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MINISTÉRIO DA CULTURA, ITAÚ e FUNDAÇÃO MUNICIPAL DE CULTURA
apresentam
19° festival do filme documentário e etnográfico | fórum de antropologia e cinema
Este festival é dedicado a Chantal Akerman.
sumÁRIO
Apresentação 12
Sessão de Abertura 17
Mostra Retrospectiva Olney São Paulo Mostra Contemporânea Brasileira 33
Mostra Contemporânea Internacional Sessões especiais 51
Lançamentos de publicações 55
Circuito forumdoc 61
Ensaios 75
21
43
Um nôvo do cinema baiano
Ely Azeredo 77
O filme é O grito da terra
Alex Viany 79
A moça e o muro 81
O forte
Alberto Silva 87
Curtos de Olney São Paulo falam do teatro brasileiro Entrevista com Olney São Paulo 91
93
Imagens subversivas
Patrícia Machado 97
Ocupar, resistir, ressurgir sobre Ressurgentes, de Dácia Ibiapina
Amaranta Cesar 109
Amor e música em Yorimatã sobre filme de Rafael Saar
Jair Tadeu da Fonseca 113
Orestes: luto incompleto e estética da elaboração
sobre filme de Rodrigo Siqueira
Cláudia Mesquita 119
Do retrato ao autorretrato: notas aleatórias do espaço imagético
em Mais do que eu possa me reconhecer sobre filme de Allan Ribeiro
Roberta Veiga 127
O que é a verdade para certos rapazes
sobre A paixão de JL, de Carlos Nader
Eduardo de Jesus 133
Futuro Junho sobre filme de Maria Augusta Ramos
Carla Maia 137
Entre o trabalho e a deriva afetiva
sobre Carregador 1118, de Eduardo Consonni e Rodrigo T. Marques
Vinícius Andrade 143
Mostra contemporânea brasileira, curtas-metragens
Anna Flávia Dias Salles, Bruno Vasconcelos e Luís Felipe Flores 147
O cinema no olho do furacão
sobre #73, de Rekesh Shahbaz, e Home, de Rafat Alzakout
Victor Guimarães 157
O seio da falta sobre La fièvre (2014), de Safia Benhaim
Dalila Martins 161
10949 femmes sobre filme de Nassima Guessouim
Mariana Souto 163
Relatório de prisão de um desajustado bem comportado, por Chinpou
sobre filme de Rikisaburo Sato
Daniel Ribeiro Duarte 167
Os signos da rua sobre Cuerpo de letra, de Julián D’Angiolillo
Roger Koza 171
O som depois do medo sobre O som antes da fúria, de Martin Sarrazac e Lola Frederich
Ana Carolina Estrela da Costa 173
Kibuki: spirits in Zanzibar sobre filme de Elizabeth Brooks
Leonardo Amaral 177
Greetings to the Ancestors sobre filme de Ben Russell
Roberto Cotta 181
Na terra de Haidar sobre Homeland: Iraq Year Zero, de Abbas Fahdel
Rafael Urban 185
Índices de filmes e diretores 192
Programação 195
Créditos 203
11
12
Entre pássaros JACAmins
e tamanduás vermelhos
associação filmes de quintal
Nessa edição bastante especial do forumdoc.bh, que chega aos dezenove anos, existimos uma vez mais, por meio de metamorfoses,
transformações para seguir sendo o que vimos sendo, resistindo junto
ao cinema (aqui incluindo realizadores, espectadores, os textos que
acompanham os filmes e nossos abrigos, as salas) criando ocasiões
para encontros densos, mediados por sons e imagens e pelas relações
que estes fazem existir no e sobre o mundo.
Um grande e potente encontro fazemos junto da mostra Olhar:
um ato de resistência, a nós apresentada ainda como ideia por Andrea
Tonacci e que construímos junto a tantos, citados e agradecidos no
belo texto que abre o volume integralmente dedicado a esta mostra/
encontro. Suas pegadas seguem os passos da viagem de Tonacci nos
anos de 1970-80, 1 inspiração primeira, geográfica e existencial da
mostra, viagem atualizada por um conjunto de mais de 80 títulos entre
filmes históricos, finalizados e em processo, de autoria indígena e não
indígena, que colocam nossa co-presença no centro da tela. Tal viagem
se reconfigura, sobretudo, por ser a mostra ocasião para uma reunião
entre pessoas de diferentes nações (o que estava na origem do empreendimento videográfico de Andrea, naqueles anos) que resistiram - e
resistem - à América (Bolívia, Venezuela, México, Estados Unidos, Peru,
Colômbia, Panamá, Guatemala, Costa Rica) e ao Brasil, a cada dia, como
temos acompanhado nos noticiários, ou de perto. Navajo, Cherokee,
Hopi, Aymara, Tzotzil, Tzeltal, Maya, Tarahumaras, Achuar, Panará,
Xavante, Hunikui, Parakanã, Kulina, Yanomami, Yekuana, Guarani,
Tikmu’un/Maxakali, Kalapalo, Kayapo, Krenak, Bororo, Krahô, Kuikuro,
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Mbya, Kaiowa, entre muitas outras etnias presentes no encontro e na
mostra. Para abrigar uma programação tão significativa, o forumdoc
ocupa pela primeira vez quase integralmente dois espaços: o Cine
Humberto Mauro, já nosso antigo kupixawa, nossa casa coletiva e o
Cine 104, novo lugar-oca do encontro indígena, abrigos afins a quem
muito agradecemos. Assim como agradecemos imensamente a vinda,
tantas vezes penosa por todos os deslocamentos e distâncias percorridas, dos realizadores e lideranças indígenas que nos dão a grande,
grande honra de sua presença entre nós. Dádivas. A presença do xamã
Davi Kopenawa e de Tonico Benites, liderança Kaiowa, dão a dimensão
do quanto temos a aprender neste encontro.
Metamorfoses internas (e um tanto canibais), o coletivo de organização do forumdoc, reunido em nosso quintal e não sem dissonância,
como deve ser, optou por elidir a partir dessa edição o caráter competitivo das mostras contemporâneas, nas quais propomos um conjunto
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de documentários, e filmes realizados em suas fronteiras - finalizados
nos dois últimos anos; aqui no patropi (Mostra Brasileira) e em outros
países (Mostra Internacional). No lugar de escolher “o melhor filme”
- e pensando que a reunião deste conjunto de títulos laboriosamente
selecionados entre mais de 600 inscritos, confere por si só, um caráter
mais que especial a cada um dos filmes aqui oferecidos - convidamos
um conjunto de críticos que generosamente e com galhardia toparam
o desafio, para que cada obra ganhasse uma breve resenha crítica.
Pensamos ainda que competição e mercado não nos concernem. E é
bom demarcar tais diferenças em todas as instâncias possíveis. A proposta de divisão do prêmio pelos realizadores do Festival de Brasília
naquele ano-Adirley, em que a Ceilândia ganhou mais essa, também
mexeu com a gente. Bem, sendo visto e sabido que nossa premiação se
constituía em um abraço, preferimos estendê-lo a todos os filmes aqui
apresentados nas mostras contemporâneas, em um total de 16 sessões
nesta edição. Publicar os ensaios inéditos apresenta-se também como
maneira de contribuir para o pensamento gerado por essas obras que
acabam de nascer. Estamos orgulhosos não apenas da seleção, mas da
qualidade dos textos aqui reunidos: realização e pensamento seguindo
juntos, no calor da hora em que os filmes são lançados, enfrentando
juntos o mundo e nossos espectadores. Prestamos assim, ainda, homenagem à clássica Revista de Cinema do CEC, que publicada em
Minas em décadas passadas, tornou-se referência da jovem crítica em
todo o Brasil. Tentamos seguir as pegadas da tradição crítica que nos
concerne, da mesma forma que as jovens realizadoras Navajo do curto
filme exibido na mostra Olhar seguem os passos das “mulheres amarelas”, figuras da cosmologia desse povo que ainda resiste no centro
da tragédia atual do capitalismo, os Estados Unidos. Navajo, povo em
que também nasceu Arlene Bowman, autora dos filmes que abrirão o
festival e que estará presente no forumdoc. A cineasta atualmente trabalha com intervenções tendo o vídeo como suporte artístico e ativista.
Seguindo uma outra tradição, que se tornou também constitutiva do forumdoc, tiramos das gavetas da memória da cinematografia
brasiliera um nome importante e pouquíssimo conhecido entre nós.
Olney São Paulo foi um cineasta, escritor e ensaísta pertencente a
mesma geração de realizadores baianos que Glauber Rocha, Roberto
Pires, Luiz Paulino, Trigueirinho Neto, gênese do cinema novo brasileiro. Olney, no entanto, graças às suas origens sertanejas (residiu
em uma série de cidades do sertão e do recôncavo baianos até sua
vida adulta) permanece em grande medida à margem da cena que se
construiu em torno desse realizadores, produzindo com recursos ínfimos seus documentários iniciais e consolidando sua carreira somente
a partir do trabalho como assistente de Nelson Pereira dos Santos
em Mandacaru Vermelho (1961). Sua trajetória é, portanto, homóloga
a de seu amigo Fernando Coni Campos (cujo cinematografia já foi
objeto de retrospectiva no forumdoc.bh.2011): dois cineastas de origens fortemente literárias, em grande medida outsiders às descrições
habituais do cinema moderno brasileiro - o que resultou no amplo
desconhecimento ainda hoje do trabalho de ambos. Esses caminhos
paralelos terão como ponto de convergência a tentativa de filmar os
embates na oposição à ditadura militar brasileira, que culminou, no
caso de Olney São Paulo, na realização de Manhã Cinzenta (1969). Tal
enfrentamento ocasionou a prisão e tortura de seu autor, além da cen-
15
sura e tentativa de apreensão do filme, todavia premiado no Festival
de curtas-metragem de Oberhausen na Alemanha em 1972. A tentativa
de interpretar o presente histórico, os laços com a experiência sertaneja, a incorporação criativa da perene precariedade de recursos e o
curto-circuito entre documentário e ficção compõem alguns dos traços
da feição de um cineasta fortemente inventivo e que ainda carece de
retrospectivas que situem seu trabalho. Esta mostra não é integral por
problemas de preservação de cópias, mas ainda assim, é inédita e será
acompanhada de um debate com Hernani Heffner e de um comentário
do gigante Manhã Cinzenta por Rodrigo Siqueira, que em seu filme
Orestes (2015) traça continuidades entre passado e presente nas ditas
sociedades contemporâneas onde o biopoder - mas igualmente suas
correlatas resistências rizomáticas - biopolíticas - não cansam de se
instalar. Queremos ser mais uma vez, mais uma destas resistências.
Junto aos filmes, seres com quem coexistimos e que a nós sobreviverão?
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O Circuito forumdoc.ufmg realizado junto às Ocupações
Esperança, Eliana Silva e ao Morro do Cascalho é um jovem sopro de
esperança. Leiam o porquê no breve e belo manifesto-afetivo escrito
por uma nova geração que a seu modo escolheu ocupar esse festival
(que o re-tomem e o levem adiante!). O relato está publicado nesse
catálogo que oferecemos, junto a essa mais que uma centena de filmes.
Por fim, a Ailton Krenak agradecemos a delicadeza das ilustrações, o pássaro ( jacamim) e o tamanduá vermelho.
Notas
1. Décadas chave para contatos (às vezes fatais) de muitos grupos
com as sociedades nacionais hegemônicas em contexto amazônico e
também para a instalação dos movimentos indígenas, como se pode
ver em material do acervo de Andrea Tonacci, digitalizado e apresentado na Mostra.
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sessÃO
DE ABERTURA
comentada pela diretora Arlene Bowman e Andrea Tonacci
NAVAJO TALKING PICTURE
EUA, 1986, cor, 40’
direção director dirección Arlene Bowman
fotografia cinematography Arlene Bowman, James Mulryan
montagem editing montaje Arlene Bowman, James Mulryan, Lindy Laub & Beheroze Schroff
som sound sonido Jeanine Moret, Bethlehem Tsehayu, Hiroko Yamazaki & Laura Elijaek
produção producer producción Arlene Bowman
contato contact contacto www.wmm.com, www.visualeye.wordpress.com
Um filme sobre o fazer fílmico. Uma realizadora indígena buscar redescobrir sua própria herança
cultural filmando a vida de sua avó, Ann Ruth Biah. Apesar de ser uma realizadora Dine (Navajo), ela
continua uma estranha na Reserva, pois está separada do povo Dine pela sua inabilidade em falar a
língua e resolver os impasses oferecidos pelas câmera e pela falha de comunicação. Ao fim, a neta
percebe a ruptura entre pessoas que estão separadas pela cultura e pela geografia.
This film is about the making of a film. An assimilated American Indigenous filmmaker attempts to
rediscover her own cultural heritage by filming the traditional life style of her grandmother, Ann Ruth
Biah. Although she is Dine’ (Navajo) the filmmaker remains a stranger on the Reservation, separated
from the Dine’(Navajo) people by her inability to speak their language and resolve the conflict about
camera taboos and miscommunication. In the end the granddaughter gains a greater understanding
of the rift that forms when people are separated by geographical and cultural differences.
Esta película es acerca de la realización de películas. Una asimilada cineasta indígena americana
intenta redescubrir su propio patrimonio cultural por el rodaje de la forma de vida tradicional de su
abuela, Ann Ruth Biah. Aunque ella es Dine (Navajo), ella es una desconocida en la reserva, separada
de los Dine (Navajo) por su incapacidad para hablar el idioma y resolver los conflictos generados
por la cámara y la falta de comunicación. Al final, la nieta comprende la división entre personas
separadas por cultura y geografía.
THE GRAFFITI
EUA, 2008, cor, 30’
direção director dirección Arlene Bowman
fotografia cinematography Arlene Bowman
montagem editing montaje Arlene Bowman
som sound sonido Ryan Mitchell Morrison, John Burchat, Mark J. McLeod, Rhetty Freisen, Arlene Bowman
produção producer producción Arlene Bowman
contato contact contacto [email protected]
Apesar de Jean Biah Lee, uma mulheres Anishabe das primeiras nações, não ter sucesso em mudar o
racismo de dois homens brancos que grafitaram contra os povos indígenas no entorno de Vancouver,
ela recupera a injustiça através de sua escrita.
Although Jean Biah Lee, an Anishinabe First Nations woman is unsuccessful in changing the racism
of two white, redneck males who have spray-painted graffiti around Vancouver aimed at Indigenous
people, she rebounds from the injustice by writing about it.
Aunque Jean Biah Lee, una mujer Anishinabe de las primeras naciones no tiene éxito en cambiar
el racismo de dos hombres blancos que tienen grafitis pintados con spray alrededor de Vancouver
dirigidos a los pueblos indígenas. Ella se recupera de la injusticia cuando escribe al respecto.
19
mostra
olney sÃO PAULO
Nota Introdutória
Por que Olney São Paulo?
ewerton belico
Poder-se-ia perguntar, por que, nesse momento, voltar a Olney São
Paulo? Tudo parece apontar para a obsolescência de sua obra, desde
uma concepção de cinema político fundada em uma pedagogia dos
conteúdos, na necessidade da exposição dos fragmentos de uma luta
de classe em um país ainda incompletamente capitalista, na relação
identificatória com personagens que são como que individuações de
forças históricas em conflito; até o ímpeto, que atravessa sua produção
ficcional e documental, em representar os rastros de história e cultura
doravante ameaçados por um modernização que mantém uma submissão já vista no passado destruindo todavia suas forças de resistência.
Imaginemos uma hipótese: o que resiste é a cintilação de Manhã
Cinzenta, 2 os ecos de uma resistência que ainda parece a nós, espectadores de classe média, vívida, e projetando sobre as formas de embate
do presente suas sombras, constituindo uma narrativa minoritária que
se repete, ao longo do tempo, nas formas diversas de confrontação com
o autoritarismo do Estado; a figuração exemplar de uma obra-vida, a
trajetória trágica de um cineasta e de um filme, premidos pelo esquecimento e pela morte na contenda com o estado de exceção. O que
restaria então de Olney São Paulo seria uma alegoria envergonhada,
que mal se assume como representação de nossa história recente, mas
poderia manter uma relação apaziguadora com nossas expectativas
em relação à memória da ditadura militar brasileira: teríamos um herói, uma história edificante, novos símbolos pátrios se substituindo
àqueles que o inimigo tentou nos impor.
Mas parece-me que devemos mais à memória das nossas formas
de opressão e à memória do cinema brasileiro moderno. O que a mim
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interessa em Olney São Paulo – de uma história edificante, de uma
hagiografia secularizada, mas a exumação dos paradoxos que nos
foram legados pelo engajamento plasmado como obra, uma propedêutica possível das razões de uma derrota – é: Manhã Cinzenta como a
síntese disjuntiva de uma hegemonia cultural que resulta em derrota
política. O percurso em grande medida solitário de Olney São Paulo
talvez possua uma exemplaridade incômoda, tanto no que se insinua
como mera diluição das tentativas de cinema político que os cinemas
novos brasileiros produziram a partir dos anos 50, quanto naquilo
que o mesmo embaralha de referências, no que parece ultrapassar as
muralhas confortáveis que nossas taxonomias estabeleceram entre as
diversas poéticas e formas de interpelação do Brasil.
Quanto ao presente, a obra-vida Olney São Paulo parece-me legar
menos o inegável heroísmo, mas o enigma de um homem sem pertença (como também seu amigo Fernando Coni Campos), o intelectual e
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escritor de província, baiano de Riachão do Jacuípe, fora dos circuitos
hegemônicos de produção e debate, que imaginou algum cinema e
algum engajamento possíveis em um país periférico.
notas
1. Infelizmente não poderemos exibir nenhum dos documentários
realizados por Olney São Paulo em Cachoeira e Feira de Santana.
2. Sobre o Manhã Cinzenta ver: ROCHA, Glauber. A Revolução do
Cinema Novo. São Paulo: Cosac & Naify, 2004; JOSÉ, Ângela. Olney
São Paulo e a peleja do cinema sertanejo: Quartet, 1999, JOSÉ, Ângela.
“Cinema Marginal, Estética do Grotesco e Globalização da Miséria”,
Revista Alceu, Rio de Janeiro, 2007 (disponível em: http://revistaalceu.
com.puc-rio.br/media/Alceu_n15_Jose.pdf ) e ainda SANTOS, Maria
David. “Esplendor e Maldição em Manhã Cinzenta”, CineCachoeira,
Cachoeira/BA , 2011 (disponível em: http://w w w3 .ufrb.edu.br/
cinecachoeira/2011/06/olney-sao-paulo/).
3. Ver SCHWARZ, Roberto. “Cultura e Política, 1964-1969”. In: O Pai
de Família e outros estudos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
O Grito da Terra
The scream of land
Manhã Cinzenta
Grey Morning
Brasil, 1964, P&B, 83’
direção diretor Olney São Paulo
fotografia cinematography Leonardo Bartucci
montagem editing João Ramiro Mello
Brasil, 1968, P&B, 22’
direção diretor Olney São Paulo
fotografia cinematography José Carlos Avellar
montagem editing Luiz Tanim
Camponeses na luta pela terra e esfomeados sa- Um casal de estudantes segue para uma passeata
queiam para sobreviver.
onde o rapaz, um militante, lidera um comício. Eles
são presos durante a manifestação, torturados na
Peasents who fight for land and who loot starving
prisão e sofrem um inquérito absurdo dirigido por
to survive.
um robô e um cérebro eletrônico.
A couple of stundents who follow a prostest march
where the boy, a militant, leads a political rally.
They’re arrested during the demonstration, tortured in prison and suffer absurd investigations
made by a robot and an electronic brain.
cine humberto mauro, 25 nov, 21h
cine humberto mauro, 20 nov, 19h
27
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O Forte
The Fort
Teatro Brasileiro: Origem e Mudanças
Brasil, 1974, Cor, 90’
direção diretor Olney São Paulo
fotografia cinematography Júlio Romitti,
Marcos Bottino
montagem editing Manfredo Caldas, Olney São Paulo
som sound Vitor Raposeiro, José Tavares,
Roberto Mello
Brasil, 1974, Cor, 12’
direção diretor Olney São Paulo
O engenheiro Jairo retorna a sua cidade – Salvador
– para demolir o forte de São Marcelo. Para Jairo,
essa destruição representa a aniquilação de todo o
seu passado, pois foi naquele forte que ele um dia
amou Tibiti e ouviu as histórias do velho Olegário,
avô de Tibiti, que lá esteve preso por ter assassinado seu genro Michel. Ao chegar a Salvador, Jairo
procura Tibiti, encontrando-a casada com Mário e
mãe de quatro filhos. A paixão antiga é mais forte
do que seu casamento de conveniência e a modesta
e tranquila vida familiar da moça.
A evolução do teatro brasileiro desde início do
século XX, os comediantes e as mudanças nas
raízes do Teatro Brasileiro de tradição portuguesa. Depoimentos de Luiza Barreto Leite e Nelson
Rodrigues sobre essas mudanças. A influência do
Teatro Brasileiro de Comédia – TBC – Autran no
processo de renovação. A contribuição do Teatro
de Arena.
The engineer Jairo returns to his city – Salvador
– to demolish the fort of São Marcelo. For Jairo,
this destruction represents the annihiliation of all
his past because one day, he had loved Tibiti in
that fort and heard the stories of the old Olegário,
grandfather of Tibiti, who was arrested there for
killing his son-in-law Michel. Getting to Salvador,
Jairo looks for Tibiti and finds her married with
Mário and being mother of four children. The old
passion is stronger than her familiar marriage and
the girls’ modest and calm family life.
cine humberto mauro, 22 nov, 19h
Brazilian Theater: Origin and Changes
The evolution of the Brazilian Theater since the
beginning of the 20th century, the comedians and
its changes in the roots of the Brazilian Theater
in the portuguese tradition. Statements of Luiza
Barreto Leite and Nelson Rodrigues about these
changes. The influence of the Brazilian Theater
of Comedy – TBC – Autran in the progess of renovation. A contribution to the Theater of Arena.
cine humberto mauro, 25 NOV, 17H
Teatro Brasileiro: Novas Tendências
Brazilian Theater: New Tendencies
Sob o Ditame de Rude Almajesto
Brasil, 1974, Cor, 11’
direção diretor Olney São Paulo
fotografia cinematography Ronaldo Foster
montagem editing Severino Dada
Brasil, 1976, Cor, 14’
direção diretor Olney São Paulo
fotografia cinematography Edgar Moura
som sound Lael Rodrigues
montagem editing João Ramiro Mello
Desde 1957, com a peça O Auto da Compadecida
de Ariano Suassuna, as tendências pelas quais o
teatro brasileiro passou sempre buscaram a realidade brasileira. O moderno conceito de direção, de
recursos de iluminação e cenografia. O novo ator
brasileiro e o rompimento do estilo acadêmico.
Sobre as diversas experiências do homem do campo na maneira de pressagiar a chuva na região
nordestina.
Under the Dictate of the Rude Almagest
About several experiences of farmers of how to
foreshadow the rain in the northeastern region.
Since 1957 with the piece The Rogues’ Trial of
Ariano Suassuna, tendencies which ocurred in the
Brazilian Theater always seeking for the Brazilian
reality. The modern concept of direction, of light
installations and scenography. The new Brazilian
actor and the break with the academic style.
cine humberto mauro, 25 nov, 17h
cine humberto mauro, 20 nov, 19h
29
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Pinto vem aí
Pinto comes there
Dia de Erê
Day of Erê
Brasil, 1977, P&B, 25’
direção diretor Olney São Paulo
fotografia cinematography Edgar Moura
som sound Cinthya Brito
montagem editing Ricardo Miranda
Brasil, 1977, Cor, 22’
direção diretor Olney São Paulo
fotografia cinematography Ronaldo Foster,
Walter Carvalho
som sound Ismael Cordeiro
montagem editing Manfredo Caldas
A chegada do ex-deputado Francisco Pinto em Feira O filme documenta a comemoração do Dia de São
de Santana, sua terra natal, depois de seis anos Cosme e Damião nos subúrbios do Rio de Janeiro.
de ausência. Sua ligação com a população local. A inocência das crianças, as promessas, graças e
homenagens aos santos
The coming of rhe ex-deputy Francisco Pinto to
Feira de Santana, his city of birth, after six years of The movie documents the celebration of the Day of
absence. His connection with the local population. the Saints Cosmas and Damian in Rio de Janeiros’
suburbs. The childrens’ inocence, the promisses,
grace and honors to the saints.
cine humberto mauro, 20 nov, 19h
cine humberto mauro, 25 NOV, 21H
Ciganos do Nordeste
Gypsys of the Northeast
Sinais de Cinza, A Peleja de Olney
contra o Dragão da Maldade
Brasil, 1977, Cor, 70’
fotografia cinematography Edgar Moura
som sound Lael Rodrigues, Cinthya Brito,
José Roberto
montagem editing Luís Abendía, Mario Nuracame,
Henrique Santos, Waldir Barreto
Brasil, Cor, 86', 2013
direção director Henrique Dantas
fotografia cinematography Pedro Samanovisk
montagem editing Henrique Dantas e Ilo Alves
Documenta a vida dos nômades do Nordeste.
O filme procura dar a dimensão da importância do
cinema de Olney São Paulo e dos absurdos comeThe movie documents the life of nomads of the
tidos pela ditadura militar na vida desse cineasta.
Northeast.
Caboclo e sertanejo, Olney tinha a ideia de mudar
o mundo a partir do seu cinema revolucionário e
morreu em um longo processo de tortura como
vítima de sua corajosa postura.
The film tries to give the dimension of the importance of Olney São Paulo's cinema and the absurds
committed by the military dictatorship in the life
of the filmmaker. Caboclo and sertanejo, Olney's
intention was to change the world from his revolutionary cinema. He died from a long process
of torture as a victim of his courageous posture.
cine humberto mauro, 25 NOV, 17H
cine humberto mauro, 23 NOV, 15H
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debate O cinema de Olney São Paulo
quinta 26/11 - 21h
hernani heffner
Crítico de cinema e conservador-chefe da Cinemateca do Museu de Arte Moderna, MAM-RJ. É professor
de cinema na PUC-RJ e da FGV-RJ. Curou as mostras “Raízes do Século XXI” e “Miragens do Sertão”.
ewerton belico
Curador e crítico de cinema, colabora, desde 2006, na organização e curadoria do forumdoc.bh, entre
outros projetos da Associação Filmes de Quintal. É ainda colaborador do Festival Internacional de
Curtas-Metragem de Belo Horizonte e do Fronteira. Está em processo de pré-produção de seu primeiro
longa-metragem, Baixo Centro, projeto premiado pelo edital Filme em Minas de 2014, a ser realizado
juntamente com Samuel Marotta.
sessão comentada Manhã cinzenta
sexta 20/11 - 19h
por rodrigo siqueira
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Cineasta, realizou, dentre outros filmes, Orestes (2015), Terra deu, terra come (2010), e, juntamente
com Junia Torres, o documentário Aqui favela, o rap representa (2002).
mostra
contemporÂnea
BRASILEIRA
Aluguel: O filme
Rent: The Movie
A Paixão de JL
JL Passion
Brasil, 2014-2015, cor, 16’
direção director Lincoln Péricles
fotografia cinematography Lincoln Péricles
montagem editing Lincoln Péricles
som sound Bruno Marra
produção producer Lincoln Péricles
contato contact [email protected]
Brasil, 2014, cor, 82’
direção director Carlos Nader
fotografia cinematography Fernando Laszlo, Marcos
Villas Boas, Renata Ursaia
montagem editing Carlos Nader, Zuri Amaral
som sound Daniel Zimmerman
produção producer Kátia Nascimento, Flávio Botelho
contato contact [email protected]
A reunificação pacífica não acontecerá.
Em Janeiro de 1990, o artista plástico José
Leonilson começou a gravar um diário em fitas
cassete. Ele imaginava, desde o principio, deixar
um registro público de suas memórias do cotidiano,
em sintonia com seu trabalho na pintura. O que ele
não imaginou foi a transformação deste cotidiano
depois que descobriu ser portador do HIV.
The pacific reunification won’t happen.
In January 1990, visual artist José Leonilson
starts recording a journal in cassette tapes. Since
the beginning he has mainly thought in leaving a
public record of his everyday thoughts synchronically to his paintings. What he didn’t imagine
was the transformation of that everyday life after
discovering that he was HIV positive.
cine humberto mauro, 29 NOV, 18H30
cine humberto mauro, 27 NOV, 19H
35
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Boa morte
Good Death
Carregador 1118
Loader 1118
Brasil, 2014, p&b, 13’
direção director Débora de Oliveira
fotografia cinematography Débora de Oliveira
montagem editing Ralph Antunes
som sound Pedro Aspahan
produção producer Débora de Oliveira
contato contact [email protected]
Brasil, 2015, cor, 64’
direção director Eduardo Consonni, Rodrigo T. Marques
fotografia cinematography Rodrigo T. Marques
montagem editing Eduardo Consonni,
Rodrigo T. Marques
som sound Eduardo Consonni
produção producer Eduardo Consonni,
Rodrigo T. Marques
contato contact [email protected]
Pode ser um lugar, uma memória que ficou e não Tonho está se separando de sua mulher enquanse apaga.
to precisa seguir sua rotina pesada de trabalho
como carregador no CEAGESP, maior entreposto
Could be a place, a memory what lasts and doesn’t
da América
go away.
Tonho is getting divorced from his wife while he
needs to continue with his hard work routine as
a loader at the CEAGESP, the biggest warehouse
of Latin America. The exhaustion of his body is
full of memories and pain of a lost love.
cine humberto mauro, 26 NOV, 17H
cine humberto mauro, 27 NOV, 17H
Filme dos Outros
Other’s Film
Futuro Junho
Future June
Brasil, 2015, cor, 20’
direção director Lincoln Péricles
fotografia cinematography Lincoln Péricles
montagem editing Lincoln Péricles
som sound Lincoln Péricles
produção producer Lincoln Péricles
contato contact [email protected]
Brasil/Holanda, 2015, co3, 93’
direção director Maria Augusta Ramos
fotografia cinematography Camila Freitas, Lucas Barbi
montagem editing Karen Akerman
som sound Gabi Cunha, Ricardo Zollner
produção producer Maria Augusta Ramos,
Niek Koppen, Jan de Ruiter
contato contact [email protected]
Primeiro Cinema.
O documentário Futuro Junho é um retrato de São
Paulo através da vida de quatro de seus habitantes:
um economista e analista do mercado financeiro,
um metalúrgico da Volkswagen, um motoboy e um
metroviário. Cada personagem destaca um aspecto
da economia. O filme se passa em um período de
tensão social: as três semanas que antecedem a
abertura dos jogos da Copa do Mundo de futebol.
First Cinema.
The documentary Future June is a portrait of São
Paulo through the life of four of its habitants: an
economist and analyst at the financial market, a
metalworker of Volkswagen, a motorcycle courier
and a metroworker. Each character emphasizes
an aspect of the economy. The movie is placed
in a period of social tension: the last three weeks
before the opening of the Football World Cup.
cine humberto mauro, 29 NOV, 18H30
cine humberto mauro, 24 NOV, 21H
37
38
Imhotep
Índios no poder
Native in power
Brasil, 2015, cor, 12’
direção direction Leo Pyrata
fotografia cinematography Leo Pyrata
montagem editing Leo Pyrata, Samuel Florindo
contato contact [email protected]
Brasil, 2015, cor/p&b, 20’
direção director Rodrigo Arajeju
fotografia cinematography André Carvalheira
montagem editing Sergio Azevedo
som sound Alisson Machado
produção producer Alisson Machado
contato contact [email protected]
Imhotep é a materialização pedagógica do desintegrar. A impossibilidade de permanência dos pixels
contrastada com o grande projeto de civilização
egípcio da antiguidade. Escorado pela tábua de
esmeraldas de Hermes Trimegisto é um sigil que
confirma a farsa dialética do tempo espaço pela
costura limitada da linguagem inerte antes do
hiperespaço.
Mario Juruna, único índio parlamentar na história do país, não consegue se reeleger para a
Constituinte (1987/88). Sem representante no
Congresso Nacional desde a redemocratização, as
Nações Indígenas sofrem ataques aos seus direitos
constitucionais pela Bancada Ruralista. O cacique
Ládio Veron lança candidatura a deputado federal
nas Eleições 2014, sob ameaças do Agronegócio,
Imhotep is the pedagogic materialisation of the com o slogan “Terra, Vida, Justiça e Demarcação”.
disintegrate. The impossibility of permanence of Mario Juruna, the only native in parliament in
the pixels contrasts with the big project of civili- the history of the country, wasn’t reelected for
zation of the Egyptian antiquity. Shoring up with the Constitutional Assembly (1987/88). Without
the taboo of emeralds of Hermes Trismegistus, is a representative in the National Congress since
a sigil which confirms the dialectic farse of time the redemocratization, the Indigenous Nations
space by the limited seam of inert language before suffer attacks on their constitutional rights by the
the hyperspace
Ruralist wing. Indigenous chief Ládio Veron runs
for the federal parliament at the 2014 elections,
under threats by the agrocultural business, with
the slogan “Land, Life, Justice and Demarcation”.
cine humberto mauro, 27 NOV, 19H
cine humberto mauro, 28 NOV, 16H30
Mais do que eu possa me reconhecer
Beyond My Reflection
No caminho com Mário
Walking with Mario
Brasil, 2015, cor, 72’
direção director Allan Ribeiro
fotografia cinematography Allan Riberio,
Darel Valença Lins
montagem editing Will Domingos, Allan Ribeiro
som sound Douglas Soares
produção producer Cavi Borges, Allan Ribeiro
contato contact [email protected]
Brasil, 2014, cor, 21’
direção director Coletivo Mbya-Guarani de Cinema
fotografia cinematography Aldo Ferreira, Ariel Ortega,
Leo Ortega, Patrícia Ferreira, Ralf Ortega,
Cláudia Oliveira, Gustavo Ortega
montagem editing Ernesto de Carvalho
som sound Aldo Ferreira, Ariel Ortega, Leo Ortega,
Patrícia Ferreira, Ralf Ortega, Cláudia Oliveira,
Gustavo Ortega
produção producer Olívia Sabino
contato contact [email protected]
Uma solidão de oitocentos metros quadrados, em Na Aldeia de Koenju, no Rio Grande do Sul, o joque o espelho já não lhe basta. Um artista plástico vem Mario tira onda com os desafios da realidade
descobre na video-arte uma companheira insepa- Mbya-Guarani de hoje.
rável. Darel não gosta de fazer cinema!
In the hamlet of Koenju in Rio Grande do Sul, the
A solitude of 800 square meters in which the the young Mario makes fun of the challenges of the
mirror doesn’t serve you. A visual artist discovers Mbya-Guarani reality of today.
an inseperable partner in the videoarts. Darel
doesn’t like to make cinema.
cine humberto mauro, 26 NOV, 17H
cine humberto mauro, 24 NOV, 21H
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Orestes
Quintal
Backyard
Brasil, 2015, cor, 93’
direção director Rodrigo Siqueira
fotografia cinematography Leo Resende Ferreira
montagem editing Lessandro Sócrates,
Rodrigo Siqueira
som sound Célio Dutra
produção producer Rodrigo Siqueira
contato contact [email protected]
Brasil, 2015, cor, 20’
direção director André Novais Oliveira
fotografia cinematography Gabriel Martins
montagem editing Thiago Ricarte
som sound Maurílio Martins
produção producer Thiago Macêdo Correia
contato contact [email protected]
Híbrido de tragédia e documentário, o filme se
desenvolve em torno do julgamento de Orestes,
que matou o próprio pai – um agente da ditadura
militar infiltrado nos movimentos de resistência –
37 anos após vê-lo matar sua mãe. Crime comum?
