a resolução de um problema construída por uma

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a resolução de um problema construída por uma
O GÊNERO TIRINHAS A SERVIÇO DA CONSTRUÇÃO DO PENSAMENTO
PROBABILÍSTICO: A RESOLUÇÃO DE UM PROBLEMA CONSTRUÍDA
POR UMA ALUNA DO 1º ANO DO ENSINO MÉDIO
Lia Marques Marocci1
Adair Mendes Nacarto2
RESUMO
O presente trabalho é um recorte da pesquisa de mestrado de abordagem qualitativa,
publicada no ano de 2011 e que estudou o movimento das significações relativas à
probabilidade no contexto de resolução de problemas no qual foi inserida uma turma de
primeiro ano do Ensino Médio. A pesquisa foi realizada numa escola estadual
localizada em Louveira, interior de São Paulo. Para subsidiar o trabalho de campo e
análise, a pesquisa foi desenvolvida fundamentada com algumas reflexões teóricas
sobre: perspectiva histórico-cultural vigotskiana, resolução de problemas, probabilidade
e gêneros textuais. Colaborativamente com a professora da classe, foi construída uma
sequência de tarefas baseadas na metodologia da resolução de problemas. Tais tarefas
foram desenvolvidas em sala de aula com os alunos o que possibilitou a produção de
gravações de áudio e de vídeo das discussões ocorridas na sala, diário de campo da
pesquisadora e registros escritos produzidos pelos alunos, dentre os quais se encontra a
produção de tirinhas. Para este texto selecionou-se uma dessas tirinhas com o objetivo
de evidenciar a apropriação do conceito de probabilidade.
Palavras-Chave: Resolução de problemas; Probabilidade; Gênero tirinha.
Introdução
O presente texto apresenta um recorte de uma pesquisa3 de mestrado de
abordagem qualitativa, cujo objeto de estudo foi o desenvolvimento do pensamento
probabilístico em alunos do 1º ano do Ensino Médio de uma escola pública estadual
localizada na cidade de Louveira, São Paulo. O trabalho foi desenvolvido em
colaboração com a professora da classe.
Buscando responder à questão: “Quais contribuições um ambiente de
cooperação investigativa traz para a elaboração conceitual probabilística dos alunos?”,
foi desenvolvida com os alunos uma sequência de tarefas envolvendo probabilidade.
Esse tema é relevante já que no cotidiano ocorrem inúmeras situações relacionadas a
1
[email protected]. Mestre em Educação. Professora da Rede Estadual de Ensino de São Paulo
[email protected]. Doutora em Educação. Professora da Universidade São Francisco – Itatiba/SP
3
Marocci, Lia. O Movimento das Significações Probabilísticas Proporcionado pela Resolução de
Problemas e pela Prática Colaborativa numa turma de 1º ano do Ensino Médio. Dissertação
(Mestrado em Educação), Itatiba: USF. 2011. 233 páginas.
2
1
ele. Além disso, no cotidiano escolar nem sempre é possível dedicar grande atenção ao
tema. Desse modo, os alunos que participaram da pesquisa não haviam passado por
muitas experiências escolares envolvendo probabilidade.
Assim, construiu-se a fundamentação teórica sobre a constituição de um
ambiente de sala de aula, baseado na resolução de problema, propício ao
desenvolvimento do pensamento, mais especificamente do pensamento probabilístico.
Dentre o material produzido durante a pesquisa de campo, encontram-se
gravações de áudio e de vídeo das discussões entre os alunos, registros escritos
contendo as resoluções construídas pelos alunos para os problemas apresentados, cartas
e tirinhas produzidas pelos alunos. Para este artigo, escolhemos como foco a análise de
uma das tirinhas, produzida por uma aluna da sala, evidenciando a apropriação do
conceito de probabilidade.
Ao escolher essa análise, objetiva-se também, mostrar a utilização do gênero
textual tirinha como ferramenta no ensino da Matemática.
Inicialmente serão trazidas algumas reflexões que subsidiaram o trabalho. Em
seguida, será descrito o contexto da pesquisa para então apresentar a análise da tirinha
selecionada.
