O Código dos Piratas

Transcrição

O Código dos Piratas
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O Código dos Piratas
e a Ilha do Diabo
Uma Obra de
Cleiton Leandro
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Em tempos de guerra, a morte é tão presente quanto o ar que
respiramos.
Cleiton Leandro
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Capítulos:
1) Os anéis;
2) A velha louca;
3) O Bairro Pirata;
4) Sou pirata, sou pirata,
Sou pirata, sim,
Sou pirata, sou pirata,
O fundo do oceano é o meu fim;
5) Tibério;
6) O pedido de casamento;
7) A fuga;
8) O adultério;
9) Os beijos;
10) Perseguição;
11) Theodoro e Daniele;
12) A punição de Nina;
13) Boa noite, Mercy;
14) O anel sobre o criado mudo;
15) Queimadura;
16) Captura, prisão e tentativa de assassinato;
17) O Grande Baile;
18) Rafael é salvo novamente;
19) O roubo;
20) Sequestros;
21) Os anéis direcionam o curso da aventura;
22) O Código dos Piratas;
23) Um mundo além desse;
24) Heitor retorna;
25) Liron, o animal sagrado;
26) Urso e dragão;
27) A ilha do diabo;
28) A captura do Código;
29) A sétima e última maldição;
30) A vila de Santos é invadida;
31) Dar-se início uma grande desventura.
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Prólogo
A lua minguante, uma pequena fatia quase a desaparecer, produzia o único
fragmento de luz que tentava vencer a escuridão quase dominadora. A névoa fechava
esse triângulo, tornando tudo bem mais assustador e horripilante.
A água calma e tranquila do oceano era negra, refletia a escuridão do céu, e
suas espumas prateadas batiam de leve na beira da ilha que se via só por todos os
lados. Só, como se esquecida pelo mundo, como se amaldiçoada pelos deuses à
solidão. Guardiã de um valioso objeto e habitada por criaturas horrendas, tendo um
único destino: a solidão... O Código.
Projetada para barrar junto com os seres que nela viviam os gananciosos,
mercenários e loucos pelo poder e assim impedi-los de conseguirem ter em mãos o
objeto mais desejado por mortais e imortais, o mais poderoso instrumento do mundo.
Pois, aquele que o fosse detentor, serias capaz de obter o mundo aos seus comandos e
ordens, se tornaria o rei do planeta e aqueles que não o obedecessem, o dono do
mundo teria a capacidade de mover céus, terras, mares, destruir impérios, matar e
controlar os mortos. Incapaz de limites com tal iguaria.
A praia em torno da ilha sofria efeitos do escuro e da pouca luz que davam à
areia a aparência de ouro em pó. No seu interior uma mata tropical, úmida e fechada
era o habitat de seres monstruosos, soldados a protegerem e assegurar tal relíquia.
Um grito rompeu do meio da mata, como uma faca que se aprofunda num
corpo com força. Desespero e rápidos movimentos, correria e agilidade, medo e
adrenalina. Tiros e mais gritos.
De repente tudo se quieta, tudo para. Um novo ataque seria dado, apreensão,
espera... Dor.
Seis homens param num beco entre grandes pedras, medo e pavor desenhavam
seus semblantes. De armas em punho e em mira, tentavam si proteger.
-Capitão o que faremos?!-um dos homens suando, respirando fundo, de posto a
atirar, questiona o líder de cabelos compridos.
-Acalmem-se homens. Precisamos arrumar um meio de voltar à praia, ao navio.
De armas em punhos, se protejam. Sigam-me, acharei o caminho. -respondeu o
capitão que tentava transparecer tranquilidade e confiança. Mas, na verdade ele se
auto enganava.
-Capitão, há horas estamos lhe seguindo, e há horas diz que achará o caminho.
Mas estamos andando em círculos. –falou um dos homens à direita que tremia como
um galho novo de árvore numa ventania.
Olhos vermelhos se destacaram à frente deles. No meio da escuridão da mata
olhos vermelhos e brilhantes, como pedras de rubi resplandecentes, destacaram-se.
-Eles estão se aproximando, chegando mais próximos. - o pequeno homem no
meio de todos, descrevera a posição das criaturas.
-Meu Deus, o que são essas criaturas? De onde vieram? Pai nos proteja! -um
homem magricelo e calvo, beijou a cruz pendurada em volta do seu pescoço.
-Preparem-se homens, de armas apontadas. Firmes. -o capitão preparava seus
homens para uma luta sangrenta.
Os olhos das criaturas pararam a frente deles, rosnados intensos, elas estavam
preparadas para atacar.
E nesse momento tudo parou: homens e criaturas, caça e caçadores.
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O capitão saiu correndo, sem direção em desespero ao nada, para o meio do
mato, com a esperança de salvar-se.
-Capitão?!Para onde vai?!-perguntou um dos homens, olhos arregalados e
adrenalina ao ápice.
-Estão livres, são homens sem capitão. Sem necessidade de me servirem,
homens sem dono ou chefe. É cada um por si. Boa sorte homens! -correndo no meio
do mato, a fim da sorte declarou o suposto líder.
Os cinco homens permaneceram parados sem ação, os olhos vermelhos a
espreita estavam paralisados prontos para o ataque. O vento parou.
-Corram!-gritou o homem baixinho que deu um tiro em frente tomando um
rumo qualquer.
Todos correram, as criaturas saíram da escuridão, velozes atrás de suas presas.
Um monte delas de todos os lados, ágeis e famintas!
Enquanto isso, o capitão corria em desespero. Pegou vários caminhos a fim de
desviar as criaturas e tentar se salvar. Poeira se ergueu, ramos se quebraram.
Movimentação no meio da mata, rosnados, tudo tomando proporções assustadoras.
Os olhos do capitão só enxergavam algumas patas, aos flash's da pouca
iluminação. Suor e medo nunca sentidos por tal homem em nenhum momento já
vivido.
Um arbusto no caminho fê-lo tropeçar, cair e rolar. Um barranco à frente,
rolou-o, desceu ladeira abaixo à contra gosto, ação da gravidade.
Caiu numa vala e sua arma caiu ao seu lado. A luz do luar dava a melhor
luminosidade da ilha ao local.
Tal homem com cortes, sujeira e dor se levantou com dificuldade. Viu um único
caminho, escuro, uma interrogação de sobrevivência seguir por ele.
Guizos, como um chocalho, de repente soaram de tal caminho. Uma criatura
forte, onipotente. Um olho prateado no meio do nada apareceu.
O capitão numa ação desesperada tentou pegar sua arma no chão. Mas, a
criatura entrou em cena, enrolando-o com força.
O homem e criatura olharam-se fixamente. Presa e predador. A imensa criatura
de quatro metros de comprimento, aparência de um réptil e forma de planta, tinha o
corpo formado por entrelaçados de galhos e algumas poucas folhas dispersas ao longo
de toda sua estrutura herbácea.
A boca com dentes de fortes galhos se abriu e efetuou o ataque.
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Capítulo 1: Os anéis.
Theodoro abriu os olhos, despertou do sono. Acordou, a dor em seu dedo
anelar na mão direita como uma brasa fê-lo escapar do mundo dos sonhos e fantasias
para a realidade. Se acomodando sobre o apoio de madeira em movimento e entre
panos, sentou-se. Retirou o anel e verificou a queimadura efetuada pelo objeto em seu
dedo.
Girando a mão acompanhou o curso da cicatriz. “O anel me queimou? Como
isso é possível?”, perguntou a si mesmo. Segurando o anel na outra mão, encarou-o
como nunca havia desde que ganhara de seu pai.
-Bom dia, rapaz! Teve bons sonhos?- perguntou o senhor que conduzia o
transporte, fazendo Theodoro desconcentrar de seus pensamentos e análise do
ferimento.
-Hã... Bom dia!- respondeu o jovem com a voz leve, típica de quem acabara de
despertar do sono.
Colocando o anel na mão esquerda, disfarçou caso o seu despertar tenha
parecido estranho ou algo do gênero, e assim fazendo-o obrigado a responder
perguntas que não quisesse.
-Daqui a pouco será meio dia, o sol estará no meio do céu, salpicando!
Chegaremos em breve ao nosso destino antes do sol se pôr. -disse o carroceiro tirando
um enferrujado relógio do bolso da calça, confirmando o que estavas a dizer. -Sei que
pode parecer velho, mas marca as horas direitinho, nunca me deixou na mão.
Excelente instrumento! Ganhei de um mercador há uns quinze anos mais ou menos na
província de Pernambuco. -guardando o objeto novamente na roupa.
-És um rapaz de poucas palavras. O máximo que sei de ti é que está de
mudança... -o velho homem tentou ser amigável tentando puxar assunto.
Sentando-se ao lado do condutor, Theodoro apertou os olhos irritados pela
forte luz do sol com os dedos. Bocejos e despreguiço deram evidências de ter acabado
de acordar.
-Não gosto muito de falar, gosto mais de observar. -respondeu após um bocejo,
pretendendo não prosseguir com a conversa.
-O seu nome mesmo? Como se chama? -persistiu o senhor.
-Theodoro Castro. -vendo não conseguir manter o silêncio, o rapaz prosseguiu
a conversa com a intenção de controlar os assuntos pretendidos a ser discutidos pelo
carroceiro, que tentava lhe arrancar informações de sua vida. -E o senhor como se
chama mesmo... Balmiro Costa...
-Barmiro Costa de Lagoas. -completou o velho, demonstrando ter um leve
sotaque caipira. Um senhor moreno queimado do sol, de barbas longas e olhos
escuros, aparentando estar na metade de sua vida, seguiu o olhar dos olhos para o
anel do rapaz. –Tens um belo anel! Ganhara na sorte? Herança? Falcatrua?
-Não sou ladrão ou qualquer cargo contrário à lei e ordem, se é isto que quer
saber. Herança, o ganhei de meu pai. A única coisa deixada por ele a mim. Nem toda
fortuna da Corte Portuguesa, nem todo ouro das minas seria capaz de pagar o seu
valor. -a imagem do pai apareceu em sua mente, boas recordações de seu grande
herói.
-Seus olhos brilham quando fala de seu pai, deve considerá-lo muito. Deve
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amá-lo ainda.
-Meu pai foi um grande homem! Um homem de bom caráter, capaz de lutar
pelos seus ideais e princípios. Infelizmente teve um fim de vida triste, injusto para um
homem como ele era.
-Vejo ódio em seus olhos e um ar de vingança em suas palavras. -disse o senhor
encarando o jovem, pois aquele sabia o que dizia, experiências de vida. -A questão é:
será que a vingança vale a pena?
-A justiça vale a pena! –exclamou Theodoro pondo fim na conversa, irritado.
Voltou-se à paisagem, um grande pasto verde com alguns arbustos dispersos sobre ele,
o início de um pequeno bosque ao fundo e o seu pensamento concentrado em um
lugar pouco distante dali.
Vila de Santos, litoral da província de São Paulo, Brasil, 1773.
Em um dos morros mais altos da cidade, se encontrava a mansão da família
Hamburgo. Uma imensa casa, com uma linda vista para o mar, uma das maiores da
cidade e até mesmo da região. Uma residência com vários quartos, salas, biblioteca
etc. Uma casa com muito luxo e riqueza.
O patriarca da família, o senhor Rafael Nunes Hamburgo, era consagrado por
todos e com boas relações com a Coroa Portuguesa. Dono de uma das maiores frotas
de navios mercantis da Colônia, que levavam produtos, especiarias e outras coisas mais
para a Metrópole e depois para o resto do mundo.
Um homem consagrado pela população da pequena vila que se encontrava no
auge de sua evolução e desenvolvimento. Homem influente na política, economia,
infraestrutura e tudo que envolvia o município. Respeitado por todos.
Com um casamento de mais de vinte anos com a filha de um político de
importância, Orlando Tomas Goes, inglês que conquistou riqueza em terras brasileiras.
A senhora Maria Aparecida Goes, uma bela dama, de bons modos, vista como exemplo
de discrição, postura e fineza por todas as mulheres da vila.
Desta união nascera a menina, já mulher aos dezenove anos de idade, Daniele
Goes Hamburgo. Moça de requinte, inteligência, modos e várias qualidades pela
educação recebida. Dona de corpo belo, cheio de curvas e forma exuberante,
provocador de desejos e sonhos nos rapazes locais. Mas, nunca tão amada e desejada
por um homem, o braço direito de seu pai nos negócios, Ottávio de Mello.
Em uma típica manhã de verão, num país tropical, próximo ao meio dia, o sol
brilhava forte e onipotente, com poucas nuvens no céu e uma úmida brisa vinda do
mar.
O senhor Rafael chegou a sua casa sobre sua fabulosa carruagem e com dois
belos alazões negros a puxando. Estacionando em frente à porta de entrada da imensa
mansão, o dono de grande fortuna desceu da carruagem.