Crime político? Qual a distância entre a justiça,
a verdade e a subjetividade coletiva? Orestes é o
ponto de partida para muitas perguntas.
Mais um dia na vida de um casal de idosos de
periferia.
Another day in the life of an eldery couple in the
periphery.
A hybrid between tragedy and documentary, the
film revolves around the trial of Orestes, who
killed his father – an agent for the military dictatorship infiltrated in the resistance movement – 37
years after seen him kill his mother. A common
crime? What is the distance between justice, truth
and collective subjectivity? Orestes is the starting
point for a lot of questions.
cine humberto mauro, 20 NOV, 21H
cine humberto mauro, 29 NOV, 18H30
Ressurgentes: Um filme de ação direta
Sem Título #2: la mer larme
Resurgents: a film about direct actions
Brasil, 2014, cor, 75’
direção director Dácia Ibiapina
fotografia cinematography Leonardo Feliciano
montagem editing Guile Martins
som sound Francisco Craesmeyer, Camila Machado
produção producer Dácia Ibiapina
contato contact [email protected]
Brasil, 2015, cor, 31 min
direção director Carlos Adriano
fotografia cinematography Carlos Adriano
montagem editing Carlos Adriano
som sound Carlos Adriano
produção producer Carlos Adriano
contato contact [email protected]
Este filme tangencia ações diretas de manifestantes
de movimentos autônomos do Distrito Federal do
Brasil no período de 2005 a 2013: Movimento Passe
Livre, Fora Arruda e Máfia, Marcha das Vadias,
Santuário não se move. Além das gravações feitas
pela equipe do filme, são utilizados como material
de arquivo, os vídeos gravados pelos próprios militantes durante as manifestações. Assim, o filme
traz os espectadores para dentro das manifestações.
O mar visto por atualidades do século XIX, produzidas em 1891, 1895, 1897 e 1900, no Brasil, Estados
Unidos, França e Inglaterra. Da série “apontamentos para uma AutoCineBiografia (em Regresso)”.
The sea seen by 19th century images, produced in
1891, 1895, 1897 and 1900 in Brazil, United States,
France and England. From the series “Notes for a
AutoFilmBiography (in Return).”
The film depicts direct actions from demonstrations of autonomous movements in the Federal
District of Brazil in the period between 2005
and 2013: Movimento Passe Livre, Fora Arruda e
Máfia, Marcha das Vadias, Santuário não se move.
Beyond the crews’ records, the film also uses as
archival material videos made by the militants
during the demonstrations, so that the spectator
feels like being inside the demonstration.
cine humberto mauro, 28 NOV, 16H30
cine humberto mauro, 29 NOV, 18H30
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Virgindade
Virginity
Yorimatã
Brasil, 2015, cor, 16’
direção director Chico Lacerda
fotografia cinematography Chico Lacerda
montagem editing Chico Lacerda
som sound Chico Lacerda
produção producer Chico Lacerda
contato contact [email protected]
Brasil, 2014, cor/p&b, 116’
direção director Rafael Saar
fotografia cinematography Lucas Barbi
montagem editing Rafael Saar
som sound Eduardo Silva
produção producer Daniela Santos, Eduardo Ades,
Eduardo Cantarino, Rafael Saar
contato contact [email protected]
Se pudesse, eu voltaria a ser uma criança só pra po- Duas mulheres em meio ao movimento hippie
der fazer mais do que eu já fiz quando era pequena! dos anos 70 se unem pelo sonho de liberdade.
Luhli e Lucina vivem em seu cotidiano criativo de
If I could, I’d become a child once again so I could
uma comunidade alternativa a experimentação
do more than I did when I was a little girl!
musical radical e se tornam pioneiras no cenário
independente brasileiro. Seu companheiro de um
relacionamento a três, o fotógrafo Luiz Fernando
Borges da Fonseca, registra tudo em filmes super
8mm. Um filme sobre a liberdade e a busca das
raízes primitivas culturais brasileiras.
Two women in the middle of the hippie movement
in the 1970s get together in the dream of liberty.
Luhli and Lucina live a radical musical experimentation in their everyday life in an alternative
community, becoming pioneers in the Brazilian
independent scene. Their partner in a relationship
of three, the photographer Luiz Fernando Borges
da Fonseca, documents everything in super 8mm.
A film about liberty and the search for the primitive Brazilian cultural roots.
cine humberto mauro, 27 NOV, 17H
cine humberto mauro, 27 NOV, 21H
mostra
contemporÂnea
internacional
#73
#73
10949 FEMMES
10949 MULHERES
Iraque, 2015, cor, 23’
direção director Rekesh Shahbaz
fotografia cinematography Rekesh Shahbaz
montagem editing Rajab Ahmed
som sound Rajab Ahmed
produção producer Rajab Ahmed
contato contact [email protected]
França/Algélia, 2014, cor, 76’
direção director Nassima Guessouim
fotografia cinematography Nassima Guessouim,
Houssem Bokhari
montagem editing Houssem Bokhari
som sound Nassima Guessouim, Houssem Bokhari
produção producer Joana Sitkowska
contato contact [email protected]
Em sua pista pavimentada por genocídios, execuções em massa e escravidão, a ascensão do Estado
Islâmico no Iraque e Síria deixou dispersas incontáveis famílias dos Yezedi, minoria do Curdistão.
Acompanhamos um jovem de volta à sua vila sitiada para salvar seus parentes mais velhos, deixados
para trás pela primeira onda de refugiados.
Em Algiers, conheci Nassima Hablal, uma heroína
esquecida da Revolução Argelina. Como uma avó
para sua neta, ela me conta sua história de uma
mulher na Guerra, sua luta por uma Argélia independente. Através dos seus relatos, reconstruo uma
parte da minha própria história. Ao questionar a
Argélia do passado, entendo a Argélia do presente. Todos os anos eu retorno para visitá-la. Uma
Their road paved by genocides, mass executions
relação pessoal e carinhosa permite agora uma
and enslavement, the rise of the Islamic State
rara intimidade, e o filme ultrapassa a transmissão
of Iraq and Syria left countless families of the
oral da História.
Yezidi minority in Kurdistan scattered. We follow
a young man back to his besieged village to save In Algiers, I meet Nassima Hablal, a forgothis elderly parents who were left behind by the ten heroine of the Algerian Revolution. Like a
first wave of refugees.
grandmother with her granddaughter, she tells
me her story of a woman in the war, her fight
for an independent Algeria. Through her accounts, I reconstruct a part of my own history.
Questioning Algeria of the past I understand the
present Algeria. Every year I come back to visit
her. A personal and lovely relationship allows
now a rare intimacy, and the film goes beyond
oral transmission of History.
cine humberto mauro, 22 NOV, 19H30
cine humberto mauro, 23 nov, 16H30
45
Cuerpo de letra
Corpo de Letra
Argentina, 2015, cor, 77’
direção director Julián d’Angiolillo
fotografia cinematography Matías Iaccarino
montagem editing Lautaro Colace, Julián d’Angiolillo
som sound Pablo Chimenti
produção producer Laura Bruno
contato contact [email protected]
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Gefängnisbericht eines AbnormenWohlerzogenen von Chinpou
Relatório de prisão de um desajustado
bem comportado, por Chinpou
Alemanha, 2015, cor, 53’
direção director Rikisaburo Sato
fotografia cinematography Rikisaburo Sato,
Konrad Bohley
montagem editing Rikisaburo Sato
som sound Judith Nordbrock
produção producer Christof Groos
contato contact [email protected]
Eze está aprendendo a ler. A carta deve ter um passo
de largura e um braço de altura. A palavra tem que
ser legível da distância remota de uma rodovia. A
cor fará o resto, identificando o nome com o partido
político pintado na parede. Durante a campanha,
todo espaço livre na cidade será disputado pelas
equipes especializadas em grafite político, e cada
artista talentoso será requisitado pela equipe rival.
Um prisioneiro japonês em Bangkok escreveu sobre
sua vida na prisão durante 16 anos, de um modo
estranho e humorado. Seus relatos foram publicados na internet. Em 2009, sua sentença foi reduzida
pelo rei Thai. Em 2011, ele foi solto – logo depois
do desastroso Tsunami atingir sua cidade natal.
O filme documenta suas cartas, sua libertação e o
seu retorno para o Japão.
Eze is learning to write. The letter has to be one
step wide and one arm high. The word has to be
legible from the fast distance of a highway. Color
will do the rest, identifying the name with the
political party painted on the wall. During the
campaign, every free space in the city will be
disputed by the crews specialized in commission
political graffiti, and every skillful lettering artist
will be demanded by the rival crew.
A Japanese prisoner at Bangkok wrote about his
prison life for 16 years in a strange and humorous
way, which were released on the internet. 2009,
his sentence was reduced by the Thai king, 2011,
he was released – shortly after the great tsunami
disaster in his hometown. The film documents his
letters, his release and return to Japan.
cine humberto mauro, 21 NOV, 21H30
cine humberto mauro, 29 NOV, 16H
Greetings to the Ancestors
SAUDAÇÕES AOS ANCESTRAIS
Home
Lar
EUA/África do Sul, 2015, cor, 29’
direção director Ben Russell
fotografia cinematography Ben Russell
montagem editing Ben Russell
som sound Ben Russell
produção producer Ben Russell
contato contact [email protected]
Síria/Líbano, 2015, cor, 70’
direção director Rafat Alzakout
fotografia cinematography Farah Kassem, Juma
Hamdo, Joude Gorani, Rafat Alzakout
montagem editing Zeina Aboul-Hosn
som sound Joelle Abou-Chabke, Lara Zakhour
produção producer Christin Luettich
contato contact [email protected]
Ambientado entre Suazilândia e África do Sul,
numa região que ainda enfrenta as divisões produzidas por um regime de apartheid, Saudações
aos ancestrais documenta as vidas sonhadas dos
habitantes deste território conforme as fronteiras da consciência se dissolvem e expandem.
Documentário simétrico, etnografia e cinema de
sonho, Saudações aos ancestrais apresenta um
mundo em que as fronteiras estão constantemente
se desmaterializando.
Em meio aos tumultos na Síria, a paixão pelas artes
e pelo teatro leva ao encontro Rafat, o diretor do
filme, e um grupo de jovens amigos que aproveitam a nova frágil liberdade na cidade para criarem
um espaço que eles chamam “Lar”. No “Lar”, o
dançarino de balé Ahmed, o desertor do exército
Mohammed e o ex-professor Taj compartilham suas
esperanças para o futuro do seu país, mas à luz dos
ataques aéreos e da ascensão iminente do Estado
Islâmico, eles veem seus sonhos desmoronarem.
Set betweem Swaziland and South Africa, in a
region still struggeling with the divisions produced by an apartheid government, Greetings to
the ancestros documents the dream lives of territory’s inhabitants as the borders of consciousness
dissolve and expand. Equal parts documentary,
ethnography and dream cinema, Greetings to the
ancestrospresents a world whose borders are constantly dematrializing.
In the midst of the Syrian turmoil, the joint passion for arts and theater leads to the encounter
of Rafat, the director of this film, with a group of
young friends who enjoy the new fragile freedom
reigning in their city to create a space they call
‚Home‘. At ‚Home‘ ballet dancer Ahmed, army
deserter Mohammed and former art teacher Taj
share their hopes for the future of their country,
but in the light of the random shelling by regime
aircrafts and the impending rise of the Islamic
State, they find their dreams shattered.
cine humberto mauro, 24 NOV, 17H
cine humberto mauro, 22 NOV, 19H30
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Homeland: Iraq Year Zero
Terra natal: Iraque ano zero
Kibuki: spirits in Zanzibar
KIBUKI: ESPÍRITOS EM ZANZIBAR
Iraque/França, 2015, cor, 334’
direção director Abbas Fahdel
fotografia cinematography Abbas Fahdel
montagem editing Abbas Fahdel
som sound Abbas Fahdel
produção producer Abbas Fahdel
contato contact [email protected]
Tanzânia, 2014, cor, 24’
direção director Elizabeth Brooks
fotografia cinematography Elizabeth Brooks
montagem editing Winston Merchan,Heidi Petty
som sound Richard Barley
produção producer Elizabeth Brooks
contato contact [email protected]
Crônicas do cotidiano no Iraque antes e depois da Kibuki: Espíritos em Zanzibar examina práticas
de cura baseadas no transe através de um olhar
invasão norte-americana.
transcultural. Filmado ao longo de 15 meses, o
Parte I: Antes da queda (160 min.) Durante vários
projeto explora a construção de crenças em torno
meses o diretor filmou um grupo de iraquianos,
do corpo físico, estrangeiridade, e a destruição e
na sua maioria membros de sua própria família,
transformação do “eu” num período de aflição.
em suas expectativas para a guerra. Essa primeira
parte do filme se encerra com o início dos ataques Kibuki: Spirits in Zanzibar examines trance-based
norte-americanos à Bagdá.
healing practices through a cross-cultural lens.
Parte II: Após a batalha (174 min.) Os americanos Filmes over 15 months, the project explores belief
invadem o Iraque, e o filme mostra as consequên- constructs surrounding the physical body, foreigncias dessa invasão no cotidiano dos personagens. ness, and the destruction and transformation of
self in a period of grieving.
Chronicles of the Iraqi daily life before and after
north-american invasion
Part 1: Before the fall (160 min.) During several
months, the director filmed a group of Iraqis, mainly members of his own family, in their expectation
for war. The first part of the film ends with the
beginning of north-american attacks on Baghdad.
Part 2: After the battle (174 min.) The Americans
invaded the Iraq and the movie shows the consequences of it in the every day life of the characters.
cine humberto mauro, 23 NOV, 18H
cine humberto mauro, 24 NOV, 17H
LA FIÈVRE
A Febre
The Sound Before the Fury
O Som antes da Fúria
França, 2014, cor, 40’
direção director Safia Benhaim
fotografia cinematography Safia Benhaim
montagem editing Safia Benhaim
som sound Mathieu Farnarier
produção producer Arthur B. Gilette
contato contact [email protected]
França, 2014, cor/p&b, 88’
direção director Martin Sarrazac, Lola Frederich
fotografia cinematography Eric Legay, Chloé
Blondeau, Martin Sarrazac, Jérémie Clement
montagem editing Sylvain Piot, Martin Sarrazac
som sound Fabrice Naud
produção producer Monette Berthomier
contato contact [email protected]
Marrocos, 2011. Numa noite febril, uma criança
percebe um fantasma, uma mulher que veio do
mar, voltando para casa após um longo exílio político. Um conto silencioso, uma voz sem corpo
e visões se misturam na escuridão da noite e da
febre. A criança e a refugiada política são agora
uma, viajando juntas para uma estranha construção, assombrada por memórias perdidas. A história
da descolonização e as lutas políticas esquecidas
aparecem e desaparecem. Mas uma nova luta, a
Primavera Árabe do Marrocos, inunda o passado.
Em Janeiro de 1972, Archie Shepp gravou o álbum
Attica Blues em homenagem à rebelião na prisão
de Attica. 40 anos depois ele revisita essas músicas.
Seguimos ele e seus 25 músicos durante dias de
intensos ensaios para o concerto de abertura, em
Paris. Testemunhamos a determinação de Shepp
em transmitir, para além das notas, o sentido e o
sentimento de sua música; descobrimos os laços,
alguns íntimos, que os músicos possuem com os
eventos de Attica.
Morocco, 2011. On a feverish night, a child perceives a ghost, a woman who has come from the
sea, coming home after a long political exile. A
silent tale, a bodyless voice and visions mingle
in the dark of the night and the fever. The child of
the present and the political refugee are now one,
travelling together to a strange building haunted
by lost memories. History of decolonization and
forgotten political fights appear and disappear.
But a new struggle, the Arab Spring of Morocco,
floods the past.
cine humberto mauro, 24 NOV, 17H
In January 1972, Archie Shepp recorded the album
Attica Blues as an hommage to the Attica prison
rebellion, 40 years later he revisits this music. We
follow him along with 25 musicians through days
of intense rehearsal to the opening concert in
Paris. We witness Shepp’s determination to transmit, beyond the notes, the meaning and feeling
of his music; we discover the ties, some intimate,
that the musicians have with the Attica events.
cine humberto mauro, 27 NOV, 15H
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SESSÕES
ESPECIAIS
52
TANÇA
Remanescentes
Remainders
Brasil, 2015, cor, 31’
Realização Irmandade dos Atores da Pândega
e Associação Quilombola Mato do Tição
direção artística artistic direction Gercino Batista
imagens camera Carolina Canguçu, Lenysson Cunha,
Fabiana Santos, Lindomar Santos
montagem editing Carolina Canguçu
som sound Francys Raphael, Marcos Pierry,
Bruno Alves Saci
produção producer Luana Gonçalves
contato contact [email protected]
França, 2015, cor, 104’
direção director Raphaël Grisey
fotografia cinematography Raphaël Grisey
som sound Raphaël Grisey
produção production Olivier Marboeuf
montagem editing Raphaël Grisey
contato contact [email protected]
53
Tança, africana escravizada na região da Serra
do Cipó, Minas Gerais, é a matriarca ancestral do
Quilombo do Matição, que teria vivido cerca de 130
anos. Constantina Augusta dos Santos, a tia Tança,
renasce vigorosa na memória de seus descendentes mais velhos: 6 irmãos da família Siqueira, que
mantém com impressionante lucidez e riqueza de
detalhes a história do quilombo.
Um quilombo, comunidade de descendentes de
antigos escravos, readquiri visibilidade em um vale
ameaçado pelos interesses de uma mineradora
multinacional. Na cidade, a especulação imobiliária
invade outro quilombo, enquanto as mulheres lutam
valentemente para preservar o que resta e lutar pelas terras que os foram roubadas. Remanescentes é
um ensaio-documental sobre a questão quilombola
Tança, an african slave in the region of Serra do e trata de como a política e a sociedade Brasileira
Cipó, Minas Gerais, is the ancestral matriarch lida com a história de seus Afrodescendentes.
of the Quilombo do Matição who lived about 130 A quilombo, a community of descendants of foryears. Constantina Augusta dos Santos, the aunt mer slaves, is about to be born, or rather to reaquire
Tança, is reborn vigorously in the memory of her visibility, in a valley threatened by a multinational
oldest descendants: 6 brothers of the Siqueira fam- mining concern. In town, real estate spectulation
ily who keep the history of the quilombo with an is invading another quilombo, while the women
impressive lucidity and richness of details.
are valiantly fighting to preserve what remains
and win back stolen lands. Remanescentes is
documentary essay on the quilombola question
and the complex relations the Brazilian people
maintain with their origins.
cine humberto mauro, 29 NOV, 17H
cine humberto mauro, 22 NOV, 15H
54
A estrangeira
Uma Família Ilustre
Under the Radar
Brasil, 2015, cor, 98’
diretor director Rodrigo Moura
fotografia cinematography Bernard Machado, Eungie
Joo, Letícia Ramos, Lucas Barbi, Lucas Campolina
montagem editing Luiz Pretti
som sound Jonathan Macias, Juliano Zoppi,
Pedro Aspahan
produção producer Instituto Inhotim
contato contact [email protected]
Brasil, 2015, cor, 15’
direção director Beth Formaggini
fotografia cinematography Cleisson Vidal, Juarez Pavelak
som sound Toninho Muricy
montagem editing Marcia Medeiros
produção producer Beth Formaggini
contato contact [email protected]
Um filme se constrói de várias maneiras. No caso
deste, com um nome e uma voz. A primeira entrevista aconteceu em junho de 2012, no apartamento
de Claudia Andujar. Não havia filme nenhum no
horizonte e a ideia era só coletar informações biográficas para um texto. Aí teve início o filme sobre
a artista e ativista, que trabalhou por mais de 40
anos com os Yanomami, produzindo uma extensa
obra fotográfica sobre sua cultura.
Conversa entre o Bispo evangélico Claudio Guerra,
ex-chefe da polícia civil que assassinou e incinerou
militantes que se opunham à ditadura e Eduardo
Passos psicólogo militante dos direitos humanos.
Suas motivações variam entre o orgulho em ser
um cumpridor de ordens competente, um servo
leal da luta contra o comunismo ao prazer de ser
temido e o amor ao poder e ao dinheiro. Ora é um
cristão arrependido ora um assassino orgulhoso
de seu trabalho.
A film can be constructed in several ways. In this
case, with a name and a voice. The first interview
took place in June 2012, in Claudia Andujar´s
apartment. There was no movie on the horizon and
the idea was to collect biographical information
for a text. This was the beginning of the film about
the artist and activist who worked for more than
40 years with the Yanomami people, producing an
extensive photographic oeuvre about their culture.
cine humberto mauro, 28 NOV, 21H
Conversation between the former head of the civil
police who murdered and incinerated militants
who opposed the dictatorship and a clinical psychologist who works with human rights. Tells of
his love for power and pleasure to be feared.
cine humberto mauro, 29 NOV, 17H
LANÇAMENTOS
56
REVISTA Devires V.11 N.2
Na continuidade de uma longa e profícua interlocução, a 19a. edição do forumdoc.bh abriga o lançamento
do volume 11, numero 2 da Devires – Cinema e Humanidades, revista publicada conjuntamente pelos
programas de Pós-Graduação em Comunicação e Antropologia da Fafich/UFMG. Em dossiê dedicado
ao tema “O cinema e o animal”, os artigos procuram pensar o inquietante e produtivo desconcerto
deste encontro: como, afinal, filmar esse outro radical cuja aparência não se endereça à câmera; cuja
aparência, no limite, não se destina a um espectador? Na maior parte dos filmes abordados, trata-se de
abalar a perspectiva humana emprestada à câmera, de modo que ela incorpore posições e perspectivas
animais, ampliando-se com isso os limites da política do cinema.
A revista Devires associa os estudos do cinema ao domínio das Humanidades, em abordagens que tratam a
escritura do filme em sua relação com as múltiplas formas de vida. A publicação procura engajar-se nos debates teóricos e nas obras que refletem critica e intensamente o campo do cinema em sua longa tradição e nos
dias de hoje.
In the continuity of a long and prolific communication, forumdoc.bh’s 19th edition holds the launch
of the second number of the 11th volume of Devires – Cinema and Humanities, a journal published
by the pos-graduation programs of Communication and Anthropology of Fafich/UFMG. In a dossier dedicated to the theme “The cinema and the animal”, the articles debate the unsettling and
productive uneasiness derived from this meeting: how to, finally, film this radical other whose
appearance is not directed to the camera; whose appearance is not directed to a spectator? The
majority of the films approached here deals with upsetting the human perspective loaned to the
camera, in a way that it incorporates animal positions and perspectives, increasing with that the
political boundaries of cinema.
Devires associates the studies of cinema to the main field of Humanities, in approaches that deal
with the writing of film in its relationship with the multiple forms of life. The publication seeks to
engage itself in theoretical debates and the works that reflect critical and intensely the field of cinema
in its long tradition in nowadays.
ARENA FAFICH (CAMPUS UFMG), 17 NOV, 20H
57
58
imagem e EXÍLIO
O exílio como consequência de governos ditatoriais é uma experiência comum a quase todos os países
do continente. Estudar como este tema foi tratado pelas artes é essencial para entender o trauma que
marcou a nossa vivência de latino-americanos. O descaso com esta experiência traumática também se
configura como uma parte de nós mesmos que exilamos. Os ensaios de Olgária Matos, Ismail Xavier
e outros são uma pequena contribuição para a bibliografia brasileira deste assunto tão relevante para
a nossa história.
Exile as a result of dictatorial governments is an common experience to almost all countries of this
continent. To study how this issue was handled by the arts is essential in order to understand the trauma that marked our experience as Latin Americans. The neglect this traumatic experience is also to
exile a small part of ourselves. The essays by Olgária Matos, Ismail Xavier and others featured in this
publication are a small contribution to the Brazilian literature on such a relevant subject of our history.
CINE 104, 27 NOV, 19H
PISEAGRAMA
Lançamento do oitavo número da PISEAGRAMA, com o tema extinção. A edição, reune índios,
ecologistas, biólogos, climatogistas, artistas e filósofos que discutem as várias formas de extinção
que nos aproximam do fim do mundo, bem como algumas experiências e projetos que revertem
processos de destruição. Contará com falas dos editores da revista, além de debate com Moysés
Pinto Neto, Ailton Krenak, Tonico Benites e Yanet Aguillera, professora boliviana que lançará um
livro sobre cinema indígena.
The release of the eighth edition of PISEAGRAMA, with the topic of extinction. The edition unites
indigenous people, ecologists, biologists, climatologists, artists and philosophers who discus the
various forms of extinction which bring us closer to the end of the world, as well as some experiences
and projects which revert the process of destruction.The event will have speeches from the journals’
editors, and debates with Moysés Pinto Neto, Ailton Krenak, Tonico Benites and Yanet Aguillera, a
Bolivian professor who will release a book about indigenous cinema.
CINE 104, 27 NOV, 19H
59
Circuito
forumdoc
Circuito forumdoc:
afirmação do negro na produção audiovisual
Esta edição do circuito forumdoc.bh surge do encontro de estudantes, produtores culturais e lideranças comunitárias, interessados na
promoção de atividades culturais relacionadas ao mês de novembro
– mês da celebração da consciência negra. Essa edição do Circuito forumdoc, aborda o tema: afirmação do negro na produção audiovisual
e acontece em parceria com a Mostra Raízes, o Centro Cultural Flor
do Cascalho, a Casa Aberta de Cultura e representantes de Ocupações
Urbanas Esperança e Eliana Silva, em Belo Horizonte.
PROGRAMÇÃO
6 a 27/11
Oficina de vídeo com alunos da escola Municipal Hugo Wernek
Local: Morro do Cascalho
Ministrantes: Luisa Lanna, Aiano Mineiro, Josélio Teixeira
9/11
Exibição do filme Tança
Local: Centro de Educação e Cultura Flor do Cascalho
Horário: 20hs
10/11
MOSTRA RAÍZES: Exibição documentário Foice a Face
Sessão comentada: Diretor Ma Cca e a produtora Fernanda Lomba.
Horário: 19hs
11/11
MOSTRA RAÍZES: Exibição dos curtas Fantasmas e Quintal
Sessão comentada: Diretor André Novais.
Horário: 19hs
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12/11
MOSTRA RAÍZES: Exibição websérie Empoderadas
Sessão comentada: Diretora do filme Renata Martins
Horário: 19hs
13/09
MOSTRA RAÍZES: Exibição do filme A Batalha do Passinho
Local: Ocupação Eliana Silva – Escola Municipal Presidente Itamar Franco
Horário: 9hs
13/11
MOSTRA RAÍZES - Exibição documentário Tança
Sessão comentada: Lindomar dos Santos e Luana Gonçalves
Horário: 19hs
14/09
Exibição do filme: Salve Maria
Local: Ocupação Esperança
Horário: 20hs
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28 e 29/11
Mostra Território e a imagem de nós mesmos:
das ocupações urbanas e periferias
Local: Cine Sesc Palladium
Horário: 10hs
apoio
Mostra Raízes
Centro Cultural Flor do Cascalho
CAC - Casa Aberta de Cultura
Espaço Comum Luís Estrela
Relatos afetivos
sobre a experiência
do 1º Circuito
forumdoc.ufmg*
Se a quebrada não vai ao cinema, o jeito é levar o cinema até
a quebrada. Até porque não tem preço essa sensação de ver o
encontro de pessoas, que, em muitos dos casos, nunca se quer já
foram ao cinema, vendo filmes que dialogam com seu cotidiano.
Edinho Vieira
Para além do Festival anual, as exibições do forumdoc.bh se estendem no decorrer do ano em outras mostras e itinerâncias. Neste ano,
o forumdoc.ufmg, programa de extensão universitária vinculado ao
festival, realizou no primeiro semestre o 1º Circuito forumdoc.ufmg,
mostra itinerante que tinha como temática a relação entre “Cinema
e Território”. O projeto surgiu de uma iniciativa conjunta elaborada
pelos bolsistas, coordenadores do programa, cineclubistas, voluntários e representantes de comunidades. Na primeira edição do circuito,
foram exibidos diversos filmes brasileiros em escolas e faculdades da
UFMG, e em comunidades, favelas e ocupações de Belo Horizonte.
Um dos objetivos da mostra foi o de ocupar tais espaços em disputa
na cidade, com o intuito de exibir e debater filmes que discutem im*fonte : O evento contou com 8 sessões que ocorreram entre os dias 9 de Junho
e 4 de Julho no ano de 2015 na Fafich, na Escola de Arquitetura, na Faculdade de
Direito da UFMG, nas ocupações três ocupações da região Izidora (Esperança,
Vitória e Rosa Leão) e no Centro Cultural Lá da Favelinha (Aglomerado da
Serra). Os filmes exibidos foram: Rapsódia para um homem negro de Gabriel
Martins, Hiato de Vladmir Seixas, Em trânsito de Marcelo Pedroso, A
vizinhança do tigre de Affonso Uchoa, O som ao redor de Kleber Mendonça
Filho, Ressurgentes de Dácia Ibiapina, O céu sobre os ombros de Sérgio
Borges, A cidade é uma só? de Adirley Queirós e A batalha do passinho de
Emílio Domingos.
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portantes pautas políticas relacionadas com o território urbano, como
por exemplo a moradia, a desigualdade social e de gênero e o racismo.
Nesses encontros, o modelo tradicional de extensão universitária foi de
alguma maneira tensionado. Sujeitos de dentro e de fora da instituição
se misturaram, a construção da mostra se deu coletiva e horizontalmente. Cada sessão foi atravessada de uma maneira singular pelos afetos
gerados nos espaços. Pessoas do ambiente acadêmico se deslocarem
para fora dele e vice-versa.
Como um exercício de reflexão sobre a iniciativa, que ainda
está em processo de construção, pedimos para que os envolvidos na
realização da mostra, cada um com o seu ponto de vista, escrevessem
um breve parágrafo com suas impressões, comentários e incertezas
sobre o projeto.
1.
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A diversidade de espaços percorridos resultou em uma experiên-
cia heterogênea. Se tratando principalmente das sessões externas, as
exibições afetavam e – principalmente – eram afetadas pela vida das
comunidades visitadas. Da mesma forma como os filmes escolhidos
pela curadoria visavam dialogar com o contexto de cada região, elas
mesmas se mostraram construtoras principais da experiência. As sessões nas comunidades eram muitas vezes acopladas às festividades
locais ou seguidas de expressões artísticas que mantinham relações
com a vivência ali. Aqui, se fez de grande importância a atuação de
um representante, morador, ativista ou coordenador de espaço cultural nas comunidades. A proposta de articulação prevê a participação
ativa desses mobilizadores na idealização e organização do evento.
Eram eles os responsáveis não só pela mobilização do público dentro
de suas respectivas comunidades como também por planejarem, em
conjunto com o restante da equipe, o próprio formato da sessão para
melhor dialogar com o contexto local.
2. Já devia beirar oito da noite mas a sessão, que estava marcada para
as sete, ainda não tinha começado: -“Távamos indo pagar uma promessa e resolvemos passar por aqui pra abençoar as pessoas desta
terra de luta!”, disse a senhora que carregava em suas mãos a bandeira daquela pequena Guarda de Congado. Com poucos instrumentos
e um quépi, fazendo a vez de toda a farda, o cortejo atravessou as
barricadas da entrada, costurou entre as bandeiras da festa junina,
que apenas começava, e irrompeu no galpão comunitário que abrigava a sessão. Era sábado, dia do filme e da visita de Adirley Queiroz
na Ocupação Esperança, um dos três corações da Izidora. “A Cidade
é Uma Só?” uma boa pergunta para aquela noite…Uma semana antes,
em mais um largo episódio da luta contra o despejo, muitas das pessoas ali sentadas haviam sido atacadas, perseguidas e presas pela
PMMG enquanto marchavam rumo à Cidade Administrativa, sede
do governo do estado. As luzes já estavam apagadas e foi entre o
projetor e a tela que a Guarda tocou, cantou e se despediu, abrindo os
caminhos para que começasse, enfim, o que seria a noite inaugural
do cineclube comunitário Boca do Lixo.
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3.
O transpor da tela, sair da sala de cinema para transbordar as fron-
teiras cinematográficas e levá-la a outros espaços, foi com essa máxima que começamos a organizar a experiência do primeiro Circuito
forumdoc.ufmg. Pensar o fazer cinematográfico não somente no conteúdo que se transmite na película, mas onde ela é vista, com qual
público ela dialoga, e quem recebe e tem acesso a esta obra. Ao iniciarmos este processo de transposição do local clássico do cinema
“independente” que seria as salas de cinema (em Belo Horizonte mais
especificamente as salas do Cine Humberto Mauro, Belas Artes, 104
e Sesc Palladium), passamos por dificuldades técnicas de como realizar sessões onde não há infraestrutura adequada para a exibição de
uma película, e se a potência dos filmes atingiriam com a mesma potência este público estranho a estas linguagens (sendo que este não
tem acesso a salas de cinema perto de suas moradias, este na verdade
não tem a infraestrutura básica de uma moradia que seria garantido
pela constituição brasileira). Após a realização de algumas destas
sessões o que posso dizer desta transposição da sala para um local
não adequado a exibição de película (segundo os puristas fílmicos),
é que o filme em si não perde sua potência exibido fora de seu local
sacro, ele trabalha aqui com outros mecanismos de entendimento, a
dinâmica da exibição se transforma, as sessões nunca eram silenciosas, como costuma ser dentro das salas de cinema, mas interferidas
por diversos barulhos, música, vozes, comentários, risos. É a exibição
dinâmica dos filmes que muda a relação deste público com os filmes.
Não se perde com a exibição de longas ou curtas fora de seus espaços
consagrados, mas se transforma a relação deste público que em geral
é estranho a estes filmes que levamos com a imagem que lhes é transmitida. Esta já é reverberada em uma atitude espontânea de apoio ou
crítica imediata a imagem que é transmitida. A imagem neste espaço
marginal onde o dispositivo da sala de cinema não se encontra tão
disponível quanto no centro da urbe ainda detém sua potencialidade
de encantamento na forma como Benjamin nos falava em seu famoso
texto “A obra de arte na era da reprodutibilidade técnica”.
68
4.
Um processo para imergir na comunidade. Temos a conjuntura fíl-
mica que chega a quase ser pessoal, entendendo os gostos de cada
comunidade. Vamos para a pré-produção de baixo do forte sol, da poeira singela e da ansiedade. A noite cai, a divulgação boca a boca já
foi feita, a tela grande ocupa o espaço dentro da ocupação e dá lugar
ao inusitado e ao bizarro dentro do cotidiano, é quando somos interrompidos por uma criança: “É para pagar?”.
5.
