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ministério público federal procuradoria da república em
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM RIBEIRÃO PRETO/SP
_____________________________________________________________
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA __ª VARA
FEDERAL DA 2ª SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por intermédio do Procurador da
República que esta subscreve, no uso das atribuições constitucionais e legais, com fulcro
no artigo 129, incisos II e III, da Constituição Federal de 1988, bem como nos dispositivos
pertinentes da Lei n.º 7.347/85 e da Lei Complementar n.° 75/93, propõe a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA
em face de:
UNIÃO, pessoa jurídica de direito público interno, podendo ser citada nas
pessoas de seus Procuradores na Rua Inácio Luiz Pinto, nº 313, Ribeirão
Preto/SP, telefone (16) 39113840;
ESTADO DE SÃO PAULO, pessoa jurídica de direito público interno,
podendo ser citado na pessoa de um dos Procuradores do Estado na Rua
Cerqueira César, nº 333, Ribeirão Preto/SP, telefone (16) 36252114;
tendo por base os documentos anexos, consubstanciados no Procedimento Administrativo
n°. 1.34.010.000409/2011-34, e as razões de fato e de direito que passa a expor:
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SUMÁRIO
1. DO OBJETO DA AÇÃO...................................................................................................3
2. DOS FATOS......................................................................................................................3
2.1. Considerações iniciais sobre hemofilia...........................................................................3
2.2. Análise das modalidades de tratamento aplicadas .........................................................6
2.3. Tratamento dispensado pelos réus aos pacientes em Ribeirão Preto ...........................13
3. DO DIREITO...................................................................................................................16
3.1. Direito humano à saúde ................................................................................................16
3.2. Competência da Justiça Federal ...................................................................................26
3.3. Legitimidade passiva dos réus ......................................................................................27
3.4. Legitimidade ativa do Ministério Público Federal .......................................................29
4. DOS PEDIDOS................................................................................................................33
4.1. Antecipação dos efeitos da tutela .................................................................................33
4.2. Pedidos finais................................................................................................................37
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1. DO OBJETO DA AÇÃO
A presente Ação Civil Pública busca prestação de tutela jurisdicional que
impinja aos réus a implantação imediata e contínua do tratamento profilático, com a
disponibilização de concentrado de fator de coagulação tipo VIII e demais medicamentos
necessários e devidamente prescritos por ordem médica, conforme o caso e estado clínico
(v.g. fator VII recombinante), bem como acompanhamento multidisciplinar, aos cidadãos
de qualquer idade atendidos pelas unidades da rede pública de saúde de Ribeirão
Preto/SP, e região correspondente, e também a todos os cidadãos brasileiros portadores
de hemofilia do tipo “A” (CID1 D66 - Deficiência hereditária do fator VIII), com ou sem
inibidor.
2. DOS FATOS
2.1. Considerações iniciais sobre hemofilia
Hemofilia é uma coagulopatia hereditária recessiva ligada ao sexo, ocorrendo
devida à falta ou produção defeituosa de moléculas dos fatores VIII ou IX da coagulação.
A deficiência de fator VIII (Hemofilia A) é a mais frequente, ficando com 85% dos casos; já
a deficiência do fator IX (Hemofilia B) corresponde a 15%. A incidência na população
mundial é de 1/10.000 (pelo fator VIII) e de 1/30.000 (pelo fator IX) nascimentos do sexo
masculino. É caracterizada pela ocorrência de hemorragias que aparecem
espontaneamente ou em consequência de simples traumatismos leves e são comuns nas
articulações. As hemorragias geralmente ocorrem nas grandes articulações, podendo
causar muita dor, danos permanentes e incapacitantes se não forem tratados
adequadamente2 3.
1
A sigla CID refere-se à Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com
a Saúde, publicada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), por meio da qual se fornece códigos
relativos à classificação de doenças. A cada estado de saúde é atribuída uma categoria única a qual
corresponde um código, que contém até 6 (seis) caracteres.
2
NUNES, Altacílio A. et al. Qualidade de vida de pacientes hemofílicos acompanhados em ambulatório de
hematologia. Rev. Bras. Hematol. Hemoter. [online]. 2009, vol.31, n.6, pp. 437-443. Epub Nov 27, 2009.
ISSN 1516-8484. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-84842009005000085.
3
Registra-se, ainda, abordagem mais simples sobre hemofilia apresentada por Suely Meirelles, constante
da Revista Minas Faz Ciência Nº 23 (set a nov de 2005): “A hemofilia é uma doença hemorrágica
caracterizada pela constante ocorrência de sangramentos que, nos casos mais graves, podem levar o paciente
à invalidez permanente ou à morte. A coagulação do sangue é um importante mecanismo de proteção do
corpo humano. Quando uma pessoa sofre um corte, por exemplo, o processo é imediatamente acionado e,
logo, um tampão é formado sobre a ferida, evitando hemorragias e perdas excessivas de sangue. Esse
processo envolve reações em cadeia de proteínas conhecidas como fatores da coagulação. A deficiência de
qualquer um desses componentes pode provocar falhas nesse processo, causando doenças hemorrágicas.
Geralmente, tal deficiência é provocada por defeitos genéticos (mutações) nos genes que codificam os fatores
da coagulação. Quando o problema está relacionado aos fatores VIII ou IX, é quase certo que o indivíduo
será hemofílico”.
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Como referido, a hemofilia do tipo A (HA) é causada por uma deficiência do
fator VIII da coagulação, mensurada por meio do grau de sua atividade plasmática,
podendo ser classificada em leve, moderada e grave.
A hemofilia, em especial a grave, evolui com sangramentos espontâneos ou
pós traumas predominantemente em articulações e músculos, como também sujeita o
corpo humano a sangramentos graves em outros órgãos, tais com sistema nervoso central
e periférico, trato gastrointestinal, sistema urinário e outros, com significativo risco de
morte, morbidade com seqüelas permanentes. Estes eventos são potencializados quando o
tratamento é ministrado em doses inferiores ao recomendado e o paciente não é assistido
por equipe multidisciplinar capacitada. Os sintomas da doença podem se iniciar desde o
nascimento, com céfalo-hematomas, equimoses, hematomas cutâneos ou musculares e
hemorragias espontâneas (cerebrais, articulares e tecidos moles).
A médio e longo prazo, os sangramentos recorrentes nas articulações,
predispõem a um estado crônico de inflamação (figuras 1 e 2), levando a novas
hemorragias.
Figura 1 – Hematoma em pessoa com hemofilia
Fonte: Estado da Arte das coagulopatias
hereditárias no Brasil. Suely Meireles Rezende.
Seminário de Atenção Integral às Pessoas com
Coagulopatias Hereditárias no DF. Brasília, 19/ 20
de Out. de 2011, p. 07.
Figura 2 – Joelho com sinovite crônica
Fonte: Thomas, Sylvia. Sinovectomia radioativa na
sinovite crônica em hemofilia e doença de von
Willebrand.homas. Dissertação (Mestrado em Clínica
Médica) – Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Faculdade de Medicina – Rio de Janeiro, 2009, p. 40.
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O resultado final deste estado é a perda da função articular (artropatia
hemofílica), limitando a atividade laboral, baixa estima e exclusão social. A artropatia é
um estado crônico e irreversível, com necessidade de acompanhamento ortopédico
regular, necessidade de órteses e próteses, muitas vezes ainda em adultos jovens (Figuras
3 e 4).
Figura 3 – Hemartrose4 de cotovelo
Figura 4 – Hemartrose de joelho
Fonte: Estado da Arte das coagulopatias hereditárias no Brasil. Suely Meireles Rezende. Seminário de
Atenção Integral às Pessoas com Coagulopatias Hereditárias no DF. Brasília, 19/20 de Out./11, p. 07.
Como se observa, as alterações músculo-esqueléticas são comuns em pessoas
com hemofilia, principalmente nos casos graves. As hemorragias de repetição geralmente
acontecem nos joelhos, cotovelos e tornozelos, e podem gerar comprometimentos
musculoesqueléticos como lesões sinoviais, aderências articulares fibróticas, limitação
4
É o evento inicial da artropatia hemofílica e a manifestação hemorrágica mais comum da hemofilia,
ocorrendo em quase todos os pacientes com doença severa e em até 50% dos com doença moderada.
Geralmente se desenvolve de forma espontânea ou após mínimos traumas, com início na fase em que a
criança começa a andar e em articulações que suportam peso. As articulações mais comumente afetadas são
joelhos, tornozelos, cotovelos e ombros, sendo que o envolvimento axial e de pequenas articulações das mãos
e pés também pode ocorrer. Inicialmente, observa-se pródromos de rigidez e calor articular seguido de dor
intensa, que se deve em parte à rápida distensão da cápsula e limitação funcional. Em crianças, sinais
precoces incluem irritabilidade e diminuição do uso do membro afetado. O aumento da pressão intraarticular, eventualmente, controla o sangramento e resolve lentamente o processo
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articular, desuso e imobilização, que podem ter como conseqüência a osteoporose. Esse
quadro geralmente leva a dores, perda de movimento e perda de função5.
Assim, a hemofilia quando não tratada de forma adequada,
independentemente do grau, pode ocasionar sequelas irreparáveis ao sistema
osteomioarticular6. E, afora provocar uma gama de problemas físicos e funcionais, a
hemofilia é uma deficiência crônica e incurável que muda a vida do paciente e de sua
família. Semelhante a outras deficiências, tudo passa a girar em torno da hemofilia, mas
com uma peculiaridade a mais: a dependência da medicação.
O quadro clínico da hemofilia mostra que o sucesso do tratamento é a terapia
de prevenção de hemorragias, concomitante com a atuação de uma equipe
multidisciplinar formada por médicos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais,
psicólogos e assistentes sociais como parte dos cuidados integrais ao cidadão com
hemofilia.
Portanto, como já referido, as complicações podem resultar em
comprometimento da qualidade de vida do paciente levando-o ao absenteísmo escolar e
profissional, necessidade de internações hospitalares, além de sofrimento físico,
psicológico, pessoal e familiar. Somente um conjunto de medidas preventivas e curativas
pode reduzir a incidência de artropatias hemofílicas7, de riscos a vida, além da garantia da
qualidade de vida do cidadão.
2.2. Análise das modalidades de tratamento aplicadas
Restringindo, neste tópico, a abordagem de tratamento somente no aspecto
medicamentoso, pode-se verificar que a medicação a ser ministrada à pessoa com
hemofilia, de controle da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e emprego
nacional e internacional, é conhecida entre os pacientes como concentrado de fator de
coagulação, ou somente fator. Os fatores de coagulação são uma proteína que se encontra
no plasma humano e que são necessários para a formação do coágulo. No caso das
pessoas com hemofilia desprovidas de uma dessas proteínas, há a necessidade da
aplicação da medicação pela via intravenosa. A medicação de origem plasmática
atualmente aplicada nos pacientes é submetida a inativações contra hepatites e outras
5
Manso, Viviane Maria da Costa. Hemofilia: Avaliação a partir dos dados do centro dos hemofílicos do
Estado de São Paulo. Dissertação (Mestrado) – Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento, Universidade Vale
do Paraíba, São José dos Campos, SP, 2007, p. 28.
6
NUNES, T. L.; NUNES, L. G. Physiotherapy managment with FES procedure in haemophiliacs: a new
approach to rehabilitation. In: NUNES, T. L. Physiotherapy. Seville: Blackwell Publishing.2002. p. 22.
7
Manso, Viviane Maria da Costa. Hemofilia: Avaliação a partir dos dados do centro dos hemofílicos do
Estado de São Paulo. Dissertação (Mestrado) – Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento, Universidade Vale
do Paraíba, São José dos Campos, SP, 2007, p. 14.
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doenças virais, porém, nenhum laboratório fabricante garante risco zero de contaminação.
Há também outro tipo de medicação de origem não-plasmática conhecida como
recombinante e de ampla aplicação mundial. No Brasil, seu emprego ocorre, a título de
exemplo, na rede pública de saúde do Distrito Federal, enquanto em outros Estados da
Federação os pacientes garantem, em regra, sua aquisição por meio de ações judiciais.
Tem havido um aumento significativo do uso do recombinante no mundo, pois reduz os
riscos de contaminações virais praticamente a zero tendo em vista que sua produção
ocorre sem o contato com o plasma humano.