-Vá se alimentar e alimente também os animais, meu caro. Terei uma tarde
longa e cheia de trabalho, precisarei muito de seus serviços e da força deles. -disse o
patrão ao cocheiro a caminho para dentro de sua casa a fim de se alimentar e desfrutar
de um bom e delicioso almoço.
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-Sim, senhor. -o escravo obedeceu, levando o transporte e os animais ao local
que lhes eram reservados.
Rafael entrou em sua casa pendurou o chapéu num objeto ao lado da porta, e
se defrontou com a filha descendo as escadas.
-Boa tarde, papai. -disse Daniele como se sua voz flutuasse no ar. Sua voz era
leve, calma e suave.
O pai admirou a filha por alguns instantes. Cabelos negros ondulados, pele lisa,
olhos como pérolas negras, uma boca fina e avermelhada, uma donzela, uma linda
moça. Inocente e de bom coração. Um grande orgulho tomou o coração do pai, um
sorriso apareceu em seu rosto.
-Boa tarde, minha filha. -saindo do momento de admiração de sua única filha, o
pai cumprimentou-a.
-Sais-te cedo meu pai. Mamãe disse que nem mesmo tomou café-da-manhã.
Aconteceu algo? Problemas? -a filha se mostrava preocupada e interessada com os
problemas do pai.
-Não se preocupe, está tudo bem. Havia um empecilho, mas já resolvido.
Quero dizer, negócios a serem resolvidos. Fico grato com sua preocupação. - com um
ato de carinho, o pai beijou a testa da filha. -Como foi sua manhã? E como anda as
aulas de francês?
-Bien, monsier. -Daniele tentou demonstrar estar indo bem nas aulas da
charmosa língua de descendência latina. -Passamos a manhã em estudo, eu e a
senhorita Mercy. Faz pouco que ela foi embora.
-Vejo que está a gostar e se saindo bem. Espero que aprenda fluentemente a
falar francês. É uma língua nobre e conhecida no mundo.
-Mercy é uma boa e paciente professora. E também estou me dedicando a
aprender.
-Era o que eu esperava. Sabe que gosto de pessoas com garra e dedicação no
que fazem, seja o que for. As valorizo. E como minha filha, irei cobrá-la.
-Não irei decepcioná-lo.
-Mas o que fazes com luvas? Num calor desses em pleno verão? -perguntou
Rafael após observar as luvas brancas e finas de seda nas mãos de sua filha. -O Brasil és
belo e maravilhoso, mas não nos dá a graça de usarmos trajes de luxo em seus tempos
de alta estação.
Daniele se encontrou num impasse. Encabulada, esfregou as mãos uma na
outra, gaguejando meias palavras.
Maria Aparecida entrou no recinto, quebrando o ar pesado e interrogativo
sobre a filha.
-Desde quando existe momento ou lugar para se ser elegante?! -Maria
Aparecida exclamou salvações à classe e ao luxo. Vestia um elegante vestido de nobres
panos e de fina-costura, vermelho rubi e com detalhes em negro. Com os cabelos
soltos e graciosos lhe valorizando a aparência de jovem e rara beleza.
-As palavras de uma verdade lady, uma mulher de valores altos e caros. interpôs o marido.
-A elegância e luxo têm preços, meu caro, e nunca hesitarei em pagá-los.
Proporcionam-me o melhor, e tento encontrar o que têm de mais raro e mais belo que
possa se admirar.
-É assim que ela se mantém como um grande símbolo para as mulheres desse
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local, e concordo com o que ela disse. Respondo-lhe, meu amado pai, dicas de uma
sábia, ser elegante nunca é demais. -dissolvendo o assunto a bela moça seguiu para a
sala de jantar.
-Criou-te outra de você. Sua imagem nas palavras e nos modos. –afirmou o pai.
O casal seguiu os passos da filha à sala de jantar.
-Como andam as coisas em Santos? O que estais a haver? -perguntou a esposa,
encabulada na pressa do marido durante o início da manhã em resolver assuntos
urgentes, como ele informou.
O senhor Hamburgo lavou as mãos sobre uma bandeja trazida por uma escrava
que despejou a água de uma jarra, secando-as em seguidas numa toalha.
-Alguns negócios tinham grande urgência em serem resolvidos. –respondeu
ele, sentado na cadeira na ponta da mesa, mostrando a cultura patriarcal na casa.
-Zilda, sirva-nos. –ordenou a senhora à escrava que voltava à cozinha levando
os objetos trazidos para o seu senhor manter a higiene.
-Negócios meu pai? O que são? -indagou a filha, voltando a se mostrar
preocupada nos assuntos do pai e seus negócios.
-Assuntos da Coroa e os meus serviços. Assuntos que devem ser mantidos em
sigilo no momento. -querendo manter os assuntos de negócios e família distantes um
do outro disse o senhor Hamburgo arrumando o guardanapo sobre o colo. -Vocês não
têm nada com os meus negócios e assuntos. Não precisam se preocupar. Devem estar
preocupadas com os vestidos que irão usar no baile que eu darei daqui a alguns dias.
Duas escravas entraram no recinto trazendo as louças com comida.
- Um baile! Que adorável e entusiasmante. Estávamos precisando de alegria e
festa aqui na vila de Santos. -a mulher animou-se.
-Devem ser assuntos importantes e confidências da Coroa, que nem podes
confiar em falar para sua filha e esposa. -a curiosidade lhe foi maior, Daniele tentou
tirar do pai o assunto misterioso. Depois se voltou para a escrava: - Obrigada, está bom
este tanto.
-Não tens o que ser dito a vocês, não há necessidade. Vejo que a senhorita
Mercy está passando poucos exercícios com os quais deve se preocupar Daniele.
Negócios da Coroa e meus serviços, sem interesse algum a vocês. –disse Rafael pondo
fim no assunto e dando início a oração de agradecimento pela refeição à mesa.
Piratas: os oceanos são suas vidas, suas vidas são os oceanos. Suas cobiças e
conquistas são sobre a fortuna alheia, ganhas de formas nada sutis, ilícitas,
contrariando as regras das boas leis. Suas aventuras e peripécias engendradas por
batalhas de canhões e espadas, em alguns momentos também por revólveres de fogo.
Seus desejos e sonhos em lendas, mitos e mulheres da vida. Seus fins, o fundo dos
mesmos que lhe trouxeram glória, liberdade e prazer em viver... O fundo dos oceanos.
Em algum lugar no meio do oceano Atlântico entre Brasil e África...
Luigi fez caras e bocas. A queimadura efetuada pelo anel em um de seus dedos
da mão esquerda não estava lhe proporcionando conforto ou bem-estar e sim dor e
arrepios. O anel em brasa lhe deixou uma profunda marca no dedo. Lembrou que só
havia acontecido isso quando era criança, alguns anos depois de ter ganhado a honra e
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o compromisso de ser o dono do anel pelo seu pai. Fato que acontecera por piratas
tentarem capturar o Código. Desse ato somente um marinheiro do navio que atracara
na Ilha do Diabo conseguira escapar com muita sorte e maestria, Marcos Olivier. Que
depois da imensa proeza de se safar são e salvo da ilha passou a vender mapas a
piratas e outros que cobiçavam o poder, dando lhes a esperança de poderem dominar
o objeto dos objetos. Mas sem dizer um detalhe, para destrancar o Código era preciso
os anéis.
No convés abaixo da parte superior do navio, um convés com redes, camas
improvisadas, trapos velhos, roupas batidas, objetos e quinquilharias tentavam dar
conforto e a impressão de um lar aos marujos, sugestão de uma boa hospitalidade à
tripulação. O dono de um dos três anéis, parte de uma chave capaz de abrir um
cadeado que trancava com fortes e resistentes correntes o mais poderoso objeto já
existido, O Código dos Piratas, se encontrava a observar o seu dedo ferido.
Enrolando um pano em volta da mão, para esconder a queimadura dos olhares
de outros, Luigi foi pego de surpresa por uma interrogativa do velho e braço direito de
seu pai, Bartolomeu Perez Sanches: - O anel está alertando intrusos na ilha?
-Sim, todos mortos, nenhum sobrevivente. -Após tomar conta da presença de
Bartolomeu, por um leve susto, o jovem pirata respondeu com precisão nas palavras o
que vira nas visões, pela ligação entre anéis e ilha.
-Marcos tem de parar de vender aqueles mapas. Está sendo um assassino
sanguinário. Pondo ilusões em muitos sem explicá-los o que é necessário para ser dono
do Código. -interpôs o velho homem, pegando o anel dourado que se encontrava sobre
a improvisada cama admirando-o alguns instantes e depois estendendo ao rapaz que o
pegou pondo em seu dedo anular na mão direita. O velho sentou-se, cansado.
-Não o considero culpado, todos que tentam tomar o Código em tal local que
esse objeto se encontra, passa-se responsável pelo seu fim. Cegos pelo poder se
entregam a morte. -disse o jovem Luigi.
-Piratas, qual deles não sonha em conquistar um grande tesouro? A ganância e
gosto pela aventura está em nossos sangues. -Giulia apareceu vinda do convés abaixo,
com uma garrafa nas mãos. -Ah, lembrem no próximo porto que atracarmos que
precisamos de mais rum, estamos nas últimas garrafas. Mas o que houve, por que
falavam dos mapas de Olivier?
-Intrusos na ilha. -respondeu Bartolomeu levantando-se com as mãos nas
costas, a idade já não lhe proporcionava os mesmos movimentos de alguns anos atrás.
-Todos liquidados! -o irmão ressaltou.
-Tudo tem um preço. A intromissão na ilha, sua vida é a moeda cobrada. Não
quero que comente esse assunto com papai. -advertiu o irmão, a moça que poderia ser
confundida com um rapaz em aparência, atos e vestimentas.
-Está certa. Pedro não esta em condições de preocupar-se com nada,
principalmente com os intrusos na ilha por seguirem os mapas de Olivier. -concordou o
velho homem em meio a gemidos.
-Como guardião do anel, sei o que faço e digo em relação as ações do mesmo. Luigi demonstrou firmeza em suas palavras.
Um marinheiro vindo do piso superior do navio desceu as escadas correndo:
-Giulia, Luigi, o capitão está passando mal!
Os filhos do senhor do navio mais o seu melhor amigo adentraram rapidamente
o quarto do capitão que se encontrava no piso superior.
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Pedro Gregório Matarazzo, capitão do navio Minerva, já expirara e esbanjou
vida pelos três oceanos do planeta. Navegou sobre muitas águas, se aventurando em
muitas histórias e com muitas pessoas.
A mais gloriosa delas, a captura do Código e morte de seu dono. Um dos quatro
marinheiros que detiveram o Código e puseram pausa a uma fase de destruição e
guerra no mundo. Com isso ganhou a honra de possuir uma das três peças de uma
chave capaz de destrancar tal objeto e participar como um dos líderes de uma Ordem
que se comprometera em manter o mundo e o Código dos Piratas um longe do outro.
Após alguns anos passou o dever de detentor de um dos três anéis, a um de
seu mesmo sangue e que pudesse fazer o mesmo que faria para manter “a paz” no
mundo, seu filho, seu segundo filho. Aos onze anos de idade, o pequeno Luigi, órfão de
mãe aos cinco anos, tornou-se responsável por tal compromisso, herdou do pai o
objeto prometendo sua vida que manteria o que lhe foi confiado.
Matarazzo agora se encontrava sobre os domínios de uma doença e a viver
sobre uma cama. Uma doença sem cura o degenerando cada dia mais. Consciente que
deixaria o mundo em breve, cuidava aos seus modos para que tudo se encaixasse
devidamente após sua morte.
A tosse era imensa. Tal lástima o tomou e ele não tinha nenhum poder de
controle sobre a mesma. Uma comprida e seca tosse, deixando lenços e mais lenços
encharcados de sangue.
-Pai! -exclamou a filha, pondo-se ao lado da cama do capitão do famoso
Minerva. Preocupada, esforçando-se para lágrimas não escorrerem de seus olhos.
-Falta-me pouco para por os meus testículos boca a fora. -depois de muito
sangue expelido, Pedro Gregório satirizou sua situação, até mesmo rindo de seu estado
de enfermo.
Risos de todos que se encontravam a observar o capitão, todos apreensivos e
preocupados. Marujos se espremiam nas pequenas janelas e na porta.
-Não tem graça! Está mal! -interpôs Giulia que acariciou os cabelos do pai.
-Ah, minha querida, temos de estar conscientes... Estou próximo de ir morar
no fundo dos oceanos com Poseidon. -dizendo isto uma outra tosse lhe tomou conta.
Olhares estavam focados na anciã de luta por vida de seu capitão e o
sofrimento que era por ele vivido.
-... Queria saber por que todos me observam, vamos todos, voltem ao
trabalho... Todos ao trabalho. -ordenou o capitão, acabando com a situação onde
estava sentindo-se encabulado.
Correria e esbarrões, os marinheiros seguiram desesperado a fim de
obedecerem as ordens de seu capitão.