A experiência do 1º Circuito forumdoc.ufmg foi muito cara a minha
formação pessoal e intelectual, coisas que foram levemente tocadas,
rapidamente postas em nossas discussões, ou como consequência de
nossas ações reverberaram fortemente em minhas concepções políticas. Seja por quebrar as barreiras (espaciais e metafóricas) entre a
academia e o resto da cidade, seja por promover uma ruptura com
uma concepção inacessível de cinema, em sua essência, o evento tem
claramente um carácter político em si. Porém, o carácter mais importante para mim foi a presença de promotores culturais ou simples indivíduos das comunidades nas quais exibiríamos, o que pode parecer
apenas lógico e trivial em um primeiro momento, mas tem um grande
significado em si, que é a transformação daqueles que normalmente
não têm suas opiniões e concepções consideradas, em atores e formadores de opinião. O que em minha opinião faz a ação perder seu carácter “filantrópico” (de caridade), e ganhar legitimidade e relevância
nas experiências afetivas e políticas dos envolvidos, sejam esses espectadores ou realizadores. Outro tema muito caro a mim, aconteceu
devido ao contexto que estavam evolvidas as exibições, nessa época,
aumentara o cerco aos moradores da ocupação Izidora por empreiteiras imobiliárias, os governos estadual e municipal e pela polícia
militar, logo o medo de um despejo era imanente a todas nossas discussões e atividades. Foi nesse cenário que se tornou perceptível outra forma política do cinema e das exibições; através de vinhetas projetadas antes dos filmes que representavam e as realidades e pautas
das comunidades onde exibíamos, ou pelo próprio carácter dos filmes
selecionados, podíamos repercutir e levar essa discussão em locais
que não eram diretamente afetados por ela. Da mesma forma quando
realizávamos exibições nessas comunidades, trazíamos pessoas não
envolvidas nessas situações, o que retratava aos moradores o apoio
que estavam recebendo, o que tem uma carga emocional forte. Esses
dois movimentos, portanto, ajudaram a retratar e divulgar as pautas
da comunidade. Principalmente no Izidora onde a situação era crítica
e hoje encontra-se a grosso modo estabilizada, podemos perceber o
poder que esse tipo de ação causa e que suas consequências não devem ser subestimadas.
6.
O Circuito forumdoc.ufmg foi o resultado de uma rede que tinha
seu eixo no território. Nesse processo, essa rede de pessoas, espaço
se cinema, se fortaleceu ao longo de cada exibição e ganhou a contribuição de cada colaboradora e cada colaborador do projeto: bolsistas,
professorxs, voluntárixs, cineclubistas, moradorxs da Izidora e da favelinha da Serra, espectadores e tantos outros sujeitos que de alguma
forma passaram por ela. Nas inúmeras correrias e surpresas ganhamos aprendizados e muitas potencialidades: a realização do imedia-
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to, de descobrir o que vai ser aquela sessão e debate quando eles já
aconteceram. Termos uma sessão “vazia” na Rosa Leão e, ao mesmo
tempo, muito cheia em discussão. O debate não ficou centrado no
diretor e em nenhum cineclubista, mas entre jovens: uma moradora
da ocupação que se divertiu revendo as cenas de “A Vizinhança do
Tigre” e se surpreendeu ao perceber que o personagem Neguinho
( justamente o outro jovem que foi centro do debate) estava na sua
frente. Termos também uma sessão lotada justamente porque, após
a atitude truculenta da PMMG na marcha realizada pelxs moradorxs da Izidora, eles se reuniram em assembleia antes de nossa sessão
para discutir o ocorrido e ver as mulheres da comunidade associando
personagens de “Rapsódia para um homem negro” aos personagens
de nossa política.
7.
70
O deslocamento é preciso e para mim o 1º Circuito forumdoc.ufmg
foi isto, um deslocar de territórios, mídias e relações. Visitar uma comunidade era algo novo para mim, porém, rapidamente percebi que
independente de tela de projeção, o aprendizado e as relações que se
formavam ali eram impossíveis dentro da academia. Não só entre moradores, mas também entre nós que estávamos no corre, rolou uma
construção afetiva. Em uma das sessões, a comunidade estava em
festa junina, eu estava de vestido e muitos brincavam com isto. Não
consegui assistir toda sessão, a música e as conversas da festa me
chamavam. No dia seguinte pensava que do filme em si pouco apreendi, mas a experiência do encontro fora incrível. Talvez este tenha
sido o meu principal deslocamento pessoal: perceber que o cinema
está além da imagem projetada, está também no encontro e na produção de novas relações.
8. O que se permite o movimento de acordo com os fluxos chega a um
território imprevisto. Chega a novas superfícies (não só aquela bidimensional), e a várias dimensões, várias estruturas, espaços de afeto,
trocas de experiências e possibilidades. Todas as possibilidades. Os
diálogos entre situações, os olhares para além da tela, os sons que se
fundem para além do projetado. E, no final, diante o imprevisível, resta a certeza de que os filmes são apenas ótimas desculpas para permitir-se. Enfim, no cinema o que menos importa é o próprio cinema.
9.
Tive uma breve participação no circuito forumdoc.ufmg, fui um
dos responsáveis pela criação da linguagem gráfica para o projeto.
Mas, no entanto, essa experiência apresentou-se como emblemática.
A criação dessa linguagem tinha de responder a demandas múltiplas
– um circuito de cinema intimamente ligado à academia e a movimentos sociais e ocupações – e a solução tinha de ser apresentada em
um curto período de tempo. Assim, nós, da equipe gráfica, partimos
de um pressuposto de produção que possibilitasse tanto a execução
– para facilitar a divulgação – quanto a replicação de forma rápida;
isto é, uma linguagem que pudesse ser utilizada sem depender de um
dado “autor”, apresentando-se livre, clara. Assim, adotamos três vertentes de linguagem, tratadas em consonância: 1. A lógica estêncil,
que possibilita a reprodução da linguagem por quaisquer; 2. A adoção de cores básicas – verde, azul, rosa – possibilitando uma múltipla
combinação de tons de forma simples; 3. E a utilização das curvas de
nível topográficas enquanto signo do programa e do circuito. Esse
elemento, retirado da cartografia e transposto para o design pretende, nesse deslocamento, levantar a questão do entendimento do espaço físico cartografado enquanto dinâmica estética, relacionando-se,
assim, com o tema deste circuito: Territórios. Portanto, o desenvolvimento dessa linguagem nos foi de suma importância porque tivemos,
nesse contexto, de entender como produzir uma linguagem que não
dependesse de algum autor da equipe, mas sim que pertencesse a
todos; e isso, num contexto contemporâneo ligado altamente à questões autorais, é um exercício social de suma importância para nós
enquanto indivíduos. Espera-se, aqui, que os próximos circuitos (e as
próximas equipes e colaboradores) possam dar continuidade a essas
questões de forma ampla.
71
10.
O que pode a universidade frente a sociedade? O que pode o cine-
ma? Debatíamos sobre tais questões a todo momento... Como ajudar
o Outro do nosso lugar privilegiado na academia? Será que não podemos fazer nada, ou ao menos um pouco? Sim, não é fácil responder.
Mas fomos. Nos jogamos com tudo, na aposta de provocar pequenas
faíscas e afetos positivos. Nossa intervenção foi política. Tínhamos
um lado. Queríamos ajudar, de alguma maneira, as populações que
sofrem todos os dias pelas desigualdades da nossa sociedade preconceituosa. A intervenção pretendia também questionar a instituição
universitária, mostrando que outras formas de agir na sociedade são
possíveis. O evento começou, se desenvolveu, se disseminou, acabou.
As dificuldades e cansaços foram várias. O projeto continua. No fundo parece que algo realmente aconteceu. Não sabemos ainda ao certo
o quê. Ao menos saímos de lá mais fortes, sabendo que temos que
continuar. A inércia acabou, a luta ainda não.
72
11.
O ato de ir a uma sala de cinema é um ritual coletivo. O circuito se
propõe então a potencializar esse momento comunitário deslocando
tanto público quanto filmes de seu tradicional arranjo sala-tela. Valorizando o estar junto! Fizemos de tijolos cadeiras, bancos de igreja
arquibancadas, e chão de barro nossa plateia. Entre sons de festas sobrepondo a diálogos, vivenciamos espaços institucionais, ocupações
e favelas, sendo compartilhados por diretores, espectadores, universitários e moradores. Vimos Kombi virar tela e rua virar cinema: O
cinema expandido – para além de outros formatos e espaços – aqui esticado e incorporado a esses outros territórios, corpos e histórias que
(não só) no momento da sessão, ocupam, atuam e vivem os filmes!
Por: Aiano Mineiro, André Victor, Cristiano Araújo. Edinho Vieira,
Isabela Furtado, João Paulo Campos, Juliano Vitral, Luís Oliveira,
Luísa Lanna, Luiz Malta, Octavio Mendes, Pedro Maia de Brito,
Pedro Rena.
ensaios
UM NÔVO DO
CINEMA BAIANO*1
ely azeredo
A cidade de Feira de Santana (Bahia), famosa pelas vaquejadas,
negócios de gado, estórias de jagunços, cangaceiros e misticismo,
cantados em “abecês” do romanceiro nordestino, foi escolhida para
base de uma nova produtora, a Santana Filmes” – escreve o crítico
Vladimir Carvalho, da Paraíba, especialmente para esta seção, informando sôbre a aventura cinematográfica do “Grito da Terra”. “A
comuna feirense foi sacudida com rebuliço que fizeram Olney Alberto
São Paulo diretor em potencial desde menino, que, anos atrás, fugira
de casa para se juntar a uma equipe carioca que filmava nos sertões
da Bahia, e Ciro de Carvalho Leite, romancista best-seller em Salvador,
que reunia condições econômicas e disposição para mandar à tela o
seu novo romance, “Grito da Terra”. A dupla de sertanejos inteligentes,
irmanados na afinidade que repousa num profundo sentido da terra,
estava formada e decidida (...)”.
“Pequena jóia da epopeia nordestina” – prossegue Vladimir
Carvalho – “Grito da Terra” conta, entre outros episódios de grande
realismo, a estória da môça Lóli (Luty Carvalho) que, ora romântica,
ora ambiciosa e cruel, sonha com dias melhores para sua vida de roceira, o que leva a pungente tragédia passional. O décor é a luta dos
lavradores oprimidos debaixo do tratamento desumano que lhes dão
naqueles ermos, onde não chegam a lei e a justiça. Na mesma trama,
estão enredados Marlá (Helena Ignez vivendo um comovente idillo com
*fonte : Tribuna da Imprensa, 11/09/ 1964. De acordo com o original, respeitando a grafia da época.
77
Raimundo Figueiredo) e o professor (Lídio Silva, o beato Sebastião de
“Deus e o Diabo na Terra do Sol”, na pele de um mestre-escola rústico)
e dão o melhor de si em magistrais desempenhos”.
“O diretor Olney Alberto São Paulo, valendo-se da própria juventude e inquietação e apoiado no romance-argumento de Ciro de
Carvalho Leite revela-se um regular e energético condutor de atôres,
um melhor conhecedor de como tratar com a massa de atôres “naturais”,
excelentemente dirigidos na fita, e avulta, finalmente, como o poeta
dos grandes espaços abertos, um cineasta que soube argutamente
captar a plasticidade, quase inédita do cinema, da paisagem de nossa
hinterlândia sertaneja. A Câmara de Leonardo Bartucci segue vereda
afora, envereda pela caatinga, desliza por entre a folhagem, sobe e desce
colinas, acompanha as cavalgadas e – numa autodisciplina exemplar
– nunca perde de vista os personagens no transe de seus conflitos. Se
influências existem nessa estréia de mais um baiano de personalidade
78
arisca porém de inata força criadora, não seria exagero lembrarmos
John Ford (gôsto pelo mural, aproveitamento plástico da paisagem).
Pietro Germi (o de “Caminho da Esperança”) e Giuseppe de Santis (a
angústia social de “Arroz Amargo”)”.
“Todavia, marcante compleição artística e criativa feita de uma
inegável vivência das coisas do Nordeste e uma natural sensibilidade
para perceber a sua humanidade, faz com que Olney São Paulo rompa
com quaisquer tipos de influência que não sejam as que vêm do fundo
do seu sêr telúrico; por isso, seu filme respira orvalho e sol e cheira a
terra molhada”.
“Grito da Terra” constitui uma nova faixa de otimismo no cômputo do cinema brasileiro atual, nunca tão vibrante e audacioso. Para
isso, contou com um naipe de intérpretes do qual participam Helena
Ignez, Lucy Carvalho, Lídio Silva, Branca Dlogulensky, João de Sordi
e outros. Técnica e artisticamente está recebendo o melhor tratamento,
tanto quanto à música a cargo de Remo Usal, orquestrando e arranjando composições de Fernando Lona e Orlando Senha, como na bem
cuidada montagem de João Ramiro Bello. Essa nova produção tem
ainda o mérito de restabelecer a linha do cinema baiano, que há meses
se mantinha em compasso de espera”.
O filme é O
GRITO DA TERRA*1
alex viany
Era êle ainda um garôto quando o conheci, em 1955, em Feira de
Santana: já tomado pela febre do cinema, largou tudo para acompanhar
as filmagens do episódio brasileiro de “Die Windrose” (A Rosa dos
Ventos), produção internacional até hoje inédita entre nós. Passado
algum tempo, recebi notícias dêle: mandava-me o primeiro número de
uma revista chamada “Sertão”, feita por um grupo de jovens intelectuais
de Feira de Santana. Em seguida, soube que, tornando a largar tudo,
havia arranjado um lugarzinho na equipe de “Mandacaru Vermelho”,
que Nélson Pereira dos Santos filmava nos confins da Bahia.
Agora, nesta primeira produção de Feira de Santana, chega-nos
o exame de admissão de Olnei Alberto São Paulo ao posto de diretor,
de cineasta. E, sem qualquer benevolência de padrinho adventício,
constato com prazer que êle é de fato um homem de cinema.
Olnei São Paulo aprendeu bem o b-a-bá de nosso cineminha
tatibitate: cão de caça é bicho de gente rica; o jeito é caçar com gato.
Assim, caçando o tempo todo com gato – ou talvez com o jegue e a
cabra de seu sertão –, foi fazendo seu filmezinho com o que tinha à
mão. Em verdade, manufaturou-o, literalmente: fê-lo à mão.
O que tinha e tem Olnei São Paulo está em seu exame de admissão: amor pelo cinema, amor por sua região e sua gente. O que ele é,
como pessoa e como temperamento – modesto, contemplativo, sério
–, está também no filme. E naturalmente, visíveis a ôlho nu, são as
*fonte : Ultima Hora, 14/12/1964. De acordo com o original, respeitando a
grafia da época.
79
marcas de um filme de estréia, realizado em precárias condições de
preparação, produção e acabamento. Gastaram-se apenas 8.800 metros
de negativo, por exemplo, e o coordenador João Ramiro Melo teve de
aproveitar tudo o que era aproveitável. Há falta de imagem; e contribuindo ainda mais para isso, a censura houve por bem cortar coisas que
eram importantes para a melhor compreensão das intenções do autor.
Facílimo seria arrotar sapiência e arrolar as deficiências do
filme. Parece-me, entretanto, que, nas condições atuais da produção
cinematográfica no Brasil – sem dúvida, agravadíssimas, em Feira de
Santana –, o que se deve examinar numa obra de estréia é a própria
personalidade de cineasta de seu autor. E isso Olnei São Paulo tem.
Suas influências mais flagrantes são ao mesmo tempo as mais
brasileiras: Humberto Mauro e Nélson Pereira dos Santos (Mandacaru
Vermelho). Como o veterano Mauro, Olnei São Paulo é um documentarista nato que teria pudor de alterar a realidade onde vive para servir
80
à irrealidade de um cinema alienado. Por isso mesmo não obstante
as insuficiências e as impropriedades da estória e das personagens,
seu filme é um verdadeiro repositório de tipos e costumes de sua região. Nota-se também, que o diretor estreante mistura com bastante
habilidade atôres profissionais e tipos colhidos no local de filmagem.
A cinegrafia e a música, de outros estreantes, são em geral, de
um bom nível, entrosando-se no espírito lírico de Olnei São Paulo,
ajudando o público a compreender a ternura com que o cineasta fixa
as paisagens e as gentes de Bonfim de Feira.
ficha
Direção de Olnei São Paulo. Roteiro de Olnei São Paulo, baseado num
romance de Ciro Carvalho Leite. Cinegrafia de Leonardo Barlucci.
Música de Fernando Lona. Coordenação de João Ramiro Melo. Elenco:
Helena Inês, Luci Carvalho, João Sordi, Lídio Silva, Branca Blugolensky,
Raimundo Figueiredo, Marionel Martins, Heládio Freitas, Nestor
Peixoto. Origem: Brasil, 1964. Prêto e branco.
A moça e o muro*1
olnei na manhã cinzenta
Baiano de Riachão de Jacuípe, Olnei São Paulo vem perseguindo o
cinema desde seus tempos de garoto em Feira de Santana. Quando
por lá passou êste escriba, em 1955, durante a realização do episódio
brasileiro de Die Windrose (A Rosa dos Ventos), o bancário Olnei, que
então não tinha ainda vinte anos, juntou-se à equipe como olheiro.
Depois, lá mesmo em Feira de Santana, produziu um filmezinho
em 16mm, Crime na Feira; e, em 1960, foi assistente de Nélson Pereira
dos Santos nas filmagens de Mandacaru Vermelho, que tiveram lugar
no interior da Bahia.
Finalmente, em 1964, sempre em Feira de Santana, Olnei São
Paulo produzia seu primeiro filme de longa metragem, O Grito da
Terra. E, em seguida, viajava com a família para o Rio de Janeiro,
continuando a trabalhar como bancário.
Só agora é que Olnei voltou às atividades cinematográficas, escrevendo e dirigindo um dos episódios de um filme de jovens diretores,
que já se chamou Os últimos Heróis mas que provavelmente chegará
às telas com outro título. O primeiro episódio, já filmado, teve direção
de Andrea Tonacci, foi feito em São Paulo, e conta a interpretação de
Paulo Garcindo, Irma Alvarez e Nélson Xavier.
O episódio de Olnei São Paulo chama-se Manhã Cinzenta, está
em periodo de acabamento, e terá aproximadamente uns quarenta
minutos de duração.
Com a exceção dos cineastas Neville d’Almeida e Iberê Cavalcânti,
em importantes papéis, e da atriz profissional Zena, todos os atôres
*fonte : Diário de Notícias, 15/08/1968. De acordo com o original, respeitando a grafia da época.
81
de Manhã Cinzenta são jovens estreantes. Janete Chermont, vinda do
teatro, onde interpretou Capitães da Areia, de Jorge Amado, tem o
principal papel feminino; e a seu lado estão Sonélio Costa, Jorge Dias,
Maria Helena, Poty, Adnor Pitanga e os artistas plásticos Cláudio de
Paiva e Antônio Manoel, colaborando êste com alguns trabalhos de
sua autoria (desenhos sôbre flãs de jornal).
A fotografia coube a José Carlos Avelar, paginador de jornal e
crítico de cinema, que se revelou como fotógrafo em O Velho e O Nôvo,
documentário de Mauricio Gomes Leite sôbre Otto Maria Carpeaux,e
como cineasta em Trailer, fazendo ambas as experiências em 16mm.
em Manhã Cinzenta, Avelar trabalhou pela primeira vez como profissional, usando a película de 35 mm. Com seu enorme talento, o jovem
diretor de fotografia estudou e obteve um tom despojado que lembra
o dos cinejornais de atualidades.
Manhã Cinzenta focaliza a luta dos jovens ante a incompreensão
82
das idéias velhas e estacionárias.
O FORTE*1
alberto silva
Sobre O Forte, prejudicado por vários fatores de uma produção difícil e com poucos recursos, agravada ainda com a repentina morte de
Monsueto (responsável por um dos papéis centrais), Olney São Paulo,
não obstante o acontecido, se acha otimista e acredita que em pouco
tempo o filme será concluído, pois aguarda somente condições de
produção para reiniciar os trabalhos.
O Forte é um longa-metragem a cores, baseado no livro homônimo de Adonias Filho e produzido pela Julio Romiti Produções
Cinematográficas, com financiamento parcial Embrafilme. Seu elenco
é um dos mais valiosos do cinema brasileiro, apresentando nomes
como Adriano Lisboa, Paulo Villaça, Léa Garcia, o falecido Monsueto,
Emanoel Cavalcante, Jurema Pena, Milton Gaúcho, além de uma nova
“estrela”, Santra Mara, no papel de Tibiti, “a mulata dos olhos de ferrugem”, como é descrita no romance de Adonias.
Olney nega que considere o livro “hermético”. É uma obra belíssima e que há muito tempo está nos seus projetos de filmagem. Uma
história de amor que tem a Bahia como cenário, e os personagens são
envolvidos no mistério de um velho forte que serviu em seus quatro
séculos de existência como hospital, trincheira e prisão.
A fotografia foi dividida entre Marco Bottino e o produtor Júlio
Romiti.
*fonte : Tribuna da Imprensa, 22/06/1973. De acordo com o original, respeitando a grafia da época.
87
SINOPSES
O Forte é a história do amor entre uma jovem baiana e um engenheiro
que foi a Salvador dirigir o trabalho de destruição do Forte de São
Marcelo. O engenheiro (Jairo) apaixonou-se por uma jovem de 13
anos (Tibiti). Essa moça era filho de um preto, Olegario, que fica preso no forte por ter assassinado o genro que castigava muito a esposa,
filha do velho. Ao sair da prisão, Olegário conta toda sua existência
no forte à neta. É nesse momento que a jovem começa o namoro com
o futuro engenheiro, e resolve visitar o forte. Lá se amam pela primeira vez.
Esta é a primeira parte do filme. Em seguida, o engenheiro parte
para outra e lá organiza sua vida. A segunda parte mostra a volta do
engenheiro à Bahia para dirigir o trabalho de destruição do forte, e
88
construir no local um parque infantil. Ele já está casado, mas quando
chega a Salvador tem como principal objetivo localizar a sua primeira
namorada. Quando a encontra, ela também já está casada, mas isso
não constitui obstáculo, e eles decidem reviver o seu primeiro amor
no forte, e lá se amam novamente. Começa o drama dos dois, e quando
chega o dia da destruição do forte eles fogem juntos.
O filme segue a linha básica do romance de Adonias, fixandose na parte de 1940. Segundo o diretor Olney São Paulo, não houve
condições financeiras para dar um tratamento mais perfeito à obra.
Seriam necessários mais de mil figurantes, armamentos, fardas e capiral de .... Cr$ 1 milhão. Mesmo assim, o custo de produção está orçado
em Cr$ 500 mil.
A morte de Monsueto não trouxe problemas à direção porque o
seu trabalho já estava praticamente concluído. Houve apenas necessidade de um resumo da história, da qual ele seria o intérprete. Foi mais
prático conservar o que ele fez, resumindo a história, do que arranjar
outro ator e recriar tudo, afirma Olney.
As sequências baianas foram rodadas no forte de São Marcelo,
Pelourinho, Carmo, Terreiro de Jesus, Solar do Unhão, Cachoeira e
Bonfim.
O filme estabelece o suspense a partir do momento que vai se
saber se o forte será destruído ou não. E, por trás disso, há a expectativa real da população de Salvador, quando se pensa na possibilidade
de o forte de São Marcelo ser um dia arrasado em prol de mais uma
construção. A essa perspectiva se sobrepõe a revolta do novo, que
considera a possível destruição um dano causado à característica
arquitetônica local.
TRAÇOS
Nascido em 1936, em Riacho de Jacuípe Bahia, Olney São Paulo ingressou no cinema aos 19 anos, integrando a equipe de Alex Viany que
filmou Rosa dos Ventos em Feira de Santana. Como cineasta, realizou
inicialmente o curta-metragem Um Crime na rua, semi-documentário
de 10 minutos. Acompanhou Nélson Pereira dos Santos na filmagem de
Mandacaru vermelho. Nesse período escreveu um argumento, Lucas
da Feira.
Iniciou a realização de um média-metragem em 35mm, A Busca
do vaqueiro incompleto. Tinha um projeto de longa-metragem em três
episódios, O Nordestino, também irrealizado. Terminou rodando O
Grito da terra, seu primeiro longa-metragem, baseado no livro de Ciro
Carvalho Leite “Mulheres de vida fácil”, com Helena Inês. Fez também dois curtos: O profeta de Feira de Feira de Santana e Cachoeira,
documento da história.
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Curtos de
Olney São Paulo
falam do teatro
brasileiro*1
ACinemateca do Museu de Arte Moderna e a Associação Brasileira
de Documentaristas (ABD), dando seqüência à programação de sessões
especiais dedicadas aos filmes curtos de cineastas brasileiros (sessões que já apresentaram a obra de Antonio Carlos Fontoura, Walter
Lima Jr e Geraldo Sarno), apresenta hoje, às 18 horas, no auditório da
Cinemateca, os filmes curtos realizados por Olney São Paulo.
São cinco filmes programados e foram todos produzidos, segundo o depoimento do cineasta, dentro da preocupação fundamental de
documentar a cultura brasileira. Foram realizados no período compreendido entre os anos de 1971 e 1974, depois do Manhã Cinzenta,
trabalho de Olney que permanece inédito, e do O Forte, que o cineasta
adaptou do romance de Adonias Filho.
—Três dos filmes de hoje, na Cinemateca – informa Olney – referem-se à gente e regiões da Bahia. O Profeta de Feira de Santana trata
da obra do pintor Raimundo Oliveira. A cidade de Feira de Santana
(onde morei durante muito tempo) foi novamente homenageada em
Como Nasceu Uma Cidade, realizado três anos depois (1974) do primeiro
Cachoeiro. Testemunho da História, produzido em 1973, é o registro
da arquitetura barroca daquela cidade baiana bem como o relato das
lutas de seu povo para se libertar do domínio português.
Olney tem um entusiasmo muito especial pelos outros dois
filmes do programa que são a sua obra mais recente.
*fonte : O Globo, 29/06/1975. De acordo com o original, respeitando a grafia
da época.
91
— Eles tratam do movimento teatral brasileiro. São também em
cor, como os anteriores e foram fotografados por Reginaldo Foster.
A produção é da Regina Filmes e foram realizados atendendo a uma
concorrência pública do Instituto Nacional do Cinema. Neles estão
anotados vários fatos importantes do desenvolvimento de Teatro
Brasileiro, com o surgimento do teatro de amadores, do grupo “Os
Comediantes”, o apogeu do Teatro Brasileiro de Comédias e a renovação pela qual passou o nosso teatro a partir do final dos anos 50, com
o surgimento de “A Compadecida”, do Teatro de Arena de São Paulo e
do movimento tropicalista de José Celso Martinez Correa até as mais
diversas tendências que hoje podem ser assinaladas.
Momentos importantes de peças que ficaram justamente famosas
estão registrados nesses filmes “Seria cômico se não fosse sério”, “Dr
Knock”, “A dama das camélias”, “Leonor de Mendonça”, “Dona Xepa”,
“O auto da compadecida”, “O casamento de pequeno burguês”, “Teatro
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de cordel”, “Viva o cordão encarnado”, “História de lenços e ventos”,
“Ensaio Selvagem”.
O complemento da sessão de hoje na Cinemateca é uma obra
pela qual Olney São Paulo tem um carinho todo especial. Trata-se de
um curta-metragem de ficção que se chama Memórias de um Fantoche,
produção do próprio Olney e que foi dirigido por um garoto de 11 anos
que atende pelo nome de Ilya Flaherty São Paulo.
— É isso, todo filho gosta de imitar o pai. Eu produzi o filme do
meu garoto mas garanto que não me meti. Dei lhe o material e disse
a ele que se virasse já que a idéia tinha sido dele. Ele trabalhara com
ator em O amuleto de Ogum e foi a equipe desse filme do Nelson que
o entusiasmou a fazer seu próprio filme.
Entrevista*1
O que pretendeu em “O Forte”?
Olney: Acho que o meu objetivo no cinema brasileiro foi, é e será
sempre de discutir a nossa realidade. Em “O Forte” a realidade abordada é a de uma certa camada social de nosso povo conhecida como
classe média (que somos nós mesmos). Não, não é aquela classe média
estereotipada, vista a partir dos anos 70 com a ótica aristocrática de
muitos dos nossos intelectuais, e sim uma classe média conflituosa
que já não sabe mesmo onde está a fronteira realidade/fantasia.
Sendo um filme sobre a nossa realidade, é “O Forte” uma obra essecialmente de amor e sobre o amor. Quer como história de amor,
descrevendo o amor impossível ou quase impossível dos românticos,
quer como crónica do amor que as pessoas têm pelas outras pessoas
e pelas coisas que estão em volta de si.
E, como não poderia deixar de ser, é também um filme histórico. Um
filme que procura discutir a nossa História (com “H” maiúsculo) à luz
de nossa contemporaneidade.
Como está a distribuição/exibição?
Olney: Ela só começou agora. O filme foi lançado em Salvador depois
de dois ou três meses de sucessivos adiamentos. Não obstante, estabeleceu extraorinária comunicação com o público (eu estava presente
diariamente às sessões). Mesmo sendo o filme brasileiro que mais
rendeu no cinema exibidor, o sistema de distribuição de filmes nacio*fonte : O Globo 01/04/1976. De acordo com o original, respeitando a grafia da época.
93
nais não permitiu que ele continuasse em cartaz na semana seguinte.
Vai voltar àquela cidade em termos de relançamento, o que não deixa
de acarretar prejuizo à produção. No momento, continua seguindo o
caminho de Nordeste com ótimos resultados, conforme provam os
“bordeaux”. Acredito que a Embrafilme esteja preparando para breve
o seu lançamento aqui em São Paulo (as duas peças exibidoras mais
importante do cinema nacional), pois o filme já tem dois anos de censurado e inédito. Um indeitismo não-gratuito, que é a trajetória do cinema
brasileiro conhecida por todos e largamente denunciada. Acredito nas
boas intenções da Embrafilme e espero ansiosamente a sua atuação.
Como vê o escritor Adonias Filho no panorama da literatura brasileira?
Olney: Como um dos mais importantes do nosso tempo. Ele forma ao
lado de Jorge Amado, Graciliano Ramos, Jose Lins do Rego, Guimarães
Rosa e Assis Brasil. Cito estes porque, no meu ponto de vista, sua obra
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parece ter algo em comum com a de Adonias Filho.
Por que escolheu esse livro para filmar?
Olney: “O Forte” é um romance importantíssimo. Se à primeira vista
ele pode nos parecer uma descrição de uma simples história de amor,
numa leitura ou releitura mais cuidadosa podemos sentir que, por trás
de toda aquela situação onírica, está uma realidade bem brasileirade
nosso tempo: a angústia de um engenheiro inconformado com aquela
sua vida, devidamente estabelecida, e a qual ele sente uma necessidade muito grande de tansformar. O livro conta uma tragédia nossa
e bem contemporânea, e eu não me sentiria, aqui, de maneira alguma
a “jogar-me confetis” se dissesse ter escolhido o livro por ser um dos
mais importantes romances de nossa literatura atual, e cuja história
em muita indentificação comigo.
A adaptaçao foi fiel ou livre?
Olney: A adaptação tanto foi fiel como livre. A liberdade na adaptação
está na minha maneira de contar a história que li no livro. Um exemplo disso é o inicio do romance. Ali os fatos históricos são, na maioria das vezes, narrados pela visão mítica de Olegário a outras vezes
por uma visão histórica de alguns personagens. Se a visão mítica de
Olegário (suas histórias contadas à neta Tibiti) permanece no filme,
a visão hstórica de alguns outros personagens foi observada por mim
de maneira jornalística. No filme os fatos históricos passam a ser
discurtidos pelo povo, através de uma entrevista de televisão. Claro
que essa opção veio (e, diga-se de passagem, em muito boa hora) em
decorrência do sistema de produção do filme, e seria um dos dados
que comprovam a liberdade de adaptação. Uma liberdade com muita
fidelidade, evidentemente.
Que linha imprimiu à montagem?
Olney: Bem próxima do meu trabalho de ficção anterior, “Manhã cinzenta”. Uma montagem que procura, a partir do momento presente,
buscar as respostas no passado, para discutir esse presente.
Para você, o que significa o ato de filmar?
Olney: O mesmo que escrever ou falar. É o inicio de um processo de
comunicação. Dizer o que penso, da maneira que penso e sobretudo
porque penso. Gostaria que os meus filmes fossem exibidos em praça
pública, não por vaidade , mas por essa grande necessidade de comunicação. Para mim o ato de filmar é isso. Uma maneira de me comunicar
com as pessoas.
Algum novo projeto?
Olney: Sim. No momento, trabalho no roteiro de um filme baseado em
episódio histórico bastate conhecido do Brasil colonial: “A revolta dos
alfaiates”. Não sei ainda quando devo iniciar a produção. Assim que
consiga entender melhor a atual situação do cinema brasileiro em seus
ângulos mais complexos (produção-realização-exibição) começarei a
organizar o projeto.
Enquanto isso, vou concluindo dois documentários: o primeiro focaliza
a vida comunitária dos ciganos do Nordeste, e o outro, patrocinado pelo
Departamento de Assuntos Culturais do MEC, registra a experiência
do nordestino em sentir, na paisagem que o cerca, os diversos sinais de
95
chuva, de quando deverá haver bom ou mau inverno. Intitula-se “Sob o
ditame de rude Almajesto” e foi rodado em Riachão de Jacuípe, Bahia.
olney são paulo nasceu em Riachão de Jacuípe, Bahia, a 7-81936, e logo cedo passou a se interessar pelo cinema, de modo
geral, e pelo cinema brasileiro, em particular. Em 1955, estudando em Feira de Santana, participou das filmagens de “Die windrose” (“Rosa dos ventos”), sob a direção de Alex Viany. Naquele mesmo ano fez sua primeira experiência com diretos em um
curtametragem (16mm) intitulado “Um crime na rua”.
Em 1960 trabalhou como assistente de direção de Nelson Pereira
dos Santos em “Mandacaru vermelho”, e em 1963, em plena efervescência do Cinema Novo, estreou na direção de um longametragem
96
essencialmente nordestino: “O grito da terra”. Em 1967 transferiu-se
para Rio de Janeiro, onde publicou (1969) um livro de contos que é
uma experiência formal e uma tentativa de incorporar a linguagem
cinematográfica à literatura (“Antevéspera e o canto do sol”).
Fez a seguir o mediametragem “Manhã cinzenta” (1968/9), um
filme ainda inédito. Realizou vários documentários culturais, até conseguir, em 1973/74, transpor para a tela um velho projeto seu, “O forte”,
baseado no romance de Adonias Filho.
Imagens subversivas
patrícia machado
Centro do Rio de Janeiro, junho de 1968. A câmera registra a agitação da Avenida Rio Branco e segue um homem vestido de calça jeans
e camisa clara, que aparece no canto direito e mais alto da tela e se
destoa das outras pessoas filmadas porque vira o rosto para trás, em
direção à lente, usando uma das mãos para solicitar a aproximação do
equipamento, como se dissesse: siga-me! Trata-se do cineasta Olney
São Paulo, que encontrou na manifestação contra a ditadura militar o
ambiente ideal para dirigir uma cena importante do seu filme Manhã
Cinzenta.
Olney São Paulo foi o único cineasta preso e torturado no Brasil
durante a ditadura militar por conta exclusivamente da realização de um
filme. Manhã Cinzenta, de 1969, foi acusado de ser um filme subversivo
e seu diretor foi julgado e absolvido pela Justiça Militar. Apesar de se
tratar de uma ficção, que mostra cenas ousadas para a época – como
a encenação de torturas e do fuzilamento de dois estudantes –, nas
248 páginas do processo de investigação de Olney e seu filme, 1 o que
mais chama a atenção dos censores são as imagens documentais, os
registros de conflitos e tumultos entre estudantes e policias filmados
em 1968, imagens chamadas de subversivas. Esse olhar dos censores
portado sobre o filme aponta para uma questão inquietante: onde está
a força dessas imagens? O que de fato elas subvertem?
