A comunicação emocional entre intérprete e ouvinte no

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A comunicação emocional entre intérprete e ouvinte no
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
A comunicação emocional
entre intérprete e ouvinte no
repertório brasileiro para
trombone e trompete
Danilo Ramos
[email protected]
Universidade Federal do Paraná - UFPR
Juliano Carpen Schultz
[email protected]
Universidade Federal do Paraná - UFPR
Resumo: O propósito desta pesquisa foi avaliar os processos psicológicos
que regem a comunicação das emoções em performances musicais de peças do repertório brasileiro executadas por trombonistas e trompetistas. A
pesquisa foi dividida em quatro etapas: (a) gravação de trechos musicais
de trombonistas e trompetistas em que eles acreditem desencadear as emoções Alegria, Tristeza, Serenidade e Raiva a seus ouvintes; (b) descrição do código acústico empregado pelos instrumentistas em cada trecho
musical; (c) exposição do material gravado a ouvintes músicos; (d) compilação de respostas emocionais dos ouvintes sobre cada trecho musical
apresentado, feitas por meio de escalas de diferencial semântico (alcance
1-9), referente às emoções acima mencionadas. Os resultados indicaram
um grau de acurácia semelhante na comunicação emocional entre intérprete e ouvinte para a emoção Alegria para ambos os grupos. Esta acurácia
não foi encontrada para as emoções Raiva, Serenidade e Tristeza: uma análise de variância mostrou que as respostas emocionais para os trechos
cuja intenção era comunicar a emoção Raiva foram distintas entre trombonistas e trompetistas. O mesmo teste mostrou confusão na acurácia da
comunicação emocional dos trechos cuja intenção era comunicar Serenidade e Tristeza, especialmente nos trechos executados pelos trombonistas. Os resultados desta pesquisa foram discutidos à luz do Brunswikian
Lens Model.
Palavras-chave: Comunicação emocional; música brasileira; trombone;
trompete.
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Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
The Emotional communication in Brazilian repertoire for trombone
and trumpet
Abstract: The purpose of this research was evaluating psychological processes involved in emotional communication through musical performances in pieces from Brazilian repertoire performed by trumpet and
trombone players. The research was divided into four stages; (a) recording of musical excerpts performed by trombonists and trumpeters that
they believed to trigger Happiness, Angry, Sadness and Serenity to their
listeners; (b) description of the acoustic code employed by performers in
each musical excerpt; (c) exposure of the recorded material to musicians
listeners; (d) compilation of emotional responses from listeners to each
musical excerpt presented, done through semantic differential scales
(range 1-9), referring to the emotions above. Results indicated a similar
accuracy degree in emotional communication between performer and listener referring to the emotion Happiness for both groups. This accuracy
was not similar to Anger, Serenity and Sadness: an analysis of variance
showed that emotional responses from excerpts whose intention was to
communicate Anger were different between trombonists and trumpeters.
The same analysis showed confusion in the accuracy of emotional communication for excerpts whose intention was to communicate Sadness
and Serenity, especially in excerpts performed by trombonists. Results
were discussed in the lights of Brunswikian Lens Model.
Keywords: Emotional communication; Brazilian music, trombone,
trumpet.
1. Introdução
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Juslin e Persson (2002) definem comunicação emocional em situações às quais o performer possui a intenção de comunicar uma emoção específica ao ouvinte. A concordância entre a emoção pretendida pelo performer e a emoção percebida pelo ouvinte durante uma escuta musical é definida como acurácia da comunicação emocional (Juslin, 2001). Assim, uma
comunicação acurada ocorre quando a intenção emocional expressa pelo
performer é compreendida pelo ouvinte. Por esse motivo, a expressão e o
reconhecimento da emoção devem ser sempre estudados de maneira integrada (Juslin & Persson, 2002). O Brunswikian Lens model, adaptado por
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Juslin (1995) é um modelo científico desenvolvido para tentar explicar os
processos mentais envolvidos na comunicação das emoções musicais. Os
performers expressam emoções específicas por meio de pistas acústicas (por
exemplo, andamento, nível sonoro, timbre,
re, articulação, entre outras). As
emoções musicais supostamente são reconhecidas por ouvintes que usam o
mesmo código para o julgamento sobre a intenção emocional do intérprete
durante suas performances musicais. Estes processos foram estudados tot
mando-se como base o repertório musical erudito europeu ocidental (Jus(Ju
lin, 2001).
