 31.5 20.8 11.6 6.9 16.1 14.7 18.4 5.0 Qualquer perturbação do humor Qualquer Doença Bipolar Bipolar I Bipolar II Depressão unipolar NOTAS: *As perturbações do estado de ânimo/humor incluem a depressão e a doença bipolar. A doença Bipolar, ou depressão maníaca, é caracterizada por alternâncias bruscas no estado de humor. Bipolar I é a forma mais severa desta doença. Bipolar II é uma forma mais leve desta doença Depressão unipolar é a depressão sem episódios de mania. Fonte:Epidemiologic Catchment Area study (Regler et al. 1990). Quadro 4.3 O risco de perturbações do humor em pessoas com dependência de álcool (dados dos EUA). Prevalência de Doenças Psiquiátricas em Pessoas com Abuso de Álcool e Dependência de Álcool Abuso de Álcool Perturbações Comórbidas National Comorbidity Survey1 Perturbações de humor Depressão Major Doença Bipolar Perturbações da Ansiedade Perturbação de Ansiedade Generalizada Perturbação do Pânico PStress pós traumático Dependência de Álcool Taxa anual (%) Odds ratio Taxa anual (%) Odds ratio 12.3 11.3 0.3 29.1 1.1 1.1 0.7 1.7 29.2 27.9 1.9 36.9 3.6* 3.9* 6.3* 2.6* 1.4 1.3 5.6 0.4 0.5 1.5 11.6 3.9 7.7 4.6* 1.7* 2.2* Composite 42 43 4. Álcool e saúde 4. Álcool e saúde Epidemiologic Catchment Area2 study Esquizofrenia Taxa anual (%) Odds ratio Taxa anual (%) Odds ratio 9.7 1.9 24 3.8 NOTAS: * Os Odds ratio foram significativamente diferentes de 1 ao nível de significância de 5%. O Odds ratio representa o aumento da probabilidade da presença de comorbidade psiquiátrica num indivíduo com abuso ou dependência do álcool (por exemplo, uma pessoa com dependência do álcool tem uma probabilidade 3,6 vezes maior de ter concomitantemente uma perturbação do humor quando comparado com uma pessoa sem dependência de álcool). A taxa anual de uma perturbação representa a percentagem de pessoas que preenchiam os critérios para essa perturbação no ano anterior ao inquérito. A taxa vitalícia representa a percentagem de pessoas que preenchiam os critérios para essa perturbação em qualquer momento das suas vidas. Fonte: 1 Kessler et al.1996.; 2 Regier et al. 1990. Apesar da depressão poder preceder o consumo excessivo de álcool ou as perturbações do consumo de álcool, existe a possibilidade do início dos transtornos por consumo de álcool preceder o início dos transtornos depressivos (Merikangas et al. 1998; Kessler et al. 1996; Rehm et al. 2004). Muitas síndromes depressivas melhoram marcadamente após dias ou semanas de abstinência (Brown & Schuckit 1988; Dackis et al. 1986; Davidson 1995; Gibson & Becker 1973, Penick et al. 1988; Pettinati et al. 1982; Willenbring 1986). Dependência de Álcool Independentemente do modo como o consumo de álcool é medido, o risco de dependência de álcool começa com baixos níveis de consumo e aumenta directamente quer com o volume de álcool consumido quer com o padrão de consumo de elevadas quantidades numa só ocasião (Caetano et al. 2002). Os dois factores que contribuem para o desenvolvimento da dependência de álcool são o reforço psicológico e a adaptação biológica no cérebro (World Health Organization 2004). Alteração do sistema nervoso (neuropatia periférica) Ao longo de um período de tempo, mas de uma forma dependente da dose consumida, o álcool aumenta o risco de lesão do sistema nervoso periférico, as estruturas nervosas que controlam os sentidos e o movimento, e em particular dos membros inferiores (Monforte et al. 1995). O efeito é independente do estado de nutrição, não sendo claro até que ponto a má nutrição agrava a lesão. Deterioração cognitiva, demência, e lesão cerebral O consumo de álcool tem efeitos prejudiciais imediatos e a longo prazo tanto no cérebro como no funcionamento neuropsicológico. A relação existente entre o consumo excessivo de álcool e a deterioração cognitiva encontra-se bem estabelecida (Williams & Skinner 1990). As pessoas que bebem 70 a 84g de álcool por dia durante um extenso período de tempo demonstram algumas deficiências cognitivas; as pessoas que bebem 98 a 126g de álcool diárias revelam défices cognitivos leves; e o consumo de 140g ou mais por dia resulta 44 em défices cognitivos moderados, semelhantes aos encontrados em pessoas diagnosticadas com dependência de álcool (Parsons & Nixon 1998). Alguns indícios demonstram que o consumo leve de álcool pode reduzir o risco de sofrer de demência vascular, enquanto os efeitos na doença de Alzheimer e no contexto cognitivo mantêm-se incertos, com alguns estudos a revelarem uma relação (Stampfer et al. 2005) e outros não (Gunzerath et al. 2004). Num estudo finlandês, o consumo frequente de álcool na meia-idade foi associado à deterioração cognitiva e a efeitos nocivos sobre o cérebro na vida futura, que eram mais acentuados quando havia uma propensão genética para a demência (Antilla et al. 2004). O consumo excessivo de álcool acelera a atrofia do cérebro, que leva ao declínio cognitivo (Rourke & Loberg 1996; Oscar-Berman & Marinkovic 2003). Durante a adolescência, o álcool pode levar a mudanças estruturais no hipocampo (uma parte do cérebro envolvida no processo de aprendizagem) (De Bellis et al. 2000) e prejudica permanentemente o desenvolvimento do cérebro (Spear 2002). Parece existir um espectro de danos cerebrais nos indivíduos com uma longa dependência de álcool, que varia de défices moderados a psicoses graves, como a síndrome Wernicke-Korsakoff, que causam confusão, ataxia da marcha, visão dupla e incapacidade para reter informação. Adição à nicotina O consumo de álcool e o uso de tabaco são comportamentos fortemente relacionados. Logo, não só quem consome álcool tem mais probabilidades de fumar (e vice-versa), mas também as pessoas que bebem grandes quantidades de álcool tendem a fumar mais. Estima-se que 90% das pessoas dependentes de álcool também fumam tabaco. De igual modo, os fumadores têm muito mais probabilidade de consumir álcool do que os não fumadores, e os fumadores que são dependentes da nicotina têm 2.7 vezes mais risco de se tornarem dependentes de álcool do que os não fumadores (ver Drobes 2002). Esta é uma das razões da relação consistente entre o álcool e o cancro do pulmão, evidenciada em diversos estudos epidemiológicos (Bandera et al. 2001; English et al. 1995). Esquizofrenia O consumo de risco é mais frequente em pessoas com um diagnóstico de esquizofrenia (Hulse et al. 2000), mas também existe evidência de que mesmo os níveis mais baixos de consumo de álcool podem piorar os sintomas desta doença, bem como interferir com a efectividade de alguns medicamentos (Castaneda et al. 1998). Além disso, foram alcançados melhores resultados terapêuticos quando o consumo alcoólico nocivo e a esquizofrenia foram abordados de um modo integrado (Mueser & Kavanagh 2001). Doenças Gastrointestinais O álcool aumenta o risco de cirrose hepática (Figure 4.3), e pancreatite aguda e crónica (Corrao et al. 1999). Para os homens que morrem entre os 35 e 69 45 4. Álcool e saúde 4. Álcool e saúde anos de idade, o risco de morte por cirrose aumenta de 5 por cada 100.000 pessoas sem consumo de álcool, para 41 por cada 100.000 pessoas, com um consumo de 4 ou mais bebidas por dia (Thun et al.1997). Relative risk (log scale) 100 Doenças Endócrinas e Metabólicas 10 1 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 110 120 grams alcohol per day Men/Mediterranean Women/Mediterranean Men/other women/other Figure 4.3 Riscos relativos de cirrose hepática por consumo de álcool. Fonte: Unidade estratégica (2003) Apesar da existência de uma forte correlação entre o risco de cirrose, e o produto entre a quantidade de álcool consumida em gramas e a frequência de consumo, só aproximadamente 20% das pessoas com dependência de álcool desenvolvem cirrose hepática. Alguns estudos apontam para a existência de factores genéticos que predispõem à hepatopatia alcoólica. Assim, no que concerne à cirrose alcoólica, a concordância entre gémeos homozigóticos (idênticos) foi de quase 15% enquanto que entre os gémeos heterozigóticos (não idênticos) foi de 5% (Lumeng & Crabb, 1994). O polimorfismo e/ou mutações das enzimas metabolizadoras do álcool pode também contribuir para o risco de hepatopatia alcoólica. Alguns estudos também revelam que o aumento da incidência de alguns antigéneos HLA, como o B8, Bw40, B13, A2, DR3 e DR2, estão associados com um aumento do risco de desenvolver cirrose hepática (Lumeng & Crabb, 1994). O padrão de bebida é também importante, uma vez que os episódios de consumo de elevadas quantidades de álcool acarretam um risco menor quando comparado com o consumo contínuo durante um longo período de tempo. Existe uma interacção com a hepatite C, sendo que esta infecção aumenta não só o risco de cirrose hepática para qualquer nível de consumo de álcool, como também a gravidade desta doença (Schiff 1997; Schiff & Ozden 2003). Existe também uma provável interacção com congéneres do álcool alifático que derivam de bebidas espirituosas de fabrico caseiro, o que aumenta o risco de cirrose hepática para qualquer nível de consumo de álcool (Szucs et al. 2005). Para qualquer nível de consumo de álcool, as mulheres têm uma probabilidade maior de desenvolver cirrose hepática do que os homens (Mann et al. 2003). 46 Não parece existir associação entre o consumo de álcool e o risco de desenvolvimento de úlceras gástricas e duodenais (Corrao et al. 1999). Existe alguma evidência de que o álcool pode reduzir o risco de litíase biliar (Leitzmann et al. 1998; see Ashley et al. 2000), embora esta relação não seja consistente entre todos os estudos (Sahi et al. 1998, Kratzer et al. 1997). Isto contrasta com o maior risco de desenvolver litíase biliares em doentes com cirrose. A relação com a diabetes tipo II parece ter a forma de U, em que as doses baixas de consumo de álcool diminuem o risco em comparação com os abstémicos (Rimm et al. 1995, Perry et al. 1995, Stampfer et al. 1988) e elevadas doses aumentam o risco (Wei et al. 2000; Wannamethee et al. 2003). Nem todos os estudos mostram uma diminuição do risco com um consumo de álcool reduzido (Hodge et al. 1993, Feskens & Kromhout 1989). O álcool parece elevar o risco de obesidade, embora tal não se encontre em todos os estudos (Wannamethee & Shaper 2003). Cancros ou neoplasias O álcool é cancerígeno e aumenta o risco dos cancros da boca, do esófago, da laringe, do fígado e da mama e numa extensão menor, o cancro do estômago, cólon e recto, numa relação linear, Figura 4.4 (Bagnardi et al 2001a; Bagnardi et al 2001b). O risco anual de morte por cancros relacionados com o consumo de álcool (boca, esófago, faringe e fígado) aumenta de 14 por cada 100.000 homens abstémicos de meia-idade para 50 por cada 100.000 homens com um consumo de 4 ou mais bebidas (40g álcool) por dia (Thun et al. 1997). Actualmente existe uma forte evidência de que o álcool aumenta o risco de cancro da mama (Collaborative Group on Hormonal Factors in Breast Cancer 2002). O risco aos 80 anos aumenta de 88 por cada 1000 mulheres abstémicas para 133 por cada 1000 em mulheres que bebem 6 bebidas alcoólicas por dia (60g). É possível que o álcool aumente o risco de cancro de mama pelo aumento dos níveis de secreção de hormonas sexuais, o que é tido como um factor de risco para o cancro da mama. 47 C C M M Y Y CM CM MY MY CY CMY CY CMY K K 4. Álcool e saúde 4. Álcool e saúde * * * A. Neoplasias do Aparelho Aerodigestivo Superior %654 %654 %654 Uma análise conjunta de dados originais resultantes de nove estudos caso-controlo mostrou que as pessoas que bebem álcool têm um menor risco de desenvolver alguns linfomas hodgkin (Morton et al. 2005). A redução do _final_1.FH10 Wed Nov 30 08:27:10 2005 Pagenão 41 risco não está relacionada com o nível de consumo de álcool, verificando-se que os ex-consumidores de álcool apresentam um risco semelhante ao dos indivíduos que nunca beberam álcool. Não é claro até onde estes resultados podem ser explicados por alguns factores de confusão não identificados. Do mesmo modo, como foi mencionado anteriormente, existe uma relação * consistente entre o álcool e o cancro de pulmão (English et al. 1995), que se acredita ser causado pelo hábito de fumar (Bandera et al. 2001). 5 C 3%2$4 B. Neoplasias do Aparelho Digestivo Inferior 3%2$4 3%2$4 M Y CM MY CY CMY K "#"# %5# avaliaram 55: 5 Alguns estudos ainda se o álcool é ou não mutagénico – uma ! A$/001!$# substância que induz alterações permanentes no modo como as células, tecidos "' # e órgãos #'#$2="5 funcionam, o que pode contribuir para o desenvolvimento de cancro. = $' Alguns estudos sugerem que o álcool tem um potencial mutagénico fraco após "5 5$)GG1! a ocorrência de alterações metabólicas (Obe & Anderson 1987; Greim 1998). ' #5 3$/00)!$ Embora a importância deste facto não seja clara (Phillips & Jenkinson 2001), foi considerada uma proposta, todavia não concretizada, para que a Entidade ('"5= 5 Europeia % 5" que controla as Substâncias Químicas (1999) da Comissão Europeia 5" ' $ classifique o etanol como um mutagéneo de categoria 2 (as substâncias que '55"#5= devem ser consideradas mutagénicas para a espécie humana) sob o sistema de "5 5 <J)GC*+ )GGC!$5 classificação da Directiva das Substâncias Perigosas (67/548/EEC) (Anexo VI) J#/00)!" (Comissão Europeia, 2005). =% =% C.=% Outras Neoplasias 3 )GGG! 5/ 5 "5 5 !&5 (&' 9*R1?CR! =F2! Doenças /001!$ Cardiovasculares Hipertensão O álcool eleva a pressão do sangue e aumenta o risco de hipertensão de modo $ # 3$)GG9+$)GG*+5 dose-dependente (Beilin et al. 1996; Curtis et al. 1997; English et al. 1995; $)GG1+$)GGG+N$)GG*+N#)GG9+$N#/00)! Grobbee et al. 1999; Keil et al. 1997; Klatsky 1996; Klatsky, 2001), (Figura ,5?$1!$ 4.5). M"5 # $$'#MM!)? M"5 # $$'#MM!)? $MM5"' $5$ Relação entre o aumento do consumo de álcool e o risco (risco relativo ou RR)$$'#MM!)? de vir a desenvolver 14 tipos diferentes de M"5 # $MM5"' $5$ ! $5$!$MM"' $MM5"' $5$ neoplasias. O RR representa a força da relação entre uma variável (neste caso o consumo de álcool) e uma doença (neste ! $5$!$MM"' $5$!)$0$MM 5"' $5$#! $5$!$MM"' caso5)$0'#$5 o ! cancro). O RR de desenvolver a doença em pessoas não expostas à variável de interesse (neste caso os abstémios) $5$!)$0$MM 5"' $5$#! $5$!)$0$MM 5"' 5)$0'#$5 é definido como 1,0. Um RR superior a 1,0 nos indivíduos expostos à variável de interesse (neste $5$#! caso os consumidores '5#$'""5 5)$0'#$5 '5#$'""5 de álcool) indica que essa variável aumenta o risco de vir a desenvolver a doença. Quanto maior for o valor do RR, maior ' $$ %!$3G1% '5#$'""5 ' $$ %!$3G1% será '+5MMG1#"MM$ o ' risco. As curvas de risco aqui representadas foram obtidas através do ajuste de modelos estatísticos aos dados de $$ %!$3G1% '+5MMG1#"MM$ vários estudos (ou seja, uma meta-análise). As linhas com tracejado azul indicam os intervalos de 95% de confiança, isto '+5MMG1#"MM$ 1**M"' #)?$ é, o1**M"' #)?$ intervalo do RR que tem uma probabilidade de 95% de conter o verdadeiro RR. (-35$/00)$ 1**M"' #)?$ (-35$/00)$ (-35$/00)$ Figura 4.4 Relação entre os níveis de consumo de álcool e o risco de 14 tipos de cancro (Bagnardi et al. 2001). 48 Composite 1 *' M' # #$ (- (5 8 /00B!$ Figura 4.5 Riscos relativos de hipertensão por quantidade de álcool consumida. Fonte: Strategy Unit (2003). 49 _final_1.FH10 Wed Nov 30 08:27:10 2005 4. Álcool e saúde Page 42 C M Y CM MY CY CMY 4. Álcool e saúde K Acidentes vasculares cerebrais Sistema Imunitário O álcool pode aumentar o risco de ocorrência dos acidentes* vasculares cerebrais (AVC) hemorrágico e isquémico, com uma relação dose-resposta mais forte para o AVC hemorrágico (Corrao et al. 1999) (Figura 4.6.). Embora alguns " #- #"" estudos individuais afirmem que consumir álcool de forma “leve” pode reduzir #55+ 5# o risco5% 5!""5 de acidentes vasculares cerebrais isquémicos (Beilin et al. 1996; Hillbom 1998;'"$## Keil et al. 1997; Kitamura et al. 1998; Knuiman & Vu 1996; Sacco et al. 1999;"5% 5# Thun et al. 1997; Wannamethee & Shaper 1996), uma revisão $)GGG!,5?$9$5 '5#5 sistemática que combinou todos os estudos não encontrou evidência clara sobre # # 3$)GG9+ )GGC+N o presumível efeito protector de um consumo de álcool leve a moderado no $)GG*+N $)GGC+N JF)GG9+($)GGG+ risco de ocorrência tanto do episódio isquémico como de qualquer outro tipo de $)GG*+> J()GG9! '" 5 AVC (Mazzaglia et al. 2001). O consumo excessivo episódico é um importante ''5 #5 factor# #'# de risco para os dois géneros de acidentes vasculares, e é particularmente A::5$/00)!$ importante como causa de AVC adolescência e nas pessoas jovens. Até um ' #5 na # 5 # # em cada cinco AVC em indivíduos com menos de 40 anos de idadeestão 5$8)1 # relacionados com o álcool, com uma associação particularmente forte nos ?05%"5 adolescentes (Hillbom & Kaste 1982). O álcool pode interferir com o normal funcionamento de vários componentes do sistema imunitário, o que pode conduzir à imunodeficiência, originando o aumento da susceptibilidade a certas doenças infecciosas, tais como a pneumonia, tuberculose e o VIH (US Department of Health and Human Services, 2000). 5 JN)GC/!$ Doenças Osteoarticulares Parece existir uma relação dose-dependente entre o consumo de álcool e a osteoporose, e o risco de fracturas em homens e mulheres (US Department of Health and Human Services 2000; Preedy et al. 2001). Pensa-se que a associação entre o consumo excessivo de álcool, o decréscimo da massa óssea e o risco de fractura é menos prevalente nas mulheres do que nos homens (Sampson 2002), e existe evidência de que o consumo de álcool em doses pequenas por parte das mulheres está geralmente associado a uma massa óssea mais elevada, em comparação com mulheres abstémicas (Turner & Sibonga 2001). Doenças Reprodutivas O álcool pode ter consequências negativas no contexto reprodutivo em homens e mulheres. O consumo de álcool afecta as glândulas endócrinas e as hormonas envolvidas na reprodução masculina, e pode diminuir a fertilidade através da disfunção sexual e da limitação da produção de espermatozóides (Emanuele & Emanuele 2001). O consumo de álcool no início da adolescência pode suprimir a secreção das hormonas sexuais específicas do sexo feminino, o que retarda a puberdade e afecta adversamente a maturação do sistema reprodutivo (Dees et al. 2001). Para além da puberdade, demonstrou-se que o álcool interrompe o ciclo menstrual normal, deteriorando a fertilidade (Emanuele et al. 2002). 1*+M'# 5##$(-(58 /00B!$ Figura 4.6 Riscos relativos de AVC hemorrágico por quantidade de álcool consumido. Fonte: Strategy Unit (2003). '#5# '" '%=5 M$)G*G+($ )GC*+> J()GG/!$ Alterações no ritmo cardíaco ' O consumo excessivo episódico aumenta o risco de arritmias cardíacas e de 5' #5$2 )1I%B0I morte" %" coronária súbita, mesmo em pessoas sem antecedentes de patologia 1I%)0I"== cardíaca (Robinette et al. 1979; Suhonen et al. 1987; Wannamethee & Shaper M$)GC1!$ 1992). A fibrilhação auricular surge como a forma mais comum de arritmia induzida quer pelo consumo excessivo de álcool sistemático, quer pelo consumo excessivo episódico. Estima-se que a etiologia da fibrilhação auricular em 1530% " ' dos doentes possa estar relacionada com o álcool, e que 5-10% de todos 5 5 os novos episódios de fibrilhação auricular possam ser explicados pelo excesso de consumo de álcool (Rich et al. 1985). 50 Doenças Pré-natais O álcool condiciona toxicidade reprodutiva. A exposição pré-natal ao álcool pode ser associada a um padrão de défices intelectuais que se tornam evidentes mais tarde na infância, incluindo reduções no funcionamento intelectual e nas competências académicas, bem como défices na aprendizagem verbal, memória espacial, raciocínio, tempo de reacção, equilíbrio, e em outras competências cognitivas e motoras (Mattson et al. 2001; Chen et al. 2003; Koditowakko et al. 2003). Alguns défices, como os problemas com o funcionamento social, parecem piorar quando estas crianças chegam à adolescência e idade adulta, conduzindo possivelmente a um aumento da taxa de perturbações psiquiátricas (Jacobson & Jacobson 2002). Embora estes défices sejam muito graves e tenham sido solidamente documentados em crianças com a Síndrome Alcoólico Fetal (SAF), as crianças expostas no período pré-natal a baixos níveis de álcool também podem manifestar problemas semelhantes (Gunzerath et al. 2004) de 51 _final_1.FH10 Wed Nov 30 08:27:10 2005 4. Álcool e saúde Page 44 C M Y CM MY CY CMY 4. Álcool e saúde K forma dose-dependente (Sood et al. 2001). Existe evidência de que o álcool, mesmo quando consumido em quantidade reduzida, particularmente durante o primeiro trimestre de gravidez, pode aumentar o risco de aborto espontâneo, * baixo peso à nascença, prematuridade e atraso no desenvolvimento intra-uterino (Abel 1997; Bradley et al. 1998; Windham et al. 1997; Albertsen et al. #5 A/00)+ 2004; Rehm et al. 2004). Existe também evidência de que o consumo de álcool :$/00?!$ possa reduzir a produção de leite materno (Mennella 2001; Gunzerath et al. 2004). ?$B$&#[ "# : 4.3. O álcool reduz o risco de doenças cardíacas? $/00?!$<'5.' ". $/000!$'"5. O álcool, em doses reduzidas, diminui o risco de doença coronária (Gunzerath #C0I et al. 2004). No entanto, este efeito protector quando analisado em estudos de '%#/05 "#!,5?$*$ grande qualidade, ficou aquém do encontrado em estudos de qualidade inferior A#'#' (Corrao et al. 2000). Uma revisão de estudos de elevada qualidade $3"# ' "" metodológica mostrou uma redução de 20% no risco de doença coronária #!##=5 quando o consumo é de 20g diários (duas bebidas) (Figura 4.7.) Grande parte 'C05$ da redução do risco ocorreu com o consumo de uma única bebida alcoólica a cada dois dias. Quando o consumo excedeu as duas bebidas diárias observou-se um aumento do risco de doença coronária, sendo que a partir de 80g de álcool por dia o risco é superior ao de um abstémio. O efeito protector é maior nos enfartes do miocárdio não fatais do que nos fatais, nos homens do que nas mulheres, e nos participantes em estudos efectuados nos países mediterrânicos. O efeito do álcool na redução do risco é apenas relevante nos indivíduos de meia-idade e em pessoas idosas, que apresentam maior risco de sofrer de doenças cardíacas. Todos os benefícios do álcool para o consumidor individual estão resumidos no Quadro 4.3. Enquanto as doses baixas de álcool podem proteger contra as cardiopatias, as doses elevadas aumentam o risco, e os consumos excessivos esporádicos podem precipitar episódios de arritmia cardíaca, isquemia do miocárdio ou enfarte e morte coronária (Trevisan et al. 2001a; Trevisan et al. 2001b; Murray et al. 2002; Gmel et al. 2003 Britton & Marmot 2004; Trevisan et al. 2004). Quadro 4.3 Benefícios do álcool para a saúde do consumidor Condição Bem-estar Social Doenças Neuropsiquiátricas Figura 4.7 Funções (e respectivos intervalos de confiança de 95%) que descrevem a relação dose-resposta entre o consumo de álcool e o risco relativo de sofrer de doença coronária, obtidas através da análise de todos os 51 estudos incluídos, e os 28 estudos coorte seleccionados aos quais foi atribuída uma pontuação de elevada qualidade. A figura mostra os modelos ajustados (com os erros padrão entre parêntesis) e três níveis críticos de exposição (ponto nadir, dose máxima mostrando evidência de efeito protector, e dose mínima mostrando evidência estatística de efeito nocivo) Reproduzido de: Corrao et al. (2000). 1 *( , 5 G1I '! 5 %" '# 51)/C "5."5$ " !=' = "5 '' "5' ! $ M -$ /000!$ 52 Resumo dos resultados Sensações e Experiências Positivas Encontradas em estudos populacionais. Influenciadas pela cultura, pelo contexto em que o consumo de álcool acontece, e pelas expectativas das pessoas acerca dos efeitos do álcool. Saúde subjectiva O consumo reduzido de vinho, mas não de cerveja ou bebidas espirituosas, é associado a uma percepção pessoal de boa saúde, quando se compara com pessoas abstinentes ou com consumidores de grandes quantidades de álcool. Existe uma incerteza relativamente à medida em que estes resultados se devem apenas ao consumo de álcool e não a outros factores diferentes. Funcionamento Cognitivo e Demência O consumo leve de álcool pode reduzir o risco de demência de etiologia vascular, enquanto os efeitos sobre a doença de Alzheimer e na cognição mantêm-se incertos, com alguns estudos a demonstrarem um efeito benéfico e outros não. Doenças Litíase Gastroinbiliar testinais, endócrinas e metabólicas Existe evidência que sugere que o álcool pode reduzir o risco de desenvolvimento de litíase biliar, muito embora tal aspecto não seja corroborado em todos os estudos realizados. 53 4. Álcool e saúde 4. Álcool e saúde Condição Doenças Cardiovasculares 54 Resumo dos resultados Diabetes Tipo 2 A relação do álcool com a diabetes tipo 2 parece ter a forma de um U, onde a ingestão de pequenas quantidades de álcool diminui o risco desta doença, comparando com abstémicos. O padrão de consumo oposto, com grandes quantidades de álcool, associa-se ao aumento do risco. No entanto é de realçar que nem todos os estudos existentes encontraram este efeito protector correspondente ao consumo de baixas doses de álcool. Acidente vascular cerebral isquémico Muitos estudos individuais demonstram que o consumo reduzido de álcool reduz o risco de acidentes isquémicos, embora uma revisão sistemática, que combinou todos os estudos deste tipo, tenha revelado que não existe uma evidência clara para este efeito protector. Doença coronária (DC) Uma meta-análise de 51 estudos e de 28 estudos coorte de grande qualidade, mostrou uma diminuição de 20% do risco de desenvolver uma DC para um consumo de 20g/dia de álcool. Em estudos de maior qualidade a dimensão da redução do risco é menor e ocorre em níveis baixos de consumo de álcool. Apesar de a relação entre o consumo de álcool e o risco de DC ser biologicamente plausível, existe a preocupação de que o efeito, ou parte dele, possa ser explicado por problemas de quantificação do álcool e por factores de confundimento que não tenham sido devidamente controlados em todos os estudos. Doenças Ortopédicas Existe evidência de que as mulheres que consomem álcool em pequenas quantidades têm uma maior massa óssea do que as mulheres abstémicas. Mortalidade Total Em pessoas mais velhas, comparado com pessoas que não bebem, o consumo de quantidades reduzidas de álcool reduz o risco de mortalidade global. O nível de consumo de álcool com menor risco para a mortalidade total é de 4 g /dia para as mulheres maiores de 65 anos, e de 11g por dia para homens também com 65 ou mais anos de idade. A relação existente entre o consumo de álcool e o risco de doença coronária é biologicamente plausível e independente do tipo de bebida alcoólica que se consuma (Mukamal et al 2003). O consumo de álcool eleva os níveis de lipoproteína de alta densidade (HDL) (Klatsky, 1999). A HDL remove os depósitos de colesterol dos vasos sanguíneos, associando-se portanto à diminuição do risco de morte por doença coronária. A ingestão moderada de álcool tem um efeito favorável sobre a coagulação, reduzindo o risco de doença coronária (McKenzie & Eisenberg 1996; Reeder et al. 1996; Gorinstein et al. 2003; Imhof & Koenig 2003). O impacto do álcool nos mecanismos de coagulação é provavelmente imediato e, uma vez que a modificação lipídica nos grupos de idades mais avançadas produz benefícios significativos, o impacto mediado pela elevação do colesterol HDL pode, provavelmente, ser alcançado pelo consumo de álcool nos indivíduos de meia-idade e nos idosos. As alterações bioquímicas que parecem reduzir o risco de doenças cardíacas são produto tanto da cerveja, como do vinho, como das bebidas espirituosas, e são devidas quer aos polifenóis quer ao etanol (Gorinstein & Trakhtenberg 2003). Embora o vinho tinto tenha maior quantidade de polifenóis, as mudanças bioquímicas não resultam do sumo de uva ou do vinho ao qual tenha sido removido o conteúdo alcoólico (Sierksma 2003). Em contraste com estas alterações bioquímicas, existe evidência de que o consumo de álcool, de forma dose-dependente, e o consumo excessivo episódico, aumentam o risco de calcificação das artérias coronárias nos jovens adultos (Pletcher et al. 2005), um marcador de aterosclerose preditivo de doença coronária (Pletcher et al. 2004). Apesar da relação entre baixos níveis de consumo de álcool e a redução do risco de doença coronária estar patente em diversos estudos, tal não se verifica em todos. Um estudo com um grupo de trabalhadores escoceses do sexo masculino com mais de 21 anos, mostrou que entre homens abstémicos não existia um risco elevado para doença coronária quando comparados com consumidores leves a moderados (Hart et al. 1999). Outros estudos populacionais nos quais era esperado que os indivíduos inquiridos tivessem reduzido os níveis de consumo de álcool devido a problemas de saúde, não foram encontradas diferenças nas taxas de mortalidade entre os consumidores de baixos níveis e os abstémicos (Fillmore et al. 1998a, Fillmore et al. 1998b; Leino et al. 1998). Alguns estudos ingleses e norte-americanos descobriram que, comparativamente aos abstémicos, os consumidores de níveis reduzidos de álcool tinham em geral estilos de vida mais saudáveis em termos de dieta, actividade física e hábito de não fumar (Wannamathee & Shaper 1999; Barefoot et al. 2002), bem como rendimentos mais elevados (Hamilton & Hamilton 1997; Zarkin et al. 1998). Tem sido sugerido que isto poderia explicar o aumento aparente do risco de doenças cardíacas em abstémicos, quando comparado com consumidores de baixos níveis de álcool. Apesar de não serem mencionados num estudo finlandês (Poikolainen et al. 2005), são exemplos de factores mais 55 '5#'"+ #"%#5""#" '#5,5?$C$M5'# *?I5# ')BBI5## 4. Álcool e saúde )/*I5#% # "CI1?I??I #'!$ 4. Álcool e saúde comummente associados ao não consumo de álcool o ter idade mais avançada e não ser caucasiano, ser viúvo ou nunca ter sido casado, ter um nível inferior de educação e de rendimento, ter falta de acesso aos cuidados de saúde e aos serviços de prevenção em saúde, sofrer de doenças comórbidas como a diabetes e a hipertensão, ter baixos níveis de bem-estar psicológico, ter maior probabilidade de necessitar de equipamento médico, ter um pior estado de saúde geral, e apresentar um risco elevado de doenças cardiovasculares (Naimi et al. 2005). No caso dos factores com múltiplas categorias de risco, verificou-se uma relação gradual entre o aumento dos níveis de risco e um aumento da probabilidade de ser abstémico. Figura 4.8. Risco relativo de doença coronária grave (morte coronária e enfarte do miocárdio não 1 *. M' e &! fatal), acidente vascular: cerebral, mortalidade de qualquer causa pela ingestão de álcool, entre !# # 53 os homens do British Regional Heart Study que originalmente não sofriam de doenças coronárias, M5( 5: '" )G*CR)GC0 e aos que foi feito um seguimento desde 1978/ 1980 até 1998/2000. Os círculos negros e a linha )GGCR/000$##' contínua correspondem aos níveis de ingestão de álcool na baseline, e os círculos brancos e a linha "@@;;#': descontínua correspondem aos níveis habituais de ingestão de álcool obtidos depois do ajustamento ''#$:5 para a variação individual de ingestão de álcool. A dimensão de cada símbolo do traçado indica a " $' quantidade de informação estatística sobre a qual se baseou cada cálculo. As linhas verticais "G1I'#$(- $/001$ mostram intervalos de confiança de 95% para os riscos absolutos. Fonte: Emberson et al. 2005. Um estudo australiano demonstrou que as pessoas abstémicas possuem uma série de características conhecidas por estarem associadas com a ansiedade, depressão, e com outros aspectos relacionados com pior saúde, como uma educação pobre, situação laboral precária, situação económica desfavorável, suporte social insuficiente e acontecimentos de vida recentes stressantes, bem como um maior risco de depressão. Todos estes aspectos podiam explicar a existência um risco superior da existência de doenças cardíacas entre os abstémicos em comparação com os indivíduos que apresentam reduzidos níveis de consumo de álcool (Rodgers et al. 2000; Greenfield et al. 2002). ** " 4.4. O consumo de álcool está livre de risco? 