Manhã Cinzenta tem 21 minutos de duração e mistura cenas
de ficção com imagens documentais de várias naturezas: registros
de cinejornais da Herbert Richers, reportagens da TV Globo, recortes
de jornais da época e obras de arte que tratavam dos conflitos entre
97
estudantes e policiais. Essas imagens sofrem interferências na montagem. Como aquelas da Série Flans, de 1968, do artista plástico Antonio
Manoel. 2 Criadas a partir de fotografias descartadas pelos jornais e
redesenhadas com nanquim, no processo de montagem do filme elas
são reenquadradas e articuladas a fragmentos dos noticiários televisivos. Na passagem de uma imagem à outra, a repressão policial ganha
destaque. Nessa costura das duas imagens de naturezas diferentes, a
impressão é a de um movimento ininterrupto em que os policias saem
às ruas para, em seguida, espancar os manifestantes. O policial que
espanca o estudante: ação que se repetiu em outros protestos e acabou
se tornando uma imagem ícone do autoritarismo durante os anos da
repressão militar no país.
A cidade do Rio de Janeiro serve como cenário para uma história de ficção científica que, indiretamente, se constitui em uma dura
crítica ao autoritarismo e às práticas repressivas dos representantes
98
da ditadura. No Museu de Arte Moderna e no pátio de um colégio no
Jardim Botânico são encenadas as prisões, torturas e assassinatos de
estudantes. Nas ruas da cidade, o cineasta aposta na ideia de um alto
grau de realismo para gravar a cena no meio da manifestação, cujos
protagonistas seriam estudantes e policiais, e que viria a ser conhecida
como uma das mais violentas daquele ano de 1968. Naquela sextafeira, conhecida como sexta-sangrenta, 57 pessoas ficaram feridas e 3
morreram em confrontos.
Em entrevista ao Diário do Paraná, em 6 de dezembro de 1975,
Olney São Paulo avalia que o filme não teria sido possível se não fossem esses conflitos que se desenrolavam no Rio. Desde 1966, ele já
tinha o roteiro pronto, inspirado em um dos contos que havia escrito.
Faltava a imagem da multidão reunida, da tensão dos corpos, gestos e
olhares: “No Rio, aproveitando a crise estudantil de 1968, eu tinha um
bom material de produção para realizar o filme – o filme que jamais eu
teria feito, porque não haveria condições de tramar toda aquela movimentação de gente, se não fossem os acontecimentos políticos de 1968”.3
Olney só não contava com os riscos que sua equipe corria. No
meio da confusão, o ator Sonélio Costa se destacou da multidão, subiu
em cima de um carro e encenou um discurso. O gesto ousado atraiu
a atenção da polícia, que o confundiu com um líder estudantil. O ator
foi preso. Outros integrantes da equipe também foram perseguidos.
Os negativos só foram salvos porque a câmera foi desmembrada. José
Carlos Avellar, fotógrafo e cinegrafista que registrava a cena, ficou
apenas com o chassi, que foi confundido com um gravador pelo policial que o prendeu e que queria, a todo custo, que a gravação daquela
conversa fosse apagada pelo equipamento que nada mais fazia do que
armazenar o filme. 4
Apesar do episódio, Manhã Cinzenta foi finalizado e chegou a
ser exibido em sessões fechadas para amigos e em festivais de cinema
no exterior, como o Festival Viña Del Mar, no Chile. Contudo, com o
clima pesado da época, Olney sabia que o filme não entraria em circuito
comercial. O que não poderia prever é que ele, o diretor, acabaria preso
e torturado por ter realizado Manhã Cinzenta.
99
Em busca dos documentos
Os documentos da polícia política, guardados no Arquivo Público
do Estado do Rio de Janeiro, nos ajudam a reconstituir parte dessa
história. Em 8 de outubro de 1969, a aeronave Caravelle, que saiu do
aeroporto do Galeão, no Rio, em direção à Manaus, foi desviada para
Cuba. Quando voltaram ao Brasil, os passageiros feitos reféns contaram à polícia que o sequestrador teria anunciado durante o voo que
levava com ele um filme importante, uma denúncia dos horrores da
ditadura no Brasil.
Os documentos que oferecem pistas sobre as investigações em
torno do sequestro, que mobilizou seis organizações militares, estão hoje
dispersos em pastas variadas. São inquéritos e prontuários impressos
em folhas frágeis e amareladas que se desmancham conforme o manuseio. O IPM (Inquérito Policial Militar) do Ministério da Aeronáutica,
um documento confidencial, aponta que 11 pessoas foram indiciadas
no caso, entre elas o diretor do filme, Olney São Paulo, e o então cineclubista Silvio Tendler, que teria apresentado Olney ao sequestrador.
Começa então a perseguição ao cineasta e ao seu filme. No mês
de novembro de 1969, Olney ficou detido por 15 dias no Serviço de
Ordem Política e Social do Ministério da Justiça, onde foi torturado,
como contou mais tarde. Os negativos e duas cópias de Manhã Cinzenta
foram apreendidos por agentes federais no Laboratório Líder. Pelo
menos três cópias sobreviveram: a que foi enviada para Cuba, a que
chegou à Cinemateca Francesa e uma terceira que ficou escondida na
casa do então crítico cinematográfico Miguel Pereira. 5 O material bruto
do filme, um catálogo com as fotografias dos personagens, o roteiro do
filme O destacamento, o plano de produção de Beira Rio Beira Vida e
de ABC do Enforcado foram apreendidos, junto com livros, anotações
e as roupas usadas nas gravações, na casa e no trabalho de Olney. 6
Já que não era possível provar a participação do cineasta no
sequestro, por conta da sua inocência, a polícia decidiu denunciá-lo
em dezembro de 1970 com base na Lei de Segurança Nacional, que
considerava crime a “publicação ou divulgação de notícias falsas ou
fatos verdadeiros truncados ou deturpados, que provocassem perturbação da ordem pública”. Quase dois anos depois de finalizar Manhã
Cinzenta, que não foi exibido comercialmente, Olney é acusado pelo
Ministério Público de realizar um filme que teria como objetivo “indispor
o povo contra as autoridades constituídas, em especial os militares”,
“documentar os choques de rua numa visão deturpada dos acontecimentos”, “por ser altamente subversivo”. A acusação é baseada no
parecer da Censura de Diversões Públicas, de fevereiro de 1970, para
quem o filme é perigoso porque contém cenas de tumultos estudantis,
choques com a polícia, de correrias. Para os censores, tanto o material
bruto de Manhã Cinzenta como outros rolos apreendidos junto com
ele eram considerados “pedaços de filmes” potencialmente perigosos,
pois “poderiam servir a qualquer finalidade contra o interesse de segurança pública caso fossem enviados para o território nacional ou
mesmo outros países”.
A conclusão do processo evidencia a percepção da própria polícia da potência das imagens e da possibilidade de qualquer um, além
das esferas do poder, tomar a palavra, recusar as narrativas oficiais
103
estabelecidas e construir novas histórias a partir dos arquivos cinematográficos. Questionar com o próprio corpo, com a própria voz e
até com as imagens do cinema as regras impostas pela ditadura era
considerado um ato criminoso. Portanto, essas imagens subversivas
deveriam ser apreendidas, tiradas do circuito, banidas. A censura parte
do pressuposto de que a força das imagens está em seu conteúdo, no
que mostra de documental, do que é colado à realidade.
Podemos portar um novo olhar sobre as imagens se, ao contrário dos censores, entendemos que elas não são algo dado, pronto,
transparente, mas sim um campo de conflitos, “que reclamam uma
descrição, uma construção discursiva” (DIDI-HUBERMAN, 2012,
p. 18). Um olhar que procura recuperar a história, os rostos, os nomes,
os destinos e as intenções dos corpos que estavam diante e atrás das
câmeras. Para tensionar a noção de transparência da imagem, investigamos um ângulo pouco explorado, o do momento da tomada. Uma
104
perspectiva que nos solicita a estar atentos aos detalhes, a perceber
nas imagens os “traços de quem se prepara para o combate, do risco
corrido por quem filma, da precariedade das situações, de todas as
dimensões aleatórias, todos os perigos” (LINDEPERG, 2013, p. 203).
Os traços da tomada
Foi o jornalista e crítico de cinema José Carlos Avellar quem empunhou
a câmera para filmar Manhã Cinzenta. Sua experiência como cineasta
amador não foi tão levada em conta quanto o fato dele ser proprietário
de uma pequena câmera bolex, com a qual produzia imagens nas ruas
do Rio de Janeiro o fim dos anos 1960. Com o equipamento leve e de
fácil manuseio, Avellar se enfiava no meio de aglomerações de pessoas
durante os carnavais de rua, as comemorações de jogos de futebol, as
manifestações estudantis. Além da sexta-feira sangrenta, filmada para
Manhã Cinzenta, ele registrou o cortejo fúnebre do estudante Edson
Luis e a Passeata dos Cem Mil.
De modo geral, produz imagens tremidas, com poucos planos
parados e muito movimento de câmera. Avellar filma enquanto anda
e se enfia no meio a multidão: “O que fica na memória é que o que eu
filmava era uma absoluta desordem organizada. As pessoas se mexiam
pra todos os lados, era impossível ter a noção de que se filmava o mais
quente. Mas sempre, desde que eu comecei a filmar, eu queria filmar
de dentro. Me chamava atenção as pessoas, eu queria filmar do meio,
queria estar ali no meio das pessoas e de repente pegar um segundo
de uma expressão na cara das pessoas (...)”. 7
Nas imagens realizadas por Avellar, está inscrito o modo participativo de quem segura a câmera na curta distância em relação aos
corpos filmados. A partir de um olhar atento, é possível perceber o
que surge de intencional nas imagens de quem enquadra e escolhe o
que filmar, como a fala dos líderes estudantis para onde convergem as
atenções da maioria dos homens e mulheres ali presentes. Avellar diz
que gostava “dessa coisa de surpreender algo, da câmera enquadrar o
sujeito e não o sujeito enquadrar a câmera”. Alguns detalhes, no entanto, revelam o que permanece de oculto, ao que escapa da intenção do
cinegrafista, “à vontade de mostrar e ao desejo de ver e compreender”
(LINDEPERG, 2015, p. 206).
Nas imagens de todas as manifestações filmadas por Avellar,
inclusive as usadas em Manhã Cinzenta, há algo em comum que as
atravessa e imprime na película uma forte e constante marca: os olhares dos sujeitos anônimos que enquadram o equipamento de filmar,
desses homens e mulheres que se deparam com Avellar e não desviam
o olhar. Com esse gesto que dura poucos segundos, não apenas evidenciam a presença da máquina e do cineasta, mas também convocam o
espectador a observá-los. Não sabemos o que eles pensam, o que está
na consciência de quem vive aquele momento, mas do presente conhecemos o que se passou nos meses seguintes – o AI5, o endurecimento
da ditadura, as torturas e mortes de militantes políticos ou suspeitos,
como Olney –, e entendemos que há algo de indecifrável nesses olhares
que serve como uma espécie de anúncio.
105
Um olhar atento para essas imagens das manifestações de rua,
que tanto assustavam a censura, possibilita uma nova interpretação,
a de que elas não são subversivas pelo seu conteúdo denunciatório,
mas pelas suas sutilezas, pelos traços nelas impressos que passaram
à margem da história e que podem oferecer novas perspectivas sobre
o acontecimento. Nesses registros que carregam a marca tenaz dos
estudantes como vítimas principais da ditadura, vemos na verdade
uma grande multiplicidade de rostos: jovens, velhos, homens, mulheres, trabalhadores. O que percebemos nos detalhes dessas imagens,
levando em conta o gesto de quem filmou e as marcas desse gesto nos
fotogramas, é um olhar participante do homem anônimo, comum, que,
mesmo sem perceber, estabelece relações entre quem filma, quem é
filmado e o espectador. São olhares que convocam o espectador do
futuro a recriar essas imagens, criticá-las, construir discursos e a
partir desse gesto retomar a verdadeira força que elas contém: de
serem múltiplas e sempre abertas a novas ligações, de perturbar os
pensamentos e sentidos dados pela história oficial.
Notas
1. Uma cópia do processo está disponível para consulta no site do
projeto Brasil: Nunca Mais, que contou com a ajuda de advogados
para copiar documentos e evitar que processos judiciais por crimes
políticos desaparecessem com o fim da ditadura. Acesso em: http://
bnmdigital.mpf.mp.br/#!/
2. O artista também interpreta o papel de um policial carrasco no filme.
3. Trecho usado por Ângela José (1999) no livro que escreveu sobre
Olney São Paulo.
4. Essas são lembranças de José Carlos Avellar contadas em entrevista
para a pesquisadora em 2013.
5. O próprio Olney conta em seu depoimento à polícia, acessível no
processo, que havia enviado duas cópias para o exterior. A existência
107
da outra cópia clandestina foi descoberta em conversa recente com o
próprio Miguel Pereira, que conta ter devolvido o filme à Olney por
volta de 1973.
6. A lista com o material apreendido consta no processo.
7. Em entrevista para Patrícia Machado e Thais Blank em 2013.
Referências
COMOLLI, J-L. Spectres de l’histoire. In: LINDEPERG, Sylvie. La voie
des imagens: quatre histoires de tournage au printemps-été 1944. Paris:
Editions Verdier, 2013
DIDI-HUBERMAN. G. Peuples Exposés, peuples figurants- L’oeil de
l’histoire, 4. Paris, Editions de Minuit, 2012.
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JOSÉ, A. Olney São Paulo e a peleja do cinema sertanejo. Rio de Janeiro:
Quartet, 1999.
LINDEPERG, S. La voie des imagens: quatre histoires de tournage au
printemps-été 1944. Paris: Editions Verdier, 2013.
Ocupar, resistir,
ressurgir
sobre Ressurgentes, de Dácia Ibiapina
amaranta cesar
A montoados, convictos e eufóricos, entoando palavras de ordem
contra José Roberto Arruda, portando como arma e escudo um caixão vazio destinado ao sepultamento simbólico do então governo do
Distrito Federal, um grupo de pessoas força a porta de entrada da
câmara legislativa, em protesto pelo impedimento do governador,
sobre quem pesava na ocasião denúncias de corrupção. A contenção
dos seguranças, que separa a multidão da instituição, vai cedendo, e
a tensão crescente deságua em uma onda de gente que invade e ocupa
“a casa do povo”. Através de poucos e longos planos, acompanhamos a
ocupação pela perspectiva de quem integra o bloco de manifestantes.
Atravessada pelos corpos em disputa, a câmera avança com/por/como
eles. A “ação direta”, que está em seu título, compõe, assim, a abertura
de Ressurgentes, um filme de ação direta (Dácia Ibiapina, 2014), explicitando e fazendo vibrar a matéria que o conforma.
Fora Arruda e máfia é um dos movimentos sociais autônomos
do Distrito Federal cuja trajetória Dácia Ibiapina acompanha em
Ressurgentes, um filme de ação direta. Além das mobilizações que
culminaram com a prisão e o impedimento de José Roberto Arruda,
compõem o filme o Santuário não se move, movimento contra a implantação do bairro Noroeste no Plano Piloto de Brasília em um território
indígena, e os atos do Movimento Passe Livre do Distrito Federal, em
defesa de transporte público gratuito e de qualidade. Ao retomar as
ações desses movimentos sociais, Dácia conduz uma exposição das
109
novas maneiras de organização e disputa política que surgiram no
Brasil nos anos 2000 e culminaram nas chamadas jornadas de junho,
conjunto volumoso, potente e desconcertante de manifestações que
se espalharam pelo país em 2013 e cujo impacto continua a ressoar,
sem que ainda se vislumbre completamente sua dimensão na política
brasileira. O filme torna visível, desse modo, uma série de confrontos
políticos para os quais a ocupação dos territórios e espaços públicos
tem lugar central, como tática de acirramento do conflito entre projetos de cidade e de mundo. Mas é a maneira como a prática cinematográfica/audiovisual permeia essas ocupações de modo intrínseco e
constitutivo que produz a matéria que dá vida ao filme: as ações diretas
filmadas. Por elas, explicita-se o domínio de disputa pela imagem – e
pelo imaginário – que é extensivo ao conflito territorial, espacial, de
onde decorre o gesto de resistência ensejado por Ressurgentes. E é
justamente a força dessas ações filmadas enquanto elementos consti-
110
tutivos dos atos dos movimentos sociais contemporâneos que desafia
a montagem do filme. O que pode a montagem, e, por ela, o cinema,
diante da ação das imagens, ou das imagens-ação, ou ainda do desejo
de ação das imagens?
A montagem em Ressurgentes opera para relacionar o conflito
dos corpos nos espaços com a reconstituição de um pensamento de
onde se projetam e para onde se prolongam as disputas materiais e
simbólicas em jogo. No equilíbrio delicado entre pensamento e ação,
a montagem trabalha para evitar a cisão (que seria desastrada) entre
essas duas dimensões e as temporalidades que nelas estão implicadas –
o presente do engajamento e o passado da reconstituição da recente
história. A ação dos corpos encarna os mundos desejáveis que as falas
elaboram, mas a elaboração do pensamento e do imaginário de luta
acontece nos dois tempos, o tempo todo – o mais evidente sinal dessa
passagem se dá pelos próprios corpos das testemunhas que vemos não
apenas em clássicos planos de entrevista mas em ação nas imagens
das ocupações e manifestações. Menos do que explicar, controlar e
apaziguar as imagens, as falas são mobilizadas pelos corpos em conflito
e lançadas por eles de volta à abertura vibrante dos acontecimentos. É
desse modo que o filme de Dácia Ibiapina enfrenta também a noção de
instrumentalização que conduziu razoável parte da crítica a desconfiar
e expurgar a militância do cinema. Para citar um exemplo fundador,
em A Rampa, Serge Daney tece uma forte crítica ao modo como cinema e militância se relacionam, que diz respeito ao que ele chama de
“fardo do cinema militante”, que seria “ver no produto artístico não
mais do que um produto neutro, transmissor sem potencialidade da
popularização de ideias elaboradas em outro lugar” (DANEY, 2007,
p. 72). Nos termos de Daney, a “eterna pobreza do cinema militante”
seria sua concepção instrumentalista na qual o cinema apresentase como uma “máquina de tradução” daquilo que se manifesta fora
dele, na luta. O que se nota com vigor em Ressurgentes é a dissolução
das fronteiras espaço-temporais entre a elaboração de um discurso
militante e a prática cinematográfica que coloca em crise a ideia de
instrumentalização do cinema pelas lutas políticas, redimensionando
o lugar da militância nas formas cinematográficas.
Isto porque, ao encarar o desafio de montar um potente conjunto
de imagens-ação, Dácia Ibiapina e Guile Martins (montador), além de
conjugarem a vibração das ações à sua revisão discursiva, encontram
modos de transcendência, projetando ou antevendo um futuro para as
disputas em cena. É o que se pode notar na sequência final no Santuário
dos Pajés, quando o grupo de jovens e líderes indígenas resistem ao
cerco e destruição do parque pelo empreendimento imobiliário de “alto
padrão”, em um movimento aparentemente inesgotável. Ao sobrepor o
canto dos Tapuya Fulni-ô, comunidade indígena ocupante do local, às
imagens da escavação de um imenso canteiro de obras sobre terreno
desmatado, não apenas dois projetos de cidade e de mundo sobrepõem-se
pela disjunção entre som e imagem mas a continuidade do confronto é
também sugerida, como um presságio ou ameaça. A montagem opera,
assim, pela lógica da resistência. E é da conjugação entre a restituição
das ações engajadas no presente e a antevisão de seu prolongamento
no futuro de onde se desprende a impressionante força mobilizadora
de Ressurgentes; de onde se libera a energia para a luta que o filme,
finalmente, faz ressurgir – nos corpos de seus espectadores. Por tudo
111
isso, o filme de Dácia Ibiapina pode ser visto como uma resposta à
pergunta de Serge Daney: “Como restituir àqueles que lutam – ao
mesmo tempo que o sentido estratégico de seu combate – o ardor, a
invenção e o prazer que também há em lutar?’” (DANEY, 2007, p. 75).
Referências
DANEY, Serge. A rampa: Cahiers du Cinéma 1970-1982. Tradução e
posfácio Marcelo Rezende. Cosac Naif: São Paulo, 2007.
112
Amor e música
em Yorimatã
sobre filme de Rafael Saar
jair tadeu da fonseca
Felizmente, têm sido realizados muitos documentários sobre as cenas
musicais brasileiras dos anos 60 e 70, muitos deles enfocando com viés
biográfico algumas de suas figuras fundamentais, sendo que esses filmes, além de rever essas cenas pelos olhos e ouvidos contemporâneos,
ainda trazem à tona imagens e sons de arquivos quase sempre raros.
Isso cria e disponibiliza outro arquivo – um arquiarquivo – precioso
para quem se interessa pela música brasileira, o que também significa
interesse pela vida brasileira em seus vários aspectos, pois tudo está
nessa que é provavelmente a nossa manifestação artístico-cultural
mais poderosa, prolífica e de maior alcance. Entretanto, infelizmente,
nem toda essa vasta produção audiovisual recente sobre o assunto dá
a devida importância ao que nela seria fundamental: a própria música,
em relação às imagens da vida que a gera. Muitas vezes, são frustrantes
os modos e as formas com que a música parece estar em muitos filmes
e vídeos: como mera ilustração de algo, quando, por exemplo, a música
é logo interrompida, com frequência, para se introduzir o depoimento
“sabido” de alguém sobre a personagem ou o assunto em pauta, sem
nenhuma ou com pouca consideração por algo fundamental tanto à
música quanto ao cinema: o ritmo.
Felizmente, não é o caso de Yorimatã, em que se respeita o tempo
das músicas, sua duração, percebendo-se com isso sua relação com o
tempo biográfico das figuras retratadas, com as diversas temporalidades da história cultural brasileira e, como veremos, até mesmo com um
113
(im)possível fora do tempo – ou um tempo místico invocado e evocado
pelos tambores da umbanda e pelos cantos e danças de Luhli e Lucina,
cuja história extraordinária é objeto e principalmente sujeito do belo
filme de Rafael Saar, o qual faz jus a essa dupla das mais importantes
e menos reconhecidas da vasta história de nossa música popular. Em
Yorimatã, há ritmo de som e imagem, sem linearidade cronológica, mas
ritmo condizente com a vida em obra das figuras retratadas. Quem
conheceu canções de grande sucesso na década de 1970, com os Secos
& Molhados, como “O vira” e “Fala”, deveria saber que uma de suas
autoras constituiria uma dupla musical feminina sofisticada, original,
e praticamente única enquanto parceria tão fértil, pois, na história
marcadamente patriarcal de nossa música, houve poucas mulheres
a se dedicarem à composição, execução instrumental e vocal, sendo
que, como apontado no filme, provavelmente as protagonistas foram as
primeiras percussionistas a mandarem as mãos nas peles nos tambores,
114
além de serem exímias violeiras, violonistas, cantoras e letristas, neste
aspecto capazes de mesclarem a confissão íntima à paixão cósmica.
Repousa além da desdita
E além do fado
O oculto e belo significado
Dessa mágica atração
Tão lado a lado
Lua e Terra, Terra e Lua
Pulsando no ventre da natureza nua
Lua e Terra, Terra e Lua.
Aliás, num dos depoimentos do filme, outra pioneira, Joyce,
relata o quanto foi considerado afrontoso, no final dos anos 60, uma
garota como ela escrever e interpretar uma canção com a expressão
“meu homem”. E, junto à originalidade da música de Luhli e Lucina,
nesse aspecto cultural mais amplo, relativo à hipocrisia social em face
à liberdade feminina, saliente-se o modo delicado e natural com que
o filme trata a relação amorosa da dupla com o fotógrafo e cineasta
Luiz Fernando Borges da Fonseca, o qual não gostava de ser filmado, e
com quem cada uma teve dois filhos, criados juntos, sem esconder que
isso também foi difícil devido aos problemas gerados pela situação,
principalmente em termos das respectivas famílias, pois estas não
foram capazes de aceitar que outros tipos de família e outros modos
de vida seriam possíveis. Nesse aspecto, Yorimatã trata, de modo
mais original do que os demais filmes sobre o assunto, da chamada
contracultura no Brasil, ou seja, das rupturas comportamentais, em
termos de reinvenção, em liberdade, das relações amorosas e das vidas pessoais, familiares, comunitárias e sociais, por parte de setores
da juventude, em plena ditadura política. Aliás, essa outra dimensão
política, menor, que pareceria alheia à “grande” política, mas se volta
contra ela, é evidenciada no filme. A contracultura sempre esteve muito ligada às manifestações artísticas, principalmente à mais popular
delas, a música, mas nos documentários a respeito ainda são poucas
as considerações da sexualidade, ainda mais numa perspectiva feminina dessa reinvenção das relações eróticas, inclusive num sentido
mais amplo que o das relações sexuais: o erótico no sentido de força
criativa e criadora.
Coração aprisionado
Não canta, não canta, amor
Há uma fera à solta,
À solta, amor,
Dentro de mim.
No caso de Luhli, Luiz Fernando e Lucina, em vez de possessividade, ciúme, competição e ressentimento, tão comuns nas relações ditas
amorosas, o que houve foi amor, fraternidade e criatividade, devido à
co-laboração estabelecida no seu viver, amar e trabalhar em conjunto e
conjunção. Muitos dos preciosos registros de arquivos visuais presentes em Yorimatã vêm de filmagens feitas por Luiz Fernando, também
cenógrafo em alguns dos shows da dupla, junto a imagens de filmes e
vídeos raros, de outras procedências. Na capa de seu primeiro álbum,
Luli & Lucinha (elas mudaram de nomes), há uma bela foto, feita por Luiz,
das silhuetas frontais, distorcidas, de Luhli e Lucina, que parecem se
115
alongar e se ligar em fundo dourado de sol, numa alusão provável tanto
à vida em frente à aurora do mar de Mangaratiba, em Filgueiras (lugar
onde viveram por muito tempo em comunidade e comunhão), quanto
talvez à luz e à lourice-ruivice das duas. A animação dessa fotografia
cria um balé no documentário, com fusão e separação da imagem dupla.
Também chamam a atenção no filme as cenas e sequências de Luhli
e Lucina, tomadas recentemente, nos mesmos lugares onde viveram
sua juventude, salientando-se principalmente sua re-ligação, inclusive
no sentido religioso, muito tempo depois da separação da dupla, como
se constata nas sequências do mar e principalmente das matas, dos
riachos e cachoeiras, sendo que numa delas as amigas se benzem/
são benzidas pelas águas. Junto a depoimentos sobre esse sentimento
religioso que as impulsiona, temos também importantes imagens e
sons dos tambores tocados por elas para invocar e evocar os espíritos
da natureza e das forças afro-indígenas valorizadas pela umbanda,
116
presente também nas performances coreográficas de Luhli e Lucina,
conforme registros de shows em que é nítida a inspiração das giras...
E faço fogo okê aruê
Ah e espero a aurora
Eu quase dois eu mulher
Ah eu quase árvore, ah eu mulher.
Com exceção do primeiro álbum, a percussão da umbanda convive, em grande parte de sua produção musical, com elementos de bossa
nova (manancial original de ambas e de grande parte dos músicos de
sua geração), samba novo, folk rock psicodélico, música caipira, latinoamericanidad e estilização de cânticos indígenas, resultando algo
de muito próprio dessa mistura toda. Não por acaso, nos anos 80, há
uma aproximação dessa dupla, digamos, pós-tropicalista, de outros
músicos inclassificáveis da chamada “vanguarda paulista”, entre eles,
Itamar Assumpção. Como Yorimatã revela, através de comentários das
artistas, a gravação, produção e distribuição independentes foram o
pioneiro caminho de liberdade para quem não queria se submeter às
injunções da indústria fonográfica, já na fase de controle e formatação
de seus “produtos” e mesmo do estabelecimento de nichos vendáveis
através de canais e códigos de identificação fácil. Apesar da sua capacidade de fazer música pop sofisticada, demonstrada nas muitas de
suas canções gravadas por Ney Matogrosso, Luhli e Lucina não tiveram
seu pão forte e nutritivo comido pela massa. Injustamente, a maioria
de suas muitas centenas de canções sequer foi gravada ou divulgada.
Mas certamente toda essa música foi bem vivida. Mesmo porque as
duas heroínas dessa história abdicaram à chance de estabelecer uma
carreira profissional, nos momentos dolorosos da doença e morte de seu
parceiro, carreira que só foi retomada tardiamente, e continua ainda,
em seus caminhos separados, embora confluentes, como nesse filme.
Sem concessões às gravadoras e ao “gosto do grande público” forjado
por aquelas, Luhli e Lucina só fizeram concessões ao amor.
117
Orestes:
Luto Incompleto e estética da elaboração1
sobre Orestes, de Rodrigo Siqueira
cláudia mesquita
Talvez soe protocolar iniciar por um elogio à relevância e à atualidade
do problema (ou dos problemas) que Orestes, a seu modo, enfrenta. A
começar pelo tema da memória das vítimas e do julgamento (ou melhor,
não-julgamento) dos crimes da ditadura militar (1964-1985). Mas no
país em que se impôs uma “norma de recalque”, “acintosa a qualquer
ordem de democracia efetiva” , como escreveu Thales Ab’Sáber, em que
2
foram precisos sete governos (no processo democrático pós-64) para
que se instaurasse uma mínima Comissão da Verdade (o que já se deu
em 2012, depois do Brasil ter sido condenado na Corte Internacional
de Direitos Humanos da OEA por omissão diante dos crimes da ditadura), neste mesmo país, enfim, em que o Supremo Tribunal Federal
revalidou em 2010 a Lei da Anistia, que perpetua a impunidade, um
dos méritos de Orestes, indiscutivelmente, é apresentar e buscar elaborar um dilema histórico que nos faz (como uma “ferida aberta”, na
expressão freudiana 3).
Mas o interesse do segundo longa de Rodrigo Siqueira não se
limita a seu conteúdo temático. A recuperação da memória no filme é
feita através de apostas (de abordagem e forma) muito arriscadas, que
certamente não trivializam nem harmonizam, no presente, a história
política recente – justamente porque se põem a pensá-la não como coisa
acabada, restrita a um passado já fechado, mas como força bem viva
entre nós. Não é só um legado, é uma presença, tem dito o diretor em
entrevistas. Todo o trabalho do filme parece visar encontrar formas
119
para tornar visíveis essas permanências e ressurgências, para encarná-las em cena, e assim urdir os liames entre passado e presente: entre
crimes da ditadura e violência policial hoje, entre traumas históricos e
sintomas sociais atuais, entre a ausência de um trabalho de memória
e de luto efetivos e as contradições e aporias da sociedade brasileira.
Em sua revisita ao antigo prédio do Doi-Codi, “não-lugar de memória”4 eleito como um dos espaços de elaboração no filme, o ex-preso
político José Roberto Michelazzo rememora e comenta: “Eu me senti
completamente desamparado. Eu tô num lugar que deveria estar me
protegendo, e ele tá me machucando, tá me diminuindo, me tornando
pó. Eu que era cidadão me torno pó na mão dos caras (...) Na violência
que estamos vendo hoje, a desproteção continua a mesma. (...) Tem uma
ação organizadora do Estado que é responsabilidade dele” (embora
sejamos todos, sociedade civil, responsáveis, ele dissera antes). Em
cena, Michelazzo elabora com clareza esta que parece ser uma das
120
teses do filme, norteadora de sua proposta, de sua intensa posta em
relação: fazer jus à memória das vítimas da ditadura, aproximando-se
da verdade histórica, é também olhar para o presente e problematizar
perpetuações.
Ao aproximar dois momentos da história brasileira, e relacioná-los
à trilogia de Ésquilo (Agamemnon, Coéforas e Euménides), o filme
parece visar especialmente a ação do Estado e a justiça. Passados 30
anos do final da ditadura, não houve reparação, tampouco uma completa “restauração”: as nossas polícias continuam militares, e agentes do
Estado democrático violam direitos elementares dos cidadãos, atuando
de maneira criminosa, fraudulenta, parcial, acima da lei. O filme trabalha o horizonte de um processo civilizatório truncado e incompleto,
como se estivéssemos aquém da tragédia, aquém do compromisso, da
sublimação e do “tratamento simbólico da violência passional”, como
escreveu Mondzain, 5 que a Oresteia encena como rito de entrada na
lei, na polis, na justiça formal.
Como ouvimos nas histórias das vítimas reunidas pelo filme,
as fraturas sociais repercutem diretamente em práticas policiais que
criminalizam e condenam à morte negros e pobres. Acompanhando
Eliana, uma de suas personagens (mãe de um rapaz morto por “pessoas
que usavam uma farda”), o filme nos conduz à Defensoria Pública do
Estado, onde uma advogada vai dizer, justamente, das narrativas recorrentes nos boletins de ocorrência policial, em que as mais diferentes
realidades são “encaixadas em um roteiro pré-traçado”, endossado
noutras instâncias da justiça: é o roteiro da “resistência seguida de
morte” (eufemismo para pena de morte, os pobres condenados e executados por serem arbitrariamente “suspeitos”). A ditadura acabou,
mas a democracia não está dada, tem insistido Rodrigo Siqueira em
entrevistas: a dinâmica entre forças arcaicas e democráticas é um jogo
que se joga no presente.
Dizer tudo isso é ainda se manter no terreno da relevância temática; fundamental esmiuçar a forma como se trabalham, no filme,
esses problemas imensos. Começaria observando que Orestes – em
que a elaboração da história corresponde a uma posta em relação
entre materiais e procedimentos heterogêneos – mantém uma espécie
de “centro vazio”. Com isso quero indicar que diferentes problemas e
6
matérias históricas são relacionados, sem que haja um objeto preciso
do passado ou do presente a encenar, rememorar, representar, narrar
a contrapelo. Mesmo que reconheçamos a importância, para o filme,
da história real de Soledad e Cabo Anselmo, difícil memória e herança
com que Ñasaindy tem que se haver no presente, não se trata de mais
um documentário sobre a ditadura, não exclusivamente. Tampouco de
uma adaptação ficcional contemporânea da tragédia grega, embora a
divisão em partes reverbere os três tomos da trilogia de Ésquilo (“a
traição”, “a vingança”, “o julgamento”).
Pondo em relação essas e outras matérias, Orestes faz um caminho cheio de riscos. Cada parte do filme parece desdobrar uma camada
nova, que privilegia uma forma inédita (no filme) de abordagem e
experimento com a matéria histórica que mobiliza. O desafio que se
coloca para nós é o de compreender como essas partes se articulam
(inclusive porque uma vaza sobre a outra, há interpenetrações), e qual
inteligibilidade, por fim, o filme acaba por promover.
121
Começando por uma panorâmica que se movimenta, em plano
geral, pela paisagem de São Paulo, acompanhando o sobrevôo de um
urubu, ao som de música grega antiga, Orestes antecipa uma síntese:
sugere a interpenetração de tempos e a medida trágica de nossa experiência social (o urubu parece sobrevoar corpos mortos que o emaranhado de prédios não nos permite vislumbrar). As primeiras imagens da
visita de Michelazzo ao Doi-Codi reforçam a sugestão de uma memória
obscura e soterrada, guardada na metrópole atual. Depois do primeiro
intertítulo (“a traição”), a história real de Soledad, Arariboia e Cabo
Anselmo é trabalhada de forma mais tradicionalmente documentária,
a partir das entrevistas e imagens de arquivo pessoal oferecidas por
Ñasaindy (filha de Soledad, militante morta pela repressão). Em paralelo, Marcelo Zelic (da ONG Tortura Nunca Mais) pesquisa o caso na
internet, em particular o envolvimento do Cabo Anselmo, agente da
ditadura infiltrado nos movimentos de resistência armada.