Discutindo alguns aportes teóricos fundamentais da pesquisa
Nesta seção serão apresentadas algumas considerações importantes sobre a
fundamentação teórica deste trabalho. Primeiramente serão expostos alguns aspectos
relacionados à probabilidade. Posteriormente serão discutidos alguns aspectos da
metodologia da resolução de problemas. Em seguida a noção de sentido será tomada
como questão e por fim, será discutido o gênero tirinhas, utilizado como tarefa na sala
de aula.
O campo do tratamento da informação, no qual está inserido o estudo da
probabilidade, não recebe tanto destaque no currículo escolar se comparado à álgebra ou
até mesmo à geometria. Isso não significa que o estudo da probabilidade, estatística e
análise combinatória, seja menos importante. Ao contrário, apresenta grande relevância
já que são temas tão presentes no cotidiano social. Frequentemente, “o meio físico ou
social nos obrigam ao confronto com eventos nos quais a incerteza é uma realidade”
2
(LOPES; COUTINHO, 2009, p. 67) e, a incerteza está presente nos fenômenos
aleatórios. Partindo desses preceitos, fica evidente o “compromisso de promover na
escola experiências efetivas e não apenas evocadas, permitindo aos alunos o
desenvolvimento de base – percepção do acaso, ideia de experiência aleatória e noção
de probabilidade” (LOPES; COUTINHO, 2009, p. 68).
Embora a probabilidade a estatística e a análise combinatória estejam
inevitavelmente entrelaçadas, na sala de aula é preciso discutir cada tema de forma mais
específica. Por isso, durante o trabalho de campo, as tarefas desenvolvidas com os
alunos tratavam especificamente de probabilidade. Todavia, durante as aulas os alunos
aprendem muito mais que conteúdos de probabilidade, o tempo todo é oferecido a eles
modelos de como agir, neste e em outros ambientes sociais e, portanto, é necessária a
preocupação não somente com as tarefas, mas também com a gestão da aula de
Matemática e a metodologia da resolução de problemas vem ao encontro dessas
concepções.
É necessário esclarecer que neste trabalho a resolução de problemas foi
assumida como metodologia de ensino, isto é, o trabalho da professora era baseado em
ensinar probabilidade por meio da resolução de problemas, que consiste em “tomar o
problema como recurso pedagógico, apresentado no início do processo da aprendizagem
que se espera alcançar” (MENDONÇA, 1999, p. 16).
Assim, para tornar a sala de aula um ambiente onde os alunos atuem como
investigadores na elaboração da resolução de um problema, além de oferecer-lhes
problemas, é necessário propiciar-lhes condições para pesquisar e comunicar e, para tal,
três elementos são essenciais:
o professor, com sua visão da matemática e da educação, suas
atitudes, suas crenças, etc.; os alunos, com seus conhecimentos, suas
capacidades, suas crenças, emoções, interações de todo tipo, etc.; por
último, os problemas selecionados com uma determinada intenção
(VILA; CALLEJO, 2006, p. 30) (grifos dos autores).
A partir do momento que o aluno é assumido como figura central na sala de
aula, consequentemente, seus conhecimentos também o são. Isto é, os conceitos que os
alunos já têm formados até o momento da aula, provenientes de suas experiências
anteriores, servem como base para a construção das novas aprendizagens.
3
Todavia, com base na teoria de Vigotski (2000) a maneira de interpretar cada
situação vivida é extremamente particular, depende das experiências anteriores
vivenciadas pela pessoa. Duas pessoas se remetem a diferentes ideias ao ouvir uma
mesma palavra dependendo de contextos em que se inseriram anteriormente. A
comunicação dessas diferentes ideias vai ajudando a ampliar a compreensão de cada
pessoa sobre cada palavra, dessa maneira os conceitos vão sendo construídos.
Por meio da comunicação entre as pessoas, os significados, construídos
culturalmente, vão sendo transmitidos e consequentemente transformados. Isso ocorre
na forma de um processo complexo e demorado.
É como se, ao longo de seu desenvolvimento, o indivíduo „tomasse
posse‟ das formas de comportamento fornecidas pela cultura, num
processo em que as atividades externas e interpessoais transformam-se
em atividades internas, intrapsicológicas. (OLIVEIRA, 1993, p. 38).
