Jornal da Casa / Casa do Brasil
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# 27 – setembro 2013 Boca no trombone Caetano x Caetano muito de „Coração Vagabundo‟. Foi uma documentação do que eu já tinha feito e que não correspondia ao que eu fazia na época. Já estava com o germe do tropicalismo na cabeça. Adoro quando começo cantar „Um Dia‟. A voz estava linda.” Caetano Veloso (1968) “É o primeiro LP tropicalista. Pensei que só tinha valor histórico, mas quando ouvi a Gal cantar „Tropicália‟, achei que a canção é viva. Tem muitas ideias, muitas sugestões. O uso de conjunto de rock com guitarra elétrica, as paródias, uma certa violência nas imagens das letras. E a capa desse tamaninho ficou muito mais bonita.” O músico, produtor, arranjador e escritor baiano Caetano Veloso (Santo Amaro da Purificação, 1942) é um dos artistas brasileiros mais produtivos, influentes e respeitados no mundo, sendo considerado internacionalmente um dos melhores compositores do século XX pelo conjunto da sua obra. Caetano -que já esteve em Montevidéu com seus shows “Circuladô” (1993), “Fina Estampa” (1995), “Prenda Minha” (1998) e “Cê” (2008)- retorna para apresentar seu mais novo trabalho. Uma retrospectiva de sua discografia, comentada por ele mesmo, é uma boa forma de “caetanear”, enquanto esperamos seu Abraçaço. Domingo (1967) “Foi o Dori Caymmi quem produziu. Tem arranjos lindos. A gente botava a voz de manhã. Tinha outros artistas mais famosos que ocupavam os estúdios à noite. Gosto Caetano Veloso (1969) “Gravei só com Gilberto Gil ao violão, quando estava confinado, sem poder sair de Salvador. Até ir para o exílio em Londres era impensável eu tocar violão num LP. Todo mundo achava meu violão abaixo do nível profissional. É um disco da minha situação na prisão. Tem „Irene‟, que fiz na cadeia, sem violão, uma coisa portuguesa. „Os Argonautas‟ me foi sugerida por Bethânia. „Atrás do Trio Elétrico‟ é histórica, é o momento inaugural de toda a fase nova da música baiana. Fez Dodô e Osmar voltarem às ruas.” Caetano Veloso (1971) “Esse é deprimidérrimo. É o primeiro do exílio em Londres. Eu estou horrível na foto da capa. Tinha até barba e eu não suporto barba. Nunca consegui gostar de „London London‟. Não tenho facilidade de me aproximar deste disco. Agora é histórico. É o primeiro disco em que toco violão. Os ingleses achavam lindo o meu jeito de tocar e os brasileiros achavam horrível. Se eu não tivesse sido preso e exiliado, talvez nunca tocasse violão num disco.” JornalDaCasa é uma publicação de CasaDoBrasil | Editor: Leonardo Moreira Web: www.casadobrasil.com.uy | Twitter: @casadobrasiluy | Mail: [email protected] # 27 – setembro 2013 Transa (1972) “Chamei os amigos para gravar em Londres. Era um trabalho orgânico, espontâneo, e meu primeiro disco de grupo, gravado quase como um show ao vivo. Me deu coragem de fazer os trabalhos com A Outra Banda da Terra. Tem „Nine out of Ten‟, a minha melhor música em inglês. É a primeira vez que uma música brasileira toca alguns compassos de reggae, uma vinheta no começo e no fim. Como gravação, a melhor é „Triste Bahia‟. Tem „Mora na Filosofia‟, um grande samba de Monsueto, que é um gênio.” do qual eu não gostava. Qualquer coisa era o vale tudo, bateria, confusão. O manifesto de ambos, lidos juntos, tem um batimento engraçado. O Jóia foi o único que reouvi em CD. Soa tão bonito...” Caetano e Chico Juntos e Ao Vivo (1972) A ideia foi de um cara, dono de uma loja de discos em Salvador onde a Gal Costa trabalhava como