122
Se sugere um documentário histórico, voltado para trajetórias
bem precisas,7 a primeira parte já nos apresenta uma das características mais marcantes do filme: uma certa estética, digamos assim, da
elaboração (mesmo que o que se elabora não esteja tão claro). Orestes
se coloca como work in progress; quase nada é apresentado em si, sem
que se encene o processo mesmo de sua descoberta, pesquisa, elaboração (exceção seja feita para alguns planos emblemáticos, como o
sobrevôo do urubu, já descrito). A história de Soledad é elaborada por
Ñasaindy, com todos os “buraquinhos”, como diz a personagem, que
a mantêm aberta, e o apoio precário de fotos de família cortadas por
“uma questão de segurança”; já Cabo Anselmo aparece mediado pela
pesquisa de Zelic na internet (com a mobilização de trechos de uma
entrevista na TV). Até mesmo as locações, fundamentais no filme,
tanto o Doi-Codi como o teatro TAIB, que trazem toda uma memória
latente, são espaços praticamente desativados, a serem preenchidos
pelos processos que neles vão se dar, motivados pelo filme em seu fazer.
A estética da elaboração se acentua na segunda parte, “a vingança”, iniciada por planos do cemitério de Perus (espaço que, em si
mesmo, imbrica a memória obscura da ditadura ao presente dos “indi-
gentes” lá enterrados, como o filho de Eliana). O agouro do urubu, no
plano de abertura, aí encontra reverberação (uma cova é aberta para
receber um corpo). Nessa parte, o filme abraça um trabalho explícito de
elaboração em ato, por meio da criação de um dispositivo: pessoas que
não se conhecem, convidadas pela equipe, participam de interações e
sessões de psicodrama conduzidas por Marisa Greeb (com a participação
expressiva de Zelic). Esses jogos, de que participam sujeitos marcados
pela violência (da ditadura ou da polícia hoje), e pessoas da sociedade
civil de algum modo ligadas ao problema, parecem visar encarnações
dos temas gerais pelo filme abarcados. “Num confronto entre policial
e bandido, quem tem que morrer?”, explicita Sandra, militante de um
grupo de apoio a vítimas da violência (de “bandidos”, ela diria), defensora da pena de morte, sob pressão de um jogo psicodramático em
que seu primeiro encontro com Eliana é reencenado.
Por fim, “o julgamento”: criado um processo judicial fictício,
que cruza o Orestes trágico com a história de Ñasaindy, Soledad e
Anselmo, encena-se o tribunal popular, com a participação de dois
juristas renomados (um defendendo, outro acusando o personagem
Orestes dos Santos), assistidos por um júri em que se incluem alguns
participantes do psicodrama. A terceira parte explicita a revisita à tragédia grega (indicada no título e nos letreiros iniciais), ao mesmo tempo
que convoca o nosso julgamento – de certa forma, nós espectadores
somos engajados como jurados no processo em curso (inclusive porque,
na mise-en-scène do tribunal, o júri está posicionado na audiência, e
o veredicto não é pronunciado em cena). Aqui, a elaboração em ato,
mesmo com a teatralidade previamente marcada da cena judiciária,
fica por conta da atuação do promotor e do advogado de defesa (cujas
falas não foram pré-roteirizadas), sem falar na abertura para o “julgamento” final do espectador.
Como uma parte se vincula a outra, e reverbera na outra? Que
história é essa que o filme, a partir de suas escolhas, elabora? Mesmo
que se valha de matérias bem precisas, tanto históricas como atuais,
Orestes parece partir antes de um conceito, intuição ou tese sobre a
história, do que da proposta de documentar qualquer “objeto” prévio.
123
Assim, uma espécie de tese da permanência (do passado no presente), pela via de um trabalho de luto incompleto ou por fazer, norteia a
criação do julgamento e a proposta do psicodrama. Mas não se trata
de um filme de tese didático, justamente porque trabalha de maneira
bastante aberta aos aportes, vivências, atos de fala, embates de seus
participantes. Uma tal estética da elaboração é coerente com a matéria
histórica que se elabora: fragmentária, traumática, recalcada, falsificada nas narrativas oficiais, disputada e sofrida no presente. Escolhas
de montagem reforçam o caráter descontínuo e inacabado dessa matéria: é o caso do corte para tela preta, nos testemunhos, que figura
a brutal interrupção das vidas, e acentua a irresolução das histórias
de vítimas da violência policial, reunidas na segunda parte do filme.
“Não tenho nem mesmo a certidão de óbito do meu filho”, diz Eliana.
O luto incompleto atravessa tempos, aproximando os pais de jovens
mortos hoje pela polícia aos filhos de vítimas da repressão durante a
124
ditadura – como nos mostram as interações no Doi-Codi e no TAIB. 8
Mas se é nas sessões de psicodrama, sobretudo, que se elaboram
em cena os liames entre passado e presente, tanto a posta em história
como a abordagem da atualidade aparecem limitadas pela ausência de
um “centro”. Priorizando dinâmicas de interação (que o diretor associa
ao coro, à vox populi da tragédia grega), o filme parece mirar as grandes
questões a partir do enfoque de dramas, traumas, paixões, pulsões e
memórias individuais.9 Mas a interação entre desconhecidos, unidos
mais pelo tema do filme do que por uma experiência rigorosamente
comum, nem sempre alcança elaborações subjetivas (ficando por vezes no nível do debate, do “bate-boca” que ecoa posições polarizadas
na sociedade). A mim, soa especialmente incômodo o antagonismo
projetado em Sandra, que acaba encarnando, apesar de suas fragilidades, uma espécie de “inimigo comum” (dos demais participantes, e
do próprio filme) a ser combatido em cena.
Não por acaso o julgamento final é um ponto de chegada. Ele
retorna à cena grega para indagar nossa incompletude e tragédia históricas, ao mesmo tempo que articula memória da ditadura e violência
atual. Trabalha ainda passagens entre trauma individual e trauma
histórico (quando a anistia irrestrita e sua revalidação são afirmadas com todas as letras pelos atores). Se o veredicto fica em aberto,
Ñasaindy parece encontrar na alter-história (de Orestes dos Santos)
e na encenação do encontro essencial (com “Cabo Anselmo”, vivido
por Zelic no psicodrama) espaço para uma dolorosa elaboração subjetiva. Na mesma cena, Michelazzo (aquele que batalhou pra silenciar
o torturador dentro de si, que parecia o mais disposto, no filme, a um
distanciamento do lugar da vítima e a um trabalho reflexivo), ataca o
“Cabo Anselmo” e o sufoca (exatamente como fez Orestes com o pai
traidor e torturador). O som direto dá lugar à música antiga. Foco sobre
o rosto de Ñasaindy, que observa. Corte, tela preta. Será esse impasse,
em Orestes, a última lição de história? 10
notas
1. Agradeço a Leandro Saraiva pelas conversas em torno do filme, que
este texto, uma primeira aproximação a Orestes, ecoa. E a Eduardo
Soares Neves Silva e Rodrigo Siqueira, com quem tive a oportunidade
de discutir Orestes em uma sessão de lançamento no Cine 104, em
Belo Horizonte.
2. Ver “Cabra marcado para morrer, cinema e democracia” (São Paulo,
Cosac & Naify, 2013).
3. Ver Luto e melancolia (São Paulo: Cosac Naify, 2011).
4. Refiro-me aos “lugares de memória” teorizados por Pierre Nora (1984),
sítios nos quais, em momento de crise da transmissão, se “pendura” a
memória coletiva. A expressão “não-lugares de memória” foi utilizada
por Claude Lanzmann para sublinhar a diferença marcante dos espaços revisitados por sobreviventes do Holocausto em seu filme Shoah
(1985): sítios arruinados, marcados pela ausência, pelo apagamento,
pelo projeto nazista de não deixar rastros, por memórias traumáticas.
5. Ver “A imagem pode matar?” (Lisboa, Passagens, 2009, p. 18).
125
6. Empresto expressão de Bernardet, utilizada, noutro contexto, para
indicar uma característica comum a alguns curtas que lhe interessava
abordar. Ver “Por uma crítica ficcional” (catálogo do forumdoc.bh 2003).
7. A primeira parte também identifica Ñasaindy ao Orestes do título
(em função da traição e da emboscada a sua mãe por Anselmo), identificação que se acentua quando a terceira parte do filme, o julgamento
simulado, evidencia como essa adaptação contemporânea da tragédia
corresponde a um cruzamento da Oresteia com o caso real (narrado
no filme, sobretudo, por Ñasaindy).
8. Como escreveu Jeanne Marie Gabnebin, “o não saber sobre os mortos do passado instaura na memória um lugar de indeterminação cuja
transposição atual se encontra nesses espaços indeterminados de
exceção, situados no seio do próprio corpo social – e cuja existência
nem sequer é percebida”. Ver “O preço de uma reconciliação extor-
126
quida” (O que resta da ditadura, org. Edson Teles e Vladimir Safatle,
Boitempo Editorial, 2010).
9. Em Orestes, guardadas as diferenças, busca-se também uma “história à altura do homem”, como se escreveu para o cinema de Rithy
Pahn (que afirmou só conceber abordar o genocídio cambojano “em
primeira pessoa”). Ver “Devolver o olhar”, de Sylvie Rollet (no catálogo
da mostra O cinema de Rithy Panh, CCBB, 2013).
10. Como sintetizou Ilana Feldman, o filme sinaliza que “não há solução de compromisso entre ação racional e reação violenta, entre esfera
pública e justiçamento privado, entre o dever de reparação do Estado
e o desejo de vingança dos indivíduos.”
Do retrato
ao autorretrato:
Notas aleatórias do espaço imagético
em Mais do que eu possa me reconhecer
sobre filme de Allan Ribeiro
roberta veiga
Ele liga sua pequena câmera digital, abre o visor, ajusta e aponta
para frente, para aquele que o observa com outra câmera. Por alguns
segundos, nós, espectadores, somos olhados por aquele que olhávamos,
até que ele diz: “Pronto, vocês estão filmados por Darel”. Em seguida,
vemos o visor que ele, o personagem, vê. Lá está a imagem do antecampo: o diretor, Allan Ribeiro, empunhando seu equipamento, de fone
de ouvidos, a sorrir, e dizer: “Agora a gente vai entrar no seu filme?”.
Essa confluência de olhares, essa circulação de imagens que
sobrepõe quem filma e quem é filmado, esse intercâmbio de aparelhos,
inaugura um espaço comum, um estar junto com. Longe dos muitos e
convencionais documentários biográficos, que se debruçam sobre um
personagem na tentativa de conceder-lhe uma identidade coesa e de
tornar sua vida uma narrativa organizada, Mais do que eu possa me
reconhecer não é um filme sobre... Não é um filme de Allan Ribeiro
sobre o pintor pernambucano Darel Valença Lins, mas um espaço
imagético que se constrói entre um e outro no presente da filmagem,
onde circulam imagens e vozes vindas do olhar de um, do outro, e do
outro sobre o um. É como se o espaço daquela casa enorme no Rio de
Janeiro, onde o pintor acolhe o cineasta, habitada mais por móveis,
objetos, escadas e cômodos, do que por pessoas, produzisse pelo olhar
127
cruzado, conjugado, alternado – olhar esse que supostamente seria o do
cineasta sobre seu personagem – signos sonoros e visuais que podem
trafegar ali livremente, por entre eles, deslocando os limites entre a
equipe que produz o filme e o sujeito a ser retratado.
Allan e Darel estão próximos e ao mesmo tempo distantes, de
maneira que o laço entre eles possa acontecer naturalmente, de modo
que as perguntas sobre a vida do personagem possam surgir fora de
qualquer modelo de entrevista, mas a partir da relação que se estabelece ali. Ali, o engajamento do personagem se dá menos pelo fato de
ser motivo de um documentário do que pela possibilidade da partilha
de uma experiência com imagens: um terreno comum que se expande
tanto no interesse de Allan pela produção videográfica do pintor, quanto
pela percepção de Darel desse interesse. Aos poucos uma zona comum
mediada por um fazer comum, que retira e desloca ambos de seus papéis,
vai desenhando a forma da interação. À medida que Darel percebe que
128
o gesto de Alan em sua direção não o faz refém do passado – quando
suas gravuras e pinturas foram reconhecidas mundialmente –, mas o
relança aos vídeos que produz, cataloga e organiza em suas gavetas,
ele se envolve naquele processo pela lenta descoberta de um lugar
outro. Não mais o do biografado, mas do retratado que se inventa no
presente compartilhado a casa, os aparatos técnicos, as possibilidades
das imagens e dos filmes. Nessa partilha, se num momento Allan quer
saber do pintor o que move a feitura de seus vídeos, em outro é Darel
quem quer saber o que move o diretor: “Você quer fazer esse filme
para mim por quê? Tem, por exemplo, festival, onde cada um leva um
filme pra mostrar?”. “Festival é o que mais tem”, responde o diretor.
Eles negociam cópias, formatos, ideias, DVDs com dedicatória, e a
possibilidade de um filme juntos.
Se Mais do que eu possa me reconhecer é menos uma biografia
que um retrato, ele o é como são os retratos das cidades e das mulheres
feitos nas gravuras e pinturas de Darel, manchadas, sem contornos
fixos. Se o filme se aproxima do retrato, o faz na medida em que, como
nos fala Claudia Mesquita, privilegia “a proposição do diálogo como
estratégia central e forma de enunciar a narrativa biográfica ‘possível’,
assumida como processo de comunicação, criação e troca entre duas
instâncias” (MESQUITA, 2010). Se o filme constrói um retrato, ele deve
ser entendido ainda na lógica que propõe Jean-Luc Nancy, pela qual
uma iconografia dos retratos pintados constrói uma filosofia do sujeito
que não o reduz a uma identidade: “o sujeito do retrato é o sujeito que
o retrato mesmo é” (NANCY, 2006, p. 28). Sem ser a representação de
uma pessoa por seus atributos ou atribuições, mas ao ser por ele mesmo, retirado de sua exterioridade, o retrato inventa um si mesmo, e o
faz no ato de retratar. Daí que, se para Nancy um retrato é sempre um
autorretrato, em Mais do que eu possa me reconhecer, ele o é duplamente:
porque o retratado se inventa no presente da filmagem – ao reinventar
o passado e ao performar para câmera em seu espaço doméstico –, e
porque a montagem de Allan aloca e re-significa os filmes que Darel
produziu sozinho nesse mesmo espaço.
A casa que se transmuta em zona de passagem entre imagens,
na situação de acolhida da equipe de filmagem por Darel, o faz ainda
sobre outras camadas prévias de imagens: aquela dos quadros, gravuras, e dos vídeos feitos pelo próprio pintor que, em sua solidão, se põe
com frequência a filmar os objetos como que voando sozinhos; o gato
que surge como intruso; os espelhos a refletirem a si mesmo como o
duplo que lhe acompanha; as rugas de suas mãos; e seus pés descalços
a caminhar naquele interior. Por isso podemos falar da casa e do filme
também como espaços imagéticos que se dobram um sobre o outro:
se por ali circulam imagens e sons de um e de outro, de um do outro,
circulam também imagens de imagens.
Esses deslizamentos entre imagens, essa troca de lugares e
perspectivas, que o encontro para o filme promove no presente, estarão então a produzir em espiral vários deslocamentos: entre campo
e antecampo, entre pintura e cinema, entre passado e presente, entre
fora e dentro, entre a memoria e a invenção, entre a velhice e a morte.
Ao contrário do documentário biográfico que prende o personagem em seus grandes feitos do passado, mumifica sua personalidade
e a “fixa para a posteridade”, como se – na forma de uma “quase” homenagem póstuma – o matasse em vida, em Mais do que eu possa me
129
reconhecer há, como queria Ana Cristina Cesar, uma “desbiografização”
que desfaz a complementariedade sadia entre vida e obra (CESAR, 1980,
p. 11 e 47). Ali, não é a memória de jovem pintor de sucesso que está
em jogo. Se a morte espreita o filme, é porque a velhice é o presente do
retratado, que se mostra no corpo cansado, na escuta comprometida,
nos passos lentos, na casa vazia da qual todos se foram, na voz baixa e
rouca que, após evocar a morte dos amigos que aparecem na fotografia
pendurada na parede, diz: “Morrer é bom também”. É, principalmente,
nos vídeos produzidos pelo pintor que conjuram o além, o mórbido, o
sobrenatural – nos objetos que se movem sozinhos, na lente que busca nos sulcos da pele o tempo da alma, no gesto intimista que exibe
seu pacto com a solidão –, que a filmagem como processo conjunto, e
a montagem que o sustenta, faz sentir aquilo que da velhice encosta
na morte.
Se a memória vem se infiltrar ali, ela não é testemunho de um
130
passado que precisa ser resgatado para que haja um filme da história
de vida do personagem, mas ela surge na invenção que a partilha de
um tempo junto solicita. Ao engajar cineasta e retratado num mundo
comum, na circulação de imagens, o filme desloca a noção mais perversa da velhice: aquela de que, ao velho, só resta o passado. Se Darel
surge enorme aos nossos olhos, não é pelo grande pintor que foi um
dia, mas por acolher o olhar do outro e doar o seu, nessa troca de dons
perpetrada na aliança do filme. Se sabemos que o homem que pintava
belamente as cidades como uma maquinaria intrincada e nebulosa
volta-se agora para o interior, para o intimo, é porque vemos ressoar
essa passagem do fora ao dentro, da pintura ao vídeo, no modo como
a experiência presente conforma o filme: da surdez reiterada aos palavrões reiterados, da obsessão pela figura de Judith ao apego pelo
“aleatório” do vídeo, da preguiça de pintar no dia de chuva ao desejo
pelas imagens feitas para o filme, da proibição de sair de carro ao
travelling pelas ruas do Rio. Entre todos os deslocamentos ou deslizamentos, o que aqui nos parece mais fundamental, pois aponta para
uma premência política do pensamento sobre as imagens, é esse de
um filme que, ao incorporar a imagem do outro, faz do gesto de virar
a câmera para si uma passagem necessária do retrato ao autorretrato.
Referências
CESAR, Ana Cristina. Literatura não é documento. Rio de Janeiro:
Funarte, 1980.
NANCY, Jean-Luc. La mirada del retrato. Buenos Aires: Amorrortu,
2006.
MESQUITA, Cláudia. Retratos em diálogo: notas sobre o documentário brasileiro recente. Diponível em: http://www.scielo.br/scielo.
php?pid=S0101-33002010000100006&script=sci_arttext. Acesso em:
26 de outubro de 2015.
131
O que é a verdade
para certos rapazes
sobre A paixão de JL, de Carlos Nader
eduardo de jesus
Por onde começar quando todos os fios parecem ainda estar soltos?
Os fios entre memória e filme, personagem e autor, verdade e ficção,
sujeito e mundo constituem tramas quase soltas que se abrem, a todo
tempo, para novos entrelaçamentos. Palavra-imagem, verbal-visual,
vida-imagem. Ver A paixão de JL (2014) de Carlos Nader é transitar
pelos fios soltos dessas muitas tramas. Os movimentos se refletem nos
fios que, vez por outra, se misturam e formam novas tramas, as vezes
frouxas e prontas para se desatar, outras vezes fortes, permanecem
bem atadas, misturando-se ainda mais.
O filme construído a partir de um conjunto de fitas cassete
gravadas pelo próprio José Leonilson, como sinaliza o texto logo no
início, faz com que A paixão de JL transite de forma ambivalente entre
o mais individual, subjetivo e íntimo e o coletivo, social e público: “Em
janeiro de 1990, o artista José Leonilson começa a gravar um diário
íntimo, com a intenção de tornar públicos os seus sonhos, memórias e
ficções pessoais”. A frase – que aparece depois da obra Favorite game
(1990) que traz a figura de um homem entre as palavras truth e fiction
(verdade e ficção, em inglês) em negativo e de imagens dos conflitos
na Praça da Paz Celestial na China (1989), a queda do muro de Berlim
(1990) e a eleição (1989) de Fernando Collor de Melo – funciona quase
como um preâmbulo e parece nos indicar que o filme traça um lugar
de passagem aproximando, sobrepondo e ativando distintas dimensões
133
como a intimidade, o ambiente privado, o cotidiano doméstico, a família
com seus afetos e o público, as forças do coletivo, os cenários sociais,
culturais e políticos. Essas dimensões e a combinação de suas formas
ambivalentes criam múltiplas formas de aproximação tornando o filme
intensamente complexo, cheio de sutilezas e detalhes que nos fazem
tangenciar, de forma pouco convencional, não apenas o paradoxal e
afetivo universo do artista José Leonilson, mas um tempo, um contexto.
No filme, a intimidade está envolvida em uma atmosfera de
revelação, mas não se trata de ler um diário secretamente, desses que
são feitos para não serem lidos. Trata-se, desde o início, de assumir
a presença engendrada do Outro, tornando as revelações não apenas
vinculadas ao sujeito, mas talvez ao próprio momento que ele experimentava coletivamente, dando mais potência à forma diário que oscila
entre os domínios da intimidade e do período histórico, dando assim
um retrato de uma certa época.
134
Conhecido pela potência poética de sua obra e pelo forte traço
autobiográfico, que se expande com o filme, Leonilson transitou entre
pintura, desenho e bordado fazendo da palavra escrita uma marca de
seus trabalhos. Inserções de produtos midiáticos como seriados de tv,
videoclipes e filmes assumem o importante lugar de acionar afetivamente a memória e de abrir as obras do artista ao diálogo. A obra do
artista aparece intensamente no filme e de forma bastante rigorosa.
Talvez sublinhando o gesto de passagem e a combinação entre as
muitas dimensões, domina na montagem do filme o corte seco entre
planos abertos e detalhes das obras, muitas vezes em diálogo com os
depoimentos, sinalizando passagens entre geral e específico.
O filme com isso ressalta o envolvimento do artista com as
pluralidades de seu tempo e com as muitas formas sensíveis de estar
no mundo. As imagens do videoclipe Cherish de Madonna (1989),
David Cassidy da Família Dó-Ré-Mi (1970), os filmes de Wim Wenders,
Tarzan, Henrique II (1991) de Derek Jarman e até o peculiar Perdidos
no espaço (produzido entre 1965 e 1968, mas que ainda era exibido no
início da década de 1990, já que Leonilson nos diz que está assistindo
na TV) transitam entre suas obras em passagens simples, do ponto
de vista da linguagem audiovisual, mas muito potentes na produção
de sentido e nas possíveis relações sugeridas entre sons, depoimentos e imagens para revelar o universo do artista e de seu tempo. Por
isso, frequentemente, o áudio de uma sequência parece escapar para
invadir outra, sobrepondo-se às obras, criando interessantes zonas de
ampliação, de invenção, que falam tanto das formas contemporâneas
da memória, quanto deixam transparecer as relações entre a arte e
o ambiente doméstico da vida cotidiana, bem como os processos de
produção do artista, sempre envolvido com suas paixões e desejos.
Tudo parece estar ligado ao signo da paixão e por isso o sensível se
torna vetor por onde as ambivalências e alterações entre singular e
plural se expandem ainda com mais intensidade.
As fusões sempre em branco ou preto, e mesmo os cortes, muitas
vezes, nos colocam em contato com a tela em branco ou preto, como
um vazio, a ausência de imagens, marca da obra de Leonilson e recurso
expressivo para marcar a qualidade lacunar e imprecisa da memória
(e também da História já que as dimensões social-política e íntimasubjetiva se combinam intensamente). Essas passagens em branco ou
preto parecem ainda se colocar em contato direto com as sofisticadas
ocupações do espaço pictórico típicas da obra de Leonilson.
Nader soube captar nas fitas a memória-depoimento-vida de
Leonilson traduzindo-as na montagem do filme que enfatiza, além da
ausência de imagens, sobreposições de registros, as vezes distantes,
entre íntimo e midiático, entre individual e coletivo refletindo situações que alteraram processos políticos globais. Um entra no outro,
uma trama enlaça o outro fio e misturam-se convocando o espectador
a se movimentar por esses universos de referências. É justamente aí
que o filme se desdobra e as linhas soltas se entrelaçam ainda mais.
As imagens dos acontecimentos sociais e políticos que surgem na
tela, as vezes em seus idiomas originais e depois com os conhecidos
enunciados midiáticos, misturam-se com os fragmentos de diversas
produções audiovisuais e os relatos intensamente afetuosos e íntimos
de Leonilson, que com isso acabam por construir um bloco de sensações, que parece revelar as questões coletivas e políticas, mas tendo
135
como horizonte os processos de subjetivação constituídos no início
da década de 1990.
O filme constrói-aciona o trânsito entre essas diversas dimensões que integram o universo afetivo, visual, subjetivo e sensível de
Leonilson, de suas obras e do contexto de seu tempo. Tudo paradoxalmente bem amarrado e solto. Fios que se aproximam como o emocionante depoimento sobre os bombardeios de Bagdá em 1991 na Guerra do
Iraque, as lágrimas provocadas por Cherish em uma tarde melancólica
ou a descrição de uma divertida noite urbana na qual dançou “como
louco” com amigos demonstrando a intensidade da vida com seus sonhos, medos e alegrias pulsando na tensão entre coletivo e individual.
A descoberta da contaminação pelo vírus HIV ganha no filme,
de forma muito poética e delicada, esse mesmo traço entre a intimidade e o público. O drama pessoal e íntimo de enfrentar a doença,
ainda pouco conhecida, é ampliado coletivamente com as imagens
136
de uma homenagem de Madonna que dedica um show em memória
do artista americano Keith Haring que havia falecido alguns meses
antes e, logo em seguida, a imagem com a declaração do jogador de
basquete americano Magic Johnson assumindo ser soropositivo na
arena midiática, em 1989.
É nesse trânsito, no ir e vir entre múltiplas e distintas dimensões,
que Carlos Nader com seu filme nos faz tangenciar sensivelmente o
universo de Leonilson, percebendo como se entrelaçam obra, desejo,
afeto e subjetividade nas tramas entre verdade e ficção desse importante artista brasileiro.
Futuro Junho
sobre filme de Maria Augusta Ramos
carla maia
Há mais em comum entre os quatro personagens de Futuro Junho – o
economista André Perfeito, o motoboy Alex Cientista, um montador
de carros e Alex Fernandes, líder sindical dos trabalhadores metroviários – do que a primeira impressão permite supor. Todos têm de
lidar, no exercício de sua profissão, com o movimento, a circulação
e a deriva: relação mais evidente, nos casos do motoboy e do metroviário, subentendida no caso do montador de carros e figurada pelas
flutuações do mercado no caso do analista financeiro. Ademais, estão
todos diante de algum tipo de crise ou colapso que afeta seu trabalho
e/ou sua vida diretamente. O sindicalista lidera uma turbulenta greve
da categoria; o montador de carros acompanha a queda de vendas do
mercado automobilístico; o motoboy encara, além do trânsito caótico,
a precariedade dos serviços públicos dos quais depende para cuidar
de sua família; o economista tenta explicar, numa fala praticamente
incompreensível para leigos, as causas da instabilidade econômica que
assola o país e se agrava no contexto de realização do filme, o Brasil
pré-Copa do Mundo.
A escolha dos personagens não é acidental, tampouco a de apanhá-los em situações de deslocamento e circulação – o motoboy em sua
motocicleta, o analista dentro de seu carro, o sindicalista nas passeatas,
o montador de carros no trajeto da fábrica para casa e vice-versa. Se,
em filmes anteriores, Maria Augusta Ramos dirigia sua câmera, aos
moldes de Wiseman, para instituições sociais específicas (o tribunal e
137
a prisão em Justiça, de 2004, e Juízo, de 2008, ou a polícia das UPP’s
em Morro dos Prazeres, de 2013), agora ela foca situações particulares
da vida de seus quatro personagens para compor, com rigor analítico,
um diagnóstico da sociedade brasileira contemporânea, com foco em
aspectos econômicos. A “instituição” da vez é mais complexa e abrangente – é o próprio capitalismo neoliberal que passa a ser colocado
sob escrutínio. A circulação dos personagens por diferentes espaços
e situações remete à circulação do capital tão cara ao pensamento
neoliberal, sem deixar de enfatizar as muitas barreiras que impedem
que tal circulação seja, de fato, inclusiva e democrática.
Assim, sobretudo no que diz respeito aos “operários” (o motoboy,
o sindicalista e o montador de carros), o que a câmera revela – sob forte
influência do cinema direto, observando de perto as situações sem
intervenções explícitas e valorizando o som que emana da cena – são
situações de constantes impedimentos e obstáculos. O motoboy não
138
consegue um tratamento neuropediátrico para o filho pelo sistema
público de saúde; o sindicalista acaba sendo demitido e não convence
seus companheiros a manter a greve; o montador de carros tem sua
segurança no emprego ameaçada pela recessão do setor automobilístico. As muitas cenas de engarrafamentos da cidade de São Paulo, bem
como o metrô paralisado ou “circulando com velocidade reduzida e
maior tempo de parada” como anunciam os alto-falantes da estação,
tornam-se, assim, figuras expressivas dessa circulação ameaçada,
impedida, fracassada.
A diretora não se exime, contudo, de diferenciar cada um dos
personagens. O voo panorâmico pelos edifícios da megalópole paulista que abre o filme, passando pela agitada avenida (de um lado, o
engarrafamento, do outro, um protesto de profissionais da educação),
até o interior de um dos carros, onde se encontra Perfeito, já anuncia, de
saída, algo que será caro para toda a narrativa: a relação entre o que é
de ordem sistêmica e abrangente (a economia e seus desdobramentos)
e o que é individual e circunscrito. Desse modo, o filme se situa entre
uma abordagem sociológica ( já experimentada pela diretora em Justiça)
e outra mais particular e intimista (que dá o tom de Desi, de 2000):
da primeira, guarda o interesse por um diagnóstico de dada realidade
social; da segunda, conserva o investimento na presença e ação dos
personagens que, embora emblemáticos, não chegam a se constituir
como “tipos sociais”. Ainda que sem tempo para aprofundamentos, a
diretora busca traçar um perfil singular e irredutível para cada um
dos sujeitos filmados, complexificando a maneira como eles podem
ser identificados no filme.
É decisiva, pois, a escolha de filmar os personagens não apenas
no ambiente de trabalho mas em sua privacidade. Descobrimos que
Alex Cientista é também cantor e compositor de rap, “um mano-correria
sobrevivente do dia-a-dia”, como diz a letra da música performada por
ele, além de um pai dedicado, como fica evidente na cena em que, após
a refeição, seu filho se aproxima e sussurra “eu te amo”. Outro personagem que também é retratado em sua função paterna é o montador
de carros, o mais “anônimo” dos personagens do filme, a ponto de não
sabermos sequer seu nome. Ele fala pouco. Aparece, com frequência,
em silêncio, olhar direcionado ao fora de campo e, no trabalho, qual
Carlitos que perdeu a graça, limita-se a executar ações repetitivas e
sequenciais, a parte que lhe cabe na imensa fábrica de automóveis.
Dele, sabemos que tem uma filha, a quem leva pra escola antes de ir
trabalhar. Seu único diálogo com ela tem como assunto, precisamente,
o cofrinho de moedas que ela cogita finalmente abrir (“guarda mais”,
o pai aconselha).
Em contraste ao silêncio do montador, o sindicalista Alex
Fernandes é prolixo, fala com eloquência e para muita gente. Algumas
cenas de seus discursos durante as mobilizações dos trabalhadores
convocam, pela força de alguns enquadramentos, as imagens de ABC
da Greve (Leon Hirszman, filmado em 1979 e lançado em 1990) em que
era outro o protagonista (o ex-metalúrgico e ex-presidente Luis Inácio
Lula da Silva), mas ainda e sempre a mesma luta. A persona de líder
sindical, tão cheia de energia e convicções, não domina, entretanto,
todo o retrato de Fernandes: nos momentos em família, quando descobrimos que, em meio a tanto tumulto, sua companheira está a espera
de seu primeiro filho, ele se revela vulnerável, cansado e apreensivo.
139
O personagem de Perfeito é, de certa maneira, o antagonista
dos demais personagens: o economista é o único a ser filmado em
momentos de lazer e, na sequência final, já durante a Copa do Mundo,
o único a assistir a um jogo da seleção brasileira no estádio. Enquanto
isso, Fernandes está na rua, enfrentando o comando de choque polícia
durante uma manifestação pela reintegração dos metroviários demitidos
em função da greve; Alex está em sua comunidade na periferia assistindo o jogo de um telão; e o montador continua na fábrica, repetindo
os gestos mecanizados de costume, alheio ao grande espetáculo do
esporte. O “país de todos” revela-se, pela montagem precisa de Karen
Akerman, em sua contundente fragmentação e desigualdade.
André Perfeito não se resume, contudo, ao papel de antagonista
ou “vilão” (como ele próprio se considera, em debate por ocasião do
lançamento do filme). Sem recorrer à narração, Futuro Junho parece
se amparar em Perfeito para comentar não apenas seu tema mas sua
140
estratégia de realização. A respeito do tema, é nas cenas com o economista que surgem as chaves de análise da crise, as descrições de
contingências nacionais e internacionais, a relação entre o valor da
moeda e a credibilidade do governo, as consequências da realização da
Copa e assim por diante. No que concerne ao discurso fílmico, interessa
notar a passagem em que Perfeito, durante uma aula de economia, faz
referência a Sérgio Buarque de Hollanda e sua noção de “cordialidade”
como traço característico da cultura brasileira: “não é um caráter positivo, mas uma estratégia para o indivíduo circular numa sociedade em
que público e privado se confundem”, ele diz. Esta estratégia parece
orientar, reflexivamente, a montagem do próprio filme, com seu investimento na alternância de situações públicas (entrevistas, discursos,
aulas, manifestações, julgamentos) e aquelas da intimidade familiar.
Perfeito é aquele que assume, portanto, a posição dos privilegiados: não apenas é aquele que entende e analisa, com habilidade de um
especialista, as contingências da crise, mas quem parece ser menos
afetado por ela. De dentro de seu carro a vidros fechados, ele se isola
do ruído da cidade em rebuliço, dos gritos de protesto das manifestações. Enquanto Cientista tenta assegurar o futuro, comprando a casa
própria ou contratando um plano funerário, enquanto Fernandes luta
por modificá-lo, pela mobilização por melhores condições no trabalho
e às custas de seu próprio emprego; e enquanto o montador escuta,
com apreensão e certa passividade, as notícias sobre a retração do
mercado em que atua; o economista é aquele que, quando não está
no trabalho, frequenta concertos, restaurantes, barbearias e jogos de
futebol a preços inacessíveis para a maior parte da população. Em
suma, Perfeito aproveita o presente “como se não houvesse amanhã”,
para citar a expressão do próprio, quando se refere à política econômica dos Estados Unidos e sua credibilidade inabalável (“moeda é
credibilidade”, ele explica).
Assim, o “futuro” do título ultrapassa em muito a referência ao
jargão financeiro que ouvimos tantas vezes na banda sonora (“futuro
junho a cinquenta e quatro mil, futuro junho a cinquenta e quatro mil”
repete obstinadamente a operadora da bolsa, expressão tão cifrada
quanto a lógica do capital especulativo). Junto à referência ao mês
que, em 2013, marcou a história recente do país com aquelas que ficaram conhecidas como “as manifestações de junho”, o futuro torna-se
prenúncio da insustentabilidade do modelo capitalista neoliberal, no
contexto de países de extrema desigualdade social: mais do que mera
e calculada especulação, ele é algo concreto, temível e avassalador
para a massa que circula pelas ruas da megalópole, que habita seus
arranha-céus, que espera pelo próximo trem na plataforma, como quem
aguarda o próximo milagre.
