Estudo metodológico da experiência brasileira em Avaliação

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Estudo metodológico da experiência brasileira em Avaliação
2ª Conferência da REDE de Língua Portuguesa de Avaliação de Impactos
1° Congresso Brasileiro de Avaliação de Impacto
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Associação Brasileira de Avaliação de Impacto
Estudo metodológico da experiência brasileira em
Avaliação Ambiental Estratégica
VÍTOR MARGATO
Graduando em Engenharia Civil
Escola Politécnica da Universidade de São Paulo
[email protected]
LUIS ENRIQUE SÁNCHEZ
Professor Titular do Departamento de Engenharia de Minas e de Petróleo
Escola Politécnica da Universidade de São Paulo
[email protected]
Resumo
Este trabalho aborda a experiência brasileira em Avaliação Ambiental Estratégica,
instrumento que tem tomado destaque em virtude de seu potencial para superar
importantes deficiências da Avaliação de Impacto Ambiental e, ao mesmo tempo,
promover a efetiva integração das questões ambientais aos processos decisórios.
A experiência brasileira nesse campo é estudada por meio da técnica de estudo de
caso. O Programa Brasília Integrada, o Programa Intermodal e Logístico Porto Sul e a
Dimensão Portuária, Industrial, Naval e Offshore do Litoral Paulista são analisados de
acordo com recomendações internacionais de boas práticas e submetidos a um
questionário de exame da qualidade elaborado por Sadler e Dalal-Clayton (2010).
Esse questionário considera três aspectos essenciais das avaliações: o cumprimento
das exigências formais e legais; a qualidade técnica, relacionada à adequação ao
processo decisório; e o alcance de benefícios ambientais duradouros.
Percebe-se assim que os estudos em questão, embora mantenham diferenças
significativas em termos das finalidades com que foram feitos, também mantêm
semelhanças importantes e negativas: a ausência de comparação de opções
abrangentes, a promoção falha de uma participação social efetiva e seu caráter
estratégico bastante enfraquecido. Tais observações não indicam que a AAE seja
essencialmente impraticável; pelo contrário, reforçam a necessidade da afirmação de
seu caráter amplo e integrado à tomada de decisão.
Abstract
This paper handles the Brazilian experience on Strategic Environmental Assessment, a
planning tool which has attracted notoriety due to its potential to overcome major
deficiencies of Environmental Impact Assessment, and also to promote an effective
integration between environmental issues and decision-making.
Este trabalho foi recebido pela Comissão Cientifica e pertence aos anais do Congresso.
O conteúdo do trabalho é de inteira responsabilidade do autor.
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The Brazilian experience on that field is studied through the case study technique.
Programa Brasília Integrada, Programa Intermodal e Logístico Porto Sul and
Dimensão Portuária, Industrial, Naval e Offshore do Litoral Paulista are analyzed
according to international good practice guidance and submitted to a quality review
checklist by Sadler and Dalal-Clayton (2010). Such checklist considers three essential
points of the SEA studies: legal and procedural compliance; technical quality,
associated with adequacy to decision-making processes; achievement of sound and
enduring environmental benefits.
It becomes clear that, although those studies are significantly different in terms of their
purposes, they actually have several – and negative – similarities: the absence of
comparison of wide alternatives, the failed promotion of an effective social participation
and their weakened strategic nature. These remarks do not mean SEA is virtually
unfeasible; instead, they reinforce the need to affirm its essential character –
comprehensive and connected to decision-making.
Introdução
O tema deste trabalho é um instrumento de planejamento cuja ascensão nos últimos
anos, em todo o mundo, apresenta um potencial bastante significativo de transformar o
modo como as questões relativas à sustentabilidade são inseridas nos processos
decisórios governamentais. Trata-se da Avaliação Ambiental Estratégica (AAE), que,
por seu caráter amplo e – desejavelmente – adaptável a contextos gerenciais diversos,
já recebeu uma série de definições. Adota-se, desse modo, aquela presente em
Therivel et al. (1992):
O processo formal, sistemático e abrangente de avaliar os efeitos ambientais de uma
política, um plano ou um programa, bem como de suas alternativas, que inclua a
preparação de um relatório escrito sobre os resultados de tal avaliação, e utilize os
resultados em uma tomada de decisão publicamente aferível.