Em regra, o tratamento da HA é realizado com a aplicação do fator VIII
(FVIII). Contudo, há casos em que não se observa resposta do organismo do paciente. O
desenvolvimento de anticorpos neutralizantes da atividade coagulante do FVIII é o maior
evento complicador no tratamento da HA com concentrados de FVIII. O desenvolvimento
de uma resposta imune humoral contra o FVIII ocorre em aproximadamente 25% dos
indivíduos com HA grave e de 5%-15% dos pacientes com HA leve ou moderada que são
tratados com concentrados de FVIII purificados do plasma ou FVIII recombinante 8.
A concentração de inibidor no sangue do paciente pode tornar a terapia de
reposição totalmente ineficiente, ou seja, quanto mais alto o título do inibidor, maior a
dificuldade no controle de hemorragias, podendo levar à diminuição ou ausência total de
resposta clínica aos medicamentos utilizados, vg. ao Concentrado de Complexo
Protrombínico (CCP), ou mesmo, em alguns casos, ao Concentrado de Complexo
Protombínico Parcialmente Ativado (CCPa).
O avanço dos estudos científicos proporciona a produção de técnicas e
fármacos mais eficientes, como é o caso do concentrado de fator VII recombinante ativado
(rFVIIa) que, atualmente, possibilita aos pacientes resistentes às medicações
convencionais, uma terapia de resolução do sangramento.
Em linhas gerais, há duas modalidades de tratamento terapêutico de
reposição: por demanda e profilático.
O tratamento por demanda (on-demand) refere-se à reposição de fator apenas
em caso de sangramentos, com o objetivo de estancar a hemorragia já iniciada. Nessa
modalidade de tratamento, comumente se verifica a ocorrência de lesão das articulações
8
Embora o paciente que desenvolve inibidores possa não apresentar sintomas, a presença destes anticorpos
pode ser descoberta durante a análise clínica rotineira ou, alternativamente, quando algum quadro
hemorrágico não é paralisado tão rapidamente como poderia se esperar em resposta ao tratamento com o
fator. A presença do inibidor é, geralmente, confirmada usando-se um teste de coagulação sanguínea
chamado ensaio de inibidor de Bethesda. A titulação de anticorpos pode ser realizada usando-se este teste e é
descrita como o número de unidades Bethesda (UB). Portanto, quanto maior o número de unidades de
Bethesda, maior a quantidade de inibidores presentes no plasma. Um paciente é considerado de alto título
quando apresenta resposta acima de 5 UB. (CHAVES, Daniel G. and RODRIGUES, Cibele V..
Desenvolvimento de inibidores do fator VIII na hemofilia A. Rev. Bras. Hematol. Hemoter. [online]. 2009,
vol.31, n.5, pp. 384-390. Epub Sep 11, 2009. ISSN 1516-8484. http://dx.doi.org/10.1590/S151684842009005000068).
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devido às repetições do sangramento, e a terapêutica instituída é de resgate, visando
estancar tão-somente o sangramento.
O tratamento profilático indica a aplicação de medicação antes que um
sangramento ocorra, por tempo indeterminado e sem interrupção. A forma profilática
pode ser primária ou secundária.
A profilaxia primária consiste na administração regular do concentrado de
fator da coagulação deficiente logo após a primeira hemartrose 9, ou em torno dos 02 (dois)
anos de idade. Já a profilaxia secundária consiste na regular administração do
concentrado de fator da coagulação deficiente iniciada em pacientes acima dos 02 (dois)
anos de idade, após 02 (dois) ou mais hemartroses. O objetivo da profilaxia secundária é
diminuir a freqüência das hemartroses e reduzir a progressão da destruição articular 10,
dentre outros danos à saúde e à vida das pessoas com hemofilia.
Como referido, o tratamento profilático tem como objetivo reduzir ao mínimo
os episódios de sangramento, evitando o estabelecimento de lesões crônicas, além de
diminuir o risco de morte. Este tipo de tratamento é o recomendado pela Organização
Mundial de Saúde/ Federação Mundial de Hemofilia, como o único tratamento, na
atualidade, capaz de evitar a artropatia hemofílica, garantindo a saúde da pessoa com
hemofilia. Possibilita ao paciente alcançar a vida adulta em pleno gozo de sua capacidade
física, com todas as possibilidades de ser um cidadão produtivo e não-dependente do
Estado. A profilaxia associada à terapia domiciliar torna os pacientes independentes e
capacitados a realizar seu próprio tratamento, com ganho na qualidade de vida, tanto do
paciente como da família, traduzidos pela tranqüilidade e esperança que o paciente vê no
seu desenvolvimento físico e psicológico minimamente influenciado pela sua
enfermidade.
O tratamento profilático é um programa amplamente utilizado na Europa e
América do Norte, Oceania, Japão, Argentina, Chile e Venezuela com resultados
consagrados na literatura médica internacional. No Brasil foi aprovado pelo Comitê
Nacional de Ética e Pesquisa Brasileira ( CONEP) no ano de 2003, sob registro n.º 4563 (fls.
873vº - Inquérito Civil Público n.º 1.34.010.000409/2011-34 – anexo II - volume II). É
modalidade utilizada principalmente no Distrito Federal.
Cabe consignar, inicialmente, que profissionais médicos pertencentes ao
quadro clínico especializado dos réus não contestam a preponderância do tratamento
profilático em confronto com o tratamento sob demanda, notadamente quanto ao aspecto
clínico e as conclusões de estudos científicos (v.g., fls. 18 - Inquérito Civil Público n.º
1.34.010.000409/2011-34 – volume I; fls. 31, 87, 121 - Inquérito Civil Público n.º
9
A hemartrose é definida como o extravasamento de sangue para o interior da articulação ou para a
cavidade sinovial.
10
Thomas, Sylvia. Sinovectomia radioativa na sinovite crônica em hemofilia e doença de von
Willebrand.homas. Dissertação (Mestrado em Clínica Médica) – Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Programa de Pós-graduação de Clínica Médica, Faculdade de Medicina – Rio de Janeiro, 2009, p. 20/21.
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1.34.010.000409/2011-34 – anexo IV - volume I).
Há estudos da comunidade científica que demonstram claramente que a
profilaxia é a melhor modalidade de tratamento para as pessoas com hemofilia. Um dos
exemplos é extraído de estudo retratado por Sylvia Thomas ao indicar que se demonstrou
o benefício da profilaxia quando comparada ao tratamento em demanda na prevenção da
artropatia hemofílica. Uma das conclusões do estudo foi que 93% dos pacientes em
profilaxia apresentavam exames de ressonância nuclear magnética das articulações
normais aos 06 anos de idade, versus apenas 55% dos pacientes incluídos no grupo
tratado em demanda11.
Foram realizados vários estudos ao longo das últimas duas décadas que
demonstram claramente os benefícios do tratamento profilático. Constatou-se em 1992,
num grupo de 60 doentes, que a profilaxia protege-os do desenvolvimento da artropatia
hemofílica e que, quanto mais cedo começar o tratamento profilático, melhores serão os
resultados. Estudo de Kreuz veio reforçar os resultados mencionados anteriormente. Os
doentes em estudo foram divididos em grupos de tratamentos baseados na idade de
início da profilaxia. Aqueles que manifestaram mais de 06 hemorragias articulares antes
do início da terapêutica profilática demonstraram uma deterioração articular, enquanto os
doentes com uma ou nenhuma hemorragia articular não apresentaram qualquer
alteração. O achado interessante deste estudo é que mesmo um pequeno número de
hemorragias articulares pode iniciar a lesão irreversível das articulações e sua progressão,
independentemente do tratamento12.
A profilaxia tornou-se, assim, o tratamento de primeira escolha recomendado
pela Organização Mundial de Saúde e pela World Federation of Haemophilia desde 1994,
sendo o tratamento padrão para crianças com hemofilia severa13.
Afora os inúmeros estudos científicos que afastam de plano uma possível
alegação de falta de comprovação da eficácia do tratamento profilático, o Tribunal de
Contas da União já reconheceu a necessidade urgente de implantação da referida
modalidade de tratamento justamente por ter comprovado a economicidade de sua
adoção em comparação com o protocolo atual do Ministério da Saúde determinante do
tratamento sob demanda.
O estudo econômico que sustenta a decisão do Tribunal de Contas da União
não tomou por base uma situação hipotética. Adotou, sim, a experiência prática de quase
10 (dez) anos vivenciada pela rede pública de saúde do Distrito Federal.
11
Manco-Johnson, M. J. et al. Prophylaxis versus episodic treatment to prevent joint disease in boys with
severe hemophilia. N. Engl. J. Med. v. 357. n. 6, p. 535-544, 2007.
12
Sousa, Cristina Isabel Faria de. Tratamento e Profilaxia da Hemofilia na Criança. Instituto de Ciências
Biomédicas Abel Salazar – ICBAS. Porto. 2010, p. 08/12.
13
Manco-Johnson, M. J. et al. Prophylaxis versus episodic treatment to prevent joint disease in boys with
severe hemophilia. N. Engl. J. Med. v. 357. n. 6, p. 535-544, 2007.
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E mais. Não fez uma comparação meramente analítica da quantidade de
consumo de doses de fator de coagulação, com normalmente se busca fazer e se
argumentar nas respostas dos réus ao tentar sustentar um pretenso aumento no total de
verba a ser empenhada para se implantar o tratamento profilático14.
O custo econômico total foi analisado sob dois aspectos: (1) avaliação
econômica dos custos diretos – consumo de fatores de coagulação; visitas hospitalares
ambulatoriais,
emergenciais,
internações
hospitalares,
cirurgias,
medicações
extraordinárias, contaminações virais HIV, HCV, absenteísmo profissional e escolar; (2)
avaliação econômica dos custos indiretos – nível educacional, nível salarial, seqüelas
(morbidades), suporte governamental (v.g. benefícios previdenciários15).
Transcreve-se abaixo os termos constantes da análise técnico-econômica
realizada no bojo do processo perante o Tribunal de Contas da União:
9. O Núcleo de Coagulopatia e Hemoterapia do Governo de Distrito Federal encaminhou
resposta ao Ofício de Diligência (...) às fls. 37 e documentação anexada às folhas 38 a 44,
com as seguintes informações:
9.1. O órgão afirma que além dos estudos feitos e publicados em nível internacional, o GDF
também promoveu estudos técnicos que comprovam ser o tratamento por profilaxia
primária menos oneroso aos cofres públicos distritais. Foi selecionada uma amostragem de
64 pacientes hemofílicos “A” severos para serem acompanhados, dentre os quais 32
pacientes foram submetidos ao tratamento profilático e 32 ao tratamento por demanda, ao
longo de cinco anos. (…) Nesse contexto, o GDF montou uma equipe multidisciplinar para
acompanhar os pacientes inseridos nos estudos, a fim de registrar todas as variáveis que
envolveram os custos econômicos dos tratamentos. As conclusões do experimento
comparado (tratamento profilático versus tratamento por demanda), segundo o órgão
distrital, apontam para uma economia ao Erário, inclusive no quesito consumo de fatores
coagulantes do tratamento preventivo.
9.2. O GDF afirma ter 460 pacientes portadores de coagulopatias cadastrados e em
tratamento na hemorrede de Brasília. Desse total 46 pacientes são submetidos ao
tratamento preventivo (32 com fator recombinante - medicação sintética - e 14 com fator
plasmático - medicação derivada do plasma). O restante está submetido ao tratamento por
demanda com medicação derivada do plasma.
14
Veja análise de informação da ré União, por meio da Coordenação da Política Nacional de Sangue e
Hemoderivados – DAE/SAS/MS, ao Tribunal de Contas da União: “8.5. No que tange aos gastos financeiros
inerentes a cada tipo de tratamento, a Coordenação da Política Pública em questão afirma que não há estudos
comparados entre os gastos financeiros dispendidos com os pacientes tratados sob demanda e por profilaxia
primária. Os estudos internacionais apontam apenas para um aumento nos gastos com o consumo de
concentrados de fator de coagulação, sem considerar outros custos diretos e indiretos relacionados às
complicações de saúde, em virtude dos diversos eventos hemorrágicos que acarretam vários danos à saúde
desses pacientes’ (fls. 847vº - Inquérito Civil Público n.º 1.34.010.000409/2011-34 – anexo II - volume II).