141
Entre o trabalho
e a deriva afetiva
sobre Carregador 1118,
de Eduardo Consonni e Rodrigo T. Marques
vinícius andrade
Não se pode tocar
A bendita solidão de um homem só
Sem achar
Tão bonita a solidão de um homem só
E andar
Tão sozinho o andar de homem só1
Rodrigo Campos
Talvez uma das perguntas cruciais para entendermos uma obra artística diga respeito à boa distância. Esta, se é uma questão de justiça,
como nos ensina Jacques Rancière (2000), é tanto mais importante
para o cinema documentário e para os modos pelos quais este, em sua
escritura, permite medí-la: onde se posiciona a câmera, quem e como
se filma, como a voz é inscrita, que outros sons a acompanham, em
suma, o jogo de operações de aproximação e afastamento entre quem
filma e quem é filmado e os sentidos que contém. Em Carregador 1118
(Eduardo Consonni e Rodrigo T. Marques, 2015) deve-se observar tal
medida em relação a Tonho, personagem foco do filme, para pensar o
desafio de filmá-lo em sua dura rotina de carregador e o momento que
atravessa, pós-separação da mulher com quem viveu durante muitos anos.
143
Acreditamos que é na particular relação entre sons e imagens
elaborada pelos realizadores que está mais evidente esse jogo de distâncias fundamental: enquanto a câmera, guiada por uma decupagem
próxima à ficção, tateia em busca de uma posição adequada, ora mantendo-se afastada, ora arriscando um olhar em detalhe para Tonho, o
trabalho sonoro, seja o som direto ou as trilhas musicais, enfrenta a
aproximação, entrada ou mergulho na subjetividade do personagem.
Assim, se por um lado a imagem parece se produzir no “(...) espaço próprio” do carregador, como se partilhasse com ele “(....) seus territórios”
(COMOLLI, 2008, p. 55), construindo uma documentação de gestos
e espaços, por outro, no campo do audível, por meio das ligações de
celular que faz para a ex-mulher e das músicas de desilusão amorosa,
trata-se de apresentar a sua deriva afetiva.
Embora seu cotidiano de carregador esteja mais evidente no
trabalho da imagem e o que chamamos de deriva afetiva no trabalho
144
sonoro, essas dimensões se interpenetram incessantemente ao longo do
filme. Notemos como Tonho é sempre filmado no trabalho ou em seus
arredores, jamais em ambiente doméstico, íntimo, aparentando nunca
voltar para casa. E bem aí a questão se torna: qual casa? Ele parece não
ter onde ir: a ex-mulher não quer vê-lo e a casa onde morava pertencia
a ela. A entrega ao trabalho parece permití-lo o desvio, ainda que provisório, das próprias emoções, e, paradoxalmente, ligá-lo a um passado
recente ainda em aberto, vivo, que deseja esquecer. Todavia, se o filme
está concentrado no cotidiano de seu personagem, é também porque
se deixou “contaminar” por essa deriva que está nele, que a canção,
de sua parte, enuncia explicitamente: “O amor me deixou à deriva”.
Desses traços resultam uma complexa espacialidade, que não está
somente no que vemos nem no que ouvimos, mas no cruzamento entre
as duas instâncias. Elas podem ir ao encontro uma da outra, fazendo
equivaler, por exemplo, primeiro plano visual e primeiro plano sonoro,
como na cena de abertura, que já indica as coordenadas que iremos
encontrar ao longo de todo o desenrolar do filme. Nela, à proposta de
uma mulher “conhecida” de tomar uma “breja”, Tonho finge dispersão
e se volta para a mesa de sinuca, se esquivando da resposta. Logo de-
pois, o vemos, de perto, empunhando o telefone e buscando contato
com sua ex-mulher, que o pede: “Tonho de Deus, Homi, deixa eu cuidá
da minha vida? Já lhe falei que não me ligasse mais, homi teimoso.
Quero mais nada contigo não, não sou mulher de meia-palavra (...)”.
Podem também – imagem e som – repartir nossa atenção em
pontos diferentes do plano, como no exemplo notável da cena na lanchonete da CEAGESP (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais
de São Paulo). Tonho fala de quando chegou em São Paulo, de perfil
e longe da câmera, por detrás dos carros que cruzam a rua, contudo,
o escutamos em primeiro plano sonoro e em tom quase confessional.
Enquanto a proximidade de sua voz nos mantém atentos ao que diz e
sublinha sua importância, a imagem o torna mais um entre os outros
carregadores reunidos no canto esquerdo do plano, aos carros que
cruzam a rua, a outros elementos comuns a esse espaço.
Ao final, é justamente a função das canções que se destaca,
canções que, vale ressaltar, foram todas compostas pelos realizadores
do filme. Se elas pareciam ocupar um zona indiscernível e oscilante
entre espaço diegético e extra-diegético ao longo do filme, mais adiante
explodem de vez para além do narrado e avançam sobre a trilha, o que
corresponde ao decisivo momento de transbordamento emocional do
personagem, o mais dolorido. Tonho caminha no corredor de armários
onde os carregadores guardam as roupas, nu e sozinho, e a canção
amplia o campo semântico ligado ao transitivo carregar: a dor se leva,
se transporta, dispõe, envia, cambia. Na cena seguinte, emerge a única
canção entoada por uma mulher, justamente no eu lírico feminino,
que é também a mais afirmativa. Tonho, curiosamente, parece mais
leve. Se não sabemos se sua deriva afetiva terá fim, o ressurgimento
do feminino pela música sugere uma possível conciliação, não com a
ex-mulher, mas, antes, consigo mesmo, com a própria dor da qual se
desviava e já pode levar consigo.
145
notas
1. Trecho da canção “Homem só”, composta por Romulo Froes e Rodrigo Campos
para o disco “Passo elétrico”, da banda paulista Passo Torto, formada ainda por
Kiko Dinucci e Marcelo Cabral
Referências
CAMPOS, Rodrigo; FROES, Romulo. Passo elétrico. São Paulo: YB
music, 2013. 1 CD.
COMOLLI, Jean-Louis. Ver e poder. A inocência perdida: cinema, televisão, ficção, documentário. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.
RANCIÈRE, Jacques. L’art de la distance, introduction à Détours, de
Raymond Depardon. Paris: Maison européenne de la photographie, 2000.
146
Mostra Contemporânea
Brasileira
Curtas-metragens
anna flávia dias salles
bruno vasconcelos
luís felipe flores
O conjunto dos curtas-metragens selecionados para a Mostra
Contemporânea Nacional apresenta, grosso modo, duas tendências
principais: por um lado, a fabricação de narrativas cinematográficas
que repercutem, de diferentes maneiras, certos eixos fundamentais da
história e da memória coletiva na sociedade brasileira contemporânea
(a ditadura militar, os movimentos sociais, o genocídio indígena, a
aparição dos povos); por outro, as operações reflexivas e experimentais
produzidas nas fronteiras do cinema com o seu próprio desenvolvimento temporal (tecnológico, linguístico, artístico, discursivo) ou a
sua duração.
Em Índios no poder (2015), de Rodrigo Arajeju, um grupo de
indígenas Kaiowá rememora como lhes era impossível publicizar a
agenda de seu candidato indígena nas últimas eleições: dentre os
olhares atentos que ele receberia estaria o de um seu algoz, um pistoleiro. O tiro, como aqueles recebidos por centenas de lideranças
Kaiowá nos últimos anos, pode muito bem ser rastreado, como indica
Aílton Krenak: é invariavelmente disparado desde um dos gabinetes
do poder político em Brasília, em sua conivente recusa em destravar
o acesso constitucional aos territórios indígenas tradicionais. É com
desconcerto, portanto, que presenciamos algumas lideranças indígenas
contemporâneas revezarem-se neste filme, pensando as dificuldades
para ocupar um posto no centro do poder político brasileiro e contrapor-se ao atual estado do genocídio indígena. O filme evoca o inédito
e saudoso Mário Juruna, falecido em 2002, o único indígena eleito
até hoje no Brasil para um mandato legislativo federal (1983-1986). A
147
eleição de Juruna, como fica cada vez mais evidente, foi um marco,
uma diferença, um ruído no cenário político. O Congresso nacional
não lhe esteve indiferente, e é assim que Aílton Krenak pode apontar
que o sistema político não acolheria novamente, após Juruna, alguém
como ele, com sua fala direta e franca, incomum na lida política formal
– “o estamento político brasileiro do jeito que está organizado é para
que pessoas com aquele tipo de intervenção não estejam presentes no
congresso”. Apenas uma reforma política faria frente a esse impedimento, sugerem os índios, sugere o filme.
Um indígena pede votos nas ruas de Brasília: “o partido apenas
me disponibiliza estes panfletos, que dizem tão pouco”. A televisão
ligada na lanchonete apresenta a propaganda de campanha da presidenta, que naquele exato momento garante, em uma carta pública,
abraçar a luta pela efetivação dos direitos dos povos indígenas. Alguns
dias mais adiante, a mesma pessoa fortalece robustamente na TV
148
uma destacada representante dos algozes daqueles povos indígenas.
Está tudo gravado. O deputado Juruna se fazia acompanhar em sua
legislatura por um instrumento capaz de fixar as declarações de seus
interlocutores, expor suas vacilações, atacar-lhes as dubiedades – usava
um gravador de áudio, gravava-lhes as promessas. Estava tudo gravado, e ele acabava por concluir: seus contendores mentiam, buscavam
aliciar-lhe. Juruna tem razão, grita a multidão. Um político indígena,
vislumbramos aqui, além de homem do povo, é homem de um povo,
de muitos povos, populações indígenas várias, das quais os demais
brasileiros sabem ainda hoje tão pouco.
Para saber um pouco mais sobre esses povos é preciso mover-se,
junto aos indígenas, e perambular No caminho com Mário (2014), do
Coletivo Mbya Guarani de Cinema, resultado das oficinas continuadas
ministradas pelo Vídeo nas Aldeias. Aproximamo-nos do desborde de
energia juvenil de alguns adolescentes indígenas, e os acompanhamos nas suas lidas cotidianas, o rolê, a coleta de madeira, a feitura
do artesanato, a viagem chacoalhante até a cidade para vendê-lo. Ali,
com algum dinheiro, alguns jovens poderão beber um refrigerante e
jogar, apenas por pouco tempo, sinuca ou jogos eletrônicos de guer-
ra – são mais felizes, um deles parece dizer. Como em outros filmes
deste coletivo indígena, as questões que lhes interessam tratar serão
escancaradas diante do espectador, visceralmente. O enredo é mais
uma vez desdobrado a partir de seu pequeno território. Ele não lhes
oferece mata, e aquelas aonde se dirigem são cercadas por fazendeiros,
animais bravos. Os brancos querem os sorrisos das crianças indígenas
de belos cabelos nas fotos que lhes tiram, e lançam silêncios de reserva
diante de materiais “não tradicionais” utilizados em seu artesanato.
Para os realizadores não se trata de forjar, através do filme, a figura
de um povo uno, indiviso, e assim melhor contrapor-se ao contendor
branco. Desde sempre serão explicitadas linhas de tensão, nas quais
um certo equilíbrio atual de suas relações pode esfacelar-se. Os jovens
lidam com desdém e fascínio com as quinquilharias tecnológicas dos
brancos, apreciam o rap, talvez não estejam interessados no ensaio de
hoje do coral, ironizam a turista mesquinha: “dez centavos, ela acha
que deu muito dinheiro”. Uma série de pequenas violências se sobrepõe aos poucos neste filme, que é também um filme de grande graça e
vitalismo. Se as ruínas nas quais perambulam hoje índios e brancos é
aquilo que restou da grande briga por ouro, os jovens Mbya não hesitam em fazer perguntas que atravessam as eras, ao indagar diante do
abismo: “até que ano será que nós vamos existir?”. Nós, Mbya, claro
está. A burla juvenil projeta a resposta, em meio a jogos mágicos com
grãos de milho: os Mbya existirão até o ano 3000.
No filme realizado por Leo Pyrata, Imhotep (2015), encontramos
vestígios de outras civilizações. Talvez levasse anos descifrar sua
escrita, os hábitos culinários implicados ali – a mistura adequada dos
ingredientes –, os gestos codificados em repetidos rituais à meia luz,
as posições devidas dos estranhos corpos em cada ocasião, mesmo as
prescritas, diante de um estupor imprevisto, e que virá. E ainda, mais ao
chão, vislumbrar as técnicas agrárias para melhor aproveitar os parcos
recursos hídricos do deserto e assim cultivar aos pés da pirâmide, por
exemplo, a tanchagem, de cujas sementes secas se produziam no antigo
Egito saborosos pães (trata-se da semente desse mesmo mato que brota
nas gretas da cidade). Talvez levasse anos aproximar-se desses signos,
149
que o filme faz errar diante de nós, não fosse a capacidade espantosa a
que finalmente acedemos, com o advento dos últimos instrumentos de
precisão, sua velocidade. É possível assim experimentar o pulso – não
é um milagre ainda estarmos vivos? Sim, é um milagre ainda estarmos
vivos. O pulso desse outro modo de vida que se esboça, ao que parece.
Tudo o que vemos aqui está aí desde muito. Sobre esses signos
errantes, desde já opacos, sobre eles se encerra a pirâmide. De fato é o
cine-pesquisador que acrescenta às estranhas visões, outras camadas,
justamente aquelas de que se precisa para afastar a execrável impressão
de estarmos diante de povos já-conhecidos. Mas há nesta pintura algo
que acreditamos estranhamente compreensível, próximo, uma voz.
Tudo o que nos é dado saber desses vestígios nos vem dela, a intervalos regulares, como numa reza ou canção – apenas mais grave do que
de costume, talvez o exija mesmo a situação. Outras civilizações: se
acreditávamos estar em companhia de um semelhante, no entanto, o
150
filme parece dizer, em voz baixa, diante do deus sol, sun: “sois todos
de Mu, e não sabeis!”.
Sem título #2: la mer larme (2015), de Carlos Adriano, é uma
espécie de filme-prisma composto por lampejos, combinações e variações audiovisuais multiformes em torno da figura do mar ou das
suas margens. Poderíamos dizer, mallarmagens, a fim de evidenciar a
forte inspiração visual de uma poética fundada no contato imprevisto
com elementos sensíveis, fenomênicos, musicais ou ideogrâmicos
que constituem a superfície da imagem enquanto organoforma. (Não
é nada gratuito, assim, que a longa sequência de epígrafes marítimas
em tela negra apresente, grosso modo, versos mais ou menos ligados a certa tradição concretista, muitos deles em tradução do próprio
Augusto de Campos). Recusa dos ornatos discursivos, das convenções
dramatúrgicas, das ligações contínuas. Em vez disso, procedimentos
de fraturação, interrupção, descontinuidade, como os cortes bruscos,
os recortes, as mudanças de velocidade, as súbitas trocas musicais,
as sobreposições, os filtros seletivos, as distorções da imagem, as
repartições do quadro, as decomposições do tempo e do espaço, etc.
Trata-se de um movimento de deriva, no qual a matéria fílmica adquire
dinâmica própria e deixa ver a infinitude de temas secundários trazidos
pelo mar – amar, lagrimar, transformar, rememorar.
É interessante observar que a matéria-prima da obra é formada
por materiais de arquivo sonoros ou visuais: por um lado, o vasto conjunto de variações da música “La mer”, de Charles Trenet, acrescido
da música homônima dos Nine Inch Nails e da “Canção do mar”, de
Amália Rodrigues; por outro, registros silenciosos do mar que remontam aos primórdios do cinema, nos filmes de Marey, Acres, Lumière,
Cunha Salles, Bamforth e White/Edison. É certo que existe, na reapropriação desses elementos, um gesto autobiográfico livre, anunciado
pela aparição do cineasta ao final do filme, pelas imagens arteriais do
coração e, ademais, indicado no título da série à qual pertence a obra,
“apontamentos para uma autocinebiografia (em regresso)”. Esse gesto,
porém, coexiste com uma ideia de recuperação fictícia-reflexiva, em
especial dos filmes silenciosos na condição de artefatos historiográficos. Poesia e poeta, cinema e cineasta, vida e obra, não representam
dimensões separadas do processo de criação artística, mas convergem
de maneira indiscernível e partilham uma espécie de fenomenologia
sensível materializada no corpo fílmico
Se, por um lado, Quintal (2015) dá continuidade ao ritmo de fabulação cotidiana dos trabalhos anteriores de André Novais Oliveira, por
outro, o filme apresenta uma experimentação inédita com tendências e
gêneros diversos, como a comédia, a observação, o suspense, o realismo,
o fantástico, a ficção científica. Comparada a toda uma cinematografia
brasileira recente, parece notável que essa experimentação possua
sobretudo um frescor indeterminado, quase instintivo, totalmente
insubmisso aos excessos de elaboração que obstruem, tantas vezes, as
vibrações sensíveis da forma. O que vemos é uma narrativa híbrida,
altamente inventiva, capaz de combinar, com grande liberdade imaginativa, a observação dos gestos cotidianos de um casal de terceira
idade – no caso, os pais do cineasta, que já haviam sido filmados no
longa-metragem Ela volta na quinta (2014) – a objetos e acontecimentos
visuais inusitados, que despontam no quintal da casa onde eles vivem.
151
Nesse sentido, vale dizer que o quintal representa uma espécie
de campo ou extracampo imaginário, irredutível aos limites físicos
da morada, ao espaço privado. Suas forças ou fenômenos – como o
vento, o portal, o zumbido – remetem ao desconhecido, ao misterioso,
esferas que se conectam, de maneira extremamente bem-humorada,
a situações familiares e elementos vulgares, como a convivência na
sala de televisão, as tarefas domésticas, os filmes pornográficos, a
ida à academia de malhação, o cenário político mineiro, e os rituais
de uma outra academia, universitária. A mise-en-scène é formada por
truques, trocadilhos, componentes mágicos, aspectos falsários do real,
e reabsorvidos pela aparência de percepção “normal” na vivência dos
personagens. A montagem, por sua vez, estabelece ligações imprevistas
entre as imagens e sequências – como o close no caracol, a defesa do
mestrado de Norberto, as confissões do brutamontes delicado – contribuindo para deslocar perspectivas e significados naturalizados do
152
mundo representado.
Boa morte, segunda obra de Débora de Oliveira, se inscreve na
tradição dos chamados fotofilmes, pautada pela apropriação de fotografias estáticas sem emulação de movimento. A particularidade se
encontra, talvez, na fabricação, por meio das relações entre imagens e
narração, de um discurso autobiográfico de fronteira. A partir de um
universo bastante pessoal – a cidade natal, o bairro onde se cresceu, os
arquivos de família, as lembranças de infância – a cineasta oscila sem
cessar no limiar do próximo e do distante, do singular e do universal,
do documentário e da ficção. Estratégias formais como a entonação
constante da voz, a energia poética do texto e a utilização de quadros
fantasmáticos contribuem para produzir distanciamentos e tremores
na superfície da imagem. Com efeito, se as imagens estão tecnicamente
paradas, elas apresentam, não obstante, sutis vibrações do espírito: é
o devir criança de um sujeito fílmico a mergulhar nas profundezas da
memória, o percurso inadequado dessas águas, entre as margens da
vida e da morte, e a reaparição fugaz, por meio de uma fábula cinemática, dos traços e das figuras perdidos no passado.
Existe um plano central, localizado exatamente na metade do
filme, que parece estruturar a obra e fornecer uma espécie de em-
blema para o seu próprio princípio criador – quase rarefeito, diga-se
de passagem, à maneira dos espectros que ele convoca. Trata-se do
“baralho” de santinhos da coleção avoenga, distribuídos em linhas
simétricas em cima de uma mesa de madeira. Nesse momento, o único
em que vemos a premissa de imobilidade se romper, a câmera tremula
levemente, enquanto uma mão, provavelmente da realizadora, adentra
no espaço do quadro para abrir uma das estampas religiosas e dar a
ver o retrato de um morto. Há toda uma poética da memória nesse
gesto supostamente simples, que recupera os semblantes do passado,
guardados na gaveta, e os torna visíveis no fluxo de reconstrução da
memória. A narradora conta que esses rostos – mostrados cada vez
mais de perto, como fantasmas na textura do papel – serviam de matéria para as suas brincadeiras com a irmã, quando inventavam vidas
possíveis para os mortos. Apenas o santinho do tio falecido coloca em
xeque esse jogo da memória. Mas é justamente na impossibilidade
de recuperá-lo que o cinema encontra o seu poder face ao passado:
recompor os sentidos do que foi perdido e transformar sua matéria
em uma existência re-conhecida.
Virgindade (2015) é libelo e libido. Libelo (político) porque, situado nos contornos do novo cinema Queer, NQC , 1 nome com que se
designou nos EUA a produção cinematográfica que reivindicava para
casais gays um lugar à mesa das famílias sólidas nos anos 80 e 90, já
empunha outra cinematografia Queer, contrária à do próprio movimento
original: não assimilacionista, não homonormativa. Objeto de estudos
do diretor do curta, Chico Lacerda, o NQC hoje se espraia em novas
ideias em favor do estranho, do inclassificável, das possibilidades
impensadas de experimentação de afeto, de sexo. A disciplina que se
impõe sobre corpos e desejos na base da porrada, do assassinato ou
de lições edificantes infiltradas na mais inocente aulinha de natação
é confrontada por esses cinemas (por esses corpos) com a potência do
desvio. Com impertinência, insubordinação, ironia.
O menino de Virgindade nos conta, deslavadamente, sobre seus
primeiros tesões por pessoas-de-mesmo-sexo, traçando uma cronologia que vai dos “três ou quatro anos” aos treze. Tesões nutridos por
153
brincadeiras infantis, por fotos de capas de filmes (VHS) e até pelas
sinopses dos catálogos de locadoras, a ponto de deixá-los marcados
nas páginas a que tanto o menino recorria para punhetar. Mas estes
clássicos da pedagogia sexual (em que não faltam os condimentos da
vigilância a que se deve burlar) não esgotam a libido do (e no) filme.
A tensão reside na aparente disjunção entre o que nos conta a voz
do narrador e as imagens da cidade. Sequências de aspectos urbanos
evocados pela voz over se apresentam, num primeiro momento, como
se fossem os cenários onde se dão as histórias: uma casinha como se
fosse a da avó onde o menino brincava quando criança, um posto de
gasolina como se fosse aquele em que havia uma locadora de filmes e
sua seção pornô, um ônibus como se fosse aquele em que teria conhecido
os gêmeos, objeto de sua primeira paixão, entre outros.
Mas são lugares sem dono em que se propagam, sub-repticiamente, as batalhas entre vigilâncias e desejos, entre possibilidades
154
binárias ou múltiplas de laços, entre águas retificadas e sua vontade
de transbordamento, como se fossem nossas. Na cidade, todos aqueles incautos transeuntes, empregados, biscates, todos nós, meninas e
meninos, somos formatados. E o menino narrador, com voz de adulto,
nos acena com rotas de fuga.
Em uma delas, ficamos diante de uma gostosa série de retratos
de homens nus (sem rosto): dorsos, paus, pelos, polpas, gomos embalados por uma trilha bem pop: sim, podemos nos deixar olhar sem nos
preocuparmos em ser vistos. Relaxemos e, de preferência, gozemos
para não nos arrependermos depois (ao que tudo indica, não é possível
voltar à infância).
O filme dos outros (2015) é uma sucessão de imagens extraídas
de cartões de memória de equipamentos de filmagem roubados em
diversos bairros de São Paulo. A sinopse: “A classe média filma e nóis
assiste”. Aluguel: o filme (2014-2015) problematiza o trabalho e a falta
d'água no Capão Redondo a partir da experiência cotidiana de um
técnico de cinema, alguém que, na escala hierárquica cinematográfica, “tá lá embaixo da pirâmide social”, como ele diz, rindo. A sinopse:
“A reunificação pacífica não acontecerá”. Os dois filmes de Lincoln
Péricles evocam, em seus prólogos, questões políticas internacionais.
As primeiras sequências de O filme dos outros mostram, em imagens
p&b muito contrastadas, lances de um conflito em que se ouvem gritos em língua estrangeira, confusão de pessoas correndo, homens
feridos gravemente sendo carregados para ambulâncias. Na abertura de Aluguel, uma narração em francês de uma voz feminina sobre
imagens de um condomínio habitacional informa que “a reunificação
pacífica do Vietnã não acontecerá”. A partir daí a legenda ganha vida
própria. Enquanto a narração segue falando da oposição de Saigon e
da retirada dos americanos da área de conflito, a legenda põe na boca
da narradora frases como “não adianta os coxinhas virem encher”,
“aqui na zona sul a repressão policial pega pesado”, entre outras. Este
procedimento parece deslocar os filmes de um território único e organizador do discurso. Os filmes se aderem a questões congêneres no
mundo, configuram uma espécie de cine-êxodo. Por outro lado, este
cinema se trava num lugar específico, o qual busca refletir: o Capão
Redondo, zona perimetral da região metropolitana de São Paulo cuja
população e formação cultural resultam do afluxo de etnias indígenas, africanas e de milhares de nordestinos que para lá acorreram nas
últimas cinco décadas.
O cinema de Lincoln Péricles e dos coletivos aos quais ele se
associa (Astúcia Filmes e Zagaia Filmes) não busca o apaziguamento com a capital paulista, tampouco a deseja, pelo contrário, quer se
afirmar como um cinema tangente, perimetral. É preciso explicitar a
diferença, é preciso demarcar o lugar da guerra, pois, lá fora, extramuros, a cidade de São Paulo é um vórtice devorador de identidades
e de braços fortes: quer peças, não pessoas.
Reside, portanto, nesta relação unha-e-carne que Lincoln Péricles
trava com o Capão Redondo, local onde nasceu e onde vive, a potência
destes curtas. Aluguel é dedicado aos amigos da Cohab Adventista,
condomínio sobre o qual o cineasta realizou seu primeiro curta, em 2012.
notas
1. Fonte: http://newqueercinema.com.br/images/catalogo.pdf
155
O cinema no
olho do furacão
sobre #73, de Rekesh Shahbaz
e Home, de Rafat Alzakout
victor guimarães
No ano passado, a Competitiva Internacional do forumdoc exibia
o extraordinário filme sírio Our Terrible Country, de Mohammad Ali
Atassi e Ziad Homsi. Entre as múltiplas virtudes do filme estava sua
capacidade de transportar o espectador para o centro do conflito bélico
em curso, como se pudéssemos, por uma hora e meia, compartilhar
algo da imprevisibilidade, das angústias, da tensão, dos horrores da
guerra e das esperanças da luta. Não apenas uma forma de contato
imaginário com esse amontoado de sofrimento incalculável, mas a
duração do filme como a experiência física, corpórea, vital de habitar
uma frequência singular de pulsação da História. Potência inalienável do cinema documentário: arremessar-nos de um golpe em pleno
olho do furacão, nos fazer habitar de corpo inteiro um outro transe do
mundo e nos devolver sãos e salvos, mas transformados para sempre.
É essa modalidade de partilha de um espaço-tempo em alteração
radical que está em jogo para o espectador de #73 e Home. No início do
primeiro, vemos imagens da fronteira entre a Síria e o Iraque, filmadas
em agosto de 2014. Enquanto um caminhão quase solitário segue em
frente, dezenas de veículos e milhares de pessoas a pé se movem na
direção contrária. Está em curso o septuagésimo terceiro genocídio
contra os Yazidi no Curdistão, dessa vez operado pela máquina do
Estado Islâmico. Barakat Hassan conseguiu fugir às pressas da cidade
157
de Shingal, mas está sem notícias de seus pais – que não podem andar
– há dias e decide atravessar novamente a fronteira para procurá-los.
Na voz over do rapaz os relatos se acumulam: há notícias de torturas,
estupros em massa, assassinatos de homens, mulheres e crianças às
centenas, decapitações de famílias inteiras.
Barakat se move às pressas por uma desoladora paisagem desértica, percorre o último círculo do inferno. No caminho – agora feito a pé
–, encontra combatentes curdos que organizam a resistência armada,
famílias em fuga (ou o que restou delas), ativistas que distribuem água
para as crianças sedentas. Uns tentam dissuadi-lo de voltar, outros
oferecem uma palavra de apoio. A cada novo encontro, os testemunhos
instalam um horror indescritível na cena. A desesperança é brutal:
um povo, uma forma de vida está em vias de ser extinta e, mesmo que
tanto os adolescentes quanto os velhos empunhem metralhadoras, não
parece haver saída possível. O enquadramento apanha Barakat sempre
158
de perto, ombro a ombro: câmera companheira de jornada. Ouvimos
a respiração ofegante do diretor Rekesh Shahbaz no antecampo. O
que resta ao cinema nessa franja de um mundo em extinção? Talvez a
única atitude possível seja permanecer no encalço, à espera, escutar
com atenção, nos fazer compartilhar a secura do deserto e a dor das
mulheres que choram.
Home, como Our Terrible Country, nos leva ao centro do processo revolucionário na Síria. O território do país segue disputado pelas
forças em combate – o governo, o Estado Islâmico, o Exército Livre
da Síria –, mas dessa vez nossa porta de entrada para o conflito não é
o front de batalha, e sim o cotidiano de um grupo de artistas – entre
eles o diretor, Rafat Alzakout – que decide ocupar uma casa durante
uma temporada para criar em meio à guerra. Eles pintam, esculpem,
dançam, escrevem, ensaiam e montam peças de teatro que apresentam
aos vizinhos, a partir das quais produzem um impressionante espaço
de interlocução in loco sobre o conflito que os concerne a todos – e que
vibra nas vozes das crianças a entoar os cantos multitudinários que
clamam pela queda de Bashar.
À primeira vista, Home se apresenta como um filme aparentemente frágil e ensimesmado, mas logo nos damos conta de que estamos
diante de uma crônica delicada e surpreendentemente bela de um
país às voltas com um processo histórico imprevisível (como a escuridão que desaba sobre o plano quando a eletricidade é cortada mais
uma vez). A contiguidade da luta – a guerra parece estar sempre na
vizinhança, sempre à espreita – contrasta com esses corpos filmados
com intensidade erótica. A tensão permanente do fora-de-campo – as
notícias que chegam pelos amigos, o ruído dos aviões – rebate nos
rostos jovens, contamina o espaço da casa – essa utopia tornada real,
ainda que por certo tempo – e é transformada em fluxo vital que irriga
as obras de arte.
O que acontece a um povo durante uma revolução, quando tudo
é incerteza e contradição permanente? Há os bravos guerreiros que
resistem de AK-47 na mão, mas há também esses imprescindíveis rapazes que ficam, esses que se empenham em dar sentido ao caos, em
traduzir na forma os vetores da luta e em contagiar cada espectador
com a energia de seu desejo. É essa vitalidade que a câmera vai buscar
em cada canto da casa: na gravidade dos testemunhos, no dissenso
latente dos debates acalorados e, sobretudo, na paixão incandescente
dos ensaios que abrem uma fenda na dureza dos dias.
159
O Seio da Falta
sobre La Fièvre, de Safia Benhaim
dalila martins
La Fièvre (2014), de Safia Benhaim, é um filme em suspensão; suspensão das faculdades do sentir. Com estrutura fabular, intimista e delicada,
tece uma trama alucinatória entre presente e passado, para tratar da
memória da terra natal interdita a que corresponde o exílio político.
É possível reconhecer um território outrora familiar? Ou apenas as
fronteiras aparecem claras, em plena metamorfose, empurrando cada
vez mais para longe o horizonte de desejos? E onde, então, repousa a
coincidência entre o sonho da libertação e o fluxo grave da História?
No além mar revolto?
Tudo no filme se toca e tão logo se evade: som, imagem e texto.
Desde o início, as telas pretas entrecortam a figura da criança acometida
pela febre; em ressonância com as sombras que lhe cobrem o rosto. As
legendas silenciosas, letras em branco que narram os fatos – dia, ano,
circunstâncias, fantásticos encontros –, jamais anunciam o mesmo
que é visto. E, como num casulo, a trilha sonora acolhe estas linhas
retesadas e independentes, sustentado-as, suave e intensamente, na
iminência da irrupção.
La Fièvre mais parece uma ficção científica, reino dos artifícios
que desenvolvem vida própria; no triz de uma nova organicidade, ainda
subterrânea ou etérea. Pois não se clama por outras formas de governabilidade na Primavera Árabe que aflora em 2011? Sua ambiência
(iluminação, montagem, mise-en-scène) é onírica, dota as paisagens
marroquinas retratadas – urbe, litoral e campo – de estranheza e expec-
161
tativa. O universo infantil, de espontânea conexão com seres encantados
e animais domésticos, sobrepõe-se à superfície de realidade, seja a do
comércio de rua, seja a das ruínas do conjunto habitacional ou, ainda,
a das manifestações populares comentadas via rádio.
Entretanto, a convulsa experiência que o filme cativa, apesar de
sugerir vieses alternativos às convencionais faculdades do sentir, origina-se apenas devido à privação a ela intrínseca. Quer dizer, é justamente
por causa da imobilidade imposta ao corpo desterrado, e do retorno
ralentado a seu lugar de direito, que a resistência acontece, servindo
de ignição para os devaneios repletos de energia revolucionária. Não
obstante, tal espécie de curto-circuito consiste também na geração incessante de assombrações: La Fièvre não apenas prenuncia um outro futuro
(o carro sendo guiado em direção às vozes insurgentes), mas relembra
as constantes reviravoltas que, repetidamente, usurparam ideais de
transformação efetiva; como o caso congolês que desemboca no curso
162
histórico do Marrocos, já marcado por uma sucessão de colonialismos
internos e externos.
Desse modo, as figuras do fantasma e do louco, unidas na personagem desencarnada do tio da menina, ainda que terríficas, são
necessárias enquanto ancoragem durante o processo de travessia em
que se constitui o filme. Estabelece-se, assim, um diálogo fundamental
para a sobrevivência de uma natureza personificada, pela qual o espectador consegue se orientar no terreno abalado da memória coletiva.
Do contrário, os liames seriam por demais tênues, efeito da abrasão,
como o sol que arde no pátio no momento do sacrifício da cabra antes
do banquete em família – cena remota que desencadeia o delírio.
Em La Fièvre, há, portanto, um cuidado terno em preservar das
intempéries e da polícia política, diga-se de passagem, os meandros da
livre existência: seja a parede de barro fresco que a mãe construiu para
guardar os livros subversivos de seu filho, seja a candura com que a
câmera se detém sobre os negros cachos da infanta… O olhar próximo,
ainda que partido, às voltas do resguardo, não deixa de suavizar medos,
num balanceamento envolvente propício para a eclosão da coragem
solitária. Eis o resultado da inflexão da História sobre o seio da falta.
10949 femmes
sobre filme de Nassima Guessouim
mariana souto
10.949 mulheres. Um título enigmático, que parece prometer a abordagem de alguma questão de grandes proporções. De fato, temas macro
como gênero, a história de um país, um processo de descolonização,
de alguma forma estão ali colocados. No entanto, na maior parte do
tempo, apenas uma mulher em cena. O filme tem como protagonista
Nassima Hablal, uma ex-combatente da Guerra de Independência da
Argélia, uma entre as 10.949 registradas na mesma condição, porém
anônimas e esquecidas pela história. Nassima tem 85 anos no presente
do filme, saúde debilitada e uma memória que definha a cada dia. O
documentário caminha junto com (e, ao mesmo tempo, contra) o progressivo apagamento dos fatos, preservando uma experiência preciosa
que dali a pouco poderia não mais existir.
