universidade federal do par´a pr´o
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO DEPARTAMENTO DE PESQUISA PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSAS DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA - PIBIC CNPq RELATÓRIO TÉCNICO - CIENTÍFICO Perı́odo: agosto de 2014 a julho de 2015. ( ) PARCIAL (x) FINAL IDENTIFICAÇÃO DO PROJETO Tı́tulo do Projeto de Pesquisa: FATOR DE CORPO CINZA DE BURACOS NEGROS EM ESPAÇOS-TEMPOS COM CONSTANTE COSMOLÓGICA Nome do Orientador: EDNILTON SANTOS DE OLIVEIRA Titulação do Orientador: DOUTOR Faculdade: FÍSICA Unidade: INSTITUTO DE CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS (ICEN) Laboratório: LABORATÓRIO DE FÍSICA EXPERIMENTAL E COMPUTACIONAL Tı́tulo do Plano de Trabalho: ESTUDO DE GEODÉSICAS EM ESPAÇOS-TEMPOS ESFERICAMENTE SIMÉTRICOS Nome do Bolsista: MARCOS VINICIUS DE SOUSA SILVA Tipo de Bolsa: (x) PIBIC/CNPq ( ) PIBIC/UFPA ( ) PIBIC/FAPESPA 1 1 Resumo de Relatório Anterior Seguindo os objetivos propostos no plano de trabalho, no relatório anterior, apresen- tado seis meses atrás, fizemos um resumo sobre a solução de Reissner-Nordström. Naquela ocasião, analisamos como se descreve o espaço-tempo em torno de um objeto esfericamente simétrico, estático e carregado. 2 Introdução O plano de iniciação cientı́fica apresentado aqui é parte do projeto de pesquisa Fator de Corpo Cinza de Buracos Negros em Espaços-Tempos com Constante Cosmológica dirigido pelo professor Dr. Ednilton Santos de Oliveira. Neste relatório estão descritas as atividades realizadas no perı́odo de agosto de 2014 a julho de 2015, de acordo com o plano de trabalho Estudo de Geodésicas em EspaçosTempos Esfericamente Simétricos. No perı́odo em questão, prosseguiu-se o estudo da Relatividade Geral numa abordagem aprofundada. Na monografia, que segue em anexo, apresentamos parte do estudo da Relatividade Geral com ênfase na descrição de geodésicas de partı́culas não massivas na geometria de Reissner-Nordström. 3 Justificativa No artigo intitulado Sobre a Eletrodinâmica dos Corpos em Movimento, o fı́sico de ori- gem alemã Albert Einstein, entre outros pontos abordados, apontou inconsistências entre a Mecânica Newtoniana e o Eletromagnetismo de Maxwell. De acordo com muitos fı́sicos, entre eles Einstein, parecia existir um princı́pio de relatividade para o Eletromagnetismo. Entretanto, sabia-se que as leis de Maxwell não eram invariantes sob transformações galileanas (transformações relacionadas ao princı́pio de relatividade da Mecânica Newtoniana) [1]. Einstein concluiu, então, que deveriam existir outras transformações, chamadas hoje de transformações de Lorentz, que deixassem as leis do Eletromagnetismo invariantes na troca de referenciais inerciais [2]. Dessa forma, Einstein formulou uma nova teoria, chamada teoria da Relatividade 2 Especial, que incluı́a uma nova definição de espaço e tempo, além de comportar de maneira satisfatória diversos fenômenos não explicados pela Mecânica Newtoniana. Essencial para análise de partı́culas e fenômenos de altas energias, a teoria de Einstein era restrita a referenciais inerciais [2]. A Relatividade Especial não comporta os fenômenos gravitacionais. Para suprir essa necessidade, a teoria da Relatividade Geral foi proposta, em 1915, pelo próprio Einstein. De acordo com esta teoria, as leis da fı́sica são reformuladas de maneira que sejam invariantes com relação à mudança de observadores, não necessariamente inerciais. As equações da Gravitação, segundo a Relatividade Geral, conhecidas como Equações de Einstein, diferem fundamentalmente das equações da teoria newtoniana [3]. Nesta nova teoria, a ação gravitacional é vista como a alteração de uma estrutura geométrica chamada espaço-tempo devido à massa/energia de partı́culas ou campos [4]. Isto contrasta fortemente com a teoria da Gravitação Newtoniana, pois nela a Gravitação é vista como um fenômeno de campo, onde a interação gravitacional se propaga instantaneamente. As Equações de Einstein são de difı́cil solução, pois são