5 ' "$ A relação entre o consumo de álcool e a morte depende tanto da distribuição 55 ' das causas de morte entre a população estudada, como do" nível e dos padrões ! " de consumo de álcool entre a população. Nas idades mais jovens predominam as mortes por acidentes de viação e violência (que aumentam com o consumo de álcool), enquanto as mortes por doença cardíaca (que diminuem com o consumo de álcool) são raras. O reverso desta situação ocorre na população com mais idade. Em qualquer nível de consumo, as pessoas que consomem quantidades elevadas de álcool numa só ocasião encontram-se sob um maior risco (Tolstrup et al. 2004). Um estudo americano revelou que enquanto o consumo de álcool reduz o risco de se sofrer de doença coronária em caucasianos do sexo masculino, o mesmo comportamento aumenta o risco nos indivíduos de raça negra, o que sugere que o efeito cardioprotector pode ser explicado por factores de confundimento relacionados com os estilos de vida dos consumidores de álcool (Fuchs et al. 2004). O British Regional Heart Study confirmou que, uma vez que o consumo de álcool tende a diminuir com a idade, os estudos epidemiológicos baseados em medições na baseline levam a subestimar o risco (Emberson et al. 2005). Enquanto que a ingestão de álcool na baseline mostra uma relação em forma de U com as doenças cardiovasculares e com a mortalidade por qualquer causa, na qual os consumidores de baixos níveis de álcool têm os menores níveis de risco, e os indivíduos abstémicos e consumidores excessivos de forma semelhante estão sob os riscos mais elevados, verificou-se que a natureza destas relações altera-se depois do ajustamento para a média de ingestão durante os vinte anos de duração do estudo; os riscos associados ao não consumo de álcool diminuiram e os riscos associados aos consumos moderados e excessivos aumentaram (Figura 4.8). Os consumidores excessivos habituais, em comparação com os consumidores episódicos, apresentaram um aumento de 74% no risco de poder sofrer um episódio coronário grave, um aumento de 133% no risco de ter um acidente cerebrovascular, e um aumento de 127% no risco de mortalidade de qualquer tipo (estas estimativas eram 8%, 54%, e 44% antes do ajustamento para a variação de ingestão). 56 #8 Composite Deste modo, existe uma relação linear positiva entre o consumo de álcool e o risco de morte em populações ou grupos com taxas baixas de doença coronária (onde se incluem os jovens). Por outro lado, existe uma relação em forma de J, ou nas populações mais velhas, em forma de U, entre o consumo de álcool e o risco de morte em populações com taxas elevadas de doença coronária. A idade exacta em que a relação passa de linear para a forma de J ou U, depende da distribuição das causas de morte, não obstante, nos países europeus tal ocorre entre os 50 e os 60 anos de idade (Rehm & Sempos 1995). O nível individual de consumo de álcool associado ao baixo risco de morte, tal como para a doença coronária, varia de país para país. Consequentemente os estudos de países do sul da Europa e da Europa central, que apresentaram maiores níveis de consumo, pelo menos até recentemente, demonstraram que o nível de consumo associado às menores taxas de morte é mais elevado que 57 =5"5 8 5 1090 M J( )GG1!$ 4. Álcool e saúde 4. Álcool e saúde " ' ' "#' %%$ "5 nos outros países (Farchi et al. 1992; Brenner et al. 1997; Keil et al. 1997; '' " Renaud et al. 1998). "5 ,$)GG/+3$)GG*+N $)GG*+M$)GGC!$ No Reino Unido estima-se que o nível de consumo de álcool com menor risco de28N5 ' morte para as mulheres com idades abaixo dos 45 anos é igual a zero, 3g ""#" :5?1B5 por dia em idades que variam entre os 45 e 64 anos, e 4g por dia para idades 5?19??5591',5?$G$ iguais ou superiores a 65 anos, Figura 4.9. Figura 4.9 Nível de álcool consumido com menor risco de morte. Fonte: White et al. 2002. 1*C4' ""#$ (->$/00/$ Para os homens com idades inferiores a 35 anos o nível recomendado é igual a , ':5B1/$155B1%?? zero. Já para os homens com idades compreendias entre 35-44 anos a G55?19?))5591 quantidade diária situa-se nas 2,5g. No caso dos homens com idades superiores '$''#"5 a 45 anos e menores ou iguais a 64 anos a quantidade de álcool é igual a 9g >$/00/!$, 5B19G por dia. Por último, para os homens com 65 ou mais anos a quantidade com # ))9*)00000)05 menor risco de morte é de 11g de álcool diárias. Para lá destes níveis, o risco de)?B))0000090 5$," # morte aumenta com o aumento do consumo de álcool (White et al. 2002). Para os indivíduos do sexo masculino falecidos entre os 35 e os 69 anos, o risco de morte cresce de 1167 por 100.000 com um consumo de 10g de álcool por dia, para 1431 por 100.000 com um consumo de 60 ou mais gramas de álcool diários. Para as mulheres, o risco aumenta de 666 por 100.000 com um consumo de 10 g de álcool por dia, para 828 por 100.000 com 60 ou mais gramas por dia (Thun et al. 1997). Composite O impacto do álcool na saúde ao longo da vida de um indivíduo está resumido no quadro 4.4. 4.5 Quem está mais em risco de sofrer de doenças relacionadas com o consumo de álcool? Influências Genéticas O património genético influencia o risco de desenvolvimento de problemas associados ao consumo de álcool. Os estudos clássicos com gémeos comparam as semelhanças para uma determinada característica entre gémeos monozigóticos (MZ, gémeos idênticos) e gémeos dizigóticos (DZ, fraternos), de modo a determinar a importância da influência genética, ou hereditabilidade dessa característica. A hereditabilidade pode ser calculada uma vez que os gémeos MZ são geneticamente idênticos, enquanto os gémeos DZ partilham apenas metade dos seus genes. O método fundamenta-se na assunção da semelhança do ambiente, que afirma que a semelhança do meio de ambos os indivíduos de um par de gémeos MZ, é igual à semelhança do meio ambiente de ambos os membros de um par de gémeos DZ, embora haja uma clara interacção entre os genes e o meio (Heath & Nelson 2002). Muito embora os estudos de gémeos não identifiquem especificamente os genes responsáveis pela característica de interesse, este tipo de investigação acabou por proporcionar informações importantes sobre o impacto genético dessas características (as propriedades mais gerais do padrão hereditário, como por exemplo, se os genes actuam independentemente, ou em conjunto, na manifestação dessas características), quais os aspectos da característica mais herdados, se os mesmos genes influenciam ambos os sexos e se características distintas partilham os mesmos factores genéticos. Quando se aumenta a informação sobre gémeos com dados de outros membros das famílias, o estudo é denominado estudo de gémeos e das suas famílias, e pode proporcionar informação mais precisa sobre se os pais transmitem um dado comportamento aos seus descendentes por via genética ou através de algum aspecto do ambiente familiar (transmissão cultural). Quando são colhidos dados detalhados sobre o meio, os estudos de gémeos e os de gémeos e famílias podem facultar informação acerca da forma como os factores do meio interagem com a predisposição genética na manifestação de uma doença. Alguns estudos de famílias e gémeos sugerem que a proporção de hereditariedade da dependência de álcool situa-se entre 50% e 60% (Cook & Gurling 2001; Dick & Forud 2002; US Department of Health and Human Services 2000). A literatura actual foca mais a dependência de álcool, mas existem evidências de que a hereditariedade no consumo intenso ou problemático de álcool vai para além dos casos diagnosticáveis de dependência alcoólica. As análises feitas a 987 pessoas pertencentes a 105 famílias da amostra inicial do Collaborative Study on the Genetics of Alcoholism (COGA), um estudo familiar com uma amostra grande, desenhado para identificar os genes que 58 59 4. Álcool e saúde 4. Álcool e saúde afectam o risco de dependência de álcool e as características e comportamentos relacionados, mostrou a existência de regiões em três cromossomas que continham genes ligados ao aumento do risco de dependência do álcool (Reich et al. 1998). A evidência desta ligação ficou demonstrada de forma sólida para as regiões dos cromossomas 1 e 7, e de forma mais modesta para a região do cromossoma 2. A amostra de replicação, que contou com 1295 pessoas de 157 famílias, confirmou os resultados anteriores ainda que com menor significância estatística (Foroud et al. 2000). Pré-natal Infância Doenças Cardiovasculares Jovens adultos Meia idade Idosos Hipertensão, AVC e irregularidades no ritmo cardíaco podem afectar todas as idades adultas. O consumo excessivo episódico é um importante factor de risco para os AVCs nos jovens adultos. A doença coronária é rara em jovens adultos. Quadro 4.4 Álcool e Saúde ao longo da vida Pré-natal Infância Consequências Sociais Jovens adultos Meia idade O prazer resultante do consumo de álcool ocorre entre as pessoas que bebem álcool. As consequências sociais negativas afectam todas as idades. Os jovens adultos são os perpetradores comuns e estão em particular risco. Lesões As lesões intencionais e não intencionais afectam todas as idades. Os jovens adultos geralmente são os perpetradores de lesões intencionais e estão em particular risco em relação às lesões acidentais e intencionais. Doenças Neuropsiquiátricas As consequências das doenças neuropsiquiátricas afectam todas as idades. Embora a dependência de álcool afecte todas as idades, os jovens adultos estão sob maior risco. As pessoas de meia-idade e mais velhas estão sob maior risco de lesão cerebral e deterioração cognitiva. Doenças Gastrointestinais Cancro 60 O reduzido risco de doenças coronárias torna-se mais importante em pessoas de meia-idade e adultos mais velhos. Idosos Embora a cirrose hepática seja mais comum na 2.ª fase da idade adulta e na velhice, os jovens adultos também estão em risco. É mais provável a ocorrência de cancros na meia idade e na velhice. Condições Pré-natais As consequências do dano relacionadas com o consumo de álcool durante o período pré-natal estendem-se ao longo de toda a vida. Uma variante dos genes ADH2 e ADH3 protegem substancialmente (embora não completamente) os seus portadores do possível desenvolvimento de uma dependência de álcool, por torná-los desconfortáveis ou doentes após a ingestão de álcool (Reich et al. 1998). Os genes codificam o aldeído-desidrogenase, uma das duas enzimas hepáticas chave envolvidas no metabolismo do álcool até ao seu produto final, o acetato. As análises de não dependência do álcool efectuadas a pares de irmãos da amostra inicial do COGA mostraram evidência da existência de uma região de protecção no cromossoma 4, na vizinhança dos genes do álcool-desidrogenase (Williams et al 1999; Edenberg 2000; Saccone et al. 2000). Outros Factores de Risco Em qualquer nível de consumo de álcool, as mulheres parecem estar, em relação aos homens, sob maior risco de desenvolver danos crónicos causados pelo álcool, que varia em intensidade de acordo com o tipo de doença. Isto deve-se provavelmente ao facto de as mulheres terem uma menor quantidade de água por massa corporal em comparação com os homens (Swift 2003). Logo, quando uma mulher e um homem com a mesma idade e peso aproximado consomem a mesma quantidade de álcool, a concentração de álcool será superior nas mulheres, porque o álcool é dissolvido numa menor quantidade de água corporal. 61 * "' '# (#5)GG)+4 /00)+ 4. Álcool e saúde A(/00?!$ 4. Álcool e saúde *+ $ 58 4.6. Quão importante é o álcool como causa de doença? ><5:;3& 3&!( O# estudo da Carga Global da Doença da OMS estima a contribuição que os ' diferentes factores de risco têm ao nível do desenvolvimento de doenças e 5% M /00?!$2% morte prematura, tais como o álcool e o tabaco, e diferentes doenças e &4X!" perturbações, tais como a diabetes ou a dependência de álcool (Rehm et al % $3 2004). As doenças e a morte prematura são medidas pelos anos de vida & # ajustados à incapacidade (DALY), que mede a doença ou morte prematura num #5% ano. Este estudo revelou que o álcool é o terceiro factor de risco mais 8 importante, logo $/001!,5?$)0$ " a seguir ao tabaco e à tensão arterial, de doença e morte %'$ prematura na União Europeia (Anderson et al. 2005), Figura 4.10. Estes !" resultados já têm em conta os benefícios associados ao consumo de álcool. As #% doenças relacionadas com o álcool foram o quarto grupo de doença mais $2" 5 importante na população europeia, a seguir à doença cardíaca, depressão e 5$ AVC. O álcool é mais importante do que a doença pulmonar obstrutiva crónica e do que o cancro do pulmão. Os estudos e a informação provenientes de diversos países demonstram de maneira consistente que a mortalidade relacionada com o álcool é maior entre adultos pertencentes a níveis sócio-económicos mais baixos (Romelsjo & Lundberg, 1996; Leclerc et al. 1990; Lundberg & Osterberg, 1990; Makela et al. 1997; Makela 1999; Loxely et al. 2004). Este facto deve-se principalmente à maior quantidade de álcool consumido em níveis de risco e ao maior número de intoxicações nestes grupos com menores rendimentos, tendo-se observado uma relação consistente entre o consumo de álcool e a mortalidade a nível individual ao longo dos diferentes níveis de educação (Schnohr 2004). Existe também uma interacção entre o consumo de álcool e a pobreza em termos de crimes violentos como o homicídio. As incidências são mais elevadas quando estes dois factores de risco são combinados, maiores do que as esperadas pela simples soma de ambos os factores de risco individuais (Parker, 1993). Em Inglaterra, nos homens entre 25 a 69 anos de idade, verificou-se que os pertencentes à categoria inferior do nível sócio-económico (mão de obra não qualificada), tinham um risco de mortalidade relacionada com o álcool 15 vezes maior do que os profissionais de categorias mais altas (Harrison & Gardiner, 1999). Na Suécia, o consumo de álcool explica até 30% do diferencial de mortalidade por grupo sócio-económico em homens de meia idade (Hemström, 2001). As crianças têm mais vulnerabilidade ao álcool do que os adultos já que são fisicamente menores e não têm experiência com a bebida nem com os seus efeitos. Não têm também um contexto ou ponto de referência para avaliar ou regular o seu consumo alcoólico, e ainda não desenvolveram tolerância ao álcool. A partir do meio da adolescência e até ao início da idade adulta existem grandes aumentos na quantidade e frequência do consumo e dos problemas relacionados com o álcool (Wells et al. 2004; Bonomo et al. 2004). Todos aqueles que têm consumos excessivos durante a segunda fase da adolescência, tendem, no início da idade adulta, a revelar mais consumos excessivos, dependência de álcool, e danos relacionados com o consumo, incluindo perturbações psiquiátricas, nível educacional mais baixo, e maior risco de cometer delitos (Jefferis et al. 2005). O comportamento de consumo de álcool entre adolescentes e jovens adultos está associado a lesões e mortes por acidentes de viação, ao suicídio e depressão, ao absentismo escolar e à diminuição do desempenho académico. Também se encontra relacionado com a perda de memória, perda transitória de consciência, lutas, dano de propriedade, crítica entre pares e perda de amizades, violações, relações sexuais desprotegidas que colocam as pessoas em risco face a doenças sexualmente transmissíveis, VIH e gravidez não programada (Williams & Knox 1987). Todavia, o maior determinante do uso nocivo do álcool e das doenças ligadas ao álcool é o padrão de comportamento populacional (Rose 1992). Existe uma relação entre o consumo global de álcool per capita e a proporção de consumidores de álcool em excesso numa população (Skog 1991; Lemmens 2001; Academy of Medical Sciences 2004). 62 Figura 4.10 Anos de vida ajustados à incapacidade por factores de risco seleccionados, Europa. Fonte: Anderson et al. 2005. 1*&,&#$(-$ /001$ Em geral, as lesões e os ferimentos representam a maior proporção das doenças devidas ao álcool, com 40% no total, e em que as lesões não intencionais são muito mais importantes que as intencionais (Figuras 4.11). A segunda maior categoria é a das doenças e perturbações neuropsiquiátricas, com 38%. As outras doenças não transmissíveis relacionadas com o álcool (como por exemplo a cirrose hepática), as neoplasias e as doenças cardiovasculares representam, cada uma, 7 a 8% do total. Composite 63 ,5?$))$55 "BCI$<%% $5$'!'*I CI$ 4. Álcool e saúde 4. Álcool e saúde As intervenções realizadas nos cuidados de saúde para tratar o consumo de álcool de risco e nocivo, reduzem o consumo de álcool, os problemas relacionados (Moyer et al. 2002), bem como a mortalidade a ela associada (Cuijpers et al. 2004). O estudo comunitário de Malmo, realizado nos anos 70, demonstrou que a intervenção breve para indivíduos com consumos elevados resultou em metade das mortes que se registaram no grupo de controlo sem a intervenção no follow-up aos seis anos (Kristenson et al. 1983). Referências Abbey, A., Zawacki, T., Buck, P.O., Clinton, A. and McAuslan, P. (2001) Alcohol and Sexual Assault. Alcohol Health and Research World, 25 (1), 43.51. Abel EL (1997) Maternal alcohol consumption and spontaneous abortion. Alcohol & Alcoholism, 32, 211.219. Academy of Medical Sciences (2004) Calling Time: The nation’s drinking as a major public health issue. Available from: www.acmedsci.ac.uk Figura 4.11 Carga de mortes e doenças atribuídas ao álcool na União Europeia. Adaptado do estudo WHO.s Global Burden of Disease. Fonte: Anderson et al. 2005. Ahlstrom, S. (1987) Women. s use of alcohol, in: SIMPURA, J. (Ed.) 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Consequentemente, a suspensão do consumo de álcool geralmente = # reduz mas não elimina completamente o risco de desenvolver uma dessas '$< doenças. Por outro lado, existem indicações de que a redução do consumo de álcool nas populações está associada a uma rápida diminuição das doenças " crónicas, tal como 4 )G9?!$,= " a morte por cirrose hepática (Ledermann 1964). Por exemplo, ' as análises de séries temporais mostraram que as diminuições no consumo per capita estavam associadas a consideráveis reduções nas mortes por cirrose hepática (Ramstedt 2001; Skog 1980; and especially Cook & Tauchen 1982). Um outro exemplo de uma condição crónica com remissão rápida e, por vezes, imediata, é a depressão. Muitos estudos demonstraram que grande parte das síndromes depressivas melhoram significativamente em dias a semanas de abstinência (Brown and Schuckit 1988; Dackis et al. 1986; Davidson 1995; Gibson & Becker 1973, Penick et al. 1988; Pettinati et al. 1982; Willenbring 1986). 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Muitos estudos mostraram que a maioria dos doentes com consumos de risco e nocivo não são do conhecimento do seu médico assistente. 2. Em que grupos de pacientes deve ser identificado o consumo de risco e nocivo de álcool? Uma abordagem verdadeiramente preventiva só pode ser conseguida se todos os adultos forem rastreados relativamente ao consumo de álcool de risco e nocivo, incluindo os padrões de consumo episódico ou esporádico excessivo. Se tal abordagem não for viável, limitar o rastreio aos grupos de maior risco ou a algumas situações específicas pode ser uma alternativa viável. Tais grupos podem incluir homens jovens até à meia-idade e situações clínicas especiais (e.g. por hipertensão). 3. Quais são as melhores questões ou instrumentos para identificar o consumo de álcool de risco ou nocivo? As questões mais simples a utilizar são aquelas que interrogam sobre o consumo de álcool. As primeiras três questões do Teste de Identificação das Perturbações do Uso de Álcool (Alcohol Use Disorders Identification Test) da OMS, que foram desenhadas para identificar o consumo de álcool de risco e nocivo no contexto dos cuidados primários, foram bem testadas e validadas. A primeira questão interroga sobre a frequência de consumo de bebidas alcoólicas; a segunda sobre a quantidade média de álcool consumida num dia típico; e a terceira, acerca da frequência de consumos episódicos ou esporádicos excessivos. 4. Como devem ser administradas as questões ou instrumentos de rastreio? A identificação do consumo de álcool de risco e consumo nocivo funciona melhor quando é incorporada dentro da prática clínica de rotina, por exemplo, colocar as perguntas de forma sistemática a todos os novos pacientes quando se registam, a todos os pacientes que acedem aos cuidados de saúde primários para consultas de rotina ou a todos os 84 85 5. Identificação do uso de álcool de risco e nocivo homens com idades compreendidas entre os 18 e os 44 anos que vão aos serviços de saúde para uma consulta. Não existe evidência disponível que sugira que uma identificação sistemática do consumo de álcool de risco e nocivo conduza a efeitos adversos, como o desconforto ou a insatisfação entre os pacientes. 5. Os testes bioquímicos são úteis para o rastreio? Os testes bioquímicos para as perturbações do consumo de álcool tais como os enzimas hepáticos (ex. a gama glutamil transferase (GGT) e as aminotransferases), a transferina deficiente em hidratos de carbono (TDC) e o volume globular médio, não são tão úteis para o rastreio porque os resultados elevados têm fraca sensibilidade, ao identificar apenas uma pequena proporção de pacientes com consumo de álcool de risco ou nocivo. Recomendações 1. A identificação do consumo de álcool de risco, nocivo e episódico excessivo deve ser facultada a todos os pacientes adultos nos serviços de cuidados de saúde primários. 2. A utilização das três primeiras questões do AUDIT é um dos métodos mais apropriados para identificar ou detectar o consumo de álcool de risco e nocivo. Deve ser oferecida uma intervenção breve aos indivíduos do sexo masculino que têm 5 ou mais pontos no AUDIT-C, ou cujo consumo é de 280g de álcool ou mais por semana, e também a mulheres que registem 4 ou mais pontos no mesmo teste ou cujo consumo de álcool é igual ou superior a 140g semanais (ver Anexo). Estes critérios de avaliação devem ser ajustados de acordo com as avaliações e orientações específicas de cada país. 3. A identificação do consumo de álcool de risco e nocivo resulta melhor quando incorporada na prática clínica de rotina. 4. Os testes bioquímicos, como a gama glutamil transferase (GGT), a transferina deficiente em hidratos de carbono (TDC) e o volume médio corpuscular (VMC) não são apropriados para o rastreio do consumo de álcool de risco e nocivo ou da dependência, no contexto dos cuidados de saúde primários. 86 5. Identificação do uso de álcool de risco e nocivo 5.1. O consumo de álcool de risco e nocivo deve ser identificado? No capítulo 4 foi referido que, para além de ser uma substância psicoactiva que cria dependência, o álcool é a causa de aproximadamente 60 tipos diferentes de doenças, incluindo traumatismos, perturbações mentais e comportamentais, doenças gastrointestinais, cancros, doenças cardiovasculares, perturbações imunológicas, doenças ortopédicas, alterações reprodutivas e pré-natais. Nesse capítulo ficou demonstrado que o álcool aumenta o risco de desenvolver estas doenças e lesões numa forma que depende da dose de álcool consumida, sem evidência de um efeito limiar. Quanto mais elevado é o consumo de álcool, maior é o risco. Ainda no capítulo em questão realçaram-se os benefícios para a saúde consequentes da redução ou suspensão do consumo de álcool. Todos os riscos agudos podem ser completamente revertidos se o álcool for removido. Mesmo quando se trata de doenças crónicas, tais como a cirrose hepática e a depressão, a redução ou paragem do consumo de álcool estão associados a melhorias rápidas na saúde. Uma vez que o álcool está implicado numa enorme variedade de problemas de saúde físicos e mentais de uma forma dependente da dose, existe a oportunidade de os clínicos dos cuidados de saúde primários identificarem os pacientes adultos com consumos de álcool de risco e nocivo. Porém, apesar de uma elevada proporção de clínicos gerais/médicos de família afirmarem que efectuam a identificação de casos de problemas relativos ao consumo de álcool (Kaner et al. 1999; McAvoy et al. 1999; Haley et al. 2000; McAvoy et al. 2001; Lopez-deMunai et al. 2001), as taxas reais de identificação são baixas, (Brotons et al. 1996; Spandorfer et al. 1999; Heather 1996; Gomel et al. 1998; Rumpf et al. 2001) e os doentes referem que raramente foram questionados acerca do álcool, mesmo no caso de consumidores excessivos (Aalto et al. 2001). Por conseguinte, e posto que os profissionais de cuidados de saúde primários desconhecem a maioria dos pacientes com consumos de álcool de risco e nocivo (Spandorfer et al. 1999; Vinson et al. 2000; McGlynn et al. 2003; Rush et al 2003), pode ser necessária uma abordagem sistemática para identificar estes doentes. 5.2. Em que grupos de pacientes o consumo de álcool de risco e nocivo deve ser identificado? Uma abordagem preventiva só pode ser alcançada se a identificação sistemática for implementada. Pode não ser exequível propor a implementação da identificação sistemática de todos os pacientes adultos em consultas de clínica geral muito saturadas. Nesses casos, uma alternativa viável é limitar a identificação aos grupos de alto risco ou a algumas situações específicas, que devem ser vistas como um estádio intermédio no processo de implementação. A selecção de um grupo de risco elevado pode ser feita com base na evidência epidemiológica (por exemplo, os homens de meia-idade) ou com base nos riscos que 87 5. Identificação do uso de álcool de risco e nocivo o consumo de álcool acarreta para a saúde no caso de certos grupos (como por exemplo, para jovens adultos ou mulheres grávidas). São propostos os seguintes cenários para implementação do rastreio: 1. Todos os doentes (administrativo, enfermeiro ou médico): ideal, mas nem sempre praticável; 2. Todos os doentes durante certos períodos de tempo (por exemplo, uma vez por mês todos os 6 meses): identificará tanto os consumidores de álcool de risco como os de consumo nocivo, mas em períodos limitados; 3. Todos os registos de novos doentes: identificará os consumidores de álcool de risco e nocivo; 4. Para certos grupos etários (por exemplo, jovens do sexo masculino): identificará os consumidores de álcool de risco e nocivo, deixando de fora outros grupos etários; 5. Para doentes com sinais e sintomas específicos, diagnósticos, e resultados de testes laboratoriais, ou aqueles com situações clínicas especiais (por exemplo, hipertensão): provavelmente serão detectados consumidores nocivos de álcool que na maioria dos casos requerem a identificação feita por um médico. O capítulo 4 descreveu um vasto conjunto de consequências sociais e físicas que podem ser causados pelo álcool. A identificação do consumo de álcool de risco e nocivo deve ser feita na presença de qualquer um destes sintomas, incluindo tensão arterial elevada, cefaleias, problemas gástricos, ansiedade e depressão, perturbações sexuais, problemas do sono, falta de concentração, desempenho profissional fraco, lesões e traumatismos acidentais, doença hepática, “ressacas”, cancro, irritabilidade e problemas económicos. Os sinais clínicos, incluindo o tremor das mãos, telangiectasias, e alterações observadas nas membranas mucosas (por exemplo, conjuntivites) e na cavidade oral (por exemplo, glossite), hepatomegália, bem como o hálito alcoólico, são também indicadores para a identificação do consumo de álcool de risco e nocivo. Por último, sabe-se que os níveis elevados de gama glutamil transferase (GGT) e de aminotransferases, da transferina deficiente em carboidratos (TDC) e do volume globular médio corpuscular (VGM) são muitas vezes devidos ao consumo de álcool. O aumento dos seus valores, quando integrados numa bateria de testes bioquímicos realizados por outros motivos, deve alertar o clínico para um possível diagnóstico de um consumo de álcool nocivo. 5.3. Quais são as melhores questões ou instrumentos para identificar o uso de álcool de risco e nocivo? 5. Identificação do uso de álcool de risco e nocivo medido usando questões que abordam a quantidade e frequência ou métodos de estimativa diária. Essas questões e métodos podem ser completados oralmente, com questionários escritos ou através de suporte informático. 5.3.1. Medição do uso de álcool Dois métodos podem ser utilizados para medir o consumo do álcool referido pelo doente: (1) questões de quantidade/frequência (Q/F) que requerem que os pacientes resumam a quantidade de álcool que consomem e a frequência com que bebem, tanto em períodos de tempo específicos (e.g. uma semana, ou último mês, ou último ano) ou em termos dos seus padrões “típicos” ou “usuais” de consumo; e (2) procedimentos retrospectivos de estimativa diária, que pedem aos pacientes que refiram a quantidade que bebem por dia num intervalo de tempo específico, geralmente na semana anterior. Questões de Quantidade/frequência de consumos A maior vantagem das questões de quantidade e frequência (Q/F) (Figura 5.1) é que são fáceis de completar, permitindo uma rápida e eficiente identificação de grandes amostras de doentes. As questões Q/F são consideradas válidas e fiáveis e têm uma utilidade adequada (Grant et al. 1995; Hasin et al. 1997; Dawson 1998a). Em geral, as questões específicas (por ex. aquelas com um horizonte temporal definido) têm demonstrado produzir avaliações mais exactas do que as questões globais (por ex. perguntas sobre o comportamento usual ou típico) (Belson, 1981). As questões Q/F tendem a descrever o comportamento “mais comum” em vez do “médio” (Poikolainen & Karkkainen 1983; Midanik 1991), e existe alguma evidência que demonstra que os entrevistados excluem das suas respostas os períodos de abstinência dos últimos dozes meses (Weisner et al. 1999). É necessário considerar as limitações de memória ao definir um período de avaliação. Os períodos de referência breves (por ex. uma semana, últimos 30 dias) são recordados com mais facilidade; todavia, podem não ser representativos do padrão geral de consumo do paciente. Um dos assuntos mais persistentes relacionados com a validade do método Q/F diz respeito à medição da variabilidade dos padrões de consumo de álcool de cada paciente. A variabilidade é mais a regra, e a regularidade a excepção, no comportamento de ingestão de álcool; igualmente importante, a variabilidade tende a aumentar com o aumento das quantidades médias de consumo (Greenfield 2000). Em geral, este problema tem sido superado pela adopção de uma abordagem de frequência graduada (FG), medições que englobam uma série de questões sobre o consumo em termos de quantidades graduadas (por ex. o número ou proporção de ocasiões em que uma a duas bebidas foram consumidas, três a quatro bebidas, etc.) ou limiares. O consumo de álcool de risco e nocivo pode ser identificado quer pela medição do álcool consumido, quer utilizando um instrumento de rastreio especificamente desenhado para esse propósito. O uso de álcool pode ser 88 89 5. Identificação do uso de álcool de risco e nocivo 5. Identificação do uso de álcool de risco e nocivo 0 1 2 3 4 1. Com que frequência bebe uma bebida alcoólica? Nunca Mensalmente ou menos 2-4 vezes num mês 2-3 vezes por semana 4 ou mais vezes por semana 2. Quantas bebidas alcoólicas consome num dia típico quando bebe? 1 ou 2 3 ou 4 5 ou 6 7 ou 9 10 ou mais Questões Figura 5.1 Um exemplo de um questionário de quantidade e frequência (as duas primeiras questões do AUDIT, ver de seguida). Fonte: Babor et al. 2001. Se um doente afirmar que bebe 2-3 vezes numa semana, e 5 ou 6 bebidas alcoólicas num dia típico de consumo, a sua média de consumo é 2,5 vezes 5,5, aproximadamente igual a 14 bebidas por semana. Métodos de Estimativa Diária Os métodos de estimativa diária requerem mais recursos (por ex. tempo e treino dos entrevistadores; equipamento especializado) e implicam uma maior carga nos doentes do que as medições de quantidade/frequência. Os instrumentos retrospectivos (por ex. Seguimento de Cronogramas: Sobell & Sobell 1992, 1995a; Forma 90: Miller & Del Boca 1994; Miller 1996) tipicamente dão aos pacientes um calendário que cobre um intervalo específico de tempo (por ex. 7 dias, ou 90 dias). Utilizando técnicas de recordação assistidas, pede-se aos doentes para estimarem o número padrão (ou para descrever o conteúdo e a quantidade de bebidas consumidas) por cada dia nesse período. Quase sempre esta tarefa é levada a cabo no contexto da entrevista pessoal, embora existam adaptações disponíveis por telefone (ex. Forma 90-T: Miller 1996) e avaliações assistidas por computador (por ex. Cronograma do Tempo; Sobell & Sobell 1995b). A fiabilidade e validade das estimativas retrospectivas diárias básicas estão bem estabelecidas (por ex. Sobell et al. 1979, 1986; Tonigan et al. 1997). Os métodos de estimativa diária tendem a produzir estimativas de consumo mais válidas do que as questões Q/F (Sobell & Sobell 1995c). Dado que se baseiam em técnicas de recordação assistida e implicam recordar episódios reais de consumo de álcool, têm maior validade do que as outras abordagens, gerando informação sobre os padrões de bebida. Ao mostrar comportamentos durante um período de tempo no qual o consumo de álcool pode ter sido variável, este método tem em conta os episódios que não coincidem com os eventos típicos ou usuais de consumo medidos por muitas das questões Q/F. Porém, uma vez que estes métodos parecerem quantificar o consumo do álcool com grande 90 precisão, pode haver uma tendência para ver as quantidades de consumo relatadas em termos absolutos, em vez de estimadas ou aproximadas. A validade dos procedimentos de estimação diários retrospectivos depende da competência do entrevistador e da cooperação do entrevistado. Por conseguinte, pode ser difícil efectuar adaptações desta abordagem para auto-administração ou em entrevistas telefónicas. Avaliação assistida por computador e Internet O uso de computadores tem-se tornado cada vez mais popular para orientar ou realizar avaliações de forma directa. Tais métodos incluem a entrevista assistida por computador (computer-assisted personal interviewing – CAPI), onde um questionário gerado em computador é lido ao doente pelo entrevistador, que regista as respostas; a auto-entrevista assistida por computador (computer-assisted self-interviewing – CASI), na qual os entrevistados lêem um questionário criado pelo computador e respondem aos itens no monitor do computador, inserindo directamente os seus próprios dados; e a A-CASI, onde as questões são gravadas em áudio e apresentadas oralmente via auscultadores, bem como no monitor do computador. Uma recente inovação, que é uma variação do CASI, envolve a colheita de dados via Internet. Existem muitas vantagens óbvias no uso de computadores para orientar ou administrar avaliações. Os métodos A-CASI, em particular, podem reduzir os requisitos de literacia por parte dos participantes no estudo. Finalmente, pode-se utilizar a tecnologia de avaliação computorizada para melhorar as estimativas de consumo, proporcionando gráficos de recipientes ou copos de bebida de diversos tipos e tamanhos para facilitar a conversão das respostas em unidades de bebida padrão (Dawson 1998b). Todavia, as avaliações assistidas por computador nem sempre resultam em estimativa da bebida ou problemas relacionados que diferem significativamente daqueles obtidos com métodos convencionais de papel-e-lápis (Hallfors et al. 2000; Miller et al. 2002). As avaliações efectuadas pela internet tendem a ter índices de respostas mais elevados do que avaliações por correio (McCabe et al. 2002). Resumo da medição do uso de álcool Os questionários de quantidade e frequência (por exemplo as duas primeiras questões do AUDIT) são o método mais simples para identificar o consumo de álcool. São válidos e fiáveis e podem ser facilmente incorporados nos questionários gerais de saúde. 