15
Cabe aqui registrar os inúmeros processos judiciais, inclusive no Juizado Especial Federal de
Ribeirão Preto e Jundiaí, por meio dos quais o cidadão com hemofilia busca a implantação de benefício
previdenciário tendo por base as limitações impostas pela hemofilia (v.g. 0002750-70.2011.403.6304,
2005.63.02.010355-7, 2005.63.02.010356-9).
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9.3. Conforme solicitado (...), o Núcleo de Coagulopatias de Brasília informou, mediante
várias planilhas de custos, as despesas médias anuais de um paciente hemofílico tratado na
hemorrede de Brasília. Os cálculos realizados às folhas 40 a 44 demonstram que o
tratamento profilático fica em média duas vezes mais barato que o tratamento por demanda.
Foram apresentadas planilhas de custo, nas quais há composição de custo do tratamento
profilático com hemoderivados e com medicação recombinante, bem como a composição do
custo do tratamento por demanda. Com base nestes custos, o órgão distrital afirma que o
tratamento profilático é opção mais econômica, inclusive se a opção for a medicação
recombinante (sintética).
O estudo real acabou por revelar a conclusão do Tribunal de Contas da União
do montante de verba pública dispensada em cada uma das modalidades de tratamento
da hemofilia (fls. 854/864 - Inquérito Civil Público n.º 1.34.010.000409/2011-34 – anexo II volume II):
CUSTO DO TRATAMENTO/POR PACIENTE
MODALIDADE
DIRETO
INDIRETO
TOTAL
DEMANDA
170.839,34
59.691,28
230.530,62
PROFILAXIA
78.051,57
1.957,91
80.009,48
Constatou-se, portanto, no bojo dos autos n.º 010.717/2008-5 do Tribunal de
Contas da União, que o valor médio por paciente gasto no tratamento sob demanda é
188,13% mais caro que o tratamento profilático.
Afora as razões técnico-científicas e as econômicas, não se pode deixar de
repisar que a adoção da profilaxia em pessoas com hemofilia ajuda a prevenir o
aparecimento de hemorragias incontroláveis, o que implica uma injeção regular do fator
deficiente, normalmente 02 a 03 vezes por semana ou então uma injeção do fator carente
antes de uma atividade desportiva, segundo prescrição médica.
A profilaxia é normalmente dirigida a crianças com hemofilia A e B e será
mais eficaz quanto mais cedo for iniciada, preferencialmente antes que a criança tenha
hemorragias muito frequentes ou desenvolva uma “articulação alvo”. Nos jovens o
tratamento profilático é efetuado no sentido de ajudar a prevenir danos futuros nas
articulações. Como já referido, este tipo de tratamento é denominado profilaxia
secundária possibilitando aos jovens e adultos uma vida mais ativa e uma provável
dispensa da prestação de benefício previdenciário pelo Instituto Nacional do Seguro
Social.
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A vida de uma pessoa adulta com hemofilia depende diretamente do tipo de
tratamento a que esteve sujeito durante a sua fase de crescimento, assim a prevenção
através da profilaxia, e um rápido tratamento das crises hemorrágicas torna-se
fundamental para assegurar uma melhor qualidade de vida.
Por fim, deve ser consignado que o tratamento profilático não é a cura da
hemofilia e não vai evitar todas as hemorragias, mas permitirá um menor número de
hemorragias incontroláveis e diminuição das hemorragias nas articulações, menor tempo
de internamento em hospitais, menor intensidade de dor, menor número de faltas ao
emprego e à escola, garantindo uma adequada qualidade de vida à pessoa com hemofilia.
O tratamento sob demanda limita a vida do paciente que se vê obrigado a
deslocar-se à rede pública de sáude diversas vezes no mês ou até na semana para conter
os sangramentos. Este fato complica a sua vida na escola ou no trabalho. A família, por
sua vez, vive em torno do paciente, ajudando-lhe nos deslocamentos aos atendimentos
ambulatoriais, aos centros de fisioterapia, às internações hospitalares para implantes de
próteses. Os irmãos e outros membros da família sofrem os reflexos da situação pela
ausência dos pais que se vêem obrigados a dar assistência ao filho com hemofilia. Não
raro, pelo menos um integrante da família dedica-se integralmente à hemofilia. Nota-se
uma limitação na locomoção e nas atividades mais comuns do cotidiano, pois o paciente
adota um comportamento de reclusão para evitar se machucar e ter que tomar a
medicação para conter sangramentos de repetição que levam à artropatias hemofílicas.
Em muitos casos, ocorre aposentadoria precoce por invalidez.
Já o atendimento profilático, os pacientes tomam a medicação antes de um
sangramento, após um treinamento na rede pública de saúde. Com isso, a liberdade de
movimento aumenta e o comportamento do paciente aproxima-se da normalidade.
Enquanto isso, os riscos de internação diminuem. À medida que o paciente convive com a
situação, o tempo gasto limita-se à aplicação do medicamento em casa e às visitas médicas
de rotina. Os familiares não ficam tão comprometidos e presos a um só problema familiar.
A vida do paciente e seus familiares tende a se normalizar. A auto-estima do paciente se
fortalece que adota um comportamento seguro perante as atividades do cotidiano e
perante as questões mais significativas da vida como o trabalho, o matrimônio e a
paternidade16.
Segundo dados coletados por entidades de classe de pessoas com hemofilia
em alguns países da Europa, bem como estudos científicos, com o tratamento profilático
pode-se, inclusive, garantir a prática de esportes dentro de limites seguros, trazendo,
assim, melhores condições de saúde no tocante à prevenção e tratamento de doenças
cardiovasculares (melhora a pressão arterial; previne as doenças das artérias coronárias;
melhora o colesterol e outras gorduras do sangue); de doenças metabólicas (fundamental
no controlo do peso; fundamental na prevenção da diabetes); do sistema locomotor (evita
16
Excertos de RODRIGUES, A. Hemofilia: origem, transmissão e terapia gênica. Lisboa: Universidade
Nova de Lisboa, 2005.
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a osteoporose; músculos ficam mais fortes; postura mais correta; previne e melhora as
doenças crônicas das costas); bem como no tocante à saúde psicológica (mais auto-estima
e mais auto-confiança; combate e evita a ansiedade; alívio do stress; previne e ajuda a
tratar a depressão; melhora certas capacidades intelectuais; promove a socialização e
desenvolvimento infantil; importante no crescimento biopsicossocial) e à qualidade de
vida (aumenta a capacidade funcional para as tarefas da vida diária; gera sensação de
bem-estar)17.
2.3. Tratamento dispensado pelos réus aos pacientes em Ribeirão Preto
Em 22 de setembro de 2010, foi instaurado o anexo procedimento
administrativo ante a notícia de deficiência no atendimento multidisciplinar, bem como
de recusa no fornecimento de medicamento (fator VIII), na modalidade profilática,
devidamente prescrito por profissional cadastrado no Sistema Único de Saúde 18, a
paciente portador de HA grave (sem inibidor), conforme fls. 04-06 (Inquérito Civil Público
n.º 1.34.010.000409/2011-34 – volume I).
Questionado a respeito, além de atestar a existência de cerca de 190 (cento e
noventa) pacientes em tratamento com o fator VIII (fls. 98/103 – Inquérito Civil Público
n.º 1.34.010.000409/2011-34 – volume I), o Centro Regional de Hemoterapia – Hemocentro
de Ribeirão Preto informou, em síntese, que (fls. 17/21 – Inquérito Civil Público n.º
1.34.010.000409/2011-34 – volume I):
(…)
Os concentrados de fator da coagulação utilizado para o tratamento dos pacientes
portadores de hemofilia no Brasil são adquiridos e distribuídos pelo Ministério da Saúde
(MS) segundo o programa de Coagulotapias Hereditárias da Política Nacional de Sangue e
Hemoderivados/DAE/SAS/MS. (…)
Esse programa prevê o tratamento de demanda, ou seja, reposição do fator deficiente em
situações de hemorragia (por ex. sangramentos musculares, articulares) ou previamente a
procedimentos invasivos com potencial risco de sangramento (por ex. cirurgias,
exodontias).
O paciente, em sua missiva, faz menção ao uso profilático do fator realizado em BrasíliaDF. Sabe-se que o tratamento profilático, que consiste na reposição sistemática do fator
17
Em trabalho publicado por Peter Jones (Living with Haemophilia - 5th Edition. Oxford University Press,
USA, 2002), constata-se como, com o cuidado adequado, ou seja, tratamento profilático e atendimento
multidisciplinar, uma pessoa com hemofilia pode ter uma vida normal e ativa, devidamente integrada no
meio social no qual está inserida. Veja-se também, publicação da Associação Portuguesa dos Hemofílicos Membro da Federação Mundial de Hemofilia. Ano 26. N.º 128.
18
Conforme consulta ao Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde do Ministério da Saúde,
atualizado em 05/11/2011, o Dr. José Eduardo Bernardes é servidor do Hospital das Clinicas da Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto, tendo registro no CNS sob n.º 204312636920008.
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deficiente a intervalos periódicos, contribui para a manutenção de níveis de atividade do
fator próximos aos normais, diminuindo a frequência de eventos hemorrágicos e,
consequentemente, das possíveis sequelas decorrentes desses sangramentos, principalmente
nas articulações.
Esta prática é adotada por alguns países, como Estados Unidos, Canadá e Suécia, no
entanto, ainda não é autorizada no Brasil. Existem esforços, inclusive da Secretaria de
Estado da Saúde de São Paulo, no sentido de viabilizar a profilaxia para esse grupo de
pacientes. Temos informação que existe Serviço no Distrito Federal que conta com um
aporte específico de fator para esse fim, que não é disponibilizado e nem adquirido por
outros estados da União. (…)
Nos últimos anos, houve um grande avanço no tratamento da hemofilia tanto no que se
refere ao desenvolvimento de produtos liofilizados o que diminui consideravelmente o risco
de contaminação por doenças infecto-contagiosas, quanto pelo aumento do conhecimento
acerca do manejo mais adequado nas diversas situações clínicas, minimizando o risco de
complicações decorrentes de sangramento.
Nesse sentido, contamos com uma equipe multidisciplinar para atendimento do hemofílico
que, além de hematologista, é constituída por profissionais da área de psicologia,
fisioterapia, odontologia, ortopedia e serviço social. Esses serviços estão disponíveis a todos
os pacientes e poderiam ser utilizados pelo referido paciente, caso fosse de seu interesse. (…)
Em complementação (fls. 78/79 – Inquérito Civil Público n.º
1.34.010.000409/2011-34 – volume I), a Secretaria Estadual de Saúde, por meio do Grupo
de Sangue, Componentes e Derivados da Coordenadoria de Planejamento de Saúde
atestou que, no Estado de São Paulo, adota-se o procedimento firmado pelo Ministério da
Saúde19, esclarecendo que:
(…)
A política de tratamento das coagulopatias hereditárias adotada no Brasil preconiza o
atendimento de demanda, isto é, o uso de fatores de coagulação é feito nos casos de
hemorragias, comuns àqueles casos, ou preventivamente apenas nas indicações de cirurgias
eletivas. As condutas técnicas para essas patologias estão estabelecidas no Manual de
Tratamento de Coagulopatias Hereditárias, do Ministério da Saúde. Não está contemplada
a chamada profilaxia primária, com a utilização semanal dos medicamentos em dosagens
necessárias para prevenir hemorragias. A única exceção é do Governo do Distrito Federal
que já vem adotando há alguns anos com recurso próprio. O Hemocentro de Ribeirão Preto,
enquanto prestador de assistência a essas doenças deve seguir rigorosamente a política
adotada em (quase) todo o País e no Estado de São Paulo. (…)
Observa-se, portanto, que a rede pública de saúde, por meio dos réus, se
restringe a dar cumprimento ao prescrito no Manual de Tratamento de Coagulopatias
Hereditárias do Ministério da Saúde, ou seja, tratamento sob demanda por meio da
infusão do fator tão-somente na ocorrência concreta de um evento hemorrágico ou de
19
O referido manual está acostado às fls. 23/60 do Inquérito Civil Público n.º 1.34.010.000409/2011-34 –
volume I.
