Uso de albumina no Peri
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Uso de albumina no Peri
Uso de albumina no Peri-operatório Introdução As soluções de albumina têm sido amplamente utilizadas no tratamento de pacientes críticos desde que se tornaram comercialmente disponíveis na década de 1940. Os inúmeros efeitos fisiológicos da albumina são bem conhecidos [1], incluindo a regulação da pressão coloidosmótica, ligação e trasporte de diversas substâncias (como drogas, hormônios, entre outras), propriedades antioxidantes, modulação de óxido nítrico, tampão sanguíneo. Tais propriedades podem ser particularmente relevantes em pacientes graves. Também é postulado que baixos níveis séricos de albumina estão associados a piores desfechos na evolução destes pacientes [2, 3, 4]. Sendo assim, a infusão de albumina em pacientes críticos seria uma opção atrativa e com consistência fisiológica. Entretanto, as soluções de albumina também são cercadas de limitações, que incluem o alto custo em relação a outras alternativas, como as soluções cristalóides, o potencial (e raro) risco de transmissão de microorganismos, além de efeitos anticoagulantes e reações alérgicas [5, 6]. Tendo em vista que não há estudos controlados randomizados definitivos que demonstrem efetivamente benefícios da albumina em grupos heterogêneos de pacientes graves, a administração rotineira de albumina como solução de ressuscitação volêmica não é recomendada em todos os contextos, embora haja evidências que sustentam seu uso em algumas populações de pacientes. No cenário intra-operatório, no qual frequentemente pacientes graves estão presentes, os critérios para o uso de albumina são muitas vezes baseados nos trabalhos realizados em Unidades de Terapia Intensiva. Existem na literatura alguns estudos sobre o emprego de albumina em pacientes submetidos a cirurgias cardíacas, abdominais, de ressecção ou transplante hepático, além de politraumatizados, queimados, entre outros. Este texto tem o objetivo de revisar os trabalhos mais recentes e mais relevantes sobre a administração de solução de albumina no ambiente anestésico-cirúrgico. Visão Geral – O Debate da Albumina Durante décadas, a albumina humana foi administrada a pacientes críticos com o intuito de promover pressão oncótica e volume intravascular adequados [7]. Em 1998, no entanto, uma metanálise publicada pelo Cochrane Injures Group Albumin Rewiewes encontrou um aumento de mortalidade de 6% associada à albumina, quando comparada a soluções cristalóides [8]. Por outro lado, metanálises subsequentes reportaram achados conflitantes [9, 10]. Na tentativa de esclarecer essa questão, um grande ensaio clínico randomizado, duplocego (estudo Saline versus Albumin Fluid Evaluation [SAFE] [11]) foi conduzido pelo Australian and New Zealand Intensive Care Society Clinical Trials Group, pelo George Institute for International Health, e pelo Australia Red Cross Blood Service, de 2001 a 2003. Este estudo comparou o uso de solução de albumina 4% com solução salina fisiológica durante a ressuscitação volêmica de pacientes críticos. Seus resultados indicaram que a administração de albumina foi segura, porém não houve diferença na mortalidade em 28 dias, refutando a conclusão da revisão do grupo Cochrane. Após o estudo SAFE, diversos trabalhos subsequentes se esforçaram para demonstrar potenciais benefícios ou malefícios da albumina em relação aos cristalóides. No estudo observacional multicêntrico SOAP [12] de 2005, por exemplo, houve uma diminuição na sobrevida em 30 dias na população de pacientes críticos, internados em Unidade de Terapia Intensiva, que receberam albumina. Porém, o estudo sugeriu que o uso de albumina pode ser seguro em pacientes hipovolêmicos. O trial Albumin Italian Outcome Sepsis (ALBIOS) [13] de 2014, controlado, multicêntrico e randomizado, comparou uso de albumina 20%, em adição ao cristalóide, com uso de cristalóide em pacientes com sepse grave. Neste trabalho, a adição de albumina não melhorou sobrevida em 28 e 90 dias, a despeito de melhoras em variáveis