5.3.2 Utilização de instrumentos de rastreio Existe uma variedade de instrumentos que podem ser utilizados para identificar o consumo de álcool de risco e nocivo, incluindo o Teste de Identificação dos Transtornos do Uso de Álcool (Alcohol Use Disorders Identification Test – AUDIT) (Babor et al. 2001), uma versão breve do AUDIT, o AUDIT C, (Bush et al. 1998), 91 5. Identificação do uso de álcool de risco e nocivo 5. Identificação do uso de álcool de risco e nocivo o Teste Rápido de Identificação do Álcool (Fast Alcohol Screening Test – FAST) (Health Development Agency 2002), o Cage (Mayfield et al. 1974), bem como o TWEAK (Russell et al. 1991), o brief MAST (Pokorny et al. 1972), o RAPS (Cherpitel 2000), o Teste five-shot (Seppa et al. 1998) e o PAT (Smith et al. 1996). Nesta secção serão referenciados, o AUDIT, o AUDIT-C, o FAST e o Cage visto serem os instrumentos geralmente mais utilizados. O Teste de Identificação dos Transtornos do Uso de Álcool (AUDIT) O questionário AUDIT foi desenvolvido pela Organização Mundial da Saúde para detectar o consumo de álcool de risco e nocivo, Figura 5.2. O questionário inclui dez questões que cobrem os três domínios do uso de álcool de risco, nocivo e a dependência de álcool (Figura 5.3). O AUDIT é fácil de classificar. Cada uma das questões tem um conjunto de respostas a escolher, e cada resposta deve ser pontuada de 0 a 4. Todas as respostas pontuadas são depois somadas para se obter a classificação total. Teste de Identificação dos Transtornos do Uso de Álcool (AUDIT) 1. Com que frequência consome bebidas alcoólicas? 0 = nunca 1 = uma vez por mês ou menos 2 = duas a quatro vezes por mês 3 = duas a três vezes por semana 4 = quatro ou mais vezes por semana 6. Nos últimos 12 meses, com que frequência precisou de beber bebidas alcoólicas logo de manhã para “curar” uma ressaca? 0 = nunca 1 = menos de uma vez por mês 2 = pelo menos uma vez por mês 3 = pelo menos uma vez por semana 4 = diariamente ou quase diariamente 2. Quando bebe, quantas bebidas alcoólicas consome num dia normal? 0 = uma ou duas 1 = três ou quatro 2 = cinco ou seis 3 = de sete a nove 4 = dez ou mais 7. Nos últimos 12 meses, com que frequência teve sentimentos de culpa ou de remorsos por ter bebido? 0 = nunca 1 = menos de uma vez por mês 2 = pelo menos uma vez por mês 3 = pelo menos uma vez por semana 4 = diariamente ou quase diariamente 3. Com que frequência consome seis bebidas alcoólicas ou mais numa única ocasião? 0 = nunca 1 = menos de uma vez por mês 2 = pelo menos uma vez por mês 3 = pelo menos uma vez por semana 4 = diariamente ou quase diariamente 8. Nos últimos 12 meses, com que frequência não se lembrou do que aconteceu na noite anterior por causa de ter bebido? 0 = nunca 1 = menos de uma vez por mês 2 = pelo menos uma vez por mês 3 = pelo menos uma vez por semana 4 = diariamente ou quase diariamente 4. Nos últimos 12 meses, com que frequência se apercebeu de que não conseguia parar de beber bebidas alcoólicas depois de começar? 0 = nunca 1 = menos de uma vez por mês 2 = pelo menos uma vez por mês 3 = pelo menos uma vez por semana 4 = diariamente ou quase diariamente 9. Já alguma vez ficou ferido ou ficou alguém ferido por você ter bebido? 0 = não 2 = sim, mas não nos últimos 12 meses 4 = sim, aconteceu nos últimos 12 meses 5. Nos últimos 12 meses, com que frequência não conseguiu cumprir as tarefas que habitualmente lhe exigem por ter bebido bebidas alcoólicas? 0 = nunca 1 = menos de uma vez por mês 2 = pelo menos uma vez por mês 3 = pelo menos uma vez por semana 4 = diariamente ou quase diariamente 10. Já alguma vez um familiar, amigo, médico ou profissional de saúde manifestou preocupação pelo seu consumo de bebidas alcoólicas ou sugeriu que deixasse de beber? 0 = não 2 = sim, mas não nos últimos 12 meses 4 = sim, aconteceu nos últimos 12 meses Pontuação do AUDIT: As perguntas 1 a 8 fornecem respostas numa escala de 0 a 4 pontos; e as respostas às perguntas 9 a 10 cotam-se com 0, 2 e 4 pontos. Os resultados expressam-se em valores entre 0 e 40 Figura 5.2 AUDIT (versão Entrevista). Fonte: Babor et al. 2001. 92 93 5. Identificação do uso de álcool de risco e nocivo 5. Identificação do uso de álcool de risco e nocivo Domínios e Conteúdo dos Itens do AUDIT Domínio Número da Questão Conteúdo do Item Uso de risco de álcool 1 2 3 Frequência de consumo Quantidade Típica Frequência de consumos excessivos Sintomas de Dependência 4 5 6 Diminuição do controlo sobre o consumo Aumento da importância do consumo Consumo matinal Uso Nocivo de Álcool 7 8 9 10 Culpabilidade depois de beber Perdas transitórias de consciência Lesões relacionadas com o álcool Preocupação dos outros pelo consumo de álcool Figura 5.3 Os diferentes domínios do AUDIT. Fonte: Babor et al. 2001. A avaliação original do AUDIT revelou uma sensibilidade de 97% e uma especificidade de 78% para o uso de risco, e uma sensibilidade de 95% e uma especificidade 85% para o uso nocivo quando foi utilizado um ponto-de-corte de 8 pontos (Saunders et al. 1993). Utilizando o mesmo ponto-de-corte, mas diferentes critérios standard foram observadas sensibilidades entre 51% e 59% e especificidades de 91% a 96% para detectar consumidores de risco ou consumidores excessivos (Volk et al. 1997a; Sillanauke et al. 1998; Bush et al. 1998; Bradley et al. 1998a). Quando foi utilizado um ponto-de-corte de 5 ou mais, foi detectada uma sensibilidade de 84% e uma especificidade de 90% para o consumo de risco, nocivo ou dependente combinados (Picinelli et al. 1997). Foi estudada uma variedade de subpopulações, incluindo os doentes dos cuidados primários (Volk et al. 1997; Rigmaiden et al. 1995; Piccinelli et al. 1997), casos no serviço de urgência (Cherpitel 1995), toxicodependentes (Skipsey et al. 1997), desempregados (Clausen & Aasland 1993), estudantes universitários (Fleming et al. 1991), pacientes idosos hospitalizados (Powell & McInness 1994), e pessoas de baixos níveis sócio-económicos (Isaacson et al. 1994). Foi demonstrado que o AUDIT proporciona uma boa discriminação numa variedade de contextos onde estas populações estão inseridas. Têm sido feitas investigações numa grande variedade de países e culturas (Cherpitel 1995; Conigrave et al. 1995a; Volk et al. 1997; Piccinelli et al. 1997; Powell &. McInness 1994; Ivis et al. 2000; Lapham et al. 1998; Steinbauer et 94 al. 1998), que sugerem que o AUDIT cumpre a sua função como teste internacional de rastreio. Embora a evidência em mulheres seja algo limitada (Cherpitel 1995; Conigrave et al 1995a; Steinbauer et al. 1998), o AUDIT parece igualmente apropriado para homens e mulheres. O efeito da idade não tem sido sistematicamente analisado como uma possível influência no AUDIT, mas um estudo (Powell & McInness 1994) revelou baixa sensibilidade mas alta especificidade nos pacientes com idade superior a 65 anos. Em comparação com outros testes de rastreio, o AUDIT demonstrou uma precisão igual ou superior (Allen et al. 1997; Cherpitel 1995; Clements 1998; Hays et al. 1995) entre uma grande variedade de critérios de medição. Bohn et al. (1995) descobriram uma forte correlação entre o AUDIT e o MAST (r=.88) tanto para homens como para mulheres. Foi também encontrado um elevado coeficiente de correlação (.78) entre o AUDIT e o CAGE nos pacientes em cuidados ambulatórios (Hays et al 1995). As classificações do AUDIT revelam uma boa correlação com as medições das consequências do consumo de álcool, atitudes face à bebida, vulnerabilidade à dependência de álcool, estados de humor negativos após o consumo e razões para beber (Bohn et al. 1995). Dois estudos consideraram as relações entre as pontuações do AUDIT e os indicadores futuros dos problemas relacionados com o álcool e o funcionamento mais global da vida. Num estudo (Clausen & Aasland 1993), a probabilidade de permanecer desempregado durante um período de dois anos foi 1.6 vezes maior para indivíduo com 8 ou mais pontos no AUDIT do que para pessoas comparáveis com menores classificações. Num outro estudo (Conigrave et al. 1995b), as classificações no AUDIT dos pacientes dos cuidados ambulatórios conseguiram prever a ocorrência futura de perturbações físicas, bem como de problemas sociais relacionados com o consumo de álcool. As classificações do AUDIT também relacionam a utilização de cuidados de saúde e o risco futuro de envolvimento num padrão nocivo de consumo de álcool (Conigrave et al. 1995b). Muitos estudos demonstraram a fiabilidade do AUDIT (Fleming et al. 1991; Hays et al. 1995; Sinclair et al. 1992). Os resultados indicam elevada consistência interna, sugerindo que o AUDIT mede um único constructo de modo fiável. Um estudo de fiabilidade teste-reteste (Sinclair et al. 1992) indicou elevada fiabilidade (r=.86) numa amostra que incluía consumidores de álcool que não eram de risco, consumidores de cocaína, e pessoas com dependência de álcool. Um outro estudo metodológico foi conduzido em parte para investigar o efeito da ordem das perguntas e mudanças nas palavras sobre as estimativas de prevalência e fiabilidade na consistência interna (Lapham et al. 1998). Mudanças feitas na ordem das perguntas e na redacção não afectam as classificações no AUDIT, o que sugere que dentro de certos limites, pode haver alguma flexibilidade em modificar a ordem e a redacção dos itens do AUDIT. 95 5. Identificação do uso de álcool de risco e nocivo Seppä et al. (1998) desenvolveram o Questionário Five-Shot para detectar o consumo de risco, através da combinação de dois itens do AUDIT que perguntam sobre as quantidades de álcool ingeridas, e três itens do CAGE que correspondem aos três diferentes domínios no AUDIT (consumo de álcool de risco, sintomas de dependência, e consumo de álcool nocivo). Este instrumento foi testado numa população masculina de meia-idade e embora com melhor desempenho do que o CAGE, não foi demonstrada a sua utilidade em outros grupos etários, em mulheres e em contextos de cuidados de saúde primários. O AUDIT-C (Bush et al. 1998; Aertgeerts et al. 2001; Gordon et al. 2001) inclui somente as três questões do AUDIT sobre consumo de álcool. Bush et al. (1998) avaliaram o AUDIT-C para o consumo de álcool nocivo, de risco ou dependência numa população masculina. Embora o desempenho do AUDIT-C na identificação de consumidores de risco seja melhor do que na versão completa do AUDIT e que o CAGE, este estudo restringiu-se aos homens, foi realizado em três unidades assistenciais de clínica geral para militares na reserva/aposentados e as entrevistas foram conduzidas por telefone. Esta modalidade de entrevista pode produzir enviesamentos significativos nos resultados (Kraus & Augustin, 2001). Gordon et al. (2001) utilizaram o AUDIT-C para identificar os consumidores de risco numa amostra grande no contexto dos cuidados de saúde primários. O AUDIT-C provou ser tão efectivo como o AUDIT, muito embora os critérios para a identificação do consumo de risco não tivessem sido estabelecidos com base em avaliação clínica, mas sim utilizando medições de Q/F obtidas a partir de um questionário auto-administrado. Em geral, o AUDITC, tem revelado uma sensibilidade de 54 a 98% e uma especificidade de 57 a 93% para várias definições de consumo excessivo de álcool (Fiellin et al. 2000a). 5. Identificação do uso de álcool de risco e nocivo (sensibilidade de 92.4%; especificidade de 74.3%), e entre as mulheres, o melhor ponto-de-corte foi 4 pontos (sensibilidade 90.9%; especificidade de 68.4%). O Teste FAST (Fast Alcohol Screening Test), desenvolvido em Inglaterra, compreende quatro questões, duas a respeito do consumo de álcool e outras duas respeitantes aos danos causados pelo álcool, (Figura 5.4) (Health Development Agency 2002). Utilizando uma pontuação de corte de 3 para o consumo de álcool de risco, o FAST demonstrou ter uma alta fiabilidade teste-reteste e, comparado com o AUDIT, uma sensibilidade de 93% e uma especificidade de 88%. A sua aplicação também funcionou muito bem em diferentes contextos médicos (cuidados primários, hospital odontológico e clínicas ortopédicas) e para diferentes grupos etários e géneros (Hodgson et al. 2003). Na Europa, um grande estudo de questionários de rastreio de consumo de álcool no contexto dos cuidados de saúde primários levado a cabo na Bélgica (Aertgeerts et al. 2001), comparou a versão completa do AUDIT com as duas versões breves (Bush et al. 1998; Gordon et al. 2001) com o Questionário Five-Shot (Seppä et al. 1998). Neste estudo, que visava a dependência de álcool e não o consumo de risco ou nocivo, o AUDIT-C teve um desempenho menos favorável do que a versão completa do AUDIT entre as mulheres, mas equiparou-se aos outros questionários. Gual et al. (2002) compararam o AUDIT-C com diagnósticos clínicos de consumos de risco feitos por médicos, através de entrevista a doentes que recorreram ao Centro de Saúde. As correlações existentes entre as classificações do AUDIT-C, o AUDIT e o consumo de álcool (em bebidas padrão) foram positivas e altamente significativas. O AUDIT-C e o AUDIT tiveram desempenho semelhante, bem como sensibilidades e especificidades equivalentes para detectar os padrões de risco entre homens e mulheres que frequentam os centros de saúde. Entre os homens, o melhor ponto de corte foi 5 pontos 96 Figura 5.4 O Teste FAST. Fonte: Health Development Agency 2002. Questionário CAGE O questionário CAGE tem sido avaliado como um instrumento de rastreio do consumo de álcool de risco e nocivo nos cuidados primários. As quatro perguntas deste questionário tiveram uma sensibilidade de 84% e uma especificidade de 95% quando um ponto de corte de 2 ou mais respostas positivas foram usadas para detectar consumidores de risco, definidos como 97 5. Identificação do uso de álcool de risco e nocivo 5. Identificação do uso de álcool de risco e nocivo aqueles que consomem 64g ou mais gramas de álcool por dia (King 1986). Utilizando o mesmo critério para uma classificação positiva, o questionário CAGE teve uma sensibilidade de 14% e uma especificidade de 97% para detectar o consumo de risco (de acordo com os critérios do National Institute of Alcohol Abuse and Alcoholism) entre os doentes com mais de 60 anos (Adams et al. 1996). O questionário CAGE teve uma sensibilidade entre 49% e 69%, e uma especificidade entre 75% e 95% no rastreio de doentes com consumo de álcool intensivo (Aithal et al. 1998; Bradley et al. 1998b). Um questionário CAGE aumentado, que inclui as 4 perguntas do CAGE, as duas primeiras questões de quantidade e frequência do AUDIT, e uma questão sobre a história de problemas com o álcool, teve uma sensibilidade de 65% e especificidade de 74% (Bradley et al. 1998b). Resumo dos instrumentos de rastreio Dada a grande variedade de instrumentos com sensibilidades e especificidades razoáveis, é difícil escolher um instrumento em detrimento de outro. O AUDIT foi especificamente desenhado para a utilização nos cuidados de saúde primários, mas é longo e demorado para usar como um instrumento de identificação rápido. As primeiras três questões do AUDIT (AUDIT-C), que perguntam sobre o consumo de álcool, são actualmente a melhor opção corrente. 5.4. Como devem ser administradas as questões ou os instrumentos de identificação? O AUDIT pode ser administrado como uma entrevista oral ou como um questionário de auto-preenchimento. Cada método acarreta as suas vantagens e desvantagens que devem ser interpretadas em função do tempo e custo. Uma questão de auto-preenchimento leva menos tempo, é fácil de administrar, é adequado para ser administrado e classificado através do computador, e pode originar respostas mais exactas. O preenchimento através da entrevista permite a clarificação das respostas ambíguas, podendo ser administrado aos pacientes com fracas competências de leitura, e permite o feedback contínuo ao doente e a iniciação do aconselhamento breve. Na maioria dos ensaios de identificação e intervenções breves o clínico geral/médico de família tem sido responsável pela identificação dos doentes. Em alguns países participantes na Fase III do Estudo Colaborativo da OMS sobre álcool e cuidados de saúde primários, os questionários AUDIT foram entregues aos doentes por um administrativo (Funk et al. 2005). Por outro lado, há um crescente conjunto de evidências sobre o papel dos enfermeiros em efectuar a identificação e as intervenções breves (Owens et al. 2000; Lock et al. 2002; Deehan et al. 1998). Em geral, é recomendado que tanto os enfermeiros como os médicos de clínica geral/medicina familiar devem estar envolvidos no processo de identificação e nos programas de intervenção breve. A cada equipa 98 de cuidados de saúde primários devem ser atribuídas diferentes responsabilidades profissionais tendo em conta as especificidades do sistema de saúde, o centro de saúde, e a população alvo. Muito embora se possam identificar nos doentes o consumo de álcool de risco e nocivo em qualquer momento, existem pelo menos quatro situações nas quais a identificação pode ser realizada: . . . . Como parte do registo de um novo doente Como parte de uma intervenção de rotina Antes de prescrever medicação que interage com o álcool Em resposta aos problemas que podem estar relacionados com o álcool O sucesso da implementação de métodos de identificação do consumo de álcool de risco e nocivo, nos cuidados de saúde primários, não é uma tarefa fácil. Têm sido feitas algumas recomendações para optimizar os resultados: . As questões sobre o consumo de álcool podem ser incorporadas na história geral sobre o estilo de vida, ou no questionário geral de saúde (questões sobre exercício, nutrição, hábitos tabágicos e prescrições medicamentosas). . Os doentes com elevado risco de uso de drogas ilícitas podem ser questionados simultaneamente sobre o álcool e o consumo de outras drogas. . Os médicos devem adoptar uma abordagem não confrontativa, acrítica e empática quando entrevistam o doente e na discussão dos resultados de identificação. . Ao registar os resultados da identificação, o médico deve indicar que um rastreio positivo não é necessariamente um diagnóstico. . A extensão e os limites da confidencialidade devem ser claramente explicados ao paciente se uma classificação positiva é detectada. O registo dos doentes com rastreio positivo deve ser assinalado mas de forma codificada e garantindo assim a confidencialidade. Desconhece-se a frequência com que a identificação do consumo de álcool de risco e nocivo deve ser feita para um mesmo doente. Dado que existe evidência de que o impacto das intervenções breves para o consumo de álcool de risco e nocivo diminui após quatro anos (ver capítulo 6), a identificação pode ser repetida a cada quatro anos, a não ser que haja uma razão clínica para encurtar este intervalo. Uma revisão sistemática da US Preventive Task Force não encontrou investigações que tenham estudado os efeitos adversos associados aos programas de identificação sistemática do uso de álcool (Whitlock et al. 2004) (ver capítulo 7). 5.5 Os testes bioquímicos são úteis para o rastreio? Os testes bioquímicos para as perturbações do uso do álcool incluem os enzimas hepáticos (ex. gama glutamil transferase (GGT) e as aminotransferases), transferina deficiente em carboidratos (TDC) e o volume globular (VGM). 99 5. Identificação do uso de álcool de risco e nocivo g-glutamil transferase (GGT) Os níveis séricos da GGT aumentam em resposta ao consumo de álcool de forma variável (Rosalki et al. 1970). Tipicamente, os níveis de GGT correlacionam-se moderadamente com o consumo de álcool (r = 0.30 a 0.40 nos homens, 0.15 a 0.30 nas mulheres) (Sillanaukee et al. 2000) e há uma certa imprevisibilidade sobre quais os consumidores que irão responder ao consumo excessivo com uma elevação na GGT. A GGT não responde a uma única dose de álcool, salvo se a pessoa já tenha sido previamente um consumidor excessivo (Dunbar et al. 1982; Gill et al. 1982; Devgun et al. 1985). Os níveis de GGT respondem mesmo nos casos de baixos níveis de consumo regular (Sillanaukee et al. 2000), mas geralmente é necessário um consumo de álcool excessivo prolongado para aumentar uma proporção significativa dos níveis de GGT em consumidores de álcool. É mais provável que o consumo regular de álcool aumente mais os níveis de GGT do que um consumo episódico (Meerkerk et al. 1999), e a intensidade do consumo (i.e. número de bebidas por dia de consumo) parece também ser importante. A GGT aumenta com maior rapidez com o retorno do consumo de álcool nos que têm uma história de consumo excessivo, e particularmente se houve algum nível de GGT elevado no passado (Nemesanszky et al. 1998). Enquanto a GGT tipicamente começa a cair na primeira semana da paragem do consumo excessivo, o decréscimo é variável, particularmente na presença de problemas hepáticos subjacentes. A GGT é uma ferramenta de rastreio com limitações dada a sua sensibilidade relativamente baixa. Somente 30 a 50% (Sillanaukee et al. 2000; Hashimoto et al. 2001; Poikolainen & Vartiainen 1997) dos consumidores excessivos de álcool no contexto da Medicina familiar ou na comunidade geral têm níveis elevados (Meerkerk et al 1999), embora algumas vezes a proporção seja inferior a 10% (Lof et al. 1994; Aertgeerts et al. 2001). Nesses contextos a especificidade varia de 40% até quase 90%. Transferina Deficiente em Carboidratos (TDC) A TDC tem sido investigada como um teste bioquímico do consumo excessivo de álcool (Salaspuro 1999; Sharpe 2001). Os doentes que consomem 50-80 g de álcool por dia durante pelo menos uma semana irão evidenciar um aumento dos níveis da TDC (Stibler 1991). Durante a abstinência a TDC normaliza com uma semi-vida de 15 dias na maioria dos doentes (Stibler 1991; Allen et al. 2001), mas pode ser mais curta (Spies et al. 1995a,b, 1996a,b). Alguns estudos mostram que a TDC é muito melhor a detectar consumidores crónicos marcados do que consumidores de risco ou com consumos actuais de álcool elevados (Sillanaukee et al. 1993; Allen et al. 1994; Gronbaek et al. 1995). A TDC também tem um melhor desempenho na detecção de doentes com dependência de álcool do que na identificação de doentes com elevados consumos de álcool, com ou sem dependência (Mikkelsen et al. 1998). Um recente estudo de rastreio de base populacional onde participaram 1863 100 5. Identificação do uso de álcool de risco e nocivo sujeitos (Estudo Colaborativo WHO/ISBRA), a sensibilidade e especificidade da TDC foi 60% e 92% nos homens, e 29% e 92% nas mulheres, respectivamente, para níveis de consumo marcado relatado oralmente durante o mês anterior (nos homens superior a 80g de álcool por dia e nas mulheres mais do que 40g de álcool diários) (Conigrave et al. 2002). O maior benefício da TDC é talvez a baixa percentagem de falsos positivos (especificidade elevada). Porém, os falsos positivos podem ocorrer devido a variantes-D genéticas, síndromes de glicoproteínas deficientes em carboidratos, cirrose biliar primária, carcinoma hepatocelular, cirrose hepática viral e transplantes do pâncreas e rim, ou devido a medicamentos utilizados para tratar estes problemas (Sillanaukee et al. 2001a). Não existe informação sobre o valor da TDC na predição da morbilidade ou mortalidade. Volume Globular Médio (VGM) Há muitos anos que se reconhece que o VGM aumenta com o consumo de álcool (Wu et al. 1974). No consumo pesado, a maioria dos casos de macrocitose ocorrem na presença de níveis normais de folatos (Wu et al. 1974; Maruyama et al. 2001), sem anemia, e não respondem ao tratamento com folatos (Wu et al. 1974). Como o ciclo de vida de um eritrócito é de 120 dias, pode demorar vários meses para que as mudanças no padrão de consumo sejam reflectidas nos níveis de VMG (Hasselblatt et al. 2001). Parece ser necessário um consumo sustentado e regular de álcool para elevar os níveis de VGM na ausência da deficiência do folato, doença hepática ou hemorragia. Não existem estudos experimentais que demonstrem um aumento no VGM com a administração de álcool em voluntários saudáveis. A regularidade da ingestão de álcool é importante (Meerkerk et al. 1999). Na dependência de álcool, os níveis de VGM podem continuar a aumentar depois da suspensão do consumo de álcool (Monteiro & Masur 1986). O VGM tem um valor limitado enquanto teste de rastreio devido à sua baixa sensibilidade, tipicamente inferior a 50%. Num contexto de prática de clínica geral o VGM detectou menos de 20% de consumidores excessivos (Meerkerk et al. 1999). Por outro lado, o VGM é mais específico do que a GGT em mais populações, com especificidades superiores a 90% (Meerkerk et al. 1999). Combinações de Testes Bioquímicos O uso combinado de marcadores proporciona mais informação do que um único marcador (Conigrave et al. 1995c, Helander et al. 1996; Anton 2001; Sillanaukee & Olsson 2001; Anton et al. 2002; Martin et al. 2002). O grau de sobreposição está relacionado não só com a quantidade de álcool consumido e a gravidade da doença hepática, mas também pode diferir de acordo com o género e idade (Anton & Moak 1994; Allen et al. 2000; Sharpe 2001; Conigrave et al. 2002), índice de massa corporal (Sillanaukee et al. 2001b; Conigrave et al. 2002; Reif et al. 2001), presença de doença hepática (Salaspuro 1999), e padrões de consumo (Anton et al. 1998). Todavia, não existem critérios simples 101 5. Identificação do uso de álcool de risco e nocivo 5. Identificação do uso de álcool de risco e nocivo aceites para interpretar os resultados de testes laboratoriais múltiplos (Rubio et al. 1996; Allen et al. 1997, 2000; Allen & Litten 2001; Hermansson et al. 2000; Harasymiw & Bean 2001; Mundle et al. 2000; Sillanaukee & Olsen 2001; Martin et al. 2002; Sharpe 2001; Fiellin et al. 2000a; Fiellin et al. 2000b; Saunders & Lee 2000; Sharpe 2001; Rehm et al. 2003). Testes Bioquímicos e Género As diferenças encontradas na frequência, intensidade e padrão de consumo de álcool entre homens e mulheres podem explicar as diferentes respostas aos biomarcadores (Brienza & Stein 2002; Gentilello et al. 2000; Sillanaukee et al. 2000). Allen et al. (2000) fizeram a revisão de seis estudos que compararam a TDC e a GGT em mulheres com consumos excessivos e com dependência de álcool, e descobriram sensibilidades comparáveis (52% e 54%, respectivamente) e boas especificidades (92% e 96%, respectivamente). Por outro lado, alguns estudos não consideraram o uso de TDC como válida e útil em homens e mulheres (Nystrom et al. 1992, Anton & Moak 1994; La Grange et al. 1994; Huseby et al. 1997b). Para os homens, os níveis de TDC parecem responder em primeiro lugar à frequência do consumo, enquanto a GGT é primeiro influenciada pela intensidade de consumo (Whitfield et al. 1978; Allen et al. 2000; Mundle et al. 2000; Sharpe 2001; Whitfield 2001). Para as mulheres, tanto a TDC e a GGT foram mais influenciadas pelas bebidas consumidas por dia normal de ingestão (intensidade) do que pelo número de dias de consumo (frequência) (Anton & Moak 1994). Na identificação de consumos excessivos numa fase precoce, o VMG nas mulheres foi mais sensível (40%) do que a TDC (29%) ou GGT (34%), numa amostra de cuidados primários de saúde (Sillanaukee et al. 1998). Outros estudos defendem a utilidade do VGM nas mulheres para detectar o consumo mais intenso de álcool (Martensson et al. 1997; Wetterling et al. 1998a; Allen et al. 2000; Mundle et al. 2000). Testes Bioquímicos e Idade As diferenças na intensidade, frequência e padrão de consumo de álcool dos doentes mais jovens em comparação com os mais velhos podem explicar diferenças nas respostas aos biomarcadores. Os questionários são superiores sobretudo em jovens com padrões episódicos mais intermitentes de consumo de risco e nocivo (Allen et al. 1997; Fiellin et al. 2000a; Fiellin et al. 2000b). Para a TDC, Huseby et al. (1997) encontraram, ao comparar um grupo com idades compreendidas entre os 21 e os 35 versus outro com idades entre os 36 e os 50 anos, sensibilidades de 17% e 57%, respectivamente, e de 8% e 43% para a GGT. O consumo em ambos os grupos foi similar. Muitos outros estudos revelaram que nos doentes jovens os marcadores do consumo crónico de álcool tiveram uma baixa sensibilidade (Bisson & Milford-Ward 1994; Salaspuro 1999; Sharpe 2001; Conigrave et al. 2002; Gomez et al. 2002). A GGT raramente está elevada em indivíduos com menos de 30 anos (Whitfield et al. 1978; Sharpe 2001). 102 A utilização dos testes bioquímicos nos cuidados primários Nenhum teste bioquímico é suficientemente sensível para detectar o consumo crónico entre 40g e 60g/dia, embora Sillanaukee et al. (2000) tenham demonstrado diferentes limiares para a associação entre o consumo de álcool e a TDC (no homem 55g álcool por semana; na mulher 15g álcool por semana) ou GGT (no homem 74g/semana; na mulher 60g/semana). Não foi encontrado qualquer marcador com a precisão adequada para o rastreio do consumo pesado de álcool na população geral, especialmente quando existe uma taxa considerável de consumidores jovens, com um padrão de consumo de risco intermitente por consumos excessivos episódicos (Salaspuro 1999; Sharpe 2001). A TDC mostrou sensibilidades baixas de 12% a 45% ou menos quando aplicada na população geral e no contexto dos cuidados de saúde primários (Sharpe 2001). Scouller et al. (2001) concluiu, numa meta-análise de 110 estudos clínicos, que a TDC não é melhor do que a GGT neste respeito. A TDC foi um pouco melhor do que a GGT na identificação de consumos de risco elevados ou intermédios numa amostra grande, multicêntrica e predominantemente comunitária. A sensibilidade do VGM para detectar o consumo pesado é aproximadamente 40%-50%, mas a sua especificidade é elevada (80%-90%) e poucos abstémicos e consumidores de baixo risco têm valores de VGM elevados (Helander et al. 1998; Salaspuro 1999; Helander 2001; Sharpe 2001). Em clínica geral os questionários passados à população são melhores para o rastreio. (Nilssen et al. 1992; Hermansson et al. 2000; Aertgeerts et al. 2001). Resumo dos Testes Bioquímicos Os testes bioquímicos não são úteis para o rastreio porque os resultados elevados têm uma sensibilidade baixa, identificando apenas uma pequena porção de doentes com consumo de risco e nocivo de álcool. Porém, os níveis elevados são frequentemente devidos ao álcool, e visto que estes testes são feitos rotineiramente como parte de uma bateria de testes bioquímicos, a presença de um nível elevado deve alertar o clínico para um possível diagnóstico de consumo de álcool nocivo e de dependência (ver Capítulo 9). 