equações diferenciais parciais, não-lineares e acopladas para as componentes do tensor métrico [3]. Karl Schwarzschild, em 1916, encontrou uma solução exata das Equações de Einstein [5]. Esta descreve o espaço-tempo em volta de uma distribuição de matéria com simetria esférica e descarregada e possui uma singularidade não removı́vel, se tratando, então, de uma singularidade fı́sica da variedade (ou manifold ). Esta singularidade levou ao estudo dos buracos negros que hoje acreditam-se serem objetos muito comuns no Universo. Os buracos negros de Schwarzschild são os mais simples modelos destes objetos, pois são caracterizados apenas por sua massa [6]. Mas também devemos pensar o que acontece se o objeto for carregado. Neste caso, a solução de Schwarzschild não pode ser utilizada para descrever o espaço-tempo. Em 1918, o matemático Hans Reissner e o fı́sico teórico Gunnar Nordström, em busca de uma solução mais geral do que a solução de Schwarzschild, obtiveram outra solução para as Equações de Einstein. Esta, conhecida como solução de Reissner-Nordström, descreve o espaço-tempo exterior a uma distribuição de matéria estática, esfericamente simétrica e carregada [3]. 3 A compreensão de diversos fenômenos da natureza está ligada à Relatividade Geral. A dinâmica de objetos astrofı́sicos de grande importância como buracos negros, supernovas, estrelas, entre outros, é descrita por esta teoria. Outro exemplo é o encurvamento da luz por objetos massivos, o que gera um fenômeno chamado de lente gravitacional, verificado em observações astronômicas. A extensão de conceitos da teoria da Relatividade para o contexto de sistemas quânticos, como é o caso da Teoria Quântica de Campos em Espaços Curvos, possibilita descrever vários sistemas fı́sicos. Neste contexto, o estudo da Relatividade Geral torna-se especialmente importante. Seu uso como ferramenta de compreensão do Universo possibilita o avanço de teorias importantes, tanto no âmbito clássico, quanto no quântico. Além disso, diversos testes experimentais comprovaram sua precisão. Devido à importância desta teoria para descrição de diversos fenômenos, especialmente no campo da astrofı́sica, torna-se imprescindı́vel seu estudo. Existem muitos efeitos interessantes que estão ligados ao espalhamento por buracos negros, entre eles o efeito glória e a superradiância. Através do estudo de espalhamento por buracos negros, podemos inferir caracterı́sticas destes objetos, como carga e massa, além de podermos verificar de que modo o espaço-tempo ao redor de um buraco negro é influenciado por ele. O principal objetivo desta iniciação cientı́fica é a análise de geodésicas em espaçostempos que possuem simetria esférica. O estudo de geodésicas trata-se de uma introdução para o estudo do espalhamento por buracos negros. Esse estudo revela propriedades do espaço-tempo em questão. 4 Objetivos O propósito geral do projeto de pesquisa é a estruturação acadêmica do estudante, visando a formação cientı́fica do mesmo como pesquisador na área de Fı́sica. É pretendido que, ao final da iniciação cientı́fica, o aluno possa ingressar em um curso de pós-graduação sem grandes dificuldades para colaborar com o desenvolvimento da Ciência. Antes disto, faz-se necessário que o estudante adquira o conhecimento sobre Relatividade Geral. Neste 4 caso, os objetivos alcançados neste perı́odo foram: • Estudo de geodésicas do tipo-luz no espaço-tempo de Schwarzschild; • Estudo dos buracos negros de Reissner-Nordström; • Estudo de geodésicas do tipo-luz no espaço-tempo de Reissner-Nordström; • Estudo de ferramentas para análise numérica de problemas da Relatividade Geral. 5 Materiais e Métodos Durante a iniciação cientı́fica, a metodologia utilizada teve como base o estudo de livros, artigos e teses. Concomitantemente, foram realizadas reuniões semanais com o Grupo de Teoria Quântica de Campos em Espaços Curvos (GTQCEC) da UFPA, onde contribuı́mos com a elaboração e apresentação de seminários e participamos de reuniões semanais individuais com o orientador com o objetivo de apresentar o desenvolvimento dos estudos e tentar sanar nossas dúvidas. O estudo de geodésicas exige procedimentos que envolvem resolver equações tanto de forma analı́tica como numérica. Dessa forma, foi necessária a utilização de softwares como Maple e Maxima. 