A GÊNESE DO CONCEITO DE ALIENAÇÃO NO JOVEM MARX

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A GÊNESE DO CONCEITO DE ALIENAÇÃO NO JOVEM MARX
A GÊNESE DO CONCEITO DE ALIENAÇÃO
THE GENESIS OF THE CONCEPT OF ALIENATION IN MARX
Fabrício J. Brustolin1
RESUMO O texto consiste em uma analise do conceito de alienação no interior do
pensamento de Marx. No entanto, para demonstrar isto foi necessário buscar a origem do
conceito de alienação. Quer dizer, ao mencionar o conceito de alienação, torna-se evidente e
necessário tratar das bases epistemológicas de Marx, referindo-se, indubitavelmente, à
filosofia de Hegel e de Feuerbach. Há uma preocupação em alinhavar a hipótese de que a
compreensão do conceito de alienação em Marx pressupõe a análise conceitual de alguns
aspectos de Hegel (essência e aparência) e Feuerbach (religião).
Palavras-chave: Hegel – Feuerbach – Marx – alienação.
ABSTRACT The text consists of an analysis of the concept of alienation within the thinking
of Marx. However, to demonstrate this it was necessary to seek the origin of the concept of
alienation. I mean, when mentioning the concept of alienation, becomes evident and necessary
to treat the epistemological foundations of Marx, referring, undoubtedly, to the philosophy of
Hegel and Feuerbach. There is a concern in delineating the hypothesis that understanding the
concept of alienation in Marx presupposes the conceptual analysis of some aspects of Hegel
(essence and appearance) and Feuerbach (religion).
Keywords: Hegel - Feuerbach - Marx - alienation.
1 INTRODUÇÃO
O presente texto tem a pretensão de analisar o conceito de alienação no jovem Marx.
A hipótese que motiva essa investigação engendra-se no pressuposto de que o conceito de
alienação tenha derivações de Hegel e Feuerbach. A partir disto, surge a seguinte
problemática: Teria o conceito de alienação do jovem Marx, sua gênese, na filosofia de Hegel
e Feuerbach?
Frente a isto, torna-se necessário analisar alguns pressupostos de Marx encontrados
nas análises de Hegel e Feuerbach, consideradas aqui, contribuições importantes,
1
Professor de Filosofia e Sociologia da FAE (Faculdade Anglicana de Erechim) e mestre em Educação.
1
principalmente no que diz respeito ao conceito de alienação. Frente a isto, decorrerá o
desenrolar do texto com a demonstração das apropriações de Marx em relação a Hegel e
Feuerbach e a estruturação de sua concepção própria de alienação.
Esta análise filosófica da gênese do conceito de alienação desemboca em uma reflexão
sobre as condições humanas decorrente da sociedade industrial. O triunfo da técnica fez do
homem o soberano da natureza. A confiança no progresso sem limites trouxe o fanatismo pelo
trabalho enquanto gerador de lucro. Vale frisar, que o nascimento da ciência moderna, que
deu uma nova conotação ao trabalho, não é a causa, mas o efeito ou consequência dessa
atitude de supremacia do homem sobre a natureza. Desta percebem-se, concretamente, os
desgastes nas relações humanas e nas faculdades criativas do homem.
2 A CONCEPÇÃO DE ALIENAÇÃO EM HEGEL
Nesta primeira parte tem-se a pretensão de se analisar o conceito de alienação
concebido por Hegel que conduz, posteriormente, a um melhor esclarecimento da
compreensão do conceito elaborado por Marx.
E importante ter em mente a fonte pela qual Hegel está mergulhado, ou seja, a
modernidade. Para desenvolver este ponto surge a necessidade de se destacar algumas ideias
defendidas nesse contexto. O ponto de partida encontra-se em Descartes. Segundo ele, a razão
está acima de tudo. Sua proposta foi pôr em dúvida as verdades medievais baseadas na fé.
Desta forma, sua pregação consistia em colocar a razão como fundamento, não mais a fé.
Destaca-se, também, de passagem, Hume com a proposta de investigação do entendimento
humano. Este, como Descartes, apesar de suas divergências, parte da perspectiva do sujeito
para desenvolver seu ponto de vista em relação ao conhecimento. Segundo ele, é impossível
conhecer sem antes passar por uma experiência empírica, por outro lado, se o conhecimento
utilizar somente a base empírica, não é possível se constatar ou prever nada a respeito do
futuro, pois, pela observação empírica, somente é possível catalogar elementos já dados no
passado. Sendo assim, o observador não possui nenhum tipo de elemento que prove que
fenômenos já acontecidos possam se repetir.