Nassima é memória viva da militância feminina na luta pela
independência da Argélia. Mas trata-se de uma memória a todo tempo
tensionada pelo esquecimento, pela dúvida e pela fabulação. Estamos
em outubro ou novembro? Qual era mesmo o nome da organização? E
qual era meu nome de guerra? Tinha mesmo tantos pretendentes? O
filme busca obter testemunhos, organizar relatos, remontar retalhos
de história, mas se assume como aberto, inconcluso, parcial – sugere
a não fiabilidade da memória, ao mesmo tempo em que preserva a
personagem de uma confrontação ou de um interrogatório. 10.949
mulheres reúne imagens de arquivo, fotografias, jornais, programas de
TV, quadros, vitrais, bonecos em miniatura, sem jamais tornar-se um
163
documentário expositivo, fundando-se, ao contrário, no testemunho
pessoal e na visão subjetiva de uma militante singular.
Nassima Hablal é filmada pela diretora, Nassima Guessoum. O
mesmo nome, a mesma origem, apartadas por duas gerações. Além de
ser um filme sobre a participação feminina na guerra da Argélia, trata-se
de um filme sobre a relação que se constitui entre as duas: um filme de
mulheres, sobre mulheres. A diretora aparece em cena, divide refeições
com a anfitriã, lava a louça. Discutem militância, trajetórias de vida,
figuras públicas, prisão, tortura, violência sexual, mas em contextos
domésticos, em ambientes de intimidade, preparando uma berinjela,
passando um café, fazendo um passeio. O uso de uma câmera digital
operada pela própria diretora, a instabilidade de algumas imagens, a
ausência de uma equipe, são alguns elementos que corroboram essa
impressão de intimidade e de filme que se faz nos improvisos e na
espontaneidade de cada encontro.
164
A diretora se dedica a filmar, a cada ano, um “pedaço de vida” de
Nassima Hablal, num processo de progressiva conquista de confiança.
Hablal pergunta se Guessoum voltará, e esta cumpre suas promessas.
Com o destaque à constituição de uma espécie de linhagem feminina,
está em jogo a perpetuação da história através das gerações. Uma
mulher jovem ouve, atentamente, aquilo que lhe tem a contar a mais
velha, numa transmissão de saberes, de experiências de vida. Há uma
diferença geracional considerável entre as duas, metaforizada pelo
processo de escolha do próprio nome. Nassima, a militante da revolução, foi “dita num sonho” de sua mãe, predestinada. Nassima, a jovem
cineasta dos líquidos anos 2010, não conhece a história de seu nome,
nem sabe muito bem a que veio. Talvez esteja tentando descobrir.
Ademais da lealdade ou do estabelecimento de uma transferência
psicanalítica entre elas (“Começo a me acostumar contigo. Você é como
uma filha para mim”/ a documentarista dedica o filme à Nassima e à
sua mãe), cresce ali uma relação de sororidade. Além das Nassimas,
surgem as personagens de Baya, também ex-ativista argelina, e Nelly
Forget, francesa com quem Hablal dividiu uma cela, que o filme loca-
liza a partir de uma lembrança certeira de Nassima Hablal, em meio
a recordações tão lacunares.
Um tom decadente e melancólico atravessa 10.949 mulheres,
talvez evocado pela debilidade do corpo, pela perda dos parentes e
amigos, pelos cantos entoados com partes faltantes ou mesmo pela
precariedade da casa, uma sugestão da baixa valorização da história
recente argelina ou do papel que nela exerceram muitas mulheres. Ao
mesmo tempo, pontuações sutis de vaidade e vitalidade como um véu
vermelho, uma flor nos cabelos, um perfume, ecoam a mencionada
beleza da personagem em sua juventude, estampada nas fotos. Afinal,
relembrar é poder reviver os tempos áureos e heroicos, diz Nassima,
frase que acaba por acentuar a diferença do presente em relação a um
tempo que já passou. 1
notas
1. Agradeço a Vitor Zan pelas contribuições ao texto.
165
Relatório de prisão
de um desajustado
bem comportado,
por Chinpou
sobre filme de Rikisaburo Sato
daniel ribeiro duarte
Chinpou é o pseudônimo utilizado por Makoto Hanawa, um prisioneiro
japonês que, a uma certa altura do seu confinamento na penitenciária
Bangwang de Bangcoc, na Tailândia, começou a publicar um diário
na internet. Este documentário, uma co-produção alemã e japonesa,
procura reunir esta matéria textual produzida por Chinpou com imagens de sua viagem de volta ao Japão depois de 16 anos.
Chinpou nunca foi um criminoso de alta periculosidade. De
temperamento curioso e raciocínio rápido, estudou Psicologia e
Antropologia Cultural em Nova Iorque, quando queria compreender
a iluminação espiritual. Sua aventura científica levou-o à Índia e ao
Nepal, onde se aprofundou tanto na meditação que quis passar 10 anos
estudando o Dharma. Para conseguir realizar o seu desejo, ele precisava voltar para o Japão e levantar recursos, mas numa passagem pela
Tailândia, conseguiu um trabalho diametralmente oposto à sua trilha
de iluminação: o tráfico de heroína. Com este trabalho ele ganharia
bastante dinheiro, o suficiente para encurtar o seu caminho em direção
aos templos do Nepal. Entretanto, o transporte de drogas pesadas teve
um fim oposto ao planejado – ele foi pego e teve interrompidos os seus
planos, ficando preso na Tailândia por 16 anos.
167
No início do filme são entrelaçados o texto de Chinpou lido
em off e as imagens do presídio de Bangwang. Vemos imagens documentais (em vídeo e fotografia) que mostram a superlotação, além
de imagens externas – planos gerais da cidade de Bangcoc. Também
vemos planos de uma tela de computador, acompanhada pelo som
eletrônico do aparelho e pelo som dos teclados, recurso que voltará
a ser utilizado para exibir os textos do personagem principal. Esta
variedade de imagens logo no início mostra que o filme vai se valer
de uma certa heterogeneidade de meios para construir sua narrativa,
cujo eixo é Chinpou, personagem múltiplo, deslocado da sociedade e
com humor estranho.
O texto de Chinpou lido por uma voz em off explica que seu diário
ia para fora da prisão através da internet mas, como ele não dispunha
de uma conexão, o diário publicado ficou por muito tempo sendo uma
conversa de apenas uma direção, como garrafas lançadas ao mar.
168
Provavelmente foi através destes textos que o realizador
Rikisaburo Sato soube da existência de Chinpou, pois o filme dá a
entender que criou-se uma pequena comunidade de leitores do seu
diário. Quando o realizador vai visitá-lo no presídio, ele conta que
nunca antes se comunicou com um público desconhecido, e que ficava
contente com o interesse das pessoas.
Se no início do filme o personagem vive os últimos momentos
dos seus 16 anos como prisioneiro, é a partir de sua libertação que
se desenrola o núcleo do filme: a viagem de volta de Chinpou para
o Japão. O filme mistura os textos de seu diário de prisioneiro com
imagens colhidas durante esta viagem, feitas com a câmera na mão,
acompanhando ao estilo cinema-direto o seu trajeto desde a saída do
presídio até o seu país natal.
Não deixa de ser curioso quando Chinpou, rumo ao embarque no
aeroporto de Bangcoc, diz que “este é o cheiro do mundo real”. Depois
de 16 anos de prisão, todos os odores – mesmo os mais sintéticos como
os de um aeroporto – despertam memórias da vida anterior à prisão.
Aliás, uma das principais virtudes deste filme é colocar-se ao lado de
Chinpou e testemunhar este momento raro de um homem que teve
um hiato de tantos anos fora de circulação e de repente percebe tudo
o que acontece à sua volta como um fortíssimo estímulo sensorial.
O personagem é como uma criança, recebendo tudo à flor da pele,
achando estranho estar entre pessoas “normais” que nada sabem do
seu passado, experimentando o primeiro suco de laranja “100% natural” desde que foi preso, andando de metrô ou vendo os produtos nas
prateleiras de uma loja. Para ele tudo é delicioso no mundo exterior, e
a vida comum é o Paraíso.
A chegada ao aeroporto de Tóquio acrescenta ainda uma camada
dramática à construção do personagem. Ele imaginou que houvesse
familiares à sua espera, mas o filme mostra apenas a decepção de não
haver ninguém que o esperasse no desembarque. É aí que ele reflete
sobre o espírito Samurai: “Um samurai não demonstra seus sentimentos. O coração está chorando, mas o rosto está sorrindo”. Chinpou é
acostumado desde a prisão a sustentar as dores e as decepções sem
manifestar externamente. Mesmo os textos escritos por ele não revelam
suas tristezas mais profundas. Ele caminha em volta da tristeza com
as palavras, diz que ela existe, mas não revela seus sentimentos. É na
opacidade do personagem, entretanto, que o filme se constrói. É criado
um espaço entre o que o corpo manifesta diante da câmera e os sentimentos que ele diz ter, e este é o espaço percorrido pelo espectador.
“Quando você esteve preso por 15 anos, o mundo exterior se
torna nada mais do que uma memória”, diz Chinpou. “A sensação de
realmente viver neste mundo, o senso de realidade, desaparece em
algum tempo. Quando me imagino caminhando por Tóquio, é como
se eu estivesse assistindo a um filme, e meu coração batendo muito
forte.” E eis que de repente ele está sendo filmado, assiste e encena a
si próprio vivendo tudo aquilo que durante 16 anos fez parte apenas
de sua imaginação.
Através da fabulação deste homem comum, elaborada no escuro
de uma década e meia de confinamento, o filme assiste à cidade. O
que aparece no confronto de Chinpou com o caminho de volta à casa,
sobretudo em Tóquio, é uma cidade desnaturalizada. Todo o contato
que ele teve com a cidade por 16 anos foi através de revistas, matéria
169
de linguagem que foi reelaborada por sua memória. O confronto com a
cidade e seus pequenos espetáculos mostram ainda uma outra ficção,
através da qual Chinpou quer perambular.
Mas ele subitamente sente-se insatisfeito com o anonimato,
com o fato de que a garota do Maid Café, um bar onde as garçonetes
se vestem como Animes, não sabe o tamanho da intimidade que ele,
à distância, imagina ter com ela, ou com o sonho de sua existência. E
Chinpou decide contar a ela que esteve preso, quase como se ela fosse
se lembrar dele, ou talvez apenas para espantá-la. Ou quem sabe para
criar uma nervura no tecido social por onde um inadequado como ele
pudesse entrar novamente.
170
Os signos da rua*
sobre Cuerpo de letra, de Julián D’Angiolillo
roger koza
O segundo filme de Julián D’Angiolillo tem algo singular: o jovem
cineasta inventou uma forma cinematográfica. Seu filme tem algo de
transe e saímos da sessão como se tivéssemos participado de uma
rave. Um transe de que tipo? Do que se trata aqui é de mimetizar-se
com a experiência perceptiva e topológica dos protagonistas. Essa é
a poética e a política do filme. Quem são eles? Os membros de uma
gangue de letristas que de noite ocupam as paredes das rodovias e das
ruas da região metropolitana de Buenos Aires com publicidade política.
Nas avenidas, em meio à frenética passagem dos carros, caminhões
e caminhonetes, inclusive quando não é hora do rush, vários homens
trabalham minuciosamente sobre o espaço visual de caráter público
que parece liberado a quem dele se aproprie simbolicamente.
Cuerpo de Letra descobrirá apaixonantes batalhas secretas. As
disputas políticas por essas paredes mobilizam vários exércitos de
letristas, com seus respectivos líderes. São soldados quase invisíveis
que empunham broxas e baldes de tinta. Não são militantes, são antes
artistas de rua transformados em publicitários que entregam seu ofício a serviço de uma ideologia na qual não acreditam nem deixam de
acreditar. A indiferença é ostensiva, a eficiência também. As paredes
são aqui imensos palimpsestos nos quais se escrevem mensagens
*fonte : Publicado originalmente em outubro de 2015 no blog de Roger Koza,
Con los ojos abiertos: http://ojosabiertos.otroscines.com/oktoberfest-2015-02-filmfest-hamburg-ficvaldivia-viennale-los-signos-de-la-calle/. Traduzido (com autorização do autor) por Victor Guimarães.
171
lacônicas e simples orientadas a persuadir os eleitores. Uma parede
em branco é tão deletéria quanto um voto da mesma cor.
Como já acontecia em seu filme precedente, Hacerme Feriante
(2010), D’Angiolillo tem o dom de materializar práticas desconhecidas.
Em seu filme de estreia, aprendíamos de um golpe toda uma economia
secreta e paralela à oficial. Agora, o fenômeno a filmar é lateral em
relação à publicidade política. Um dos grandes momentos tem lugar
nas horas prévias à interdição eleitoral. O tempo histórico é o da votação nacional de 2013. Na televisão, os jornalistas falam da proibição
de continuar fazendo campanha e proselitismo depois da meia-noite e
discutem superficialmente sobre a falta de uma legislação sobre espaços
de discussão e propaganda como o Facebook e o Twitter. Enquanto se
fala de tudo isso, nas imagens transmitidas é possível ver algumas das
pichações dos grupos cuja ação Cuerpo de Letra vem acompanhando. Como é de se esperar, tampouco existe uma legislação para essa
172
tarefa, pois se trata de um trabalho nascido das margens. O que vem
depois é literalmente genial: os signos da última hora, quando já vige a
proibição, são decisivos. Os partidos sabem e enviam seus emissários
imperceptíveis. A última palavra é a que mais se retém.
A D’Angiolillo não interessa tanto o discurso político como tal,
mas a experiência de um coletivo, quem são os que dão corpo a essa
letra, outra maneira de pensar e filmar a política. Daí a importância
física que o filme comporta. A imagem e o som têm a missão de agarrar uma forma de existência inimaginável e uma prática laboral tão
lateral como inclassificável.
O SOM DEPOIS DO MEDO
sobre O Som Antes da Fúria,
de Martin Sarrazac, Lola Frederich
ana carolina estrela da costa
Nós somos HUMANOS! Não somos bichos e nem pretendemos
apanhar ou ser tratados como tal. Toda a população
carcerária está decidida a mudar para sempre a cruel
brutalidade e o desprezo pela vida dos prisioneiros, aqui e por
todos os Estados Unidos. O que houve aqui não é mais que o
som antes da fúria daqueles que são oprimidos.
[Declaração dos detentos de Attica, lida por Elliot Barkley, em 1971]
173
E m 1971, durante a rebelião na penitenciária de Attica, em Nova
Iorque, na qual os presos denunciavam graves desrespeitos aos direitos humanos, e ao mesmo tempo todo um contexto de desigualdade
racial, o músico Archie Shepp assistia as notícias pela TV. Semanas
antes, o Pantera Negra George Jackson havia sido assassinado. Shepp
se lembra de, olhando um dos presos entrevistados na TV, ter visto o
medo em seus olhos. Esse medo, também presente na voz trêmula do
repórter em frente à prisão, de alguma forma tomou conta dele próprio,
como um presságio de uma tragédia por acontecer. Em 13 de Setembro
de 1971, o governador de Nova Iorque, Nelson Rockefeller, desastrosamente interrompeu o processo de negociação que se arrastava por
cinco dias, ordenando uma invasão que acabou com a morte de 29
prisioneiros – majoritariamente negros e latinos – e dez carcereiros.
No ano seguinte, Shepp gravou sua obra Attica Blues, em memória da rebelião, enaltecendo a coragem dos envolvidos no levante.
A forte energia musical, espiritual e política da música negra norte
-americana, transmutada em swing e groove, formulou-se como uma
mensagem de irmandade, empatia. “The cry of my people”. O funk e
o blues de Archie Shepp, irrigados pelo que consideramos free jazz,
mas que para Shepp é o mais puro espírito blues, conectam o medo
“Eu pressinto que alguma coisa está errada/ e estou falando da alma
humana” (Shepp & Harris, 2014 [1972]) à liberdade “Um dia estaremos
voando como uma águia pelo céu” (Shepp, 1972). O som de antes da
fúria se transforma em fúria e se transforma em som.
Quarenta anos depois do episódio, o músico ainda se sentia
impelido e inspirado a contar a história da brutalidade injusta daquele
episódio. Reuniu uma nova Big Band, desta vez com uma maioria de
músicos jovens, e preparou um concerto para trazer Attica Blues a um
festival em Paris em 2012. É esse processo de preparação musical que
o filme O Som Antes da Fúria, de Martin Sarrazac e Lola Frederich
(2014), compartilha conosco. A história de Attica é reensaiada pelos
instrumentos e vozes da Big Band, e trazida pela montagem, que traz
174
as vozes de alguns dos rebeldes de Attica – Roger Champen, Jerry
Rosenberg, Carl Jones-El, Elliot Barkley e Frank Smith –; textos e
cartas produzidos na época por Samuel Melville, Richard X Clark e o
pantera negra George Jackson, interpretadas por um ator.
O filme reúne cuidadosamente o material de arquivo produzido à época do massacre, sobrepondo as imagens de Attica e as falas
dos próprios presos às várias sessões de preparo do concerto final de
Attica Blues. Traz também a narrativa musical e verbal do compositor, que exalta seus irmãos negros, e de alguns músicos mais antigos,
todos afrodescendentes: sobre suas experiências musicais, poéticas e
políticas, inevitavelmente ligadas aos eventos de Attica. Enquanto os
instrumentos musicais vão aos poucos amoldando a música que vemos
tomar forma, a câmera também constrói o filme a cada novo ensaio,
imersa no processo criativo da Big Band, engajada na intimidade que
vai surgindo com o som e com a consciência de seu sentido histórico
e político.
A condição afroamericana é um dos pontos centrais na experiência criativa de Archie Shepp, em 1971 e nos dias de hoje. A luta
por direitos humanos e igualdade racial aparece como uma luta por
liberdade. Em seu discurso que abre o concerto na França, começa
enaltecendo “o ato corajoso de homens bravos que se recusaram a
tirania da escravidão moderna, que é o que as prisões realmente são:
um sistema de encarceramento que permite que humanos sejam tratados de um modo que não tratamos nem os animais”. Em sua fala, ele
relembra a dor sentida em treze de Setembro de 1971, apontando para
o fato de que a proporção de afrodescendentes em Attica era mais de
três vezes maior do que a média da população nacional. Por fim, evidencia a presença do passado nos tempos presentes:
Os anos 60 e 70 marcaram um período histórico de transformações sociais e culturais ao redor do mundo, especialmente entre a
juventude. Pessoas como George Jackson e aqueles que pereceram
em Attica foram símbolos de coragem. Diante da injustiça e da
adversidade, alguns certamente deram suas vidas esperando mudar o mundo. Infelizmente, pouca coisa mudou. Às vezes as coisas
parecem estar ainda piores. Talvez todos sejamos prisioneiros.
Attica Blues celebra a identidade afroamericana, reunindo sua
história de luta política, sua produção artística e sua experiência espiritual. O filme nos permite participar um pouco dos ensaios e ver como
essa identidade, conduzida por Archie Shepp, se constrói pelo groove do
funk, a sofisticação de Duke Ellington, a invocação de Charlie Parker,
o feeling dos spirituals, algumas belas orquestrações experimentais,
o free. “Se a música te toca, então comece a solar. É uma jam session.”
diz Shepp para os músicos. “Pode vir, à medida em que você sente [...]
porque isso não é jazz, isso é blues.”
Shepp não tenta impor aos músicos o feeling que as notas musicais
e a poesia pedem. Ele tem o cuidado de provocar o espírito da música
aos poucos, sugerindo que cada um se coloque visualmente nos anos
1970 – “se você conseguir ver as estrelas, então poderá cantá-las” –, de
modo que a luta daquele contexto por fazer-se ouvir emane do swing
produzido pela nova Attica Blues Big Band. Os timbres são cuidadosamente adequados ao encontro temporal que a obra promove; é preciso
175
que algo que “estava lá” seja trazido para a nova experiência. A seu
tempo, o groove, o blues, o free, trazem algo que se esconde além das
notas e as sustenta, e os músicos começam a se relacionar de modo
espiritual com isso. “Um pouco como a tradição Gospel”, como nos
explica o baixista Darryl Hall num belo depoimento durante os ensaios.
Um filme político, um concerto político, uma obra política. A
consciência de que o que se propõe é uma atualização do medo, do
som e da fúria, da liberdade da música e da força vital do blues, a atualização de uma memória trágica que está ainda incrivelmente viva.
Referências
BARKLEY, Elliot [leitura]. 2014 [1971]. Declaração dos detentos de
Attica. In: The sound before the fury. Direção: Martin Sarrazac, Lola
176
Frederich. França (89 min), son., color.
SHEPP, Archie & HARRIS, Beaver. 2014 [1972]. Attica Blues. In.: The
sound before the fury. Direção: Martin Sarrazac, Lola Frederich. França
(89 min), son., color.
SHEPP, Archie. 1972. Steam, (Part 1 e Part 2). In.: Attica Blues. Nova
Iorque: Impulse!. 1 CD. Faixas 2, 5 .
Kibuki: spirits
in Zanzibar
sobre filme de Elizabeth Brooks
leonardo amaral
Eu estava em um estudo linguístico quando conheci Asha, uma
curandeira espiritual e líder de um grupo de dança que usa transe
e hipnose para sair de seus corpos e mover-se em ritmos inumanos. Os espíritos Kibuki são um panteão de criaturas místicas
que encarnam nessas dançarinas, adentram suas mentes e as
possessam. A possessão Kibuki é uma instituição feminina para
curas psicológicas, psicossomáticas e sociais. A prática cria uma
saída para a desobediência em uma sociedade na qual políticas
públicas de rigidez social moldam a vida privada. No espaço seguro da dança Kibuki, iniciadas performam com seus demônios,
deixam encarnar seus corpos por forças desconhecidas que as
fazem expelir toda sua libertação. 1
O depoimento acima foi dado pela própria diretora do filme,
Elizabeth Brooks, no qual ela revela sua passagem por Zanzibar, onde
realizou Kibuki: spirits in Zanzibar. Os escritos da cineasta revelam
uma coincidência com a fala inicial da própria autora no início de seu
curta-metragem, quando revela sua chegada a Zanzibar e seus primeiros contatos com as dançarinas Kibuki. Vemos um plano do espaço
natural local e de uma pequena venda, onde vários homens trabalham
e moscas e vermes se acumulam em carnes deixadas a apodrecer em
céu aberto. Em um primeiro instante, tem-se a impressão de que o documentário fará uma espécie de etnografia do local e de suas práticas
177
culturais. No entanto, Brooks revela que um acontecimento mudou sua
relação com os habitantes locais: seu parceiro de trabalho sofreu um
acidente automobilístico e acabara morrendo. O fato acalentou uma
nova perspectiva e fomentou um outro filme. A diretora foi tomada
por uma crise de ansiedade e tristeza e só se salvou quando conheceu
as curandeiras de Zanzibar.
Mais do que um documentário etnográfico, Kibuki é uma experiência audiovisual de contato direto entre culturas. Elizabeth Brooks
revela como foi iniciada como dançarina do Kibuki e narra sua experiência junto as outras participantes da prática. Em determinada
sequência do filme, uma das dançarinas recebe das mãos de Brooks a
câmera e realiza um plano que entra para o filme. No quadro, vemos
Elizabeth em seu processo de preparação para o momento da possessão. A cineasta está ajoelhada, vestida com uma toga branca e com
o rosto pintado. Pouco depois, em um plano fixo e duradouro, vemos
178
o instante da encarnação. As participantes se cobrem com um lençol
claro e iniciam os cânticos e entonações que clamam pelos espíritos.
Pouco depois, percebemos o movimento debaixo do lençol. Na medida
em que o culto acontece, a narração revela os processos da possessão
e o modo como a cura se dá.
Em Os mestres loucos, Jean Rouch apresenta um ritual dos haouka em Accra, na antiga Costa do Ouro (atualmente Gana), onde os
participantes do culto realizam um tipo de antropologia reversa que
contesta o modelo civilizatório europeu. Os haouka incorporam figuras europeias que fizeram parte do processo de colonização do país,
como, por exemplo, maquinistas, médicos, comerciantes. Todavia, na
medida em que incorporam os personagens europeus, a performance
torna-se cada vez mais violenta. Os participantes entram em transe,
bebem o sangue de cães e se jogam no chão.
A citação a Os mestres loucos nos ajuda a pensar Kibuki. Há
semelhanças e diferenças de procedimento entre o filme de Rouch
e o de Brooks. Ambos trazem cineastas fora da cultura africana que
procuram retratar, cada qual com seus procedimentos e abordagens
específicas, um ritual. Entretanto, a inserção dos dois cineastas se dá
de maneira diferente. A entrada de Rouch no ritual dos haouka se dá
através da câmera, que parece estar incorporada pelos espíritos, que
se mostra em transe, que adentra o culto como se dele fizesse parte.
Já a mise-en-scène de Brooks é de uma entrega total. Não existe uma
mediação feita pela câmera, é a própria diretora que faz parte do culto
Kibuki.
O trabalho de Elizabeth Brooks em Kibuki se dá, portanto, nessa
transição entre algo que está no fora, no extracampo (como pode ser
observado no procedimento inicial da narração em off ) para uma inserção direta na mise-en-scène, como a presença do próprio corpo da
cineasta. Ao se colocar em cena, ao permitir ser filmada pelas dançarinas
Kibuki e ao participar da experiência com as mesmas, Brooks dá a ver
processo bastante potente que oferece ao cinema a capacidade de se
tornar algo compartilhado. Isto é essencial para aquilo que o filme tem
de potência cultural e política, principalmente pelo filme ser realizado
por uma mulher que filma outras mulheres.
notas
1. BROOKS, Elizabeth. Kibuki: spirits possession in Zanzibar. Mambo
magazine, 14 de abril de 2014. Acessado em 26 de outubro de 2015.
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Greetings to
the Ancestors
(Saudações aos Ancestrais)
sobre filme de Ben Russell
por roberto cotta
Em torno das afigurações dos cultos religiosos parece existir uma
condição de transcendência ou torpor capaz de magnetizar cada espaço
ocupado pela fisicalidade dos corpos e pela presença imaterial das
deidades. A energia promotora desse pacto manifesto nos interstícios
do corpóreo e do divino extrapola qualquer tentativa de racionalização da crença, bem como sua tradução carrega um obstáculo natural
erguido entre aquele que inexoravelmente crê e aquele que de modo
irresoluto observa. A partir da percepção da opulência desse obstáculo,
os procedimentos cinematográficos trazidos à baila em Saudações
aos Ancestrais (Greetings to the Ancestors, 2015) propõem camadas
de registro plasmadas pela constante reconfiguração de composições
etnográficas, por sua vez moduladas pela dissolução de suas tonalidades
descritivas e pela incorporação de suas impossibilidades teleológicas.
Em primeiro lugar, é preciso ressaltar que a destituição do caráter descritível e a absorção de uma antiteleologia cultural se fortalecem
enquanto forma de experimentação cinematográfica à medida que a
intangibilidade do sagrado devora o próprio filme, reposicionando um
dos fatores primordiais da etnografia, ou seja, a busca pelo registro
descritivo da cultura material de um povo ou etnia através de suas
características antropológicas. Em um segundo vértice, a incapacidade de descrever as materialidades culturais observadas esbarra no
transbordamento hierático do transe, embate que acaba provocando
181
repulsões inclinadas a afastar quase integralmente quaisquer possibilidades de mediação das falas, dos olhares, dos gestos e dos dialetos
que compõem o registro.
Sendo assim, a figura do etnógrafo não mais alcança as condições
notórias prévias de interpretação e harmonização de suas concepções
em relação à instância etnográfica registrada, conforme se instala ao
seu redor uma espécie de imantação que desnorteia e transfigura os
atributos interpretativos essenciais. Por conseguinte, o caminho em
potencial encontrado é justamente o mergulho voraz na inviabilidade das decifrações lógicas, fator que ao mesmo tempo impulsiona a
evidência de percepções sensoriais particulares e revela um campo
de forças intenso, por meio do qual são promovidos atritos entre tais
sensoriedades e a magnitude sacralizada de sua presença em cena.
É através do respeito fidedigno à crença e da aceitação dela
enquanto um conjunto de representações que não precisa ser narrado,
182
examinado ou interpretado que o cineasta Ben Russel estabelece ao
registro condições para que ele sustente as dissonâncias compostas pela
imaterialidade da fé, passando ao largo do lugar comum ocupado pela
descrição etnográfica. Desse modo, seu filme se estrutura como uma
forma de registro distante dos documentos de interpretação cultural,
em contrapartida acaba se solidificando como uma obra cinematográfica sem bordas que investe em experimentações permeadas por
repetições de procedimentos como a entrevista enviesada, a filtragem
e texturização dos corpos, movimentos e falas, assim como a imprevisibilidade da intervenção formal estipulada entre a subexposição e
a superexposição do celulóide 16mm.
A certa altura, quando já nos encontramos fascinados com a vastidão de imagens e sons suntuosos advindos dos rituais da Congregação
Jericó de Ikwata e Madoda, vilarejos situados numa região fronteiriça
entre a Suazilândia e a África do Sul, a presença isolada de uma jovem
no meio de uma estrada de terra nos desencontra. Se, até então, a colonização que açoitou as matrizes culturais africanas durante séculos
vinha sendo mostrada como um indício de uma possível convivência
ou enlace apaziguado entre a tradição primitiva e a influên-
cia colonial cristã, a fala da moça nos permite entender que a
complexidade dessa coadunação escapa ao lirismo que o filme
pode emanar, pois ela não é capaz de ser encontrada nas vestes
sagradas ou no transe exposto na movimentação dos fiéis nos
rituais. Essa complexidade está na fala e no modo como ela
testemunha os sonhos, contados através de uma perspectiva
que nos permite entender que a colonização veio a fórceps e
que o entranhamento do cristianismo já está empilhado dentro
da própria tradição primitiva.
Daí em diante, o onirismo de cada relato registrado passa
a diluir o filme em eternos retornos de evidenciação dessa incontornável presença colonizadora, justaposta pela ciclicidade
de uma estrutura de montagem que empreende constituições
de camadas de representação substancialmente libertas de uma
verticalização do olhar sobre os entrevistados. Em Saudações
aos Ancestrais é exatamente o transe imaginado dos relatos
dos entrevistados que potencializa a compreensão do esmagamento histórico oriundo das impiedosas ações colonizatórias,
traduzidas no modo como os estranhamentos propostos pelo
filme se estratificam não exatamente através dos espaços ou
personagens filmados, mas pela fabulação da palavra e pela
incontestabilidade dos sonhos.
183
Na terra de Haidar
sobre Homeland: Iraq Year Zero, de Abbas Fahdel
rafael urban
Muitos iraquianos podem me ouvir nesta noite em uma transmissão de
rádio com tradução simultânea, e eu tenho uma mensagem a eles. Se
tivermos que começar uma campanha militar, ela será direcionada aos
fora-da-lei que dirigem o país e não contra vocês. Ao mesmo tempo que
nossa coalização vai tirar o poder deles, nós vamos distribuir as comidas e
os remédios que vocês precisarem. Nós vamos derrubar o aparato de terror
e vamos ajudá-los a construir um novo Iraque que seja próspero e livre.
George W. Bush, presidente dos Estados Unidos entre 2001 e 2009,
no ultimato a Saddam Hussein, em 17 de março de 20031
185
Saiba que sempre que me perguntarem isso eu posso dizer que eu peço
desculpas pelo fato de que as informações de inteligência que recebi
estavam erradas. Porque mesmo que ele tenha usado extensivamente
armas químicas contra seu próprio povo e contra outros, o programa na
forma como nós pensávamos que era não existia na maneira que nós
pensamos. Então eu posso pedir desculpas por isso.
Eu também posso pedir desculpas, por sinal, por alguns dos erros
de planejamento e, certamente, por nosso erro em relação à nossa
compreensão do que aconteceria uma vez que o regime fosse deposto.
Mas acho difícil pedir desculpas por depor Saddam. Eu acho que mesmo a
partir de hoje, de 2015, é melhor que ele não esteja do que ele esteja lá.
Tony Blair, primeiro-ministro britânico entre 1997 e 2007,
em entrevista a CNN em 24 de outubro de 20152
o quarto longa-metragem de Abbas Fahdel, Homeland: Iraque Ano Zero (2015), se
divide em duas partes, atravessadas por uma elipse fundamental. O que se passa
entre as duas metades da obra – “Antes da queda” e “Depois da batalha”, com
duração total de cinco horas e meia – é o hiato do que o diretor não presenciou,
e, portanto, não registrou: Fahdel deixou o país quatro dias antes da Invasão do
Iraque, iniciada em 20 de março de 2003, quando foi à França, onde
reside, e por lá ficou sem ter notícias de seus familiares, até voltar, dois
meses depois, para finalizar as filmagens.
A sequência de abertura do filme mostra a família de Fahdel em
gestos cotidianos de uma manhã de fevereiro de 2002, na residência
de classe-média em Bagdá, enquanto assistem desenhos animados na
TV. A narrativa é interrompida pelo apresentador de TV, que anuncia
que Saddam Hussein fará seu pronunciamento no primeiro dia do
Eid, tradicional festejo. Vemos, através da tela de TV, Saddam ser
cumprimentado por seus correligionários militares, antes de iniciar
seu discurso entre amigos:
Feliz dia do Eid a todos. Que Deus conceda paz e prosperidade
ao nosso país. Nossos inimigos se comportam como se trouxessem uma novidade. Mas nós conhecemos seu funcionamento: nós
186
escutamos os mesmos slogans por trinta anos. É por isso que eu
considero que não é necessário respondê-los. Quando eles disserem algo novo, eu responderei.
Saddam traz a chave que pautará a narrativa: cairão por terra
os discursos do poder de ambos os lados. Neste momento a sequência
nos dá acesso a quem vê a tevê: com o controle remoto na mão está
um homem de meia-idade, de cabelos grisalhos e de óculos. Hussein
continua:
Segundo a crença deles, os países menos desenvolvidos talvez
alcancem o grau de desenvolvimento, assim como acessem o progresso tecnológico e, então, produzam armas de destruição em
massa – que poderiam ser entregues a uma organização hostil à
América e que ameaçasse a sua segurança. Então se faz necessário
bombardear o mundo inteiro e proibir o progresso mundialmente,
para que os americanos possam sentir-se seguros!
Uma legenda explicativa aponta: “Meu cunhado Madhat”. Madhat,
com controle remoto em mãos, em tom divertido e aos brados, se volta
à câmera e diz: “troquem o canal, troquem o canal!”.
Homeland nos permite ver desde um ponto de vista único. Mais
de uma década depois, temos acesso a essa família, que tem sua vida
transformada por esse encontro de slogans, mentiras e atos de dois governos – e cujo resultado será devastador, como já sabemos de antemão
e como veremos desde a progressiva destruição individual. Para aquele
que vive em nosso tempo, Homeland é a obra de arte mais reveladora
das engrenagens que compõem o atual panorama do mundo ocidental.
Enquanto alguns críticos foram cautelosos e não fizeram mais do que
citá-lo como um dos filmes mais importantes do ano, Victor Guimarães
foi direto ao ponto: 3
A obra monumental de Abbas Fahdel – e a experiência absolutamente
inesquecível que é estar na frente da tela por pouco mais de cinco
horas e meia – pertence a um conjunto muito limitado e preciso de
obras da humanidade, entre as quais eu citaria Os Desastres da
Guerra de Goya, Guernica de Picasso, Noite e Neblina de Resnais e
A Oeste dos Trilhos de Wang Bing. O que une estas materialidades
tão distintas não é apenas o dado de que sejam obras-primas ou até
mesmo o fato de que todas tenham levado anos para se completar.
Isso também conta, mas o que realmente conecta essas obras é o
fato de que todas são figurações tão potentes, formalmente íntegras
e irrepetíveis da aniquilação do homem pelo homem, que não é
possível olhar para uma pintura, um filme ou um homem da mesma
maneira depois de entrar em contato com elas.