vendedora. Aí eu disse para o Chico que ele deveria cantar „Com Açúcar, com Afeto‟, que era uma coisa de mulher. Ele disse que tinha uma melhor, „Bárbara‟, uma história homossexual de duas mulheres. Tem „Você não Entende Nada‟ junto com „Cotidiano‟, que ficou lindo. O disco fez o maior sucesso.” Bicho (1977) “Ele levou muitas anedotas. Tinha „Odara‟, criticada por gente de outras profissões, humoristas, sociólogos, psicanalistas que queriam ser de esquerda. „Odara‟ é uma confissão de namoro com as discotecas. Eu me sentia bem em me aproximar do movimento Black Rio que surgia na época, quando começaram os grandes bailes funk. Tinha voltado de uma excursão à África com Gil, onde tive contato com a juju music da Nigéria.” Araçá Azul (1973) “Não acho que o trabalho tenha saído com limpidez. Acho maravilhosa uma faixa como „De Conversa‟, uma peça que não tem propriamente música nem letra. Tem „Tu me Acostumbrastes”, bacana, cantada em falsete, um clima tão gay... „Julia Moreno‟ ganhou um solo de piano de Perna Fróes que é um deslumbramento. E outro fato histórico: o maior recorde de devolução de discos.” Temporada de Verão (1974) “É um disco coletivo de shows que a gente fazia no Teatro Vilha Velha da Bahia. Das minhas coisas, „De Noite na Cama‟ é uma maravilha. Perinho Albuquerque era o produtor, arranjador e orientador desta fase. Alguma coisa a gente gravou na minha casa, porque no Vila Velha não tinha ficado boa.” Jóia e Qualquer Coisa (1975) “Ia ser um álbum duplo, porque eu tinha muito material. O Jóia era a minha relação com o trabalho limpo, pequenas peças bem acabadas, com a liberdade de Araçá Azul. Não tem nem bateria no Jóia, um instrumento Doces Bárbaros (1976) “A sugestão foi de Bethânia, e partindo dela, era uma convocação. Fizemos o repertório, divino, em duas semanas, mas a gravação ao vivo saiu suja. O show ficou muito bonito, romântico, baiano, colorido, sensual, extrovertido. É preto. É baiano.” Muito (1978) “Foi o disco mais pichado pela crítica, o maior fracasso de vendas. E tem „Terra‟ e „Sampa‟. Se existe essa fama de que eu brigo muito com a crítica, ela surgiu em Muito. Eu fiquei irado. O „Terra‟ nunca tocou no rádio porque diziam que a canção era longa.” Maria Bethânia & Caetano Ao Vivo (1978) “Outra ideia de Bethânia. Adoro eu cantando „Número Um‟.” Cinema Trascendental (1979) “Já havia um culto ao próprio show. Tem „Cajuína‟ que é linda. As pessoas gostam muito desse disco. Houve uma virada nas vendas. Aí eu comecei a vender grande.” Outras Palavras (1981) “Foi meu primeiro disco de ouro (100.000 cópias vendidas). Gosto dessa fase. Era um tempo alegre. Tem „Beleza Pura‟. É como os pretos na Bahia, tem tudo, dinheiro não. Hoje está na moda. É anti-yuppie, chega a ser óbvia.” (continuará) # 27 – setembro 2013 Ao pé da letra Alegria, Alegria A s mais de 2 mil pessoas que enchiam o Teatro Record Centro na noite de sábado, 21 de outubro de 1967, não estranharam o paletó marrom cobrindo a camiseta laranja de gola rolê do jovem franzino que subia ao palco. Aos 25 anos, o rapaz entrou sorrindo e posicionou-se diante do microfone, à espera das guitarras elétricas que dariam os primeiros acordes de sua canção. Uma semana antes, na última noite das eliminatórias do 3º Festival de Música Popular Brasileira, a recepção ao instrumento-símbolo do rock havia sido bastante diferente: os cinco integrantes cabeludos e vestidos de cor-de-rosa do grupo argentino radicado em São Paulo Beat Boys foram vaiados assim que pisaram no palco. Irritado com a