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possível intervenção cirúrgica.
O consumo médio por paciente prescrito mundialmente como o satisfatório a
uma plena integração social é muito superior ao fornecido pelos demandados. Ou seja,
para o brasileiro com hemofilia é fornecida atualmente uma média de 1,1 UI, o que
representa uma atenção à saúde que lhe garante a mera sobrevivência.
Conforme consta do Relatório de Auditoria Operacional na Ação de Atenção
aos Pacientes Portadores de Doenças Hematológicas realizado pelo Tribunal de Contas da
União (TC nº 006.693/2009-3 – Fiscalização nº: 309/2009), a Federação Mundial de
Hemofilia (FMH), em seus estudos, compara o consumo per capita de FVIII entre diversos
países (considera o total de UI consumido em um determinado ano em relação à
população total do país). Por esta metodologia, considerando a uma população de 190
milhões de pessoas ao final de 2007, o Brasil consumiu 1,1 UI por habitante em 2008.
Levando-se em conta a classificação adotada pela FMH, a tabela abaixo relaciona a
quantidade UI per capita consumida e a qualidade de vida dos indivíduos.
Relação entre consumo de FVIII per capita e qualidade de vida
Resultado Desejado
Tipo de Tratamento
FVIII per capita requerido
Sobrevivência
Sob demanda
0 a 1,0 UI per capita
Independência
Funcional
Sob demanda domiciliar com
profilaxia intermitente
1,0 a 3,0 UI per capita
Plena integração à
sociedade
Profilaxia intermitente e
profilaxia primária contínua
Acima de 3,0 UI per capita
Com o consumo anual de 1,1 UI per capita, os réus garantem aos cidadãos com
hemofilia na região de Ribeirão Preto/SP, como em todo o país, uma situação pouco
acima daquilo que seria necessário para garantir a sobrevivência dos pacientes, como já
referido.
Segundo Nota Técnica da Coordenação-Geral de Sangue e Hemoderivados
(CGSH) do Ministério da Saúde, a profilaxia primária em hemofilia ainda não é
recomendada como política pública no Brasil, sob a seguinte justificativa:
O principal motivo da não recomendação da profilaxia primária por esta Coordenação
refere-se ao fato deste tratamento ser bastante dispendioso, uma vez que eleva em cerca de 3
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vezes o consumo de concentrado de fator em comparação com o tratamento sob demanda.
Nestas condições, com um programa de dose domiciliar identificado como
irregular pelo Tribunal de Contas da União (TC nº 006.693/2009-3 – Fiscalização nº:
309/2009) e sem a implantação imediata do tratamento profilático, o país está, e ainda
estará, muito longe do tratamento conferido por países desenvolvidos e daquele
tratamento que garanta uma vida digna de ser vivida, nos termos na nossa Constituição
Federal.
Ante tal situação comprovada está a ausência de atendimento integral aos
cidadãos com hemofilia na região de Ribeirão Preto/SP.
3. DO DIREITO
3.1. Direito humano à saúde
A negativa de imediata implantação do tratamento profilático, conjugado com
o apoio de equipe multidisciplinar, macula a garantia constitucional da Saúde, como
direito humano de todos e dever do Estado, que se não possuísse acepção de
valor/interesse social, não mereceria tratamento individualizado pela Carta Magna de
1988, no Título VIII (Da Ordem Social), Capítulo II (Da Seguridade Social), Seção II.
Os fundamentos básicos do direito à saúde no Brasil estão elencados os artigos
196 a 200 da Constituição Federal. Especificamente, o artigo 196 dispõe que:
Artigo 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso
universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
O direito à saúde, tal como assegurado na Constituição de 1988, configura
direito fundamental de segunda geração. Nesta geração estão os direitos sociais, culturais
e econômicos, que se caracterizam por exigirem prestações positivas do Estado. Não se
trata mais, como nos direitos de primeira geração, de apenas impedir a intervenção do
Estado em desfavor das liberdades individuais. Neste sentido, Alexandre de Moraes 20,
trazendo excerto de acórdão do Supremo Tribunal Federal, preleciona que:
Modernamente, a doutrina apresenta-nos a classificação de direitos fundamentais de
primeira, segunda e terceira gerações, baseando-se na ordem histórica cronológica em que
passaram a ser constitucionalmente reconhecidos.
Como destaca Celso de Mello:
“enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as
20
Alexandre de Moraes. Direitos Humanos Fundamentais. São Paulo: Atlas, 1998. p. 44-45.
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liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de
segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identificam com as
liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de
terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente
a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um
momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos
direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota
de uma essencial inexauribilidade” (STF – Pleno – MS n° 22164/SP – rel. Min. Celso de
Mello, Diário da Justiça, Seção I, 17-11-1995, p. 39.206).
Destarte, os direitos de segunda geração conferem ao indivíduo o direito de
exigir do Estado prestações sociais (positivas) nos campos da saúde, alimentação,
educação, habitação, trabalho etc.
Cumpre ressaltar, outrossim, que baliza nosso ordenamento jurídico o
princípio da dignidade da pessoa humana, insculpido no artigo 1°, inciso III, da
Constituição Federal e que se apresenta como fundamento da República Federativa do
Brasil.
Daniel Sarmento21, em sua erudita obra intitulada “A Ponderação de
Interesses na Constituição”, assevera que:
Na verdade, o princípio da dignidade da pessoa humana exprime, em termos jurídicos, a
máxima kantiana, segundo a qual o Homem deve sempre ser tratado como um fim em si
mesmo e nunca como um meio. O ser humano precede o Direito e o Estado, que apenas se
justificam em razão dele. Nesse sentido, a pessoa humana deve ser concebida e tratada como
valor-fonte do ordenamento jurídico, como assevera Miguel Reale, sendo a defesa e
promoção da sua dignidade, em todas as suas dimensões, a tarefa primordial do Estado
Democrático de Direito. Como afirma José Castan Tobena, el postulado primário del
Derecho es el valor próprio del hombre como valor superior e absoluto, o lo que es igual, el
imperativo de respecto a la persona humana.
Nesta linha, o princípio da dignidade da pessoa humana representa o epicentro axiológico
da ordem constitucional, irradiando efeitos sobre todo o ordenamento jurídico e balizando
não apenas os atos estatais, mas também toda a miríade de relações privadas que se
desenvolvem no seio da sociedade civil e do mercado. A despeito do caráter compromissório
da Constituição, pode ser dito que o princípio em questão é o que confere unidade de sentido
e valor ao sistema constitucional, que repousa na idéia de respeito irrestrito ao ser humano razão última do Direito e do Estado.
Visando concretizar o mandamento constitucional, o legislador estabeleceu
preceitos que tutelam e garantem o direito à saúde. Nesse sentido, a Lei n.º 8.212/91
dispõe que:
21
Daniel Sarmento. A Ponderação de Interesses na Constituição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. p. 59.
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Artigo 1º A Seguridade Social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa
dos poderes públicos e da sociedade, destinado a assegurar o direito relativo à saúde, à
previdência e à assistência social.
(...)
Artigo 2º A Saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais
e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso
universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Parágrafo único. As atividades de saúde são de relevância pública e sua organização
obedecerá aos seguintes princípios e diretrizes:
a) acesso universal e igualitário;
b) provimento das ações e serviços através de rede regionalizada e hierarquizada, integrados
em sistema único;
c) descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
d) atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas;
Assim, corroborando o mandamento constitucional, a Lei Orgânica da
Seguridade Social reafirma o compromisso do Estado e da própria sociedade no sentido
de “assegurar o direito relativo à saúde”. A Lei n.º 8.080, de 19 de setembro de 1990, que
dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, estabelece:
Artigo 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as
condições indispensáveis ao seu pleno exercício.
§ 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas
econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no
estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos
serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.
(...)
Artigo 4°. O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições
públicas federais, estaduais e municipais, da administração direta e indireta e das funções
mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde – SUS.
O artigo 7° da citada lei estabelece que as ações e serviços públicos que
integram o Sistema Único de Saúde serão desenvolvidos de acordo com as diretrizes
previstas no artigo 198, da Constituição Federal, obedecendo, ainda, aos seguintes
princípios:
Artigo 7° (...)
I – universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência;
II - Integralidade de assistência, entendida como um conjunto articulado e contínuo de
serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os
níveis de complexidade do sistema;
III – preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral;
IV – igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie;
(...)
XI – conjugação de recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos
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Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, na prestação de serviços de assistência à
saúde da população.
Verifica-se, dessarte, que a própria norma disciplinadora do Sistema Único de
Saúde elenca como princípio a integralidade de assistência, definindo-a como um
conjunto articulado e contínuo de serviços preventivos e curativos, individuais e
coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema.
No mesmo sentido é a orientação da NOAS-SUS 22 n.º 01/2002, editada pela
Portaria GM/373, de 27/2/2002, e resultante de negociação firmada pelos gestores de
saúde de todos os níveis federativos, tendo sido previamente aprovada pela Comissão
Intergestores Tripartite – CIT e pelo Conselho Nacional de Saúde – CNS, contando ainda
com as contribuições do Conselho de Secretários Estaduais de Saúde – CONASS e do
Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde – CONASEMS.
O item 3 da norma preconiza que:
O PDR23 fundamenta-se na conformação de sistemas funcionais e resolutivos de assistência
à saúde, por meio da organização dos territórios estaduais em regiões/microregiões e
módulos assistenciais; da conformação de redes hierarquizadas de serviços; do
estabelecimento de mecanismos e fluxos de referências e contra-referência intermunicipais,
OBJETIVANDO GARANTIR A INTEGRALIDADE DA ASSISTÊNCIA E O ACESSO
DA POPULAÇÃO AOS SERVIÇOS E AÇÕES DE SAÚDE DE ACORDO COM
SUAS NECESSIDADES.
Apregoa, ainda, a norma, o acesso dos cidadãos aos serviços de saúde, o mais
próximo possível de sua residência, bem como “o acesso de todos os cidadãos aos serviços
necessários à resolução de seus problemas de saúde, em qualquer nível de atenção,
diretamente ou mediante o estabelecimento de compromissos entre gestores para o
atendimento de referências intermunicipais”.
Em norma dirigente (conceito de José Joaquim Gomes Canotilho), de conteúdo
programático, os itens 26 e 27 da NOAS prescrevem que:
26. As ações de alta complexidade e as ações estratégicas serão financiadas de acordo com
Portaria do Ministério da Saúde.
27. O Ministério da Saúde definirá os valores de recursos destinados ao custeio da
assistência de alta complexidade para cada estado.
Verifica-se, do teor da Norma Operacional de Assistência à Saúde, que, no
atendimento dos serviços de saúde, a União, por intermédio do Ministério da Saúde,
22
23
Norma Operacional da Assistência à Saúde – Sistema Único de Saúde.
Plano Diretor de Regionalização.
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abandonou a antiga posição de mero órgão de supervisão e distribuição de recursos,
passando à condição de responsável solidária, nos serviços de média e alta complexidade.
Portanto, é também seu dever, pois, zelar pela efetiva e correta aplicação dos
recursos repassados aos demais entes Federativos, sempre com vistas ao interesse público.
Não é demais repisar os fundamentos da decisão (saneadora) proferida pelo
Juízo Federal da 4ª Vara da Subseção Judiciária de Joinville/SC, nos autos n°.
2003.72.01.000929-9:
A União Federal diz não ser responsável pela compra e distribuição de medicamentos,
atribuindo tal responsabilidade às diversas Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde e
sustenta que o Ministério da Saúde é responsável apenas pelo repasse de recursos.
O direito à saúde está garantido na Constituição e a Lei n°. 8.080, de 19 de setembro de
1990, é categórica ao estabelecer, em seu artigo 2°, o dever do Estado de prover as condições
indispensáveis ao seu pleno exercício.
Por outro lado, a Portaria 1.318/GM, de 23-07-2002, do Ministério da Saúde, assegurou o
fornecimento gratuito a doentes dos medicamentos ditos “excepcionais, dentre eles o
Infliximab”(fl. 36).
