O Período Antropológico: Lombroso

Transcrição

O Período Antropológico: Lombroso
O Período Antropológico: Lombroso
Osvaldo Hamilton Tavares
(Procurador de Justiça)
(Dedico este trabalho ao Dr. Luiz Felipe do Vale Tavares, ao
Neurologista Dr. Alexandre Ottoni Kaup e ao Dr. Tulio Tadeu Tavares).
Altavilla divide a Escola Positiva em três grandes períodos:
Antropológico (Lombroso); sociológico (Ferri) e jurídico (Garofalo).
A Escola Positiva tem o seu preâmbulo na obra monumental de
Lombroso. As suas obras principais são L'uomo delinquente, de 1876, e
La Donna delinquente, Ia prostitua e Ia donna normale. Foi professor
da Universidade de Turim e médico psiquiatra. Antes dele, vários
estudiosos, como Gall e Lavater, pesquisaram o problema do crime à luz de
critérios naturalistas, conforme observação de Antonini. Entretanto, foi
com Lombroso que começou, realmente, o período das investigações
sistemáticas e constantes, alcançando as explicações da criminalidade um
desenvolvimento orgânico e sistemático de doutrina.
Como psiquiatra, Lombroso trouxe para o campo da psicologia o
determinismo cósmico dos pitagóricos e outros astrólogos, exagerando a
influência meteórica e cósmica sobre os fenômenos individuais (Roberto
Lyra, "Novíssimas Escolas Penais", 1956, pág. 173). Outrossim, fundou a
Antropologia Criminal como ramificação da Antropologia Geral.
A concepção inicial de Lombroso é a do criminoso nato. Uma
circunstância curiosa da vida de Lombroso fez com que ele chegasse à
concepção do criminoso nato. Certa vez, ao proceder à necroscopia de
cadáver de um delinquente, encontrou a fosseta occipital média com
desenvolvimento anômalo assemelhado ao de certos animais vertebrados
inferiores. A esse sinal patognomônico colhido na necrópsia juntou as teses
de Darwin sobre o evolucionismo. Convencido da uniformidade da
natureza e do determinismo e numa apressada generalização, Lombroso
vislumbrou afinidades entre os caracteres do homem primitivo, do
criminoso e dos animais vertebrados inferiores. E, desde logo, formulou a
primeira explicação da etiologia do delito: o atavismo. O criminoso nato
seria um revenant das eras pré-históricas (José Hygino, prefácio da
tradução do "Tratado", de Von Liszt, pág. XLII). O delito representa uma
regressão atávica a caracteres primários do homem primitivo ou até do ser
pré--humano, Assim, o criminoso seria um ser que, por um "acidente da
natureza", regrediu a quadras distantes da evolução da humanidade,
apresentando anomalias anatômicas e psicológicas próprias do homem
primevo selvagem.
Em suas constantes peregrinações pelos cárceres e nosocômios, o
notável antropólogo foi anotando os dados característicos do criminoso
nato: baixo de estatura, crânio pequeno, braquicéfalo e assimétrico, testa
estreita, lábios finos, orelhas em forma de asa, zigomas salientes,
prognatismo, face longa e larga, cabelos abundantes, rosto pálido.
Psicologicamente, o criminoso nato se traduz por especial insensibilidade
moral, impulsividade, preguiça, vaidade e imprevidência. Mancinismo,
analgesia, ambidestria e disvulnerabilidade são outros traços por ele
denunciados. Nele não se desenvolve o senso moral. Ademais, apresenta
distúrbios sensoriais e disfunções dos reflexos vasomotores.
Desenvolvendo sua concepção da herança atávica, estudou, com
pormenores, a delinquência infantil e juvenil. Para ele, todas as tendências
criminais começam na primeira infância. São traços de singular valor na
configuração da dinâmica da personalidade, em sua etapa infantil: cólera,
vingança, ciúme, mentira, privação do senso moral, egoísmo, crueldade,
preguiça, obscenidade e irritação.
Entretanto, o notável fundador da Antropologia Criminal advertia
que o tipo criminoso não era o que apresentava anomalias isoladas, mas era
o resultante de uma "apuração global" (Basileu Garcia, "Instituições de
Direito Penal", 1.° vol., pág. 92). Além disso, os criminosos passionais e
ocasionais eram tipos inteiramente normais, não apresentando anomalias e
malformações anatômicas.
Todavia, a concepção do criminoso nato, por regressão atávica, não
poderia subsistir de per si, tais foram as críticas contra ela endereçadas.
Assim, Lombroso se apressou em procurar nova explicação para a fonte
causal da delinquência: a epilepsia, nas suas formas declarada e larvada. O
criminoso seria, então, um degenerado atávico de fundo epiléptico (Anibal
Bruno, "Direito Penal", 1.° vol., pág. 101).
Por fim, ao atavismo e à epilepsia juntou depois a loucura moral,
como explicação para a etiologia criminal. A loucura moral, que foi
profundamente estudada por Prichard e Maudsley, revela um indivíduo
vicioso, cruel e anestésico, "que não se comove pelo sofrimento alheio,
nem cede diante da súplica de suas vítimas" (Almeida Júnior, "Lições de
Medicina Legal", 1965, pág. 404). Ou como observa o Prof. Basileu