A partir destes pressupostos, entra em cena Kant com a pretensão principal de
fundamentar uma autonomia e a liberdade universal da razão, o que autores anteriores não
haviam conseguido. Para Kant, o conhecimento humano é possível pela ação das estruturas
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transcendentais. O sujeito, aqui, só pode ter acesso ao que é por ele constituído na ação destas
estruturas a priori sobre o fenômeno sensível. Desta forma, a coisa-em-si é inaceitável.
Percebe-se, assim, a distinção kantiana entre fenômeno e noumeno. Por traz de tudo isto está a
tentativa de Kant de levar a diante a tarefa cartesiana de tornar a razão capaz de fundamentar
o conhecimento.
Para Kant, o conhecimento somente é possível através das estruturas transcendentais
intrínsecas ao sujeito sobre o elemento da sensibilidade. Neste sentido, a sensibilidade colhe
dados e organiza-os pelas formas de espaço e tempo até o nível do fenômeno. Já a coisa-em-si
é possível somente no nível do pensamento, ou seja, pelo fato da coisa-em-si, para Kant, não
estar submetida à ação das estruturas transcendentais, ela não pode ser conhecida. A coisaem-si é tomada somente como ideia reguladora.
Frente a isto, Hegel percebe o contra-censo exposto por Kant, ou seja, a metodologia
usada por Kant demonstra certa incoerência no sentido de postular o incondicionado e
demonstrar ao mesmo tempo a impossibilidade de se chegar a ele. Além do mais, para Hegel
não se pode separar a coisa-em-si do fenômeno, pois isto afinal impediria o desenvolvimento
da ciência enquanto saber absoluto. Havendo esta cisão entre coisa-em-si e fenômeno, é nula
a possibilidade de legitimar a ciência.
É a partir desta problemática que Hegel desenvolve seu pensamento crítico tentando
levar a cabo, segundo ele, o que Kant não conseguia, ou seja, a fundamentação absoluta da
própria ciência. A ciência percorre caminho desde sua entrada em cena e seu desenrolar em si
mesma até sua finalidade que é a verdade. A ciência é, por assim dizer, a plenificação da
coisa-em-si.
No inicio do processo, a ciência está para ela na forma de aparência. Este processo é
considerado por Hegel como o modo da essência de mostrar-se à aparência. É este mostrar-se
que constitui a alienação, pois a ciência assume a forma de aparência para realizar-se
plenamente. O aparecer é a forma que a essência assume para vir à tona.
A ciência, por assim dizer, é o saber verdadeiro. A ciência tem por pretensão conhecer
as coisas. Neste sentido, se houver a cisão entre a coisa-em-si e o fenômeno,
consequentemente é nula a possibilidade de legitimar a própria ciência. Com isso, somente o
conhecimento do Absoluto satisfaz a ciência e faz com que ela realize sua tarefa efetiva de
demonstrar a identidade entre o conhecimento e seu objeto.
No momento em que Hegel se refere à ciência, em que ela está no seu nível inicial ou
quando entra em cena, ela não está plenamente desenvolvida. Sendo assim, não é a expressão
plena da verdade. Mas a ciência não é um saber verdadeiro? É sim, mas quando apresentada a
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uma consciência que não se apossou da verdade, a ciência não pode ser reconhecida como
saber puro e verdadeiro. Neste sentido, a consciência não conhece a verdade e, não a
conhecendo, não é capaz de distinguir a verdade do saber aparente. Para melhor explicitar esta
ideia, é imprescindível destacar um trecho da Fenomenologia do Espírito que diz o seguinte:
No entanto, a ciência, pelo fato de entrar em cena, é ela mesma uma aparência
(fenômeno): seu entrar em cena não é ainda a ciência realizada e desenvolvida em
sua verdade. Tanto faz neste ponto apresentar-se que a ciência é aparência porque
entra em cena ao lado de outro (saber), ou dar o nome de ‘aparecer da ciência’ a
esses outros saberes não-verdadeiros. Mas a ciência deve libertar-se dessa aparência,
e só pode fazê-lo voltando-se contra ela (HEGEL,1992, p.65).
