Polirritmia na performance pianística: aspectos

Transcrição

Polirritmia na performance pianística: aspectos
ÁREA – MUSICOLOGIA
LINHA – HISTÓRIA E DOCUMENTAÇÃO
DA MÚSICA BRASILEIRA E IBERO-AMERICANA
PROJETO DE PESQUISA
Polirritmia na performance pianística: aspectos conceituais e cognitivos
Responsável: Sara Cohen
Introdução
Por ser um instrumento polifônico, o piano multiplica sobremaneira o modo como as duas
mãos de um pianista podem interagir no teclado, e é fato que muitos estudantes de piano
relatam e demonstram dificuldades na realização de polirritmias, um desafio para muitos
deles.
Nossa experiência enquanto professores de piano é corroborada por eminentes professores
e pianistas ao abordarem o tema: “uma das questões mais problemáticas para o estudante”
(Ahrens & Atkinsons, 1955, p. 65), “um outro problema difícil” (Slenczynska, 1976, p. 42) “uma
dificuldade excepcional para os estudantes” (Neuhaus, 1973, p.41).
Nossa investigação, já em andamento e aqui formalizada, tem procurado levantar literatura
que aborde o tema, seja em uma perspectiva mais especificamente pedagógica voltada tanto
para a o desenvolvimento da percepção musical quanto para o ensino instrumental, seja
cognitiva ou teórica e tem por objetivo geral propor orientações de estudo para o
desenvolvimento da escuta e da performance de polirritmos informadas por esses campos
de abordagem do tema.
Objetivos
Nossos objetivos são orientados por algumas questões que gostaríamos de ver respondidas:
o que é considerado polirritmia, como a literatura voltada para o ensino do piano e da
percepção musical trata o tema, por que é difícil a realização da polirritmia, como estuda-la?
Justificativa
Constatamos a desproporção entre a relatada dificuldade na performance da polirritmia e a
presença do tema na literatura de uma maneira geral, e, além disso, o tema é tratado ou de
forma superficial ou com priorização de um determinado aspecto, levando a uma
heterogeneidade nos princípios emitidos. Portanto, parece-nos relevante oferecer um
material reflexivo sobre os diferentes aspectos envolvidos na polirritmia, bem como a
sugestão de procedimentos de estudos úteis para a facilitação da superação das dificuldades
de sua performance.
Procedimentos metodológicos
Tratando-se de pesquisa bibliográfica, destacamos aqueles livros que contêm informação e
orientação técnica, teórica e prática úteis e importantes. Nesses livros os autores expõem
suas ideias não só sobre as diversas modalidades de técnica pianística (movimentos visando
determinados resultados sonoros), como também sobre os processos envolvidos em sua
aprendizagem, oferecendo sugestões de estudo, ora através de explicações, ora através de
exemplos musicais. Há uma pregnância de explicações discursivas indicando que são livros
destinados preferencialmente aos professores de piano, e é assim que a eles nos referiremos.
Um outro conjunto de livros pode ser identificado com o termo genérico “métodos” se
aplicarmos a palavra na forma descrita por Jorquera:
ya a fines del siglo XVIII en Francia se realiza una promoción importante de la enseñanza
musical y a partir de este momento – muy en consonancia con el racionalismo cartesiano
promovido por aquel entonces –, se difunde la práctica de elaborar ejercicios para el
aprendizaje instrumental y vocal con carácter altamente sistemático. Es así que los textos –
los métodos – llegan a constituir verdaderos catálogos de las posibles combinaciones de
sonidos y de las acciones para emitirlos: nos encontramos de frente a la versión del método
más reducida, es decir aquellos textos que contienen una recopilación de ejercicios
ordenados por grados de dificultad, desde los más sencillos hacia los más complejos.
(JARAMILLO, 2004, p.3-4).
O estudo do piano mereceu e ainda tem sido contemplado com material didático que se
encaixa nessa descrição. Há aqui uma pregnância de exercícios a serem realizados
cotidianamente pelo estudante e as explicações podem ser mais ou menos extensas e, em
alguns casos, elas são praticamente inexistentes. Há uma certa rigidez na concepção desses
métodos e não nos cabe aqui promover uma crítica a eles. Nosso objetivo é buscar neles
respostas para nossas perguntas relacionadas à performance da polirritmia no piano. Há
ainda as coletâneas de peças com fins didáticos
Nossa revisão de literatura inclui também alguns artigos do campo de estudos em psicologia
experimental que ampliam o entendimento dos processos subjacentes à realização de
movimentos bi-manuais envolvidos na polirritmia e ajudam a compreender porque ela é difícil.