-... Pulso firme como sempre, meu capitão. -falou Bartolomeu com risos.
-Ainda sou o capitão! E pela força de Poseidon Giulia, pare com isso. Não estou
morto, pelo menos por enquanto. Não preciso também ser tratado com uma donzela! disse Pedro Gregório, que não se mostrava fraco nem mesmo no fim de sua vida.
Giulia se pôs de pé.
-Que faixa é essa em sua mão Luigi? Nada com o anel, não é mesmo... perguntou o pai ao filho, com outra tosse tomando-o em seguida.
-Não, não. Uma corda me queimou. Não pude segurá-la. -Luigi mentiu sobre o
ferimento ao pai, não querendo preocupá-lo.
Giulia, Luigi e Bartolomeu trocaram olhares.
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-Ainda não aprendeste a manejar as cordas de um navio?! Ensine a ele Giulia,
sabe dar nós como ninguém.
-Pode deixar, meu pai. Agora largue de falar, precisa descansar. Durma. Está
fraco!
-Giulia, quando eu morrer irei dormir o suficiente. Não me faça parecer um
inútil. Quero levantar, preciso ver o sol, pegar uma brisa do mar no rosto...
-Papai, o senhor... -Giulia tentou conter o pai.
Pondo-se com esforço de pé, o capitão do Minerva, sentiu que suas forças
estavam indo embora.
-Pai, cuidado... -disse Luigi segurando Pedro pelo braço.
-Vão com calma... -alertou Bartolomeu
-Me soltem. Já disse e repito não estou morto ainda. -se apoiando no batente
da porta, o capitão do Minerva seguiu em direção ao peitoril do navio. Se apoiando
com dificuldade explorando toda sua força que lhe restava, focou o olhar ao longe,
respiração funda, mente concentrada no passado, tempos em que era jovem,
destemido em desbravar águas dantes não navegáveis, de se embrenhar em aventuras
que sua vida estava em risco. Mas ele, como qualquer jovem, sentia-se onipotente,
poderoso, único, capaz de tudo e sem qualquer possibilidade de se dar mal, somente a
gana de ser o melhor entre muitos.
Também vieram as lembranças de muitas mulheres de sua vida. Ah, Sílvia, a
única que se embrenhara com ele nas águas, lhe dera filhos. Mas logo, mais por
infelicidade do que pela doença ela se fora, se fora sem retornar nunca mais. A morte
dela deu a Pedro Matarazzo o papel de pai e mãe dos filhos, que nascidos com a
mesma anciã pelos oceanos se encaixaram com facilidade na tripulação do Minerva.
A brisa batendo em seu rosto lhe transformava a fisionomia, dando-lhe uma
boa aparência. Os fortes raios de sol se fazem como alimento a seu corpo e alma. O
imenso oceano a sua frente era como um sinônimo de suas várias lembranças vividas
no mesmo.
-Pai, por favor... -Giulia tentou fazer o pai voltar ao leito, preocupada em que
ele gastasse suas energias e sem elas o pior se antecipasse a chegar.
-Não. -Bartolomeu segurou a moça pelo braço. -Deixe-o por alguns momentos.
A jovem conteve-se em seu lugar, mas só de pensar na possibilidade de não ter
o pai ao seu lado e como capitão de pulso firme para comandá-la, um grande aperto
envolveu seu coração.
Luigi vendo o pai em tal estado sentiu a responsabilidade de tomar decisões,
só. Medo e temor tomaram sua alma.
Bartolomeu vendo o melhor amigo, companheiro em aventuras e desventuras
a sua frente, lembrou-se do mesmo quando jovem recém-empossado do navio que
viraria mito nas águas, com o coração a fervor, preenchido de vontade de se envolver
em grandes peripécias, com ganância e sonhos em tesouros. Com um físico de boa
aparência, cabelos pretos brilhantes, olhos grandes e palavras com imenso poder de
persuasão, que encantou mulheres e até mesmo homens por onde passou. Pedro
provocou paixões ilusórias, amores de rápida duração e muitos prazeres sexuais.
Bartolomeu sempre foi o braço direito de Pedro, desde que eram crianças.
Filho de pais espanhóis que foram à Colônia Portuguesa a tentarem uma nova vida.
Onde Pedro estava aprontando das suas, lá estava o pequeno, ruivo e com algumas
sardas ao rosto, Bartolomeu Sanches.
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Quando aos quinze anos Matarazzo tomou a decisão de se embrenhar nos
oceanos, Sanches nem se pôs muito a pensar, acompanhou o colega de infância.
Em festas e farras se envolveram em muitas. Tornaram célebres ao se
envolverem em uma briga na Noruega, viraram mitos. Lutaram e botaram fogo em um
bar-pensão, provocando raiva nos noruegueses, sendo perseguidos pelos mesmos por
muito tempo.
Pouco tempo depois de tornar-se parte da tripulação do Minerva, sendo o
braço direito de seu amigo, Bartolomeu como coadjuvante atuou na captura do
Código. Atuou com dignidade e força nas lutas contra tal impiedoso artefato, sendo um
pirata-soldado de grande importância nas batalhas.
Trinta e dois anos depois ao lado de seu capitão, após alguns segundos a
observar o horizonte, Bartolomeu Perez Sanches quebrou o silêncio e o momento de
lembranças mútuas:- Se os oceanos falassem...
-Meu caro amigo, estaríamos perdidos! - completou Pedro.
Risos dos dois companheiros de muitas aventuras se debateram com a brisa
quente.
A poucos metros dali, dois marinheiros, ajeitavam cordas e outros instrumentos
do navio.
-Parece que tão breve o Minerva e nós ficaremos sem capitão. -Danton Arrive,
um homem magro de cabelos loiros compridos até nos ombros, sujo, com roupas
moídas e portador de um sestro no olho esquerdo, sentia o clima de breve perda
pairando sobre toda embarcação.
Olhando de esguelha em seu capitão e no comandante de marinheiros,
Sebastian Munch, um homem alto, cabelos curtos e negros, nariz pontudo indicando
sua descendência inglesa, aos quarenta e dois anos de idade, vários sonhos não
realizados e de índole e caráter duvidosos, cabisbaixo, previu com leve sorriso em rosto
e voz baixa: - Com a morte de nosso capitão, grandes mudanças irão de vir.
-Estávamos eu, papai e mamãe. Pequenina corria em meio as folhas de outono
caídas das árvores da praça do centro, depois demos uma adorável volta de barco no
rio Sena. Ah, encantadora Paris, luxo e elegância! Parecia mais uma lembrança do que
um sonho... Paris deve ter se transformado, há anos não vou para lá. Deveríamos viajar
à Europa, nós três. Seria tudo muito novo e diferente para vocês dois. Rafael, meu
querido, nunca saiu deste fim de mundo, parece que teme o mar.- depois de contar
como fora o sonho da última noite e comentar a fobia do marido em relação ao mar,
Maria Aparecida tomou um pouco d'água molhando a garganta seca após um grande
falatório.
-Papai teme até mesmo ir à praia. -ressaltou a jovem Daniele que nunca vira o
pai se aproximar das águas do mar. - E o fato é intrigante, pois papai tem repulsão as
águas do oceano e nem mesmo ter navegado se quer uma vez em algum de seus
navios de sua esquadra.
-Como dono não há necessidade alguma de minha presença em qualquer uma
das tripulações de meus navios. Há homens muito bem pagos a executarem o trabalho
de liderarem as embarcações. E pelo que vejo hoje se desencadeara um alto grau de
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perseguição sobre seu pai, não é mesmo minha querida filha. -Rafael explicou à filha e
ressaltou sobre tais comentários que a mesma estava a fazer. -E saibam que já me
aventurei muitas vezes no oceano, mas tenho grande preferência pela terra firme.
-Desculpe meu pai, não estou a persegui-lo. Somente acho intrigante o fato de
sua aversão ao mar. -A filha expôs novamente sua curiosidade. Tal curiosidade, a jovem
Daniele não conseguira distinguir ainda se lhe era uma qualidade ou defeito.
-Intrigante é o fato de minha filha me insultar com um questionário de
interrogativas em meio a meu almoço. Perguntas que não haveria necessidade alguma
de minhas respostas, pois minhas ações respondem-nas... Vou ser curto e direto, não
gosto do alto mar! E espero que daqui em diante não me perturbe com perguntas sem
algum lucro intelectual. Se não houver nada de interessante a dizer, cala-te. -o senhor
Nunes Hamburgo pôs fim aos comentários da filha que estavam deixando-o
constrangido e irritado.
Zilda, a velha escrava que estava aos pés da mesa para servir seus donos,
encabulada abaixou a cabeça sem ao menos olhar aos lados, pretendendo ficar o mais
longe possível da discussão, como seus antepassados diziam, “raiva de branco é
descontada em negro”.
Somente o barulho do bater dos talheres nos pratos propagou-se no ambiente.
-Por favor, acalmem-se. Rafael contenha o seu nervosismo... E Daniele, minha
filha, contenha sua curiosidade e tenha mais respeito com seu pai. -a elegante senhora
Hamburgo desfez o clima pesado, tentando apaziguar a situação entre pai e filha.
-Desculpe-me, meu pai. O mal do ser humano são suas palavras. -desculpou-se
a filha, respeitando o pai, autoridade maior.
-Tudo bem, minha querida. -o homem então deu sinais à escrava para lhe servir
mais comida. -Seria uma simples resposta, não gosto de alto mar, sinto náuseas. Mas
pelo fato que estou um pouco apreensivo com meus negócios e assim simples
futilidades com facilidade me deixam irritado. Cochilei durante a noite, mal pude
sonhar. A preocupação e o nervosismo me tomaram a mente. -sinalizou à escrava estar
suficiente o tanto de alimento posto em seu prato. -Tirarei um cochilo após meu
almoço de alguns minutos, nem posso me dar ao luxo de descansar enquanto não
resolver tudo o que é preciso ser resolvido.
-A boa relação em família, é assim que deve ser. -a senhora interpôs – Espero
que sejam resolvidos esses empecilhos o mais rápido possível Rafael e que possa
descansar novamente ao deitar em seu leito para uma boa noite de sono.
-Já me sinto mais confortado com suas palavras, minha esposa. - Rafael após
agradecer sua parceira pretendendo manter o bom momento alcançado, perguntou à
filha tentando demonstrar já ter esquecido a breve discussão de outrora. - Nos conte
minha filha, diga-nos Daniele, como passou a noite? Dormiu bem?
A jovem moça foi pega de surpresa. Estava a fim de evitar o assunto de sonhos
e principalmente o seu da última noite.
Calafrios subiram por sua espinha ao pensar no pesadelo que tivera na noite
passada. Tomando um pouco de água evitando a garganta secar, trocou olhares com a
velha escrava, pois esta lhe acordou durante a manhã, Daniele revirava-se e gritava na
cama. A jovem acordou ofegante e logo se pôs a retirar o anel do dedo por causa de
uma queimadura feita pelo mesmo.
-Daniele?!- a mãe tocou a filha na mão direita chamando-lhe atenção já que a
moça havia se calado bruscamente.
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Daniele puxou a mão de pressa. O contato da mão de sua mãe com sua mão lhe
provocou dor no seu ferimento.
-Aconteceu algo com sua mão, querida?- a mãe preocupou-se com tal reação
da filha após tocá-la.
-Não, somente uma leve dor em minha mão. Devo ter pegado algo pesado
demais. – mentiu Daniele.
-Não conseguira dormir à noite, minha filha? Teve pesadelos?- o pai persistiu
em saber como foi os sonhos da filha.
Vendo não ter escapatória, estando num labirinto sem saída, Daniele sentiu-se
forçada a comentar sobre seu pesadelo, sonho que estava disposta a esquecer o mais
breve possível.
-Tive um horrível pesadelo. Tal sonho pretendo, esquecer logo... Havia uma
ilha... Havia homens correndo em desespero... Havia monstros. Monstros indefiníveis
de uma aparência horripilante!
Risos foram soltos pela mãe:- Estais a ler muitos contos de fada antes de pôr-se
a dormir.
Rafael engoliu a comida como se pregos descessem por sua goela, prendendo a
atenção ao relato da filha.
-Havia uma criatura de olhos prateados, de forma cilíndrica e com enormes
presas... -a moça continuou seu relato, tal cena fora tão nítida e verdadeira que não lhe
saía da mente.
Como se presenciasse frente a frente a criatura emergindo dos olhos de sua
filha para o ambiente, este relato provocara a reação do cérebro do rico senhor
Hamburgo, fazendo lembranças do passado voltarem com enorme agilidade.
Recordações de outra vida.
-Concordo com sua mãe, está lendo contos de fada em demasia antes de pôr-se
a cama. -Rafael sem querer aparentar qualquer reação que acarretaria em perguntas,
mascarou com astúcia sua surpresa para com o relato que provocara lembranças tão
desejosas em esquecê-las.