Por mais vaga que possa parecer, a um olhar desatento, a definição supracitada, ela
contém aspectos essenciais à correta compreensão da AAE e, portanto, à sua
adequada aplicação. Em primeiro lugar, está o fato de que o objeto da avaliação não é
propriamente um projeto, mas aquilo que se situa em um plano superior (e
supostamente em um momento anterior) aos empreendimentos individuais na ação
governamental: as políticas, os planos e os programas. Em segundo lugar, a
comparação de uma proposta com suas alternativas em estágio preliminar integra a
essência desse instrumento – nesse sentido constituindo uma diferença prática em
relação à Avaliação de Impacto Ambiental, como será discutido adiante. Por fim, está
expressa a noção de que não se pode conceber a AAE sem conectá-la efetivamente a
um processo decisório que seja responsável e participativo.
Não faltam motivos à busca vigorosa de que esse tipo de ferramenta se desenvolva,
tanto em termos de robustez conceitual e metodológica, quanto em relação à
ampliação de sua prática. Essas tantas razões podem ser dispostas em dois grandes
grupos: as limitações inerentes à Avaliação de Impacto Ambiental e a necessidade
urgente de reformulação dos processos decisórios governamentais em geral.
No primeiro conjunto, o das limitações da AIA, está, por exemplo, o fato de que esta se
encontra no extremo inferior do planejamento, em que as possibilidades de atuação
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sobre os impactos ambientais são consideravelmente restritas por decisões
hierarquicamente superiores. Ou seja, é preciso que tais impactos sejam considerados
em instâncias mais elevadas e anteriores do planejamento, nas quais se pode agir de
forma mais proativa e menos reativa. Isso apenas pode ser realizado por meio de um
instrumento adaptado ao grande nível de incerteza e à amplitude associados àquelas
decisões – incompatíveis com a natureza detalhada da Avaliação de Impacto
Ambiental. Além disso, Egler (2001) e Sánchez (2008) observam que a AIA não tem
se mostrado capaz de lidar de forma satisfatória com impactos de caráter cumulativo,
sinérgico e indireto, ou que se deem em escala geográfica macrorregional e global.
Passando ao segundo conjunto de fatores motivadores para a Avaliação Ambiental
Estratégica, o aperfeiçoamento de processos decisórios governamentais – ou mesmo
sua reformulação – está no cerne de diversas questões cruciais para um
desenvolvimento sustentável que ultrapasse a mera formalidade, o clichê e o
greenwashing. Abramovay (2012) demonstra que, para tanto, é preciso um
questionamento profundo dos modelos de desenvolvimento adotados consciente ou
inconscientemente. Além disso, se no Brasil as desigualdades sociais têm sido
atenuadas em termos de renda, permanecem intactas – ou quase isso – em inúmeros
outros campos, entre os quais a oportunidade de existir como sujeito político ativo, e
não vítima ou espectador do desenvolvimento. De fato, principalmente em
comparação com alguns países desenvolvidos, o ordenamento político brasileiro nem
promove um nível satisfatório de participação social, nem considera adequada e
oportunamente as questões ambientais na sua tomada de decisão.
Por fim, cabe destacar que uma avaliação ambiental que anteceda os
empreendimentos individuais pode, especialmente em países em desenvolvimento,
levar a uma significativa economia de tempo e recursos financeiros – por exemplo, em
relação a medidas remediadoras de saúde pública (UNDP/REC apud Dalal-Clayton e
Sadler, 2005).
Metodologia e organização do trabalho
O estabelecimento prévio do contexto em que se insere a Avaliação Ambiental
Estratégica é essencial para o entendimento de como este trabalho e a pesquisa que
lhe deu origem se relacionam com esse instrumento. No Brasil, não há sustentação
jurídica para o uso sistematizado dessa avaliação. Mesmo assim, um levantamento
feito para esta pesquisa conta vinte e quatro casos em que a AAE foi aplicada. Não
tendo sido por obrigação legal, esses vários estudos foram realizados por motivos
distintos, entre os quais três se destacam: (i) como tentativa de facilitar o
licenciamento de empreendimentos específicos; (ii) como condição imposta por uma
agência multilateral de desenvolvimento – notadamente, o Banco Mundial e o Banco
Interamericano de Desenvolvimento – para o financiamento de um programa público;
(iii) como iniciativa de planejamento propriamente dita, antecipando um fenômeno
iminente de alto potencial transformador de uma região.
Naturalmente, a diversidade de situações e circunstâncias sob as quais os estudos de
AAE vêm sendo realizados gera correspondente variabilidade na forma e no conteúdo
de tais estudos. Disso vem a necessidade de uma análise metodológica comparativa,
que mostre em que se aproximam ou se afastam os exemplos selecionados entre si,
em que se aproximam ou se afastam do modelo da AIA, como são tratados no
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processo decisório, entre outras questões; enfim, um diagnóstico de como é praticada
a Avaliação Ambiental Estratégica no Brasil.