Para aprofundar essas questões, ainda recorreremos ao campo dos estudos do embodiment.
2
Por fim, a literatura voltada para as discussões sobre os conceitos de ritmo e metro
referenciarão teoricamente as considerações empíricas que nortearão as propostas de
estudo de polirritmias, objetivo final da pesquisa.
Cabe observar que há uma forte presença de literatura voltada para o ensino do piano tendo
em vista que no repertório para esse instrumento encontra-se com frequência a presença da
polirritmia bem como a abordagem do tema nos livros voltados para o estudo da técnica do
instrumento. Entretanto, parte dos princípios a serem sugeridos, poderão ser utilizados não
só no estudo de outros instrumentos e nos conjuntos instrumentais, como nas atividades em
aulas de percepção musical.
Referências
(Ritmo e metro)
AGAWU, Kofi. Representing african music. Postcolonial notes, queries, positions. Nova York:
Routledge, 2003.
AROM, Simha Polyphonies et polyrythmies instrumentales d’Áfrique Centrale. structure et
méthodologie. Paris: Selaf, 1985.
BRĂILOIU, Constantin. Le rythme aksak. In Problèmes d’ethnomusicologie, Genebra: Minkoff
Reprint, 1973, p.303-330.
CHAFFEE, Gary. Rhythm and meter patterns. Miami: Belwin Inc, 1980.
CLER, Jérôme. Pour une théorie de l’aksak. In Revue de Musicologie, 80/2, 1994, p.181-210.
COHEN, Sara. “Polirritmia, polimetria e politemporalidade”. In: _______. Polirritmos
nos Estudos para Piano de György Ligeti (primeiro caderno). 2007. Tese (Doutorado em
Música) Programa de Pós-graduação em Música, Universidade Federal do Estado do Rio
de Janeiro, Rio de Janeiro.
COOPER, Grosvenor W. & MEYER, Leonard B. The rhythmic structure of music. Chicago:
The University of Chicago Press, 1960.
COWELL, Henry. New musical resources. Nova York: Alfred A. Knopf, 1930.
CRESTON, Paul. Principles of rhythm. Nova York: Belwin & Mills, 1964.
DÜRR, Walther, Gerstenberg, Walter. Rhythm. (Rhythm and counterpoint). In The new Grove
dictionary of music and musicians. Stanley Sadie (ed.). Londres: Macmillan Publishers
Limited, 1980, v.15, p. 808-810.
EMMANUEL, M. Histoire de la langue musicale. 1º volume. Paris: Librairie Renouard, 1908.
GRAMANI, José Eduardo. Rítmica. São Paulo: Editora Perspectiva. 1988.
3
KOSTKA, Stefan. Materials and techniques of twentieth-century music. New Jersey: Prentice
Hall, 1990.
KRAMER, Jonathan D. The time of music. New York: Schirmer Books, 1988.
LADZEKPO,C.K. “Rhythmic Principles”. In: ______. Foundation Course in African Dance-Drumming.
Disponível em: http://home.comcast.net/~dzinyaladzekpo/Foundation.html. Acesso em 24 de
Outubro de 2009.
LERDAHL, Fred & JACKENDOFF, Ray. A generative theory of tonal music. Cambridge: MIT
Press, 1983.
LESTER, Joel. Analytic approaches to twentieth-century music. Nova York: W. W. Norton &
Company, 1989.
_______. The Rhythms or tonal music. Carbondale and Edwardsville: Southern Illinois
University Press, 1986.
MESSIAEN, Olivier. The technique of my musical language. Paris: Leduc. Tradução de John
Satterfield, 2 volumes, 1956.
_______. Traité de rythme, de couleur, et d’ornithologie. Paris: Alphonse Leduc, volume I,
1949-1992.
NATTIEZ, Jean-Jacques. Rítmica/Métrica. In Enciclopédia Einaudi Portugal: Imprensa
Nacional, 1984, p.298-330.
READ, Gardner. Modern rhythmic notation. Bloomington & Londres: Indiana University Press,
1978.
SACHS, Curt. Rhythm and tempo. A study in music history. Nova York: W.W. Norton &
Company, 1953.
SADIE, Stanley (ed.) Colotomic structure. In The new Grove dictionary of music and
musicians. Londres: Macmillan Publishers Limited, 1980, v.4, p.584-585.
_______ Cross-rhythm. In The new Grove dictionary of music and musicians. Londres:
Macmillan Publishers Limited, 1980, v.5, p.64.
