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e - JCT
Q UILOTÓRAX
e-JORNAL
DE
ESPONTÂNEO BILATERAL
RELATO
CIRURGIA TORÁCICA
DE
CASO
Quilotórax espontâneo bilateral
Bilateral spontaneous chylothorax
Manoel Ximenes-Netto1, Carlos Alberto Almeida Araújo2, Paulo Rodrigues Oliveira3, Marcos Amorim Piauilino4,
Humberto Alves Oliveira5
RESUMO
Relato do caso: Foi descrito o caso de paciente com 17 anos de idade, que desenvolveu quilotórax espontâneo bilateral. O tratamento inicial consistiu em drenagem
pleural, seguida de ligadura via toracoscópica de forma bilateral e pleurodese, além
de nutrição parenteral total e triglicerídeo de cadeia média, sem sucesso. O último
procedimento consistiu em toracotomia direita com ligadura em massa do conduto
torácico, decorticação pulmonar, pleurectomia parietal, pleurodese química (talco)
e cola biológica (bioglue), além de nutrição parenteral total, dieta à base de triglicerídeo
de cadeia média e uso de sandostatin (Octreotide, Novartis, 100 mcg subcutâneo
x 3 ao dia), durante 15 dias. Houve recuperação total e três anos e meio depois se
encontra assintomático e radiografia de tórax normal.
Descritores: Quilotórax. Doenças pleurais. Doenças respiratórias.
ABSTRACT
Case report: It was described the case of a 17 year male old patient that developed
bilateral spontaneous chylothorax. The initial treatment consisted in pleural drainage,
bilateral clipping of the thoracic duct, pleurodesis, besides medium chain triglicerid
diet without success. The final procedure consisted in a right thoracocomy with mass
ligation of the thoracic duct, parietal pleurectomy, decortication, biologic glue, medium
chain triglicerid diet and octreotide, 100 mcg x 3 a day for 15 days, subcutaneous.
The patient presented complete recovery and three and one half years later is asymptomatic and the chest radiograph is normal.
Key words: Chylothorax. Pleural diseases. Respiratory tract diseases.
Trabalho realizado na Clínica do Tórax do Hospital Santa Lúcia,
Brasília, DF, Brasil.
1
2
3
4
5
Professor Livre Docente, Cirurgião Torácico do Hospital Santa
Lúcia; Chefe da Unidade de Cirurgia Torácica do Hospital de Base
do Distrito Federal, Professor da Faculdade de Medicina do
Planalto Central, Brasília, DF, Brasil.
Professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil.
Pneumologista, Clínica do Tórax e Hospital Regional do Gama,
Brasília, DF, Brasil.
Cirurgião Torácico, Clínica do Tórax e Unidade de Cirurgia Torácica
do Hospital de Base do Distrito Federal, Brasília, DF, Brasil.
Cirurgião Torácico, Clínica do Tórax; Unidade de Cirurgia Torácica
do Hospital de Base do Distrito Federal; Professor de Cirurgia da
Faculdade de Medicina do Planalto Central, Brasília, DF, Brasil;
Doutor pela Universidade de São Paulo.
Endereço para correspondência: Manoel Ximenes-Netto.
SHIN QI – Cj. 12 – casa 21– Brasília, DF, Brasil – CEP 71515-120.
E-mail:[email protected]
Artigo recebido: 4/10/2010 • Artigo aceito: 8/12/2010
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Q
uilotórax significa a presença de líquido linfático no espaço pleural e usualmente secundário a vazamento do ducto torácico ou um de
seus tributários. A primeira descrição desta entidade
foi por Quinke, em 1875, e, em 1958, Lampson descreveu pela primeira vez a ligadura do conduto no
tratamento desta condição1. Uma lesão no conduto
torácico pode levar ao acúmulo de grandes quantidades de linfa no espaço pleural, levando-se em conta
que o conduto transporta até quatro litros de linfa
por dia, além de eletrólitos, proteínas, gordura solúvel em vitaminas e linfócitos com predomínio da variedade célula T2.
X IMENES -N ETTO M,
ET AL .
A frequência de quilotórax pós cirurgia varia entre
0,2-1% e a morbidade e mortalidade em torno de
10%, não tem preferência por sexos nem por idade.