Ao ouvir uma palavra a pessoa não compreende subitamente o significado
culturalmente construído. Aos poucos a pessoa vai estabelecendo relações entre o termo
em questão e o contexto em que foi empregado, isto é, a pessoa vai estabelecendo para a
palavra um novo sentido, que “refere-se ao significado da palavra para cada indivíduo,
composto por relações que dizem respeito ao contexto de uso da palavra e às vivências
afetivas do indivíduo” (OLIVEIRA, 1993, p. 50). Desse modo, o sentido é algo pessoal,
que vai sendo modificado por meio da interação social, à medida que o indivíduo passa
por novas experiências.
Essa noção de sentido está diretamente ligada ao trabalho na sala de aula, pois a
aprendizagem vai ocorrer a partir das significações que o aluno já possui sobre
determinado conceito. O conceito de probabilidade que foi construído pelos alunos
durante as aulas de matemática está fundamentalmente associado às noções que os
alunos já haviam formado sobre o assunto e essa conexão foi possibilitada por causa do
ambiente de aprendizagem em que a sala de aula se constituiu.
A proposta da produção de uma tirinha como tarefa para os alunos foi
apresentada como um problema que precisava ser resolvido. Para realizar essa tarefa, o
aluno não só deveria recorrer aos conhecimentos que construiu sobre probabilidade, mas
também deveria respeitar as características do gênero textual em questão. Assim, unir
esses dois aspectos tornou-se o problemático da tarefa.
4
De acordo com Bakhtin (1997, p. 280), os gêneros são “tipos relativamente
estáveis de enunciados” (grifos do autor), enunciados pelos quais se fundamenta a
comunicação humana e são constituídos por “conteúdo temático, estilo e construção
composicional” (BAKHTIN, 1997, p. 280). Esses três elementos estão diretamente
relacionados ao contexto de comunicação em que esse gênero será empregado.
Embora neste trabalho, os gêneros discursivos não tenham sido tomados como
objetos de estudo, mas sim como ferramentas para o desenvolvimento de outros
conceitos, a professora ofereceu aos alunos orientações sobre as características do
gênero tirinha, determinado para a tarefa, mostrando exemplos e comparando as
características e semelhanças em cada um deles.
O gênero tirinha faz parte de uma categoria de gêneros midiáticos, ou seja,
circula nos meios de comunicação social e os assuntos abordados nesse gênero estão
relacionados ao cotidiano e dependem muito do contexto social no qual o autor se
encontra. O processo de produção da tirinha é bem diferenciado de outros gêneros
comuns no ambiente escolar, como a criação de um artigo de opinião ou de um conto,
por exemplo, já que na tirinha não há muitas palavras. Com o intuito de entreter, a
tirinha “traz implícito o questionamento, a denúncia e mesmo a autocrítica”
(NICOLAU, 2009, p. 9). Assim, o autor precisa passar a mensagem que deseja,
combinando poucas falas com algumas ilustrações, isto é, todos os elementos que
compõem o gênero devem ser entrelaçados de forma objetiva.
Uma vez discutidos os referenciais teóricos da pesquisa, as questões
metodológicas serão tomadas como foco.
Descrevendo o contexto da pesquisa
A documentação desta pesquisa é composta por gravações de áudio das
discussões nos grupos de alunos, gravações de vídeo das socializações das quais
participavam todos os alunos e a professora, registros escritos produzidos pelos alunos
ao elaborar resoluções para os problemas apresentados, gravações de áudio e registros
escritos das discussões reflexivas das quais participavam professora e pesquisadora e
diário de campo da pesquisadora.
Em geral, o processo de pesquisa decorreu de modo que, inicialmente foi
organizada uma sequência de tarefas (que foi modificado no decorrer do processo)
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baseada na metodologia da resolução de problemas. Antes de cada encontro na sala de
aula, a tarefa a ser desenvolvida era repensada, procurando contemplar a maneira de
apresentá-la aos alunos, meios de os alunos registrarem o desenvolvimento e formas de
socializar as resoluções produzidas. Após cada encontro, havia um momento de reflexão
sobre o desenvolvimento da tarefa e a partir disso, um planejamento para o próximo
encontro.
Essa sequência de tarefas foi preparada colaborativamente com a professora da
turma, não só antes do início do trabalho de campo, mas durante todo o processo.