hemodinâmicas. Na análise de subgrupo de pacientes com choque séptico, no entando, houve diminuição significativa da mortalidade em 90 dias no grupo da albumina. Embora os estudos mostrem tendências de benefícios relacionados ao uso de albumina em algumas subpopulações de pacientes críticos, como na sepse grave ou choque séptico [14, 15, 16], esse tema ainda é alvo de controvérsias, e grandes ensaios clínicos randomizados são necessários para elucidar indicações mais precisas para administração de solução de albumina. Considerações fisiológicas A albumina é uma proteína plasmática natural sintetizada exclusivamente pelo fígado, responsável por 75 a 80% da pressão coloidosmótica em condições fisiológicas basais [17]. Por isso, exerce efeitos importantes na manutenção do balanço de fluidos. Avanços no conhecimento sobre o glicocálix endotelial modificou nossa compreensão a respeito do papel da pressão coloidosmótica na manutenção do volume plasmático e tissular [18]. Estudos experimentais confirmaram que os conceitos tradicionais sugeridos por Ernest Starling há mais de 100 anos, não são completamente corretos. Na realidade, ao contrário do que propusera Starling, o compartimento intersticial tem alta concentração de proteínas e pouco influencia na filtração do plasma. Existe, porém, uma barreira funcional, localizada no lado luminal da vasculatura saudável, constituída por um esqueleto de glicoproteínas, proteoglicanas e glicosaminoglicanas, denominados glicocalix endotelial [18, 19]. Sua interação com constituintes plasmáticos, como a albumina, exerce papel fundamental na manutenção da intergidade vascular. Mas apesar da albumina ser parte essencial desta camada, o motivo para a falha de seu funcionamento provavelmente não se deve à hipoalbuminemia, e sim à quebra da estrutura molecular do glicocalix por hipervolemia, injúria de isquemia/reperfusão e outras formas de inflamação sistêmica [20]. Além disso, uma vez que a barreira vascular está comprometida, é esperado que soluções cristaloides e colóides possuam eficácias equivalentes. Além de regular o volume plasmático e o balanço de fluido tecidual, a albumina possui outras propriedades, incluindo transporte de substâncias e atividades antioxidantes, cuja importância em pacientes saudáveis ou doentes não é tão bem documentada. As soluções de albumina são derivadas do plasma de doadores saudáveis. Para inativar patógenos, a albumina é pasteurizada a +60°C por pelo menos 10 horas. Sua infusão independe do grupo sanguíneo do receptor. As preparações consistem em soluções a 4% (levemente hipo-oncóticas), 5% (iso-oncóticas), 20% e 25% (hiper-oncóticas) [21]. Evidências Sobre o Uso de Soluções de Albumina no PeriOperatório Hipovolemia no perioperatório Alguns trabalhos na literatura não mostram alteração na mortalidade associada ao uso de albumina no perioperatório para manter a estabilidade hemodinâmica [22, 23]. Entretanto, o emprego de albumina em cirurgias não cardíacas mostrou-se eficaz em diminuir a necessidade de fluidos, a congestão pulmonar e o edema de alças intestinais quando comparada aos cristaloides [24]. O guideline da Socidade Européia de Anestesiologia [25] de 2013 sobre manejo do sangramento pós-operatório recomenda utilização de cristalóides isotônicos para resuscitação volêmica (grau de recomendação 2C). Considera também que a estabilização hemodinâmica com colóides iso-oncóticos, como albumina humana e hidroxietilamido, causa menos edema tissular quando comparados aos cristaloides (grau de recomendação C), embora não esteja claro se tal desfecho se traduz em benefício clínico. Sendo assim, não há evidências de que albumina reduz mortalidade em pacientes hipovolêmicos comparando com alternativas mais baratas como os cristalóides [26, 27]. O uso de colóides em geral também não mostrou redução no risco de morte em pacientes cirúrgicos [28]. Além disso, não se sabe ao certo em quais subpopulações de pacientes críticos o uso de albumina é seguro [12]. Uma melhor elucidação sobre os riscos e benefícios clínicos das soluções de albumina