_______. Hemiola. In The new Grove dictionary of music and musicians. Londres: Macmillan
Publishers Limited, 1980, v. 8, p.472-73.
_______. Polyrhythm. In The new Grove dictionary of music and musicians. Londres:
Macmillan Publishers Limited, 1980, v. 15, p.72.
SCLIAR, Esther. Compassos. In Elementos de teoria musical. São Paulo: Novas Metas, 1986,
p.34-52.
_____ Ritmo. Cópia de apontamentos em manuscrito, s/d.
4
SIMMMS, Brian R. Music of the Twentieth Century. New York: Schirmer Books, 1986.
WINOLD, Allen. Rhythm in Twentieth-Century music. In DELONE, Richard et al. Aspects of
Twentieth-Century music. New Jersey: Prentice-Hall, 1975.
YESTON, Maury. The stratification of musical rhythm. New Haven: Yale University Press,
1976.
ZAMACOIS. Joaquín. Teoria de la música. Libro II. Barcelona: Editorial Labor. 1983, 9ª ed.
(Embodiment)
DAMÁSIO, A. O erro de Descartes. São Paulo: Companhia das letras, 1994.
FELDENKRAIS, Moshe. Consciência pelo movimento. São Paulo: Ed. Summus, 1977.
FERREIRA, Marcio Alexandre Valongo. Percussão corporal e Embodiment: considerações
sobre rítmica e o papel do corpo na construção do conhecimento musical. Dissertação de
Mestrado. Programa de Pós-graduação em Música, Universidade Federal do Estado do
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011
FREITAS, Marcos Tadeu Borges. O gesto provável: uma investigação acerca do gesto
musical. 2005. Dissertação (Mestrado em Música) Programa de Pós-graduação em Música,
Universidade Estadual Paulista, Instituto de Artes, São Paulo.
IYER, Vijay S. Microstrutures of feel, macrostructures of sound: embodied cognition in West
African and African-American Musics. 1998. Tese (Doutorado em Filosofia, Tecnologia e
Artes).
University
of
California,
Berkley.
Disponível
em:
http://archive.cnmat.berkeley.edu/People/Vijay/%20THESIS.html Acesso em 05 de Maio de
2009.
JOHNSON, M. The meaning of the body. Chicago:University of Chicago Press, 2007.
JUNTUNEN, Marja-Leena. Embodiment in Dalcroze eurhythmics. 2004. Tese (Doutorado em
Educação). University of Oulu, Oulu.
LAKOFF G.; JOHNSON M. Philosophy in the flesh. The embodied mind and its challenge to
Western thought. New York: Basic Books, 1999.
LOWE, Donald M. History of bourgeois perception. Chicago: University of Chicago Press,
1982.
MAUSS, Marcel. “As técnicas do corpo”. In: Sociologia e Antropologia. São Paulo: Cosac
Naify, 2003.
5
STOROLLI, Wânia M. A. “A experiência incorporada: corpo e cognição musical”. Anais doVI
Simpósio de Cognição e Artes Musicais. Rio de Janeiro, 2010.
VARELA, F. J.; THOMPSON, E.; ROSH, E. A mente corpórea. Lisboa: Instituto Piaget, 1991.
(Pedagogia do piano)
AHRENS, Cora B. & ATKINSON, G. D. For all piano teachers. Ontario: the Frederick Harris
Music Co. Limited, 1979, 9ª. edição, 1955, 1ª edição, pp. 65-68.
ALIMONDA, Heitor. O Estudo do piano (elementos fundamentais da música e da técnica do
piano em dez cadernos). S. Paulo, Ricordi Brasileira, 1967.
BERINGER, Oscar. Exercícios técnicos diários. São Paulo: Irmãos Vitale, s/d.
BRAHMS, Johannes. Fifty-one exercises. Nova York: Schirmer, s/d.
COHEN, Sara E GANDELMAN, Salomea. Cartilha rítmica para piano de Almeida Prado, Rio
de Janeiro: [s.n.], 2006.
CORTOT, Alfred. Principes rationnels de la technique pianistique. Paris: Éditions Salabert,
c1928
FONTAINHA, Guilherme Halfeld. O ensino do piano – seus problemas técnicos e estéticos.
Rio de Janeiro, Carlos Wehrs & Cia. Ltda. 1956.
JARAMILLO, María Cecilia Jorquera. Métodos Históricos o Activos en Educación Musical. In
Revista Electrónica de LEEME (Lista Europea de Música en la Educación). Nº 14 (noviembre,
2004), disponível no sítio http://musica.rediris.es/leeme/revista/jorquera.pdf, consultado em
novembro de 2008.