Assim, a professora e a pesquisadora mergulharam num processo contínuo de ação,
comunicação e reflexão. Processo efetivado por meio de encontros presenciais
(propositados ou casuais) ou via internet, que resultou no trabalho de campo
desenvolvido. Vale ressaltar que ambas participavam dos encontros do Grucomat4, nos
quais as ocorrências no trabalho de campo foram postas em pauta em diversas ocasiões
e, portanto, há também a influência dos participantes do grupo no processo de
planejamento e reflexão das ações.
Dessa forma, no que diz respeito ao trabalho colaborativo entre professora e
pesquisadora, este estudo constitui-se em uma pesquisa-ação, definida por Franco
(2008, p. 489) como:
pesquisa eminentemente pedagógica, dentro da perspectiva de ser o
exercício pedagógico, configurado como uma ação que cientificiza a
prática educativa, a partir de princípios éticos que visualizam a
contínua formação e emancipação de todos os sujeitos da prática.
Neste caso, a busca da emancipação dos sujeitos da prática a que se refere a
autora, diz respeito à prática docente. Não se pode dizer que os alunos foram
participantes ativos do processo de pesquisa, pois não estiveram envolvidos no
planejamento das ações, ao menos não intencionalmente.
As primeiras tarefas5 tinham por objetivo discutir a linguagem relativa à
probabilidade. As tarefas desenvolvidas em seguida, começaram a possibilitar
discussões sobre medidas de chance, mas ainda estavam focadas na linguagem
4
Grupo formado por pesquisadores e professores de matemática. O grupo tem se dedicado a
elaboração/adaptações de tarefas e projetos para serem desenvolvidos na sala de aula envolvendo
estocástica. As discussões tornam-se temas de pesquisas desenvolvidas pelos integrantes do grupo.
5
Para conferir os procedimentos metodológicos, bem como toda a sequência de tarefas, ver Marocci
(2011).
6
probabilística. Posteriormente, os alunos passaram a desenvolver atividades mais
específicas sobre as medidas de chance. O desenvolvimento das últimas duas tarefas,
tinha por objetivo suscitar uma espécie de finalização no assunto. Foram elas: a
produção de uma carta e de uma tirinha. Intencionava-se obter informações sobre os
vestígios deixados pelo trabalho desenvolvido. Isto é, o que os alunos aprenderam
nessas aulas.
Durante o planejamento das tarefas, havia, entre outras, duas preocupações
constantes: promover um ambiente que ajudasse os alunos a tornarem-se mais ativos na
produção do conhecimento, não esperando tanto das respostas do professor e oferecer
aos alunos diversas formas de expressão oral ou escrita, já que muitas vezes um aluno
pode sair-se melhor na expressão oral ou o contrário. Esta segunda preocupação está
diretamente relacionada à preocupação de avaliar o aluno da melhor maneira possível.
Dentre todo o material produzido durante a produção de dados da pesquisa, foi
selecionada uma tarefa para ser discutida e dentre o material produzido pelos alunos
nessa tarefa, foi selecionada apenas uma tirinha. Algumas análises sobre essa tirinha
serão abordadas a seguir.
A busca pela fórmula secreta
Esta tirinha foi selecionada por apresentar indícios relevantes sobre algumas
contribuições oferecidas aos alunos por estarem imersos em um ambiente de cooperação
investigativa, questão central desta pesquisa. A tirinha foi produzida pela aluna
Amanda6, que participou das aulas durante todo o processo de produção de dados. Cabe
ressaltar que essa aluna era participante ativa nas resoluções das tarefas e nas discussões
sobre as mesmas.
6
O nome da aluna é fictício.
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Cena 1: Hum, esse hambúrguer de siri está uma delícia!
Não por muito tempo! Finalmente vou conseguir a fórmula!
Cena 2: Haha! Com esse tamanho?
Não me subestime Patrick, minhas chances existem!
Cena 3: Mas admita, são pequenas!
Tirinha elaborada pela aluna Amanda.
A situação criada pela aluna na tirinha é presenciada por dois personagens de um
desenho animado7, são eles Patrick Estrela e Plankton. A aluna Amanda usou
características que já conhecia sobre os personagens, empregando-as num contexto que
envolve probabilidade. No desenho animado, Patrick Estrela tem um papel essencial,
pois é o melhor amigo do protagonista que trabalha como cozinheiro em uma
lanchonete cuja especialidade é o “hambúrguer de siri”. Plankton é uma espécie de
vilão, pois deseja a todo custo roubar a fórmula secreta do hambúrguer de siri.