O que torna Homeland ainda mais acessível ao espectador ocidental é que, primeiro, foi filmado por Fahdel, um iraquiano que vive na
França desde os 18 anos, que se naturalizou francês e estudou cinema
na Sorbonne. Ele, portanto, compartilha os códigos de dois mundos.
Duas décadas depois, retorna ao Iraque, primeiro, em 2002, para fazer
Back to Babylon, numa tentativa de responder a uma inquietação: o que
187
aconteceu com seus amigos de infância e o que teria acontecido com
ele caso nunca tivesse deixado o país? O filme foi exibido numa TV
Francesa e um repórter lhe fez uma pergunta que nunca o abandonou:
seremos os últimos a ver seus amigos e familiares vivos, através das
imagens do seu filme? “A ideia de que os membros da minha família,
meus amigos e desconhecidos que eu filmei não sobrevivessem à
guerra que batia à porta era quase insuportável para mim”. 4 É nesse
momento que o cineasta resolve retornar para filmar We Iraqis (2003)
e, por consequência, Homeland.
Numa resposta a essas dúvidas que lhe assolavam, Fahdel retoma
essas filmagens íntimas, na esperança de que o cinema pudesse salvar
seus entes queridos. Ele explica, “eu fui tomado por uma superstição
velada. Filmar, para mim, é um ato de vida, e ao filmar meus entes
queridos à beira da chegada da guerra, eu mantinha a esperança de
guardá-los de qualquer mal.”5
188
Em outro grande filme, Diários: 1973-1983, de minutagem quase
idêntica (330’), o cineasta israelense David Perlov também partia do
registro íntimo para falar das questões preeminentes de seu país. Lá,
Perlov criava a metáfora do filmar “através da janela da minha casa,
como da janela de um tanque de guerra”. No Iraque de Fahdel, ele circula a pé e de carro pelos locais de afeto (antes e depois da destruição)
e também faz do retrato de seus amigos, familiares e conhecidos, o
panorama de uma época. A presença constante da televisão é mais um
ponto em comum nos dois casos. No universo de Fahdel, entretanto, não
existe um ponto de observação seguro, pois todos os cantos familiares
se transformaram em um campo de guerra.
Fahdel é, além disso, um estrangeiro que retorna à sua terra natal.
Em uma entrevista contou que, por exemplo, precisou de indicações
para encontrar a casa em que nasceu: o local agora é uma padaria. É
nessa proximidade, em relação ao universo que é íntimo ao diretor, e
ao mesmo tempo do olhar distanciado – uma vez que vive há muito em
outro país – que se construirá nossa relação com a narrativa.
O que faz de Homeland o maior filme do seu tempo é justamente a exposição que temos da casa da família de Fahdel, depois dessa
cidade e país. Compartilhamos o teto, as esperanças e angústias com
essas pessoas tão caras ao cineasta, por sua vez munido apenas de
uma câmera e pequenos microfones. As cinco horas e meia de duração
permitem que nos envolvamos intimamente com esses personagens
ao ponto que, ao final, eles já fazem parte de nós. Assim, será tão mais
dolorido quando chegarmos ao inevitável e trágico desfecho.
Aos dois minutos e meio de filme vemos a cartela “Meu sobrinho
Haidar”, que anuncia o protagonista de Homeland. Ele está na cama,
desperta e nos olha. A trajetória –que levará esse menino de 12 anos,
com a visível ingenuidade com que inicia o filme, ao grande mediador
do cineasta com o mundo – tem um arco dramático dos mais impressionantes da história do cinema. Haidar se fortalece a cada plano na
obrigação de confrontar-se com um mundo hostil. Ele é, na prática,
um surpreendente coautor do filme. Enquanto Fahdel está sempre
atrás da câmera – na posição de um observador muitas vezes passivo,
ainda que agencie os acontecimentos desde esse lugar –, Haidar toma
à frente, é quem nos conduz.
O filme inicia nos cômodos da casa, na sala de estar e sobe ao
terraço. É de lá que vemos a cidade de Bagdá pela primeira vez, de
uma família que se permite o luxo de ter uma casa de dois andares.
É, também, onde temos a primeira oportunidade de ouvirmos Haidar
falar: ele chama atenção para a árvore, fora de campo, recheada de
frutos. As crianças da vizinhança aguardam os frutos, que estão sendo arremessados por Haidar e sua irmã. Apesar do quase silêncio do
cineasta, a sua participação por trás das câmeras é constante, como no
momento em que Haidar o interpela: “tio, é um desperdício (de frutas).
Logo não teremos mais”. É bonito ver como nesses pequenos gestos
se revelam questões de classe, de quem observa, de como se constrói
o filme. Numa sequência posterior, é Haidar quem nos explicará que
a instalação do poço é uma antecipação à guerra, pois faltará água
encanada.
Na segunda metade, depois da invasão dos norte-americanos, o
filme toma forma de reportagem, em toda sua urgência, escancarando
os problemas referentes à invasão dos norte-americanos. Em uma cena
189
emblemática, o menino Haidar confronta um homem que vende armas
à luz do dia, em sua barraca no mercado de rua. Não vemos seu rosto;
ele claramente torce para a retomada do ditador ao poder. Haidar lhe
questiona: “E o que você me diz das covas abertas de Hussein?”.
Fahdel é claramente consciente da impressão causada por seu
filme. Tanto ele, como seus personagens mais próximos, são críticos dos
dois regimes – tanto o do ditador deposto (responsável pela morte de
um de seus irmãos no levante que seguiu a Guerra do Golfo, em 1991),
quanto aquele que vem de longe sem qualquer tentativa de reconhecer
terreno. Sobre este último, o diretor esclareceu: “Os americanos que
invadiram o Iraque em 2003 não tinham conhecimento do rico passado do país e da civilização. Se eles tivessem observado, eles teriam
descoberto uma outra realidade enquanto faziam uma varredura do
terreno para as supostas armas de destruição em massa. Eles poderiam
ter encontrado as cidades mais antigas do mundo e os primeiros textos
190
da humanidade espalhados em meio a crateras de bombas 6 ”.
A primeira exibição pública do filme se deu em maio, no tradicional festival Visions du Réel, em Nyon. Homeland ganhou o prêmio
principal do festival suíço, para depois fazer um percurso notável em
premiações e festivais.
No dia 05 de outubro o filme teve sua primeira exibição nos
Estados Unidos, no Festival de Nova York. É nesse espaço que o filme
encontra seu espectador ideal. É como se todo esse trabalho fosse um
convite do cineasta para que aquele povo tivesse um contraponto,
a possibilidade de experimentar um outro ponto de vista. Um dos
primeiros críticos norte-americanos a se manifestar foi Jeffrey Ruoff,
do Huffington Post: “Se você está interessado em ver como vivem as
pessoas em outros países, desligue a CNN e a Fox News, e se dirija a
um festival de cinema local”, para ver o filme de Abbas Fahdel, registro
de “um mundo desaparecido e de quebrar o coração, preservado em
vídeo digital”.
A melhor resposta ao discurso que começa na citação de 2003
de George W. Bush e se conclui em 2015 com Tony Blair vem de outro
crítico americano. Aaron Cutler, hoje residente no Brasil, escreveu
sobre a experiência de ver o filme na Brooklyn Magazine: 7 “ele inicialmente cria um espaço seguro e confortável para eu entrar nele.
Com o passar do tempo, ele gradualmente me levou a perceber que o
espaço está sendo desfeito e rompido pela violência. O filme termina
de modo aparentemente abrupto e saí da sala de cinema abalado. Eu
fiquei com a sensação de impotência de como eu, como um americano,
tinha consentido à destruição que eu acabara de ver. O mundo agora
parecia diferente.”
notas
1. Acesso em 28 de outubro de 2015. Texto completo disponível em:
http://americanrhetoric.com/speeches/wariniraq/gwbushiraq31703.
htm
2. Acesso em 28 de outubro de 2015. Disponível em: http://www.
dailymail.co.uk/news/article-3287982/I-m-sorry-Blair-takes-blame-Iraq-War-admits-conflict-caused-rise-ISIS-astonishing-apology-TV-show.
html#ixzz3pxOS712V
3. Acesso em 27 de outubro de 2015. Texto originalmente publicado em
espanhol na revista online Desistfilm. Versão traduzida ao português
disponível em: http://cachoeiradoc.com.br/2015/sessoes-especiais/
homeland-iraq-year-zero-terra-natal-iraque-ano-zero/
4. Acesso em 25 de outubro de 2015. A entrevista para o site Dafilms
é fundamental para compreender o processo de feitura de Homeland:
http://dafilms.pt/news/2015/7/6/Interview_Abbas_Fahdel
5. Acesso em 25 de outubro de 2015. Comentário de Aaron Cutler
seguido de depoimento de Abbas Fahdel para a Brooklyn Magazine,
disponível em: http://www.bkmag.com/2015/10/02/nyff-2015-an-interview-with-abbas-fahdel-director-of-homeland-iraq-year-zero/
6. Idem.
7. Idem.
191
Índice de filmes
192
#73, 43
10949 Femmes, 43
A estrangeira, 52
A Paixão de JL, 33
Aluguel: o filme, 33
Boa morte, 34
Carregador 1118, 34
Ciganos do Nordeste, 29
Cuerpo de letra, 44
Dia de Erê, 28
Filme dos outros, 35
Futuro Junho, 35
Gefängnisbericht eines Abnormen-Wohlerzogenen von Chinpou, 44
Greetings to the ancestors, 45
Home, 45
Homeland: Iraq year zero, 46
Imhotep, 36
Índios no poder, 36
Kibuki: spirits in Zanzibar, 46
La fièvre, 47
Mais do que eu possa me reconhecer, 37
Manhã cinzenta, 25
No caminho com Mário, 37
O Forte, 26
O grito da terra, 25
Orestes, 38
Pinto vem aí, 28
Quintal, 38
Remanescentes, 51
Ressurgentes: um filme de ação direta, 39
Sem Título #2: la mer larme, 39
Sinais de cinza, a peleja de Olney contra o Dragão da Maldade, 29
Sob o ditame de rude Almajesto, 27
Tança, 51
Teatro Brasileiro: novas tendências, 27
Teatro brasileiro: origem e mudanças, 26
Uma família ilustre, 52
The sound before the fury, 47
Virgindade, 40
Yorimatã, 40
Índice de diretores
Abbas Fahdel, 46
Allan Ribeiro, 37
André Novais Oliveira, 38
Ben Russell, 45
Beth Formaggini, 52
Carlos Adriano, 39
Carlos Nader, 33
Chico Lacerda, 40
Coletivo Mbya-Guarani de Cinema, 37
Dácia Ibiapina, 39
Débora de Oliveira, 34
Eduardo Consonni, 34
Elizabeth Brooks, 46
Henrique Dantas, 29
Irmandade dos Atores da Pândega e Associação Quilombola Mato do Tição, 51
Julián d’Angiolillo, 44
Leo Pyrata, 36
Lincoln Péricles, 33
Lola Frederich, 47
Maria Augusta Ramos, 35
Martin Sarrazac, 47
Nassima Guessouim, 43
Olney São Paulo, 25, 26, 27, 28
Rafael Saar, 40
Rafat Alzakout, 45
Raphaël Grisey, 51
Rekesh Shahbaz, 43
Rikisaburo Sato, 44
Rodrigo Arajeju, 36
Rodrigo Moura, 52
Rodrigo Siqueira, 38
Rodrigo T. Marques, 34
Safia Benhaim, 47
193
programação
CINE HUMBERTO MAURO
19 NOV | QUINTA-FEIRA
19h SESSÃO ABERTURA
Navajo Talking Picture, Arlene Bowman, 40’
The Graffiti, Arlene Bowman, 30’
(comentada pela diretora)
20 NOV | SEXTA-FEIRA
17h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA
Rituais e Festas Bororo, Luiz Thomaz Reis, 26’
Ao redor do Brasil, Luiz Thomaz Reis, 79’
19h MOSTRA OLNEY SÃO PAULO
Sob o ditame de rude almajesto, 14’
O Pinto vem aí, 25’
Manhã cinzenta, 22’
(comentada por Rodrigo Siqueira)
21h MOSTRA CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA
Orestes, Rodrigo Siqueira, 93’
(comentada pelo diretor)
21 NOV | SÁBADO
15h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA
196
Projeto The Navajo film themselves | Through Navajo eyes
Os Navajo filmam a si mesmos | Através dos olhos Navajo
Intrepid shadows, Al Clah, 18’
The Navajo silversmith, Johnny Nelson, 22’
A Navajo weaver, Susie Benally, 22’
Second Weaver, Kahn, 10’
17h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA
Filmes de Thomas A. Edison, 6’
Hopi indians dance for Theodore Roosevelt at Walpi, Arizona, 4’
The heart of an indian maid, Irmãos Pathé, 12’
Da vida dos Taulipang da Guiana,Theodor Koch-Grünberg, 11’
In the land of the head hunters, Edward S. Curtis, 60’
(apresentada por Andrea Tonacci)
19h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA
Tarahumaras 82 - Los Pintos, Raymonde Carasco, 57’
Tarahumaras 85 - Los Pascoleros, Raymonde Carasco, 27’
Tarahumaras 79 - Tutuguri, Raymonde Carasco, 25’
(comentada por Régis Hébraud)
21h30 MOSTRA CONTEMPORÂNEA INTERNACIONAL
Cuerpo de letra, Julián d’Angiolillo, 77’
22 NOV | DOMINGO
15h SESSÃO ESPECIAL
Remanescentes, Raphaël Grisey, 104’
(comentada pelo diretor)
17h30 MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA
Wacá: la tierra de los Bribries, Edgar Trigueros, 34’
Xingu Terra, Maureen Bisilliat, 74’
19h30 MOSTRA CONTEMPORÂNEA INTERNACIONAL
#73, Rekesh Shahbaz, 23’
Home, Rafat Alzakout, 70’
21h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA
Acervo Andrea Tonacci/ Encontros na América Indígena, 100’
(comentada pelo diretor Andrea Tonacci)
23 NOV | SEGUNDA-FEIRA
15h MOSTRA OLNEY SÃO PAULO
Sinais de Cinza: a peleja de Olney contra o dragão da maldade,
Henrique Dantas, 86’
16h30 MOSTRA CONTEMPORÂNEA INTERNACIONAL
10949 Femmes (10949 Mulheres), Nassima Guessouim, Houssem Bokhari, 76’
18h MOSTRA CONTEMPORÂNEA INTERNACIONAL
Homeland: Iraq year zero (Terra natal: Iraque ano zero) PARTE 1,
Abbas Fahdel, 160’
21h MOSTRA CONTEMPORÂNEA INTERNACIONAL
Homeland: Iraq year zero (Terra natal: Iraque ano zero) PARTE 2,
Abbas Fahdel, 174’
24 NOV | TERÇA-FEIRA
15h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA
Judea - Semana santa entre los Coras, Nicolás Echevarría, 28’
Richard Cardinal, Alanis Obomsawin, 29'
Araucanos de Ruca Choroy, Jorge Prelorán, 45’
17h MOSTRA CONTEMPORÂNEA INTERNACIONAL
Kibuki: espíritos em Zanzibar, Elizabeth Brooks, 24’
Greetings to the ancestors (Saudações aos ancestrais), Ben Russell, 29’
La Fièvre (A Febre), Safia Benhaim, 40’
19h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA
Terra dos índios, Zelito Viana, 105’
21h MOSTRA CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA
No caminho com Mário, Coletivo Mbya-Guarani de Cinema, 21’
Futuro Junho, Maria Augusta Ramos, 93’
25 NOV | QUARTA-FEIRA
15h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA
Mato eles?, Sérgio Bianchi, 34’
Yawar Malku - La sangre del condor, Jorge Sanjinés, 70’
17h MOSTRA OLNEY SÃO PAULO
Teatro brasileiro: origem e mudança, 14’
Teatro brasileiro: novas tendências, 11’
Ciganos do Nordeste, 60’
19h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA
Kakxop Pit Hãmkoxuk Xop Te Yũmũgãhã - Iniciação dos filhos dos espíritos da terra, Isael Maxakali, 40’
Quem não come com a Gente, Guigui Maxakali, 30’
(comentada por Isael Maxakali e Marilton Maxakali)
21h MOSTRA OLNEY SÃO PAULO
Dia de Erê, 30’
Grito da terra, 83’
26 NOV | QUINTA-FEIRA
15h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA
Gregório, Grupo Chaski, Fernando Espinoza, Stefan Kaspar, Alejandro Legaspi, 83’
17h MOSTRA CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA
Boa morte, Débora de Oliveira, 13’
Mais do que eu possa me reconhecer, Allan Ribeiro, 72’
(comentada pelos diretores)
197
19h MOSTRA OLNEY SÃO PAULO
O Forte, Olney São Paulo, 90’
21h MOSTRA OLNEY SÃO PAULO
Sob o ditame de rude almajesto, Olney São Paulo, 14’
Debate: O cinema de Olney São Paulo
Hernani Heffner, Ewerton Belico
27 NOV | SEXTA-FEIRA
15h MOSTRA CONTEMPORÂNEA INTERNACIONAL
The sound before the fury (O som antes da fúria), Martin Sarrazac,
Lola Frederich, 88’
17h MOSTRA CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA
Virgindade, Chico Lacerda, 16’
Carregador 1118, Eduardo Consonni, Rodrigo T. Marques, 64’
(comentada pelos diretores)
19h MOSTRA CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA
Imhotep, Leo Pyrata, 12’
A Paixão de JL, Carlos Nader, 82’
(comentada pelos diretores)
21h MOSTRA CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA
Yorimatã, Rafael Saar, 116’
(comentada pelo diretor)
28 NOV | SÁBADO
15h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA
198
Martírio (em processo), Vincent Carelli, 40’
(comentada por Tita e Tonico Benites)
16h30 MOSTRA CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA
Índios no poder, Rodrigo Arajeju, 20’
Ressurgentes: um filme de ação direta, Dácia Ibiapina, 75’
(comentada pelos diretores)
18h30 MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA
Ói'ó NodzoNodz'u, Divino Tserewahú (Xavante), 47’
Hyna Hyna, Bepunu Axuape Pawire (Kayapó), 60’
(comentada pelos diretores)
21h SESSÃO ESPECIAL
A Estrangeira, Rodrigo Moura, 108’
(comentada por Cláudia Andujar e Rodrigo Moura)
29 NOV | DOMINGO
16h MOSTRA CONTEMPORÂNEA INTERNACIONAL
Relatório de prisão de um desajustado bem comportado, por Chinpou, Rikisaburo Sato, 53’
17h SESSÃO ESPECIAL
Uma família ilustre, Beth Formaggini, 15’
Tança, Irmandade dos Atores da Pândega, Assoc. Quilombola Mato do Tição, 31’
(comentada pelos diretores)
18h30 MOSTRA CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA
Filme dos Outros, Lincoln Péricles, 20’
Aluguel: o filme, Lincoln Péricles, 16’
Quintal, André Novais, 20’
Sem título #2: La mer larme, Carlos Adriano, 31’
21h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA
Atarnajuat - O corredor mais veloz, Zacharias Kunuk, 172’
CINE 104
20 NOV | SEXTA-FEIRA
17h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA
No paiz das Amazonas, Silvino Santos, Agesilau de Araujo, 129’
19h30 MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA
The Exiles (Os Exilados), Kent Mackenzie, 72’
21 NOV | SÁBADO
17h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA
Newen Mapuche, Elena Varela, 120’
19h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA
Skins (Peles), Chris Eyre, 87’
22 NOV | DOMINGO
17h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA
La Tierra es de Quien la Trabaja, Tzotzil, 15’
Son de la tierra, Jorge Tzotzil, 17’
Chul Stes-bil Lum Qui, Nal - Tierra sagrada, Tzeltal, 19’
Mirando hacia adentro: La militarización de Guerrero, Carlos Peréz Rojas (Mixe), 35’
19h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA
Reel Injun, Neil Diamond, Catherine Bainbridge, Jeremiah Hayes, 86’
23 NOV | SEGUNDA-FEIRA
9h30 OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA / ENCONTRO
A luta do povo Mebengokre Metuktire, Bepro Metuktire, 9’
“Os pistoleiros com traje parecido de PF cercam os acampamentos Guarani” 3’, Canal Aty Guasu
“Os pistoleiros da fazenda Cachoeira-Iguatemi-MS atacam a comunidade
Guarani Kaiowa do Pyelito Kue”, Canal Aty Guasu, 4’
Xupapoynãg, Isael Maxakali, 16’
Mesa redonda: Perspectivas indígenas do cinema e suas resistências
Ailton Krenak, Arlene Bowman, Ariel Ortega Mbya, Bepro Metuktire, Carlos Rivero, Divino Tserewahu,
Isael Maxakali, Patrícia Ferreira
15h OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA / ENCONTRO
Los Hilos de la vida de las mujeres jaguar, Mujeres Mayas Kaqla, 21’
In the footsteps of Yellow Woman, Camille Manybeads Tso, 26’
(sessão comentada por Flor de María Alvarez Medrano, Guatemala)
17h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA
Davi contra Golias, Aurélio Michiles, 12’
Casa dos espíritos, Morzaniel Iramari e Dário Kopenawa, 24’
Wanadi e Kaaju, Realização coletiva Yekuana, 20’
(comentada por Davi Kopenawa Yanomami)
19h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA
Sangradouro, Divino Tserewahú, Tiago Campos Tôrres, Amandine Goisbault, 30’
Arara / Guarda Rural Indígena, Jesco Von Putkamer, 26’
(comentada por Sérgio Domingues)
24 NOV | TERÇA-FEIRA
9h30 OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA / ENCONTRO
19 anos, Bepunu Axuape Pawire, 30’
(comentada por Bepunu Axuape)
15h OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA / ENCONTRO
Canaán, la tierra prometida, Ronald Suárez, 17’
La Travesia de Chumpi, Fernando Valdivia, 47’
(comentada por Ronald Suárez, Peru)
199
17h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA
Calvario de água, William Huayhua, Martha Tito Huarahuara, Jimena Mayta,
Emmanuel Davalos, (CEFREC, Bolívia), 15’
Mu drua - Mi tierra, Mileidy Orozco Domicó (Colômbia) 22’
Kalül Trawün - Reunión del cuerpo, Francisco Huichaqueo (Chile), 24’
Los descendientes del jaguar, Eriberto Gualinga, Rosie Kuhn, Pavel Quevedo, (Equador), 29’
19h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA
Contato com os brabos, 20’
Iskobakebo: un difícil reencuentro, Fernando Valdivia, 60’
25 NOV | QUARTA-FEIRA
9h30 OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA / ENCONTRO
Bila Burba - Espiritu de la revolución, Duiren Wagua, 7’
Urrigan, Ornel Alvarado, 24’
(comentada por Duiren Wagua, Panamá)
15h OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA / ENCONTRO
Para Reté, Patrícia Ferreira Yxapy (Mbya Guarani), 40’
(comentada pela diretora e por Ariel Ortega)
17h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA
Kêtuwaje - Festa de iniciação dos jovens, Mentuwajê Guardiões da Cultura, 104’
(comentada por André Cunithyc Krahô e Marquinho Ihperwa Krahô)
19h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA
J-Amtel, Juan López Intzín, 12’
El Nail, Néstor A. Jiménez Díaz, 29’
Guardianes del Mayab, Jaime Magaña, 33’
(comentada por Carlos Rivero, México)
200
26 NOV | QUINTA-FEIRA
9h30 OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA / ENCONTRO
Tekowe Nhepyrun - A origem da alma, Alberto Alvares (Guarani), 36’
(comentada por Alberto Alvares)
15h OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA / ENCONTRO
Katary: levántate, Awki Esteban Lema, 18’
(comentada por Awki Esteban, Venezuela)
17h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA
Já me transformei em imagem, Zezinho Yube, 37’
Shuku Shukuwe - a vida é para sempre, Agostinho Manduca Mateus Ika Muru Huni Kuin, 43’
(comentada por Zezinho Yube e Isaka Huni Kuin)
18h50 MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA
La tentación del Nixhix, Gumercindo Yumani, Nicolas Ipamo, Ruben Dario Cayaduro, Marta Zelady,
Franklin Gutiérrez, Ivan Sanjinés, 100’
27 NOV | SEXTA-FEIRA
9h30 OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA / ENCONTRO
Mensagem para o Governo Brasileiro, Mentuwajê Guardiões da Cultura, 3’
Txêjkho Khãm Mby - Mulheres Guerreiras, Kamikia, Winti, Kambrinti, Kokoyamaratxi e Yaiku Kisedje, 11’
Mesa redonda: Perspectivas atuais para existência dos mundos e dos cinemas indígenas
Ivana Bentes (SCDC), Abel Ticona (Cefrec), Ana Carvalho (VNA), Tonico Benites (Aty Guasu), Zezinho
Yube Kaxinawa (Secretário de Governo no Acre), Sérgio Muniz
15h OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA / ENCONTRO
Karioka, Takumã Kuikuro, 20’
Queima tradicional a céu aberto e XII Jogos Indígenas Cuiabá, Edgar Corrêa Xakriabá, 15’
Inhu e Etepe, Tewe Kalapalo, Tawana Kalapalo e Kayauta Kalapalo, 35’
(comentada pelos diretores)
17h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA
Cocar de canudos, Mentuwajê Guardiões da Cultura, 1’
Maira, Pajé Luiz Kumizi Kulina, 11’
Pawaat, Coletivo Akubaaj Cinta Larga de Cinema, Tony Cinta Larga, 13’
Um dia, Ty’e Parakanã, 19’
Bicicletas de Ñanderú, Coletivo Mbya-Guarani de Cinema, Ariel Ortega, Patrícia Ferreira, 45’
(comentada por Ariel Ortega)
19h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA
Vídeos dos Canais Aty Guasu, 13’, e ASCURI, 15’
LANÇAMENTO DE PUBLICAÇÕES
Imagens e Exílio - Cinema e arte na América Latina, Yanet Aguillera (org.)
Piseagrama, n. 8, Extinção, ed. Piseagrama, espaço público periódico
28 NOV | SÁBADO
17h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA
Milepost 398, Shonie De La Rosa, Andee De La Rosa, 110’
19h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA
Kaxakuk Xak Caçando Capivara, Derli Maxakali, Marilton Maxakali, Juninha Maxakali, Janaina Maxakali,
Fernando Maxakali, Joanina Maxakali, Zé Carlos Maxakali, Bernardo Maxakali, João Duro Maxakali, 57’
29 NOV | DOMINGO
17h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA
Cosmopista Maxakali - Pataxó, Toninho Maxakali, Manuel Damásio Maxakali, Mamei Maxakali, Marilton
Maxakali, Josemar Maxakali, Adriana Maxakali, Juninha Maxakali, Alessandro Santos, Arawê Pataxó,
Ricardo Jamal, Bruno Vasconcelos, Rosângela Tugny, 114’
19h MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA
Trudell, Heather Rae, 80’
CAMPUS UFMG
17 NOV | TERÇA-FEIRA | Arena Fafich
MOSTRA CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA
20h Orestes, Rodrigo Siqueira, 93’
(comentada pelo diretor e por Cláudia Mesquita)
Parceria com o Cineclube Fafich
Lançamento Revista Devires. 11, n. 2 (2014): Devires - Cinema e Humanidades Dossiê: O cinema e o animal
18 NOV | QUARTA-FEIRA | Auditório Sônia Viegas
9h MOSTRA OLNEY SÃO PAULO
Sob o ditame de rude almajesto, 14’
Manhã cinzenta, 22’
(comentada por Ewerton Belico)
19 NOV | QUINTA-FEIRA | Auditório Sônia Viegas
MOSTRA OLHAR: UM ATO DE RESISTÊNCIA
11h Projeto The Navajo film themselves | Through Navajo eyes
Os Navajo filmam a si mesmos | Através dos olhos Navajo
Intrepid shadows, Al Clah, 18’
The Navajo silversmith, Johnny Nelson, 22’
A Navajo weaver, Susie Benally, 22’
Second Weaver, Kahn, 10’
(comentada por Ruben Caixeta)
Endereços
CINE HUMBERTO MAURO | Avenida Afonso Pena | 1.537 | Centro
Cine 104 | CentoeQuatro | Praça Ruy Barbosa | 104| Centro
CAMPUS UFMG | Avenida Antônio Carlos | 6627
201
mostra
Olhar:
um Ato de Resistência
forumdoc.bh.2015
organização | produção
associação filmes de quintal
bolsistas
Júnia Torres
Carla Italiano
Luana Gonçalves
Ana Carolina Antunes
Luisa Lanna
Tanita Zeien
Layla Brás
circuito fourmdoc . bh . 2015
mostra olney são paulo
Ewerton Belico
mostra olhar : um ato de resistência
(organização
e curadoria )
Andrea Tonacci
Carla Italiano
Carolina Canguçu
Junia Torres
Laís Ferreira
colaboração na curadoria
Ailton Krenak
Amália Córdova
André Brasil
Caio Lazaneo
César Guimarães
Charles Bicalho
Cristina Amaral
Elizabeth Weatherford
Ivan Sanjines
Pedro Portella
Vincent Carelli
Yanet Aguillera
mostra contemporânea brasileira
Anna Flávia Dias Salles
Bruno Vasconcelos
Luís Felipe Flores
mostra contemporânea internacional
Ana Estrela
Leonardo Amaral
Victor Guimarães
programa de extensão
forumdoc . ufmg . 2015
Cláudia Mesquita
Paulo Maia
Ruben Caixeta
Isabela Furtado
Luisa Lanna
Pedro Rena
Aiano Mineiro
Isabela Furtado
Luana Gonçalves
Luisa Lanna
Pedro Rena
Roberta von Randow
arte
(ilustrações)
Ailton Krenak
catálogo
(organização)
Glaura Cardoso Vale
Carla Italiano
Júnia Torres
projeto gráfico
|
diagramação
Ana C. Bahia
revisão e preparação de textos
Carla Italiano, Glaura Cardoso,
Isabela Furtado, Maria Inês Dieuzeide,
Paula Berbert, Pedro Rena, Tanita Zeien
vinheta
Raquel Junqueira
tradução
Alessandra Carvalho
Álvaro Andrade
Ana Siqueira
Débora Zico
Flávia Camisasca
Frederico Sabino
Guilherme Miranda
Julieta Sueldo Boedo
Laís Ferreira
Luís Flores
Luisa Lanna
Luiz Valente
Maria Inês Dieuzeide
Milene Migliano
Natalia Cristofaro
Roberto Romero
Sânzio Magno
Tanita Zeien
203
Frames
Mariah Soares
Vitor Miranda
site
estagiários
Gustavo Teodoro (webdesign e
programação)
Pedro Aspahan (consultoria)
Cyntia Carolina, Pedro Mancini
legendagem eletrônica
cabine de projeção
Julio Cruz (coord. Humberto Mauro)
Jaque Del Debbio (coord. Cine 104)
Samuel Marotta
Yuri Borges
Leonardo Fortinho
Frames
Mercídio Alvinho Scarpelli
Milton Célio Rodrigues
Rufino Gomes Araújo
suporte administrativo
Roseli Pessoa Miranda
equipe cine 104
Sinal de Fumaça Comunicação
Daniel Queiroz (programador Cine 104)
Tatiane Boaventura
Gustavo Ruas
assessoria jurídica e financeira
agradecimentos
Diversidade Consultoria
Diana Gebrim
Diretoria FaE-UFMG, Cenex-FaE-UFMG,
FA FICH –UFMG , Ailton K renak , Ana
Gomes, Deborah Lima, Paula Berbert, Sérgio
Domingues, Sérgio Muniz, Zelito Vianna,
Maureen Bisilliat, Inês Teixeira, Isabel
Cassimira, Daniel Pitta Costa, Roberta Veiga,
Amaranta César, Projeto Jaca, Casinha,
Bernard Machado, Giselle Ferreira, Priscila
Musa, Oswaldo Teixeira, Emmerson Oliveira,
Morgana Rissinger, Festival Pachamama, o
jacamim, o tamanduá vermelho, a cigarra
que nos visitou e a todos(as) realizadores(as)
que enviaram seus filmes para as Mostras
Contemporâneas Brasileira e Internacional.
assessoria de imprensa colaborativa
204
equipe técnica
momentos festivos
Rafael Barros
Pedro Leal
Ana Carolina Antunes
assistência de produção
-
receptivo
Pedro Leal
registro audiovisual
Jenipapo (Guilherme Cury,
Daniel Ferreira)
gerência de cinema
cine humberto mauro
gerente
Philipe Ratton
coordenador
Bruno Hilário
coordenadora de produção
Cissa Carvalho
produção
Dayanne Naêssa
Helena Vanucci
agradecimentos especiais mostra olhar :
um ato de resistência
Vincent Carelli, Massimo Canevacci, Amália
Córdova, Ivan Sanjines, Fernando Valdívia,
Ambulante más ala (México), Carolina
Coppel, Centoequatro, Divino Tserewahu
Tsereptse, Bruno de André, Cristina de
Branco, Miguel Dores, Elizabeth Weatherford,
Paolo Buccieri, Museu do Índio, José Carlos
Levinho, Bernard Belisário, Guilherme
Cury, Ewerton Belico, Clarisse Alvarenga,
Luciana Oliveira, Renata Otto, Diego Madi
Dias, Carlos Fausto, Felipe Kometani, Roberto
Romero, Ana Morim, Simone Giovine,
Cinemateca Brasileria, Bruno Vasconcelos,
forumdoc.bh.2015
Renata Marquez, Rafael Fares, Ana Estrela,
Marcela Borella, Mostra Fronteira, Wanda
Vanderstoop, Rodrigo Ardiles, Ruy Sposati,
Txai Terri, Alejandro Saderman, Alquimia
Peña, Ana Lúcia Ferraz, André Demarchi,
Antonio Guerreiro, Beatriz Matos, Billy
Navarrete, Colectivo Kukisha, Colectivo Puka
Dreams, Daniela Alarcon, Eriberto Benedicto
Gualinga Montalvo, Fábio Menezes, Felipe
Agostini, Fermín Rivera, Francisco Caminati,
Hans Mülchi B., Igor Guayasamin, Isabel
Cristina Fregoso Centeno, Jade Rainho, José
Rafael Zambrano Brito, Lisa Jackson, Lorena
França, Kuyllur Saywa Escola, Mara Santos,
Marcella Ernest, Marta Rodríguez de Silva,
María Campaña Ramia, Melina Wazhima,
Michelle Latimer, Miguel Alvear, Mónica
Luna, Nadja Marin, Oiara Bonilla, Ojo de
Agua Comunicación, Orlando Calheiros,
Oscar, Menéndez Zavala, Rafael Fares,
Rosângela Tugny, Rafael Gonzalez, Roberto
Olivares, Ruella Rouf, Samuel Leal, Tyan
Humberto Morales Pineda, Yarani Velázquez,
Yovegami Ascona e a todos(as) que enviaram
material para a convocatória da mostra.
associação filmes de quintal
Avenida Brasil | 75/sala 06 | Santa Efigênia
CEP 30140-000 | Belo Horizonte/MG | Brasil
Telefone: +55 31 3889-1997 | 31 2512-1987
[email protected]
forumdoc.org.br
205
NOTAS
NOTAS
FMC 185/2014
patrocínio
apoio
participação
apoio INSTITUCIONAL
cenex fae/ufmg
Departamento de ciências aplicadas à educação fae/ufmg
Programa de pós-graduação em antropologia |
antropologia social • arqueologia
apoio cultural
apoio LOGÎstico
co-realizaçÃO
realizaçÃO

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