Efetuando sinais da cruz sobre os relatos da jovem senhora, Zilda a escrava
retirou-se do ambiente com a porcelana vazia em mãos.
-Rafael me diga, o baile será organizado por Margot como todos que são dados
por nossa família? -A elegante senhora Hamburgo questionou o esposo para poder
iniciar sua preparação ao baile que pelo que fora dito, iria ser um grande evento. E
mais uma vez conseguiu desfazer o mau clima, mas desta vez sem ao menos reparar o
que fizera.
-Sim, como sempre. Aconselho-te dar inícios aos seus preparos. -limpando os
lábios e pondo-se de pé, alertou o marido sua esposa. -Se possível o darei em menos
de um mês. Gente importante da Coroa irá participar e coisas importantes irão tomar
forma. Estou indo aos meus aposentos repousar-me um pouco. Avisem ao cocheiro
para estar preparado para voltarmos ao trabalho.
Seguindo em direção ao seu aposento sua mente entrou em fervor. Os relatos
da filha lhe colocara em alerta. Intrigante tal fato, teria de averiguar se fora somente
um pesadelo de uma donzela com a imaginação em fervor ou um fato verdadeiro. Era
um compromisso, uma promessa de anos atrás feita, e o anel que dera a sua filha
depois que completara quinze anos, confirmava tal voto.
-Daniele, teremos muita preocupação a partir de agora. O baile ocorrerá em
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breve, há desespero. Há urgência em irmos ao alfaiate, hoje mesmo. Irei me preparar,
para irmos, faça o mesmo sim. -Maria Aparecida levantou-se, seguindo a dar início aos
seus preparativos. Seus pensamentos já estavam voltados em tal evento festivo onde
iria mais uma vez pôr inveja em muitas mulheres, chamar as atenções para si pela
elegância e luxo que iria mostrar.
Daniele seguiu à cozinha onde estavam as escravas domésticas da grande
Mansão de sua família, para ordenar a retirada da mesa do almoço.
Ao adentrar no local de costumeira transição escrava e rara senhoril, viu a velha
negra de cabelos já brancos, de baixa estatura, com os pés ao chão e roupas batidas
em volta ao fogo à lenha, mexendo um caldeirão. Lembranças dos cuidados da escrava
para com ela quando pequenina vieram-lhe á mente.
A outra escrava, Nina, preparava as louças sujas pelo almoço de seus senhores
para lavar.
-Zilda, pode retirar a mesa, terminamos nosso almoço. - dizendo isto, Daniele
se aproximou do fogo e observou o que haveria dentro do caldeirão o qual a negra
estava mexendo com uma colher de pau. Havia um líquido de leve tom verde, com
forte odor e em fervura.
-Um bom remédio para queimadura sinhazinha. Lembra que estava preparando
para ti. Receita herdada de minha avó. - explicou a negra sobre o medicamento - Em
menos de uma semana, pode acreditar em nega Zilda, o machucado feito pelo anel da
sinhazinha dado pelo meu senhor, irá se curar.
-Agradeço. –disse Daniele demonstrando um pouco de compaixão, ato raro de
senhores com seus servos.
-Nina, por favor, vá retirar as louças da mesa. -ordenou Zilda à outra escrava
que sem pestanejar, obedeceu as ordens da escrava-governanta. A velha negra voltouse em seguida ao caldeirão - Só mais um tempinho estará pronto. Tire as luvas,
sinhazinha.
A jovem Hamburgo então retirou as luvas com cautela. Observando a lesão
efetuada pelo anel, Daniele fez-se várias perguntas. Interrogativas que não conseguia
obter respostas, somente mais dúvidas com ausência de respostas.
-Feito de boas ervas do mato. Quente o efeito é ainda melhor. -explicou a
escrava-governanta, colocando o caldeirão de pequeno porte sob uma mesa ao centro
do ambiente. Em seguida pegou panos para preparar o curativo na jovem. -Sinhazinha,
tenho certeza de que foi para o inferno em seus sonhos, somente o demônio seria
capaz de fazer isso. O anel deve estar enfeitiçado, amaldiçoado.
-Por Deus, Zilda. Não foi nada disso. Meu pesadelo não tem ligação alguma com
a queimadura do anel em meu dedo. -Daniele deu leves gemidos pelo efeito do
medicamento na ferida. -Tive um pesadelo, um comum pesadelo. Devo parar com
minha mania de devorar livros e mais livros antes de dormir. As escritas de Camões são
dominadoras de mente, penetrantes. Os Lusíadas têm várias criaturas e provocaram a
anciã da minha imaginação e acabei por levá-los ao meu sonho, tendo pesadelo... E em
tempos de calor, qualquer metal tem a capacidade de elevar sua temperatura, isso
explica como o anel provocou a queimadura em meu dedo.
-Acho melhor ir falar com o padre, sinhazinha. Ele saberá o que fazer. –
aconselhou Zilda tentando explicar o que houvera com sua senhora, usando o que
sabia de sua cultura, cheia de lendas e mitos. -Acho que isso é coisa do coisa lá de
baixo. Coisas do Satanás.
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Após alguns gemidos, Daniele com intenção de por fim em tais assuntos do
anel, do ferimento e do pesadelo, assuntos nada agradáveis e reconfortantes, ela expôs
à escrava:
-Pretendo esquecer o mais breve possível esse assunto. Já me encheu demais
os pensamentos. Não quero que o comente com ninguém, deves ficar calada, está me
ouvindo? Tenho tantas coisas com o que me preocupar... Minhas aulas de francês, o
baile que papai dará... Por favor, ponho um fim nisto aqui, agora. Acabou-se o assunto.
A escrava se calou continuando a fazer o curativo, agora muda, sem qualquer
balbuciar de palavras ou sons, e um tanto emburrada.
Daniele tentou desfazer-se de tais pensamentos, mas tais fatos eram tão
intrigantes que isto se fazia difícil.
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Capítulo 2: A velha louca.
Um grande cômodo com duas sacadas para os fundos da residência. Cortinas de
seda, lençóis de origem indiana, travesseiros de penas de gansos, uma enorme cama
confortável de fabricação francesa. Criado mudo sempre dominado por um bom livro e
água mineral caso sinta sede durante a noite. Tapete turco, armário de madeira de lei
das matas tropicais brasileira, uma mesa ao canto com duas cadeiras. Um quarto bem
decorado, cores de várias tonalidades calmas numa harmonia perfeita. Um cômodo de
luxo.
Daniele encontrava-se sentada em sua cama, com o anel sobre a palma de sua
mão. Observava-o. Em questão de segundos viu-se dentro de uma mata entre uma
alcateia de estrutura herbácea, repousando, tranquilos. Mas com sua presença alertouos e com agilidade tais animais a atacaram.
-Com licença, sinhazinha. -disse a jovem escrava Nina, com uma pilha de roupa
nos braços. Era uma negra aos vinte tantos anos, com grandes ancas de sua
descendência africana, lábios carnudos, cabelos crespos e pele escura. Andava com
roupas batidas, mas de bom aproveito, ganhas de seus senhores. Precisava de uma boa
aparência para trabalhar na Casa Grande, roupas que deixavam bem à mostra os peitos
bem afeiçoados, redondos e provocadores de desejos em vários homens.
Com a mesma rapidez que foi parar em tal lugar, voltou para o seu quarto. A
jovem Hamburgo, dando um salto para trás lançou o anel para longe, fazendo o objeto
cair no tapete próximo ao armário. Respiração ofegante, estava assustada e com os
olhos arregalados. Sua mente e sua visão ficaram atordoadas.
-Está passando mal, minha sinhazinha? -após largar a pilha de roupa numa
cadeira, Nina acudiu sua senhora.
Segurando-se na cabeceira da cama, Daniele tentou pegar um pouco de ar e
mandá-los para os pulmões, ainda abalada com tal reação, sem conseguir raciocinar
somente tinha a imagem rápida de tal local e criaturas. Seus olhos se voltaram para o
objeto que se encontrava jogado no chão, brilhando como uma vela acesa.
A jovem escrava paralisou-se, olhos fixos no objeto.
Olhares concentrados, respirações profundas e controladas, nenhuma intenção
ou capacidade de mover algum músculo.
Como se uma brisa esbarra-se numa chama e a mesma apaga-se, o anel o
brilho cessou.
Nina fez o sinal da cruz. O medo tornou-se seu dono.
-Preciso de água. Preciso de água... -abalada a jovem moça pediu à escrava um
pouco de água a fim de revitalizar-se.
Atordoada, petrificada com tal acontecimento, a jovem escrava não ouvia o
pedido de sua dona, sua mente não lhe permitiu senão permanecer paralisada.
-Preciso de água... -a jovem senhora repetiu.
Uma grande perda de energia lhe era visível, a jovem Hamburgo ia-se perdendo
a cor e a tonalidade da pele, sua visão tornava-se turva. Mas logo fora acudida pela
escrava que voltara à realidade, entregando a sua dona um copo d'água.
-Tome um pouco, sinhazinha. Irá se sentir melhor. –acudiu Nina, apoiando a
senhorita Hamburgo ao colo. - Escrava Zilda está certa, deve falar com o padre, se
necessário levar o anel para ele dar uma olhada.
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Sem força de reprimir a intromissão da escrava perante o que seria necessário
ser feito, Daniele bebeu o líquido tentando restabelecer suas energias.
De supetão, sem ser anunciada, a senhora Maria Aparecida Goes Hamburgo
adentrou o ambiente, pronunciando:
-Com licença, minha filha. Espero que esteja pronta para... Está na cama
ainda?! Com roupas de se permanecer em casa? Ora essa!
Agora com as forças sendo restabelecidas e com a cor da pele voltando ao
normal, Daniele se deparou com a mãe ao pé da cama. Sua mente ainda estava um
pouco atrapalhada e sua visão um tanto embaçada.
-O que há? -perguntou a mãe se aproximando e analisando a filha. -Ah, vamos
levante-se, ponha-se de pé.
Maria Aparecida se pôs diante do armário, abrindo-o, selecionou um vestido e
reparou que pisava em algo que dava uma leve elevação ao chão constatou ser um
anel.
-O que esse anel faz no chão? Trate de cuidar bem dele, seu pai disse que é uma
herança de família. - pegando o anel a mãe entregou-o a filha.
Nina desviou da reta de tal adereço tentando ficar o mais longe possível.
A jovem garota segurou o anel sobre a palma da mão, observando-o
novamente com intensidade. Teve grande temor que acontecesse o mesmo ato de tão
pouco.
Jogando o vestido sobre a cama a bela senhora Hamburgo ordenou a retira da
escrava do local dizendo que ela mesma iria ajudar a filha na troca de trajes.
-Sabes que odeio atrasos, parece que faz de propósito para me irritar. Estou
desesperada com esse baile, temos menos de um mês para arrumarmos nossos
vestidos, temo não estarmos preparadas! Seu pai deixou para nos avisar nas últimas
horas, irresponsável! E pelo o que parece, teremos gente importante nesse evento.
Devemos estar esplendidas, magníficas! Vamos ponha-se de pé, temos de o quanto
antes ir ao Serafim, o alfaiate.
Pondo-se de pé e o anel sobre o criado-mudo ainda sem a capacidade de
desgrudar os olhos do adereço, teve o rosto puxado pela mãe a olhá-la.
-Uma noite dessas estávamos, eu e seu pai tendo uma conversa... Sobre você,
sobre seu futuro. -declarou Maria Aparecida, ajudando Daniele retirar sua vestimenta
casual.
-Meu futuro?! O que há com meu futuro? – interrogou Daniele retirando a
roupa, tal assunto deixara-lhe preocupada, fazendo-a esquecer o fato de tão pouco.
Agora o seu destino parecia ser assunto entre seus pais.
-Ultimamente Rafael está interessado sobre seu futuro... Namoro, um bom
pretendente, casamento...
Daniele virou-se de costas para sua mãe amarrar os laços do espartilho. A
jovem Daniele tinha grande preferência na escrava Nina dar os laços de seu espartilho,
sua mãe tinha mãos firmes, fazia fortes laços, algumas vezes eram de tanta rigidez que
faltava lhe o ar.
-Casamento?! Por que papai e você estão a falar de meu ca... Casamento? –
interrogou a jovem que tentava aguentar aos trancos e a força de sua geradora, grande
preocupação tomou sua mente.
-Está aos dezenove anos. A essa idade já estava casada, pretendendo ter filhos,
dar netos aos meus pais. A preocupação de Rafael é aceitável, pois qualquer moço que
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tenta se aproximar de sua pessoa o escorraça para longe. Monta-se com armas em
punho, temendo, o homem não tenta outra aproximação. -dizendo isto a senhora dona
da Mansão dos Hamburgo efetuou com força o nó na peça de roupa, depois se virando
à filha.
-Não vejo nenhum homem interessante, sábio, de coragem ou com algum
talento em especial para eu me interessar. -Daniele após dizer isto, pôs o vestido. Logo
se colocando a frente do espelho, ajeitando-se com dificuldade.