JAQUES-DALCROZE, E. La rythmique: enseignement pour le dévelopement de l'instinct
rythmique et metrique. Suiça, Jobin-Lausanne. Volume 2-1917, 20 páginas.
LONG, Marguerite. Le piano de Marguerite Long. Paris: Éditions Salabert, c1959.
NEUHAUS, Heinrich. The art of piano playing. Londres: Barrie & Jenkins, 1973. pp.41-43.
SKAGGS, Hazel Ghazarian. Teaching rhythm. In Agay, Denes (ed.). Teaching piano. Nova
York: Yorktown Press, 1981, v.1, pp. 45-50.
SLENCZYNSKA, Ruth. Music at your fingertips. Nova York: Da Capo Press Paperback, 1976,
pp. 42-44.
TANKARD,Geoffrey. Foundations of pianoforte technique. New York/Toronto: Elkin, 1960.
TANKARD, Geoffrey & HARRISON, Eric. Pianoforte technique on an hour a day. New
York/Toronto: Elkin, 1960.
6
WIDMER, Ernst. Diez estudios polirrítmicos. In: Kosmos latinoamericano para piano. Buenos
Aires/São Paulo: Ricordi, v.3, 1986.
(Psicologia experimental e polirritmia)
BOGACZ, Sally Angela. Cognitive and motor coordination of polyrhythms during piano
performance. Tese de Doutorado: University of Maryland at College Park, 2000.
DEUTSCH, Diane. The generation of two isochronous sequences in parallel. Perception &
Psychophysics. 1983, 34, 331-337.
GRIESHABER, Kate. Polymetric performance by musicians. Tese de Doutorado: University
of Washington, 1990.
HERMANN, Thomas & Markus Muller, Gerold Baier. Polyrhythm in the human brain. In: ICAD
2004. The 10th meeting of the international conference on auditory display, 2004.
JONES, M., JAGACINSKY R.,Yee W., FLOYD R., KLAPP S. Tests of attentional flexibility in
listening to polyrhythmic patterns. Journal of Experimental Psychology: Human Perception
and Performance.1995. Vol.21, Nº2, 293-307.
KELSO, GOODMAN. On the coordination of two-handed movements. In Journal of
Experimental Psychology: Human Perception and Performance. 1979, Vol.5, Nº 2, 229-238.
KLAPP, S., HILL, M., TYLER J., JAGACINSKY R., JONES M. On marching to two different
drummers: perceptual aspects of the difficulties. In Journal of Experimental Psychology:
Human Perception and Performance. 1985, Vol.11, Nº 6, 814-827.
KLAPP S., NELSON J., JAGACINSKY R. Can people tap concurrent bimanual rhythms
independently? In Journal of Motor Behavior. 1998, Vol. 30, Nº 4, 301- 322.
KRAMPE R., KLIEGL R., MAYR U., ENGBERT R., VORBERG D. The fast and the slow of
skilled bimanual rhythm production: parallel versus integrated timing. In Journal of
Experimental Psychology: Human Perception and Performance.2000, Vol. 26, Nº 1, 206-233.
KURTZ S., LEE T. Part and whole perceptual-motor practice of a polyrhythm. In Neuroscience
Letters. 2003, 338, 205-208.
PRESSING J., MAGILL J., SUMMERS J. Cognitive multiplicity in polyrhythmic pattern
performance. In Journal of Experimental Psychology: Human Perception and Performance.
1996, Vol.22, Nº 5, 1127-1148.
SUMMERS, J., ROSENBAUM, D., BURNS, B., FORD, S. Production of polyrhythms. In
Journal of Experimental Psychology: Human Perception and Performance. 1993, Vol.19 Nº 2,
416-428.
SUMMERS, J. Practice and training in bimanual coordination tasks: strategies and
constraints. In Brain and Cognition. 2002, 48, 166- 178.
7
TSUTSUI S., Lee T., HODGES, N. Contextual interference in learning new patterns of
bimanual coordination. In Journal of Motor Behaviour. 1998. Vol.30 Nº 2, 151-162.
WAPNICK, Joel. Undergraduate and graduate music majors’ perceptions of cross-rhythms.
Psychology of Music, 1984, Vol. 12, Nº 1, 60-66.
8

Documentos relacionados

LOUIS MOREAU GOTTSCHALK,

LOUIS MOREAU GOTTSCHALK, compositor, em muitos aspectos, pioneiro do Novo Mundo, importante não só para seu país, mas também para todo o continente americano e as Antilhas. Sua obra se reflete no Brasil, sendo a pianista p...

Leia mais