Na tirinha, enquanto Patrick saboreia seu hambúrguer de siri, Plankton afirma
que finalmente vai conseguir a fórmula secreta. Mas Patrick responde desdenhosamente,
como se não acreditasse que isso seria possível, já que Plankton é pequeno. Na segunda
cena Plankton indignado com o desdém de Patrick, afirma que existem chances de ele
conseguir a fórmula secreta. Patrick confirma sua descrença no sucesso de Plankton
afirmando que as chances de ele obter a fórmula secreta são pequenas.
7
Os personagens pertencem ao desenho “Bob Esponja”, produzido pela Nicklodeon Animation Studios e
transmitido por várias emissoras, inclusive da TV aberta.
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Na situação criada pela aluna os dois personagens têm crenças opostas a respeito
do mesmo evento, isto é, Plankton obter a fórmula secreta. Patrick não acredita que
Plankton conseguirá, enquanto esse último afirma na primeira cena que vai conseguir.
Essa dualidade de opiniões entre os personagens denota um importante tema
relacionado à probabilidade, a relação com as crenças pessoais. Mesmo que Patrick
considere a existência de chances de que Plankton tenha sucesso, ele julga que são
pequenas. Para mostrar isso a aluna estabeleceu na fala de Patrick uma relação entre as
chances de Plankton e seu tamanho físico. Em contrapartida, Plankton aposta em suas
chances de obter a fórmula, mesmo que essas, como afirmou Patrick, sejam pequenas.
Matematicamente existem chances de o evento ocorrer ou não, embora na
tirinha, essas chances não estejam representadas numericamente. Mas os personagens
adotam posturas opostas, baseados, por exemplo, em suas crenças pessoais, no
conhecimento que têm um do outro e em suas ambições.
Isto está ligado a uma visão subjetiva de probabilidade. O cálculo de
probabilidade ajuda na tomada de decisões, contudo, outros fatores são levados em
consideração. Para Fischbein (1987 apud SHAUGHNESSY 1992) os alunos possuem
uma intuição primária que influencia sua tomada de decisão e, após certo processo de
instrução, o aluno pode, a partir dessa intuição primária, construir uma nova forma de
intuição no que diz respeito ao contexto estudado.
Em diversas ocasiões, nas tarefas desenvolvidas nas aulas, alguns alunos
tomaram posições diferentes sobre a ocorrência de um determinado evento a ser
avaliado. Mais tarde nas discussões protagonizadas pelos alunos e pela professora sobre
o assunto, para sustentar suas respostas, os alunos apresentavam argumentos que
estavam relacionados à suas experiências pessoais, às suas crenças, e a fatos que haviam
observado anteriormente. Muito embora não seja possível afirmar que Amanda mostrou
isso intencionalmente, muito provavelmente a aluna tenha incorporado essa ideia, já que
essa discussão esteve presente em muitos momentos vividos pelos alunos durante as
aulas de Matemática observadas pela pesquisadora.
Ao relacionar a medida das chances com o tamanho de Plankton a aluna
evidencia que construiu um conceito de probabilidade relacionado à medida, ideia que
também foi assunto das discussões ocorridas na sala de aula. Além disso, além de
envolver a ideia de probabilidade discutida durante as aulas de Matemática essa
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analogia compõe a parte humorística tão característica do gênero tirinhas. A tirinha “faz
humor, trata com ironia, satiriza e provoca reflexões, tanto as trivialidades do dia a dia,
quanto às questões mais sérias do país e do mundo” (NICOLAU, 2009, p.9).
Ao propor uma tarefa como essa aos alunos, o professor precisa estar disposto a
saber mais sobre assuntos de interesse dos alunos que nem sempre estão ligados aos
temas estudados na escola. Do contrário, como poderia um professore compreender e
avaliar uma tirinha como a de Amanda? Para entender o trabalho da aula, além de
“voltar” às discussões realizadas na aula, é preciso buscar informações sobre o assunto
escolhido pela aluna, nesse caso o desenho animado.