-Pensas que estás num leilão para arrematar uma iguaria? Um homem de boa
família, com bom emprego, de boa posição na sociedade, és o marido que precisa. disse Maria Aparecida ajeitando os cabelos da filha.
-Mamãe! -a jovem desviou-se da mãe, batendo os cabelos, ajeitando-os ao seu
modo.
Se aproximando da janela Daniele via um lindo dia de sol e sentia uma boa brisa
úmida. Fechou os olhos, caiu em sonhos e falou com leveza e desejo: - Quero sim me
casar, desejo muito formar uma família, ter filhos, dar-vos netos. Mas espero um
homem diferente de todos que me cercam. Um homem que eu o ame! Um homem
que eu o ame e ele me ame.
-Espera viver um conto de fadas? Está à espera de um príncipe sobre um cavalo
branco vir salvá-la, trancafiada na torre pela bruxa má, e, depois disso, viverão felizes
para sempre. Há um grande erro nos contos de fadas... São contos de fadas! -a mãe
defrontou-se com a filha - Seu pai ainda é libertário o bastante, não classificara pelo
menos até o momento um bom partido para você... Deixara por sua escolha. Mas se
não adiantar-se teremos de intervir na sua escolha conjugal e tomarmos iniciativa...
Faríamos muito gosto no casamento seu e de Ottávio.
-Vejo Ottávio como... -a jovem sentiu grande dificuldade em respirar -... Como
um amigo, como um irmão.
-Não é a mesma forma que ele a vê.
-Não podem me forçar casar-me com um homem que não desejo e nem faço
gosto. Não seria nem um pouco feliz obrigada a viver ao lado desse homem. Seria a
esposa mais infeliz do mundo.
-Acha que casei com seu pai amando-o loucamente? Não. Ao passar do tempo
fui me adaptando, ganhando gosto pelo casório e gosto pelo seu pai. E hoje, o amo!
Casamos por gosto e vontade de meu pai, e hoje se estivesse vivo agradeceria pelo
marido que me escolhera. Tenho uma boa vida, uma boa família...
A jovem viu que nunca houvera escolha, mas sim uma única resposta. E em
seguida voltou-se à mãe: -Não consigo respirar.
Olhos verdes, cabelos pretos, pele branca, uma barba aparada e bem feita.
Sobrancelha grossa, lábios finos, mãos grandes. De origem lusa, com um charmoso
sotaque português, de atitudes tranquilas, temente a Deus e com o coração e mente
voltados somente numa mulher, apaixonado por uma jovem de olhos cativantes,
Daniele Goes Hamburgo.
Rapaz elegante, a profissão garantia e exigia-lhe boas vestes. Ottávio de Mello
saiu da carruagem. A porta foi aberta pela escrava Zilda, e o ele entrou na mansão,
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entregando o chapéu a negra que pendurou o objeto no objeto ao lado da porta.
O português perguntou à escrava da presença de seu patrão e com os olhos
brilhando da jovem senhorita da família.
-O meu senhor está descansando um pouco, teve uma manhã cheia de
trabalho. E a sinhazinha Daniele encontra-se no quarto com a mãe preparando-se para
saírem. -respondeu a velha escrava de pés no chão e avental ao colo. -Quer que chame
meu senhor Rafael?
-Sim. Irei esperar aqui na sala ao lado. Ah, traga-me uma xícara de café. -após
dar as ordens à escrava que se dirigiu para cumpri-las Ottávio caminhou até a sala de
visitas.
Sala a qual estava cansado de ver e tal sala não poderia negar ser exótica. Toda
emoldurada a madeira, quadros de raríssima beleza, cabeças de onças, antas e
macacos penduradas, e com araras, tucanos e outras aves empalhadas. Uma grande
estante repleta de livros da alta literatura. Uma lareira a fim de dar ares europeus, duas
negras e confortáveis poltronas, uma mesa e uma cadeira. Também quatro grandes
janelas e cortinas de panos nobres cobrindo-as. Um caro tapete turco e várias
porcelanas. Esta sala não era tão bem decorada, mas exótica o suficiente garantindo
sua beleza ímpar.
Ottávio permaneceu admirando uma tela de natureza morta e bebendo o café
trago por um servo da mansão, até que foi tomado de grande alegria redirecionando
sua atenção. Seu coração encheu-se de felicidade ao ouvir a voz suave e delicada da
adorável jovem:
-Ottávio? -disse Daniele com belo sorriso em rosto. -Ouvi sua carruagem
chegar.
O sorriso transpareceu a felicidade sentida ao se defrontar com sua amada.
-Olá. -deixando a xícara sobre a mesa, o homem trocou um caloroso e ardente
abraço com a moça. O perfume doce e a macia pele da sua princesa provocaram um
grande e incontrolável desejo de beijá-la.
-Olá Ottávio.- cumprimentou a senhora Maria Aparecida, logo atrás da filha com
um belo, grande e vermelho chapéu de seda na cabeça e balançando um adornado
leque.
Beijando a mão de tal senhora, os cumprimentos foram trocados.
-Como anda Lisboa? -Maria Aparecida como sempre tão interessada na Europa,
perguntou sobre a capital de Portugal ao rapaz que voltou a pouco da mesma.
-Bela e crescendo. Os impostos das minas estão proporcionando um bom
desenvolvimento à Metrópole. Arte, artistas, festas, belas mulheres, entretanto
nenhuma com tal beleza comparada com a beleza de mulheres como vocês. -Ottávio
respondeu, observando atentamente a reação de Daniele.
Daniele deu um meio sorriso, sem graça e desconfortável.
-Como sempre tão galante e educado. Um belo rapaz que deve provocar
desejos em muitas moças. É um bom partido, um homem bem disputado
provavelmente. -dizendo isto a mãe olhou para filha que se encontrou num momento
indiscreto.
-Existem várias mulheres no mundo, contudo só tenho olhos para uma. -o rapaz
disse isto com intenção de comover. Seus olhos estavam penetrados na jovem beleza
feminina de Daniele.
-Ingrata ela se não valorizar a paixão sentida. –adicionou Maria.
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Daniele mal balbuciou algumas palavras, estava numa situação indiscreta.
Encabulada, abaixou a cabeça para fugir dos olhares.
Maria Aparecida repeliu uma boa gargalhada, pronunciando em seguida:
-Deixar-vos-ei a sós. Irei trocar meus brincos não estou me sentindo confortável
com estes que estou. Chamarei Rafael para vir a sua presença, uma simples ordem
esses negros não são capazes de obedecer e executar com agilidade, já não se têm
servos como os antes. Vivem alguns dias próximos a nós já se sentem gente. Animais!
Com licença. -Elegante, charmosa e também com ares de superior. Orgulhosa sobre
muitos, escravos eram pior tratados do que animais nas mãos de tal mulher. E Maria
Aparecida se retirou da sala.
Segurando as mãos de sua amada, Ottávio declarou:
-Pensei muito em ti, por toda a viagem. Sonhava com sua beleza...
Desgrudando-se de tal dominador, indo para um canto, ela tentou desviar o
assunto:
-Pode me dizer o que fora fazer em Portugal?
Encostando-se na mesa ela formou uma imagem colossal que ele admirou
como um apaixonado admira. Se não sabe como um apaixonado admira caro leitor, é
porque o sentimento nobre do amor não pousara em seu coração, mas fique tranquilo
sentira-o um dia. É humano!
-Durante esse tempo de viagem, pensei muito... Estava tomando coragem para
fazer um pedido. -pondo-se de joelhos diante de sua amada, o português segurou a
mão da mesma olhando-a profundamente em seus olhos.
Ela assustou-se, pôs-se em desespero dentro de si. De olhos arregalados em ver
um homem, o qual considerava amigo, aos seus pés prestes a fazer um pedido que a
resposta não o agradaria nem um pouco. Desvencilhou-se novamente do mercador e
chefe de frota, e tentou contornar a circunstância sem causar impropérios ou tristezas:
-Peço que não rele em minhas mãos, provoquei um leve ferimento e com
atritos provoca-me uma desagradável sensação. -ofegante disse Daniele desesperada
para sair o mais rápido possível de tal momento.
-Me desculpe! Perdoe-me! -disse Ottávio pondo-se de pé.
-O que foi fazer em Portugal, mais propriamente em Lisboa? O que há com os
negócios de meu pai? Algo de ruim? Ele está a semanas pondo-se cedo fora do leito,
dizendo sempre atrás de negócios. Ah, vamos, não tens segredo para comigo. Ou será
que ganhara a capacidade de conter alguns assuntos a falar-me?
-Negócios que proporcionarão a seu pai um bom lucro e mudanças em Santos. Ottávio cercou-a novamente.
-Mudanças em Santos?! -como sempre a curiosidade tomou-lhe conta e por ter
facilidade em conseguir retirar assuntos secretos de tal homem, que cego por amor
tornava-se vulneral a seus desejos e palavras, ela continuou o questionamento.
Cercando-se novamente de Daniele, ficando junto a ela, Ottávio com o
charmoso sotaque português tornou a voltar ao pedido:
-Sempre tão curiosa. Mas como ia dizendo... Estava a tomar coragem...
Suas pernas tornaram-se trêmulas, a boca de lábios finos secou. Daniele viu não
ter escapatória.
Olhos nos olhos, as palavras de Ottávio doíam em seus tímpanos. Não havia
como evitar tal cena, ela pensou. As mãos do rapaz foram levadas ao bolso com a
proposta de se retirar algo...
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-Como estava o oceano, meu caro? Enfrentastes muitas dificuldades? adentrando no ambiente, com sua voz alta e grave, o senhor Rafael Hamburgo
questionou o empregado, tendo salvo a filha de um momento incomodo, quebrando
tal cena sonhada pelo rapaz.
A moça respirou tranquila, salva.
Ottávio se pôs de frente ao patrão, interrompendo retirar algo do bolso ou
continuar o assunto que tratava com Daniele.
-Olá, senhor Rafael. O mar estava tranquilo e calmo como os negócios que me
incumbira a resolver.
-Excelente! Vamos outrora os dois terão tempo de trocar palavras, agora eu
devo tomar parte de tais assuntos. Boa tarde, minha filha. -falou o pai se retirando.
-Sua benção, meu pai.
Ottávio voltou-se à jovem, encabulado e meio sem jeito.
-Tenha uma boa tarde Daniele. -dizendo isso lhe deu um beijo no rosto, indo
atrás dos passos do patrão.
Daniele sentou-se na poltrona, aliviada. Como quem acabara de sair de uma
grande batalha e desmontou-se para relaxar e descansar.
A caminho do centro da cidade, dentro de sua carruagem elegante e
acompanhado de seu braço direito nos negócios, Ottávio, que lhe confirmava a certeza
dos seus planos e suas relações com a Coroa Portuguesa dar-se-iam certos, assim
grande alegria tomou a alma de Rafael.
Perguntas de como ia Lisboa, o oceano, a Europa, como vivia a realeza e a alta
classe foram feitas. Perguntas breves porque tão logo quis notícias do Representante
Real que deveria ter vindo junto com a frota que mandara à capital portuguesa.
-Sim veio conosco, passou um tanto mal durante a viagem, disse que ainda não
havia se acostumado com o balanço do oceano. Veio para lhe entregar o cargo, tomei
em mãos o documento assinado pelo rei. E também veio para confirmar o transporte
do ouro real por sua esquadra. -respondeu o jovem português, vendo o sorriso surgir
no rosto de seu patrão, como uma planta brotar da terra. A natureza festeja o
nascimento de um representante de sua flora sem demonstrar aos olhos do mundo sua
felicidade. Mas há grande alegria em tal início, o mesmo ocorreu com Rafael que não
transpareceu, mas por dentro de si era uma festa só. Felicidade pelos seus planos irem
como queria que fossem.
-Ofereceu a minha casa como moradia no tempo em que permanecer em
Santos?
-Sim, senhor. Mas ele e sua comitiva preferiram não incomodar e quiseram se
estabelecer no hotel da cidade. Disse que viesse falar-te e que chegasse a prefeitura
fossem busca-lo.
-Saiba meu caro, que com tais benefícios do cargo que ganharei serás
recompensado como merece... E saiba que faço gosto na sua união e de minha filha.
Ottávio ouviu tais palavras como a confirmação de Deus para entrar e viver
eternamente no paraíso. Uma grande felicidade o tomou, seus olhos brilharam, sua
mente se aguçou e assim caiu a imaginar sua amada em trajes de noiva e ele no altar a
esperá-la. Esboçou um grande sorriso em contrapartida.
Assim seguiram o pequeno percurso, dois homens e suas imaginações somente,
sem qualquer palavra citada ou sequer vontade de expor algo. Estavam entretidos
demais em suas mentes.
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O desejo do poder e o desejo do querer.
Numa outra residência não tão longe dali, a beira mar e cercada por uma
densa mata de origem local, um grande alvoroço era visível. Discussão e temor.