A União Federal é, assim, como integrante do Sistema Único de Saúde, responsável pelo
fornecimento gratuito de medicamentos, não só por força de mandamento constitucional,
inserto nos artigos 196 e 198, da Constituição Federal de 1988, como também por força do
estatuído nas Leis n°. 8.080/90 e n° 9.313/96, àqueles que não têm condições de arcar com
as despesas do tratamento.
Por esta razão, não pode a União Federal pretender desonerar-se, alegando que é apenas
responsável pelo repasse da verba pública. Sua responsabilidade decorre do texto
constitucional, não podendo esquivar-se, sob o fraco argumento de que o Estado seria o
responsável, olvidando que o que está em jogo é o mais importante direito fundamental, a
vida.
Outrossim, se é direito de todo e qualquer cidadão o recebimento, por parte
do Sistema Único de Saúde (União, Estados e Municípios), de toda e qualquer medicação
necessária a seu tratamento de saúde, seja ela importada ou não, ainda que não conste de
listas oficiais, não somente para doenças pré-determinadas, mas para toda e qualquer
enfermidade, na mais abrangente acepção do direito à saúde, muito mais extreme de
dúvidas e inafastável é a responsabilidade dos demandados no cumprimento de uma das
obrigações de fazer pleiteada na presente demanda, que é o fornecimento contínuo e
preventivo (profilático) de fator de coagulação de que necessitam as pessoas com
hemofilia.
Analisando caso individual de fornecimento profilático de fator de
coagulação, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região24 assim se manifestou:
24
AMS 200934000003250, DESEMBARGADORA FEDERAL SELENE MARIA DE ALMEIDA, TRF1 QUINTA TURMA, e-DJF1 DATA:18/02/2011 PAGINA:106.
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CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SAÚDE. FORNECIMENTO DE
MEDICAMENTOS PARA HIPOSSUFICIENTE. PORTADOR DE HEMOFILIA
"A" COM ARTROPATIAS EM TORNOZELOS, COTOVELOS E JOELHOS JÁ
COM PRÓTESES BILATERAIS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA ENTRE
UNIÃO, ESTADOS-MEMBROS E MUNICÍPIOS. LEGITIMIDADE PASSIVA AD
CAUSAM DA UNIÃO. PRECEDENTES DO TRF 1ª REGIÃO E DO STJ.
INTERESSE PROCESSUAL. MEDICAMENTO INDISPENSÁVEL À SAÚDE DO
IMPETRANTE.
1. Esta Corte Regional já firmou entendimento uníssono no sentido de ser a União, o
Estado e o município, partes legítimas para figurarem no pólo passivo de demandas em que
hipossuficiente requer custeio de medicamento em razão de doença grave, visto que em tais
casos configura-se responsabilidade solidária entre União, Estados-membros e Municípios
(AGTAG 2006.01.00.0101747-0/BA, rel. Fagundes de Deus, 11/04/2008 e-DJF1 p.167;
AG 2007.01.00.029284-0/MG, rel. Daniel Paes Ribeiro, 31/03/2008 e-DJF1 p.183; AMS
2004.34.00.017612-9/DF, rel. Souza Prudente, DJ 04/06/2007 p.96).
2. O mesmo entendimento é perfilhado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça
(AgRg no Ag 886974/SC, rel. João Otávio de Noronha, DJ 29.10.2007 p. 208; AgRg no Ag
893108/PE, rel. Herman Benjamin,, DJ 22.10.2007 p. 240; REsp 828140/MT, rel. Denise
Arruda, 23.04.2007 p. 235).
3. Conforme consta de prescrição médica e relatório constante dos autos (fls. 14/16), o
medicamento postulado pelo Impetrante é considerado indispensável, porquanto, além do
consumo mensal, necessita de aumento da dose para possibilitar o procedimento cirúrgico
de colocação de próteses no quadril. Contudo, o mesmo não possui disponibilidade
financeira para arcar com o custo do medicamento.
4. Pendente de comprovação, por parte da União, a disponibilidade do medicamento
Concentrado de Fator VIII Monoclonal/Recombinante 18.000 UI, não há como prosperar a
alegação de que a ausência de provas da recusa de fornecimento do medicamento, impõe o
reconhecimento da inexistência de interesse processual.
5. A jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores já se consolidou no sentido de que os
artigos 196 e 198 da Constituição Federal asseguram aos necessitados o fornecimento de
medicamentos indispensáveis ao tratamento de saúde. Compete, portanto, aos entes
públicos, o cumprimento da assistência médica através do fornecimento de medicamento
específico para a preservação da saúde, da dignidade da pessoa humana.
6. Apelação da União improvida.
7. Remessa oficial prejudicada.
Para firmar integralmente o direito das pessoas com hemofilia ao tratamento
profilático, passa-se a colacionar excertos de voto do Ministro Gilmar Mendes, seguido à
unanimidade, ao negar provimento a agravo regimental intentado pela União ante
denegatória de suspensão de tutela antecipada concedida pelo Tribunal Regional Federal
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da 5ª Região no sentido de obrigar o Estado a imediatamente fornecer medicamento
importado de alto custo a pessoa doente (STA n.º 175). Vejamos.
A Constituição brasileira não só prevê expressamente a existência de direitos
fundamentais sociais (artigo 6º), especificando seu conteúdo e forma de prestação (artigos 196, 201,
203, 205, 215, 217, entre outros), como não faz distinção entre os direitos e deveres individuais e
coletivos (capítulo I do Título II) e os direitos sociais (capítulo II do Título II), ao estabelecer que os
direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata (artigo 5º, § 1º, CF/88). Vê-se, pois, que
os direitos fundamentais sociais foram acolhidos pela Constituição Federal de 1988 como autênticos
direitos fundamentais. Não há dúvida – deixe-se claro – de que as demandas que buscam a
efetivação de prestações de saúde devem ser resolvidas a partir da análise de nosso contexto
constitucional e de suas peculiaridades.
Mesmo diante do que dispõem a Constituição e as leis relacionadas à questão, o que se
tem constatado, de fato, é a crescente controvérsia jurídica sobre a possibilidade de decisões
judiciais determinarem ao Poder Público o fornecimento de medicamentos e tratamentos, decisões
estas nas quais se discute, inclusive, os critérios considerados para tanto.
No âmbito do Supremo Tribunal Federal, é recorrente a tentativa do Poder Público de
suspender decisões judiciais nesse sentido. Na Presidência do Tribunal existem diversos pedidos de
suspensão de segurança, de suspensão de tutela antecipada e de suspensão de liminar, com vistas a
suspender a execução de medidas cautelares que condenam a Fazenda Pública ao fornecimento das
mais variadas prestações de saúde (fornecimento de medicamentos, suplementos alimentares,
órteses e próteses; criação de vagas de UTIs e leitos hospitalares; contratação de servidores de
saúde; realização de cirurgias e exames; custeio de tratamento fora do domicílio, inclusive no
exterior, entre outros).
Assim, levando em conta a grande quantidade de processos e a complexidade das
questões neles envolvidas, convocou-se Audiência Pública para ouvir os especialistas em matéria de
Saúde Pública, especialmente os gestores públicos, os membros da magistratura, do Ministério
Público, da Defensoria Pública, da Advocacia da União, Estados e Municípios, além de acadêmicos
e de entidades e organismos da sociedade civil.
Após ouvir os depoimentos prestados pelos representantes dos diversos setores
envolvidos, ficou constatada a necessidade de se redimensionar a questão da judicialização do
direito à saúde no Brasil. Isso porque, na maioria dos casos, a intervenção judicial não ocorre em
razão de uma omissão absoluta em matéria de políticas públicas voltadas à proteção do direito à
saúde, mas tendo em vista uma necessária determinação judicial para o cumprimento de políticas já
estabelecidas. Portanto, não se cogita do problema da interferência judicial em âmbitos de livre
apreciação ou de ampla discricionariedade de outros Poderes quanto à formulação de políticas
públicas.
Esse foi um dos primeiros entendimentos que sobressaiu nos debates ocorridos na
Audiência Pública-Saúde: no Brasil, o problema talvez não seja de judicialização ou, em termos
mais simples, de interferência do Poder Judiciário na criação e implementação de políticas públicas
em matéria de saúde, pois o que ocorre, na quase totalidade dos casos, é apenas a determinação
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judicial do efetivo cumprimento de políticas públicas já existentes.
Esse dado pode ser importante para a construção de um critério ou parâmetro para a
decisão em casos como este, no qual se discute, primordialmente, o problema da interferência do
Poder Judiciário na esfera dos outros Poderes.
Assim, também com base no que ficou esclarecido na Audiência Pública, o primeiro
dado a ser considerado é a existência, ou não, de política estatal que abranja a prestação de saúde
pleiteada pela parte. Ao deferir uma prestação de saúde incluída entre as políticas sociais e
econômicas formuladas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o Judiciário não está criando política
pública, mas apenas determinando o seu cumprimento. Nesses casos, a existência de um direito
subjetivo público a determinada política pública de saúde parece ser evidente.
Se a prestação de saúde pleiteada não estiver entre as políticas do SUS, é
imprescindível distinguir se a não prestação decorre de (1) uma omissão legislativa ou
administrativa, (2) de uma decisão administrativa de não fornecê-la ou (3) de uma vedação legal a
sua dispensação.
Restringindo-se a abordagem ao caso dos autos, notadamente à segunda
hipótese acima ventilada, deve ser levado em consideração a existência de motivação para o
não fornecimento de determinada ação de saúde pelo SUS. Há casos em que se ajuíza ação com o
objetivo de garantir prestação de saúde que o SUS decidiu não custear por entender que inexistem
evidências científicas suficientes para autorizar sua inclusão.
Nessa hipótese, podem ocorrer, ainda, duas situações: 1º) o SUS fornece tratamento
alternativo, mas não adequado a determinado paciente; 2º) o SUS não tem nenhum tratamento
específico para determinada patologia.
A princípio, pode-se inferir que a obrigação do Estado, à luz do disposto no artigo 196
da Constituição, restringe-se ao fornecimento das políticas sociais e econômicas por ele formuladas
para a promoção, proteção e recuperação da saúde. Isso porque o Sistema Único de Saúde filiou-se à
corrente da “Medicina com base em evidências”. Com isso, adotaram-se os “Protocolos Clínicos e
Diretrizes Terapêuticas”, que consistem num conjunto de critérios que permitem determinar o
diagnóstico de doenças e o tratamento correspondente com os medicamentos disponíveis e as
respectivas doses. Assim, um medicamento ou tratamento em desconformidade com o Protocolo
deve ser visto com cautela, pois tende a contrariar um consenso científico vigente.
Ademais, não se pode esquecer de que a gestão do Sistema Único de Saúde, obrigado a
observar o princípio constitucional do acesso universal e igualitário às ações e prestações de saúde,
só torna-se viável mediante a elaboração de políticas públicas que repartam os recursos
(naturalmente escassos) da forma mais eficiente possível.
Obrigar a rede pública a financiar toda e qualquer ação e prestação de saúde existente
geraria grave lesão à ordem administrativa e levaria ao comprometimento do SUS, de modo a
prejudicar ainda mais o atendimento médico da parcela da população mais necessitada. Dessa
forma, podemos concluir que, em geral, deverá ser privilegiado o tratamento fornecido pelo SUS em
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detrimento de opção diversa escolhida pelo paciente, sempre que não for comprovada a
ineficácia ou a impropriedade da política de saúde existente 25.
Essa conclusão não afasta, contudo, a possibilidade de o Poder Judiciário, ou de a
própria Administração, decidir que medida diferente da custeada pelo SUS deve ser fornecida a
determinada pessoa que, por razões específicas do seu organismo, comprove que o tratamento
fornecido não é eficaz no seu caso. Inclusive, como ressaltado pelo próprio Ministro da Saúde na
Audiência Pública, há necessidade de revisão periódica dos protocolos existentes e de elaboração de
novos protocolos.
Assim, não se pode afirmar que os Protocolos Clínicos e Diretrizes
Terapêuticas do SUS são inquestionáveis, o que permite sua contestação judicial.
Situação diferente é a que envolve a inexistência de tratamento na rede pública. Nesses
casos, é preciso diferenciar os tratamentos puramente experimentais dos novos tratamentos ainda
não testados pelo Sistema de Saúde brasileiro.