6 Resultados Durante este perı́odo de iniciação cientı́fica, obtivemos como resultado um desenvol- vimento do estudante em relação à análise dos fenômenos da Relatividade Geral. Tal desenvolvimento possibilitou uma compreensão significativa sobre as equações da Gravitação no contexto relativı́stico. Em uma monografia, que segue em anexo, falamos sobre geodésicas do tipo-luz no espaço-tempo de Reissner-Nordström com o intuito de apresentar nosso entendimento sobre um dos tópicos da Relatividade Geral. 5 7 Atividades a serem desenvolvidas nos próximos meses Daremos continuidade ao estudo da Relatividade Geral e de outros assuntos relacio- nados ao espalhamento por buracos negros. Podemos destacar, de maneira mais prática, as seguintes atividades a serem realizadas nos próximos meses: • Estudo de geodésicas de partı́culas massivas no espaço-tempo de Reissner-Nordström; • Estudo de geodésicas de partı́culas carregadas no espaço-tempo de Reissner-Nordström; • Estudo de ferramentas para análise numérica de problemas da Relatividade Geral; • Fundamentos da teoria de espalhamento. 8 Conclusão No decorrer destes anos de iniciação cientı́fica, conseguimos, com êxito, parte da formação teórica necessária para o desenvolvimento de nossas atividades como futuro pesquisador na área de Fı́sica. Destaca-se a importância das atividades junto ao orientador que nos proporcionaram um aperfeiçoamento intelectual e matemático durante o perı́odo de atividade. A contribuição dos membros mais antigos do GTQCEC desempenhou um grande papel no nosso desenvolvimento. Salienta-se, como prova disso, a monografia em anexo dissertando sobre um dos diversos temas que estudamos. Referências [1] N. B. Maia, Introdução à Relatividade (Livraria da Fı́sica, São Paulo, 2009). [2] R. Resnick, Introduction to Special Relativity (John Wiley & Sons, Nova York, 1968). [3] M. P. Hobson, G. Efstathiou e A. N. Lasenby, General Relativity. An Introduction for Physicists (Cambridge University Press, Nova York, 2006). 6 [4] R. D’Inverno, Introducing Einstein’s Relativity (Clarendon Press, Nova York, 1992). [5] M. H. Nussenzveig, Curso de Fı́sica Básica Vol. 4 (Edgar Blucher, São Paulo, 2010). [6] E. S. de Oliveira, Espalhamento e absorção de campos bosônicos por buracos negros estáticos e análogos. Tese (Doutorado em Fı́sica) - Universidade de São Paulo, São Paulo (2009). 9 Dificuldades Nossas principais dificuldades foram: conciliar a Iniciação Cientı́fica com a graduação, ainda em curso; o avanço com o assunto, pois foi necessário o conhecimento da lı́ngua inglesa (este problema foi solucionado empregando parte do valor da bolsa em um curso de inglês); a utilização de softwares na solução de equações; e o entendimento dos fenômenos gravitacionais. Esta última dificuldade foi solucionada com o auxı́lio do orientador por meio de esclarecimento direto ou por discussões em reuniões semanais e em seminários periódicos apresentados ao GTQCEC. 7 Universidade Federal do Pará Instituto de Ciências Exatas e Naturais Faculdade de Fı́sica Monografia Geodésicas de Partı́culas Não Massivas no Espaço-Tempo de Reissner-Nordström Marcos Vinicius de Sousa Silva Orientador: Ednilton Santos de Oliveira Belém, agosto de 2015. Sumário 1 Introdução 3 2 Relatividade Geral 5 2.1 Equações de Einstein . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 2.2 Geodésicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6 2.3 A Solução de Reissner-Nordström . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 3 Geodésicas de Partı́culas sem Massa no Espaço-Tempo de ReissnerNordström 9 3.1 Geodésicas na Geometria de Reissner-Nordström . . . . . . . . . . . . . . . 9 3.2 Geodésicas de Partı́culas Sem Massa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 3.2.1 Equação de Geodésica Nula . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 3.2.2 Encurvamento da Luz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14 4 Conclusão 17 2 Capı́tulo 1 Introdução Em 1915, Einstein formulou a teoria da Relatividade Geral. Essa teoria descreve a interação gravitacional como a curvatura do espaço-tempo, que é afetada pelo seu conteúdo de matéria e energia. Isto é sintetizado matematicamente pelas Equações de Einstein para a Gravitação. As Equações de Campo são, em geral, de difı́cil solução, pois são equações diferenciais parciais, não-lineares e acopladas para as componentes do tensor métrico [1]. Alguns meses após Einstein publicar sua teoria da Gravitação, o astrofı́sico alemão Karl Schwarzschild encontrou uma solução exata das Equações de Campo de Einstein [2]. Esta solução, conhecida como solução de Schwarzschild, descreve o espaço-tempo externo a um objeto esfericamente simétrico, estático e descarregado, ou seja, trata-se de uma solução de vácuo. Ela também descreve o espaço-tempo de buracos negros estáticos e descarregados. Em 1918, o matemático Hans Reissner e o fı́sico teórico Gunnar Nordström, em busca de uma solução mais geral do que a solução de Schwarzschild, obtiveram outra solução para as Equações de Einstein. Esta, conhecida como solução de Reissner-Nordström, descreve o espaço-tempo exterior a uma distribuição de matéria estática, esfericamente simétrica e carregada [3]. Diferente da solução de Schwarzschild, esta solução não se trata de uma solução de vácuo, pois o campo elétrico gerado contribui para o tensor energia-momento fora da distribuição de matéria. O estudo de geodésicas nos permite determinar algumas caracterı́sticas dos buracos negros. Por exemplo, ao emitir ondas em direção a um buraco negro, podemos, a partir do estudo de geodésicas, medir a seção de choque de absorção de tais ondas, inferindo a sua massa. Neste sentido, o estudo de geodésicas faz-se importante no estudo de espalhamento de ondas por buracos negros. 3 Na presente monografia, destacamos vários pontos relevantes da Relatividade Geral por meio do formalismo tensorial. No capı́tulo 2, apresentamos a solução de ReissnerNordström, uma breve análise sobre os buracos negros carregados e parte da matemática necessária para o estudo de geodésicas. No capı́tulo 3, obtemos as geodésicas do tipo-luz no espaço-tempo de Reissner-Nordstöm e calculamos a deflexão da luz devido ao campo gravitacional de objetos carregados. Nossas conclusões e perspectivas são apresentadas no capı́tulo 4. 4 Capı́tulo 2 Relatividade Geral Nosso objetivo nesse capı́tulo é discutir alguns tópicos importantes sobre Relatividade Geral e que serão usados no estudo de geodésicas no próximo capı́tulo. 2.1 Equações de Einstein As Equações de Einstein tem a forma [4]: 1 Rµν − gµν R = −κTµν , 2 (2.1) onde R é o escalar de curvatura, Tµν são as componentes covariantes do tensor energiamomento, Rµν é o tensor de Ricci, definido como: Rµν = ∂ν Γσ µσ − ∂σ Γσ µν + Γρ µσ Γσ ρν − Γρ µν Γσ ρσ , e (2.2) 1 κ = 8πG. O termo Γσ µσ é chamado de conexão métrica e é definido em função da métrica gµν por: 1 Γσ µν = g σρ (∂ν gρµ + ∂µ gρν − ∂ρ gµν ). 2 O tensor métrico define o intervalo ds2 entre dois pontos xν e xν + dxν : ds2 = gµν dxµ dxν . 1 Nesse trabalho, estamos tomando c = 1. 5 (2.3) (2.4) Podemos obter uma forma alternativa das Equações de Einstein escrevendo em termos de componentes mistas, 1 Rµ ν − δ µ ν R = −κT µ ν , (2.5) 2 e agora contraindo os ı́ndices µ = ν, encontramos que, para um espaço-tempo quadrimensional, R = κT , com T ≡ T µ µ . As Equações de Einstein podem ser escritas, então, como: Rµν 1 = −κ Tµν − T gµν . 2 (2.6) No espaço-tempo quadridimensional, gµν tem 10 componentes independentes e, portanto, na teoria da Relatividade Geral, temos 10 equações de campo independentes. Podemos comparar isso com a gravidade newtoniana, na qual existe apenas uma equação para o potencial gravitacional. Além disso, as Equações de Einstein são não-lineares em gµν , enquanto que a gravidade newtoniana é linear no campo Φ [4]. 