Os sintomas são dispneia, taquipneia e se desenvolve
quando se acumula grandes volumes de linfa no espaço
pleural. O exame físico é típico dos derrames pleurais,
como diminuição do murmúrio vesicular2,3.
e mantida a drenagem pleural à esquerda. Foi instituída dieta à base de triglicerídeos de cadeia média
e restrição gordurosa. Não houve redução no volume de drenagem, sendo o paciente submetido a
novo procedimento videopleuroscópico bilateral com
clipagem e talcagem do espaço pleural. Adicionouse nutrição parenteral total por 13 dias, sem resolução dos derrames.
RELATO DO CASO
O paciente foi transferido para o Hospital Santa
Lúcia. A tomografia computadorizada de tórax (Figura 2) demonstrou septações bilaterais, além de
quilopericardio e quiloperitôneo. Houve perda ponderal de 12 kg durante a primeira internação.
Paciente de 17 anos de idade foi atendido inicialmente em virtude de tosse seca há duas semanas.
Dezoito dias antes havia sido submetido a apendicectomia sem intercorrências. Na avaliação pré-operatória pela ultrassonografia, foi notada a presença
de pequeno derrame pleural. Dezoito dias depois,
pela radiografia de tórax foi constatado volumoso
derrame pleural bilateral.
O paciente foi submetido a toracocentese e drenagem fechada bilateral. O exame do líquido foi positivo para derrame quiloso, caracterizado pela presença de quilomicrons e triglicerídeo > 110 mg/dl
(Figura 1).
Em 1º de setembro de 2007, o paciente foi submetido a toracotomia direita com ligadura em massa do conduto torácico, além de decorticação pulmonar, pleurectomia parietal e uso de cola biológica
(bioglue) desde a bifurcação traqueal até o hiato esofágico (Figura 3). Foi instituída nutrição parenteral
total, observando-se pequena redução da drenagem
Na investigação epidemiológica e de imagens,
não foi verificada a presença de nenhuma doença que
justificasse o derrame. A linfocintigrafia mostrou a
coleção do traçador no mediastino inferior. Em 25
de julho, o paciente foi submetido a videopleuroscopia
direita e ligadura do conduto torácico pela clipagem
Figura 2. Tomografia computadorizada de tórax demonstrando derrame
pleural bilateral
Figura 1. Líquido pleural sugestivo de linfa
A
B
C
D
E
F
G
H
I
J
K
L
Figura 3. As múltiplas variações do conduto torácico, justificando provavelmente o insucesso das primeiras intervenções e a necessidade de ligadura
em massa acima do diafragma nos casos intratáveis de fistula quilosa
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linfática. No 15º dia de internação, foi iniciado o uso
de sandostatin (Octreotide, Novartris, 100 mcg subcutâneo x 3 ao dia), durante 15 dias. Houve redução
progressiva da drenagem pleural, o dreno foi removido e iniciada dieta oral hipograxa. A biopsia da
pleura parietal mostrou linfangiectasia, caracterizada por exuberante processo reativo à custa de
linfócitos, histiócitos e miofibroblastos. A imunohistoquímica foi positiva para CD 68, CD 34, CD 31
calretinina, positivo em mesotélio, sem atipias, AML
positivo em vasos e miofibrolastos, todos caracterizando processo benigno.
O paciente obteve alta no 67º dia de hospitalização,
em boas condições clínicas. Retornou para avaliação
100 dias depois da alta, com bom estado geral, ganho
de peso e sem nenhuma restrição física. Três anos e
dois meses após o procedimento, o paciente se encontra assintomático e a radiografia de tórax com aspecto normal.