A residência dos Martins. Uma enorme mansão, luxuosa. Um local onde
pessoas de alta renda poderiam viver e fazer inveja aos olhos alheios. Herdada de seu
pai, Heitor Martins hoje era o proprietário.
Seus negócios estavam entre terras que tinha no Nordeste dessa colônia
continental chamada Brasil, negócios com os comerciantes do sul e dono de escravos
vivendo em condições precárias nas minas a garimpar ouro.
Casado pela segunda vez, a primeira a mulher se suicidara, jogando-se de um
morro da vila ao saber de seu caso com sua amante, hoje atual esposa, uma prostituta
bela e magnífica, Malvina Jácome, que agora adotara o sobrenome do esposo junto ao
que já tinha, Malvina Jácome Martins.
Ganhara além da esposa a viver sob o mesmo teto, uma sogra. Esta era
conhecida por seus serviços de magia e adivinhações do futuro. Vendo não conter os
costumes da sogra, Salete Jácome fora trancada em um quarto para evitar impropérios
para com a Coroa Portuguesa que era cristã e contrária a culturas como de tal senhora,
consideradas cultos ao demônio e muitas vezes perseguidas.
Houve tempos de pessoas em desespero procurem a velha, procuras postas fim
pelo genro. Houve um momento em que o padre declarou Salete uma bruxa,
cultuadora dos desejos do Satanás, mas apaziguados ao declararem que a tal senhora
estava louca e não sabia o que fazia.
E em tempos atuais tudo andava calmo sem qualquer dor de cabeça para
ambos os lados, tanto para o genro e a filha da velha quanto para o padre cristão.
-Suas incompetentes! O que ficam a fazer o dia todo? É responsabilidade de
vocês negras imundas tomarem conta daquela velha. -espumando raiva Heitor tinha
diante de si as duas escravas que por um descuido das mesmas, houvera a fuga,
novamente, da velha Salete.
As duas negras de cabeças baixas temiam os atos de seu dono.
Malvina num belo vestido de alta costura de cor lilás e com os cabelos soltos,
ao lado do marido, estava em lágrimas pelo o que poderia ocorrer com sua mãe. Sabia
como era o homem que casara. Agressivo era uma de suas características, um defeito,
é claro. Ela não ousava dizer nada por momento.
Também junto às escravas, ao senhor da casa e sua senhora, três homens,
capatazes.
Escobar, capataz chefe, conhecido como mão-de-ferro nas senzalas. Todos
sabiam que quando pegava um negro a dar-lhe lição era para lhe enviar ao mundo dos
mortos. Seguidor fiel de seu patrão, o que era ordenado por Heitor, era obedecido por
Escobar.
Os três esperavam as ordens de seu patrão, o que haveria de se fazer em
questão da nova fuga da velha louca Salete, era assim o nome popular na vila de tal
senhora.
-Fora uma fuga sem muitos esforços, só fora preciso ninguém vê-la. Fugiu pela
porta da frente, porque as negras imundas não estavam onde deveriam estar.
Deveriam estar embrenhadas no mato com os negros da senzala. -Heitor com olhos a
ponto de saltarem para fora, vermelho de odeio, agarrou uma negra pelo rosto,
apertando-a com muita força. -Sabes quanto vai custar isso a vocês? Sabes o que pode
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ocorrer com vocês se essa velha não for encontrada?
A negra tentou não encará-lo, mas não havia como, ele berrava ordenando que
ela o olhasse nos olhos. A outra escrava caiu em lágrimas.
Heitor se voltou à escrava em lágrimas. Olhou-a dos pés a cabeça.
-Por que choras? Erraram. Deveria ir para o tronco, passar a noite em
chibatadas. -sussurrou no ouvido da escrava.
Todos se calaram sem qualquer coragem de executar um movimento.
-Se eu não achar essa velha e ela tornar a fazer os trabalhos em louvores ao
Satanás e isso cair nos ouvidos do padre... Ele não hesitara, o mesmo me disse, em ter
aqui em Santos, ações da Inquisição. E como pretendo ter carreira na política seria o
meu fim...
A negra em lágrimas aumentou o choro e em ação disso, com a raiva passando
em suas veias, Heitor inferiu-lhe um bofetão mandando-a no chão. Atordoada e zonza
caída no chão a escrava não ousou se levantar.
Malvina pôs a mão sobre a boca, o choro discreto em que estava foi cortado
por tal cena.
-As duas desapareçam da minha frente. Vamos sumam daqui... Saíam. Animais
é isso o que são. -em berros o senhor ordenou a retira das escravas do local.
As duas se ampararam, saíram.
-Preparem os cavalos, iremos à captura dessa desgraçada. -ordenou Heitor
voltado a Escobar que seguiu as ordens, e depois se virou à esposa. - Sua mãe só me
causa problemas. Ela acha que não já tenho o suficiente? E você? Sou um bom marido,
um bom genro, me retribui como? Com a infelicidade de não ter um filho a correr pela
minha casa. Não sabe como me faz falta um herdeiro.
Malvina se pudesse escolher ouvir tal frase ou levar uma surra, passaria os dias
seguintes curando os hematomas. Heitor não sabia, mas desde que casaram-se, o
desejo de sua esposa era lhe presentear com um filho, de preferência um rapazote.
Mas isso não acontecera, tal mulher vinha culpando-se a cada dia mais por não
conseguir engravidar. Promessas e simpatias já estavam em andamento, mas tal graça
ainda não ocorrera.
Malvina abaixou a cabeça, uma lágrima escorreu pelo seu rosto.
Barulho de cavalos em alta velocidade puxando uma carruagem se deu a frente
da mansão.
-Mas o que está acontecendo? Quem ousa invadir minha residência de tal
modo?-questionou o proprietário que olhou pela janela da sala a fim de saber quem
haveria de ser. Seguindo-se para fora da casa em seguida com Malvina logo atrás.
Levantando poeira, a carruagem parou. Dela saiu um jovem rapaz, de boas
vestimentas e demonstrando estar no mesmo ritmo de tal veículo. Seria ação da
inércia? Os físicos, pois aqui errariam. Tal rapaz agia assim por questões que para seu
patrão eram de grande importância. Aqui tal argumento da área de exatas não caberia,
mas sim devo recorrer o princípio da ação-reação. Devo confessar também, que tal
princípio não se cabe somente a física, mas sim a vida. E tal princípio não caberia tão
bem aqui neste livro como em outro, a ação de muitos corresponderão a reação de
milhares e assim que se dará a história.
Saindo correndo do veículo puxado a cavalos e comandado por um negro, o
jovem rapaz correu em direção da grande casa, ele estava muito ofegante.
-Adrian como ousa entrar em meus terrenos de tal modo? O que houve? -
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perguntou o patrão que já se encontrava em espumando fúria.
-Patrão... -tentando pegar algum pouco de ar, Adrian estava ofegante
decorrente de tal desespero. -Tenho grandes notícias...
-Pois espero que sejam. Pois se não, te parto em dois pelo modo grosseiro e
agressivo que chegou.
-Sabes Ottávio?
-Sim, claro que sei sacripanta! O que tem tal verme?
-Quer um tanto de água? -perguntou Malvina em ver a dificuldade do rapaz em
falar.
-Agradeceria, senhora. – Agradeceu Adrian encostando-se numa pilastra,
aliviado.
Estavam na varanda em frente a casa que tinha boa ventilação e depois de um
pouco de água Adrian se recompôs rápido.
-Vamos fale logo. O que há com Ottávio? –interrogou Heitor Martins
impaciente pela demora.
-Patrão... Ottávio chegou de Portugal para onde havia ido há pouco tempo. E
trouxe junto com ele, um Representante da Coroa Portuguesa em nome do rei D. José
I. Mandaram-lhe avisar que o Representante e todos os senhores de Santos irão se
reunir na prefeitura e o qual não deve se ausentar é o nosso caro senhor Rafael Nunes
Hamburgo. -dizendo isto o empregado tomou o último gole de água.
As mãos de Heitor se fecharam em punhos. Sentiu grande ódio, poderia matar
nesse instante Rafael se o tivesse em sua frente. Inveja.
Em sua mente veio tal pensamento que Deus gostaria que ele morresse de
ódio nesse momento. Agora a fuga de sua sogra lhe parecia pouco diante de tal
acontecimento. O que haveria entre Rafael e a Coroa? Intrigante e inquietante.
Escobar e os dois homens se aproximaram montados a cavalos e o mesmo
trazendo um animal pelas rédeas.
-Aqui estamos patrão. E o cavalo do senhor. -disse Escobar.
-Escobar tomará a frente de tal questão. Tenho assuntos mais importantes a
resolver do que a captura de uma velha louca. Irei para a prefeitura, volto se possível
para o jantar Malvina. Pegue o meu chapéu. – disse Heitor - Iremos em sua carruagem
Adrian, pois gastaríamos tempo demais em aprontar a minha.
Pondo-se dentro da carruagem para seguir à prefeitura, Heitor ditou algumas
ordens a seu capataz de confiança:
-Escobar traga aquela velha-bruxa pelos cabelos... Comece procurar pela
choupana. Ah, e depois destrua aquela moradia... Vamos negro siga em frente.
A carruagem seguiu em seu destino. Escobar chamou um negro que estava
próximo cuidando do jardim e ordenou que guardasse o cavalo de seu dono que não
seria mais necessário.
-Vamos começar pela choupana, arrumem algumas tochas de fogos, será
preciso. Só voltaremos depois que acharmos e pegarmos aquela velha. -ditou Escobar
aos dois brancos que seguiram suas ordens.
Malvina se aproximou do cavalo de Escobar. Com medo, dor no peito e
tentando conter as lágrimas:
-Escobar, por favor, não faça nenhum mal a minha mãe. Está louca, não sabe o
que faz.
-Pode ficar despreocupada, Sinhá. Trarei sua mãe sã e salva. -respondendo isto,
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Escobar seguiu para onde os dois homens brancos, livres e empregados da grande casa
Martins seguiram.
Tal homem não poderia deixar de seguir os pedidos de sua amada. Ainda que
em silêncio um amor existia, a esperança de vivê-lo um dia era sonhada.
Uma vegetação exuberante, diversificada. Haveria muitos adjetivos para a mata
do litoral brasileiro, mais conhecida como Mata Atlântica. Além de sua diversidade na
flora também é na fauna, mas não são a flora e a fauna da região que é o importante
aqui e sim a pequena choupana de sapê no meio desta mata. Uma velha choupana
iluminava o assombrado meio de tal vegetação.
Não há muito que descrever de uma choupana de sapê, mas há muito o quê
descrever o que se tinha dentro desta pequena casa. Cheia de velas de várias cores,
cabeças e partes de animais mortos por todos os lados. Flores, ervas, matos de vários
tipos espalhados, imagens de algumas criaturas que muitos assustariam em encontrar.
Muitos objetos e quinquilharias.
Uma senhora despejou algumas conchas misturadas a pedras e dentes de
animais sobre um apoio.
Um turbante na cabeça de cor escura, um vestido largo e chinelos de dedos
feitos a mão pela mesma dos tempos em que passara trancafiada. Sua pele já estava
bem enrugada, um tanto corcunda, um tanto cega. Pele branca bem queimada pelo
sol. Olhos pretos, boca fina com uma cicatriz que saia de seus lábios até o pescoço.
Unhas sujas.
O fedor do local se juntava ao mau cheiro dessa pessoa que se uniam numa
harmonia perfeita. Perfeita às narinas de urubus.
E tal figura assustou-se ao ver o resultado dos objetos que jogou sobre um
apoio. Mostravam a ela algo muito ruim que não tardaria a acontecer. Ela leu os búzios
com temor.
-Meu Deus!
Salete sentiu falta de ar, seus olhos viram-se mostrando somente a parte
branca deles. Com uma voz forte e grossa, e com dificuldade de respirar previu:
“Vingança e ódio é o que prevalece. Um motim irá dar início... E quando menos
esperar a traição vai acontecer. Com a traição uma grande onda de maldade estar por
vir... Sangue de inocentes será derramado. Um grande mal voltará a flutuar sobre as
águas dos oceanos...”.
Voltando em si a velha caiu no chão. Fraca, tentou capturar forças. O seu
coração estava batendo em ritmo acelerado.
Ouviu-se barulho de cavalos e homens falando não tão longe. Era preciso fugir
se quisesse continuar livre.
Salete colocou os búzios numa pequena bolsinha, pôs-se a correr. Subiu o
morro em disparada com grande dificuldade pela idade.
Escobar e seus homens chegaram na choupana, um deles verificou se havia
alguém dentro.
-Ninguém aqui.
Estalos de galhos quebrando-se morro acima ecoaram se envolvendo ao meio
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da cantoria dos pássaros.
-Coloque fogo nessa maldita choupana. E você, vamos cercá-la. –ordenou um
homem de fortes músculos, alta estatura. Assim era Escobar.
Os dois homens subiram o morro a cavalo em altíssima velocidade.