2.2 Geodésicas Geodésicas são trajetórias descritas por partı́culas que estão livres de quaisquer forças. Na geometria euclidiana (geometria plana), o menor caminho entre dois pontos de uma partı́cula é uma reta. Na Relatividade Geral, espaço-tempo curvo, a trajetória de uma partı́cula, livre de forças, é descrita pela curva geodésica. Na geometria diferencial, a questão se resume a resolver a seguinte equação [4]: ẍµ + Γµνσ x˙ν x˙σ = 0, (2.7) onde xν são as componentes contravariantes do quadrivetor posição, x˙ν é a derivada das componentes do quadrivetor posição em relação ao parâmetro afim τ e ẍ é a derivada de ẋ em relação ao parâmetro afim. Para resolvermos o problema da geodésica, precisamos, primeiramente, obter a métrica a partir de (2.4) e os coeficientes da conexão métrica pela equação (2.3). Porém, podemos resolver esse problema por um método alternativo, através do calculo das variações, que envolve a lagrangeana: L = gµν x˙µ x˙ν , 6 (2.8) utilizando as equações de Euler-Lagrange: d ∂L ∂L − α = 0. α ˙ dτ ∂ x ∂x 2.3 (2.9) A Solução de Reissner-Nordström A solução de Reissner-Nordström descreve um espaço-tempo com simetria esférica, estático e exterior a uma distribuição esférica de matéria carregada. Esta é dada por: ds2 = f (r)dt2 − f (r)−1 dr2 − r2 (dθ2 + sin2 θdφ2 ), (2.10) Q2 2M + 2 . f (r) = 1 − r r (2.11) na qual Pode-se mostrar que para espaços-tempos estáticos o horizonte de eventos de um buraco negro pode ser localizado resolvendo-se a equação g00 = 0, que são singularidades de coordenadas. Assim, no espaço-tempo de Reissner-Nordström, fazemos: Q2 2M + 2 = 0. f (r) = 1 − r r (2.12) Multiplicamos (2.12) por r2 e resolvemos a equação de segundo grau para r. Desta maneira, encontramos: r± = M ± (M 2 − Q2 )1/2 . (2.13) Se calcularmos o escalar de Kretschmann: Rµνσρ Rµνσρ = 48M 2 96M Q2 56Q4 − + 8 , r6 r7 r (2.14) veremos que a única singularidade fı́sica do problema encontra-se em r = 0, e que, portanto, r± podem ser removidos através de uma mudança de coordenadas. Observando a equação (2.13), percebemos que existirão três diferentes configurações, dependendo do sinal da diferença entre M 2 e Q2 . Assim os três casos são: • M 2 > Q2 : Neste caso temos duas raı́zes reais, dadas por r+ e r− . Para r > r+ , a função f (r) é positiva e portanto t é a coordenada tipo tempo e r é a coordenada tipo espaço. Para r+ > r > r− , a função f (r) é negativa e portanto r e t invertem seus papéis. Assim, uma vez nessa região, a partı́cula necessariamente irá cruzar r− . 7 Para r < r− , f (r) volta a ser positiva e t e r voltam a ser as coordenadas tipo tempo e tipo espaço, respectivamente. Logo, a partı́cula pode evitar a singularidade2 . Assim, podemos dizer que r+ é o horizonte de eventos, enquanto que r− é um horizonte de Cauchy [4]. • M 2 < Q2 : Para este caso temos duas raı́zes imaginárias, o que significa que temos uma “singularidade nua”. Esta situação é descartada pela hipótese da censura cósmica criada por Penrose, que proı́be a existência de singularidades que não estejam encobertas por um horizonte de eventos [5]. • M 2 = Q2 : Este é conhecido como buraco negro de Reissner-Nordström extremo. Este é similar ao caso M 2 > Q2 com a diferença de que não possui a região r+ > r > r− . Logo, f (r) é positiva em todo o espaço com exceção de r = M , na qual é nula. Assim, a coordenada r é do tipo espaço, exceto em r = M que é um horizonte de eventos. Dessa forma, percebemos que, assim como em Schwarzschild [4], a métrica de ReissnerNordstöm possui uma singularidade fı́sica em r = 0. No entanto, no espaço-tempo de Schwarzschild, uma vez que a partı́cula atravesse o horizonte de eventos, ela tem que se mover em direção à singularidade, enquanto que no espaço-tempo de Reissner-Nordström isto não necessariamente ocorre, uma vez que tenha passado pelo horizonte de eventos. Em vez disso, a partı́cula irá deixar as proximidades da singularidade. Depois de atravessar o horizonte de eventos e o horizonte de Cauchy do buraco negro de Reissner-Nordström, a partı́cula pode ficar em movimento orbital ou vai emergir em um novo Universo [3]. 