Para Hegel2, a essência é a aparência em desenvolvimento, sendo a ciência no seu
elemento próprio, fim último. É neste aparecer que Hegel destaca a alienação. Esta foi a
forma que a essência encontrou para se mostrar. Esta alienação, em Hegel, tem seu papel
positivo em relação à essência, justamente por ser a partir desta alienação que a essência se
demonstra. Se for tomado no sentido negativo da aparência, a essência é inexistente como em
Kant, ou seja, o fenômeno não é a coisa-em-si. Enfim, em Hegel, a aparência é alienação, é o
modo que a essência usa para constituir o desenvolvimento do processo rumo ao saber
verdadeiro do que é ela mesma.
O conceito hegeliano de Estado, presente na Filosofia do Direito, é outro elemento
importante que veio a contribuir para a presente reflexão. Neste, percebeu-se o movimento
dialético através das contradições que possibilitam o desenrolar da liberdade.
A análise da Filosofia do Direito teve por finalidade servir de pressuposto para
demonstrar a crítica que Marx estabelece à concepção de Estado em Hegel. A pesar de Marx
apropriar-se
de
concepções
hegelianas,
ele
também
estabelece
algumas
críticas
principalmente ao seu conceito de Estado. Para estabelecer sua crítica, Marx partiu da
concepção de homem real, nas suas condições de vida, trabalho e relações. Para Marx, as
relações sociais que acontecem no real perdem o sentido quando passam a ser subordinadas
ao Estado. O Estado é tomado como sujeito e tudo depende dele ou existe em vista dele.
Dessa forma, ele não é real, mas pura abstração. Sendo assim, para Marx, o sujeito deve estar
presente concretamente na humanidade, não numa abstração criada por ele.
A Filosofia do Direito de Hegel é uma análise necessária e importante para se
compreender melhor o conceito de alienação, através do conceito de Estado. A Filosofia do
Direito apresenta claramente o processo dialético de Hegel, através da tese, da antítese e da
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Hegel equaciona as aporias Kantianas pela diferenciação entre as categorias do entendimento e da razão.
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síntese. Aqui, como na Fenomenologia do Espírito, acontecem contradições e é através destas
que se dá o desenvolvimento dialético progressivo rumo ao saber verdadeiro, ou em termos da
Filosofia do Direito, rumo à liberdade efetiva.
O grande problema que Marx percebe em Hegel é justamente a “deusificação” do
Estado, que põe ele acima da sociedade civil e da família. Sendo assim, as relações socias que
acontecem na sociedade, na família, enfim, no real, perdem o sentido, passam a ser
subordinadas ao Estado. O Estado é tomado como sujeito e tudo depende dele ou existe em
vista dele. Porém, ele não é real, mas pura abstração no sentido de não determinar, mas ser
determinado, ter como base real a sociedade civil. Para Marx, o sujeito deve estar presente
concretamente na humanidade, não numa abstração criada por ele.
Percebe-se que foi uma forte decorrência do pensamento dialético de Hegel a inversão
introduzida por Marx. A inversão, além de ser uma enorme crítica, produz um efeito
materialista que tem por consequência um movimento que parte do particular, do sensível,
que vai se desenrolando até formar uma representação concreta.
É importante deixar claro, para Marx estabelecer suas críticas, e foi leitor direto das
fontes de Hegel, mas por intermédio da interpretação de Feuerbach, que é também um forte
crítico de Hegel, principalmente no que diz respeito ao aspecto religioso.
3 A CONCEPÇÃO DE ALIENAÇÃO EM FEUERBACH
A pretensão desta segunda parte é analisar o conceito de alienação presente em
Feuerbach, o qual se apresenta no contexto da religião. Em Feuerbach, a origem da religião é
explicada a partir da natureza humana, ou seja, a religião tem sua origem na própria
humanidade. Nesse sentido, a essência divina é tomada como sendo nada mais que a essência
humana abstraída das limitações do homem real e corporal, contemplada e adorada como
outra essência.
A religião, principalmente a cristã, é vista por Feuerbach como um conjunto de
relacionamentos, estabelecidos pelo próprio homem consigo mesmo, ou ainda, com sua
essência e com outra essência. Dessa forma, a essência divina é tomada como sendo, nada
mais, do que a essência humana, ou melhor, a essência do homem abstraída das limitações do
homem individual, real e corporal, contemplada e adorada como outra essência própria. Com
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isso, todas as qualidades da essência divina são qualidades da própria essência humana. Para
Feuerbach:
Anular as qualidades é o mesmo que anular a própria essência. Um ser sem qualidades é
um ser sem objetividade e um ser sem objetividade é um ser nulo. Por isso, quando o
homem retira de Deus todas as qualidades é este Deus para ele apenas um ser negativo,
nulo (FEUERBACH, 1997, p.57).