Os primeiros crepitares do incêndio na choupana resultou no esvoaçar de
pássaros e na fuga de pequenos roedores.
A sujeira que ia se aderindo a Salete nem lhe fazia diferença na qual imundice
estava. Seu corpo aguentava firme. O cabelo estava a esvoaçar, as roupas se rasgavam
entre os ramos dos arbustos, sangue escorria de alguns ferimentos.
O terreno ficava cada vez mais em declive e difícil para se percorrer. Seus
perseguidores já estavam próximos, um a direita o outro a esquerda cercando-a.
A senhora viu-se sem escapatória, sem ter para onde correr. Começou balbuciar
algumas palavras, feitiços para apavorar os animais.
Os cavalos se alvoroçaram, demonstrando medo. Uma ventania deu-se início.
Poeira, galhos quebrando, o cheiro da fumaça e o escuro da mata fechada não
colocavam medo em tal homem valente e destemido que dominou seu animal e foi se
aproximando sem temor. Escobar agarrou tal senhora pelos cabelos e puxou-a para
cima de seu animal, deixando-a bem presa e segura.
-Me solte, seu filho de uma rapariga! Homem sem família! Homem de preço
barato!... -a velha Salete gritava impropérios que não eram dados atenção pelo
homem.
-Vamos voltar. A captura foi mais rápido do que imaginei. -disse Escobar ao
outro homem que tentava ainda dominar o seu animal.
A velha não conseguira segurar a bolsinha que guardava seus búzios, o objeto
lhe escorreu entre os dedos com as mãos suadas.
Caíram no chão, gritos de necessidade em pegá-los foram soltos, mas em vão.
Ela foi levada à casa dos Martins novamente, outra fuga mal sucedida.
A necessidade de ver o que os búzios haviam de lhe mostrar era tamanha que a
fizeram fugir e encontrá-los na choupana onde estavam.
Salete temeu o que viu, o que previu. Um grande mal estava por retornar.
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Capítulo 3: O bairro pirata.
Santos havia retomado seu desenvolvimento, sua população começava a
crescer. Melhoras na infraestrutura e saneamento básico, iluminação pública,
melhoramento nos portos etc. A vila ao litoral sudeste brasileiro começa a reemergir.
Uma rua com grandes casarões, prédios públicos de arquitetura barroca, era
conhecida como rua principal. Vários carros a animais trafegavam de um lado para o
outro. Havia carruagens luxuosas e elegantes dividindo espaço com carroças simples,
sendo conduzidas por pessoas de mesma simplicidade. Transeuntes também
passavam.
Mulheres com roupas elegantes acompanhadas de suas escravas de
companhia, homens de ternos e gravatas conversavam em grupos e crianças
brincavam, correndo de lado ao outro. Pessoas de vestimentas mais simples se
dedicavam aos trabalhos que estavam exercendo.
Theodoro observava tal cena e caiu em pensamentos, planos.
Depois da breve discussão que tiveram a poucos quilômetros da vila, Balmiro
retomou a conversa com o rapaz, o qual estava dando carona. Mas não voltaram ao
mesmo assunto, fora evitado. Conversaram sobre política, cultura, de revoltas,
acabaram falando até de índios e seus modos de vida, da nudez e costumes.
Agora na vila de Santos voltaram ao silêncio.
A carroça virou uma rua ao lado direito parando em frente uma pequena loja.
-Chegamos, rapaz. Espero que minha companhia tenha sido agradável. Se não
peço desculpas. –disse Balmiro saindo de cima da carroça com uma impressionável
facilidade apesar da idade que tinha.
Observando ao seu redor com atenção, Theodoro desceu do veículo e se pôs
de pé. Esticou as pernas que doíam um pouco pelo tanto de horas que estavam
dobradas.
“Fora agradável, educado. Fico grato pela carona, um dia retribuir-lhe o favor.
Agradeço por momento em palavras.” Os dois companheiros de viagem trocaram um
aperto de mão.
“Boa sorte, rapaz!” desejou o senhor. Havendo como resposta um sorriso do
jovem que estava com o pensamento voltado em um único propósito.
Theodoro pegou sua pequena mala seguindo em frente a seu destino. Parando
em alguns momentos para perguntar para algumas pessoas onde ficava a residência de
Margot Reghine e pelas informações que eram dadas reparou que sua madrinha,
segunda mãe, era bem mais conhecida pela vila do que imaginava.
Virou na rua principal, era uma rua longa e larga onde viu o prédio municipal e
ao fundo o topo de uma igreja.
Faltava pouco para chegar a casa de sua madrinha. Pela informação do último
senhor mais duas quadras haveria de chegar em seus destino. Não estava cansado, mas
reparara desde que desceu da carroça do senhor Balmiro que andara um bom bocado.
Tal rua a maior e que por aparência de seus prédios era a mais antiga da vila
estava com o trânsito tranquilo. Poucos carros a animais trafegavam.
Crianças brincavam, meninos propriamente, tinham em mãos piões, bolinhas
de gude e fósforo.
Uma carruagem de madeira nobre com cortinas de seda, animais fortes e um
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negro a comandá-la, estacionou. Descendo da mesma, o negro abriu a porta do
veículo.
Theodoro paralisou, viu de dentro da carruagem uma perna coberta por uma
meia sensual cobrindo uma bela perna, que foi posta para fora com a intenção de tal
figura saltar do veículo. Mas tal ato só ficou na intenção. Os meninos que não haveriam
de estar longe tinham em seus bolsos bombinhas. A junção da pólvora com fogo fez-se
um musical de estalos.
Os cavalos que passavam pela rua se alvoroçaram. E os animais que puxavam a
carruagem de onde tencionava, e Theodoro imaginava, a saída de uma bela mulher,
por estarem tão próximos da molecada se assustaram com os estouros. Deram saltos e
tal mulher caiu para trás retornando para o fundo da carruagem, de onde nem mesmo
saiu. Theodoro só viu alguns babados do vestido esvoaçarem com tal reação.
O negro tentou segurar as rédeas de tais animais, mas eles saíram em
disparada.
Todos na rua entraram em pânico, a velocidade da arrancada fora tamanha que
impressionou as pessoas.
Theodoro saiu em disparada atrás do veículo deixando para trás seus pertences,
sem consciência de qualquer coisa. Fora correr por impulso, não entendia porque, mas
queria salvar tal mulher misteriosa. Mais tarde cairia em pensamentos e daria seu
ponto de vista por tal reação, era homem e um homem como ele haveria necessidade
de salvar tal donzela em apuros. Fora o que fizera.
Os dois cavalos subiram a calçada, as pessoas que estavam sobre ela jogaram-se
na rua tentando se salvar. A mulher dentro da carruagem gritava. A porta do veículo
bateu em um poste e espatifou-se.
O jovem Castro correu para a esquina, os animais passariam por ali correndo.
Havia somente aquela saída para eles.
Ao passar em altíssima velocidade, o superlativo fora usado para terem ideia
da rapidez em que os animais puxavam a carruagem, Theodoro saltou sobre o veículo
segurando nas rédeas para não ser jogado para baixo na curva que era feita.
Os animais seguiram outra rua ainda sem controle.
A carruagem do nobre senhor Rafael estava seguindo para a prefeitura. Ele e
Ottávio estavam conversando quando foram jogados para frente, após o veículo parar
bruscamente.
“O que houve?”, perguntou Rafael saindo bravo da carruagem para saber o que
teria havido para o negro ter freado tão rudemente.
Rafael e os animais sem controle param frente a frente, poucos centímetros
uns dos outros.
E Theodoro conseguira dominar os animais assustados.
“Está... louco?!” Após congelar, ficar sem reação, onde o medo o dominou, e
em sua mente em poucos segundos passou-se a cena em que o resultado seria
doloroso fisicamente ou até mesmo pela rapidez dos animais algo pior, Rafael disse
com a voz que saíra de supetão, rasgando a garganta, ao rapaz que estava no comando
do veículo.
A mulher saiu do veículo tropicando, toda desconcertada e atordoada.
-Merci,merci. -com um sotaque francês e uma fina e delicada voz, ela
agradeceu o condutor. Ao observá-lo paralisou-se.
Theodoro e Mercy trocaram olhares.
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Ela viu um rapaz forte, de cabelos até as orelhas, olhos pretos e boca de lábios
finos excepcionais. Em sua visão um Deus que caíra em sua frente, sobre sua
carruagem.
Ele viu uma bela mulher. Uma mulher de cabelos loiros curtos e enrolados,
olhos azuis e de silhuetas atraentes. Com um corpo que lhe provocou grande desejo.
-Mercy! -declarou Rafael à professora de francês de sua filha e que poucos
tinham certeza, mas muitos comentavam, ser sua amante, quebrando o momento de
admiração mútuo do casal. - O que aconteceu? Está a disputar corridas pelas ruas?
Quem é este rapaz, um novo condutor?
Descendo da carruagem, arrumando os cabelos, Theodoro estendeu as mãos:
“Muito prazer, meu nome é Theodoro. Theodoro...
-Parabéns, rapaz! -declarou Ottávio, interpondo-se na apresentação de
Theodoro e saindo da carruagem logo atrás de Rafael. -Salvou o dia.
O senhor Rafael analisou o rapaz a sua frente de mão estendida da cabeça aos
pés, e não retribuiu o aperto de mão. “Corajoso!”, expeliu com uma voz áspera.
Theodoro abaixou o braço. Sem jeito, agradeceu o adjetivo.
-Courageux, corajoso? Não. Un héros! Merci! Merc! -encantada com tal beleza
ela agradeceu seu salvador.
Todos na rua bateram palmas, Theodoro corou-se um pouco.
Mercy também bateu palmas entusiasmada, Rafael mandou-lhe olhares
cortantes.
-E como posso te agradecer? Não posso deixar de retribuir com aquele que me
sauvergardés, com aquele que me salvou. -Mercy não se retraiu aos olhares de Rafael,
e quis saber qual forma poderia agradecer tal feito de seu herói.
-Não é preciso. -respondeu Theodoro encabulado com a situação, oprimido em
expor quaisquer palavras em frente de tais homens que só em vestimentas já lhe
botavam a escanteio.
-Mas como non? Em aucune façon, de forma alguma. Eu insisto. Não é sempre
que un homme se arrisca para salvar a vida de uma mulher. -Mercy insistiu.
-Obrigado pelos elogios, mas me satisfaço somente com eles. Não há
necessidade de qualquer recompensa. -Theodoro respondeu as insistências da bela
francesa.
-Non!- com rigidez Mercy persistiu. Persistia tanto, não pelo ato, mas sim pelo
interesse no autor de tal ato. –Non seria uma recompensa, tal ato nem tenho como
compensar-lhe. Veja como um presente daquela que salvou. -dizendo isto ela se
aproximou do seu salvador, sentindo o cheiro dele. As bocas se aproximaram uma da
outra, um grande desejo tomou conta da francesa.
-Se depender de sua persistência, minha cara Mercy, o rapaz perderá o dia
negando o presente. -falou Rafael intervindo em tal momento que poderia causar
impropérios e pontapés ali ao meio da rua em frente a todos. Puxando Mercy pelo
braço, arrastou-a para um canto e disse com firmeza: “Ele disse que não há
necessidade, pelo visto não se contenta somente com a aventura vivida”.
-Me solte. Está me machucando. -sussurrou a francesa para Rafael. Ela Recebia
de seu amante, o homem que a mantinha financeiramente, olhares de ciúmes e raiva.
-Não admitiria uma traição. -declarou Rafael apertando o braço de sua amante
com grande intensidade.
-Como podes pensar isso de mim, não seria capaz. Só desejava recompensar o
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rapaz pelo ato feito. - com uma voz suave e aos sussurros olhou para a mão de Rafael
saltando feias, voltando-se ao seu rosto no mesmo clímax. Seu braço começava a doer.
-Está me machucando...
-Pois bem, ele disse não haver necessidade, se aquiete. -o grande senhor de
Santos conteve a força e a raiva, soltando o braço de Mercy. -Estou tomado de
compromissos, não fui a sua casa por tal razão. Mas logo estará tudo resolvido e assim
apareço.
-Sim, estou sabendo. -com olhos baixos e palavras sem tons arrogantes
argumentou a francesa, que após o medo retraiu-se encabulada. -Como sempre te
receberei como merece.
Ottávio analisou o jovem rapaz em sua frente. Roupas, cabelo, pele, olhos, as
unhas das mãos, até mesmo a respiração foi analisada com cautela antes de expor algo
sobre o herói do dia.
Theodoro observava o casal em cochichos ao canto. Em sua mente tudo era um
emaranhado de ideias. Confuso.
-Um belo anel. -Ottávio comentou após observar o objeto no dedo do rapaz.
Sabia que não era um simples anel, sim muito valioso.
Theodoro pôs a mão o mais depressa possível no bolso após o comentário de
Ottávio.
“Herança de família.”, embaraçado respondeu o jovem aventureiro.