Figura 1:: Pistas acústicas encontradas por Juslin (2001) na comunicação de emoções no repertório
musical erudito ocidental.
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A intenção emocional expressa pelo performer somada às intenções originais do compositor representam a expressão emocional de todo o conco
teúdo da performance.. O conteúdo destas intenções pode ser mensurado
por meio do cálculo preciso do conjunto de pistas acústicas (pedaços de
informação) que são usadas por compositores e performers durante a execuexec
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ção musical (Juslin & Persson, 2002). Entretanto, segundo Juslin e Persson
(2002), as pistas acústicas acima descritas dependem do instrumento utilizado em tarefas de comunicação emocional (Juslin & Persson, 2002), uma
vez que cada instrumento possui ergonomia distinta, cujos gestos podem
contribuir para a comunicação de diferentes emoções. O trombone e o
trompete são instrumentos da família dos metais. Estes instrumentos têm
sido frequentemente empregados em bandas marciais, na improvisação
jazzística e em contextos musicais populares brasileiros (Tinhorão, 1998),
diferentemente de outros instrumentos musicais ligados a contextos musicais eruditos europeus. O objetivo deste estudo, portanto, é avaliar os processos psicológicos que regem a comunicação das emoções em performances musicais de peças do repertório brasileiro executadas por trombonistas
e trompetistas.
2. Método Experimento I
Participantes: 12 participantes (6 trombonistas e 6 trompetistas) com
idades entre 27 e 38 anos (média=31,5), com pelo menos 10 anos de experiência em estudos sistematizados destes instrumentos.
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Material: o experimento foi realizado em uma sala isolada acusticamente, com tratamento acústico interno. À frente do músico havia um pedestal com um microfone da marca Behringer, modelo B-2 Pro, a interface
de áudio usada era da marca M-Audio, modelo Fast Track Pro, que estava na
sala técnica. Sobre uma mesa, havia quatro envelopes que continham o
nome das emoções a serem representadas. A interface estava conectada ao
notebook Macbook White. O software utilizado foi o Logic Pro 9.
Procedimento: os participantes foram contatados com quatro semanas
de antecedência e informados sobre as tarefas que deveriam executar no dia
do experimento. Os participantes foram agendados individualmente, no dia
e horário que melhor lhes conviesse. A cada participante era pedido que
sorteasse uma emoção (por meio dos cartões dentro dos envelopes) e exe-
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cutasse a música que ele acreditasse desencadear tal emoção a seus ouvinouvi
tes, procedendo da mesma forma com as outras emoções.
Análise de dados: um júri composto por três juízes (um trompetista,
trompetis
um trombonista e um pesquisador da área Cognição Musical) ouviu 40
trechos selecionados das gravações e analisou sintaticamente cada trecho,
descrevendo as pistas acústicas relacionadas à estrutura
trutura musical de cada
trecho.
2.1 Resultados Experimento I
A Figura 2 indica as pistas acústicas utilizadas nas performances dos
trompetistas e trombonistas participantes do estudo:
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Figura 2: Resumo da análise sintática dos juízes sobre os trechos musicais executados pelos trombonistas e
trompetistas
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2.2 Discussão Experimento I
Os resultados do presente estudo mostraram diferenças entre o código
acústico descrito no Brunswikian Lens Model e o código acústico baseado
nos trechos musicais dos trombonistas e trompetistas para as músicas brasileiras. Assim, novas pistas acústicas associadas à estruturas musicais relacionadas à música brasileira foram contempladas ao código acústico original
descritas no modelo. Conforme a Figura 2, para a emoção Alegria, o modo e
o andamento empregado foram semelhantes entre os dois grupos de instrumentos e, as diferenças aconteceram com pistas mais sutis. Segundo
Dalla Bella, Peretz, Rousseau e Gosselin (2001), estas são as duas pistas
mais preponderantes na comunicação das emoções musicais. Uma das
características mais marcantes nas performances dos trombonistas foi o uso
de ritmos tipicamente brasileiros. Neste sentido, a sincopa, presente em
diversos estilos musicais brasileiros são elementos que não estão presentes
no modelo apresentado por Juslin (2001).