reação da plateia, o autor e intérprete da canção seguinte não esperou que seu currículo fosse inteiramente anunciado e seu nome revelado: Caetano Veloso. O baiano pisou, furioso, no palco e disparou os primeiros versos de “Alegria, Alegria”. O que ele não podia imaginar era que, na semana seguinte, o público da fase final do festival não só receberia as guitarras com naturalidade como também o acompanharia em coro, de braços erguidos, nos versos finais da canção. O nome da música veio de um bordão que o cantor Wilson Simonal utilizava em seu programa na TV Record, “Show em Si... Monal”. A letra possui uma estrutura cinematográfica. Conforme definiu Décio Pignatari, trata-se de uma "letra-câmera-na-mão", citando o mote do Cinema Novo. "O aspecto do grupo de rapazes de cabelos muito longos portando guitarras maciças e coloridas representava de modo gritante tudo o que os nacionalistas da MPB mais odiavam e temiam", explica Caetano no livro “Verdade Tropical”. A ideia de Caetano -já pensando na introdução do Tropicalismo, ao lado de Gilberto Gil- era a de fazer uma espécie de "marcha de carnaval transformada", cuja letra expusesse as referências pop da época. Ele resgatou uma composição dele, do meio dos anos 60, "Clever Boy Samba", escrita como sátira aos jovens alienados de Salvador. "Rapidamente compreendi que se o tom de mera sátira devia ser subvertido, o esquema de retrato, na primeira pessoa, de um jovem típico da época andando pelas ruas da cidade (o Rio, agora), com fortes sugestões visuais, criadas, se possível, pela simples menção de nomes de produtos, personalidades, lugares e funções -pois esse era o esquema de “Clever Boy Samba”-, devia ser mantido pois era o ideal para os novos propósitos", escreve o cantor. Apesar do sucesso de público, a música, composta para o festival, não ganhou a disputa: terminou em quarto lugar. Mas firmou-se, nos anos e décadas seguintes, como um dos maiores sucessos da prolífica carreira de Caetano Veloso e como símbolo da juventude dos anos 60 e 70. Não por acaso, a novela “Sem Lenço, sem Documento”, de 1977, e a minissérie “Anos Rebeldes”, de 1992, ambas da TV Globo, tiveram “Alegria, Alegria” como tema de abertura. A adoção da canção como hino de uma geração pode ser explicada pelas referências ao cotidiano da juventude urbana brasileira que pontuam a letra. “Alegria, Alegria” combina guerrilhas com Coca-Cola, espaçonaves com fotos coloridas das atrizes Claudia Cardinale e Brigitte Bardot, além de uma referência ao livro “As Palavras”, do filósofo francês Jean-Paul Sartre (“nada nos bolsos ou nas mãos”). A banca de revistas # 27 – setembro 2013 por onde o eu lírico da canção passa os olhos abriga o periódico “O Sol”, criado no Rio de Janeiro, em 1967, por intelectuais e artistas como Zuenir Ventura, Ziraldo (ver JornalDaCasa # 10), Chico Buarque e o próprio Caetano. Retrato do mundo fragmentado, da urbanização acelerada, bombardeado pela cultura de massas, em que milhões de jovens buscavam seus caminhos entre os crescentes apelos ao consumo, a revolução sexual, a repressão da ditadura e a doutrinação dos grupos “subversivos”, a canção só não seduziu os estudantes radicais de esquerda. Aqueles mesmos que vaiaram as guitarras dos Beat Boys, tidas por eles como um instrumento do “imperialismo norte-americano”, do qual a genuína música popular brasileira devia ser preservada. No ano seguinte, os puristas voltaram à carga quando Gilberto Gil apresentou, no Tuca, “Questão de Ordem”, acompanhado pelos mesmos Beat