Quanto à escolha da técnica de pesquisa a ser empregada, a literatura normalmente a
condiciona ao tipo de questão enfrentada, ao controle do pesquisador sobre os
fenômenos e ao contexto temporal do objeto de estudo (Yin, 2010). No presente caso,
a questão é do tipo “como”, ou seja, trata-se de analisar a maneira como se dá um
processo; o controle do pesquisador sobre os eventos, no caso os estudos de AAE, é
obviamente nulo; e esses estudos estão inseridos na realidade presente, e seu marco
inicial é de menos de duas décadas atrás. Retomando Yin (2010), a escolha mais
apropriada é, portanto, o uso da técnica de estudo de caso, que assume neste
trabalho um caráter descritivo.
A definição do número de casos a serem comparados e a sua seleção não são tarefas
simples. O número deveria ser tal que compusesse uma amostra relativamente
representativa, permitindo uma comparação ampla e rigorosa; ao mesmo tempo, o
prazo de um ano definido para o trabalho em que se baseia este texto limitava essa
quantidade. Desse modo, chegou-se a três como número desejável para a realização
deste estudo. A seleção desses três exemplos partiu do intuito de maximizar a
representatividade desse conjunto, tomando casos que exibissem em conjunto a
variedade característica da prática da AAE no Brasil. Como indicadores dessa
diversidade, foram adotados os propósitos aos quais a execução da AAE tivesse
servido – facilitação de licenciamento, obtenção de financiamento externo, iniciativa de
planejamento – e a autoria – uma vez que se constatou que esse é um fator de
influência notável na forma como os estudos são conduzidos. Há ainda a dificuldade
adicional de que nem todos os casos levantados possuem documentação
eletronicamente disponível, algo que sem dúvida restringe o universo de escolhas
viáveis.
Do processo descrito no parágrafo anterior, veio a definição dos seguintes casos a
serem analisados:



1
Programa Brasília Integrada1 (2005), iniciativa do Governo do Distrito Federal
para promover melhorias no acesso e nos padrões de qualidade do transporte
coletivo na capital federal;
Programa Intermodal e Logístico Porto Sul2 (2008), conjunto de
empreendimentos logísticos que tem seu carro-chefe na construção de um
porto, nos arredores da cidade de Ilhéus (BA), para o escoamento da produção
mineral baiana;
Dimensão Portuária, Industrial, Naval e Offshore do Litoral Paulista3 (2010), um
olhar regional sobre os desdobramentos de dois iminentes e importantes
Relatório disponível em: <http://www.st.df.gov.br/sites/100/167/00000390.PDF>. Acesso em 10/01/2012.
Relatório disponível em: <http://www.inema.ba.gov.br/download/293/>,
<http://www.inema.ba.gov.br/download/294/>, <http://www.inema.ba.gov.br/download/295/>. Acesso em
10/01/2012.
3
Relatório disponível em: <http://www.energia.sp.gov.br/a2sitebox/arquivos/documentos/231.pdf>,
<http://www.energia.sp.gov.br/a2sitebox/arquivos/documentos/232.pdf>,
<http://www.energia.sp.gov.br/a2sitebox/arquivos/documentos/233.pdf>,
<http://www.energia.sp.gov.br/a2sitebox/arquivos/documentos/234.pdf>. Acesso em 10/01/2012.
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drivers de transformação econômica – a produção de petróleo na Bacia de
Santos e a expansão dos portos de Santos e São Sebastião.
Mas como é feita a análise desses estudos, individual e comparativamente? Não
existe a ideia clara de adequação às regras dada a ausência de sustentação jurídica
da Avaliação Ambiental Estratégica. Assim, é imperativo recorrer à literatura
internacional em busca de orientações de boas práticas que balizem o trabalho.
Como base essencial, tomam destaque obras como as de Therivel (2004), Fischer
(2007) e, especialmente, Partidário (2007) – além de inúmeros artigos sobre aspectos
específicos. Já para o exame da qualidade dos estudos e sua posterior comparação –
isto é, o núcleo desta pesquisa – emprega-se uma versão ligeiramente adaptada de
um questionário extraído do documento Generic SEA quality review methodology, de
Sadler e Dalal-Clayton (2010). Trata-se de um guia que, fracionando o exame em três
partes, progressivamente mais complexas e mais sujeitas a incertezas, torna-o mais
claro, preciso e útil.