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A efectividade mantém-se sempre por um ano, mas pode prevalecer até quatro anos. 2. As intervenções breves são eficazes na redução dos problemas relacionados com o álcool? As intervenções breves são eficazes na redução dos problemas relacionados com o álcool, no contexto dos cuidados de saúde primários, entre pessoas com consumo nocivo de álcool, mas sem dependência. É necessário o aconselhamento de 8 doentes para existir benefício num doente”. Estas intervenções também são eficazes na redução da mortalidade; para que se previna uma morte por ano é necessário que 282 pacientes sejam devidamente aconselhados. 3. Para que tipos de pacientes as intervenções breves são eficazes? As intervenções breves parecem ser igualmente eficazes quer para homens, quer para mulheres, de qualquer idade. Parecem ser mais eficazes em problemas menos graves. A evidência sugere que as intervenções nas grávidas não são eficazes. 4. Quais são as componentes da efectividade? Muito pouco se conhece acerca da eficácia das diferentes componentes da intervenção. Porém, com base nos conteúdos das intervenções avaliadas, foram propostos três elementos essenciais do aconselhamento: feedback, aconselhamento e estabelecimento de objectivos. Não existe evidência clara que sugira que as intervenções com mais do que uma sessão são mais eficazes do que quando há apenas uma única sessão. A entrevista Motivacional parece ser uma técnica de intervenção eficaz. 112 113 6. Eficácia das intervenções breves Recomendações 1. Os médicos e outros profissionais dos cuidados de saúde primários devem oferecer a todos os doentes identificados com consumos de risco ou nocivos de álcool pelo menos uma intervenção breve (5 minutos). 2. As intervenções eficazes na redução do consumo de risco e nocivo de álcool consistem em pouco mais do que um simples, mas estruturado, conselho dado ao paciente em 5 minutos. As intervenções breves um pouco mais intensivas iniciam-se com uma sessão de aconselhamento com cerca de 15 minutos, constituídas pelo feedback, aconselhamento e estabelecimento de objectivos. Devem também incluir assistência adicional e seguimento. As intervenções podem ser descritas com base em cinco passos, (os 5-As em inglês): avaliação do consumo de álcool com recurso a um instrumento de rastreio rápido, seguido de uma avaliação clínica se necessário; aconselhar os pacientes a reduzir o consumo de álcool para níveis moderados; negociar os objectivos individuais para reduzir o consumo ou iniciar a abstinência (se indicada); assistir os doentes no desenvolvimento de motivação, competências de auto-ajuda, ou de suportes necessários a mudanças comportamentais; assegurar seguimento de suporte e repetição de aconselhamento, incluindo o encaminhamento dos pacientes dependentes para um tratamento especializado (US Preventive Services Task Force 2004). 6.1 As intervenções breves são eficazes na redução do consumo de álcool de risco e nocivo? A variedade de definições utilizadas em diferentes estudos acerca dos efeitos das intervenções breves, impõe-nos o desafio de ter que resumir a literatura de investigação existente neste âmbito. Tal como o termo sugere, uma das características definidoras das intervenções breves é a sua duração. Por exemplo, Babor & Grant (1994) definem uma única sessão como “mínima”, uma a três sessões como “breve”, cinco a sete sessões como “moderado”, e oito ou mais sessões como tratamento “intensivo”. Porém, o que é considerada uma intervenção “breve” num estudo, pode ser considerada uma intervenção mais “extensa” noutro estudo. Outros aspectos muitas vezes utilizados para caracterizar as intervenções breves incluem: (1) terem como meta a redução do consumo de risco ou nocivo de álcool vs. abstinência; (2) serem realizadas por um médico ou outro profissional dos cuidados de saúde primários vs. um especialista em dependências de substâncias; e (3) direccionarem-se a indivíduos não dependentes de álcool vs. indivíduos dependentes de álcool. Heather (1995; 1996) argumenta que deveriam ser considerados em separado dois tipos distintos de intervenções breves. 114 6. Eficácia das intervenções breves O primeiro tipo, as intervenções breves oportunistas, baseia-se em intervenções tipicamente desenhadas e avaliadas para indivíduos que não procuram qualquer tipo de ajuda para os problemas de álcool, e que acabam por ser identificados por uma detecção oportunista nos cuidados de saúde primários. Tais indivíduos geralmente apresentam problemas de álcool pouco severos, e pouca motivação para a mudança. Estas intervenções são tipicamente mais curtas, menos estruturadas, com menor base teórica e são administradas por clínicos não especializados na área do álcool. Estas intervenções serão designadas como “intervenções breves”. O segundo tipo, as intervenções breves especializadas, foi criado como uma condição de controlo na avaliação do tratamento tradicional, e têm sido tipicamente avaliadas entre os indivíduos que procuram ou que são incentivados a procurar um tratamento para os problemas relacionados com o álcool. Estas intervenções são normalmente longas, mais estruturadas, alicerçadas na teoria, e realizadas por um especialista nesta área. As intervenções em questão serão denominadas como “tratamento de menor intensidade”. Segundo Heather (1989), as evidências relativas à eficácia destes dois tipos de intervenções breves provêm de diferentes desenhos de investigação. Os estudos que analisam as intervenções oportunistas ou as intervenções breves dos cuidados de saúde primários comparam-nas habitualmente com uma condição de controlo sem tratamento, enquanto os estudos que analisam as intervenções breves especializadas comparam-nas habitualmente aos tratamentos tradicionais mais prolongados. No que respeita às comparações entre intervenções breves vs. tratamento tradicional, tem sido difícil “comprovar a hipótese nula” (Heather 1989), visto que a ausência de diferenças estatisticamente significativas não comprova necessariamente uma eficácia igual (Mattick & Jarvis 1994), especialmente com amostras de pequena dimensão. Existe também a necessidade de distinguir entre dois níveis de actividade dentro da classe das intervenções breves. Isto inclui as intervenções muito breves (ou “mínimas”), que consistem em não mais do que um simples, mas estruturado conselho ao doente, que não pode demorar mais do que alguns minutos (cinco), e que se pode denominar de “aconselhamento simples”; e intervenções breves, um pouco mais intensivas, com cerca de 20 a 30 minutos, e que frequentemente envolvem a repetição de algumas sessões, o que pode ser designado como “aconselhamento breve”. O estudo Mesa Grande, uma revisão sistemática em constante actualização acerca da efectividade dos diferentes tratamentos para o consumo de álcool de risco e nocivo, e que classifica a efectividade de 48 modalidades diferentes de tratamento, revelou que as intervenções breves encabeçam a lista de métodos de tratamento baseados na evidência, em termos de descobertas positivas a partir de um número relativamente grande de estudos de alta qualidade (Miller & Wilbourne 2002) (ver Tabela 9.1, Capítulo 9). 115 6. Eficácia das intervenções breves 6. Eficácia das intervenções breves Existem cerca de 14 meta-análises e/ou revisões sistemáticas, sobre a investigação da efectividade das intervenções breves, utilizando objectivos e métodos diferentes (Bien, Tonigan & Miller, 1993; Freemantle et al., 1993; Kahan et al. 1995; Wilk et al 1997; Poikolainen, 1999; Irvin et al 2000; Moyer et al. 2002; D’Onofrio & Degutis 2002; Berglund et al 2003; Emmen et al. 2004; Ballesteros et al., 2004a; Whitlock et al. 2004; Cuijpers et al 2004; Bertholet et al. 2005). Todos eles de uma ou de outra maneira, chegaram a conclusões que favorecem a efectividade das intervenções breves na redução do consumo de álcool até níveis de baixo risco entre indivíduos com consumos de álcool de risco e nocivos. Na meta-análise de Moyer et al. (2002) foram tidas em conta a população-alvo (pessoas que procuram ajuda e os que não procuram) e a intensidade das intervenções breves (grupo de controlo, intervenção breve ou extensa). Foi calculada uma estimativa conjunta ponderando as dimensões dos efeitos heterogéneos dos estudos individuais. Nesta meta-análise, a comparação das intervenções breves (definidas como aquelas que proporcionam no máximo quatro sessões de intervenção) com os grupos de controlo, nas populações que não procuraram tratamento, encontrou uma dimensão do efeito significativa a favor da redução do consumo de álcool de 0.26 (IC95%, 0.20-0.32). Quadro 6.1 “Dimensões dos efeitos” agregados das intervenções breves versus grupos de controlo sem tratamento Resultado Número de amostras Dimensão do efeitoa Intervalo de confiança de 95% Q Heterogeneidade gl P Conjunto de todos os resultados relacionados com o álcool ≥ 3 meses 4 0.300** 0.082, > 3-6 meses 11 0.144*** 0.081, > 6-12 meses 23 0.241*** 0.084, > 12 meses 5 0.129 –0.007, 0.518 0.206 0.299 0.060 4.5 10.6 30.6 7.4 3 10 22 4 0.211 0.391 0.105 0.188 Consumo de álcool ≥ 3 meses > 3-6 meses > 6-12 meses > 12 meses 0.945 0.222 0.323 0.412 3.6 18.5 50.8 0.8 2 10 19 1 0.164 0.048 0.000 0.381 3 11 20 2 0.669*** 0.160*** 0.263*** 0.202 0.392, 0.098, 0.203, –0.008, aDimensões de efeito com valores positivos significam melhores resultados das intervenções breves comparadas com as condições de controlo. ** P < 0.01; *** P < 0.001. Reproduzido de: Moyer et al. (2002). 116 117 6. Eficácia das intervenções breves + 6. Eficácia das intervenções breves de problemas relacionados com o álcool. Os participantes do grupo de tratamento exibiram reduções significativas no consumo semanal de álcool, no número de consumos excessivos episódicos, e na frequência de consumo intenso em comparação com o grupo de controlo. O efeito do tratamento foi obtido nos primeiros 6 meses da intervenção e foi mantido durante o período de follow-up aos 48 meses. O grupo de intervenção teve ainda menos dias de hospitalização e menor procura do serviço de urgência. 1+&:G1I''' Figura 6.1 Dimensão dos efeitos e intervalos de confiança de 95% para intervenções breves versus $ grupos de controlo e consumo de álcool. M -A$ Reproduzido a partir de: Moyer et/00/!$ al. (2002). <'%'"'''$ ("5 '" 35$/00B!-2 Outras revisões baseadas na evidência concluíram que as intervenções breves ''!5 são efectivas. Um estudo de Avaliação da Tecnologia Sueca (Berglund et al. '""%/$ 2003) concluiu que na maioria dos estudos (de intervenções breves para a 5'" prevenção secundária) têm sido demonstrados efeitos significativos resultantes $ '" de intervenções breves em seguimentos até dois anos. O efeito do tratamento ($/00B!'' tem a mesma magnitude que o efeito alcançado com os tratamentos médicos 5 #""'$ mais comuns em condições crónicas. Uma revisão sistemática australiana (Shand et al. 2003a) concluiu que as intervenções breves oportunísticas são 2 efectivas na redução do consumo de álcool em pessoas com problemas "com '5% ' relacionados o álcool, mas com dependência de menor gravidade. $, 5$ /00/!?C % Efeitos a longo prazo das intervenções breves ! : ' no Dois estudos revelaram efeitos a longo prazo das intervenções breves (O 5 contexto dos cuidados de#5$ saúde primários. estudo de Fleming et al.= (2002) 5*% 5#5 reporta uma eficácia de 48 meses e uma análise de custo-benefício do Projecto .='#5 "5$ TrEAT (pelas suas siglas em inglês, Trial for Early Alcohol Treatment), um estudo "9 '" ' aleatorizado e controlado de aconselhamento médico breve para o tratamento ?C% "%$ =" :" 5 '$ 118 Wutzke et al. (2002) publicou os resultados de 10 anos de follow-up das intervenções breves para o consumo de risco e nocivo de álcool. Este estudo comparou a eficácia de três formas de intervenção, que variavam entre os 5 e os 60 minutos de duração, com um grupo de controlo sem tratamento. Apesar de se ter observado um efeito da intervenção aos nove meses de follow-up, esse efeito não se manteve aos dez anos, no que respeita à mediana do consumo, redução média no consumo entre o ponto de partida e o período de follow-up, mortalidade e diagnóstico ICD 10 para a dependência de álcool e o uso nocivo de álcool. Entre o ponto de partida e os nove meses de follow-up, os grupos de intervenção reduziram a mediana do consumo de álcool de 324 para 208 gramas por semana, uma redução de 116 gramas (36%), comparada com o grupo de controlo que reduziu a mediana do consumo de álcool de 309 para 263 gramas por semana, corresponde a uma redução de 46 gramas (15%). Aos dez anos de follow-up, o grupo de intervenção reduziu de 324 para 174g por semana, uma redução de 150 gramas (46%) e o grupo de controlo reduziu de 309 para 158g, uma redução de 151 gramas (49%). Para aumentar a efectividade das intervenções breves a longo prazo, os profissionais de saúde poderão ter de manter um acompanhamento contínuo dos padrões de consumo dos seus doentes e intervir apropriadamente se o consumo de álcool voltar a tornar-se de risco (Stout et al. 1999). Intervenções Breves nos cuidados de saúde primários Cinco revisões sistemáticas com meta-análises especialmente focadas na efectividade das intervenções breves nos cuidados de saúde primários (Kahan et al. 1995; Poikolainen, 1999; Ballesteros et al. 2004a; Whitlock et al. 2004; Bertholet et al. 2005) concluíram que as intervenções breves realizadas neste contexto são efectivas. A revisão mais recente (Bertholet et al. 2005) concluiu que as intervenções breves são efectivas na redução do consumo entre homens e mulheres aos seis e aos doze meses que se seguem à intervenção. Esta revisão foi confinada a estudos levados a cabo em condições mais naturais dos cuidados de saúde primários, excluindo os estudos que utilizaram listas de doentes, registos ou sessões de rastreio especificamente desenhadas para o efeito, sendo portanto mais relevante para as condições do mundo real da prática clínica do que as outras revisões. 119 6. Eficácia das intervenções breves 6. Eficácia das intervenções breves + A dimensão do efeito das intervenções breves é mais compreensível em termos do Número Necessário para Tratar (NNT: o número de consumidores de álcool de risco e nocivo que necessita receber uma intervenção breve para que um reduza o consumo para níveis de baixo risco). A última estimativa do NNT para as intervenções breves é aproximadamente 8 (Moyer et al. 2002). Esta estimativa pode ser favoravelmente comparada com o NNT do aconselhamento para a cessação tabágica, que tem um NNT de 20, ainda que este melhore para 10 com a adição da terapia de substituição de nicotina (Silagy & Stead 2003). Em determinado sentido, o NNT subestima a efectividade total das intervenções breves, pois mesmo que o paciente não reduza imediatamente a bebida, isso pode dar início à mudança, o que mais tarde se transformará num esforço activo para parar o consumo, ou por outras palavras, ocorrerá o início de um movimento sobre um ciclo de mudança (Prochaska & DiClemente 1986). Intervenções Breves noutros contextos Existe evidência limitada sobre a efectividade das intervenções breves nos contextos gerais hospitalares (Emmen et al 2004), mas uma forte evidência para a efectividade em acidentes e serviços de urgência (Monti et al. 1999; Gentilello et al. 1999; Longabaugh et al 2001; D.Onofrio & Degutis 2002; Crawford et al. 2004; Smith et al. 2003), e instituições educacionais (Baer et al. 1992; Marlatt et al., 1998; Baer et al. 2001; Borsari & Carey 2000; McCambridge & Strang 2004). Estão ainda a surgir evidências da efectividade do rastreio e intervenções breves baseadas na web (Kypri et al. 2004). 6.2 As intervenções breves são efectivas na redução dos problemas relacionados com o álcool? Na revisão de Moyer et al. (2002), a comparação das intervenções breves (definidas como aquelas que proporcionam no máximo quatro sessões de intervenção) com os grupos de controlo, nas populações que não procuraram tratamento, foi estimada uma dimensão do efeito significativa a favor da redução do consumo de álcool de 0.24 (IC95%, 0.18-0.30) no seguimento aos 612 meses (Quadro 6.1, Figura 6.2; reproduzidos de Moyer et al. 2002). Uma dimensão do efeito igual a 0.26 é equivalente a 13% de melhoria do grupo de intervenção em comparação com o grupo de controlo, e uma dimensão do efeito de 0.24 equivale a 12% de melhoria. Existe uma evidência directa, proveniente de um estudo australiano efectuado nos serviços de Cuidados de Saúde Primários, de que as intervenções breves são efectivas na redução dos problemas relativos ao álcool (Richmond et al. 1995). As intervenções breves salvam vidas. Comparado com o grupo de controlo, as intervenções breves podem prevenir uma em cada três mortes que se dão entre os consumidores de álcool problemáticos (Cuijpers et al. 2004). É necessário aconselhar, em média, 282 doentes para prevenir uma morte durante um ano. Esta redução na mortalidade é considerável, o que indica que uma falha na implementação das intervenções breves poderá resultar em mortes que poderiam ter sido prevenidas. 120 Figura 6.2 Dimensões dos efeitos e intervalos de confiança de 95% para as intervenções breves versus condições de controlo, nos problemas de álcool. 1+):G1I''' Reproduzido de: Moyer et al. (2002). $ M -A$ /00/!$ +-1$ 8 6.3 Para que tipo de pacientes as intervenções breves são efectivas? A' '' A maioria dos estudos que demonstraram a efectividade das intervenções #'#5 ' breves, estudaram populações de consumidores de álcool que não procuram ''B105"# /)05" tratamento, e utilizaram níveis de corte para a intervenção de aproximadamente A$/00/!$ 350g de álcool por semana para os homens e 210g para as mulheres (Moyer et al. 2002). 0 (5 %>#$ )GG*!" Género 5# #5"5' As análises de subgrupos na meta-análise de Wilk et al. (1997) revelaram ' 5"5$ tendências para uma maior probabilidade de ocorrer uma moderação no consumo de álcool no decorrer das intervenções para mulheres em comparação # )GGG!#= = com os homens, embora este facto não seja estatisticamente significativo. '!" 5 '"$<5 Poikolainen (1999) teve em conta diferentes exposições (intervenções muito 5'=' breves vs. breves mais extensas) e avaliou duas medidas, o consumo de álcool %1)5 R"#!" e o valor da gama glutamil-transferase sérica, em sete estudos por ele revistos. "$ Um efeito homogéneo significativo favoreceu as intervenções breves mais 121 109 6. Eficácia das intervenções breves extensas para o sexo feminino (–51 gramas/semana), mas baseou-se, apenas, nos resultados de dois estudos. Na meta-análise de Moyer et al. (2002), e na revisão da US Preventive Services Task Force (Whitlock et al. 2004), os homens e as mulheres parecem beneficiar de igual modo com as intervenções breves. Ballesteros et al. (2004b) publicaram uma meta-análise sobre intervenções breves nos cuidados de saúde primários, com ênfase na sua efectividade por sexo. Foram incluídos sete estudos que mostraram uma dimensão do efeito semelhante entre os sexos, no sentido da redução do consumo de álcool, bem como odds ratio similares entre os sexos nos indivíduos que consumiam álcool abaixo do nível nocivo (em quatro estudos foi estimado um odds ratio para o sexo masculino de 2.32 ; IC95% = 1.78-2.93 e para o sexo feminino de 2.31; IC95% = 1.60-3.17). Idade Alguns estudos têm demonstrado a eficácia das intervenções breves desenhadas para reduzir as consequências nocivas do consumo excessivo entre estudantes universitários de alto-risco (Marlatt et al. 1998) e entre doentes de 18 e 19 anos com alcoolémia positiva (Monti et al. 1999) em serviços de urgência. Embora o foco primário destas intervenções fosse a redução dos perigos associados com o consumo excessivo de álcool, as reduções na bebida também ocorrem. Num estudo de serviço de urgência, jovens com 18 e 19 anos que se apresentaram num departamento de urgências depois de uma situação relacionada com o álcool, foram aleatoriamente integrados numa sessão de entrevista motivacional versus cuidados comuns ou de rotina. Posteriormente, após 6 meses de follow-up, comparativamente aos cuidados habituais, o grupo que recebeu uma entrevista motivacional teve uma redução significativa na incidência de comportamentos como conduzir sob o efeito do álcool, violação das regras de trânsito, e de outros problemas e lesões relacionados com o álcool (Monti et al. 1999). Um segundo estudo com adolescentes cujas idades variam entre os 13 e os 17 anos, também recrutados a partir do departamento de urgências e distribuídos aleatoriamente pelas duas condições de tratamento anteriormente referidas, demonstrou que enquanto que os que já estavam motivados a alterar o seu comportamento de consumo de álcool não mostraram qualquer benefício diferencial com a entrevista motivacional, os adolescentes com menor motivação para mudar antes da intervenção revelaram um benefício significativo na redução do comportamento de conduzir sob o efeito do álcool (Monti et al. 2001). Fleming e colegas (1999) estudaram o impacto do aconselhamento médico breve no consumo de álcool de risco e nocivo entre consumidores com idades iguais ou superiores a 65 anos, tendo encontrado um efeito significativo. 122 6. Eficácia das intervenções breves Gravidez De três intervenções de boa qualidade de aconselhamento sobre comportamento, no contexto de cuidados primários, dirigidas a mulheres grávidas que faziam controlos pré-natais, duas não encontraram evidências de um efeito sobre o consumo de álcool (Handmaker et al. 1999; Chang et al. 1999) e uma mostrou um possível efeito que contudo não atingiu significância estatística (Reynolds et al. 1995). Gravidade dos Problemas Na meta-análise de Moyer et al. (2002), as intervenções breves parecem ser mais efectivas quando comparadas às condições de controlo em estudos onde os indivíduos mais afectados são excluídos. Esta descoberta sugere que as intervenções devem ser úteis apenas para os indivíduos com problemas de álcool menos graves. O estudo Fase II da OMS demonstrou que, embora não tenha existido diferença entre o aconselhamento simples e uma intervenção breve, o primeiro funciona melhor com os doentes do sexo masculino com vivência recente de um problema relacionado com o álcool, enquanto a intervenção breve funciona melhor com os doentes que não tiveram qualquer problema recentemente (Babor & Grant 1992). As intervenções breves parecem funcionar efectivamente e de igual modo na redução de padrões de consumo nocivos bem como no consumo nocivo em geral (Beich et al. 2003; Whitlock et al. 2004). 6.4 Quais são os componentes da efectividade? Todas as intervenções revelaram melhorias estatisticamente significativas nos resultados de qualquer intensidade sobre o álcool, e incluíram no mínimo dois ou três elementos chave: feedback, aconselhamento, e estabelecimento de metas. Uma vez que as intervenções mais eficazes foram as que incluíram vários contactos, também proporcionaram mais assistência e follow–up, em alguns casos houve também adaptação dos elementos de intervenção a cada participante (Whitlock et al. 2004). Duração das sessões O estudo clínico da OMS sobre as intervenções breves nos cuidados de saúde primários (Babor & Grant, 1992) envolvendo 10 países e 1655 consumidores de quantidades nocivas de álcool, recrutados a partir de várias unidades de cuidados, mostrou que, no sexo masculino, uma intervenção breve de cinco minutos baseada em 20 minutos de avaliação estruturada era tão efectiva na redução do consumo de álcool, com melhorias concomitantes na saúde, quanto o aconselhamento mais intenso de 15 minutos. Os cinco minutos básicos de aconselhamento podem ser usados pelos médicos 123 6. Eficácia das intervenções breves mais ocupados ou por outros profissionais de saúde que não têm tempo para uma intervenção mais prolongada. Os 20 minutos de avaliação que precedem a intervenção da OMS podem ser substituídos pelos resultados dos testes de rastreio dos consumos e pelo conhecimento que o médico tem do seu doente. Número de sessões A análise de subgrupos na meta-análise de Wilks et al. (1997) revelou tendências para uma maior probabilidade de moderação do consumo após as intervenções com mais do que uma sessão versus uma única sessão, embora tal não seja estatisticamente significativo. Os resultados do estudo de Poikolainen (1999), em que se comparavam intervenções muito breves vs. breves mais extensas, mostraram que as intervenções mais curtas (5-20min) tiveram uma dimensão do efeito significativa, em comparação com as condições de controlo, para o consumo de álcool (-70 g/semana) e actividade da gama glutamil-transferase (GGT) (-9.4 U/L), mas as estimativas não foram homogéneas. As intervenções breves extensas (com várias visitas) tiveram uma dimensão do efeito significativa para o consumo de álcool (-65 g/semana) mas não para a actividade da GGT, carecendo de homogeneidade estatística a dimensão do efeito para ambos os resultados. Na meta-análise de Ballesteros et al. (2004ª) não foi encontrada evidência de uma relação dose-efeito. Numa revisão sistemática de estudos randomizados e controlados do Swedish Council of Technology Assessment Health Care (Berglund et al. 2003), foram analisadas as dimensões dos efeitos dos estudos de intervenções breves realizadas nos cuidados de saúde primários para intervenções únicas e repetidas (Berglund 2005). Os estudos com uma única sessão tiveram uma dimensão do efeito média de 0.19, sem evidência de heterogeneidade entre eles (Q = 1.96, P = 0.58), e os estudos com sessões repetidas tiveram uma dimensão do efeito média de 0.61 (modelo aleatório) com evidência de heterogeneidade (Q = 72.10, P < 0.001). As dimensões dos efeitos dos estudos com intervenção única versus estudos com sessões repetidas diferiram de forma significativa (P <0.001). Alguns estudos com várias sessões demonstraram dimensões do efeito grandes enquanto outros não o fizeram. Estes resultados sugerem a necessidade de desenvolver novos estudos para especificar quais os factores que contribuem e quais os que não contribuem para os prováveis efeitos adicionais de uma segunda sessão. 6. Eficácia das intervenções breves de substâncias (Miller 1983) (um estilo de abordagem directiva, centrada na pessoa, que ajuda o próprio a explorar e resolver a sua ambivalência relativamente à alteração de comportamentos (Rollnick & Miller 1995)) pode aumentar a efectividade e a relação benefício-custo das intervenções breves. Ao colocar em prática as técnicas centradas no doente para construir confiança e reduzir a resistência, o médico foca-se no aumento da predisposição para a mudança (Prochaska & DiClemente 1986), na compreensão do ponto de vista do doente, evitando ou diminuindo a resistência e aumentando a auto-eficácia do doente e a percepção da discrepância entre o seu comportamento actual e o ideal (Miller & Rollnick 1991). O estudo Mesa Grande (ver capítulo 9) demonstra que a categoria do Aumento Motivacional ocupa o segundo lugar. Apesar de existirem cinco revisões sistemáticas de estudos acerca da efectividade da entrevista motivacional para um conjunto de perturbações aditivas (Noonan & Myers 1997; Dunn et al. 2001; Burke et al. 2002; Burke et al. 2003; Burke et al. 2004; Tevyaw & Monti 2004) demonstrando uma evidência substancial de que a entrevista motivacional é uma técnica de intervenção efectiva, pouco se conhece acerca do seu modo de funcionamento, para que tipo de doente funciona melhor ou se é ou não superior a outros métodos de intervenção. Uma meta-análise adicional de 72 estudos clínicos com a entrevista motivacional encontraram um efeito significativo para a entrevista motivacional que diminuiu ao longo do tempo, quando comparada com o grupo de controlo (Hettemaet al. em fase de publicação). Na maioria dos estudos, a mudança de comportamento observada depois da entrevista motivacional manteve-se na maioria dos doentes durante um ano de follow-up, mas o grupo de comparação alcançou o grupo de intervenção ao fim de algum tempo, resultando numa diminuição gradual do efeito entre o grupo de intervenção e de controlo ao longo do tempo. Isto não é exclusivo da entrevista motivacional, mas sim um resultado comum com outras intervenções. Nos ensaios clínicos comportamentais os grupos de controlo tendem a melhorar com o passar do tempo. Entrevista Motivacional Tem sido proposto que a entrevista motivacional, originalmente desenvolvida para preparar as pessoas para a mudança de comportamento ao nível do uso 124 125 6. Eficácia das intervenções breves Referências Babor, T. F. & Grant, M. (Eds.) (1992) Project on Identification and Management of Alcohol-related Problems. 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Não existem dados disponíveis que sugiram que a identificação e intervenções breves conduzam a efeitos adversos, tais como desconforto ou insatisfação entre os doentes. Antes pelo contrário, uma vez que a abordagem do álcool nos cuidados de saúde primários é geralmente bem recebida pelos doentes. 7.2. Quais são os benefícios da identificação e dos programas de intervenção breves? Os programas de rastreio e intervenção breve conduzem a uma redução nos consumos problemáticos de álcool, redução nos problemas produzidos pelo álcool e diminuição das mortes associadas ao consumo. Uma estimativa muito conservadora refere que são necessários 385 rastreios para que haja benefício de um doente, sendo muito mais eficiente que os rastreios para hipertensão (1250) ou cancro do cólon (3300). É necessário aconselhar oito doentes com consumos prejudiciais de álcool para um beneficiar, sendo duas vezes mais eficiente que as terapias breves para a cessação tabágica. É necessário que 282 doentes recebam aconselhamento para prevenir uma morte por ano. A Organização Mundial de Saúde estimou que o aconselhamento médico breve, com 25% de cobertura, evitaria 91 anos de doenças e mortes prematuras por 100.000 habitantes, 9% de todas as mortes associadas ao álcool. 7.3. Qual é a relação de custo-efectividade das intervenções breves? As intervenções breves aplicadas, nos cuidados de saúde primários, aos doentes com consumos de álcool de risco e nocivo estão entre as mais económicas de todas as intervenções que conduzem a ganhos em saúde, a um custo de €1960 por ano de doenças e morte prematura evitadas. 130 7. Custos e eficiência das intervenções breves Recomendações 1. Deverá ser efectuada uma urgente reorientação de recursos ao nível dos cuidados de saúde primários relativamente à área do tratamento dos problemas ligados ao álcool, com o intuito de implementar programas visando a identificação e intervenção breve nos casos de consumo de álcool de risco e nocivo. 7.1 Quais são os custos de identificação e dos programas de intervenção breve? A Organização Mundial de Saúde (OMS) estimou o custo e os impactos de diferentes medidas políticas na prevenção da doença e morte prematura, medida pelo Disability Adjusted Life Years (DALYs), resultante do consumo de álcool de risco e nocivo nos países europeus. Definiu-se consumo de risco e nocivo como um consumo médio diário de álcool puro superior a 20g na mulher e 40g no homem. (English et al. 1995; Babor et al. 2003). Os DALYs correspondem a uma medida sumária da saúde da população que combina informação sobre mortalidade e custos de saúde associados à doença. Mede a diferença no estado de saúde entre posição actual e o que pode ser alcançado. O estado de saúde é ajustado numa escala que varia de zero (para um estado equivalente à morte) a um (para um estado de saúde ideal), baseado em inquéritos de saúde em mais de 60 países. Foi estimado que por cada 1000 doentes acompanhados por um clínico geral, seria necessário despender em média €1644 por ano em toda a União Europeia para instalar e manter um programa de identificação e intervenção breve, representando um custo total na União Europeia de cerca de €740 milhões. É importante não considerar apenas os custos financeiros para implementar programas de identificação e intervenção breve, mas também os custos potenciais em termos de desconforto e insatisfação. A revisão sistemática para a US Preventive Services Task Force não encontrou qualquer pesquisa que referisse efeitos adversos associados à identificação e intervenções de aconselhamento de comportamento para o consumo de álcool (Whitlock et al. 2004). Três ensaios de intervenção de boa qualidade reportaram maiores taxas de desistência entre os participantes que receberam intervenções para o álcool do que os grupos de controlo (Curry et al. 2003; Wallace et al. 1998; Senft et al. 1997), enquanto que noutro ensaio de boa qualidade obteve-se maior desistência dentro do grupo de controlo (Anderson & Scott 1992). Diferentes taxas de desistência não afectaram os resultados visto que estas foram tratadas analiticamente; contudo, a desistência pode indicar desconforto ou insatisfação com a intervenção, entre outras explicações possíveis. Estes resultados ocorreram numa minoria de ensaios e não podem ser explicados com os dados disponíveis. 