A proposta de Feuerbach, em se tratar de religião, é de redução da teologia em
antropologia, ou seja, o que era considerado e adorado como Deus passa a ser reconhecido no
homem. Deus é, assim, a essência do homem contemplada como a mais elevada verdade. E
ainda, Deus é atributo do próprio homem, ou seja, o que o homem atribui a Deus, deve
atribuir a ele mesmo.
Segundo Feuerbach, a religião é um fenômeno antropológico que expressa unicamente
a natureza humana. Nesse sentido, a teologia é antropologia, pois tudo o que o homem atribui
a Deus nada mais é do que uma expressão de seus preceitos. E é nessa perspectiva que
Feuerbach concebe a religião como alienação. A ideia de Deus é indício claro da alienação do
homem. Portanto, a filosofia consiste em proporcionar ao homem consciência de si para que
perceba que toda teologia é uma antropologia inconsciente de si. Trata-se, pois, de reduzir a
essência racional de Deus, fruto da projeção, à essência natural do homem.
É importante destacar que os fortes momentos do pensamento do jovem Marx se dão,
provavelmente, pela influência feuerbachiana, principalmente no que diz respeito às críticas a
Hegel. Feuerbach assume uma importante postura frente a Hegel no que se refere ao caráter
abstrato do seu pensamento. Hegel parte de um universal abstrato que não possui nenhum
conteúdo real. Ao contrário, Feuerbach determina que ponto deva ser o real, para que não se
opere com abstrações, mas com atividades práticas e concretas. Nesse sentido, o que
Feuerbach pretende demonstrar é a forma alienada que comporta o pensamento hegeliano. Por
isso, propõe o abandono da especulação abstrata, substituindo-a pelo real concreto.
Feuerbach faz suas principais denuncias em relação a Hegel, afirmando que seu
pensamento possui um caráter abstrato ou idealista. O caminho que Hegel segue com sua
filosofia especulativa, do abstrato ao concreto, do ideal ao real, é visto por Feuerbach de
forma inversa. Sendo assim, nunca se chega a uma verdade objetiva ou verdadeira, mas
somente abstrata. Percebe-se, também, que a atividade humana é ignorada por Hegel. Dessa
forma, a crítica a Hegel vai tomando forma, ou seja, Feuerbach acusa Hegel de partir de um
universal abstrato, não compreendendo o verdadeiro significado da atividade prática e real.
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Além do mais, Feuerbach critica a concepção de Estado hegeliana. Trata-se aqui, da
Filosofia do Direito. Nessa crítica, Feuerbach percebe a forte alienação presente no Estado.
Essa é, sem duvida, uma das apropriações de Marx, em relação à crítica a Hegel. Feuerbach
percebe que o próprio homem cria o Estado (abstrato) e este fica tão poderoso que o homem,
se separa dele.
Como já foi ressaltado anteriormente, a base do pensamento de Feuerbach provém, no
fundo, de Hegel, ou seja, apesar de Feuerbach estabelecer fortes críticas à Hegel, as fontes
destas críticas estão no próprio Hegel. Nesse sentido, não é somente Feuerbach que se
apropria de Hegel, mas de certa forma também Marx. Este se apropria, porém de maneira
indireta de Hegel, mas deste, por via de Feuerbach. Trata-se, aqui, mais especificamente do
conceito de alienação trabalhado por Hegel, posteriormente desenvolvido por Feuerbach e
finalmente por Marx, embora todos eles tenham trabalhado em diferentes perspectivas.
Pode-se arriscar em dizer que Marx se apropria de Feuerbach principalmente ao se
tratar da inversão dialética; já que os dois desenvolvem essa perspectiva do método dialético.
A apropriação de Marx da dialética tem por finalidade a crítica em relação ao trabalho
alienado que fragmenta e desvaloriza a essência humana. O pano de fundo da apropriação de
Marx surge no momento em que ele percebe que Feuerbach é o único jovem hegeliano que
faz fantásticas descobertas sobre Hegel. Uma das grandes provas de que Marx se apropria de
Feuerbach está presente em um de seus grandes escritos, A Questão Judaica.