Além disso, vale comentar a também muito oportuna divisão de critérios que Jones et
al (2005) estabeleceram para julgar a qualidade de estudos de AAE e que consiste em
três grupos: os critérios de sistema, relativos ao contexto institucional em que a AAE
se apoia; os critérios de processo, relacionados ao que se poderia chamar de
“qualidade técnica” da avaliação; e os critérios de resultados, que procuram identificar
a influência no processo decisório e no alcance de benefícios ambientais efetivos. A
metodologia deste trabalho, que emprega a documentação produzida em cada um dos
estudos como fonte essencial de informação, é especialmente adequada ao exame
dos critérios de processo. A busca de informação adicional em meios variados e a
comunicação com pessoas envolvidas em cada um dos casos4 estende até certo
ponto a capacidade de opinar sobre os critérios de processo e de resultados. Assim, o
presente estudo procura unir os detalhes técnicos e metodológicos às suas causas e
efeitos processuais.
Antes de passar às observações sobre cada caso e à sua análise comparativa, o
questionário de Sadler e Dalal-Clayton (2010) merece uma explicação mais detalhada.
Os três módulos de perguntas estão relacionados cada um a um conceito: o primeiro
serve a verificar o cumprimento de requisitos formais e exigências legais, seja em
termos de acordos internacionais, seja em termos da jurisdição local; o segundo avalia
a qualidade técnica, a relevância no tratamento das questões, a adequação ao
processo decisório, examinando componentes mais específicas da AAE (a definição
do escopo, a elaboração de cenários alternativos, a análise ambiental detalhada, a
participação pública, etc.); por fim, o terceiro módulo de questões compreende a
contribuição da Avaliação, em curto, médio e longo prazo, para a tomada de decisão e
para o alcance de benefícios ambientais significativos. É sempre importante ressaltar
que o termo “ambiental” deve ser entendido, nesta situação, em sentido amplo,
envolvendo tanto efeitos sobre o meio biofísico quanto sobre as relações humanas,
isto é, o que seria possivelmente chamado de impacto social. Afinal, não poderia ser
assumir caráter dito “estratégico” um processo que não levasse em conta pontos
econômicos e sociais na comparação de cenários.
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Umberto Filho (1), Heliana Vilela (2), Madalena Los e Claudia Paley (3).
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Análise dos casos selecionados
Passando à própria análise dos casos, pode-se fazê-la segundo uma ordem
cronológica relacionada ao início de cada processo; por esse único motivo, a
sequência de observações é: Programa Brasília Integrada; Programa Intermodal e
Logístico Porto Sul; Dimensão Portuária, Industrial, Naval e Offshore do Litoral
Paulista.
A AAE do Programa Brasília Integrada tem características que são mais bem
compreendidas de posse do contexto em que se inseriu um estudo. Tratou-se de
condição imposta pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento ao financiamento
desse programa de modernização do transporte coletivo da capital federal e das
cidades adjacentes. Em outras palavras, o programa foi inicialmente concebido,
proposto e apenas então a avaliação ambiental foi incorporada. Por isso mesmo,
embora tenha sido produzida uma série de documentos, o Plano de Gestão Ambiental
e Social é o que de mais relevante há sobre esse caso, reunindo propostas que
abrangem desde medidas mitigadoras e de controle de poluição até rearranjos
organizacionais e capacitação profissional. De certa forma, o PGAS se baseia nos
moldes do Plano Básico Ambiental exigido no licenciamento de projetos; seu caráter
mais amplo vem da própria amplitude do programa que se refere. Tem-se nesse caso
uma dualidade: por um lado, o contexto em que a AAE se insere e a forma como é
feita aproximam-na da Avaliação de Impacto Ambiental; por outro, inclui propostas
institucionais, planeja a alocação de recursos e assim acaba tornando-se quase
“centrada em instituições” (institution-centered, na denominação de Sadler e DalalClayton (2010)), algo inovador no planejamento ambiental brasileiro. Quanto à
participação social, a identificação dos principais grupos afetados – cobradores de
ônibus e vendedores ambulantes – acompanhada do delineamento de medidas a eles
destinadas não trouxe consigo a inclusão dessas classes em um processo
participativo de deliberação, ou pelo menos não há nenhum indício de que o tenha
feito.