Isso não significa que o professor tem obrigação de saber tudo o que os alunos
gostam ou vivem, seria impossível. No entanto, muitas vezes, pode haver a necessidade
de pedir algumas explicações ao aluno e pesquisar sobre determinado assunto, para que
a avaliação feita pelo professor sobre o trabalho consiga chegar mais perto de
compreender os conceitos formados pelo aluno. No caso da tirinha aqui apresentada, se
fizeram necessários esclarecimentos sobre os personagens e o contexto em que vivem,
sem os quais, a tirinha elaborada pela aluna não faria sentido, ou ao menos, não seria
próximo do sentido que a aluna desejou transmitir, pois para construir essa tirinha,
Amanda teve que recorrer ao conceito de probabilidade que construiu durante as aulas e
estabeleceu relações com conhecimentos provenientes de suas próprias vivências.
Além disso, a aluna não teria produzido tal tirinha se essa tarefa não tivesse sido
apresentada aos alunos de forma conexa com outras tarefas e discussões, isto é, essa
tarefa não faria sentido fora da sequência. A produção de tirinhas fez parte de uma
sequência de tarefas, desenvolvidas durante várias aulas, no intuito de provocar
discussões sobre probabilidade, desde a linguagem característica até o cálculo de
medidas de chances. A confecção da tirinha foi a última tarefa da sequência, e, portanto,
a aluna não teria condições de produzir a mesma tirinha, sem antes ter participado de
todas as discussões ocorridas durante as aulas.
A seguir serão expostas algumas considerações a respeito das discussões
apresentadas neste trabalho.
Algumas considerações
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Ao aceitar o desafio de produzir uma tirinha cujo tema seria probabilidade, a
aluna teve que registrar suas deias e procurar comunicá-las por meio do desenho e das
falas dos personagens, isto é, precisou reunir os conhecimentos que tinha sobre o
assunto em questão em empregá-los na construção de um texto, respeitando as „regras‟
de construção do gênero e estabelecendo conexões com seu cotidiano. Esse processo
foi possibilitado pelo desenvolvimento sofrido pela aluna.
Partindo do princípio que o aluno aprende e se desenvolve na interação social,
não faria sentido considerar um modelo de aula que não possibilita a comunicação entre
alunos e professor, e entre alunos entre si. Desse modo, a figura central da aula é o
aluno, pois a aprendizagem será concretizada a partir de seus conhecimentos guiados
pelas mediações pedagógicas e não somente pelos conhecimentos do professor.
O papel do professor não é diminuído pelo fato de o aluno ser protagonista do
trabalho, ao contrário, se torna mais importante, pois o professor não detém a resposta
que todos estão procurando durante a aula, ele está construindo a resposta junto com os
alunos. Assim, “é preciso planejar atividades que partam de experiências próximas das
crianças, em que a interação com o professor é fundamental” (LOPES; COUTINHO,
2009, p. 68). A organização do ambiente da sala de aula e o desenvolvimento das tarefas
necessariamente dependem do professor, do contrário, os alunos estariam parados num
ambiente formado por temas que eles já conhecem, sem avançar.
Nessa direção, a metodologia da resolução de problemas foi essencial na criação
de situações propícias ao aprendizado. Amanda, assim como os outros alunos da sala,
ingressou em um processo de resolução de problemas, não foi apenas uma aula. Desse
modo, ao elaborar a tirinha (última tarefa da sequência) a aluna já havia criado certa
confiança para arriscar e colocar sua criatividade em prática criando sua própria solução
para o problema proposto pela professora e isso foi possível, pois os alunos não
receberam avaliações que rotulavam seus trabalhos como certo ou errado e a natureza
da tarefa não determinava que houvesse uma única resposta correta.
Assim, o emprego de um gênero textual que dificilmente está presente nas aulas
de matemática possibilitou que os alunos colocassem em prática os conceitos
probabilísticos que haviam construído até então, tornando-se mais um instrumento de
avaliação para o professor, construído ao longo do processo de aprendizagem.
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Ressalta-se que o trabalho aqui relatado é apenas uma possibilidade para a sala
de aula. Cada sala tem suas peculiaridades e cabe ao professor decidir a forma como
desenvolver o trabalho em cada uma, no entanto, ao fornecer, por meio das tarefas,
novas e diversas possibilidades de trabalho para os alunos, cria-se a chance de que mais
alunos participem, interajam e aprendam nesse movimento.
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