131 7. Custos e eficiência das intervenções breves 7. Custos e eficiência das intervenções breves Enquanto a negação e a resistência são algumas vezes encontradas nas pessoas com dependência de álcool, os consumidores de álcool nocivo e de risco raramente são pouco cooperantes. Pelo contrário, a experiência adquirida a partir de vários estudos e programas clínicos indica que quase todos os doentes são cooperantes, e a maioria aprecia quando os clínicos demonstram um interesse na relação entre álcool e saúde. Em geral, os doentes percepcionam a identificação do consumo de álcool e aconselhamento breve como fazendo parte do papel dos clínicos, e raramente põem objecções quando é desenvolvido de acordo com os procedimentos descritos neste manual. Quais são os benefícios dos programas de identificação e intervenção breve? Os programas de identificação e intervenção breve conduzem a reduções no consumo de risco e nocivo de álcool, reduções nos efeitos negativos provocados pelo álcool e redução nas mortes. Uma estimativa muito conservadora refere que são necessários 385 rastreios para que haja benefício para um doente (Beich et al. 2003), sendo muito mais eficiente que fazer o rastreio para a hipertensão (1250) (SHEP Cooperative Research Group 1991) ou para o cancro do cólon (3300) (Mandel et al 1993). É necessário aconselhar oito doentes com consumo de risco e nocivo de álcool para que um possa beneficiar desse aconselhamento (Beich et al. 2003), sendo duas vezes mais eficiente que a intervenção breve para a cessação tabágica (Silagy & Stead 2003). consumidores de risco), a melhoria nas taxas a nível populacional foi estimada entre 4,9%-6,4% acima dos registos históricos. Além disso, a redução esperada no número de indivíduos com consumo mais pesado recebendo aconselhamento (mas antes da melhoria final) resultou num pequeno ganho na média do nível de incapacidade (uma melhoria de 1,3% após ajustamento para a cobertura e adesão). Se intervenção _final_2.FH10 Wed Novo30programa 08:30:32 2005 dePage 4 breve for implementado em toda a União Europeia, estima-se que uma cobertura Cde M25% daMYpopulação em risco poderia Y CM CY CMY K prevenir entre 512 (países EuroB) e 1056 (países EuroC) DALYs por milhão de pessoas por ano, a um custo entre €26 (países EuroB) e €185 (países EuroA) por 100 pessoas por ano, um impacto inferior a um aumento de 25% nas actuais taxas de imposto sobre as bebidas alcoólicas, mas superior à introdução de testes aleatórios do ar expirado, à restrição das vendas de bebidas alcoólicas e à proibição de publicidade às mesmas, Figura 7.1 e Caixa 7.1. As Intervenções breves também salvam vidas. Comparativamente com um grupo de controlo, estas podem prevenir uma em cada três mortes que ocorrem entre os indivíduos com problemas de consumo excessivo de álcool (Cuijpers et al. 2004). Em média, é necessário aconselhar 282 doentes para prevenir uma morte no período de um ano. Esta redução na mortalidade é significativa e indica que a implementação de programas de intervenção breve pode prevenir a ocorrência de óbitos. Nas estimativas da OMS relativamente aos custos e aos impactos de diferentes medidas políticas na prevenção da doença e morte prematura, mensuráveis através dos Disability Adjusted Life Years (DALYs), resultantes do consumo de risco e nocivo de álcool, as intervenções breves foram definidas como aconselhamento médico providenciado nos cuidados de saúde primários, envolvendo um pequeno número de sessões de educação e apoio psicossocial. As estimativas de eficácia apontam para uma redução de 22% no consumo entre consumidores de risco (Higgins-Biddle & Babor, 1996; Moyer et al. 2002; Babor et al. 2003), o que deslocaria toda a distribuição do consumo de risco no sentido descendente se aplicado a toda a população em risco (uma redução na prevalência total de 35 a 50% equivalente a 14 a 18% de melhoria quando comparado à não existência de aconselhamento). Contudo, se forem tomados em consideração os efeitos de factores modificadores reais, incluindo a adesão ao aconselhamento (70%) e a cobertura na população-alvo (25% dos 132 Figura 7.1 Impacto das diferentes opções políticas (DALYs prevenido por milhão de pessoas por ! )2%45 + ano) em três sub-regiões da UE25. Fonte: Chisholm et al. (2004) (adaptado). " *( #C6 )*+)+ -./ ! " G 4 4 % 8 6$@ 2, < < A A 4> B E ; # # # F 6 ; #, . 4 4 133 7. Custos e eficiência das intervenções breves 7. Custos e eficiência das intervenções breves Classificação dos países por parte da OMS baseada nas taxas de mortalidade Europa A Europa B Europa C Mortalidade infantil e adulta muito baixa Mortalidade infantil e adulta baixa Mortalidade infantil baixa e elevada mortalidade adulta Áustria Bélgica República Checa Dinamarca Finlândia França Alemanha Grécia Irlanda Chipre Polónia Eslováquia Estónia Estónia Hungria Letónia Lituânia Itália Luxemburgo Malta Holanda Portugal Eslovénia Espanha Suécia Reino Unido -se entre as mais baratas de todas as intervenções médicas, com o custo médio de €30000. Por outras palavras, se o profissional dos cuidados de saúde primários vai iniciar uma nova actividade, fornecer uma intervenção breve aos doentes com problemas de consumo de álcool significa dar um dos melhores cuidados de saúde à população da prática clínica, sendo melhor que gastar 10 minutos noutra qualquer actividade. Referências Anderson P, Scott E. (1992) The effect of general practitioners’ advice to heavy drinking men. British journal of addiction, 87, 891.900. Num estudo realizado nos EUA, o benefício médio da intervenção por sujeito foi estimado em US$1151, englobando as poupanças em serviços de urgência e uso hospitalar (US$531), e as poupanças com a criminalidade e acidentes rodoviários (US$620). O custo médio da intervenção por sujeito foi de US$205, representando uma relação benefício-custo de 5.6:1. A análise de benefício-custo no seguimento aos 48 meses sugeriu uma redução de $43000 em custos futuros com cuidados de saúde por cada $10000 investidos na intervenção breve (Fleming et al. 2002). A relação benefício-custo aumentou com a inclusão dos benefícios sociais da diminuição dos acidentes rodoviários e da criminalidade. Outro estudo nos EUA comparou a relação custo-efectividade de uma estratégia de rastreio e intervenção em consumos de risco e nocivo de álcool com outra em que não se efectuou o rastreio (Kraemer et al. 2004). Verificou-se que o rastreio e intervenção permitiu poupanças de $300 e preveniu 0.05 anos de doenças e mortes prematuras por homem ou mulher rastreados. Numa análise de custo-efectividade na Suécia, Lindholm (1998) estimou que se 10% daqueles a quem foi dado aconselhamento reduzissem o seu consumo de álcool a longo prazo, todos os custos de tratamento seriam cobertos pela poupança conseguida nas despesas em cuidados de saúde. Qual é a relação de custo-efectividade das intervenções breves? As estimativas da Organização Mundial de Saúde no que se refere aos custos e impactos de diferentes medidas políticas na prevenção da doença e morte prematura pelos DALYs, resultantes do consumo de risco e nocivo de álcool, permitem concluir que as intervenções breves nos cuidados de saúde primários apresentam uma elevada relação benefício-custo (€1,960 por DALY prevenido nos países Euro A) (Chisholm et al. 2004). Estes dados são mais favoráveis do que os obtidos com as intervenções na cessação do consumo de tabaco em que se utiliza nicotina como terapêutica de substituição, com uma relação custo-efectividade de aproximadamente €2000 (Feenstra et al. 2003), encontrando- 134 Babor TF, Caetano R, Casswell S, Edwards G, Giesbrecht N, Graham K, Grube JW, Gruenewald PJ, Hill L, Holder HD, Homel R, Österberg E, Rehm J, Room R & Rossow I (2003). Alcohol: No Ordinary Commodity. Research and Public Policy. Oxford, Oxford Medical Publication, Oxford University Press. Beich A, Thorkil T, Rollnick S. (2003) Screening in brief intervention trials targeting excessive drinkers in general practice: systematic review and meta-analysis. British Medical Journal, 327, 536-42 Chisholm, D., Rehm, J., Van Ommeren, M., and Monteiro, M. (2004) Reducing the Global Burden of Hazardous Alcohol Use: a Comparative Cost-Effectiveness Analysis. Journal of Studies on Alcohol, 65 (6), 782-93. Cuijpers, P., Riper, H. & Lemmens, L. (2004) The effects on mortality of brief interventions for problem drinking: a meta-analysis. Addiction, 99, 839-845. Curry SJ, Ludman EJ, Grothaus LC, Donovan D, Kim E. (2003) A randomized trial of a brief primarycare-based intervention for reducing at-risk drinking practices. British journal of health psychology, 22, 156.65. English DR, Holman CD, Milne E, Winter MJ, Hulse GK, Codde G, Bower CI, Cortu B, de Klerk N, Lewin GF, Knuiman M, Kurinczuk JJ, Ryan GA (1995) The quantification of drug caused morbidity and mortality in Australia. 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Custos e eficiência das intervenções breves Kraemer, K.L., Roberts, M.S., Freedner, N., Palfai, T. & Saitz, R. (2004) Alcohol screening and intervention in primary care extends quality-adjusted life and saves money. Paper presented to the Lindholm, L. (1998) Alcohol advice in primary health care – is it a wise use of resources? Health Policy, 45, 47-56. Mandel JS, Bond JH, Church TR, et al. (1993) Reducing mortality from colorectal cancer by screening for fecal occult blood. The New England journal of medicine, 328, 1365-1371 Moyer A, Finney JW, Swearingen CE, Vergun P. (2002) Brief interventions for alcohol problems: a meta-analytic review of controlled investigations in treatment-seeking and non-treatment-seeking populations. Addiction, 97, 279-292. Senft RA, Polen MR, Freeborn DK, Hollis JF. (1997) Brief intervention in a primary care setting for hazardous drinkers. American journal of preventiv e medicine, 13, 464.70. SHEP Cooperative Research Group. 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Implementação de programas de identificação e de intervenção breve Resumo da evidência da Implementação de programas de identificação e de intervenção breve 8.1. Quais são as condições para o envolvimento efectivo dos profissionais de cuidados de saúde primários na identificação e intervenção breve ao nível dos consumos de álcool de risco e nocivos? O apoio é um pré-requisito para os profissionais dos cuidados de saúde primários que têm em mãos doentes com problemas relacionados com o álcool, na eventualidade de surgirem dificuldades e para assegurar, de uma maneira geral, o desenvolvimento profissional destes técnicos. Constata-se que os médicos de família que trabalham com apoio de outros colegas especialistas na área do álcool sentem-se mais motivados e seguros quando trabalham com doentes com problemas relacionados com o álcool, conseguindo gerir um grande número de doentes. 8.2. Quais são as estratégias que permitem um envolvimento sustentado por parte dos profissionais de cuidados de saúde primários na identificação e intervenção breve nos casos de consumos de álcool de risco e nocivos? Proporcionar treino e apoio baseado na prática clínica aumenta em 50% as taxas de identificação e aconselhamento, mesmo que o suporte se limite a uma visita prática e apoio telefónico contínuo, enquanto facultar apenas as orientações parece ter pouco efeito. Oferecer formação e materiais de apoio à consulta parece ser igualmente efectivo, mas quando estes dois procedimentos aparecem juntos a efectividade é superior. Aparentemente um apoio mais intensivo não é necessariamente melhor que um de menor intensidade. 8.3. Quais são as evidências a favor do apoio adaptado às necessidades dos profissionais de cuidados de saúde primários para o seu envolvimento na identificação e intervenção breve em casos de consumos de álcool de risco e nocivo? Se o apoio prestado aos médicos de família não for de encontro às suas necessidades e atitudes, o apoio não irá funcionar e poderá mesmo a longo prazo ter um efeito negativo. Para aumentar a experiência e efectividade destes profissionais ao nível do trabalho com problemas relacionados com o álcool, tanto a formação como o treino e a existência de uma rede de apoio são indispensáveis para aumentar a confiança e o empenho. 136 137 8. Implementação de programas de identificação e de intervenção breve 8.4. As entidades financiadoras dos serviços de saúde devem alocar fundos para os cuidados de saúde primários desenvolverem a sua acção em torno de programas de intervenção breve para o consumo de risco e nocivo de álcool? Tendo em conta a relação benefício-custo no sentido da melhoria da saúde, os financiadores da saúde devem alocar fundos para a identificação dos problemas do álcool nos cuidados de saúde primários de modo a reduzir o consumo de álcool de risco e nocivo. 8.5. Quais são os instrumentos disponíveis para a avaliação da adequação dos serviços? O projecto PHEPA desenvolveu um instrumento para avaliar a adequação dos serviços nos contextos de cuidados primários no que respeita aos consumos de álcool de risco e nocivos. Recomendações 1. Deve ser implementada a formação dos profissionais de cuidados de saúde primários, em particular durante o período de formação especializada. 2. A introdução de sistemas baseados na prática, incluindo os instrumentos de identificação, protocolos e suporte computorizado, aumenta as taxas de identificação e de aconselhamento. 3. Os programas de formação e apoio devem ser adaptados às necessidades e atitudes dos profissionais. 4. A possibilidade de ajuda de especialistas nesta área pode ajudar a aumentar a actividade dos profissionais de cuidados de saúde primários e secundários pois, caso ocorram dificuldades, o médico terá ao seu dispor o apoio e a referência a um especialista na área da alcoologia. 8. Implementação de programas de identificação e de intervenção breve 8.1 Quais são as condições para o envolvimento efectivo dos profissionais de cuidados de saúde primários na identificação e intervenção breve para o consumo de risco e nocivo de álcool ao nível dos cuidados primários? Os médicos de família relatam dificuldades na gestão de problemas relacionados com o consumo de álcool (Anderson et al. 2003). Estes profissionais são pouco activos na procura de informações sobre o consumo de álcool dos seus doentes, encaram a redução dos níveis de consumo de álcool como um assunto de menor importância para a saúde e consideram-se pouco preparados e pouco efectivos no aconselhamento dos seus doentes com vista à diminuição dos consumos de álcool, em comparação a outras áreas preventivas, tais como a dependência de tabaco, controlo do peso e promoção do exercício físico (Saunders & Wutzke 1998). Entre as razões citadas com maior frequência, relativas ao escasso envolvimento, estão a falta de tempo, formação inadequada, receio de antagonizar os doentes, a incompatibilidade percepcionada entre as intervenções breves no álcool e o contexto de cuidados de saúde primários e a crença de que todas as pessoas dependentes de álcool não respondem às intervenções (Roche & Richard 1991; Roche et al. 1991; Roche et al. 1996; Richmond & Mendelsohn 1996; McAvoy et al. 1999; Kaner et al. 1999a; Cornuz et al. 2000; Aalto et al. 2001; Kaariainen et al. 2001). Dados provenientes de um estudo da OMS sobre a implementação de intervenções breves para o consumo de risco e nocivo de álcool indicam que menos de metade dos médicos dos cuidados de saúde primários em nove países geriu sete ou mais doentes com problemas de álcool no ano anterior (Anderson et al. 2003, quadro 8.1.). Somente dois quintos receberam quatro ou mais horas de formação e educação na área do álcool, e só cerca de um quarto sentiram que trabalhavam com rede de apoio para praticarem intervenções breves. Quatro quintos dos médicos sentiram-se seguros para realizar este tipo de intervenção, e somente um quarto se sentiu motivado para o efeito. 5. Existem argumentos financeiros e de saúde que indicam que as entidades financiadoras dos serviços de saúde devem proporcionar fundos para a implementação de programas de identificação e intervenção breve no consumo de álcool de risco e nocivo, ao nível dos cuidados de saúde primários. 6. A adequação dos serviços para o consumo de risco e nocivo de álcool nos cuidados de saúde primários devem ser regularmente monitorizados pelo instrumento de avaliação desenvolvido pelo projecto PHEPA. 138 139 8. Implementação de programas de identificação e de intervenção breve 8. Implementação de programas de identificação e de intervenção breve Quadro 8.1 Actividades e experiências relativamente aos problemas relacionados com o álcool dos médicos dos cuidados de saúde primários nos países seleccionados País Gestão de 7 Teve 4 ou ou mais mais horas doentes com de educação problemas na área do álcool relacionados com o álcool no ano anterior Trabalha num meio que o médico considera ter uma rede de apoio Sentiu-se seguro no aconselhamento dos doentes sobre o consumo de risco e nocivo de álcool Sentiu-se empenhado no aconselhamento aos doentes sobre o consumo de álcool de risco e nocivo Austrália 44.3% 47.7% 33.0% 83.0% 28.4% Bélgica 41.9% 22.6% 36.6% 82.8% 21.5% Canadá 55.0% 53.3% 25.4% 88.8% 29.0% Inglaterra 32.6% 46.9% 47.6% 80.8% 19.2% França 57.8% 27.7% 18.7% 81.9% 33.1% Itália 44.0% 38.0% 20.6% 82.7% 32.7% Nova Zelândia 39.0% 44.1% 14.3% 86.0% 29.4% Noruega 55.4% 49.4% 29.4% 88.1% 25.6% Portugal 54.9% 62.7% 25.9% 74.5% 27.5% Total 46.6% 43.1% 27.1% 83.9% 27.1% Fonte: Anderson et al. (2003). Os médicos que receberam mais formação na área do álcool, e que estão a trabalhar num contexto em que consideram ter uma rede de apoio, sentem-se mais seguros e empenhados neste género de intervenções, e geriram mais doentes com este tipo de problemas no último ano (Anderson et al. 2003). Definiu-se a existência de rede de apoio como a presença de materiais de aconselhamento e identificação, formação na área do álcool e o apoio especializado na gestão de casos difíceis. 8.2 Quais são as estratégias para que os profissionais de cuidados de saúde primários se envolvam de forma sustentada na identificação e intervenção breve do consumo de álcool de risco e nocivo? Uma revisão sistemática das intervenções desenhadas para envolver os profissionais dos cuidados de saúde primários na gestão dos problemas do álcool, utilizando a metodologia Cochrane de Prática Efectiva e a Organização de Grupos de Cuidados (EPOC) (Freemantle et al. 1995; Bero et al. 2002), descobriu em quinze programas que as intervenções baseadas na educação e 140 e na prática clínica aumentam entre 13 e 15% o envolvimento dos médicos dos cuidados de saúde primários na identificação e intervenções breves quando comparado com a prática habitual ou com a intervenção mínima (Anderson et al. 2004a), Quadro 8.2. Quadro 8.2 Impacto do apoio educacional com base na prática clínica nas taxas de aconselhamento sobre o consumo de álcool de risco e nocivo pelos médicos dos cuidados de saúde primários Controlo Intervenção Taxas de Identificação 35% 46% Taxas de Aconselhamento 27% 42% Fonte: Anderson et al. (2004a) A formação e a disponibilidade de materiais de apoio baseados na prática clínica parecem ter efectividade semelhante, aumentando esta efectividade na presença de ambas. Não há evidência de que o apoio mais intenso seja melhor que um menos intenso. Os programas mais promissores foram aqueles que tiveram um foco específico no álcool e também os que combinaram as intervenções educacionais com as baseadas na prática clínica (Quadro 8.3). Quadro 8.3 Descrição dos 15 programas1 Estudo Intervenção Medida de resultados Dimensão da amostra2 Dimensão do efeito3 (95% CI) Unidade de análise que mede o desempenho do prestador de cuidados Kaner et al. (1999b)4 Específico do consumo de álcool em Inglaterra Uma visita educacional externa monofacetada Rastreio de pelo menos um doente num período de implementação de doze semanas C=43 I=43 0.47 (-0.38-1.32) Uma visita educacional externa multifacetada e seis contactos telefónicos educacionais Rastreio de pelo menos um doente num período de implementação de doze semanas C=43 I=42 1.15 (0.25-1.05) 141 8. Implementação de programas de identificação e de intervenção breve 8. Implementação de programas de identificação e de intervenção breve Dimensão da amostra2 Dimensão do efeito3 (95% CI) Rastreio de pelo menos um doente num período de implementação de doze semanas C=320 I=213 0.82 (0.17-1.46) Um programa de intervenção de marketing pessoal externo monofacetado Rastreio de pelo menos um doente num período de implementação de doze semanas C=320 I=196 1.25 (0.63-1.86) Workshop de treino de um dia, com 3 sessões de reforço de 3 horas Desempenho em entrevistas médicas padronizadas; média do processo e medidas de conteúdo C=28 I=26 0.42 (-0.33-1.17 Rastreio de pelo menos 20% dos doentes elegíveis num período de implementação de doze semanas C=22 I=38 Aconselhamento de pelo menos 10% dos doentes em risco num período de implementação de doze semanas C=22 I=38 Rastreio de pelo menos 20% dos doentes elegíveis num período de implementação de doze semanas C=60 I=69 Estudo Intervenção Medida de resultados Lock et al. (2000a)4 Específico do consumo de álcool em Inglaterra Um programa de intervenção de telemarketing monofacetado Lockyer (1996) Específico do consumo de álcool no Canadá Gual et al. Uma visita educacional não publicado4,5 externa multifacetada e Específico seis contactos do telefónicos educacionais consumo de álcool Pas et al. Inédito4,5 Específico do consumo de álcool 142 Uma visita educacional externa multifacetada e seis contactos telefónicos educacionais Estudo McCormick et al. Específico4,5 do consumo de álcool Intervenção Seis contactos telefónicos educacionais monofacetados 1.37 (0.12-2.61) 1.27 (0.07-2.47) 0.46 (-0.39-1.31) Adams et al. (1998) Específico do consumo de álcool nos EUA Reuniões educacionais multifacetadas e intervenções orientadas para o doente realizadas no consultório Gomel et al. Uma visita (19984) educativa externa Específico monofacetada do consumo de álcool na Austrália Dimensão da amostra2 Dimensão do efeito3 (95% CI) Aconselhamento de pelo menos 10% dos doentes em risco num período de implementação de doze semanas C=60 I=69 0.43 (-0.35-1.21) Rastreio de pelo menos 20% dos doentes elegíveis num período de implementação de doze semanas C=39 I=37 0.13 (-0.79-1.35) Aconselhamento de pelo menos 10% dos doentes em risco num período de implementação de doze semanas C=39 I=37 0.36 (-0.57-1.28) Doente recebeu, em média, aconselhamento médico em 15 passos, medidos na entrevista de saída ao doente C=145 I=201 2.56 (1.99-3.13) C=18427 I=26248 0.79 (0.74-0.84) C=3807 I=6066 0.42 (0.29-0.55) Medida de resultados Número de doentes elegíveis rastreados Número de doentes em risco aconselhados pelo CG/MF num período de implementação de doze semanas 143 8. Implementação de programas de identificação e de intervenção breve 8. Implementação de programas de identificação e de intervenção breve Estudo Dimensão da amostra2 Dimensão do efeito3 (95% CI) C=18427 I=24926 1.10 (1.05-1.15) Número de doentes em risco aconselhados pelo CG/MF durante um período de implementação doze semanas C=3807 I=6231 1.02 (0.89-1.15) Número de doentes em risco aconselhados pelo CG/MF durante um período de implementação doze semanas C=750 I=1127 Uma visita educativa externa multifacetada, e seis contactos telefónicos educacionais Número de pacientes em risco aconselhados pelo CG/MF durante doze semanas de implementação C=750 I=1654 Mudança organizacional monofacetada no desenho de expedientes médicos pré impressos com espaços em branco para anotar o consumo de álcool Registos completados pelos médicos durante um ano após a mudança C=189 I=201 Intervenção organizacional monofacetada orientada ao clínico; aumenta a duração da consulta Proporção de registos dos doentes com registo do consumo de álcool Intervenção Medida de resultados Uma visita Número de doentes educativa externa elegíveis rastreados multifacetada, e 3 telefonemas educacionais Kaner et al. (1999b4) Específico do consumo de álcool em Inglaterra Rodney et al. (1985) EUA Geral Wilson et al. (1992) Reino Unido Geral 144 Uma visita externa educacional monofacetada 0.27 (0.09-0.46) 0.33 (0.16-0.51) Estudo Intervenção Medida de resultados Dimensão da amostra2 Dimensão do efeito3 (95% CI) Wilson et al. (1992) Reino Unido Geral Intervenção organizacional monofacetada orientada pelo médico; aumenta a duração da consulta Proporção de doentes aconselhados acerca do consumo de álcool C=1884 I=956 0.42 (0.09-0.75) Bonevski et al. (1999) Austrália Geral Intervenção monofacetada mediada pelo doente; auditoria e feedback; memorandos Doentes classificados pelo médico nos seus registos como consumidores de risco ou nocivo de álcool C=750 I=675 0.51 (0.22-0.80) Borgiel et al. (1999) Canadá Geral Workshop educativo monofacetado com líderes de opinião Doentes inquiridos pelo médico acerca do consumo de álcool durante um ano depois da intervenção C=1254 I=1141 0.26 (0.10-0.43) Todos os estudos foram aleatorizados e controlados, à excepção do de Wilson et al. (1992), que foi controlado clinicamente. 1 0.88 (0.19-1.57) C, número no grupo de controlo: I, número no grupo de intervenção. 2 Foi aplicado o logaritmo dos odds ratio a todos os estimadores da dimensão do efeito; as proporções foram estimadas a partir dos dados de Lockyer (1996); os números são dimensões do efeito com intervalos de confiança de 95%. 3 4 Parte do Estudo de Fase III da OMS, acerca da disseminação e implementação da identificação e de programas de intervenções breves nos cuidados de saúde primários (Anderson 1996; Monteiro & Gomel 1998). Dados recolhidos de uma análise realizada em Funk et al. (2005). Fonte: Anderson et al. (2004a) 5 C=2910 I=1411 1.08 (0.63-1.53) 145 8. Implementação de programas de identificação e de intervenção breve 8. Implementação de programas de identificação e de intervenção breve Os resultados foram semelhantes aos encontrados noutros estudos que visaram mudar a atitude dos prestadores de cuidados de saúde. Numa revisão sobre visitas em ambulatório que incluiu diversos componentes, incluindo materiais escritos e conferências, e no qual os comportamentos alvo foram maioritariamente as práticas de prescrição, foram encontrados efeitos positivos entre 15 e 68%, a favor do grupo de intervenção em 12 de 13 ensaios de intervenções combinadas (Thomson O’Brien et al. 2002), particularmente para todas as visitas em ambulatório que combinaram uma abordagem de marketing social. Nos três ensaios em que as visitas externas foram comparadas a um grupo de controlo sem intervenção, a melhoria relativa variou de 24% para 50%. Na sua revisão de intervenções para melhorar os serviços clínicos preventivos nos cuidados primários Hulscher et al. (2002) descobriram que cinco comparações de educação em grupo versus grupo sem intervenção mostraram mudanças absolutas dos serviços de prevenção, que variaram entre -4% e +31% e catorze comparações de intervenções multifacetadas versus não intervenção, que revelaram mudanças absolutas dos serviços de saúde preventivos, variando entre –3% e +64%. Três dos quinze estudos da revisão sistemática continham dados sobre custos e relação custo-efectividade (Quadro 8.4). Ao nível do profissional de saúde, o custo de implementação aumentou com o aumento do nível de apoio. Ao nível do doente, o custo por doente aconselhado aumentou ligeiramente com o aumento do nível de apoio no estudo australiano (Gomel et al. 1998), mas diminuiu no estudo inglês (Kaner et al. 1999b). Wutzke et al. (2001) calcularam a relação custo-efectividade dos dados australianos e calcularam que não existiam diferenças significativas nos custos por ano de vida ganho entre o grupo de controlo e os grupos de apoio mínimo e máximo. Quadro 8.4 Dados de custo-efectividade Resultados ao nível dos profissionais de cuidados de saúde primários Custo por CG/MF proporcionando no mínimo uma intervenção Kaner et al. (1999b) Lock et al. (2000a) 146 Apenas materiais e instruções Uma visita educativa externa Uma visita educativa externa e seis contactos telefónicos de suporte Marketing postal Telemarketing Marketing pessoal UK£74.29 UK£92.80 UK£128.92 UK£28.33 UK£27.85 £127.90 Resultados ao nível do doente Gomel et al. (1998) Kaner et al. (1999b) Custo por doente aconselhado Custo por ano de vida ganho1 Só materiais e instruções Aus$3.51 Aus$645 Uma visita educativa externa Aus$2.16 Aus$581 Uma visita externa educativa e seis contactos telefónicos de apoio Aus$4.33 Aus$653 Só materiais e instruções UK£8.19 Uma visita educativa externa UK£6.02 Uma visita educativa externa e seis contactos telefónicos de apoio UK£5.43 1 Dados de Wutzke et al. (2001). Fonte: Anderson et al. (2004a) 8.3 Qual é a evidência a favor da adaptação do apoio dado a cada pessoa para que os profissionais de cuidados de saúde primários participem na identificação e intervenções breves ao nível do consumo de álcool de risco e nocivo? Um estudo da Organização Mundial de Saúde que testa o impacto da educação e do apoio no aumento das taxas de identificação e intervenções breves no consumo de risco e nocivo de álcool (Funk et al. 2005) demonstrou que as atitudes dos médicos ao sentirem-se confiantes e empenhados com o trabalho neste âmbito influenciaram o impacto do apoio e do treino (Anderson et al. 2004b). Os sentimentos de confiança e empenho foram medidos pelas respostas dadas na versão curta do SAAPQ – Short Alcohol and Alcohol Perception Questionnaire (Anderson & Clement 1987). A confiança mede a adequação, por exemplo: «I feel I can appropriately advise my patients about drinking and its effect»; e a legitimidade, por exemplo: «I feel I have the right to ask patients questions about their drinking when necessary». O empenho mede a motivação, por exemplo: «...pessimism is the most realistic attitude to take toward drinkers»; pela auto-estima para realizar a tarefa, por exemplo: «…all in all I am inclined 147 8. Implementação de programas de identificação e de intervenção breve 8. Implementação de programas de identificação e de intervenção breve to feel I am a failure with drinkers»; e pela satisfação profissional, por exemplo: «in general, it is rewarding to work with drinkers». As atitudes iniciais dos médicos condicionaram o modo como o treino, o apoio, a identificação e as intervenções breves influenciaram as mudanças de atitudes subsequentes. O treino e o suporte aumentaram apenas as taxas de identificação e de intervenções breves dos médicos que já se sentiam confiantes e empenhados, Quadro 8.5. Quadro 8.5 Odds ratio (95% IC) do impacto do treino e apoio nas taxas de identificação e realização de intervenções breves na presença de níveis elevados e baixos de segurança na baseline, e níveis elevados ou baixos de empenho na baseline. Confiança Inicial Empenho Inicial Taxas Elevadas de Identificação Taxas Elevadas de Intervenções Breves Baixo 0.8 (0.3-1.3) 1.3 (0.5-2.1) Alto 4.3 (2.1-6.5) 4.7 (2.3-7.1) Baixo 1.3 (0.5-2.1) 2.1 (0.9-3.3) Alto 3.5 (0.5-2.1) 3.4 (1.7-5.1) Fonte: Anderson et al. (2004b) Tanto a confiança como o empenho se deterioraram ao longo do estudo. A disponibilidade de apoio não melhorou a confiança e o empenho subsequentes, e para aqueles que já estavam inseguros e pouco empenhados, os níveis de confiança e empenho deterioraram-se, Quadro 8.6. A experiência de identificação e de intervenções breves não aumentou a confiança e o empenho. Para os indivíduos que já eram inseguros, a experiência das intervenções breves só piorou a sua confiança. Quadro 8.6 Odds ratio (95% IC) do impacto do treino e apoio, taxas elevadas de identificação e de intervenções breves no aumento da confiança e empenho aos 6 meses de follow-up, na presença de sentimentos iniciais de confiança e empenho elevados e baixos. 