O Programa Intermodal e Logístico Porto Sul tem outras circunstâncias envolvendo
sua AAE. Em primeiro lugar, note-se que o estudo foi encomendado ao Laboratório
Interdisciplinar de Meio Ambiente do COPPE/UFRJ – instituição responsável por
diversos trabalhos notáveis, e que reúne pesquisadores que são referência
internacional – com a aparente finalidade de viabilizar o licenciamento de um grande
empreendimento (mais que um “programa” propriamente dito. A primeira tentativa foi
malograda, e o licenciamento, negado, mas a intenção de construir essa via de
escoamento da produção mineral baiana persiste5. O que isso indica é algo que
transparece na submissão do estudo ao questionário de Sadler e Dalal-Clayton (2010):
a qualidade e o rigor técnico – empregando uma metodologia que se assemelha a
uma versão sofisticada daquela descrita em Partidário (2007) – não compensam a
absoluta falta de caráter estratégico e a imposição prévia e inquestionável de pontos
fundamentais dos projetos. O resultado é a construção de um cenário que contorne ou
atenue os efeitos danosos que o programa teria se fosse feito como originalmente
concebido. A falta de “sustentabilidade” vem ainda da completa falta de participação
5
No momento de redação deste texto (agosto de 2012), novo pedido de licenciamento, prevendo outra
localização para o porto, encontrava-se em análise no Ibama, já tendo sido realizadas audiências
públicas.
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social na construção do programa, e na aparente confusão entre interesses de uma
empresa privada e os do governo do Estado.
Já a Dimensão Portuária, Industrial, Naval e Offshore do Litoral Paulista representa
algo diferente. Se André, Delisle e Revéret (2003) assumiam a existência de
avaliações de caráter setorial e regional, sem dúvida esse caso está mais próximo do
segundo grupo, ainda que as transformações relatadas venham essencialmente de
dois drivers setoriais – a produção de petróleo na Bacia de Santos e a expansão física
dos portos de Santos e São Sebastião. Trata-se verdadeiramente de uma iniciativa de
planejamento, que, inclusive por empregar uma metodologia explicitamente baseada
em Partidário (2007), poderia ser bastante bem-sucedida se pudesse ser
adequadamente integrada a outros instrumentos empregados no Estado de São
Paulo, como o Zoneamento Ecológico Econômico e os planos setoriais, aos quais o
relatório final faz referência. Isso não ocorre, e o resultado é um conjunto de
informações bastante relevante, mas sem qualquer conexão bem estabelecida com os
processos decisórios. A participação social foi inevitavelmente fraca: resumiu-se à
coleta de contribuições via e-mail de sugestões do “público” sobre o relatório final já
pronto.
Feitas essas observações sobre cada um dos exemplos estudados – observações
essas corroboradas direta ou indiretamente pela aplicação do questionário de Sadler e
Dalal-Clayton (2010) – é oportuno tecer considerações sobre o que os une e em que
eles diferem uns dos outros. Em primeiro lugar, o estudo dos casos indica que,
enquanto a finalidade, a forma e a metodologia são pontos em que se distinguem, o
conceito metodológico é um ponto de convergência. Isso porque, embora em dois
casos – Porto Sul e Litoral Paulista – haja constante referência ao modelo de
Partidário (2007), especialmente aos seus Fatores Críticos para a Decisão, é visível
que o seu caráter estratégico resta enfraquecido e os três casos estão entre a
previsão de impactos e a elaboração de medidas mitigadoras, o que a mesma autora
denomina conceito controle (Partidário, 2010). No mais, as duas fraquezas
fundamentais que os exemplos tomados partilham são: a ausência de comparação de
opções estratégicas abrangentes e a falta de participação social organizada e efetiva.
A elas seriam somados os deficientes – para não dizer praticamente inexistentes –
procedimentos de acompanhamento, o “pós-AAE”, se o Programa Brasília Integrada
não tivesse lidado explícita e cautelosamente com essa questão.
Conclusão
O apontamento das dificuldades e mesmo das deficiências nos estudos de Avaliação
Ambiental Estratégica selecionados deve situá-los cada qual no seu contexto
processual, que em todos os casos influenciou de maneira significativa a sua eficácia.
Além disso, todos os casos – e não apenas aqueles ora estudados – possuem,
individualmente e em conjunto, a virtude de promover um olhar mais amplo sobre as
questões ambientais do que é a praxe no planejamento, e trabalhar na proposição de
ações que as levem em conta nesse âmbito, nesse porte.
O otimismo que por vezes permeia o discurso em relação às potencialidades da AAE
no Brasil, de que a prática se “acertará” com o tempo, não encontra respaldo neste
trabalho. Pelo contrário, observa-se a frequente distorção dos conceitos originais que
definem a Avaliação Ambiental Estratégica, como se pode depreender das análises.
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Entretanto, em um mundo que enfrenta desafios cruciais em termos de crise ambiental
e desigualdade social e no qual as fronteiras entre governo, mercado e sociedade se
tornam menos nítidas, (Abramovay, 2012), há a urgente necessidade do reforço desse
caráter “estratégico” negligenciado, que apenas virá com a afirmação contundente
desse instrumento que pode trazer avanços notáveis ao planejamento ambiental e aos
processos decisórios – especialmente, embora não apenas – governamentais.
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Referências
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