Os tratamentos experimentais (sem comprovação científica de sua eficácia) são
realizados por laboratórios ou centros médicos de ponta, consubstanciando-se em pesquisas
clínicas. A participação nesses tratamentos rege-se pelas normas que regulam a pesquisa médica e,
portanto, o Estado não pode ser condenado a fornecê-los.
No caso dos autos, o tratamento profilático foi devidamente aprovado pelo órgão
público de controle, como já referido, pelo Comitê Nacional de Ética e Pesquisa Brasileira
(CONEP) no ano de 2003, sob registro n.º 4563 (fls. 873vº - Inquérito Civil Público n.º
1.34.010.000409/2011-34 – anexo II - volume II).
Quanto aos novos tratamentos (ainda não incorporados pelo SUS), é preciso
que se tenha cuidado redobrado na apreciação da matéria. Como frisado pelos
especialistas ouvidos na Audiência Pública, o conhecimento médico não é estanque, sua
evolução é muito rápida e dificilmente suscetível de acompanhamento pela burocracia
administrativa.
Se, por um lado, a elaboração dos Protocolos Clínicos e das Diretrizes Terapêuticas
privilegia a melhor distribuição de recursos públicos e a segurança dos pacientes, por outro a
aprovação de novas indicações terapêuticas pode ser muito lenta e, assim, acabar por
excluir o acesso de pacientes do SUS a tratamento há muito prestado pela iniciativa
privada.
Parece certo que a inexistência de Protocolo Clínico no SUS não pode significar
violação ao princípio da integralidade do sistema, nem justificar a diferença entre as opções
acessíveis aos usuários da rede pública e as disponíveis aos usuários da rede privada. Nesses casos,
a omissão administrativa no tratamento de determinada patologia poderá ser objeto de impugnação
judicial, tanto por ações individuais como coletivas.
25
No caso está comprovada a ausência de eficácia plena do tratamento sob demanda.
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Ante as detalhadas ponderações perante o Supremo Tribunal Federal,
observa-se o perfeito enquadramento da situação atual das pessoas com hemofilia. Apesar
da existência de um protocolo aprovado, o mesmo se encontra ultrapassado e
reconhecidamente não é contestada pelos réus a eficácia do tratamento profilático como
elemento garantidor da plena integração à sociedade da pessoa com hemofilia.
Por fim, cabe registrar que não há, inclusive, violação ao princípio da
separação dos Poderes, pois, como assentado, está comprovada a possibilidade, em casos
como o presente, de o Poder Judiciário vir a garantir o direito humano à saúde, por meio
do fornecimento de medicamento ou de tratamento imprescindível para o aumento de
sobrevida e a melhoria da qualidade de vida dos pacientes.
Quanto à possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, destaco a ementa
da decisão proferida na ADPFMC 45/DF, relator Celso de Mello, DJ 29.4.2004:
“EMENTA:
ARGUIÇÃO
DE
DESCUMPRIMENTO
DE
PRECEITO
FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO
CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE
IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA
HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO POLÍTICA DA
JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS
DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS. CARÁCTER RELATIVO DA
LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR.
CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA ‘RESERVA DO POSSÍVEL’.
NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS INDIVÍDUOS, DA
INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO CONSUBSTANCIADOR
DO ‘MÍNIMO EXISTENCIAL’. VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGÜIÇÃO
DE DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS
LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA
GERAÇÃO).”
Nesse sentido é a lição de Christian Courtis e Victor Abramovich26:
“Por ello, el Poder Judicial no tiene la tarea de diseñar políticas públicas, sino la de
confrontar El diseño de políticas asumidas con los estándares jurídicos aplicables y – en
caso de hallar divergencias – reenviar la cuestión a los poderes pertinentes para que ellos
reaccionen ajustando su actividad en consecuencia. Cuando las normas constitucionales o
legales fijen pautas para El diseño de políticas públicas y los poderes respectivos no hayan
adoptado ninguna medida, corresponderá al Poder Judicial reprochar esa omisión y
reenviarles la cuestión para que elaboren alguna medida. Esta dimensión de la actuación
judicial puede ser conceptualizada como la participación en um <<diálogo>> entre los
distintos poderes del Estado para la concreción del programa jurídico-político establecido
por la constitución o por los pactos de derechos humanos.”
26
ABRAMOVICH, Victor; COURTS, Christian, Los derechos sociales como derechos exigibles, Trotta,
2004, p. 251.
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Conclui-se, assim, que o direito humano à saúde é inconteste também para as
pessoas com hemofilia, não havendo qualquer base constitucional ou legal para negar o
tratamento profilático.
3.2. Competência da Justiça Federal
A competência da Justiça Federal vem disciplinada no artigo 109 da
Constituição Federal de 1988:
Artigo 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
I – as causas em que a União, entidade ou empresa pública federal forem interessadas na
condição de autoras, rés, assistentes ou opoentes, exceto as de falência, as de acidente de
trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho; (...)
§ 2°. As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que
for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à
demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal.
Os recursos destinados à aquisição dos medicamentos a serem,
posteriormente, fornecidos às pessoas com hemofilia são provenientes do Sistema Único
de Saúde, de cujo financiamento participam, dentre outras fontes, os entes aqui
demandados, consoante dispõe a Constituição Federal:
Artigo 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e
hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes
diretrizes:
I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos
serviços assistenciais;
III - participação da comunidade.
Parágrafo único. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com
recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios, além de outras fontes.
A Lei n.º 8.080/90 estabeleceu, também, que:
Artigo 9o - A direção do Sistema Único de Saúde (SUS) é única, de acordo com o inciso I do
artigo 198 da Constituição Federal, sendo exercida em cada esfera de governo pelos
seguintes órgãos:
I - no âmbito da União, pelo Ministério da Saúde;
II - no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, pela respectiva Secretaria de Saúde ou
órgão equivalente; e
III - no âmbito dos Municípios, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente.
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Por conseguinte, a União, em cumprimento ao seu dever de participar do
financiamento do SUS, repassa ao Estado de São Paulo recursos para o atendimento
integral do cidadão brasileiro, além dos medicamentos para a finalidade apontada.
Ante o exposto, figurando a União como parte ré, justificada está, nos termos
do artigo 109, I, da CF/88, a competência da Justiça Federal para o processamento e
julgamento da presente demanda.
3.3. Legitimidade passiva dos réus
A legitimidade passiva dos réus – UNIÃO e ESTADO DE SÃO PAULO
decorre, inicialmente, da Constituição Federal:
Artigo 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso
universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
A Lei n.º 8.080/90, por sua vez, disciplina a organização, direção e gestão do
Sistema Único de Saúde, nos seguintes moldes:
Artigo 9o - A direção do Sistema Único de Saúde (SUS) é única, de acordo com o inciso I do
artigo 198 da Constituição Federal, sendo exercida em cada esfera de governo pelos
seguintes órgãos:
I - no âmbito da União, pelo Ministério da Saúde;
II - no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, pela respectiva Secretaria de Saúde ou
órgão equivalente; e
III - no âmbito dos Municípios, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente.
Depreende-se, destarte, que o Sistema Único de Saúde ramifica-se, sem,
contudo, perder sua unicidade, de modo que de qualquer de seus gestores podem/devem
ser exigidas as “ações e serviços” necessários à promoção, proteção e recuperação da saúde
pública.
Por fim, destaca-se, também, que embora a Norma Operacional da Assistência
à Saúde – NOAS-SUS – 01/2002 preceitue ser responsabilidade solidária entre o
Ministério da Saúde e as Secretarias de Saúde dos Estados a garantia de acesso aos
procedimentos de alta complexidade, ela também determina, como já dito, que “a
regulação dos serviços de alta complexidade será de responsabilidade do gestor
municipal, quando o município encontrar-se na condição de gestão plena do sistema
municipal, e de responsabilidade do gestor estadual, nas demais situações”.
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Até mesmo porque a União, como já referido, em cumprimento do seu dever
de participar do financiamento do SUS, repassa ao Estado de São Paulo recursos
financeiros que podem e devem ser aplicados para a finalidade apontada, ou seja, o
atendimento integral dos cidadãos com hemofilia.
Não cabe somente à União adquirir os hemoderivados, como atestado
devidamente pela Coordenadora do Grupo de Trabalho de Coagulopatias Hereditárias do
Ministério da Saúde (fls. 232 – Inquérito Civil Público n.º 1.34.010.000409/2011-34 – anexo
IV – volume I). Exemplo dessa não exclusividade da União, e dever solidário das
unidades da federação, temos no próprio Distrito Federal que adquire quantidade
significativa de fatores de coagulação em complemento ao destinado pela União com o
fim de atender o tratamento profilático implantado por meio de protocolo próprio.
Assim, é dever constitucional de ambos os réus adquirirem os fatores de
coagulação aos cidadãos com hemofilia na região de Ribeirão Preto/SP e a todos aqueles
que delem necessitarem, conforme prescrição médica.
Sobre o dever constitucionalmente imposto a cada um dos entes federativos
de garantir e promover a saúde, já se manifestou, inclusive, o Supremo Tribunal Federal 27,
nos seguintes termos:
O preceito do artigo 196 da Carta da República, de eficácia imediata, revela que ‘a saúde é
direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que
visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às
ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação’. A referência, contida no
preceito, a ‘Estado’ mostra-se abrangente, a alcançar a União Federal, os Estados
propriamente ditos, o Distrito Federal e os Municípios. Tanto é assim que, relativamente
ao Sistema Único de Saúde, diz-se do financiamento, nos termos do artigo n° 195, com
recursos do orçamento, da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios, além de outras fontes. Já o caput do artigo informa, como diretriz, a
descentralização das ações e serviços públicos de saúde que devem integrar rede
regionalizada e hierarquizada, com direção única em cada esfera de governo. Não bastasse o
parâmetro constitucional de eficácia imediata, considerada a natureza, em si, da atividade,
afigura-se-me como fato incontroverso, porquanto registrada, no acórdão recorrido, a
existência de lei no sentido da obrigatoriedade de fornecer-se os medicamentos excepcionais,
como são os concernentes à Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA/AIDS), às
pessoas carentes. O município de Porto alegre surge com responsabilidade prevista em
diplomas específicos, ou seja, os convênios celebrados no sentido da implantação do Sistema
Único de Saúde, devendo receber, para tanto, verbas do Estado. Por outro lado, como bem
assinalado no acórdão, a falta de regulamentação municipal para o custeio da distribuição
não impede fique assentada a responsabilidade do Município. Decreto visando-a não poderá
reduzir, em si, o direito assegurado em lei. Reclamam –se do Estado (gênero) as atividades
que lhe são precípuas, nos campos da educação, da saúde e da segurança pública, cobertos,
em si, em termos de receita, pelos próprios impostos pagos pelos cidadãos. É hora de atentarse para o objetivo maior do próprio Estado, ou seja, proporcionar vida gregária segura e com
27
Voto do Min. Marco Aurélio, proferido no RE 271.286-8-RS.
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o mínimo de conforto suficiente para atender ao valor maior atinente à preservação da
dignidade do homem.(...)
Com mesmo entendimento, o Superior Tribunal de Justiça 28 se manifestou nos
seguintes termos:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO - FORNECIMENTO DE
MEDICAMENTOS - SUS - OFENSA AO ART. 535 DO CPC - SÚMULA 284/STF –
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS - LEGITIMIDADE
DA UNIÃO.
1. Aplicável a Súmula 284/STF quando o recorrente, a fim de indicar violação do art. 535
do CPC, não aponta, com clareza e precisão, as teses e os dispositivos legais sobre os quais o
Tribunal de origem teria sido omisso.
2. O funcionamento do Sistema Único de Saúde - SUS é de responsabilidade solidária da
União, Estados-membros e Municípios, de modo que, qualquer dessas entidades têm
legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo de demanda que objetiva a garantia do
acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros.