148 Confiança Aumentada Empenho Aumentado Confiança Inicial Odds Ratio (95% IC) Empenho Inicial Odds Ratio (95% IC) Treino e apoio Baixo 0.2 (0.03-0.4) Baixo 0.5 (0.1-0.9) Alto 2.0 (0.8-3.2) Alto 1.2 (0.4-2.0) Taxas Elevadas de Identificação Baixo 2.2 (0.5-3.9) Baixo 0.8 (0.2-1.4) Alto 1.1 (0.4-1.8) Alto 1.9 (0.7-3.1) Taxas Elevadas de Intervenções Breves Baixo 0.5 (0.1-0.9) Baixo 0.8 (0.2-1.4) Alto 1.8 (0.7-2.9) Alto 1.0 (0.4-1.6) Fonte: Anderson et al. (2004b) Assim, na ausência de confiança e empenho o impacto dos programas de base profissional e organizacional diminui consideravelmente. Embora a importância de aquisição de experiência em lidar com problemas do álcool num contexto com apoio tenha sido enfatizada como um elemento crucial para garantir o empenho profissional para a detecção e gestão dos problemas do álcool, o impacto de tal apoio não alcançará todo o seu potencial, a menos que se tenham em consideração as respostas emocionais dos médicos. 8.4 Os financiadores dos serviços de saúde devem alocar fundos para o desenvolvimento de programas de identificação e intervenções breves no consumo de álcool de risco e nocivo, ao nível dos cuidados de saúde primários? O consumo de álcool de risco e nocivo é uma das causas mais importantes de incapacidade e morte prematura na Europa, originando gastos consideráveis no sector da saúde e prejuízo para adultos e crianças. Apesar da elevada relação custo-efectividade das intervenções disponíveis para reduzir o consumo de álcool de risco e nocivo, estas são pouco utilizadas pelos doentes, e raramente se encontram integradas na prática clínica rotineira dos clínicos. Tem sido estimado que por cada 1.000 doentes atendidos por um médico dos cuidados primários custaria em média 1644€ por ano à União Europeia para iniciar e manter um programa de identificação e intervenção breve. O aconselhamento médico breve com 25% de cobertura poderia salvar 91 anos de morbilidade e morte prematura por cada 100 000 habitantes, ou 9% de todas as situações de morbilidade e morte prematura causadas pelo álcool. Com um custo anual de 1960€ em morbilidade e morte prematura prevenidas, as intervenções breves para o consumo de álcool de risco e nocivo nos cuidados de saúde primários estão entre as intervenções médicas mais baratas que produzem ganhos de saúde. 149 8. Implementação de programas de identificação e de intervenção breve Para combater as deficiências no uso de intervenções efectivas para a redução do consumo de álcool de risco e nocivo, para aumentar o envolvimento do sector da saúde na oferta destas intervenções, e para reduzir o peso económico gerado pelo álcool no sector da saúde, os financiadores dos cuidados de saúde primários devem assegurar que o apoio dado à implementação destas recomendações é feito de forma completa. 8.5 Quais são as ferramentas disponíveis para avaliar a adequação dos serviços? A etiologia e a história natural das perturbações relacionadas com o álcool são em grande parte explicadas por factores comportamentais, ambientais e do decurso da vida (McLellan et al. 2000; Bacon 1973; Öjesjö 1981; Edwards 1989; Moos et al. 1990). As perturbações clínicas do uso de álcool podem ser descritas como de resposta ambiental (Curran et al. 1987; Pattison et al. 1977; Humphreys et al. 2002) pois respondem rapidamente a políticas ambientais, tais como o preço do álcool e a regulamentação da acessibilidade ao álcool (Bruun et al. 1975; Edwards et al. 1994; Babor et al. submetido para publicação); também respondem rapidamente a intervenções (Klingemann et al. 1992; Blomqvist 1998) cujo impacto poderia ser maior na presença de políticas ambientais efectivas. Tem sido argumentado que as intervenções sistémicas deveriam fazer parte da resposta da saúde pública aos problemas do álcool, e também deveriam estar disponíveis e ser facilmente acessíveis e económicas (Heather 1995; Humphreys & Tucker 2002); em particular, as intervenções dirigidas a consumidores de risco e nocivo de álcool deveriam estar amplamente disseminadas (Institute of Medicine 1990). O projecto PHEPA desenvolveu um instrumento para avaliar a adequação dos programas de intervenções breves no consumo de álcool de risco e nocivo (PHEPA 2005). Este instrumento é composto por cinco dimensões que podem apoiar a implementação dos programas de intervenção breve, definidos e estruturados pela Ottawa Charter para a promoção da saúde nos sistemas de saúde pública, estruturas de apoio, competências pessoais, acção comunitária e cuidados de saúde. Em particular, este instrumento avalia a dimensão dos sistemas de cuidados de saúde, que inclui os cinco domínios de organização dos cuidados de saúde, apoio para a realização de intervenções, disponibilidade de intervenções efectivas, realização de intervenções efectivas pelos clínicos e experiência de intervenções efectivas por parte dos doentes. O instrumento proporciona uma medida dos serviços para gerirem o consumo de álcool de risco e nocivo, identificando áreas onde os serviços poderão necessitar de desenvolvimento ou reforço, coloca à disposição um mecanismo de monitorização dos serviços ao longo do tempo; permite a partilha de informação e exemplos práticos entre países e regiões; e oferece um mecanismo 150 8. Implementação de programas de identificação e de intervenção breve de parceria para a discussão e partilha de uma visão de gestão dos serviços que abordem o consumo de álcool de risco e nocivo. Referências Aalto, M., Pekuri, P. & Seppa, K. (2001) Primary health care nurses’ and physicians’ attitudes, knowledge and beliefs regarding brief intervention for heavy drinkers. Addiction, 96, 305-11. Adams, A., Ockene, J., Wheller, E., & Hurley, T. (1998) Alcohol advice giving: physicians will do it. Journal of General Internal Medicine 13, 692-698. Anderson, P. & Clement, S. (1987) The AAPPQ Revisited. 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Wutzke, S.E., Shiell, A., Gomel, M.K. and Conigrave, K.M. (2001) Cost effectiveness of brief interventions for reducing alcohol consumption. Social Science & Medicine, 52, 863-70. 9. Avaliação do dano provocado pelo álcool e pela dependência de álcool Resumo do Capítulo Avaliação do dano provocado pelo álcool e pela dependência de álcool Os doentes com consumo de álcool de risco e nocivo, e aqueles com suspeita clínica de consumo lesivo ou dependência podem beneficiar da avaliação adicional. Um instrumento de primeira linha é o Teste de Identificação dos Transtornos do Uso de Álcool (AUDIT) de dez itens da Organização Mundial de Saúde. Pontuações no AUDIT iguais ou superiores a 20 são indicativas de dependência de álcool (embora a dependência possa ocorrer com pontuações menores), e apontam para a necessidade de referenciar estes pacientes para um especialista para avaliação diagnóstica e tratamento. A dependência de álcool pode ser medida com o módulo de dependência de álcool da Entrevista Diagnóstica Internacional (CIDI). Esta entrevista contém sete questões para medir a dependência de álcool, em que uma resposta positiva a quatro ou mais questões faz o diagnóstico de dependência. Níveis elevados de GGT e de aminostransferases, TDC e VGM são frequentemente devidos ao álcool. Visto que estes testes se realizam rotineiramente, como parte de uma bateria de testes bioquímicos, a presença de um nível elevado deve alertar o clínico para um possível diagnóstico de um consumo de álcool nocivo ou de uma dependência de álcool. Abordagem dos sintomas de privação As pessoas que estão fisicamente dependentes de álcool têm elevada probabilidade de desenvolver síndromes de privação alcoólica entre 6 a 24 horas depois do consumo da última bebida. O diazepam é recomendado como um tratamento de primeira linha na abstinência devido à sua efectividade e semi-vida relativamente prolongada. O regime terapêutico standard inclui doses regulares de diazepam durante dois a seis dias, devendo ser interrompido após o sexto dia, para evitar o risco de dependência. Abordagem da Dependência de Álcool Algumas pessoas com dependência de álcool recuperam por si mesmas, e nem todas as pessoas com este tipo de dependência requerem um tratamento especializado, embora muitas pessoas necessitem fazê-lo. Os indivíduos com dependência de álcool podem ser abordados nos cuidados de saúde primários se: concordarem em ficar abstinentes mesmo quando pensam que não são dependentes de álcool; se recusarem ser referenciados para um centro especializado; e se não tiverem comorbilidades psiquiátricas, médicas ou sociais graves. As pessoas com dependência do álcool devem ser 154 155 9. Avaliação do dano provocado pelo álcool e pela dependência de álcool referenciadas para um tratamento especializado quando: tenham ocorrido tratamentos prévios sem sucesso; quando existem graves complicações ou risco de sintomas de abstinência moderados a graves; quando há evidência de comorbilidade médica ou psiquiátrica grave; e quando o tratamento não pode ser gerido pela equipa de cuidados primários. Os tratamentos especializados nesta área incluem abordagens comportamentais e farmacoterapia. O treino de competências sociais, a abordagem do reforço da comunidade, e a terapia comportamental conjugal estão entre os métodos de intervenção mais efectivos, particularmente quando a sua ênfase recai na capacidade individual de parar ou reduzir o consumo através da aprendizagem de competências de auto-gestão, incremento da motivação e do reforço do sistema de suporte pessoal. Também são efectivos o acamprosato e o antagonista opiáceo naltrexona. Metodologias que visem a educação, a confrontação, o susto, o insight sobre a natureza e as causas da dependência alcoólica, bem como a frequência obrigatória dos Alcoólicos Anónimos não são efectivas. Existe pouca evidência no sentido da melhoria dos resultados globais do tratamento com o envolvimento dos doentes em diferentes tipos de tratamentos. Não é claro qual é o melhor modelo para a relação entre os cuidados de saúde primários e os serviços especializados, embora pareça que o tratamento integrado entre os cuidados primários e os serviços especializados é melhor do que quando os dois serviços estão separados. O follow-up pode reduzir o risco de recaída e por isso é importante que os médicos dos cuidados de saúde primários mantenham o contacto a longo prazo com os doentes tratados para a dependência do álcool que já não estão em contacto com os serviços especializados nesta área. Tal como foi descrito no Capítulo 1, o objectivo destas orientações é resumir a evidência dos danos causados pelo uso excessivo de álcool e como realizar a identificação e as intervenções breves para o uso de álcool de risco e nocivo nos cuidados de saúde primários. Estas orientações não pretendem ser um manual para o tratamento da dependência de álcool. Porém, este capítulo descreve brevemente a dependência de álcool e como pode ser abordada, de modo a que os profissionais de cuidados cuidados de saúde primários saibam o que esperar quando doentes mais difíceis são referenciados para ajuda especializada. 156 9. Avaliação do dano provocado pelo álcool e pela dependência de álcool O tratamento deverá ser personalizado ou seja diferentes doentes terão diferentes abordagens. É necessário identificar os problemas subjacentes e associados, mesmo que a relação causal não seja clara. Em segundo lugar, para desenvolver a relação e a comunicação é utilizada uma entrevista de avaliação. Se o médico revelar empatia e cortesia para com o doente e proporcionar um sentimento de esperança e optimismo, o doente provavelmente toma uma postura menos defensiva, e pode aceitar mais facilmente a possibilidade de mudança. Neste processo de partilha, o feedback por parte do médico pode encorajar o doente a ver a sua situação com uma nova perspectiva. A avaliação é o início da terapia, e é importante que se entendam as implicações que isto tem para os doentes e suas famílias. A abordagem médica deve ser positiva mas realista. Os princípios da avaliação A avaliação é uma das oportunidades mais precoces que o médico tem para envolver e manter o doente em tratamento. O tratamento intensivo para os problemas de álcool deve começar com uma avaliação abrangente para que possa ser seleccionada a intervenção mais apropriada. A avaliação deve ser ajustada à medida que se vão obtendo os resultados do tratamento para manter o doente motivado. A avaliação deve conduzir a objectivos de tratamento em comum acordo com o doente. O plano de tratamento deve basear-se na intervenção mais efectiva para o doente e não apenas no tipo de tratamento tradicionalmente administrado. É preferível que o paciente seja informado sobre a variedade de opções de intervenção disponíveis localmente e seja ajudado a decidir conscientemente qual a intervenção que melhor responde às suas necessidades. A avaliação deve continuar ao longo do tratamento, de acordo com a evolução clínica do paciente face às metas de tratamento acordadas. Este processo de avaliação deve combinar uma variedade de técnicas de recolha de informação sobre o doente, incluindo entrevistas clínicas, questionários padronizados, exames médicos e/ou testes bioquímicos. 9.1 O propósito da avaliação Pode ser recolhida muita informação através de uma entrevista aberta semi-estruturada, usando uma exploração guiada da experiência subjectiva do doente sobre o consumo de álcool. Esta abordagem tem a vantagem de proporcionar o envolvimento do médico de forma pessoal e dirigida ao doente. Ainda assim, deverá manter uma estrutura objectiva evitando uma discussão vaga e sem direcção da história do doente. A avaliação deve enfatizar a situação actual do doente. O conhecimento de informação acerca das experiências anteriores é útil na clarificação de como o doente chegou à sua situação actual e as razões da manutenção de pensamentos e comportamentos desajustados. Contudo, a avaliação deve ser orientada para a aquisição de informação que auxilie o ajustamento do tratamento ao doente. O propósito da avaliação A avaliação tem duas funções importantes. Primeiro, ajudar o doente e o médico a partilhar a definição dos objectivos do tratamento e do plano de tratamento. Compromisso do doente com o tratamento O compromisso do doente pode ser visto em termos de intensidade e duração da sua participação no tratamento. Níveis elevados de compromisso predizem 157 9. Avaliação do dano provocado pelo álcool e pela dependência de álcool no tratamento que por sua vez dependem das características do doente, (por exemplo a motivação pré-tratamento, níveis de consumo de álcool pré-tratamento) e as experiências de tratamento: intensidade da relação terapêutica, percepção sobre a ajuda dos serviços de tratamento, empatia do médico, remoção de barreiras como o transporte, e a inclusão do treino de prevenção de recaídas (Fiorentine et al 1999; Joe et al 1999). As características dos médicos e a relação terapêutica são também cruciais para envolver o doente no tratamento (Ritter et al 2002). A percepção do doente acerca das diferenças entre as metas e o seu presente estado podem melhorar a motivação para a mudança (Miller 1995). Do ponto de vista motivacional, é mais efectivo reconhecer as metas do doente que insistir num conjunto particular de metas (Miller 1987) e pode produzir melhores resultados (Sanchez Craig 1990). Existe também evidência de que oferecer ao doente opções de escolha de tratamento melhora a adesão ao mesmo. (Rokke et al 1999). 9.2 Métodos de Avaliação 158 9. Avaliação do dano provocado pelo álcool e pela dependência de álcool usando um cut-off de 8 pontos (Barry et al. 1993). Alterando o cut-off para mais de 11 pontos condicionou num expectável decréscimo da sensibilidade para 40% e num aumento da especificidade para 96%. O desempenho deste instrumento modificou-se radicalmente quando os investigadores procuraram classificar um problema ligado ao álcool em qualquer ponto da vida do doente. Nestas condições, o AUDIT apresentou uma sensibilidade de 46% e 30% e uma especificidade de 90% e 97%, usando como cut-off os 8 e os 11 pontos, respectivamente (Barry et al. 1993). Outros investigadores mostraram que o AUDIT teve uma sensibilidade de 63% e 93%, e uma especificidade de 96% e 96%, respectivamente, para o diagnóstico de dependência em qualquer ponto da vida ou na actualidade (Isaacson et al. 1994). O AUDIT não mostrou um desempenho compatível com um teste de rastreio no estudo de Schmidt et al. (1995). Neste estudo, o AUDIT apresentou uma sensibilidade de 38% e uma especificidade de 95% para o diagnóstico de dependência em qualquer ponto da vida. Estes resultados são semelhantes aos obtidos por Morton et al. (1996) com um cut-off de 8 pontos numa população com mais de 65 anos. Neste estudo, o AUDIT teve uma sensibilidade de 33% e uma especificidade de 91%. O AUDIT mostrou ainda desempenhos variáveis com o sexo e a etnia dos doentes (Steinbauer et al. 1998). Com um cut-off de 8 pontos, o AUDIT mostrou uma sensibilidade de 70% a 92% com uma especificidade de 73% a 94%, baseando-se a variação no sexo e na etnia. O teste dos Transtornos do Uso do Álcool como um instrumento de avaliação Um instrumento de primeira linha é o Teste de Identificação de Transtornos do uso de Álcool de dez itens, da Organização Mundial de Saúde (Babor et al 2001) (ver Capítulo 5). O AUDIT não foi só desenhado para detectar os problemas de álcool menos graves, como o consumo de risco de álcool de risco e nocivo, mas também os problemas da dependência de álcool. O consumo de risco de álcool é sugerido por elevadas pontuações em três itens, na ausência de elevadas pontuações nas perguntas restantes. Pontuações elevadas noutros quatro itens sugerem um uso nocivo de álcool, e altas pontuações nos restantes três itens implicam a presença da dependência de álcool. Pontuações de 8 ou mais no AUDIT predizem um risco futuro de envolvimento num consumo com prejuízos físicos e sociais e a utilização dos cuidados de saúde. Pontuações no AUDIT que variam entre 16 e 19, correspondem a um consumo de álcool considerado de risco nocivo, que pode ser abordado através de uma intervenção breve e monitorização continuada, estando indicada uma avaliação diagnóstica adicional se o doente não responder favoravelmente à intervenção ou se há suspeita de uma possível dependência de álcool. Pontuações de 20 ou mais no AUDIT indicam dependência de álcool e os doentes podem ter de ser referenciados para um especialista para a confirmação do diagnóstico e tratamento. Exame Objectivo O exame objectivo é por vezes útil na detecção do consumo nocivo crónico de álcool. Para este efeito foram desenvolvidos métodos de rastreio clínico (Babor et al. 1985). Estes incluem a observação dos tremores das mãos, a presença de telangiectasias no rosto, e alterações das membranas mucosas (e.g., conjunctivites) e cavidade oral (e.g., glossite). As características do AUDIT como instrumento de rastreio para a dependência alcoólica variam, por um lado com o cut-off usado para determinar resultados positivos, por outro se o objectivo for diagnosticar essa dependência em qualquer momento da vida do doente ou apenas na actualidade. Por exemplo, num estudo, o AUDIT teve uma sensibilidade de 61% e uma especificidade de 90% para a detecção de um problema relacionado com o álcool na actualidade Hiperémia Conjuntival O tecido conjuntival ocular é avaliado tendo em conta o grau de engurgitamento e icterícia das escleróticas. O exame deve ser efectuado com luz natural pedindo ao doente para olhar à vez para cima e para baixo enquanto se puxa respectivamente a pálpebra superior para cima e a inferior para baixo. Em A Entrevista de Diagnóstico Internacional (CIDI) A CIDI inclui uma entrevista estruturada para diagnosticar a dependência de álcool, Quadro 9.1 (World Health Organization 2002a). A pontuação da dependência de álcool (varia de 0-7) e é equivalente ao número de respostas positivas dadas a sete questões de sintomas (World Health Organization 2002b). As Questões 1.1 e 6.1 não são utilizadas na pontuação. Uma pontuação de três é considerada uma situação provável de dependência de álcool e uma pontuação de quatro ou mais uma situação de dependência de álcool. 159 9. Avaliação do dano provocado pelo álcool e pela dependência de álcool condições normais deve-se observar distribuição homogénea da cor branca da esclerótica. A presença de ingurgitamento capilar reflecte-se na presença de elementos vasculares com coloração tipo vinho do Porto e a icterícia pela coloração amarelo-esverdeada da esclera. Alteração da vascularização da pele É melhor avaliada pelo exame da face e do pescoço. Nestas áreas podem muitas vezes ser observadas finas arteríolas vasodilatadas com uma coloração avermelhada. Outros sinais de ingestão alcoólica crónica incluem a aparência do pescoço em “pele de ganso” e manchas amareladas na pele. Tremor das Mãos Deve ser observado com os braços em extensão anterior, semiflectidos nos cotovelos, com as mãos em pronação. Tremor da Língua Dever-se-á avaliar com ligeira procidência da língua, mas não excessivamente. Hepatomegalia As alterações hepáticas devem ser avaliadas em termos de volume e consistência. O aumento do volume pode ser medido em termos de número de dedos abaixo do rebordo costal. A consistência pode ser classificada como normal, firme, dura ou pétrea. Quadro 9.1 Entrevista Internacional de Diagnóstico (CIDI) para medir a dependência de álcool. 1 Nos últimos 12 meses alguma vez ter bebido ou estar "de ressaca" interferiu com o seu trabalho na escola, trabalho ou em casa? 1 Sim 2 Não 1.1 Se sim, com que frequência no último ano? 1 Uma ou duas vezes 2 Entre 3 a 5 vezes 3 Entre 6 a 10 vezes 4 Entre 11 a 20 vezes 5 Mais de 20 vezes 160 9. Avaliação do dano provocado pelo álcool e pela dependência de álcool 2 Nos últimos 12 meses esteve sobre a influência de álcool numa situação em que se pudesse magoar como durante a condução de carro ou barco, usando objectos cortantes, ou armas de fogo, ou máquinas ou outro instrumento qualquer? 1 Sim 2 Não 3 Durante os últimos 12 meses teve problemas emocionais ou psicológicos por consumir álcool – tal como sentir-se desinteressado, deprimido, desconfiado das pessoas, paranóide ou tendo ideias estranhas? 1 Sim 2 Não 4 Durante os últimos 12 meses teve uma grande urgência ou desejo de beber de forma a não conseguir controlar a ingestão da bebida? 1 Sim 2 Não 5 Durante os últimos 12 meses, teve um período de um mês ou mais em que tenha passado um grande período a beber ou sobre o efeito do álcool? 1 Sim 2 Não 6 Durante os últimos 12 meses, teve mais consumos do que pretendia ou bebeu durante mais tempo do que pretendia? 1 Sim 2 Não 6.1 Se sim, com que frequência no último ano? 1 Uma ou duas vezes 2 Entre 3 a 5 vezes 3 Entre 6 a 10 vezes 4 Entre 11 a 20 vezes 5 Mais de 20 vezes 7 Durante os últimos 12 meses houve um tempo em que tinha de beber muito mais que o habitual para obter o efeito desejado? 1 Sim 2 Não 161 9. Avaliação do dano provocado pelo álcool e pela dependência de álcool Testes Laboratoriais g-glutamyl transferase (GGT) Enquanto a GGT pode aumentar na ausência de lesão hepática (Wu et al. 1976; Majumdar et al. 1991), também tende a ser o primeiro teste com valores elevados face a existência de lesão hepática induzida pela dependência de álcool (Rosalki 1984). Associado a alterações nas aminotransferases, albumina e bilirrubina e coagulação, a magnitude da elevação do teste pode ser utilizada como indicador geral da presença e gravidade da lesão hepática, apesar dos níveis de GGT poderem diminuir nos casos de cirrose avançada. Entre 5% a 20% das pessoas dependentes com um fígado histologicamente normal mostram um aumento de GGT, comparado com mais de 90% das pessoas dependentes de álcool com cirrose (Wu et al. 1976; Majumdar et al. 1991; Moussavian et al. 1985; Matsuda et al. 1993). A elevação da GGT pode também ser um sinal de outras complicações físicas do uso do álcool: os consumidores excessivos que têm elevados níveis de GGT têm maior probabilidade de sofrer de hipertensão do que aqueles que bebem a mesma quantidade mas com resultados normais de GGT (Hashimoto et al. 2001). Tem sido demonstrado que a GGT funciona como um predictor independente da pressão sanguínea futura e pensa-se que um aumento da GGT é um marcador de maior susceptibilidade para os efeitos do álcool sobre a pressão arterial (Yamada et al. 1989; 1991). Além de detectar a patologia actual, demonstrou-se que os níveis de GGT são predictores de morbilidade e da mortalidade futura. Ficou também demonstrado que a GGT é um predito de mortalidade por todas as causas em três grandes coortes no sexo masculino (Peterson et al. 2003; Hood et al. 1990; Wannamethee et al.1995; Brenner et al. 1997). No estudo comunitário de Malmö, Suécia, os valores da GGT no decil superior foram preditivos das hospitalizações nos 4 a 7 anos seguintes (Kristenson 1987). A GGT é um predictor do desenvolvimento subsequente de hipertensão (Miura et al 1994; Conigrave et al 1995; Lee et al. 2002), independente do consumo de álcool na baseline, de diabetes, e de AVC isquémico (Jousilahti et al. 2000). As mulheres grávidas que têm valores elevados de GGT são mais susceptíveis de terem bebés com síndrome alcoólica fetal (Halmesmaki et al. 1986), apesar da sensibilidade em predizer esta condição é de apenas 50% (para uma especificidade de 80%) em mulheres grávidas que bebem mais do que 100g de álcool por semana (Sarkola et al 2000). A GGT é utilizada regularmente (Persson & Magnusson 1989; Anton et al. 2002) para monitorizar a resposta ao tratamento. Tipicamente uma redução nos níveis de GGT torna-se aparente a partir da primeira semana de redução ou suspensão do consumo de álcool, e será mais significativa pelo fim do primeiro mês (Monteiro & Masur 1986). Tipicamente os níveis da GGT reduzem para metade do normal em 5-17 dias de abstinência (Lamy et al 1974). A descida para valores normais é mais demorada nas pessoas dependentes, com uma semi-vida de 26 dias (Orrego et al 1985). Os níveis da GGT habitualmente sobem 162 9. Avaliação do dano provocado pelo álcool e pela dependência de álcool 20%-30% acima do valor normal em doentes dependentes que têm recaídas (Anton et al 1996; Anton et al 2002; Irwin et al 1988). A GGT foi empregue tanto como método principal de rastreio e também como um instrumento de intervenção no estudo de Malmö, Suécia (Kristenson 1987; Kristenson et al 1983). Os homens de meia-idade com níveis de GGT no decil superior foram distribuídos aleatoriamente no grupo de tratamento ou no grupo de controlo. No grupo de tratamento os homens receberam aconselhamento, e foram informados da relação existente entre os níveis elevados da GGT e o consumo de álcool. A cada 3 meses os resultados da GGT foram transmitidos ao doente juntamente com uma entrevista motivacional. O grupo de intervenção apresentou uma redução significativa de absentismo laboral por doença e nos dias de hospitalização, e uma redução não significativa da mortalidade em comparação com o grupo de controlo (Kristenson 1987; Kristenson et al 1983). Do mesmo modo a GGT foi utilizada com sucesso como um componente de rastreio e intervenção no estudo de Tromsø, na Noruega (Nilssen 1991). Clinicamente, o feedback dos resultados dos testes ao sangue é útil para motivar os doentes a alterar o seu padrão de consumo e para encorajar os doentes que fizeram progressos, apesar de nenhum estudo ter estabelecido a magnitude do ganho quando se faz unicamente o aconselhamento. As aminotransferases AST e ALT A AST (previamente conhecida como SGOT, transminase glutamico-oxaloacetica) e ALT (também conhecida como SGPT, transaminase glutâmico pirúvica) são indicadores sensíveis de lesão das células hepáticas (Pratt & Kaplan 2000). Como a GGT, as aminotransferases não aumentam com um único episódio de consumo excessivo de álcool (Devgun et al 1985; Nemesanszky et al 1988; Freer & Statland 1977). As aminotransferases são menos sensíveis do que a GGT na detecção de consumos excessivos de álcool. Como a GGT, as aminotransferases actuam quer como marcadores do consumo de álcool, quer como indicadores de lesão hepática relacionada com o consumo de álcool. Volume Globular Médio (VGM) O VGM é um teste que se efectua tão comummente, que existe a oportunidade de ser usado na procura oportunista de casos. Aproximadamente 3-5% dos pacientes em ambulatório têm valores elevados de VGM e o álcool é a causa mais comum desse facto. (Seppa et al 1996). Devido à sua lenta resposta às mudanças no consumo, o VGM é geralmente inadequado como um marcador de progresso a curto prazo (Po et al 1990; Monteiro & Masur 1986). Álcool O álcool pode ser determinado, por rotina, no sangue, na urina ou na expiração (Helander 2001; Eggers et al. 2002). O tempo de detecção é limitado a horas, e uma única determinação pode não diferenciar entre um longo ou breve uso excessivo, embora os valores elevados possam ser úteis na determinação da tolerância ao álcool (Jones 1994; Helander 2001). O álcool dissolve-se na água 163 9. Avaliação do dano provocado pelo álcool e pela dependência de álcool corporal total e o seu volume de distribuição é considerado como sendo igual à água corporal. O volume total de água corporal depende da idade, do peso e do género, e é maior no homem do que na mulher (aproximadamente 50-60% do peso corporal total no homem versus 45-55% do peso corporal na mulher) (Kyle et al. 2001). Logo, quando um homem e uma mulher com pesos iguais e idades aproximadas consomem a mesma quantidade de álcool, a concentração do álcool será maior na mulher por ter um volume de água corporal inferior. Cerca de 85% do álcool que entra no corpo é metabolizado no fígado por oxidação enzimática. Por hora são metabolizadas aproximadamente 7g de álcool, o equivalente a uma bebida por hora. A concentração de álcool no sangue ou na respiração tornou-se o sistema padrão para medir as concentrações de álcool no sangue. A maioria das leis sobre o álcool específica que seja usada a proporção de álcool no sangue para medir o nível de intoxicação. Os níveis de álcool no sangue (NAS) e a concentração de álcool no sangue, (CAS) são calculados utilizando o peso do álcool em miligramas e o volume do sangue em decilitros. Isto resulta numa CAS que pode ser expressa como uma proporção (i.e. 100 mg por decilitro ou 1.0 g por litro), ou como uma percentagem (i.e. 0.10% álcool). 5-HTOL O 5-hidroxitriptofol, um metabolito da serotonina, é excretado na urina principalmente sob a forma conjugada com o ácido glucurónico. A síntese do 5-HTOL aumenta de forma dramática após a ingestão alcoólica devido a interacções metabólicas, e o aumento dos seus níveis na urina persiste durante algum tempo (> 5-15 horas dependendo da quantidade ingerida) após a ingestão ter cessado. Este efeito bioquímico pode ser usado para detectar a ingestão alcoólica recente (Helander & Eriksson 2002). Nem todos os laboratórios de análises clínicas têm disponível o seu doseamento. Etil Glucoronido (EtG) O EtG é um metabolito não volátil, hidrossolúvel, estável, directo do álcool que pode ser detectado em vários fluídos coporais, tecidos e no cabelo. O EtG pode ser detectado logo após a ingestão alcoólica, mesmo em pequenas quantidades. Pode determinar a ingestão até 80 horas após a eliminação completa do álcool do corpo (OMS/ISBRA Study on State and Trait Markers od Alcohol Use and Dependence 1997). Nem todos os laboratórios de análises clínicas têm disponível o seu doseamento. Aductos Acetaldeído-Proteína e Anticorpos O etanol é metabolizado em acetaldeído pela álcool desidrogenase, seguido da conversão em acetato pela aldeído desidrogenase. As concentrações séricas de acetaldeído durante o metabolismo do álcool são habitualmente muito baixas (na ordem do micromolar ou mesmo inferior). O acetaldeído pode reagir com grupos de aminoácidos livres nas proteínas para produzir os aductos acetaldeído-proteína, da mesma forma que ocorre a formação de glicoproteínas 164 9. Avaliação do dano provocado pelo álcool e pela dependência de álcool a partir da glicose (Braun et al., 1997). A sensibilidade destes aductos como marcadores da ingestão de álcool foi avaliada num pequeno número de estudos usando diversas abordagens analíticas (Sillanaukee et al. 1992; Li net al. 1993; Hazelett et al. 1998), cujos resultados variaram entre os 20 e os 80%. Nem todos os laboratórios de análises clínicas têm disponível o seu doseamento. 