da guerra ao Congo - Fátima Missionária

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da guerra ao Congo - Fátima Missionária
ACTUALIDADE
Regresso
Refugiados à espera de serem transferidos para o hospital de Goma. Calcula-se que o número de refugiados ultrapasse 250 mil
da guerra ao Congo
A região dos Grandes Lagos, tão fértil quanto
Uma vez mais os ódios entre tutsis e hutus herdados
sobrepovoada, volta a ser palco de uma rebelião
do genocídio de 1994 no Ruanda se reflectem
que ameaça desestabilizar o Congo, imenso país
de forma terrível no vizinho gigante, com mortes,
africano de 63 milhões de habitantes.
violações e fome
texto Leonídio Paulo Ferreira* foto Lusa
P
rimeiro foram os rebeldes liderados pelo general Laurent
Nkunda a semear o terror. Com
um historial de mortes no seu
percurso, deixaram as populações de
Goma, capital do Kivu-Norte, em pânico à medida que as notícias do seu cerco
à cidade se avolumavam. Depois foi a
vez do exército governamental congolês se envolver em pilhagens, deixando
ainda mais em desespero as populações
que era suposto protegerem. Perante
isto, os capacetes azuis da ONU, apesar
de serem 17 mil na República Democrática do Congo, mostram quase total impotência. E numa tentativa desesperada
de travar o regresso a uma nova guerra
generalizada no Congo, a ONU enviou,
em meados de Novembro, um emissário, Olesegun Obasanjo, ex-presidente
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ANO LIV | Dezembro de 2008
da Nigéria. Depois de uma reunião em
Kinshasa com o presidente Joseph Kabila, um voo para o extremo nordeste do
Congo, para um encontro com Nkunda.
As duas últimas guerras no Congo – uma em 1997, que levou ao derrube de Mobutu Sese Seko, e outra entre 1998 e 2003, a envolver seis países
– provocaram entre três e cinco milhões
Um símbolo do colonialismo
de mortes. Violações em massa, execuções sumárias, populações desalojadas e
famintas. O cenário amea­ça repetir-se e
neste momento a ofensiva dos rebeldes
de Nkunda causou já mais de 250 mil
deslocados. E mesmo para os que ficaram em Goma, o futuro é sombrio, sem
comida ou água potável, dependentes
da ajuda que a ONU e as ONG conseguem levar com grandes dificuldades.
Na origem do conflito, uma vez mais
as rivalidades étnicas e as riquezas minerais. Nkunda afirma defender os tutsis
do Congo, ameaçados pelas milícias hutus que o governo de Kinshasa usa para
controlar as minas da região, ricas em
ouro, mas também em coltan, um minério essencial à indústria dos telemóveis.
Os hutus refugiaram-se no Congo depois
de terem falhado o seu plano genocida
no Ruanda em 1994 e serem derrotados
pelos tutsis ruandeses. Mas a partir dos
campos de refugiados, criaram uma poderosa força militar que levou em 1997
a uma reacção dos tutsis congoleses que
se transformou numa rebelião vencedora
anti-Mobutu. Depois, a discordância da
partilha de despojos entre os vencedores
levou a nova guerra, desta vez com Congo, Angola, Namíbia e Zimbabwe de um
lado e rebeldes apoiados por Uganda e
Ruanda do outro. Agora, uma vez mais,
se adivinha o envolvimento do Ruanda,
que vê no Leste do Congo uma área natural de influência, beneficiando da fraqueza dos governos de Kinshasa, uma
capital demasiado longe.
1482 O navegador portu-
guês Diogo Cão entra em
contactos com os herdeiros do outrora poderoso
reino do Congo. Portugal
e o monarca local estabelecem laços e dão-se numerosos casos de conversão ao cristianismo entre
os congoleses.
Século XVI Portugueses, britânicos e franceses
envolvem-se no tráfico
negreiro, com milhões de
escravos a serem levados
para as Américas. A região
do Congo é uma das mais
afectadas pela caça ao homem, que conta com ajuda
dos governantes locais.
1885 Conferência de
Berlim confirma os direitos pessoais de Leopoldo
II, rei da Bélgica, sobre o
Congo. Criação do Estado Livre do Congo, onde
a mão-de-obra negra é
explorada de forma especialmente desumana.
1908 Congo transforma-se numa colónia típica,
sob soberania da Bélgica.
O seu território é 77 vezes
maior que o da metrópole.
1960 Independência do
chamado Congo belga.
1961 Assassínio do lí-
der e primeiro-ministro
Patrice Emery Lumumba.
1963 Fim da secessão
no Katanga.
1965 Golpe de Estado liderado por Joseph Mobutu.
1971 Política de africanização, com o país e o
rio a serem rebaptizados
de Zaire. Joseph Mobutu
passa a chamar-se Mobutu Sese Seko.
1997 Abandonado pelos
seus protectores dos Estados Unidos depois do fim
da Guerra Fria, Mobutu
assiste impotente ao sucesso de uma rebelião armada
lançada a partir do Leste do país. Com o ditador
fora do país para receber
tratamento médico, o líder rebelde Laurent Kabila, apoiado pelo Ruanda
e pelo Uganda, conquista
Kinshasa: O país passa a
chamar-se República Democrática do Congo.
1998 Ruanda e Uganda
voltam-se contra Kabila
e apoiam nova rebelião
armada. Angola, Zimbabwe e Namíbia enviam
tropas em apoio do Governo do Congo.
2001 Laurent Kabila é assassinado. O novo Presidente
é o seu filho Joseph Kabila.
2003 Depois de vários
acordos de paz, criação
de um Governo interino
de união nacional, onde
participam os movimentos rebeldes.
2006 Primeiras eleições
livres da história do país.
Na segunda volta das presidenciais, Kabila derrota
Jean-Pierre Bemba. Os votos do vencedor vêm sobretudo da metade oriental do
país, que o considera um
dos seus e lhe agradece o
fim da violência.
2008 Nova rebelião lançada no Leste do Congo.
Movimento rebelde tutsi,
com ligação aos vizinhos
Uganda e Ruanda, acusa as
tropas governamentais de
ignorarem as actividades
das milícias hutus. Principais etnias do Ruanda, mas
com presença também no
Congo, tutsis e hutus têm
uma rivalidade que ficou
dramaticamente mostrada em 1994, quando mais
de meio milhão de tutsis
foram massacrados pela
maioria hutu. Hoje, o Ruan­
da é governado por Paul
Kagame, o tutsi que derrubou o regime genocida.
*jornalista do Diário de Notícias
República Centro Africana
Congo
República
Democrática
do Congo
Kinshasa
Sudão
Uganda
Burundi
Tanzânia
Angola
Zâmbia
O coração de África
GEOGRAFIA Situado
na bacia do rio Congo, o
segundo maior de África, o país baptizado com
o mesmo nome estende-se desde os confins do
Sudão, a Norte, até ao
Atlântico, a Ocidente.
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Oficialmente denominado República Democrática do Congo, faz fronteira com nove países.
ÁREA 2,34 milhões de
quilómetros quadrados.
POPULAÇÃO 63 milhões de habitantes.
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CAPITAL Kinshasa.
LÍNGUAS Francês, lingala e suaíli. E dezenas
de outras línguas e dialectos.
RELIGIÃO Maioria cris­
tã, com minorias animistas e islâmicas.

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