no peri-operatório requer mais estudos clínicos. Cirurgia Cardíaca Tanto colóides, como albumina humana 5% e hidroxietilamidos, quanto cristalóides, como Ringer Lactato, são comumente utilizados em cirurgia cardíaca. Como os colóides apresentam maior efeito expansor do volume plasmático, tornaram se uma alternativa de interesse para uma fluidoterapia restritiva nesse tipo de cirurgia. Porém, o uso de coloides pode estar associado a maior taxa de transfusão sanguínea, maior risco de insuficiência renal aguda e necessidade de diálise [29, 30]. A adição de albumina ou outros coloides às soluções usadas como priming em circulação extra-corpórea (CEC) é controverso. Alguns estudos apontam vantagens do priming com albumina em relação ao cristaloide [31], como melhor preservação do número de plaquetas, maior pressão coloidosmótica e menor ganho de peso pós-operatório devido a sobrecarga volêmica. Todavia, mais estudos são necessários para melhor delinear os efeitos das soluções priming nas complicações trombóticas e hemorrágicas associadas à CEC. Já em pacientes pediátricos, a albumina no priming pode estar associada com aumento da taxa de transfusão sanguínea comparada com cristaloide, indicando que o risco/benefício para essa intervenção ainda é incerto [32]. Cirurgias de ressecção hepática e transplante hepático Embora albumina muitas vezes seja utilizada no manejo da hipovolemia em pacientes submetidos a cirurgias de ressecção ou transplante hepático, não há estudos clínicos de larga escala que avaliem a melhor solução para esses pacientes. Em um estudo prospectivo, administração de albumina no pós-operatório de transplante hepático, com o objetivo de manter o nível sérico maior ou igual a 3g/dL, não mostrou benefícios clínicos em relação à não correção da hipoalbuminemia [33]. Adicionalmente, o uso perioperatório de hidroxietilamido 130/0,4 se mostrou uma alternativa à albumina nesses pacientes, com desfechos renais semelhantes após o transplante [34]. Desse modo, uso rotineiro de albumina como expansor do volume plasmático em cirurgias hepáticas não é evidenciado na literatura. Mas, apesar da falta de estudos de forte evidência científica, advoga-se que o uso de albumina pode ser indicado em ressecções hepáticas maior que 40% quando, após normalização do volume circulatório, a albumina sérica estiver menor que 2 g/dL [35]. Trauma crânio-encefálico Uma análise detalhada do estudo SAFE (SAFE –TBI study), que avaliou o subgrupo de pacientes vítimas de trauma crânio-encefálico (TCE), foi conduzida com o intuito de determinar desfechos como mortalidade e função neurológica após 2 anos de randomização [36]. Neste estudo, a ressuscitação volêmica com albumina esteve associada a maiores taxas de mortalidade (41,5%) quando comparada à ressuscitação com solução fisiológica (22,2%). Tal aumento na mortalidade relacionado à albumina parece ter ocorrido por uma piora do inchaço cerebral, levando ao aumento da pressão intracraniana (PIC) [37]. A natureza hipo-osmolar e hipo-oncótica da solução de albumina utilizada pode ter contribuído para o aumento da PIC [38]. Esses dados sugerem que solução fisiológica deve ser o fluido de escolha no manejo do paciente com TCE, e soluções hipotônicas de albumina devem ser evitadas. Cirurgias Abdominais Há um debate em voga a respeito da quantidade e da solução ideal a ser administrada em cirurgias abdominais eletivas. Existem cada vez mais evidências que correlacionam o excesso de volume intravascular pós-operatório com aumento da morbi-mortalidade nesses procedimentos [39, 40]. Talvez o uso mais fequente de colóides em pacientes que recebem um manejo restritivo de fluidos seja responsável por uma menor incidência de edema de alça e disfunção intestinal pós-operatória [40, 41]. Entretanto, ainda há poucos estudos, e com pequenas amostras, que avaliam a restrição de fluidos e uso de colóides nos desfechos pósoperatórios. Embora há indícios de que a hipoalbuminemia seja fator de risco para desfechos negativos no paciente agudamente grave [2, 3, 4], os trabalhos não