2 Por singularidade, referimo-nos à singularidade fı́sica e não de coordenadas. 8 Capı́tulo 3 Geodésicas de Partı́culas sem Massa no Espaço-Tempo de Reissner-Nordström 3.1 Geodésicas na Geometria de Reissner-Nordström Para encontrarmos as equações da geodésica, partimos da lagrangeana L = f ṫ2 − f −1 ṙ2 − r2 (θ̇2 + sin2 θφ̇2 ), (3.1) onde a função f é dada pela equação (2.11). Vamos, agora, tomar as equações de Euler-Lagrange (2.9) para as coordenadas t, r, θ e φ. Para a coordena t, temos: d ∂L ∂L − = 0. dτ ∂ ṫ ∂t A lagrangeana não depende, explicitamente, da coordenada t. Sendo assim, temos: d dτ com, ∂L ∂ ṫ = 0, ∂L = 2f ṫ. ∂ ṫ Obtemos assim que: f ṫ = k, 9 (3.2) sendo k uma constante de integração. Essa constante está associada à energia da partı́cula. Para a coordenada r, temos: d dτ ∂L ∂ ṙ − ∂L = 0, ∂r com, ∂L = −2ṙf −1 , ∂ ṙ e ∂L = f 0 ṫ2 + f −2 f 0 ṙ2 − 2r(θ̇2 + sin2 θφ̇2 ), ∂r 0 onde f representa a derivada da função f (r) em relação à coordenada radial. Substituindo essas expressões na Equação de Euler-Lagrange, obtemos: 2r̈f −1 − f −2 f 0 ṙ2 + f 0 ṫ2 − 2r(θ̇2 + sin2 θφ̇2 ) = 0. Para θ, temos: d dτ sendo, ∂L ∂ θ̇ − (3.3) ∂L = 0, ∂θ ∂L = −2r2 θ̇, ∂ θ̇ e ∂L = −2r2 sin θ cos θφ̇2 . ∂θ Substituindo esses resultados na equação de Euler-Lagrange, para θ, obtemos: 2 θ̈ + ṙθ̇ − sin θ cos θφ̇2 = 0. r Por fim, vamos calcular para φ. Tomando a equação de Euler-Lagrange, temos: d dτ ∂L ∂ φ̇ − ∂L = 0. ∂φ L não depende, explicitamente, da coordenada φ, logo: d dτ ∂L ∂ φ̇ 10 = 0, (3.4) com ∂L = −2r2 sin2 θφ̇, ∂ φ̇ dessa forma, temos que: r2 sin2 θφ̇ = h. (3.5) A coordenada φ é cı́clica e dessa forma temos, associada a ela, uma constante de movimento, h. Essa constante está associada ao momento angular da partı́cula. As equações (3.2) e (3.5) são equações de primeira ordem e (3.3) e (3.4) são equações de segunda ordem. Como o nosso problema tem simetria esférica, podemos escolher, sem perda de generalidade, o plano equatorial θ = π/2 para descrever o movimento da partı́cula. Dessa forma, a equação (3.4) é automaticamente satisfeita. Quanto à equação radial (3.3), por se tratar de uma equação mais complicada, vamos optar por trabalhar com a sua primeira integral em termos do parâmetro τ , dada por: gµν ẋµ ẋν = f ṫ2 − f −1 ṙ2 − r2 (θ̇2 + sin2 θφ̇2 ) = δ, (3.6) onde δ assume valor 0 para geodésicas tipo-luz e +1 para geodésicas tipo-tempo. 3.2 Geodésicas de Partı́culas Sem Massa Para o caso de partı́culas não massivas, δ = 0, a equação (3.6), com θ = π/2, fica: f ṫ2 − f −1 ṙ2 − r2 φ̇2 = 0. (3.7) Podemos utilizar as expressões (3.2) e (3.5), no plano equatorial, θ = π/2, para reescrever a equação acima em termo das constantes de movimento. Assim teremos: 1 2 h2 2M Q2 1 ṙ + 2 1 − + 2 = k2. 2 2r r r 2 (3.8) A equação acima é do tipo conservação da energia mecânica, com ṙ2 /2 sendo o termo Q2 h2 cinético, 2r 1 − 2M + o potencial efetivo e 12 k 2 o termo de energia total. 2 2 r r Vamos analisar o comportamento do potencial efetivo. Para isso, vamos definir a quantidade adimensional L ≡ h/M , tal que o potencial efetivo Uef f fique: Uef f M 2 L2 = 2r2 2M Q2 1− + 2 . r r 11 0.04 q=1 q=0.8 q=0.6 q=0.4 q=0.2 q=0 0.035 0.03 Ueff/L2 0.025 0.02 0.015 0.01 0.005 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 r/M Figura 3.1: Potencial efetivo para geodésicas de partı́culas não massivas no espaço-tempo de Reissner-Nordström (q = Q/M ). Reorganizando esses termos, obtemos: Uef f 1 = 2 L 2(r/M )2 Q2 2M + 2 . 1− r r (3.9) Na Fig. 3.1 mostramos esse potencial efetivo para alguns valores de carga, sendo q = Q/M . Notamos que o potencial vai a zero tanto no horizonte de eventos como no infinito. Podemos ver também que o valor do potencial aumenta com a carga. Para avaliar os pontos de máximo e mı́nimo do potencial, vamos obter a sua primeira derivada e tomar o ponto em que a derivada é nula. Sendo assim, obtemos que o potencial efetivo tem um máximo localizado em: rmax = 3M + p 9M 2 − 8Q2 . 