9.3 Abordagem da Sindrome de Privação As pessoas que estão fisicamente dependentes do álcool experimentam muitas vezes sintomas de privação 6 a 24 horas depois da última ingestão. A síndrome de privação começa à medida que se vai reduzindo o NAS, e pode manifestar-se clinicamente antes do NAS chegar a zero (Yost 1996; Foy et al 1997). A síndrome de privação é geralmente auto-limitada e resolve-se sem complicações em 5 dias com uma intervenção mínima ou mesmo sem intervenção. Todavia, isto depende do padrão individual de consumo, da frequência, duração e quantidade. Enquanto para a maioria dos indivíduos a síndrome de privação é breve e sem consequências graves, noutras pessoas aumenta de gravidade das primeiras 48 às 72 horas de abstinência. O paciente torna-se mais vulnerável ao stress psicológico e físico ao longo deste período. Sintomas de Privação do Álcool Podem ocorrer quando a pessoa tem um NAS significativo. O NAS não tem de ser zero para que ocorra a síndrome de privação pois verificou-se que uma proporção significativa de indivíduos dependentes de álcool manifesta sintomas associados à abstinência antes do NAS atingir o nível zero. Os cuidados a prestar ao doente não devem ser tomados apenas com base no NAS. Devem ser utilizadas escalas de nível de gravidade da abstinência de álcool para medir o nível dos sintomas de abstinência de álcool do doente. A gravidade da síndroma de privação também depende do número de bebidas consumidas por dia, do número total e da gravidade dos episódios de abstinência anteriores, do consumo de sedativos não terapêuticos e hipnóticos, e da existência de comorbilidades. As convulsões induzidas pela abstinência podem ocorrer de 12 a 48 horas depois da última ingestão de álcool. Um doente com uma história prévia de convulsões por abstinência de álcool deve ser medicado com fármacos para a privação, de preferência com diazepam oral ou, em casos selecionados, por via endovenosa. Alguns doentes têm alucinações, que podem ocorrer durante qualquer estádio da fase de abstinência. Uma pequena percentagem de doentes em abstinência alcoólica pode experimentar delírios durante as primeiras 24 a 48 horas de abstinência. O delirium tremens é de longe a complicação mais grave, da síndroma de privação, que geralmente ocorre entre 48 a 96 horas após o último consumo de álcool, devendo ser monitorizada. Os doentes em risco de sofrer de síndrome de Wernicke-Korsakoff devem ser tratados com 100mg de tiamina endovenosa antes de qualquer ingestão de glucose. 165 9. Avaliação do dano provocado pelo álcool e pela dependência de álcool Variedade de contextos de abordagem da privação de álcool A abordagem da síndroma de privação em casa é apropriada quando não existem sinais de privação grave, inexistência de episódios de privação prévios, existência de uma rede de apoio familiar ou amigos que podem ajudar na assistência e vigilância da pessoa, e inexistência de comorbilidades médicas ou psiquiátricas. Na abordagem em ambulatório da abstinência os doentes podem frequentar um serviço de saúde, tipicamente de forma diária, para que se faça a avaliação e para receberem a medicação indicada para a síndrome de privação. Este tipo de gestão é apropriado para doentes que não têm uma privação grave óbvia, ou antecedentes de síndroma de privação grave, e sem comorbilidades médicas ou psiquiátricas conhecidas, e/ou um ambiente familiar desfavorável. Diazepam É recomendado como “gold standard” e como tratamento de primeira linha para a síndroma de privação devido à sua semi-vida relativamente longa e à sua efectividade. Pode ser administrado em bólus na dose de 20mg a cada duas horas até ao desaparecimento dos sintomas de privação ou até o doente estar sedado após o que doses subsequentes são habitualmente desnecessárias. Contudo, o regime terapêutico mais frequentemente utilizado (terapêutica com horário fixo) consiste em doses regulares de diazepam durante dois a seis dias. Pode ser iniciada com 10mg a cada seis horas durante dois dias. Caso seja necessário podem ser administradas duas doses adicionais de 10mg. A dose é depois reduzida de forma gradual nos dias seguintes e deve ser suspensa no sexto dia, para evitar o risco de dependência. Não está recomendada a administração de álcool, barbitúricos, betabloqueantes, clonidina, acamprosato e ácido gama-hidroxibutirato na síndroma de privação. O clormatiazole não está recomendado como fármaco de primeira linha podendo ser útil, contudo, nos doentes com sintomas de privação graves. Os fármacos anticonvulsivantes não devem ser usados por rotina uma vez que não provaram ser efectivos na prevenção das complicações da síndroma de privação, como por exemplo nas convulsões. No entanto, os anticonvulsivantes devem estar disponíveis para os doentes que tomam este tipo de medicação por outros motivos. A administração de sedativos major ou medicação antipsicótica deve estar reservada para os doentes com alucinações e sintomas paranóides que ocorram durante a síndroma de privação e que apresentem resposta insuficiente à terapêutica convencional. A persistência dos sintomas psicóticos sob terapêutica pode necessitar de uma avaliação psiquiátrica. Os fármacos devem ser usados em conjunto com uma escala de avaliação da síndroma de abstinência e armazenados num local que impeça o acesso do doente a eles. Todos os doentes com síndrome de privação alcoólica devem receber diariamente tiamina e uma preparação oral multi-vitamínica durante uma semana. 166 9. Avaliação do dano provocado pelo álcool e pela dependência de álcool 9.4 Tratamentos não farmacológicos da dependência de álcool Características dos Profissionais de saúde As características dos Profissionais de saúde no tratamento dos danos associados ao consumo de álcool têm recebido menor atenção do que outras variáveis como o tipo de intervenção e os doentes. A dificuldade de se estudar a efectividade da intervenção dos médicos tem contribuído para esta falta de investigação (Caroll 2001). Porém, existe alguma evidência que sugere que a efectividade da intervenção é mediada pelas características dos médicos. Ter competências interpessoais tem estado forte e consistentemente associado a uma elevada efectividade da intervenção (Finney & Moss 2002; Najavits & Weiss 1994). Najavits et al. (2000) encontraram um efeito marcado dos diversos estilos médicos sobre os resultados das intervenções comportamentais. Os doentes dos médicos com maiores competências interpessoais, menos confrontativos ou mais empáticos tiveram os melhores resultados (Najavits & Weiss 1994). As diferenças na efectividade dos médicos não foi atribuída ao treino, à orientação do tratamento ou à experiência (Miller et al 1993). Quando um estilo de apoio é comparado com um confrontativo, este último está associado ao aumento da resistência do doente e a maiores níveis de consumo de álcool (Miller et al 1993). De facto, quanto mais o médico confronta o doente, mais o doente bebe. De acordo com uma meta-análise que incluiu, mas que não se limitou aos resultados de estudos de perturbações por uso de substâncias, os efeitos do médico nos resultados dos tratamentos diminuiu com o aumento da adesão à terapêutica (Crits-Cristoph 1991). Os médicos que estabelecem uma relação próxima e de apoio com o doente, e os que mostram empatia, têm maior probabilidade de conseguir melhores resultados. Os médicos devem desenvolver uma abordagem organizada para a gestão dos doentes, mantendo registos clínicos detalhados, o que ajuda na antecipação de dificuldades e torna mais fácil a planificação e prática de métodos para lidar com as situações críticas antes de acontecerem. Aconselhamento O aconselhamento geral e as competências associadas são eficazes para orientar pessoas que têm problemas com o álcool. As competências de aconselhamento como a escuta e a empatia devem constituir a base de qualquer relação terapêutica. Contudo, o aconselhamento geralmente não é suficiente para alterar os comportamentos de consumo de álcool, devendo ser apoiado por técnicas mais específicas. As duas metas principais do aconselhamento são, em primeiro lugar, ajudar os doentes a gerir os seus problemas e para desenvolver recursos não utilizados e aproveitar melhor as oportunidades, e, em segundo lugar, ajudar os doentes a auto-gerirem melhor no seu dia-a-dia. Entrevista Motivacional É um procedimento que foi introduzido por Miller e Rollnick (1991). Estes autores definem a entrevista motivacional como um método directivo centrado no doente para aumentar a motivação intrínseca para mudar, através da 167 9. Avaliação do dano provocado pelo álcool e pela dependência de álcool exploração e resolução de ambivalências (Miller & Rollnick 2002). O objectivo da entrevista motivacional é direccionar o doente no sentido da motivação para a mudança, ao elicitar motivos de mudança oriundos do próprio doente. Este tipo de entrevista centra-se no doente, salientando que a alteração do comportamento é voluntária, sendo o próprio doente responsável pelas suas decisões e pelos resultados da mudança de comportamento obtida. É directiva, visando a resolução da ambivalência. A entrevista motivacional é mais um método de comunicação do que um conjunto de técnicas, ou uma estratégia específica. Existem evidências que apoiam a efectividade da entrevista motivacional por si só como um tratamento efectivo para a dependência de álcool. Miller e Rollnick (2002) sugerem três processos gerais mediante os quais a entrevista motivacional pode produzir os seus efeitos: colaboração, evocação e autonomia. Uma relação de colaboração entre o médico e o doente é um elemento crucial da entrevista motivacional. O médico deve dar a entender que se trata de uma relação de parceria que proporcione mais apoio em vez de uma relação de persuasão ou coerção. A evocação refere-se ao papel que o médico desempenha na elicitação de recursos e motivação para a mudança oriundos do doente. A autonomia refere-se à independência e responsabilidade do doente para a mudança, que deve ser reafirmada e apoiada pelo médico. Existem quatro grandes princípios condutores subjacentes à entrevista motivacional: expressar empatia, desenvolver discrepância, aceitar a resistência e apoiar a auto-eficácia. Um estilo empático de abordagem é uma característica fundamental e definidora da entrevista motivacional. A empatia é considerada a pedra basilar da entrevista motivacional. A expressão da empatia refere-se a uma atitude de aceitação e respeito para com o doente e inclui reflectir sobre as preocupações de cada consumidor no que toca ao consumo nocivo de álcool. Um segundo princípio geral da entrevista motivacional é criar uma discrepância entre o comportamento actual do doente e os seus objectivos e valores globais. A noção de “desenvolver discrepância” está dirigida a esclarecer com o doente quais os objectivos de vida mais importantes e explorar as consequências de continuar a beber que entram em conflito com esses objectivos. A técnica de aceitar a resistência está relacionada com evitar a discussão visto que é contraproducente. Em vez disso, a resistência de um doente pode ser reenquadrada para criar dinâmica para a mudança. O último princípio da entrevista motivacional envolve o conceito de auto-eficácia que se refere à crença do indivíduo na sua capacidade para realizar uma tarefa específica com sucesso. As intervenções cognitivo-comportamentais O termo “cognitivo-comportamental” refere-se a uma abordagem que engloba várias estratégias e técnicas baseadas em princípios de aprendizagem, fundamentados na ideia de que modificar e reaprender um comportamento é influenciado pelo modo como cada pessoa se vê a si mesma e os outros. A maioria das abordagens terapêuticas que têm mostrado eficácia no tratamento 168 9. Avaliação do dano provocado pelo álcool e pela dependência de álcool das perturbações ligadas ao álcool caem dentro da grande rúbrica das abordagens cognitivo-comportamentais (Miller & Wilbourne 2002). Com base nas evidências que apoiam a efectividade das intervenções cognitivo-comportamentais (procedimentos e protocolos bem articulados para a sua aplicação, aceitação e popularidade), as intervenções cognitivo-comportamentais têm grande probabilidade de proporcionar uma base efectiva e prática para o tratamento do consumo nocivo e da dependência alcoólica. São aplicadas de modo a permitir o desenvolvimento da comunicação e confiança entre o médico e o doente, numa atmosfera empática e sem confrontação. Estas abordagens são compatíveis com outras intervenções, como as farmacológicas e as técnicas de entrevista motivacional. Treino de Competências O treino de competências é uma forma de intervenção cognitivo-comportamental. Corresponde a ensinar às pessoas competências sociais que as possam ajudar a funcionar sem o consumo de álcool. Existe evidência consistente de que o treino de competências ajuda a reduzir o consumo de álcool tanto a curto como a longo prazo entre os consumidores de risco e os indivíduos com dependência de álcool. Este tipo de intervenção pode ser usado para compensar os défices de competências que levaram à utilização de álcool como uma estratégia de coping. Também tem sido ligada ao modelo de prevenção de recaída de Marlatt e Gordon e pode ajudar os doentes a lidar com situações de alto risco (Marlatt & Gordon 1985). A prática do treino de competências é recomendada para os doentes que têm um elevado risco de recaída. O seu benefício é maior para os doentes que não têm as principais competências desenvolvidas, e deveria ser facultado a todos os doentes cujos médicos os percepcionam como não tendo essas importantes competências. Apesar de ser frequentemente difícil determinar quais são as competências que já se encontram desenvolvidas nos doentes sem uma avaliação apropriada, perguntar aos doentes quais são os seus problemas e como lidam com eles pode fazer emergir as áreas em que os doentes têm menos competências sociais. O treino de competências pode ser utilizado com doentes que estão orientados para a moderação do consumo ou a abstinência. Existem várias abordagens que podem ser apropriadas para uma mesma pessoa e muitas vezes são oferecidas combinações de abordagens de treino de competências. A intervenção escolhida deve estar coadunada às necessidades específicas do doente. O treino de competências sociais e de outras estratégias de coping requere algum compromisso por parte do doente, uma vez que estes métodos atingem melhores resultados quando o doente participa activamente na terapia e continua a praticar fora deste contexto. Um elemento chave do treino de competências é dividir o comportamento em diferentes passos, essencial para que ocorra aprendizagem de novas formas de comportamento, uma vez que a maioria dos comportamentos está enraizada e ocorre sem que as pessoas saibam o que estão a fazer. O treino de competências inclui: treino de competências de resolução de problemas; treino de competências para a 169 9. Avaliação do dano provocado pelo álcool e pela dependência de álcool 9. Avaliação do dano provocado pelo álcool e pela dependência de álcool rejeição da bebida; treino da assertividade; treino de competências comunicacionais; treino de relaxamento; e o treino de competências de gestão do stress. Auto-gestão Comportamental É uma intervenção de tratamento cognitivo-comportamental. O treino de auto-gestão comportamental envolve uma série de estratégias tais como: auto-monitorização, estabelecimento de limites de consumo de álcool, identificação das situações de consumo problemáticas; e auto-recompensa por conseguir limitar o consumo. Materiais auto-ajuda Estes materiais estão disponíveis para apoiar os indivíduos na mudança do comportamento problemático de consumo de álcool desde 1970 (Finfgeld 2000). Podem ser utilizados com outras intervenções terapêuticas, ou como uma intervenção independente. Existem muitos manuais de auto-ajuda disponíveis para os indivíduos com problemas de álcool que desejam parar ou diminuir os níveis de consumo sem a ajuda de profissionais (Ryder et al 1995; Sanchez Craig 1993). Existe a evidência de que a utilização destes manuais está associada a uma marcada redução na bebida (Spivak et al 1994; Sitharthan et al 1996). Os manuais de auto-ajuda têm sido reconhecidos como um complemento importante nas intervenções terapêuticas já que se podem dirigir a uma porção da população que normalmente não recebe tratamento. A utilização de materiais de auto-ajuda é mais apropriada para os indivíduos com um consumo de álcool nocivo dos que para aqueles que sofrem de dependência de álcool. Os livros de auto-ajuda podem ser utilizados quando há uma intervenção profissional, visto que tal melhora as mensagens transmitidas através de intervenções frente-a-frente mais formais. Estratégias Psicossociais de prevenção de recaídas são efectivas na redução do consumo, diminuem a gravidade das recaídas, e melhoram os resultados psicossociais. A prevenção de recaídas funciona bem quer no contexto de tratamento, em combinação com outros tipos de tratamento, quer em sessões de grupo ou individuais. A duração óptima e a intensidade de prevenção da recaída não são claras e podem variar de doente para doente com diferentes problemas e necessidades. Sendo a recaída um dos problemas mais importantes para quem tenta ultrapassar os comportamentos aditivos, abordar esta problemática é um aspecto essencial do tratamento e aquele que apresenta maiores dificuldades na área das dependências de substâncias e álcool. A taxa de recaída no primeiro ano após tratamento é substancial, cerca de 60%, quando se define a recaída como um retorno ao consumo problemático de álcool (Connors et al. 1996). A prevenção de recaídas visa manter a abstinência num longo período de tempo, ou a moderação do consumo de álcool, e ainda a redução da gravidade da recaída caso ocorra. O modelo conceptual de prevenção de recaídas encara a recaída como uma parte natural do processo de mudança: as recaídas são oportunidades para o 170 doente entender o seu comportamento e desenvolver novas competências para lidar com as situações de alto risco (Parks et al 2001). Tradicionalmente, a prevenção de recaídas refere-se ao modelo de prevenção de recaídas desenvolvido por Marlatt e colegas (Marlatt & Gordon 1985). Este modelo inclui uma variedade de técnicas cognitivas e comportamentais desenhadas para abordar cada passo do processo de recaída. Estas abordagens incluem estratégias de intervenção específicas que se focam nos determinantes imediatos da recaída, bem como em estratégias gerais de auto-gestão focadas nos antecedentes encobertos da recaída (Larimer & Marlatt 1999). Tanto as estratégias específicas como as globais classificam-se em três categorias principais: treino de competências, reestruturação cognitiva e equilíbrio do estilo de vida. Tais estratégias estão desenhadas para abordar os precursores imediatos da recaída e envolve o treino de competências de coping, testar as expectativas de resultados positivos associadas ao consumo de álcool e saber como lidar com as recaídas. A prevenção efectiva das recaídas também requer a abordagem de factores de recaída de longo prazo. 9.5 Efectividade dos tratamentos não farmacológicos na dependência de álcool O quadro 9.1, proveniente do estudo Mesa Grande, uma revisão sistemática, em constante actualização, sobre a efectividade dos tratamentos do consumo de risco e nocivo de álcool, classifica a efectividade de 48 modalidades distintas de tratamento (Miller y Wilbourne 2002). O Mesa Grande resume a evidência depois de ponderar os resultados dos estudos pela sua qualidade metodológica: quanto mais elevada é a classificação, maior é a qualidade do estudo. A classificação dos estudos também permitiu a atribuição de uma pontuação lógica de resultados para cada modalidade de tratamento. No Quadro 9.1 apresenta-se uma lista das modalidades de tratamentos Quadro 9.1 Efectividade dos tratamentos para o consumo de álcool de risco e nocivo. Modalidade de Tratamento PEC N Modalidade de Tratamento PEC 1. 2. 3. 390 189 34 18 8. 116 110 110 5 7 17 100 6 11. 12. 13. 14. 85 31 15. 16. 4. 5. 6. 7. Intervenção Breve Melhoria Motivacional GABA Agonista (Acamprosato) Reforço Comunitário Manual de auto mudança (Biblioterapia) Antagonista Opiáceo (por exemplo, naltrexona) Treino de Auto-controlo Comportamental 9. 10. Contracto Comportamental Treino de Competências Sociais Terapia Comportamental Conjugal Terapia Aversiva, Náusea Gestão de Casos Terapia Cognitiva Terapia Aversiva Sensibilização Terapia Aversiva, Apneica Terapia Familiar N 64 5 57 20 44 36 33 21 9 6 5 10 18 18 15 8 3 4 171 9. Avaliação do dano provocado pelo álcool e pela dependência de álcool 9. Avaliação do dano provocado pelo álcool e pela dependência de álcool Modalidade de Tratamento PEC N Modalidade de Tratamento PEC 17. Acupunctura 18. Aconselhamento centrado no cliente 19. Terapia Aversiva, Eléctrica 20. Exercício 21. Gestão do Stress 22. Antidipsotropico - Disulfiram 23. Antidepressivos - SSRI 24. Resolução de Problemas 25. Litio 26. Terapia de Casal – não comportamental 27. Psicoterapia de processo grupal 28. Análises Funcionais 29. Prevenção de Recaídas 30. Auto-monitorização 31. Hipnose 32. Medicação Psicadélica 14 3 5 8 -1 -3 -4 18 3 3 -6 -16 -26 -32 27 15 4 7 -33 8 -34 -36 -38 -39 -41 -44 3 3 22 6 4 8 33. Antidipsotropico Carbimida de Cálcio 34. Placebo de atenção 35. Agonista da Serotonina 36. Tratamento Usual 37. Terapia em doze passos 38. Alcoólicos Anónimos 39. Medicação Anxiolítica 40. Terapia Milieu 41. Antidipsotrópico Metronidazole 42. Medicação Antidepressiva 43. Auto-confrontação em vídeo 44. Treino de Relaxação 45. Aconselhamento Confrontativo 46. Psicoterapia 47. Aconselhamento Geral sobre alcoolismo 48. Educação (cassetes, conferências e filmes) N -52 -59 -68 -78 -82 -94 -98 -102 3 3 3 15 6 7 15 14 -103 -104 11 6 -108 -152 8 18 -183 -207 12 19 -284 23 -443 39 PEC = Pontuação de Evidências Cumulativas. N = Número total de estudos que avaliaram esta modalidade. Fonte: Miller & Wilbourne 2002 Como demonstrado no capítulo 6, as intervenções breves encabeçam a lista dos métodos de tratamento baseado na evidência, mesmo com as abordagens breves de cariz motivacional removidas para uma categoria separada. Os elevados valores das pontuações de evidência cumulativa (PEC) para estas duas categorias reflectem um número de estudos relativamente grande com uma elevada percentagem de resultados positivos. Para além do grande volume de estudos conduzidos, o PEC é aumentado pelo facto das intervenções breves serem frequentemente comparadas com um grupo de controlo sem tratamento. Devido às intervenções breves serem muitas vezes testadas com pessoas que não procuram tratamento para os problemas de álcool (por exemplo, identificado no contexto de cuidados de saúde primários como pessoas com níveis de consumo de álcool de risco), o PEC diminui quando são apenas considerados os estudos com populações que procuram tratamento. As abordagens de treino de competências comportamentais, apoiadas em ensaios clínicos, dominam a restante lista dos dez primeiros lugares de métodos de tratamento. Três destes tomam uma atenção particular à rede de apoio social do doente: treino de competências sociais, o reforço da comunidade e a terapia 172 comportamental conjugal. Dois componentes comuns e específicos da terapia comportamental, o contracto comportamental e a auto-monitorização, também surgem nos 10 lugares do topo da lista. A lista dos tratamentos com evidências mais robustas aponta para alguns temas gerais que podem caracterizar de forma mais efectiva as abordagens comportamentais. Existe um enfâse na capacidade da pessoa para parar ou para reduzir o consumo. Por vezes isto é conseguido mediante o ensino de técnicas de auto-gestão, outras encorajando a pessoa a utilizar os seus capacidades naturais. Existe ainda um enfâse na motivação da pessoa para a mudança, quer através do aumento da motivação intrínseca, da contratualização de comportamentos específicos, ou do rearranjo das contingências sociais de modo a favorecer a mudança. Deve ser prestada particular atenção ao contexto social e ao sistema de apoio do doente. Os tratamentos ineficazes incluem os desenhados para educar, confrontar, assustar, promover o insight sobre a natureza e as causas da dependência alcoólica, treino de relaxamento, psicoterapia comunitária bem como a frequência obrigatória dos Alcoólicos Anónimos. 9.6 Tratamentos Farmacológicos para a dependência do álcool Como está indicado no quadro 9.1, tanto o acamprosato (Agonista GABA) como a naltrexona (antagonista opiáceo) têm revelado melhorias dos resultados terapêuticos. Nos doentes que estão motivados para fazer uma medicação, ambos são potenciais instrumentos na prevenção de recaídas dos grandes consumidores e dos dependentes. Em alguns casos, a medicação permite um período crítico de sobriedade, durante o qual o doente pode aprender a viver sem álcool e a manter a abstinência sem a ajuda da medicação. O acamprosato visa a redução do consumo de álcool pela modulação da acção do glutamato no cérebro que está implicada nos sintomas de privação e nas recaídas motivadas por estímulos relacionados com experiências prévias de abstinência. A Naltrexona é um fármaco anti-craving que reduz as hipóteses de um lapso condicionar uma recaída. Actua sobre os receptores opiáceos do cérebro e leva a uma redução de alguns dos efeitos eufóricos do álcool. O acamprosato é moderadamente efectivo como terapia adjuvante na redução do risco de recaída a curto prazo. Este fármaco parece ser moderadamente efectivo como terapia adjuvante a longo prazo (até dois anos). A administração do acamprosato pode ser iniciada durante a abstinência de álcool, quando não são observadas interacções com a medicação da abstinência. A terapêutica com acamprosato deve ser iniciada na primeira semana após a abstinência. Os pacientes que recebem tratamentos que incluem estratégias para aumentar a adesão têm melhores resultados. 173 9. Avaliação do dano provocado pelo álcool e pela dependência de álcool A naltrexona é uma terapia adjuvante moderadamente efectiva na redução do risco de recaídas e do consumo de álcool a curto prazo. Esta substância pode ser mais efectiva na prevenção de recaídas dos grandes consumidores ou dos doentes problemáticos, do que na manutenção da abstinência. O uso da naltrexona em resposta ao craving pode ter utilidade na redução do risco de recaídas. A terapia de competências de coping em combinação com a naltrexona parece ser mais efectiva do que a terapia de apoio orientada para a abstinência na redução do risco de recaída e no consumo de álcool. A terapia das competências de coping pode ajudar os doentes a lidar com os lapsos. No entanto, a terapia de apoio com naltrexona pode produzir elevadas taxas de abstinência. Actualmente não existe evidência sólida que permita escolher entre o acamprosato e a naltrexona. 9.7 Qual é o tratamento mais adequado para cada paciente? O relatório de 1990 do Institute of Medicine of the US National Academy of Sciences defendeu fortemente a investigação para adaptar as terapêuticas aos doentes (Institute of Medicine 1990). Apesar de não existirem estudos acerca do efeito da personalização da terapêutica a populações com consumos de risco ou nocivo de álcool que não procuram tratamento ao nível dos cuidados de saúde primários, o projecto MATCH foi desenhado para testar a hipótese de que a personalização terapêutica poderia melhorar os resultados do tratamento em contextos especializados nos doentes com dependência de álcool e, em particular, para testar personalizações terapêuticas delineadas com base em resultados anteriores do mesmo género (Project MATCH Research Group 1993). O ensaio utilizou três tratamentos individuais que diferiram substancialmente em termos filosóficos e práticos: (1) uma Terapia de doze sessões de facilitaçao ̃ em doze passos desenhada para ajudar os doentes a integrar os Álcoolicos Anónimos; (2) uma Terapia Cognitivo-Comportamental de 12 sessões, desenhada para ensinar aos doentes competências de coping para prevenir recaídas; e (3) uma Terapia de Aumento Motivacional desenhada para aumentar a motivação e o compromisso de mudança, consistindo em quatro sessões dadas em 12 semanas. Um total de 1726 indivíduos, com grande variabilidade das características pessoais e severidade de problemas de álcool, foram distribuídos aleatoriamente pelos três tratamentos em nove comunidades nos Estados Unidos da América. Os três tratamentos foram testados em estudos paralelos em dois tipos de contextos: consulta externa e pós-tratamento. Foram recrutados 952 doentes de consulta externa (72% homens), e 774 doentes pós-tratamento (80% homens) imediatamente depois de um internamento ou de um dia de tratamento hospitalar intensivo. A priori foram 174 9. Avaliação do dano provocado pelo álcool e pela dependência de álcool colocadas hipóteses a partir de investigação prévia para predizer quais os indivíduos que responderiam melhor a cada terapêutica. Foram investigadas as seguintes características dos doentes: gravidade da relação com o álcool, limitações cognitivas, nível conceptual, género, procura de significado, disposição para a mudança, gravidade clínica psiquiátrica, suporte social para beber, sociopatia, classificação tipológica (Tipo A, Tipo B), dependência de álcool, raiva, personalidade antissocial, autonomia, diagnóstico psiquiátrico, frequência prévia dos Alcoólicos Anónimos, religiosidade, autoeficácia e funcionamento social. Foram feitas em todos os centros avaliações de resultados em intervalos de três meses durante os primeiros 15 meses de follow-up. Além disso, foram efectuados follow-up de 39 meses nos cinco centros de consulta externa. Os doentes nas três condições de tratamento revelaram grandes melhorias não só nas quantidades de álcool ingeridas, mas também em muitas outras áreas do funcionamento social (Project MATCH Research Group 1997a). A frequência do consumo diminui 4 vezes, de 25 dias de consumo por mês antes do tratamento para menos de 6 dias por mês depois do tratamento. O volume ingerido diminuiu 5 vezes, de aproximadamente 15 bebidas por dia antes do tratamento para aproximadamente três bebidas diárias após tratamento. Os doentes apresentaram diminuições significativas na depressão, nos problemas relacionados com o álcool e no uso de outras substâncias de abuso, bem como melhorias na função hepática. As melhorias que ocorreram durante o tratamento foram mantidas nos 12 meses após o fim do tratamento. O follow-up aos 39 meses da amostra de doentes em ambulatório indicou que continuavam a manter elevadas taxas de abstinência (Project MATCH Research Group 1998). O principal objectivo do projecto MATCH foi determinar se a adequação do tratamento às características do doente melhorava o resultado final. Contudo, das primeiras 10 variáveis de ajustamento, apenas uma das suposições a priori foi provada (doentes em ambulatório com ausência de problemas psicológicos ou com problemas psicológicos ligeiros tiveram mais dias abstinentes durante a maior parte do ano após o tratamento de facilitação em doze passos do que com a terapia cognitivo-comportamental), e foram encontradas relativamente poucas diferenças entre os três tratamentos (Project MATCH Research Group 1997a). Os resultados sugerem que a selecção dos doentes, pelo menos baseados nos atributos e tratamentos estudados no projecto MATCH, não são um pré-requisito para o sucesso do tratamento como antes se acreditava. Uma das razões apontadas para o projecto MATCH, provavelmente um dos ensaios clínicos psicoterapêuticos de maior dimensão e com maior potência estatística alguma vez realizado, não ter confirmado a hipótese de que o resultado global do tratamento era melhor quando a terapêutica era selecionada de acordo com as características do doente foi o facto de a intervenção mais potente ter sido a própria investigação (Stockwell 1999). É aceitável sugerir 175 9. Avaliação do dano provocado pelo álcool e pela dependência de álcool que, perante uma doença crónica como é a dependência alcoólica, em que as recaídas podem ser encaradas como agudizações da doença, a frequência de algumas sessões terapêuticas durante 12 semanas irão ter um menor impacto a longo prazo do que uma série de entrevistas de follow-up estrategicamente colocadas num período de 3 anos. Muitas das características daquilo que é considerada uma intervenção motivacional efectiva estão contidas num conjunto de entrevistas de investigação, como por exemplo, um enfâse acrítico no padrão de consumo recente e seus efeitos nocivos associados, e a expectativa de que isto se repita durante um grande período temporal. De facto, houve um, ainda que ligeiro, maior tempo de contacto (5 horas) no follow-up a 3 anos do que num dos tratamentos, a Terapia de Aumento Motivacional (Project MATCH Research Group 1997b). Embora a evidência não indique que certos doentes respondem melhor a determinados tratamentos, na prática os médicos adaptam o tratamento às características do doente. Os médicos utilizam muitas vezes critérios tais como a gravidade da dependência, a presença de comorbilidades ou outros problemas como os conjugais ou a falta de apoio social para envolver os doentes no tratamento. Ao fazer isto, os médicos asseguram que os tratamentos oferecidos consideram os factores associados ao problema com o álcool (Mattson 1994). Para além disso, o médico pode tomar a decisão em conjunto com o doente sobre a modalidade de tratamento. Pensa-se que se o doente contribuir na decisão do tipo de tratamento a receber, terá maior probabilidade de participar mais activamente no tratamento. Nesta situação os médicos descrevem as opções de tratamento disponíveis que melhor se adequam aos vários défices ou problemas identificados como estando associados ao padrão de consumo de álcool do doente, chegando ambos a um acordo sobre o tratamento que pode ser mais apropriado. 