demonstram benefícios da reposição de albumina no pós-operatório [42, 43]. Logo, seu uso para este fim não se justifica. Enfim, uma vez que a infusão albumina tem se mostrado segura, seu uso pode ser apropriado em cirurgias abdominais de grande porte, com grandes ressecções intestinais [35], tendo em vista que a albumina possivelmente promove menor edema de alças intestinais e permite uma ressuscitação volêmica mais restritiva se comparada aos cristalóides. Apesar disso, novos trials são necessários para definir seu papel nesta subpopulação. Pacientes Queimados Originalmente, as primeiras fórmulas criadas para ressuscitação aguda (nas primeiras 24 horas) do paciente queimado utilizavam colóides como fluido principal, sendo o plasma humano a primeira escolha. Posteriormente, a preocupação acerca da deficiência de sódio extravascular e do risco de transmissão de doenças infecciosas fez com que o plasma e outros colóides fossem abandonados. A partir daí, surgiram as fórmulas mais utilizadas na ressuscitação do grande queimado, a de Parkland e a de Brooke Modificado. Os estudos que deram origem a essas fórmulas recomendam a utilização de cristalóide nas primeiras 24 horas (Ringer Lactato), e colóides apenas após essa fase, uma vez que a permeabilidade capilar está aumentada nesse período [44, 45]. Porém, problemas relacionados à infusão excessiva de cristalóide nos pacientes queimados [46], como a síndrome compartimental abominal, despertaram novamente interesse pelo uso de colóide. A albumina surgiu como alternativa ao plasma humano, cujo custo e potenciais riscos trazem preocupação e receio quanto ao seu uso. Apesar da antiga recomendação de não se utilizar colóides nas primeiras 24 horas, alguns centros especializados nos Estados Unidos administram colóides, geralmente albumina ou plasma fresco congelado (PFC), durante esta fase aguda [47]. Em contrapartida, existem centros que introduzem colóides mais tardiamente, outros que usam albumina mais frequentemente que PFC, e outros ainda que não utilizam qualquer colóide [48, 49]. A heterogeneidade de protocolos e a falta de consenso chamam atenção para a necessidade de estudos controlados, randomizados e de larga escala mais atuais. Infelizmente a maioria das pesquisas sobre uso de albumina em pacientes queimados foram realizados há mais de duas décadas. Os trabalhos recentes apontam benefícios relacionados uso de albumina nos grandes queimados, como menor necessidade de fluidos e menor incidência de síndome comparimental abdominal [50, 51]. No entanto, a maioria desses estudos possuem evidência fraca e limitada. Além disso, os trabalhos não encontraram redução na mortalidade em pacientes queimados ressuscitados com albumina quando comparada aos cristalóides [28, 52]. Diante da evidência escassa e o alto custo da albumina, seu uso rotineiro no manejo do paciente queimado, em detrimento de soluções mais baratas como cristalóides, não encontra respaldo na literatura. Conclusão A maioria dos estudos corroboram com a segurança em relação ao uso de albumina. Relatos de efeitos adversos, como anticoagulação e reações alérgicas, e de transmissão de microorganismos, são raros [53]. Algumas metanálises apontaram que as soluções de albumina possuem perfil de seguança superior a outros colóides [54, 55]. Contudo, a albumina permanece sendo a alternativa de maior custo entre as soluções disponíveis. Ainda, considerando que não há nenhuma evidêcia definitiva sobre sua superioridade em relação aos outros fluidos, sobre seus desfechos clínicos positivos ou sobre quais subpopulações se beneficiariam do seu uso, a albumina continua tendo indicações limitadas. E enquanto estudos controlados, randomizados e de forte evidência não forem conduzidos, tais indicações não poderão ser baseadas em resultados consistentes, mas sim em deduções fisiológicas e potenciais benefícios presumidos. Referências 1. Vincent JL: Relevance of albumin in modern critical care medicine. Best Pract Res Clin Anaesthesiol 2009, 23:183–191. 2. 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