Boys. A desclassificação da música pelo júri levou Caetano a outro episódio de fúria, histórico, quando subiu ao palco discursando contra o atraso do público em meio à interpretação de “É Proibido Proibir”, acompanhado pelos Mutantes. Eu vou Por que não, por que não... Ela pensa em casamento E eu nunca mais fui à escola Sem lenço e sem documento, Eu vou... Eu tomo uma coca-cola Ela pensa em casamento E uma canção me consola Eu vou... Por entre fotos e nomes Sem livros e sem fuzil Sem fome, sem telefone No coração do Brasil... Ela nem sabe até pensei Em cantar na televisão O sol é tão bonito Eu vou... Sem lenço, sem documento Nada no bolso ou nas mãos Eu quero seguir vivendo, amor Eu vou... Por que não, por que não... Caminhando contra o vento Sem lenço e sem documento No sol de quase dezembro Eu vou... O sol se reparte em crimes Espaçonaves, guerrilhas Em cardinales bonitas Eu vou... Em caras de presidentes Em grandes beijos de amor Em dentes, pernas, bandeiras Bomba e Brigitte Bardot... O sol nas bancas de revista Me enche de alegria e preguiça Quem lê tanta notícia Eu vou... Por entre fotos e nomes Os olhos cheios de cores O peito cheio de amores vãos Discos onde ouvir... Caetano Veloso – Caetano Veloso (1968) Milton Banana – Milton Banana Trio (1968) Garganta Profunda – Canta Tropicália (1995) ... e documentário onde ver Uma noite no 67 – Direção: Renato Terra e Ricardo Calil (2010) # 27 – setembro 2013 Mão na roda Wally e a Contracultura rendeu também o registro de uma interpretação emocionante de “Vapor Barato”, a bela canção composta com Jards Macalé, na qual Waly versa sobre as dores do exílio (a música foi composta durante a expulsão de Caetano Veloso e Gilberto Gil – que partiram para Londres– e foi regravada nos anos 1990 pelo grupo O Rappa). Ainda nos anos 1970, Waly repetiu a parceria com Gal, nos shows Índia (1973) e Mel (1979). Na década seguinte, assumindo a coordenação artística, voltou a trabalhar com a baiana, nos álbuns Bem Bom (1985) e Gal Plural (1989). G rande poeta, letrista e ensaísta, Waly Salomão teria completado, no último dia 3 de setembro, 70 anos. Morto há 10, em decorrência de um câncer, foi um dos principais artífices da Contracultura brasileira e do Tropicalismo. Filho de um sírio e de uma baiana, Wally Dias Salomão nasceu no interior da Bahia, em Jequié, mudou-se para Salvador na adolescência, e lá concluiu o 2° grau. Depois cursou e se formou em Direito pela Universidade Federal da Bahia, mas jamais exerceu a profissão. Depois de se aventurar pelo teatro, alternando estadias entre Rio de Janeiro e São Paulo, sob o codinome Waly Sailormoon, colaborou, na transição dos anos 1960 para os 70, como jornalista e poeta, para vários veículos da imprensa udigrudi (corruptela do inglês underground, “subterrâneo”), entre os quais a célebre revista Navilouca, um marco da Contracultura brasileira, que fazia oposição ao regime militar e pregava liberdades individuais e comportamentais, em pleno governo assombroso do general Médici, que cerceou direitos civis de milhares de brasileiros. Em 1971, Waly assinou a direção-geral do show Fa-Tal, da amiga Gal Costa, que resultou no disco “Fa-Tal– Gal a todo vapor”. O convite Também em 1971, a partir de relatos que fez no cárcere do extinto presídio do Carandiru (Waly foi parar lá por ter sido detido portando maconha), escreveu seu primeiro livro Me Segura Que eu Vou dar Um Troço. Em 1974, retomando as parcerias com Macalé, dividiu com ele a direção de produção de seu segundo