Para expressar a emoção Raiva, os trombonistas utilizaram o atonalismo, o que não aconteceu com os trompetistas, que se mostraram indecisos
quanto à utilização dos modos. O andamento foi uma pista que não ficou
muito bem definida para ambos os instrumentistas. Porém, houve uma
tendência ao uso de andamento rápido, o que entra em concordância com
código acústico sugerido pelo Brunswikian Lens Modeli na comunicação
desta emoção.
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Quanto à emoção Serenidade, o modo utilizado por trombonistas e
trompetistas diferiu para a comunicação desta emoção: enquanto os trombonistas usaram predominantemente o modo maior, somente metade dos
trompetistas empregaram este modo (a outra metade usou predominantemente modos menores). O uso das demais pistas foi semelhante para os
dois grupos de instrumentistas.
Para a emoção Tristeza, os grupos de instrumentistas utilizaram pistas
acústicas semelhantes entre si. Tais pistas entraram em concordância com o
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código acústico sugerido pelo Brunswikian Lens Model, com exceção da
dinâmica a região de frequência, em que o modelo sugere usar uma dinâmica mais branda e uma região de frequência mais grave, o que não ocorreu no
presente estudo.
3. Método Experimento II
Participantes: 23 participantes músicos com média de idade de 21,8
anos, matriculados em cursos de graduação da cidade de Curitiba-PR.
Material: O software para a montagem, aplicação e registro dos dados
do experimento foi o E-prime. Foram utilizados 40 trechos gravados no
experimento I, com 20 segundos de duração cada um. Os computadores
usados para a coleta de dados foram da marca Lenovo. Os trechos foram
ouvidos por meio de fones de ouvido Philips modelo SHP 1900. O experimento contou com a participação de 4 a 6 participantes por sessão.
Procedimento: após assinarem o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido, aprovado pelo Comitê de Ética da UFPR, os participantes
recebiam as instruções: “Vocês escutarão alguns trechos musicais e, após a escuta
de cada trecho, atribuirão notas de 1 (pouca emoção avaliada) a 9 (forte presença
da emoção avaliada) em relação às emoções que perceberem durante a escuta. Os
números entre 2 e 8 significavam nuances entre um extremo e outro da escala.
Todos os trechos musicais serão avaliados em quatro escalas emocionais, sendo
elas: Alegria, Raiva, Serenidade e Tristeza. Após o término da tarefa, vocês responderão um questionário complementar. Podemos começar?”. A ordem de apresentação das escalas emocionais e dos trechos musicais foi randomizada entre
os participantes, que levaram, em média, 25 minutos para o término do
experimento.
Análise de dados: O teste ANOVA foi empregado para comparar as
médias dos julgamentos emocionais dos trechos musicais seguindo o design
experimental 2 (instrumentos) x 4 (emoções). Um post-hoc Newman Keuls
fez uma análise pareada entre grupos.
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3.1 Resultados experimento II
A Figura 3 indica as médias das respostas emocionais dos ouvintes em
relação aos trechos musicais gravados no Experimento I por trombonistas e
trompetistas para comunicarem emoções específicas.
Figura 3: Médias das respostas emocionais (alcance 1-9) dos ouvintes em relação aos trechos
musicais gravados no Experimento I por trombonistas e trompetistas para comunicarem emoções
específicas.
Após a aplicação do teste ANOVA, não foram encontradas diferenças
estatísticas entre respostas emocionais para os trechos gravados por trombonistas e trompetistas para a comunicação da emoção Alegria. Este resultado sugere uma alta acurácia na comunicação entre performer e ouvinte
referente a esta emoção, para ambos os instrumentos.
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Após a aplicação do teste ANOVA, diferenças estatísticas foram encontradas entre respostas emocionais para os trechos gravados por trombonistas e trompetistas para a comunicação da emoção Raiva (F=6,705;
p=0,000208). Este resultado sugere que o grau de acurácia na comunicação
da emoção Raiva foi diferente entre trombonistas e trompetistas. Além
disso, o post-hoc Newmann Keuls não indicou diferenças entre as médias dos
julgamentos das emoções Alegria e Raiva para os trechos referentes a emo-
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ção Raiva executados ao trompete, indicando que os trompetistas tiveram
uma acurácia menor do que os trombonistas no processo de comunicação
emocional.