Garcia, "o louco moral tem, aparentemente, íntegra a sua inteligência, mas
sofre de profunda falta de senso moral. É um homem perigoso pelo seu
terrível egoísmo" (op. cit., pág. 93). Assim, para Lombroso, o criminoso é
um ser atávico, com fundo epiléptico e semelhante ao louco moral (Cuello
Calón, "Derecho Penal", tomo I, pág. 19).
Lombroso não abandonou uma das explicações da etiologia criminal
pelas outras. Procurou coordená-las, assinalando que a concepção da
herança atávica se completava pela epilepsia e pela loucura moral, partindo
de uma explicação antropológica para chegar a uma explicação patológica
do crime e da criminalidade (Basileu Garcia, op. cit., pág. 95).
Como acentua o Prof. Basileu Garcia, é temerário aceitar a doutrina
lombrosiana do tipo criminoso (op. cit., pág. 95). Com efeito, o tipo
criminal afirmado por Lombroso não existe, conforme demonstrou Baer em
profundas investigações (Mezger, "Tratado de Derecho Penal", trad. de
Rodríguez Muñoz, 2.ª edição, pág. 75). Outrossim, como acentua
Aschaffenburg, citado por Afrânio Peixoto, é completamente falsa a
comparação entre crime e epilepsia ("Criminologia", 1953, pág. 39), sendo
que, entre nós, Tobias Barreto recusa o atavismo como fonte causal da
criminalidade (Teodolindo Castiglione, "Lombroso perante a Criminologia
Contemporânea", 1962, pág. 273). Ainda, entre nós, Ivair Nogueira Itagiba
é um dos críticos que com mais pertinácia combate a doutrina lombrosiana.
São suas palavras: "Não há inclinação irresistível, nem fatalidade orgânica
para o crime. Criminosos por instinto, homens nascidos. doentes, com
predestinação ao delito, é tese desaceitável. O criminoso nato é uma
species de criação arbitrária. O patologismo lombrosiano não passa de
generalização ou exagerada fantasia. (...) O casualismo ou determinismo do
crime é concepção irreal, simples ficção de um teorismo pouco acreditado"
("Homicídio, Exclusão de Crime e Isenção de Pena", 1.° vol., págs.
114/115). Outro não é o juízo do Pe. Leonel Franca, sobre a obra de
Lombroso: "Julgamos inútil insistir sobre o valor de uma teoria que só se
divulgou pelo caráter paradoxal de substituir as prisões por hospícios, os
juízes por médicos alienistas e os códigos penais por tratados de
psiquiatria. Minando pela base a liberdade individual, a nova criminologia,
na sua parte teórica, nivela o vício e a virtude, o bem e o mal, o gênio, a
santidade e a loucura, solapando assim os fundamentos do direito, os
alicerces da vida social. Na sua parte positiva, os corifeus da nova escola,
inspirados por preocupações sectárias revelaram-se parciais e precipitados.
Os fatos foram mal observados, torcidos, mutilados e, sobretudo,
interpretados com espírito de sistema. Os próprios positivistas de outros
países bem depressa fizeram justiça às novas doutrinas. G. Tarde, aludindo
maliciosamente a uma teoria de Lombroso chegou a dizer-lhe que ele
verificava em si mesmo a sua tese: entre o gênio e a loucura não é grande a
distância. Os congressos de Antropologia Criminal reunidos em Paris
(1892), S. Petersburgo (1890) e Bruxelas (1892) deram o golpe de graça ao
famoso tipo do delinquente-nato ("Noções de História da Filosofia", 1967,
págs. 196/197).
Todavia, muita injustiça há nessas increpações. Com efeito, Basileu
Garcia diz que o grande mérito da obra de Lombroso "foi chamar a atenção
dos estudiosos para a correlação inegável entre os fatos morais e os fatos
físicos" (op. cit., pág. 95). Outrossim, Roberto Lyra acentua que "a ideia
fundamental de Lombroso - a origem orgânica de muitos delitos - ainda
centraliza a pesquisa genética ("Novíssimas", pág. 71), sendo que o próprio
Ivair Nogueira Itagiba acrescenta que "a doutrina da "constituição
delinquencial" é um capítulo do neo-lombrosismo" (op. cit., pág. 115, 1.°
vol.).
Ademais, suas ideias receberam o apoio de Sheldon, Kretschmer,
Lange, Vervaeck, Niceforo, Michaels, Pende, Grispigni, Di Tullio,
Altavilla, Carroll e estão sendo confirmadas à luz das últimas conquistas da
ciência (Leonídio Ribeiro, "Criminologia", pág. 49). O filósofo Humberto
Padovani também lhe reconhece o devido mérito, ao assinalar que "apesar
dos exageros e dos dogmatismos, esta escola conseguiu entender muitas
vezes melhor do que as outras a alma do criminoso, e fez com que fosse
tratado com maior humanidade" (op. cit., pág. 390).

Documentos relacionados

o homem delinquente

o homem delinquente Direito Penal surgiu com a vida de Lombroso, no século XIX. Um apego positivo aos fatos, por exemplo, é o estudo dedicado às tatuagens, com base nas quais Lombroso fez classificação dos diversos ti...

Leia mais

5 ARTIGO CRIMINOLOGIA Padrão para artigos _OK

5 ARTIGO CRIMINOLOGIA Padrão para artigos _OK a) Psiquicamente tem pequena capacidade craniana, mandíbula pesada e desenvolvida, protuberância occipital, órbitas grandes, crânio frequentemente anormal (assimétrico), pouca ou nenhuma barba, láb...

Leia mais