disco, Aprender a Nadar, que registra outras pérolas compostas por ele e Macalé, como “Anjo Exterminado”, “Dona do Castelo” e “Senhor dos Sábados”. Waly também dirigiu shows e gravações de João Bosco, Maria Bethânia, Gilberto Gil, A Cor do Som e Cássia Eller –dela, dirigiu a turnê Veneno Anti-Monotonia e foi laureado com o prêmio Shell de Melhor Show de 1997. Neste mesmo ano, venceu o Prêmio Jabuti de melhor livro de poesia com a obra Algaravias. Co-autor de mais de 50 músicas, Wally também teve letras gravadas por diversos artistas, como Moraes Moreira, Lulu Santos, Cazuza, Itamar Assumpção e os Paralamas do Sucesso (a simbólica “Assaltaram a Gramática”), entre muitos outros intérpretes. A convite do amigo Gilberto Gil, ele assumiu em 2003 a Secretária de Livros e Cultura, do Ministério da Cultura (então conduzido por Gil). Em 2008, o cineasta Carlos Nader lançou o documentário Pan-Cinema Permanente, que reconstitui a trajetória de Wally. # 27 – setembro 2013 O mundo é uma bola Leônidas da Silva, o inventor da “bicicleta” consolidou a primeira ação marketing do futebol brasileiro. L eônidas da Silva, que completaria no dia 6 de setembro 100 anos de vida, foi o primeiro gênio da bola a disputar uma Copa do Mundo pelo Brasil. Isso porque, em 1930, as divergências entre a carioca Confederação Brasileira de Desportos (CBD) e a Associação Paulista de Esportes Atléticos (Apea) deixaram de fora da Copa do Uruguai grandes nomes da época, como Friedenreich e Feitiço. Quatro anos depois, na Copa do Mundo da Itália, em 1934, começava a brilhar o filho da cozinheira Maria e do marinheiro português Manuel. Em 1933 foi jogar no Peñarol do Uruguai, onde ajudou o clube a conquistar o vicecampeonato. Cinco anos depois, já no Flamengo, Leônidas era o grande líder que levou a seleção ao 3º lugar na França. Foi o artilheiro do Mundial (7 gols) e muitos juram que o Brasil seria campeão se o jogador não tivesse ficado de fora da semifinal contra a Itália (derrota por 2 a 1). Naquela Copa, um episódio fantástico. Na vitória da estreia por 6 a 5 contra a Polônia, Leônidas perdeu a chuteira no campo encharcado, o que não impediu de marcar um gol descalço, sem que o juiz percebesse. Logo após a Copa da Itália, Leônidas foi procurado pela Lacta, que acertou o lançamento do chocolate Diamante Negro, atrelado à imagem do jogador. Por 2 contos de réis (equivalente hoje a menos de R$ 2 mil reais), Leônidas vendeu o apelido à marca e oficial de O sucesso de Leônidas perdurou durante a década de 40, assim como as grandes polêmicas. Foi ídolo do Flamengo, mas se despediu do clube de forma traumática. Acusado pelo rubro-negro de corpo mole em excursões internacionais, chegou a ficar preso, incriminado pelo próprio clube por fraude no certificado de reservista. Em 1942, enfim conseguiu rescindir o contrato e foi para o São Paulo, que bancou a maior transferência do futebol brasileiro até então: 200 contos de réis. Na sua chegada, foi carregado por 10 mil pessoas que invadiram a Estação da Luz. Virou um dos maiores ídolos da história do tricolor paulista, provando que a idolatria extrapolava as rivalidades estaduais. Enquanto isso, continuou a participar de campanhas publicitárias, mesmo que em troca de pequenas quantias ou mercadorias. Virou até marca de relógio e cigarro. Entre os grandes feitos dentro de campo, o título de inventor da “bicicleta”, que lhe rendeu também o apelido de HomemBorracha, devido a sua elasticidade. Foram 37 partidas pela Seleção Brasileira e o mesmo número de