2 Calculamos também o valor da aceleração radial da partı́cula em termos do parâmetro afim τ , obtendo: r̈ = − Substituindo o valor de rmax dVef f h2 = 5 [r2 − 3M r + 2Q2 ]. dr r em (3.10) obtemos que: r̈ = 0. 12 (3.10) Vemos assim que a aceleração radial é nula onde o potencial é máximo. Para valores r > rmax a aceleração radial é direcionada para fora do centro, repulsiva. Porém, se r < rmax a aceleração é atrativa, ou seja, direcionada para o centro. Vamos, agora, analisar o caso em que uma partı́cula sem massa vem do infinito com energia total Ec = 1 2 k 2 c tal que seja igual ao máximo do potencial efetivo. Quando a partı́cula chega em rmax , ṙ = r̈ = 0. Vamos calcular o valor da velocidade angular da partı́cula a partir da equação (3.7) utilizando (3.2). Assim obtemos: φ̇ = ± kc . rmax f (rmax ) Uma vez que a velocidade angular não é nula neste ponto, a partı́cula descreve uma órbita circular. Agora, se uma partı́cula vem do infinito com energia total E < Ec , ela vai ter sua velocidade radial anulada antes de rmax e depois ela troca de direção sendo repelida de volta para o infinito. Se a partı́cula tem energia E > Ec , ou seja, com energia maior que o máximo do potencial efetivo, ela atinge o buraco negro. Para averiguarmos quais os valores de k e h nesses casos, vamos igualar o máximo do potencial efetivo com a energia total. Assim obtemos: −1/2 h Q2 2M bc = = rmax 1 − + 2 . kc rmax rmax (3.11) Essa equação define o parâmetro de impacto critico para geodésicas nulas. Este parâmetro definirá se a partı́cula será absorvida ou espalhada pelo buraco negro. Geodésicas com b > bc serão espalhadas enquanto que aquelas com b < bc serão absorvidas. A partir de agora, vamos obter quais são as geodésicas de partı́culas não massivas e, através de método perturbativo, a deflexão sofrida por um raio de luz. 3.2.1 Equação de Geodésica Nula Para resolver o problema do movimento dos corpos, na gravitação newtoniana, é comum utilizar a mudança de variável u = 1/r, onde r depende da variável angular φ. Para resolver esse problema, no contexto da Relatividade Geral, vamos fazer a mudança de variável: u= M , r com u = u(φ). 13 Dessa forma, utilizando a regra da cadeia, obtemos: ṙ = dr du h du φ̇ = − . du dφ M dφ Utilizando esse resultado com o parâmetro de impacto b e a relação q = Q/M , podemos reescrever a equação (3.8), em termos de u, da seguinte forma: du dφ 2 = M2 − u2 (1 − 2u + q 2 u2 ). b2 Para eliminarmos a dependência explicita em M , vamos fazer a seguinte troca de parâmetros: B= b , M com isso temos: du dφ 2 = 1 − u2 (1 − 2u + q 2 u2 ). B2 (3.12) Essa é a equação orbital para uma partı́cula sem massa imersa no espaço-tempo de Reissner-Nordstöm. Derivando a equação (3.12) em relação à φ, obtemos: d2 u + u = 3u2 − 2q 2 u3 . 2 dφ (3.13) Para resolver a equação (3.13) numericamente, precisamos de duas condições de contorno. Temos que, quando r −→ +∞ tanto u como φ tendem a zero. Essa é a condição de contorno para u. Para a derivada de u, quando φ = 0, temos que: du 1 =± . dφ φ=0 B (3.14) Uma vez tendo essas condições de contorno, geramos as curvas geodésicas. Pela Fig. 3.2, podemos notar que, quanto maior a carga do buraco negro menor será a deflexão que a partı́cula sofre. 3.2.2 Encurvamento da Luz No contexto da Relatividade Geral, em geral, o menor caminho que um raio de luz percorre não é uma reta. Para que a luz possa sofrer atração gravitacional, no contexto da gravitação newtoniana, devemos atribuir a luz um certo “peso”. Na Relatividade Geral, o fato de a luz possuir energia é a razão para que ocorra a deflexão gravitacional. 