Na Questão Judaica, Marx trata da emancipação dos judeus. Na visão de Marx, a
emancipação se dá por meio da unidade entre indivíduo e espécie, ou seja, o indivíduo em sua
vivência real concreta deve ampliar suas forças alcançando um caráter social. Dessa forma,
Marx percebe que a situação de alienação que acontece na religião, segundo Feuerbach, se
repete no estado e na sociedade civil.
Se em Feuerbach a tentativa é eliminar ou destruir a ideia de Deus, em Marx a
pretensão é criticar o Estado. Assim, a proposta de Marx consiste em reduzir a universalidade
do Estado em universalidade do indivíduo para que se efetive uma real emancipação humana.
4 A CONCEPÇÃO DE ALIENAÇÃO EM MARX
Ao se analisar a concepção de alienação em Marx se pressupõe as concepções de
Hegel e Feuerbach. O conceito de alienação em Marx está intimamente ligado ao trabalho,
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pois, no momento em que o mesmo deixa de ter relações ativas com o homem, torna-se
alienado. Sendo assim, o trabalho, na sociedade capitalista, proporciona ao homem um
afastamento daquilo que ele cria. O homem se torna estranho ao próprio objeto criado. A
causa de tudo está, segundo Marx, na propriedade privada. E propriedade privada é sinônimo
de trabalho alienado.
O trabalho é condição para a liberdade, mas não em situações de exploração em que a
grande maioria é obrigada a trabalhar em condições inadequadas à sua humanização. Desse
modo, encaminha-se o pensamento de Marx, ou seja, na sociedade dividida em classes o
trabalho se torna alienado.
Segundo Marx, a alienação acontece quando o homem não se reconhece como sujeito
ativo. Assim, o que ele produz se torna alheio e estranho. Como afirma Erich Fromm, alienar
é “vivenciar o mundo e a si mesmo passivamente, receptivamente, como o sujeito separado do
sujeito” (1970, p.50). Na alienação, a pessoa se sente estranha, ela se aliena de si mesma. Ela
não é centro e nem criadora de seus atos, mas submetidas por leis externas. Ela não possui
relações de transparência com outras pessoas. Na verdade, o conceito de alienação surgiu pela
primeira vez no ocidente, com o Antigo Testamento, que destaca a questão da idolatria. Nesse
sentido, afirma que quanto mais os homens transferem seus poderes aos ídolos, tanto mais
dependente ficam deles. Estes ídolos podem ser tomados como: o Estado, a igreja, uma
pessoa, posses e outros. Nas palavras de Fromm: a idolatria é “a adoração de algo em que o
homem colocou suas próprias forças criadoras e a que agora se submete, em vez de
experimentar-se a si próprio em seu ato criador” (1970, p.51).
Nos Manuscritos econômicos e filosóficos, Marx demonstra quatro tipos de alienação:
o primeiro diz respeito à situação em que o trabalhador se aliena do produto de seu trabalho,
que torna um objeto estranho. O segundo sentido de alienação acontece durante o processo de
produção. A terceira do homem enquanto ser genérico. E a quarta forma é a do homem
relativamente homem.
É importante perceber que na elaboração desse conceito, pelo qual Marx obteve fortes
influências de Hegel e Feuerbach, revela, no entanto, cada qual, dando destaque a um foco
diferenciado. Vale destacar, propriamente em Marx, foco desta apreciação, que o conceito de
alienação não está tanto no ato de produzir objeto, mas no ato de estranhamento em que não
ocorre o ato de reconhecimento do trabalhador para com seu produto.
Em Hegel, a alienação acontece quando a essência se manifesta enquanto aparência.
Ou seja, a aparência é a alienação que contribui para a essência desenvolver-se rumo ao saber
verdadeiro. Feuerbach, por sua vez, tratando do aspecto religioso, concebe a ideia de Deus
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como alienação humana. Deus é atributo do homem, ou seja, é fruto da projeção humana.
Sendo assim, a religião é um fenômeno antropológico e não teológico.
Explicando melhor, em Hegel, a alienação acontece pelo ato do espírito pôr-se como
outro de si próprio, para posteriormente recuperar-se. A alienação, dessa forma, é tomada por
Hegel como necessária para o processo de autoconhecimento do espírito. Para Marx, o ato de
pôr-se como outro, realizado pela atividade produtiva, que no fundo é o trabalho, constitui a
objetivação do trabalho que é a própria ideia hegeliana de alienação. Ela surge quando o
trabalhador não se reconhece no seu objeto que produziu, ou na sua própria força objetivada.