3. Recurso especial conhecido em parte e improvido.
Afora tal embasamento constitucional e legal, cabe registrar, ainda, que a
União, por meio do Ministério da Saúde, é responsável pelo Programa Nacional de
Coagulopatias Hereditárias no Brasil e tem como atribuição formular políticas públicas
para atenção aos pacientes com coagulopatias hereditárias, além de ter a responsabilidade
pela aquisição centralizada dos hemoderivados e outros medicamentos para o tratamento
dessas doenças.
Portanto, UNIÃO e ESTADO DE SÃO PAULO, como integrantes e gestores
do Sistema Único de Saúde, figuram como partes passivas legítimas, uma vez que a
decisão postulada projetará efeito direto sobre suas respectivas esferas jurídicas.
3.4. Legitimidade ativa do Ministério Público Federal
A norma do artigo 127, da Constituição Federal, prescreve que ao Ministério
Público, instituição essencial à função jurisdicional, compete a defesa da ordem jurídica,
do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Estabelecido
este vetor, dispõe em seguida:
Artigo 129. São funções institucionais do Ministério Público:
(...)
II – Zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos
direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia.
III - promover o inquérito civil público e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio
28
Recurso Especial n.° 854316, DJ de 05/09/2006, pág. 199.
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público e social, do meio ambiente e outros interesses difusos e coletivos.
Pela análise do texto normativo transcrito, verifica-se que o constituinte
incumbiu especificamente ao Ministério Público a relevante missão de defesa do
patrimônio público, do meio ambiente e qualquer outro interesse difuso, coletivo ou
individual homogêneo de relevância social.
Em harmonia com a Constituição Federal, preceitua a Lei Complementar n.º
75/93, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público
da União:
Artigo 5º São funções institucionais do Ministério Público da União:
(...)
V - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos da União e dos serviços de relevância
pública quanto:
a) aos direitos assegurados na Constituição Federal relativos às ações e aos serviços de
saúde e à educação.
(...)
Artigo 6º Compete ao Ministério Público da União:
(...)
VII - promover o inquérito civil e a ação civil pública para:
(...)
c) a proteção dos interesses, individuais indisponíveis, difusos e coletivos, relativos às
comunidades indígenas, à família, á criança, ao adolescente, ao idoso, às minorias étnicas e
ao consumidor.
Da mesma forma, em consonância com o texto constitucional, a Lei n°.
8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) faz expressa menção à proteção dos
interesses individuais, difusos e coletivos de crianças e adolescentes por parte do
Ministério Público.
Artigo 201. Compete ao Ministério Público:
(...)
V – promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses
individuais, difusos e coletivos relativos à infância e à adolescência, inclusive os definidos
no artigo 220, § 3º, inciso II, da Constituição Federal;
(...)
VIII – zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados às crianças e
adolescentes, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis;
E mais:
Artigo 208. Regem-se pelas disposições desta Lei as ações de responsabilidade por ofensa aos
direitos assegurados à criança e ao adolescente, referentes ao não-oferecimento ou oferta
irregular:
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(...)
VII – de acesso às ações e serviços de saúde;
Não é nem necessário ressaltar o caráter de indisponibilidade de que os
direitos referentes à proteção à criança e ao adolescente se revestem. Decorre, daí, a
inegável legitimação do Ministério Público para sua defesa, haja vista a natureza de tais
direitos, que devem ser protegidos com a mais absoluta prioridade.
Dessarte, afigura-se legítima a atuação do Ministério Público Federal para a
defesa de direitos e interesses difusos, entre os quais se insere o direito à saúde,
exteriorizada, in casu, na busca de provimento judicial que assegure às pessoas com
hemofilia o imediato recebimento contínuo e profilático do fator de coagulação
indispensável à manutenção da saúde, conforme prescrição médica de profissional
habilitado na rede pública de saúde.
Ademais, o Supremo Tribunal Federal:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. LEGITIMIDADE DO
MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROMOVER AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM DEFESA
DOS INTERESSES DIFUSOS, COLETIVOS E HOMOGÊNEOS.
1. A Constituição Federal confere relevo ao Ministério Público como instituição
permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem
jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, art.
127).
2. Por isso mesmo detém o Ministério Público capacidade postulatória, não só para a
abertura do inquérito civil, da ação penal pública e da ação civil pública para a proteção do
patrimônio público e social, do meio ambiente, mas também de outros interesses difusos e
coletivos (CF, art. 129, I e III).
3. Interesses difusos são aqueles que abrangem número indeterminado de pessoas unidas
pelas mesmas circunstâncias de fato e coletivos aqueles pertencentes a grupos, categorias ou
classes de pessoas determináveis, ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação
jurídica base.
3.1. A indeterminidade é a característica fundamental dos interesses difusos e a
determinidade a daqueles interesses que envolvem os coletivos.
4. Direitos ou interesses homogêneos são os que têm a mesma origem comum (art. 81, III,
da Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990), constituindo-se em subespécie de direitos
coletivos.
4.1. Quer se afirme interesses coletivos ou particularmente interesses homogêneos, stricto
sensu, ambos estão cingidos a uma mesma base jurídica, sendo coletivos, explicitamente
dizendo, porque são relativos a grupos, categorias ou classes de pessoas, que conquanto
digam respeito às pessoas isoladamente, não se classificam como direitos individuais para o
fim de ser vedada a sua defesa em ação civil pública, porque sua concepção finalística
destina-se à proteção desses grupos, categorias ou classe de pessoas.
5. As chamadas mensalidades escolares, quando abusivas ou ilegais, podem ser impugnadas
por via de ação civil pública, a requerimento do Órgão do Ministério Público, pois ainda
que sejam interesses homogêneos de origem comum, são subespécies de interesses coletivos,
tutelados pelo Estado por esse meio processual como dispõe o artigo 129, inciso III, da
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Constituição Federal.
5.1.Cuidando-se de tema ligado à educação, amparada constitucionalmente como dever do
Estado e obrigação de todos (CF, art. 205), está o Ministério Público investido da
capacidade postulatória, patente a legitimidade ad causam, quando o bem que se busca
resguardar se insere na órbita dos interesses coletivos, em segmento de extrema delicadeza e
de conteúdo social tal que, acima de tudo, recomenda-se o abrigo estatal. Recurso
extraordinário conhecido e provido para, afastada a alegada ilegitimidade do Ministério
Público, com vistas à defesa dos interesses de uma coletividade, determinar a remessa dos
autos ao Tribunal de origem, para prosseguir no julgamento da ação.
Sobre o assunto, merecedora de transcrição parte da decisão que antecipou os
efeitos da tutela jurisdicional, proferida pela Juíza Federal Drª Luísa Hickel Gamba nos
autos da Ação Civil Pública n°. 2004.72.01.001626-0, analisando a questão sob a ótica da
saúde como direito difuso:
Por ora, em cognição sumária, assinalo apenas que o direito à saúde, além de ser direito
individual fundamental, é direito social (art. 6° da Constituição Federal), reconhecendo a
doutrina, ainda, a existência do direito coletivo ou mesmo difuso à saúde pública. Além
disso, a partir da relevância social atribuída aos serviços de saúde no art. 197 da
Constituição Federal, o Ministério Público tem legitimidade para o ajuizamento de ação
individual ou coletiva que busque garantir a prestação do serviço nos moldes estabelecidos
na Constituição, conforme art. 129, II e III, da Constituição Federal. E, na tutela coletiva da
saúde pública, o Ministério Público pode referir e formular requerimentos em relação a
situações individuais paradigmas, incluídas na tutela pretendida em relação ao tipo de
serviço oferecido a todos, como é o caso dos autos em relação ao menor R.G.R.
Nesse sentido, inúmeros são os julgados do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal
Regional Federal da 4ª Região que assentam a legitimidade do Ministério Público para a
propositura de ação coletiva que busca tutela do direito à saúde, em moldes semelhantes à
presente (STJ, 6ª T., REsp 1998.00422595/PE, Rel. Min. Vicente Leal, DJU 1°/07/2002, p.
410; e TRF4R, 3ª T., AI 2003.04.01.041369-9/SC, Rel. Des. Federal Carlos Eduardo
Thompson Flores Lenz, DJU 21/01/2004). O próprio Supremo Tribunal Federal no voto do
Relator, Ministro Celso de Mello, proferido no julgamento do agravo regimental no RE
273.834-4/RS, assenta a legitimidade do Ministério Público para buscar a tutela do direito
à saúde, em face da relevância pública atribuída na Constituição Federal às ações e serviços
de saúde.
Mesmo sob o prisma dos direitos individuais homogêneos, persiste a
atribuição do Ministério Público Federal para a defesa dos interesses em questão, como já
salientado pelo Juízo Federal da 1ª Vara Federal de Joinville/SC, nos autos da Ação Civil
Pública n°. 2003.72.01.005010-0, às fls. 267/276:
A Constituição Federal delineou o novo perfil do Ministério Público, outorgando-lhe a
missão de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e
individuais indisponíveis. Na presente ação, o Ministério Público Federal protege o direito à
saúde, o que a princípio caracteriza um direito difuso.
No entanto, em uma análise mais acurada se denota o caráter de direito individual
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homogêneo, porquanto se busca provimento judicial que assegure, aos portadores de
doenças do fígado, o recebimento de toda e qualquer medicação indispensável ao seu
tratamento, ainda que não conste da lista oficial do Ministério da Saúde e necessite,
eventualmente ser importado.
Na demanda pretende-se a defesa de interesses coletivos “strictu sensu”, quais sejam os
direitos individuais homogêneos dos pacientes portadores de doenças do fígado de receberem
tratamento gratuito ainda que com medicamento não disponibilizado pelo SUS. Assim,
ainda que o direito à saúde seja um direito difuso em si, entendo que neste caso o pedido se
caracteriza como individual homogêneo, para o qual o MPF também tem legitimidade para
tutelar. É o que se denota a seguir.
Conforme sustenta Teori Albino Zavascki, in Defesa de Direitos Coletivos e Defesa Coletiva
de Direitos, RP 78/95, os direitos individuais homogêneos para comportarem tutela
jurisdicional coletiva mediante provocação do Ministério Público, devem ter uma relevância
social que transcenda aos interesses do grupo atingido, a tal monta de configurarem os
direitos sociais previstos no artigo 127 da Constituição Federal.
É que o artigo 129, III da Carta Constitucional legitima o Ministério Público apenas a
defender interesses difusos e coletivos. No entanto, isto não significa que tal órgão não
esteja legitimado a defender direitos individuais homogêneos. Pelo contrário, o
entendimento unânime é o de que cabe ao “Parquet” a defesa dos direitos individuais
homogêneos, mas não qualquer direito, e sim apenas os dotados de relevância social.
Desta forma, o MP só não terá legitimidade para pleitear um direito individual puro, mas
poderá fazê-lo quando tal direito atingir muitas pessoas e for de tal importância que adquira
caráter de interesse social. E este é o caso dos autos.
O direito afetado, qual seja o direito à obtenção de medicamento gratuito por doentes de
fígado, porque relativo a direito à saúde de um grupo de indivíduos, adquire relevância
social. Assim, não há dúvida da legitimidade do Órgão Ministerial para propositura de ação
coletiva quando envolvida matéria de especial relevância, o que é o caso quando se discute
direito fundamental. Ressalto por fim, que não se trata de defesa de direito individual puro.
Isto porque o pedido principal pretende a extensão a todos os doentes de fígado, de todo e
qualquer medicamento necessário ao seu tratamento, ainda que não conste da Lista Oficial
do Ministério da Saúde, e necessite, eventualmente, ser importado.
Assim, ainda que o pedido de tutela antecipada se refira a apenas duas cidadãs, o pedido
principal é estendido ao grupo de doentes de fígado.
Assim, as atribuições do Ministério Público Federal remanescem tanto em se
tratando a questão sob a ótica de direito difuso quanto individual homogêneo.
4. DOS PEDIDOS
4.1. Antecipação dos efeitos da tutela
Dispõe o artigo 273 do CPC que:
Artigo 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os
efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que existindo prova inequívoca, se
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convença da verossimilhança da alegação e:
I – haja fundado receito de dano irreparável ou de difícil reparação; ou
II – fique caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do
réu.