gols. Tetracampeão carioca pelo Botafogo, em 1935, primeiro campeonato oficial, no regime profissional, e pentacampeão paulista pelo São Paulo, com mais de 500 gols na carreira. Depois de abandonar os gramados, em 1951, ainda continuou ligado ao esporte. Foi dirigente do São Paulo, logo depois virou comentarista esportivo, sendo considerado por muitos um comentarista direto, duro e polêmico, chegando a ganhar sete Troféus Roquette Pinto. Sua carreira de radialista teve que ser interrompida em 1974 devido ao Mal de Alzheimer. Durante trinta anos ele viveu em uma casa para tratamento de idosos em São Paulo até falecer em 2004. # 27 – setembro 2013 Conversafiada com a professora Claudia Montenegro “A paixão por um lugar é pelas pessoas que conheço” devido às pessoas que conhece ali... O Ser Humano é o “bicho” mais interessante deste planeta. E relacionar-se com o outro é uma arte. A professora Claudia da Luz Montenegro (Curitiba, PR, 1971) é formada em Comunicação Social – Jornalismo e trabalha há 15 anos dando aulas de inglês e português para estrangeiros. Mas também foi Campeã Brasileira de Xadrez, representando o país em campeonatos internacionais, e trabalhou como cantora e compositora, morando no Rio de Janeiro por causa da música e em alguns países por causa do xadrez. “Tive uma vida nada convencional”, desabafa quem hoje se reconhece “morando em Pocitos de Montevidéu” e “feliz da vida”. - Antes de chegar ao Uruguai, você conheceu vários países, certo? Que experiência resgata de cada um deles? - Sim. Viajei muuuito nesta minha vida. Morei na França, na Espanha e em Cuba. Mas posso dizer que conheço quase toda a Europa, um pouco da América do Norte e do Sul e algumas ilhas da América Central. Falta muito para conhecer ainda. Quanto às experiências, posso sintetizar assim: Todo lugar tem seus costumes, peculiaridades e é exatamente isso que os torna interessantes! Ah, você também se apaixona por um lugar - Quais são os problemas mais comuns dos brasileiros que vivem no exterior, tomando em conta os que você conhece? - Antes era um preconceito grande, por sermos latinos e “subdesenvolvidos”. Lembro-me que na minha entrada na Bulgária em 1990 eles me revistaram inteira só porque viram que meu passaporte era brasileiro. Outra experiência negativa foi uma vez indo a Miami com meus 18 anos, tinha uma placa no interior de uma loja dizendo: “Cuidado com seus pertences, brasileiros na loja.” Juro por Deus! Agora as coisas mudaram, nossa economia cresceu, nossa fama também. O Obama até fez uma propaganda em frente ao Parque da Disney convidando os brasileiros para irem passar as férias por lá. Os tempos mudam, né? Ah, também posso falar que na Europa, por todos os lugares que andei, os homens me tratavam bem, com educação, mas quando eu dizia que era brasileira eles já mudavam para um olhar malicioso, bem como o comportamento e começavam a descaradamente falar de sexo ou me convidar para alguma coisa do tipo. Era humilhante e horrível, mas é real. - Que é o que mais te satisfaz e te desagrada de morar no exterior? - Conhecer novas culturas. Amo! De fato eu preciso disso. Fazer novas amizades. Adoro. De ruim fica só a saudade da família que ficou lá, mas com toda essa tecnologia atual isso já não é tanto problema... Ah, de ruim também é a saudade dos temperos da cozinha brasileira. - Quando e por que razão você veio para Montevidéu? Nesse momento, já tinha a ideia de morar aqui? - Não. Nunca sequer imaginei tal mudança. Não conhecia nada sobre o Uruguai; isto