9.8 Qual é o papel dos cuidados primários na gestão da dependência de álcool? Algumas pessoas com dependência de álcool recuperam por si mesmas, e nem todas as pessoas com este tipo de dependência requerem um tratamento especializado, embora muitas pessoas necessitem de o fazer (Dawson et al 2005) (ver Capítulo 3). Os indivíduos com dependência do álcool podem ser geridos nos cuidados de saúde primários: se concordarem em fazer abstinência mesmo quando pensam que não são dependentes de álcool; se recusarem ser referenciados para um centro especializado; e se não tiverem comorbilidades médicas, psiquiátricas ou sociais graves. As pessoas com dependência do álcool devem ser referenciadas para um tratamento especializado: quando tenham ocorrido tratamentos prévios sem sucesso; quando existam complicações graves ou risco de sintomas de privação moderados a graves; quando há evidência de comorbilidade médica ou psiquiátrica grave; e quando o tratamento não pode ser gerido pela equipa dos cuidados primários. 176 9. Avaliação do dano provocado pelo álcool e pela dependência de álcool O melhor modelo para a articulação entre os cuidados primários e os serviços especializados não está ainda totalmente definido. Nos Estados Unidos da América parece que a integração dos cuidados primários com os tratamentos de adição dão melhores resultados do que quando são praticados em separado (Weisner et al 2001; Samet et al 2001). O follow-up pode reduzir o risco de recaída (Hilton et al 2001; Stout et al 1999), pelo que é provavelmente importante que os médicos dos cuidados primários mantenham contacto com os doentes que receberam tratamento para a dependência de álcool e que já não estão sob os cuidados dos especialistas da área. Referências Allaway, S. L., Ritchie, C. D., Robinson, D., Seear, T., Reznek, R., Fry, I. K. & Thompson, G. R. (1988) Detection of alcohol-induced fatty liver by computerized tomography. Journal of the Royal Society of Medicine, 81, 149.151. Anton, R. F., Lieber, C., Tabakoff, B. & Group, C. D. S. (2002) Carbohydrate-deficient transferrin and gammaglutamyltransferase for the detection and monitoring of alcohol use: results from a multisite study. Alcoholism, Clinical and Experimental Research, 26, 1215. 1222. Anton, R. F., Moak, D. H. & Latham, P. (1996) Carbohydrate- deficient transferrin as an indicator of drinking status during a treatment outcome study. 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(1996) Alcohol Withdrawal Syndrome. American Family Physician, 54 (2), 657-659. Porque se devem oferecer programas de identificação e de intervenção breve? Existem muitas formas de consumo de álcool que podem causar risco ou dano individual. Estas incluem níveis elevados de consumo diário, episódios repetidos de consumos esporádicos excessivos (“binge drinking”), consumo que de facto causa danos físicos ou mentais, e o consumo que resulta na dependência de álcool. O Consumo de Risco é um padrão de consumo de álcool que aumenta o risco de consequências prejudiciais para o consumidor ou para terceiros. O Consumo Nocivo refere-se ao consumo que resulta em consequências para a saúde física e mental. A Dependência de Álcool é um conjunto de fenómenos comportamentais, cognitivos e fisiológicos, que se desenvolve após repetidos consumos de álcool. O risco relacionado com o álcool está ligado ao padrão de consumo e à quantidade de consumos (ver Capítulo 4). Enquanto as pessoas com dependência de álcool são mais susceptíveis de incorrer em elevados níveis de danos, a maior parte destes danos associados ao álcool ocorrem entre pessoas que não são dependentes, quanto mais não seja porque são em muito maior número que os consumidores. Portanto, a identificação das pessoas que consomem álcool com vários tipos e graus de risco constitui um grande potencial para reduzir todos os tipos de danos relacionados com o álcool. É de grande importância para os programas de rastreio e intervenções breves o facto de que as pessoas que não são dependentes de álcool terem maior facilidade em reduzir ou parar o consumo de álcool, com assistência e esforço apropriados, comparando com as pessoas dependentes. Uma vez desenvolvida a dependência, suspender o consumo de álcool é mais difícil e pode requerer tratamento especializado. A identificação do consumo de álcool entre doentes nos cuidados de saúde primários permite informá-los sobre os riscos do uso excessivo de álcool. A informação sobre a quantidade e frequência do consumo de álcool pode orientar sobre o diagnóstico da actual condição do doente, e pode alertar os médicos para a necessidade de aconselhar aqueles cujo consumo de álcool pode interferir adversamente com o uso de certas medicações e com outros aspectos do seu tratamento. Identificação do consumo de álcool de risco e nocivo O consumo de álcool de risco e nocivo pode ser identificado de três modos: Questões de Quantidade/frequência (Q/F), que requerem que os doentes resumam a quantidade de álcool que consomem e a frequência com que bebem, seja num período específico de tempo (por exemplo, uma semana, um mês ou no último ano), seja em termos dos seus padrões de bebida “típicos” ou “usuais”, Figura A1. 182 183 Anexos Anexos Questões 0 Com que frequência bebe bebidas alcoólicas? Quantas bebidas alcoólicas consome num dia típico quando bebe? Nunca 1 ou 2 1 2 3 4 Mensal- 2 – 4 vezes 2 – 3 vezes mente ou num mês por semana menos 3 ou 4 5 ou 6 7 ou 9 4 ou mais vezes por semana 10 ou mais A versão completa do AUDIT, com dez itens, foi desenhada para identificar o consumo de álcool de risco e nocivo no contexto dos cuidados de saúde primários, Figura A3. O AUDIT é também fácil de pontuar. O classificador deve registar o número de cada resposta assinalada pelo doente. Todas as pontuações devem depois ser somadas. AUDIT Questões 0 2 3 4 Figura A1 Um exemplo de um questionário de Quantidade/Frequência. 1. Com que frequência consome bebidas alcoólicas? Se um doente afirmar que bebe duas a três vezes por semana, e 5 ou 6 bebidas num dia típico de consumo de álcool, o seu consumo médio é de 2.5 vezes 5.5, o que equivale, aproximadamente, a 14 bebidas por semana. 2. Quando bebe, quantas uma bebidas alcoólicas ou duas consome num dia normal? três ou quatro cinco ou seis 3. Com que frequência consome seis bebidas alcoólicas ou mais numa única ocasião? nunca menos de uma vez por mês pelo menos uma vez por mês pelo menos diariamente uma vez ou quase por semana diariamente 4. Nos últimos 12 meses, com que frequência se apercebeu de que não conseguia parar de beber bebidas alcoólicas depois de começar? nunca menos de uma vez por mês pelo menos uma vez vez por mês pelo menos diariamente uma vez ou quase por semana diariamente 5. Nos últimos 12 meses, com que frequência não conseguiu cumprir as tarefas que habitualmente lhe exigem por ter bebido bebidas alcoólicas? nunca menos de uma vez por mês pelo menos uma vez por mês pelo menos diariamente uma vez ou quase por semana diariamente 6. Nos últimos 12 meses, com que frequência precisou de beber bebidas alcoólicas logo de manhã para “curar” uma ressaca? nunca menos de uma vez por mês pelo menos uma vez por mês pelo menos diariamente uma vez ou quase por semana diariamente 7. Nos últimos 12 meses, com que frequência teve sentimentos de culpa ou remorsos por ter bebido? nunca menos de uma vez por mês pelo menos uma vez por mês pelo menos diariamente uma vez ou quase por semana diariamente O AUDIT-C, ou seja, as três primeiras questões do Alcohol Use Disorder Identification Test (AUDIT), Figura A2. O AUDIT-C é fácil de classificar. O classificador deve registar o número de cada resposta assinalada pelo doente. Depois são somadas as pontuações de todas as respostas. Questionário AUDIT – C e pontuação Questões 1. Com que frequência consome bebidas que contêm álcool? 2. Quando bebe, quantas bebidas contendo álcool consome num dia normal? 3. Com que frequência consome seis bebidas ou mais numa única ocasião? 0 1 2 3 4 nunca uma vez por duas a quatro duas a três quatro ou mês ou vezes por vezes por mais vezes menos mês semana por semana uma ou duas nunca três ou quatro menos de uma vez por mês cinco ou seis uma vez por mês de sete a nove dez ou mais uma vez diariamente por semana ou quase diariamente Score máximo é 12 e acima de 4 (maior ou igual a 5) no homem e acima de 3 (maior ou igual a 4) na mulher existe consumo excessivo de álcool. Até esses valores corresponde a baixo risco. nunca 1 uma vez duas a duas a quatro ou por mês quatro vezes três vezes mais vezes ou menos por mês por semana por semana de sete a nove dez ou mais Figura A2. Audit-C 184 185 Anexos Anexos Questões 8. Nos últimos 12 meses, com que frequência não se lembrou do que aconteceu na noite anterior por causa de ter bebido? 0 1 2 nunca menos de uma vez por mês pelo menos uma vez vez por mês 3 4 pelo menos diariamente uma vez ou quase por semana diariamente 9. Já alguma vez ficou ferido ou ficou alguém ferido por você ter bebido? não sim, mas não nos últimos 12 meses sim, aconteceu nos últimos 12 meses 10. Já alguma vez um familiar, amigo, médico ou profissional de saúde manifestou preocupação pelo seu consumo de bebidas alcoólicas ou sugeriu que deixasse de beber? não sim, mas não nos últimos 12 meses sim, aconteceu nos últimos 12 meses Níveis de risco e critérios de intervenção O Quadro A1 resume as intervenções adequadas aos diferentes níveis de risco. Quadro A1. Intervenções baseadas nos níveis de risco, para serem adaptadas de acordo com as avaliações e directrizes específicas de cada país. Nível de Risco Baixo De Risco* Pontuação do AUDIT: As perguntas 1 a 8 fornecem respostas numa escala de 0 a 4 pontos; e as respostas às perguntas 9 a 10 cotam-se com 0, 2 e 4 pontos. Os resultados expressam-se em valores entre 0 e 40. Figura A3. Audit Nocivo Como é que as questões ou os instrumentos de identificação devem ser administrados? Os questionários devem ser administrados como uma entrevista oral ou como um questionário de auto preenchimento. Um questionário de auto preenchimento é mais rápido, é mais fácil de aplicar, é compatível com a administração e pontuação por computador, e pode produzir respostas mais precisas. A aplicação por entrevista permite a clarificação de respostas ambíguas, pode ser administrado a doentes com fracas competências de leitura, e permite a iniciação de um aconselhamento breve. Ainda que os doentes com consumo de risco e nocivo de álcool possam ser identificados em qualquer altura, existem no mínimo quatro situações nas quais a identificação pode ser realizada: • • • • 186 Como parte do registo de um novo doente; Como parte de uma intervenção de rotina; Antes de prescrever uma medicação que interage com o álcool; Em resposta a problemas que devem estar relacionados com o álcool. Elevado (dependência de álcool) Critérios Consumo de Álcool (gramas/ semana) <280 g/s homens <140 g/s mulheres AUDIT-C <5 homens <4 mulheres AUDIT <8 Consumo de Álcool (gramas/ semana) 280-349 g/s homens 140-209 g/s mulheres AUDIT-C ≥5 homens ≥4 mulheres AUDIT 8-15 Consumo de Álcool (gramas/ semana) ≥350 g/s homens ≥210 g/s mulheres AUDIT 16-19 Presença de dano AUDIT ≥20 ICD-10 criteria Intervenções Papel do CSP Prevenção Primária Educação para a Saúde Conselho Simples Identificação, avaliação, conselho breve Conselho simples, mais aconselhamento breve e monitorização contínua Identificação, avaliação, aconselhamento breve, seguimento Tratamento Especializado Identificação, avaliação, referência, seguimento *Qualquer nível de consumo em mulheres grávidas, e em pessoas menores de 16 anos, ou com doença ou tratamentos incompatíveis com o consumo de álcool. Fonte: Anderson (1996). 187 Anexos Quem deve receber educação sobre o álcool? As pessoas cujo nível de risco é baixo podem beneficiar da informação sobre o consumo de álcool. Como o uso do álcool da maioria das pessoas varia com o tempo, uma pessoa que actualmente consome álcool com baixos níveis de risco, pode aumentar o seu consumo no futuro. Por outro lado, a publicidade da indústria do álcool e as mensagens dos media sobre os benefícios do consumo de álcool podem levar as pessoas abstémicas a beberem por razões de saúde, ou fazer com que os consumidores de baixos níveis de álcool passem a beber mais. Por conseguinte, algumas palavras no momento oportuno ou informação escrita sobre os riscos do consumo de álcool podem prevenir no futuro o uso de álcool de risco e nocivo. Os doentes devem também ser elogiados pelas suas práticas correntes de baixo-risco e lembrados que, se beberem, devem permanecer dentro destes níveis. A informação sobre o que constitui uma bebida padrão é essencial para entender estes limites (ver Capítulo 3). Pode demorar menos de um minuto a comunicar esta informação e a perguntar se o doente tem alguma questão. “Se beber, por favor não consuma mais do que duas bebidas por dia, e assegure-se sempre de evitar beber pelo menos dois dias da semana, mesmo quando bebe quantidades pequenas. É frequentemente útil prestar atenção ao número de “bebidas padrão” que consome, ter em mente que uma garrafa de cerveja, um copo de vinho, e uma bebida espirituosa, geralmente contêm a mesma quantidade de álcool. As pessoas que excedem estes níveis, aumentam as hipóteses de sofrerem de problemas de saúde relacionados com o álcool, como acidentes, lesões, aumento da pressão arterial, doenças do fígado, cancro e doenças cardíacas.” A quem deve ser prestado o aconselhamento simples? O aconselhamento breve é apropriado para pessoas cujo nível de consumo é de risco. Este tipo de aconselhamento deve ter os cinco elementos seguintes: Dar feedback ou retorno ao doente referindo que o seu padrão de consumo de álcool corresponde a consumo de risco. Também deve ser especificado o dano identificado pelo AUDIT e os sintomas presentes do doente, pondo ênfase na gravidade da situação. Proporcionar informação sobre os riscos específicos do consumo contínuo de álcool em níveis de risco e nocivo. Permitir que o paciente estabeleça uma meta de modo a alterar o comportamento de consumo de álcool. Aconselhar sobre os limites Muito provavelmente a maioria dos pacientes escolhe uma meta de consumo de baixo risco. De seguida necessitam de concordar em reduzir o seu consumo de álcool para esses “limites de consumo de baixo risco”. 188 Anexos Encorajar Os consumidores de risco não são dependentes de álcool e podem mais facilmente mudar o seu comportamento quanto às bebidas. O profissional de saúde deve motivar o doente repetindo-lhe a necessidade de reduzir o risco e encorajando-o a começar agora. As seguintes técnicas contribuem para a efectividade do conselho simples: Ser empático e não julgar Os profissionais de saúde devem reconhecer que os doentes muitas vezes não estão conscientes dos riscos do consumo de álcool e não devem ser culpados pelo seu desconhecimento. Visto que o consumo de risco geralmente não é uma condição permanente, mas um padrão que muitas pessoas ocasionalmente podem utilizar durante um determinado período de tempo, o médico deve sentir-se confortável em aceitar essa pessoa sem julgar o seu actual comportamento de consumo de álcool. Recorde-se que os doentes respondem melhor se verificarem preocupação por parte do profissional, e se houver aconselhamento no sentido da mudança. O julgar pode ter um efeito contraproducente face ao conselho emitido, e quem o dá pode ser rejeitado. Ser directivo Os profissionais de saúde têm uma autoridade especial devido aos seus conhecimentos e formação. Os doentes normalmente respeitam-nos por estes conhecimentos. Para beneficiarem desta vantagem os profissionais devem ser claros e objectivos quando comunicam aos doentes que estes estão a beber acima dos limites. Os doentes reconhecem que há uma sincera preocupação com a sua saúde e que esse facto justifica os conselhos bem fundamentados para interromper ou suspender o consumo de álcool. Evitar a negação Algumas vezes os doentes não estão prontos a mudar o seu comportamento de ingestão de álcool. Alguns doentes podem negar que bebem demasiado e assim resistir a qualquer sugestão de que devem reduzir o consumo. Para ajudar os doentes que ainda não estão preparados para mudar, devemos estar seguros de que falamos com firmeza sem sermos confrontativos. Evite ameaçar ou utilizar palavras pejorativas como “alcoólico”, em vez disso motive o doente dando-lhe informação e expressando preocupação. Se os resultados do rastreio indicam um nível elevado de consumo ou um problema relacionado com o álcool, utilize essa informação para pedir ao doente que explique a discrepância entre o que o profissional de saúde diz e a sua própria percepção da situação. Então, estará numa posição de sugerir que a forma como o utente percepciona o problema pode não ser a mais adequada e o próprio estar mais receptivo a aceitar uma outra perspectiva do problema e ficar menos resistente à possibilidade de reduzir os seus consumos. 189 , 4 , , > , 8 > Anexos " Anexos Facilitar Uma vez que o objectivo de proporcionar um conselho simples é facilitar a alteração do comportamento do doente, é essencial que o mesmo participe activamente no processo. Não é suficiente dizer apenas ao doente o que deve fazer, é mais efectivo fazer com que participe num processo de tomada de decisões conjuntas. Isto significa questionar sobre as razões do consumo e salientar os benefícios pessoais que se podem obter por não beber ou beber dentro de níveis de baixo risco. É de importância crítica que o doente opte por uma meta de consumo de baixo risco ou de deixar de consumir e que, no final deste processo, aceite tentar alcançar o objectivo. Existem três elementos essenciais do aconselhamento breve: ! C Dar conselhos breves ="! % Uma boa forma de começar o aconselhamento breve é seguir os mesmos procedimentos descritos anteriormente para o conselho simples para iniciar uma discussão sobre o álcool. Neste caso o doente é informado de que os resultados do rastreio indicam um! )+) %2! consumo actual de álcool nocivo. Os prejuízos específicos ? + $ (identificados a partir do AUDIT e dos sintomas do doente) devem ser realçados, e $ a gravidade da situação enfatizada. !*$! ! Avaliação e adaptação do aconselhamento à Fase de Mudança , As fases de mudança representam um processo que descreve como as pessoas ! $ 8>% pensam sobre, iniciam e mantêm um novo padrão de comportamento saudável. / As cinco fases resumidas na Caixa A1 correspondem a um elemento específico ? , S@ da intervenção breve. Um dos modos mais simples de avaliar a prontidão de um @T ,S. doente para a mudança do seu comportamento de ingestão de álcool é utilizar , KT) “A Régua da Prontidão”, na qual é pedido ao doente que classifique numa escala + de 1 a 10, “Quão importante é para si mudar o seu padrão de consumo de álcool?” (em que o 1 significa não importante e 10 muito importante). Seguimento O seguimento periódico de cada doente é essencial para a prática clínica sólida. Uma vez que os indivíduos que têm consumos de álcool de risco não têm ainda história de danos causados pelo álcool, o seu seguimento nem sempre requer serviços urgentes e/ou dispendiosos. Contudo, o seguimento deve ser programado conforme o grau de risco percepcionado, para assegurar que o doente possa alcançar as suas metas. Se um doente está a ser bem-sucedido, deve ser proporcionado um forte encorajamento, caso contrário, o profissional de saúde deve considerar o aconselhamento breve ou referenciar o doente para uma avaliação de diagnóstico. EG Não Importante Muito Importante Quais os doentes indicados para o Aconselhamento Breve? Estão indicados os doentes cujo nível de risco seja nocivo. O objectivo do aconselhamento breve é reduzir o risco de danos resultantes de um consumo excessivo de álcool. Como o doente pode já ter experimentado danos, o aconselhamento breve inclui a obrigação de informar o doente que esta acção é necessária para prevenir problemas de saúde relacionados com o álcool. O aconselhamento breve é um processo sistemático directivo que se baseia numa rápida avaliação, rápido envolvimento do doente e implementação imediata de estratégias de mudança. Difere do aconselhamento simples visto que a meta é proporcionar ferramentas ao doentes que levem à mudança das atitudes básicas e gerir uma variedade de problemas subjacentes. Ainda que o aconselhamento breve utilize os mesmos elementos básicos do aconselhamento simples, o seu objectivo requer mais conteúdo e, portanto, mais tempo do que o conselho simples. Além disso, os profissionais de saúde que se comprometem em tal aconselhamento beneficiariam de formação em escuta empática e na entrevista motivacional. Tal como o conselho simples, o objectivo do aconselhamento breve é reduzir o risco de danos resultantes do consumo excessivo de álcool. Como o doente pode já ter experimentado algum tipo de dano, existe ainda uma obrigação de informá-lo de que esta intervenção é necessária para prevenir problemas de natureza médica associados ao álcool. 190 Pré-contemplação Contemplação Actores ;"6% Os doentes que se encontram no extremo inferior da escala são identificados como pré-contemplativos. Todos aqueles que se posicionam no meio da escala (4-6) estão em contemplação, e por último todos os que estão no extremo superior da escala (7-10) devem ser considerados prontos para agirem, daí a designação de acção. Se o doente está na fase de pré-contemplação, então a sessão de aconselhamento deve-se focar mais no feedback de modo a motivar o doente para passar à acção. Caso o doente esteja a pensar sobre passar à acção mas ainda ambivalente (etapa de contemplação), a ênfase deve recair nos benefícios de passar à acção, nos riscos de atrasar a decisão, e como dar os primeiros passos. Se o doente já se sente preparado para agir, então o médico deve-se focar mais no estabelecimento de objectivos com o doente e em assegurar que este se compromete a diminuir os níveis de consumo de álcool. Composite 191 Anexos Anexos Caixa A1 As fases de mudança e os elementos da intervenção breve associados Elementos da intervenção breve que devem ser enfatizados Fase Definição Pré-contemplação O consumidor de risco ou nocivo de álcool não considera mudar num futuro próximo, e pode não conhecer as actuais ou potenciais consequências da manutenção do consumo nos níveis actuais Feedback acerca dos resultados do rastreio e Informação acerca dos danos causados pelo consumo de álcool Contemplação O consumidor pode estar consciente das consequências do consumo mas está ambivalente no que concerne à mudança Enfatizar os benefícios da mudança, dar Informação acerca dos problemas relacionados com o álcool, os riscos em protelar a mudança, e discutir a forma de escolha de um objectivo Preparação O consumidor já decidiu mudar e planeia passar à acção Discutir como escolher um Objectivo, Aconselhar e Encorajar Acção O consumidor começou a reduzir o consumo ou parou mesmo de beber mas a mudança ainda não se tornou permanente Rever o aconselhamento, Encorajar Manutenção O consumidor encontra-se em níveis de consumo moderados ou mesmo em abstinência de forma relativamente permanente Encorajar Seguimento Desde o início do processo que se deve integrar no plano de aconselhamento breve a manutenção de estratégias para proporcionar apoio, feedback, e assistência no processo de estabelecimento, atingimento e manutenção de metas realistas. Isto inclui ajudar o doente a identificar factores de recaídas que podem pôr em causa a continuidade do processo. Posto que os doentes a 192 quem é prestado o aconselhamento breve têm actualmente danos relacionados com o álcool, torna-se essencial a monitorização periódica adaptada ao grau de risco durante e, por um período de tempo, após as sessões de aconselhamento. Se o doente não demonstra progressos, deve ser passado para o nível seguinte de intervenção, ou seja, deve ser referenciado, se possível, para tratamento especializado. Se tal tratamento não estiver disponível, pode ser necessário manter uma monitorização e aconselhamento continuados. Quem deve ser referenciado por dependência de álcool? Os doentes que pontuam 20 ou mais no AUDIT (embora isto possa ocorrer com pontuações mais baixas) provavelmente requerem um diagnóstico e um tratamento especializado para a dependência de álcool. Porém, deve ser lembrado que o AUDIT não é um instrumento de diagnóstico, e portanto não é seguro concluir (ou informar o doente) que a dependência de álcool foi formalmente diagnosticada. Além disso, certas pessoas que pontuam abaixo de 20 no AUDIT, mas que não são indicadas para o conselho simples ou aconselhamento breve, devem ser referenciadas para os cuidados mais diferenciados. Estes podem incluir: pessoas com suspeitas fortes de terem uma síndrome de dependência alcoólica; pessoas com antecedentes de dependência de álcool ou drogas (sugerido por um tratamento anterior) ou lesão hepática; pessoas com antecedentes psiquiátricos; pessoas que não conseguiram atingir as suas metas apesar de se ter prolongado o aconselhamento breve. Proporcionar encaminhamento para o diagnóstico e tratamento O objectivo de referenciar um doente deverá ser assegurar que ele seja acompanhado por um especialista nesta matéria para um diagnóstico mais preciso e, se necessário, tratamento. Enquanto a maioria dos doentes sabe a quantidade de álcool que bebe, muitos resistem em tomar uma acção imediata no sentido da mudança. As razões para tal resistência incluem: não ter consciência de que o seu nível de consumo é excessivo; não ter feito a ligação entre o consumo e os problemas que apresenta; não querer desistir dos benefícios de beber; admitir a sua condição para si mesmo e para os outros; e não querer despender o tempo e esforço requeridos pelo tratamento. A efectividade do processo de referenciação depende possivelmente da combinação da firmeza do médico e do grau em que cada doente pode resolver tais factores de resistência. Uma forma modificada do conselho simples é útil para fazer uma referenciação, usando feedback, conselho, responsabilização, informação, encorajamento, e seguimento. Feedback Ao informar sobre os resultados do teste de rastreio do AUDIT deve deixar-se claro que o nível de consumo de álcool do doente excede em muito os limites de baixo risco, que os problemas específicos relacionados com o álcool já estão presentes, e que existem sinais da possível presença da síndrome de dependência de álcool. Pode ser útil enfatizar que tal consumo é perigoso para 193 Anexos a saúde do paciente, e potencialmente nocivo para as pessoas que são importantes para ele e para outros. Uma discussão franca sobre se o doente alguma vez tentou, sem sucesso, reduzir ou suspender o consumo pode levá-lo a entender que pode ser necessária ajuda para mudar. Conselho O profissional de saúde deve passar a mensagem clara que se está perante uma doença médica grave e o doente deve consultar um especialista na área para um diagnóstico concreto e um possível tratamento. Deve ser evocada a provável ligação do consumo de álcool às condições médicas actuais, devendo também ser discutido o risco futuro de desenvolver problemas de saúde e sociais. Responsabilidade É importante levar o doente a lidar com esta situação através da consulta de um especialista na área e seguimento das suas recomendações. Se o doente estiver disposto devem ser dados informação e encorajamento. Se o doente mostrar resistência, pode ser necessária uma nova consulta para permitir que ele tenha tempo para reflectir. Informação Os doentes que não tenham procurado tratamento previamente para os seus problemas com o álcool podem precisar de informação sobre o que está envolvido. Depois de saberem o tipo de abordagem e tratamento que irão receber (ver Capítulo 9), os doentes provavelmente estarão mais receptivos a tomar a decisão de assumir o tratamento. Encorajamento Os doentes nesta situação provavelmente beneficiam das palavras de apoio e estímulo. Deve-lhes ser dito que o tratamento para a dependência de álcool é em geral eficaz, mas que para tal é preciso um esforço considerável da sua parte. Seguimento Após o tratamento dos problemas do álcool deve ser feito um seguimento dos doentes, da mesma forma que um médico dos cuidados primários seguiria doentes tratados por outro especialista. Isto é particularmente importante porque a síndroma de dependência alcoólica é uma doença crónica com agudizações, neste caso as recaídas. A monitorização periódica e o apoio podem ajudar o doente a resistir às recaídas ou a controlar o seu curso se ocorrerem. Agradecimentos Este documento foi elaborado pelos autores a favor da Rede Phepa. Os autores também desejam agradecer o apoio e contributos no documento dos outros parceiros e especialistas do projecto Phepa. Membros da Rede Phepa PARCEIROS Rolande James Anderson The Irish College of General Practitioners (Ireland) Sverre Barfod The Alcohol Group, Central Research Unit of General Practice (Denmark) Preben Bendtsen Department of Health and Society, Social Medicine and Public Health Science, Linköping University, (Sweden) Antoni Gual Alcohology Unit of the Hospital Clínic, (Spain) Nick Heather School of Psychology & Sport Sciences, Northumbria University, (England) Annemarie Huiberts Netherlands Institute of Health Promotion and Disease Prevention (Netherlands) Philippe Michaud Programme “Boire Moins c’est Mieux” France Leo Pas Scientific Society of Flemish General Practitioners (WVVH) (Belgium) Cristina Ribeiro Gomes Ministério da Saúde (Portugal) 194 Emanuele Scafato Instituto Superiore Di Sanita, Scientific Governmental Research Organization (Italy) Kaija Seppä University of Tampere, Medical School (Finland) Michael Smolka University of Heidelberg; Central Institute of Mental Health, Department of Addictive Behaviour and Addiction Medicine (Germany) OBSERVADORES Alexander Kantchelov National Centre for Addictions (Bulgaria) Marko Kolsek Department of Family Medicine (Slovenia) Jerzy Mellibruda State Agency for the Prevention of Alcohol Related Problems (Poland) Eleonóra Sineger Hungarian Association of Addictologists (Hungary) Hana Sovinova National Institute of Public Health (Czech Republic) 195 EXPERTS Mauri Aalto National Public Health Institute (Finland) Peter Anderson Public health consultant (United Kingdon) Mats Berglund University Hospital MAS (Sweden) João Breda Direcção Geral da Saúde (Portugal) Jonathan Chick Royal Edinburgh Hospital (United Kingdom) 196 Joan Colom Program on Substance Abuse, Health Department Government of Catalonia (Spain) Bart Garmyn Scientific Society of Flemish General Practitioners (WVVH) (Belgium) Isidore S. Obot Department of Mental Health Substance Dependence (WHO) and Lidia Segura Program on Substance Abuse, Health Department Government of Catalonia (Spain).