Para os trechos referentes à emoção Serenidade, o teste ANOVA não
indicou diferenças estatísticas entre as médias das respostas emocionais dos
ouvintes entre os trechos executados por trombonistas e trompetistas. O
post-hoc Newmann Keuls não apresentou diferenças entre as médias das
respostas emocionais das emoções Serenidade e Tristeza para os trechos
gravados no trombone com a intenção de comunicar Serenidade, indicando que os trombonistas comunicaram a emoção Serenidade de maneira
confusa (os trechos foram entendidos pelos ouvintes como sendo tristes).
O teste ANOVA não indicou interação entre instrumento e emoção
para os trechos referentes à emoção Tristeza. O post-hoc Newmann Keuls
não apresentou diferenças entre as médias das respostas emocionais das
emoções Tristeza e Serenidade para os trechos executados ao trombone
com a intenção de comunicar Tristeza, indicando que os trombonistas
comunicaram esta emoção de maneira confusa (os trechos foram entendidos pelos ouvintes como sendo serenos).
3.2 Discussão experimento II
De modo geral, ambos os instrumentos conseguiram comunicar a emoção Alegria aos seus ouvintes. Tal emoção apresentou os resultados mais
consistentes e homogêneos em comparação às outras emoções.
Os resultados referentes aos trechos representantes da emoção Raiva
indicaram que houve diferença entre os trombonistas e trompetistas no
processo de comunicação emocional: os trechos executados pelos trombonistas apresentaram scores mais altos que aqueles executados pelos trompetistas. Além disso, houve confusão por parte dos ouvintes entre a compreensão das emoções Raiva e Alegria nos trechos referentes à Raiva executa-
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dos pelos trompetistas. Isso indica que a emoção Raiva foi comunicada de
maneira mais acurada pelos trombonistas.
Para os trechos em que os performers tinham a intenção de comunicar a
emoção Serenidade, os resultados indicaram que não houve diferença entre
os scores de trombonistas e de trompetistas, mas houve uma confusão por
parte dos ouvintes no que tange a compreensão dessa emoção. Os trompetistas foram mais eficazes no processo de comunicação da emoção Serenidade.
Os resultados referentes a emoção Tristeza indicaram que houve diferença entre as médias das respostas emocionais dos ouvintes entre os trechos executados no trombone e no trompete. Trechos executados no
trompete obtiveram scores maiores nas respostas emocionais do que os
trechos executados pelos trombonistas para tal emoção. Além disso, houve
confusão na compreensão dos ouvintes entre as emoções Tristeza e Serenidade, indicando que os trompetistas foram mais eficazes no processo de
comunicação emocional de Tristeza.
4. Conclusão
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De modo geral, parece haver duas pistas acústicas que são fundamentais e determinantes no processo de comunicação emocional: o andamento
e o modo. As outras pistas, consideradas mais sutis, podem atenuar ou acentuar as emoções intencionadas pelos intérpretes na comunicação emocional com seus ouvintes. O uso de elementos não contemplados pelo código
acústico do Brunswikian Lens Model (ritmos brasileiros e a síncope) não
afetou o julgamento emocional dos ouvintes. Isso mostra que a música
brasileira pode contribuir para uma ampliação do modelo em que esta pesquisa foi baseada.
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5. Referências
Dalla Bella, S., Peretz, I., Rousseau, L. & Gosselin, N. (2001). A developmental study of the affective value of tempo and mode in music. Cognition, 80: B1-B10.
Juslin, P. N. & Lindström, E. (2011). Musical expression of emotions: modeling listeners’ judgments of composed and performed features. Music
Analysis, 29, 334-364.
Juslin, P. N. & Persson, R. S. (2002). Emotional communication. In:
Parncutt, R. & McPherson, G. E. (Eds.). The science and psychology of
music performance: strategies for teaching and learning (pp. 219-236).
New York: Oxford University Press.
Juslin, P. N. (2001). Communicating emotion in music performance: a
review and a theoretical framework. In P. N. Juslin & J. A. Sloboda
(Eds.). Music and emotion: theory and research. New York: Oxford University Press.
Tinhorão, J. R. (1998). História social da música popular brasileira. São Paulo:
Editora 34.
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