14 b = 5.2M 20 q=0 q = 0.2 q = 0.4 q = 0.6 q = 0.8 q=1 15 10 y/M 5 0 5 10 15 20 20 15 10 5 0 x/M 5 10 15 20 Figura 3.2: Geodésicas de partı́culas não massivas em torno de um buraco negro de Reissner-Nordström. Para distâncias muito grandes, podemos fazer: r0 = b . sin φ (3.15) Em termos da variável u = u(r), temos: u0 = sin φ . B Uma vez que B é muito grande, podemos tratar a equação (3.13) através de método perturbativo, tal que: u = u0 + u1 , onde u1 é uma correção à solução u0 . Dessa forma, temos: d2 (u0 + u1 ) + u0 + u1 = 3(u0 + u1 )2 − 2q 2 (u0 + u1 )3 . dφ2 Levando em consideração que u0 é solução do oscilador harmônico simples e descartando os termos com múltiplos de u1 , por serem muito pequenos, obtemos: d2 u 1 + u1 = 3u20 − 2q 2 u30 . dφ2 15 Podemos reescrever essa equação como: d2 u1 3 q 2 sin φ + u = (1 − cos 3φ) − (1 − cos 2φ). 1 dφ2 2B 2 B3 (3.16) Resolvendo essa equação diferencial obtemos: [sin 3φ + 2 sin φ − 12φ cos φ]q 2 − 8B cos 2φ − 24B . (3.17) 16B 3 Agora, vamos repetir esse mesmo procedimento, aumentando a ordem da nossa peru1 = − turbação com: u = u0 + u1 + u2 . Nossa nova equação diferencial fica: d2 u2 + u2 = 6u0 u1 − 6q 2 u20 u1 . dφ2 (3.18) Resolvendo essa nova equação diferencial obtemos: u2 = − 48 sin 3φ + 96 sin φ + 960φ cos φ , 256B 3 (3.19) e [sin 3φ + 2 sin φ − 12φ cos φ]q 2 − 8B cos 2φ − 24B 16B 3 3 sin 3φ + 6 sin φ + 60φ cos φ − . 16B 3 u(φ) = c1 sin φ + c2 cos φ − Uma vez que impomos as condições de contorno para φ = 0, obtemos: sin φ 2 cos φ [sin 3φ + 2 sin φ − 12φ cos φ]q 2 − 8B cos 2φ − 24B − − B B2 16B 3 3 sin 3φ + 6 sin φ + 60φ cos φ − . 16B 3 u(φ) = Para obtermos o valor da deflexão, vamos usar a condição de que u = 0 quando φ = Θ + π [6], sendo Θ o valor que buscamos. Uma vez que Θ é muito pequeno, obtemos: Θ= 3π 4 2 + 5 − q . B 4B 2 (3.20) Esse é o valor da deflexão que um raio de luz sofre na presença de um campo gravitacional devido a um corpo carregado. Note que, se a carga é nula e desprezarmos os termos de segunda ordem, a expressão acima se torna a deflexão gravitacional de Einstein para a luz. 16 Capı́tulo 4 Conclusão A análise de geodésicas é importante para o estudo de algumas propriedades dos espaços-tempos externos a objetos supermassivos. Dessa forma, neste trabalho, apresentamos uma breve introdução sobre o espaço-tempo de Reissner-Nordström, seguida de uma análise sobre buracos negros carregados. Verificamos que o potencial efetivo de um buraco negro carregado aumenta com a carga. Se uma partı́cula tiver energia total menor que o máximo do potencial efetivo, ela será espalhada, com energia maior, ela será absorvida pelo buraco negro e se a energia total for igual ao máximo do potencial efetivo, ela estará em movimento circular em rmax . Obtivemos, através de métodos numéricos, a geodésicas de partı́culas não massivas. Percebemos que a medida que a carga era aumentada, o desvio que a partı́cula sofria era menor. E por fim, através de método perturbativo, calculamos qual era o valor da deflexão que um raio de luz sofre devido a um objeto carregado. Esse resultado nos mostra claramente que a carga diminui o valor da deflexão que uma partı́cula sofre. Nos próximos meses, daremos continuidade ao estudo da Relatividade Geral com o intuito de obter as equações de geodésicas para partı́culas massivas e partı́culas carregadas no espaço-tempo de Reissner-Nordström. 17 Referências Bibliográficas [1] R. D’Inverno, Introducing Einstein’s Relativity (Clarendon Press, Nova York, 1992). [2] K. Schwarzschild, On the Gravitational Field of a Mass Point according to Einstein’s Theory, arXiv:physics/9905030v1 (1999). [3] S. Grunau e V. Kagramanova, Geodesics of Electrically and Magnetically Charged Test Particles in Reissner-Nordstöm Space-Time: Analytical Solutions, arXiv:physics/1011.5399v1 (2010). [4] M. P. Hobson, G. Efstathiou e A. N. Lasenby, General Relativity. An Introduction for Physicists (Cambridge University Press, Nova York, 2006). [5] S. M. Carroll, Spacetime and Geometry: An Introduction to General Relativity (Addison Wesley, São Francisco, 2004). [6] V. P. Frolov e A. Zelmikov, Introduction to Black Holes physics (Oxford University Press, Nova York, 2011). [7] R. M. Wald, General Relativity (Cambridge University Press, Nova York, 1984). [8] N. B. Maia, Introdução à Relatividade (Ed. Livraria da Fı́sica, São Paulo, 2009). 18