Justifica-se, in casu, o pedido de antecipação da tutela pelo fato de estarem
caracterizados, ao lume do artigo 273, do Código de Processo Civil, todos os pressupostos
autorizadores de sua concessão, a saber29:
Assim sendo, conclui-se que o primeiro requisito para a concessão da tutela antecipatória é
a probabilidade de existência do direito afirmado pelo demandante. Esta probabilidade de
existência nada mais é, registre-se, do que o fumus boni iuris, o qual se afigura como
requisito de todas as modalidades de tutela sumária, e não apenas da tutela cautelar. Assim
sendo, deve verificar o julgador se é provável a existência do direito afirmado pelo autor,
para que se torne possível a antecipação da tutela jurisdicional.
Não basta, porém, este requisito. À probabilidade de existência de direito do autor deverá
aderir outro requisito, sendo certo que a lei processual criou dois outros (incisos I e II do
art. 273). Estes dois requisitos, porém, são alternativos, bastando a presença de um deles, ao
lado da probabilidade de existência do direito, para que se torne possível a antecipação da
tutela jurisdicional. Assim é que, na primeira hipótese, ter-se-á a concessão da tutela
antecipatória porque, além de ser provável a existência do direito afirmado pelo autor, existe
o risco de que tal direito sofra um dano de difícil ou impossível reparação (art. 273, I, CPC).
Este requisito nada mais é do que o periculum in mora, tradicionalmente considerado pela
doutrina como pressuposto da concessão da tutela jurisdicional de urgência (não só na
modalidade que aqui se estuda, tutela antecipada, mas também em sua outra espécie: a
tutela cautelar).
E30:
Qualificar um dado direito como fundamental não significa apenas atribuir-lhe uma
importância meramente retórica, destituída de qualquer conseqüência jurídica. Pelo
contrário, a constitucionalização do direito à saúde acarretou um aumento formal e material
de sua força normativa, com inúmeras conseqüências práticas daí advindas, sobretudo no
que se refere à sua efetividade, aqui considerada como a materialização da norma no mundo
dos fatos, a realização do direito, o desempenho concreto de sua função social, a
aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade
social.
O fumus boni iuris, ou seja, a plausibilidade do direito invocado,
consubstancia-se na obrigação constitucional e legal dos réus em garantir solidariamente o
fornecimento de tratamento profilático a todos os cidadãos com hemofilia A.
O periculum in mora é notório e decorre do risco da ocorrência de seqüelas
29
Alexandre Câmara. Lições de Direito Processual Civil. Lúmen Iuris: São Paulo, 2000. pp. 390-1).
Luís Roberto Barroso. O Direito Constitucional e a Efetividade de Suas Normas: limites e possibilidades
da Constituição Brasileira. 3 ed. São Paulo: Renovar, 1996, p. 83).
30
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irreversíveis à saúde e à própria vida dos pacientes, in casu, pessoas com hemofilia A, em
decorrência da falta do tratamento médico adequado ou da descontinuidade desse
tratamento, pela ausência e/ou recusa no fornecimento de fator de coagulação.
Como se pode observar, a situação atual é insustentável, dado que os
pacientes do SUS encontram-se sem um integral amparo, a merce do fornecimento de
medicação, sofrendo dessa forma em seu dia-a-dia inúmeras e gravosas conseqüências,
com prejuízos que só tendem a aumentar com o passar do tempo, até se tornarem
irreparáveis. Por essas razões, a medida liminar ora pleiteada se reveste de caráter
urgente, fazendo-se mister seja concedida, como meio de evitar prejuízos ainda mais
sérios.
Eis o caráter emergencial da demanda.
Não obstante o pedido de antecipação de tutela refira-se ao fornecimento de
medicamentos específicos, o que levaria, em uma análise apressada, a se pensar que a
obrigação que se pede se resumiria a uma prestação de dar, está-se, em verdade, diante de
uma verdadeira obrigação de fazer, qual seja, a de prestar o tratamento necessário,
suficiente e adequado à manutenção da saúde e preservação da vida dos pacientes que
necessitem continuamente de fatores de coagulação e tratamento profilático prescritos por
médico habilitado no SUS.
Posto isso, é de aplicação, também, o artigo 461 do CPC, quanto ao cabimento
de “providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento”.
Destarte, tendo em vista a gravidade e urgência do caso, impõe-se a determinação das
medidas necessárias à efetivação da tutela específica ou para a obtenção do resultado
prático equivalente.
Repisando. Quanto à questão de fundo, trata-se de ação por meio da qual se
pretende a obtenção de determinado fármaco, alegando-se e comprovando-se de plano,
além da urgência, que o medicamento não é comercializado. O pleito antecipatório
merece ser deferido, porquanto presentes os requisitos autorizadores dos artigos 273 e
461, § 3º, do Código de Processo Civil31.
Prescreve o artigo 196 da Constituição Federal, como já referido, que “A saúde
é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas
que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. A Carta
Magna não traz conselhos ou exortações morais. Suas normas são imperativas, obrigam e
devem ser cumpridas. Ao dizer que a saúde é direito de todos, legitima pretensões como a
presente, invocáveis diretamente do Texto Magno. Também, ao atribuir ao Estado o dever
31
Excertos extraídos de decisão concessória de antecipação de tutela em mandado de segurança. a Ação
Ordinária (Procedimento Comum Ordinário) nº 5001071-39.2011.404.7106/RS. Santana do Livramento, 25
de julho de 2011. Dr. Evandro Ubiratan Paiva da Silveira. Juiz Federal.
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de garantir a saúde da coletividade, evidencia a solidariedade passiva entre todos os entes
federativos no seu custeio e promoção.
Não se olvida o sério problema da judicialização das políticas públicas. E,
umbilicalmente vinculado a isso, a controvérsia acerca da justiciabilidade dos direitos
sociais. Mais, a frequente tese aventada pelo Poder Público, de que as restrições
orçamentárias impedem efetiva e concretamente o fornecimento de remédios a todos,
beneficiando-se apenas aqueles que ingressam em Juízo, tem pertinência e propósito.
No entanto, casos graves não podem ficar à mercê da proteção estatal, até por
força do mencionado preceito constitucional. O direito à vida digna prepondera sobre
alegações genéricas de “classificação especial de medicamentos” ou de ausência de
recursos públicos.
Há de se ter em mente que os protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas do
Sistema Único de Saúde não são inquestionáveis, o que permite a judicialização da
controvérsia. Há casos em que o tratamento oferecido pela rede pública é insuficiente,
ficando para trás se confrontado com a rápida evolução do conhecimento médico. Não se
trata, aqui, de algo meramente experimental; ao revés, e ao que tudo indica, trata-se de
um tratamento com eficácia reconhecida e avalizada pela doutrina médica e não negado
pelos réus.
Sintomático, aliás, que a Federação Brasileira de Hemofilia também se
posiciona pela imediata implantação da profilaxia, conforme fragmentos reproduzidos
acima, o que representa um grande indicativo, suficiente à comprovação da
verossimilhança, de que o tratamento hoje disponibilizado pela rede pública não combate
eficazmente a doença.
Resta, portanto, demonstrada a excepcionalidade do caso clínico descrito nos
autos. O Estado, logo, por força do comando constitucional, deve alcançar o procedimento
indispensável à integridade física das pessoas com hemofilia.
Há prova inequívoca, consubstanciada em inúmeros atestados médicos (vide
prontuário médico juntado por meio do anexo I em 06 volumes), que aponta a
verossimilhança das alegações deduzidas. Padecem, e/ou estão sujeitas a padecer, as
pessoas com hemofilia de severos problemas de saúde que lhes impedem de viver normal
e dignamente.
E o fundado receio de dano irreparável reside justamente no fato de que,
persistindo referidos cidadãos desprovidos do imprescindível tratamento, seguirão com a
saúde comprometida, defrontando-se cotidianamente com sérios problemas sem
vislumbrar solução.
Ante o exposto, e encontrando-se presentes todos os requisitos legalmente
exigidos para o deferimento da antecipação do provimento jurisdicional, o MINISTÉRIO
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PÚBLICO FEDERAL requer:
a) a notificação da UNIÃO, na pessoa de seu representante legal para,
querendo, pronunciar-se, nos termos do artigo 2°, da Lei n.º 8.437/92;
b) a notificação do ESTADO DE SÃO PAULO, na pessoa de seu
representante legal para, querendo, pronunciar-se, nos termos do artigo 2°, da Lei n.º
8.437/92, sobre a presente ação;
c) a concessão da antecipação da tutela, inaudita altera parte, a fim de que seja
determinado à UNIÃO e ao ESTADO DE SÃO PAULO, de forma solidária, o
fornecimento gratuito e ininterrupto (impondo à Secretaria de Atenção à Saúde do
Ministério da Saúde e à Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, por meio de seus
representantes legais), impinja aos réus a implantação imediata e contínua do tratamento
profilático, com a disponibilização de concentrado de fator de coagulação tipo VIII e
demais medicamentos necessários e devidamente prescritos por ordem médica, conforme
o caso e estado clínico (v.g. fator VII recombinante), bem como acompanhamento
multidisciplinar, aos cidadãos de qualquer idade atendidos pelas unidades da rede
pública de saúde de Ribeirão Preto/SP, e região correspondente, e também a todos os
cidadãos brasileiros portadores de hemofilia do tipo “A” (CID D66 - Deficiência
hereditária do fator VIII), com ou sem inibidor.
d) a estipulação de prazo de 10 (dez) dias, aos responsáveis legal da Secretaria
de Atenção Básica do Ministério da Saúde e da Secretária Estadual de Saúde, para o início
do cumprimento das providências determinadas em decisão, sob pena de prisão,
determinando-se-lhes encaminhamento de relatório a cada 30 (trinta) dias, sobre as
medidas efetivadas, de modo que fique cabalmente comprovado que estão cumprindo
sua incumbência, na forma e no tempo oportuno;
e) a cominação de multa diária para caso de descumprimento da decisão
liminar, no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), a cada um dos requeridos, por paciente
desatendido;
4.2. Pedidos finais
Ante todo o exposto, o Ministério Público Federal vem requerer a Vossa
Excelência:
a) a citação de todos os réus para, querendo, contestarem a presente ação, sob
pena de revelia;
b) a confirmação/ratificação, por sentença definitiva de mérito, de todos os
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pedidos de antecipação de tutela;
c) a condenação definitiva da UNIÃO e do ESTADO DE SÃO PAULO, de
forma solidária, na implantação imediata e contínua do tratamento profilático, com a
disponibilização de concentrado de fator de coagulação tipo VIII e demais medicamentos
necessários e devidamente prescritos por ordem médica, conforme o caso e estado clínico
(v.g. fator VII recombinante), bem como acompanhamento multidisciplinar, aos cidadãos
de qualquer idade atendidos pelas unidades da rede pública de saúde de Ribeirão
Preto/SP, e região correspondente, e também a todos os cidadãos brasileiros portadores
de hemofilia do tipo “A” (CID D66 - Deficiência hereditária do fator VIII), com ou sem
inibidor.;
d) seja declarada, incidenter tantum, a inconstitucionalidade da nova redação
dada ao artigo 16, da Lei n.º 7.347/85, de modo a garantir a eficácia erga omnes da sentença
a ser proferida nos presentes autos;
e) a condenação da UNIÃO e do ESTADO DE SÃO PAULO, de forma
solidária, a publicar a sentença definitiva a ser proferida nos presentes autos nos jornais
de maior circulação em âmbito nacional, estadual e local, em três dias alternados, sendo
um deles domingo;
f) a dispensa do pagamento das custas, emolumentos e outros encargos, em
vista do disposto no artigo 18, da Lei n.° 7.347/85;
g) embora já tenha apresentado o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL prova
pré-constituída do alegado, protesta, outrossim, pela produção de prova documental,
testemunhal, pericial e, até mesmo, inspeção judicial, que se fizerem necessárias ao pleno
conhecimento dos fatos, inclusive no transcurso do contraditório que se vier a formar com
a apresentação de contestação;
h) Dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (hum mil reais), para fins fiscais.
Termos em que,
Espera Deferimento.
Ribeirão Preto/SP, 30 de novembro de 2011.
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
Documento eletrônico assinado digitalmente por Carlos Roberto Diogo Garcia, Procurador(a) da República, em
30/11/2011 às 14h04min.
Este documento é certificado conforme a MP 2200-2/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira ICP-Brasil.
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