é, só # 27 – setembro 2013 conhecia “meu” uruguaio. Ele era campeão de xadrez uruguaio e eu era a campeã brasileira da época. Nos conhecemos com meus 16 aninhos e todos os anos nos encontrávamos em competições internacionais. Ficamos amigos, trocamos cartas (de papel, sabe?) e depois dos 21 anos cada um foi viver sua vida. E agora depois de todo esse tempo nos reencontramos no Facebook... e aqui estou eu! Que vida mais cheia de surpresas, não é mesmo? - Com que cidade você esperava encontrar e com que você se encontrou realmente? - Esperava uma capital qualquer e encontrei Montevidéu. Linda e majestosa, banhada por esse rio/mar lindo. Adoro! - De que costumes ou situações você tem saudade do Brasil? - Um bom prato de arroz com feijão preto, bife, salada e farofa. E as reuniões da minha família. - Como se vinculou a Casa do Brasil? - Fiz uma pesquisa dos lugares que ensinavam português aqui em Montevidéu. Marquei entrevistas. Escolhi ir primeiro à Casa do Brasil e foi amor à primeira vista. Fui contratada e fiquei. - O uruguaio tem facilidade para aprender a língua portuguesa? Quais são as principais dificuldades para seu aprendizado? - A pronúncia. Creio que é a maior dificuldade. Também a confusão que fazem com a semântica das palavras, já que ambas as línguas se parecem. Então às vezes acabam criando uma terceira língua: o “portunhol”. - Sabemos que você gosta muito da obra de Vinícius de Moraes. Qual acha que é o principal legado que deixou o poetinha? - Ele era um erudito, com formação na Inglaterra. Um diplomata concursado. E com toda sua bagagem culta escreveu e descreveu a mulher brasileira, os amores, as belezas do país, de uma maneira bela e acessível, democratizando a poesia elitista. Sei lá, minha humilde opinião. Com suas músicas, celebrou o samba e a cultura brasileira. Penso que Vinícius foi uma benção para o nosso país. - Você também adora cantar, não é? Contenos sobre suas preferências musicais... - Eu era cantora profissional de Bossa Nova, Jazz e MPB. Mas sou bem eclética. Gosto de escutar de tudo e conhecer o que se tem feito de novo. - Como foi que nasceu a paixão por jogar xadrez? - Comecei a jogar na escola, com 9 anos. Participei de um torneio e não parei mais. Fui Campeã Paranaense em todas as categorias por faixa etária. Depois me semi profissionalizei. Paguei toda a minha educação com o xadrez. Tinha bolsa de estudos completa no Colégio Marista Santa Maria. Depois entrei na faculdade e com o dinheiro do meu patrocinador, custeei todo o meu curso. - Como se vê o Brasil à distância? - Com carinho de filha: “ó pátria mãe gentil. Pátria amada Brasil”. - Curitiba e Montevidéu: uma semelhança e uma grande diferença... - Semelhança: o povo é mais fechado como o montevideano. Muito parecidos mesmo. Acho que é por causa do clima frio. Diferença: esse mar/rio maravilhoso que banha a cidade de Montevidéu. Curitiba é muito linda, limpa, mas não tem mar. E eu preciso ficar perto do mar. Antes de vir pra cá, estava morando em Florianópolis e antes ainda no Rio de Janeiro, sempre ao lado do mar. - O que você gostaria que o Uruguai tivesse do Brasil e vice-versa? - Sempre achei que o Brasil é muito burocrático, mas foi fazendo meus trâmites legais aqui que eu vi o significado real de burocracia. Isto está muito mal aqui. É irritante, ineficaz e um gasto absurdo aos cofres públicos sustentar tanta gente para carimbar um papel aqui e outro lá. Por sua vez, o Brasil poderia aprender a ser mais culto, como tenho visto que é o povo uruguaio.