É o rompimento do sujeito com o objeto. O sujeito não se reconhece naquilo que produz.
Sendo assim, o sujeito sente-se desrealizado, o trabalho produzido não faz parte de si, não é
sua expressão.
Semelhante situação se passa em Feuerbach. Este conduz o conceito de alienação
detendo-se mais, especificamente, ao aspecto religioso. Influenciado por Feuerbach, escreve
Marx: “Quanto mais o homem atribui a Deus, tanto menos guarda para si mesmo” (MARX,
1975, p. 159-60). Ou ainda, o homem cria abstratamente Deus, posteriormente, se separa dele
e não o reconhece como fruto de sua criação. Da mesma forma, Marx percebe no trabalho o
seu sentido negativo, ou seja, o objeto produzido pelo sujeito equivale à desrealização
humana. No trabalho alienado, o homem depende sempre mais do objeto, tanto para existir
enquanto trabalhador, quanto para manter seu corpo, sua subsistência física. Tanto de uma
como de outra forma, o trabalhador torna-se servo do próprio objeto. Isto porque, segundo
Marx:
“[...]em primeiro lugar, pelo fato de receber um objeto de trabalho, isto é, de receber
trabalho; em seguida pelo fato de receber meios de subsistência. Desse modo, o objeto
capacita-o para existir, primeiramente como trabalhador, em seguida, como sujeito
físico” (MARX, 1975, p. 160).
A alienação, em seu sentido amplo, acarreta uma perda de valores humanos, fazendo
que a economia se torne o valor único e supremo. A moral e a ética ficam, por assim dizer,
esquecidas e separadas, ou seja, são deixadas de lado. O capitalismo obcecado é o único
elemento existente em que “cada homem especula como criar uma nova necessidade em outro
homem a fim de forçá-lo a um novo sacrifício, colocá-lo em uma nova dependência, e incitálo a um novo tipo de prazer e, por conseguinte, a ruína econômica” (FROMM, 1970, p.59).
Dessa forma, faz despertar, cada vez mais, o egoísmo desumano e faz com que o homem
mergulhe cada vez mais na alienação. Para Fromm, “quanto mais alienado estiver, tanto mais
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a sensação de ter e usar constituirá sua relação com o mundo. Quanto menos você é, quanto
menos exprime sua vida, tanto mais você tem, tanto maior é sua vida alienada e maior a
poupança de seu ser alienado” (1970, p.60). Por fim, é importante deixar claro que por traz do
conceito de alienação de Marx está a dialética entre essência e aparência. No entanto, não é
mais a ideia de Hegel, nem de ser humano abstrato de Feuerbach (espécie, ser genérico), mas
o trabalhador nas suas relações de produção, o que aparece, o que se aliena.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A busca da raiz conceitual de Marx conduziu o texto a uma análise de Hegel e
Feuerbach. Em Hegel, a alienação é um processo fundamental pelo qual a consciência em sua
ingenuidade, no sentido de que entende a realidade do mundo independente dela mesma,
encaminha-se em um percurso de tornar-se consciência de si. Esse processo de consciência de
si acaba gerando a própria alienação de si, ou seja, o homem se torna alienado dos outros e,
por sua vez, torna-se um objeto. Para Feuerbach, a alienação encontra-se na relação do
homem com Deus. Feuerbach transforma a teologia em uma antropologia. A alienação
encontra-se na religião que se reveste da autoconsciência do homem perdido em si.
Alienar vem do latim alienare que significa afastar, distanciar, separar. Alienus
significa algo que pertence a outro, ou seja, é alheio, estranho. Alienar é tornar alheio, é
transferir para outrem o que é seu. Quando, em uma sociedade, aparecem certos segmentos
dominantes que exploram o trabalho humano, ou mesmo quando para sobreviver o homem
livre precisa vender sua força de trabalho em troca de um salário, se está assim, diante de
situações em que o homem perde a posse daquilo que ele próprio produz. O produto do
trabalho se torna alienado de quem o produziu. Com a alienação, o homem deixa de ser o
centro ou a referência de si mesmo. O homem se torna alheio, estranho. Dessa forma, para
Marx, a alienação encontra-se no ato de estranhamento em que o homem não se reconhecesse
no ato de sua mais alta expressão de vida: o trabalho.
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