Quadro 1. Classificação etiológica do quilotórax
(modificado de DeMeester)
Tipo
Causas
Congênito
Atresia do conduto torácico, trauma ao
nascer, fístula do conduto torácico
Fechado, penetrante, trauma cirúrgico,
dissecção radical do pescoço
(esvaziamento cervical)
Ligadura do conduto arterial,
cirurgia para coarctação da aorta
ou aneurisma, pós esofagectomia,
ressecção de tumores do mediastino,
pós pneumonectomia, pós simpatectomia
Pós simpatectomia, dissecção radical
de linfonodos, arteriografia lombar,
cateterismo da veia subclávia
Neoplasias (linfoma, mais comum)
Síndrome de Noonan Síndrome de
Gorham & Stout
Tumores benignos,
linfangioleiomiomatose, linfangiectasia
intestinal, enteropatia perdedora de
proteína, ileite regional, hiperplasia reticular,
pleurite, cirrose
Traumatismo
Cirurgia
Torácica
Cirurgia
Abdominal
Tumores
Causas Raras
Miscelânea
DISCUSSÃO
O principal mecanismo produtor de quilotórax é
o vazamento do quilo no espaço pleural, o que implica em rotura do conduto na maioria dos casos. Trauma é o mecanismo mais comum de quilotórax, particularmente após cirurgia que envolve a dissecção
do mediastino. A punção percutânea de veia central
pode resultar em trombose, que impede a drenagem
linfática, bem como a linfoadenopatia mediastinal pelo
mesmo mecanismo. Outras etiologias incluem (a) quiloperitôneo, (b) síndrome de Noonan, (c) síndrome da
unha amarela e (d) Doença de Gorham2-4.
Os efeitos da perda de quilo levam a uma cadeia
de eventos com sérias conseqüências, que incluem
perda de proteínas essenciais, imunoglobulinas, gordura, vitaminas, eletrólitos e água, resultando em
desnutrição grave.
Do ponto de vista etiológico, DeMeester divide
o quilotórax em traumático, congênito, neoplásico e
miscelânea (Quadro 1).
O fulcro no tratamento do quilotórax consiste
em primeira instância em atender às necessidades
nutricionais do paciente no sentido de reverter a
hipovolemia, imunossupressão e as deficiências protéicas e de eletrólitos. O tratamento conservador em
casos de quilotórax pequeno consiste em drenagem pleural e/ou toracocentese, nada pela boca,
dieta pobre em gorduras e triglicerídeos de cadeia
média. Estes últimos são absorvidos diretamente
na circulação portal. Esta abordagem conservadora pode ser usada em quilotórax traumático e congênito, com chance de resolver o problema em 50%
dos casos. Nos casos crônicos com perda nutricional importante, a nutrição parenteral total deve
ser usada 3.
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O quilotórax devido à doença neoplásica tem
sido tratado pela radio e quimioterapia acompanhada ou não de pleurodese (talcagem) via tubo de drenagem ou via toracoscópica. Outros métodos incluem pinçamento do nervo frênico e reimplantação
do conduto torácico numa veia ou reanastomose do
conduto. Somastatin (Octreotide) tem sido usada como
coadjuvante e, com muito sucesso, no sentido de
reduzir a produção de quilo intestinal, conforme
demonstrado em nosso caso6,7.
O tratamento cirúrgico é recomendado no quilotórax pós-cirurgia ou pós-trauma e na falha do
tratamento conservador. A maioria recomenda o
tratamento conservador até duas semanas na ausência de indicação importante de cirurgia. A indicação operatória se impõe quando a drenagem
linfática é superior a 1.5 l/dia por mais de cinco
dias em adultos ou > 100 ml/kg/dia em crianças.
A fim de identificar o local do vazamento, podemos usar a linfangiografia, a injeção subcutânea
de azul de Evans a 1% na coxa e/ou a administração enteral de gordura 30 minutos antes do procedimento 5,6 .
A ligadura do conduto torácico pode ser realizada com fio inabsorvível nos casos em que é facilmente identificável e, caso contrário, é recomendada
a ligadura em massa dos tecidos entre aorta, coluna,
esôfago e pericárdio desde o hiato esofágico até a
bifurcação traqueal, levando em conta as variações
anatômicas do conduto. Este procedimento deve ser
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ET AL .
feito de preferência com entrada entre o sexto e
sétimo espaço intercostal à direita.
completa do pulmão; (e) embolização percutânea do
conduto torácico; (f) “shunt” pleuroperitoneal6-9.
Em resumo, as modalidades de tratamento do
quilotórax podem ser de forma mais conservadora e
consistem em: (a) dieta oral zero; (b) dieta com triglicerídeo de cadeia média; (c) nutrição parenteral total;
(d) drenagem do quilotórax até obter a reexpansão
A terapêutica cirúrgica mais agressiva consiste
em: (a) ligadura direta do conduto torácico; (b) ligadura em massa acima do diafragma; (c) pleurectomia
associada a pleurodese (talco ou cola biológica) e, nos
casos de malignidade, radio e/ou quimioterapia10-12.
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