“És de onde? Mora aqui na vila, no bairro descendo a grande ladeira? Ou nos
arredores, nas terras de algum senhor?”, questionou o chefe de frota.
Theodoro começava a se irritar com tantas perguntas e interrogativas, todos
deveriam o vangloriar por tal feito, não ficarem como Ottávio estava a verem-no com
olhos de vilão.
Vilão, papel tão nobre. Em toda História da Humanidade fora tomado por
ardilosos, vis homens que lhe deram razão da palavra. Aqui, como em qualquer outra
história, acreditem haverá vilão, vilões, vilã e assim em diante. Mas será o indivíduo
que exercer esse papel que muitos possam se surpreender ou até mesmo não. Haverá
motivos é claro, sempre os tens. Surpresa!
“Sou de fora. Vir para tentar uma nova vida.” respondeu Theodoro a Ottávio, tal
resposta que custou para ser dada.
“Ora, pois. Então vou lhe avisar, pelo o que vi é um chamariz de atenções e
aventuras. Espero que não se aventure na vida oposta a lei. Aqui não permitimos
desordeiros e vagabundos. Boa sorte em sua nova vida.” Declarou o romântico Ottávio,
agora opressor, afastando-se do rapaz, pois não estava agradando-lhe o cheiro exalado
pelo mesmo.
“Não vim com tal intuito, se isso lhe acalma. Mas se um dia resolver adentrar
em tal carreira sei quem pode ser minha primeira vítima.” irritado com as
interrogativas e o olhar de nojo de Ottávio, Theodoro declarou com tom suave nas
palavras.
O escravo de Mercy se aproximou nas carreiras.
-Incompetente! Impur! Imundo! De graças ao senhor do céu que não tenho um
tronco em minha residência no qual lhe botasse a passar as noites em chibatadas. declarou a francesa vendo seu escravo se aproximar.
-Me desculpe, minha senhora. Tentei segurar as rédeas, mas não pude contêlos. -o negro tentou se explicar, dizendo não ser culpa dele tal acontecimento, abaixou
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a cabeça com temor do que haveria de lhe acontecer. E seu temor aumentou ao ver
seu senhor Rafael junto de Mercy.
Um guarda da polícia veio logo atrás do negro.
-Ele não tem culpa. Os garotos com aquelas bombinhas puseram medo nos
animais. Aqui está jovem, seus pertences. –falou o guarda entregando a trouxa de
Theodoro. -Foste muito corajoso ao tentar conter os animais. Os cavalos de senhorita
Mercy são uns dos mais fortes dessa vila.
-Pois bem, o garoto teve seu momento de glória. Tenho mais o que fazer ao
invés de ficar ouvindo elogios e adjetivos a um qualquer. Precisamos ir meu caro
Ottávio, já nos atrasamos o suficiente. -declarando isto o senhor Hamburgo subiu para
sua carruagem. -Tome cuidado, senhorita Mercy, aventuras assim nem sempre acabam
em aplausos e risos. Parabéns novamente rapaz.
-Vivas forasteiro. Até logo, senhorita Mercy. Teve sorte negro. -disse Ottávio
indo logo atrás do patrão, após dar o último sórdido e ofensivo olhar em Theodoro.
O negro, o qual estava a temer o que lhe haveria de acontecer, como já fora
dito, se oprimiu com as palavras do jovem seguidor de Rafael. Abaixou a cabeça e
acariciou os animais, pelos quais tinha tanto gosto.
Theodoro com a expressão fechada tinha os lábios em linha reta. Más
intenções, muitas, observando a carruagem de Rafael seguir caminho.
-Senhor Guardi, espero atitudes em relação aos garotos, avise aos pais para
darem uma surra nos parasites, nos pestes. –e ela virou-se a Theodoro logo após ditar
as regras ao policial, entusiasmada menos que outrora pelas palavras de retaliação de
Rafael, mas ainda assim encantada com o rapaz em sua frente. -Muito bem. Estavas a
seguir para aonde?
Voltando-se à senhorita, Theodoro respondeu: “A casa de minha madrinha”.
-Pois bem, pelo menos posso levá-lo à casa de sua madrinha? Não entenda
como recompensa, mas sim um favor. -declarou ela cheia de charme, com olhares
atraentes. Olhos de encanto e sensualidade.
-Não é preciso. Estou a poucas quadras da casa dela.
-Mas como não. Eu insisto, isso não vais poder negar. -Mercy olhou para ver se
a carruagem de Rafael já ia longe e agarrou Theodoro pelas mãos que foi arrastado
para cima da carruagem da bela mulher.
-Muito obrigado. -agradeceu ele ao policial e acenou a algumas pessoas que
estavam olhando.
Mãos grudadas. Mercy segurou a mão grande, com dedos longos e grossos,
com intensidade e prazer. Theodoro ao reparar que ela não soltava seu membro, olhou
para ela sem modos, envergonhado.
-Ah, désolé, me desculpe. -soltando a mão do forasteiro, ela fez ares de
inocente.
Os dois coraram-se.
-Siga em frente, serviçal. -a francesa avermelhada, deu ordens ao escravo que
já estava em seu local de serviço. -Quem é sua madrinha? Aonde mora?
A rua voltou ao seu trânsito normal. As pessoas foram guiadas pelo guarda a
continuarem seus afazeres e tudo se retomou a calmaria e tranquilidade.
A retórica do terror, nada melhor que a paz vivida após uma tragédia.
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Estacionando em frente uma casa com entrada de singela construção, a
conversa decorreu muito bem. Houve novas apresentações, declarações do que cada
um fazia da vida, de onde vieram etc. Interrogativas comuns para recém-conhecidos.
-Mercy Dinancy- exprimiu a francesa que depois explicou ser filha de um inglês
e uma francesa e que sua família residira na França. Nascera lá, só viera à colônia
Portuguesa aos 17 anos de idade. Só, a tentar algo novo, após fugir de casa cansada
das incessantes brigas de seus pais, onde várias vezes presenciou o pai esmurrando a
mãe.
Theodoro explicou que vinha de uma vila próxima a São Paulo, onde sua mãe
não sabia nem ao menos quem era. Seu pai era seu grande herói, pai, mãe, amigo...
Margot conhecera seu pai, Emanuel, em suas andanças pelo mundo. E depois adotou o
filho do amigo como afilhado. E que hoje viera tentar uma nova vida ao lado da
madrinha. Estava só, seu pai havia morrido há quase um ano.
-Margot é mesmo uma belle femme, mulher adorável. É madrinha de muitas
enfants, crianças, aqui da vila. Mas nunca conhecera um filleul, afilhado dela tão adulto
como vossa pessoa. Vous êtes un homme.
Não entendendo muito o que Mercy falava, apesar das traduções feitas por ela
logo em seguida, Theodoro disfarçou fazendo entendido. “Margot foi uma grande
amiga de meu pai, o ajudou muito. Pois bem, estou necessitado de descansar...”.
-Ah, oui, sim. Não admito mais recusas, tenho uma dívida com tu. Irei
encontrar um bom prêmio.
Pondo a mão sobre as chocas de Mercy, com charme e olhos encantadores,
Theodoro disse com uma voz dominadora: “Pois bem, se não há outro jeito, não recuso
mais nada de sua pessoa. Vou esperar com entusiasmo o meu prêmio”.
As bocas já se faziam prontas, tão próximas que não havia como não ocorrer um
beijo. Mas Theodoro saltou da carruagem com sua trouxa nas mãos.
Mercy que já estava dominada por tal forasteiro abriu os olhos e viu-se só em
seu veículo. Voltou ao mundo real, suando, um tanto tonta.
-Até mais, senhorita Mercy!
Lembrando que seu veículo estava sem porta, Mercy olhou à rua para se
certificar que não havia ninguém a espionando, depois observou o escravo que estava
imóvel em seu serviço.
-Até mais, Theodoro. -seu sotaque francês era visível - Bonjour monsieur. Nous,
vamos serviçal.
Olhares ardentes foram trocados, para maior encanto de Mercy. Sonhos não
iriam faltar para ter e desejar àquela mulher naquela noite.
Theodoro se prontificou em frente a casa de sua madrinha. Uma varanda com
cadeiras feitas a barbantes e algumas flores compunham o ambiente.
Bateu palmas e chamou se havia alguém em casa.
Uma senhora aos seus cinquenta e seis anos, já tendo muitas marcas de
expressão e rugas no rosto, pescoço, mãos... A idade já lhe era bem visível e se não
aparentando estar mais velha. Vestindo um elegante vestido de cor clara, muito bem
maquiada, atendeu a porta.
“Ora pois, Theodoro.” disse Margot saindo à varanda.
“Cheguei mais cedo do que previra. Incomodo?”
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“De modo algum. Vamos entre, é agora o meu mais novo companheiro de
moradia.”
Dentro da casa Theodoro sentiu o peso da promessa feita ao pai se
aproximando para ser executada.
A sala era bem grande e arejada. Havia assentos de aparência cara, um tapete
de provável origem Persa, e vários outros móveis e objetos que deixo pela imaginação
de cada um a imaginá-los. Uma escada dava acesso ao andar de cima.
-Fui pega de surpresa, não estava esperando sua chegada por esses dias.
-Não havia motivo que me prendesse aquela terra.
-Estou feliz em te ver aqui. És um homem feito já, seu pai ficaria orgulho. Sente
falta ainda dele, sim sei...-disse Margot ao ver os olhinhos tristes do afilhado- Mas tem
de se recuperar. Esquecê-lo, ele se foi.
-Nunca vou esquecê-lo.
-Ora pois, sente-se deve estar cansaço. Viera começar uma nova vida em um
bom momento, Santos está crescendo como nunca, muito bom para quem quer
trabalhar e crescer junto.
Sentando-se e pondo os pertences ao lado, ele concordou com um acenar de
cabeça a graça da vila ditas por Margot.
-Demorou muito a viagem?
-Não. Até agradável, peguei carona em boa companhia.
Ao meio desta falta de assunto, a escrava de Margot entrou no recinto,
alvoroçada:
-Senhora Margot, senhora Margot...
-O que houve? Qual o motivo de tal berreiro?
As duas pessoas que estavam na sala puseram-se de pé.
-Senhora Margot, na rua... -quando a escrava iria dar início a resposta, a negra
parou, gaguejando ao ver Theodoro.
-O houve? Vamos fale.
-Ele. –a negra apontou Theodoro. -Parou os cavalos de senhorita Mercy que
saíram correndo... Corajoso!
-Ora, se queria chegar com descrição, isso não será mais possível. -disse Margot
virando-se ao afilhado.
-Todos bateram palmas para ele na rua.- informou a escrava que estava
encantada com tal figura.
Theodoro reparou que ganhara fama, seu feito pelo visto já corria a vila em
fofocas. Sentiu-se encabulado.
-É meu afilhado, passará um tempo morando conosco até se ajeitar aqui na
vila. -declarou a senhora à sua escrava. -Deve estar cansado, não é mesmo,
principalmente pelo feito heroico. O que quer?... Já sei, tomar um banho?!
-Seria muito bom. -respondeu ele, imaginado uma água quente escorrendo
pelo seu corpo.
-Vamos deixe de admiração sobre o rapaz, está o deixando sem jeito. Leve os
pertences dele ao quarto de hóspedes e prepare um banho para ele.
Theodoro entregou sua pequena mala à escrava e tentou desviar do olhar
penetrante da mesma sobre sua pessoa.
-Me acompanhe, prepararei um café a nós dois. Enquanto esperamos o seu
banho ser pronto, vamos conversando. Siga-me, por aqui.
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Os dois seguiram à cozinha. Theodoro recebendo os olhares da escrava que
subia a escada que não desgrudava os olhos dele, admirada como se tivesse vendo um
Deus.
Ottávio e Rafael desceram da carruagem, chegando ao prédio municipal.
Adentram o local onde logo foram surpreendidos pelo secretário do prefeito,
Abelardo Benoly.
-Bem vi... Vi... Vindos. -Abelardo deu as boas vindas a um dos principais
senhores da vila. Seu problema de gagueira impedia-o de formular as palavras com
rapidez sem importunar os ouvintes.
Rafael interrompeu o homem. “Onde está o prefeito? E o representante?”
-No ga... Gabinete dele. -com calma nas palavras, Benoly conseguiu formular
uma frase sem muitas pausas.
-Deveria cantar assim não iria importunar ninguém com seu problema. -disse
Heitor que apareceu acompanhado de seu fiel seguidor e empregado Adrian que riu
para dar graça às palavras do patrão.
-Não há graça alguma em tal problema do rapaz. Deveria rir de si que agi como
um cão vira-lata seguindo a poeira de seu patrão. -Ottávio repreendeu o ajudante de
Heitor, trocando olhares terríveis.
Adrian odiava Ottávio não só pelo seu porte masculino divino, mas também a
graça que tinha perante a vila. O português sempre fora mais respeitado entre todos
de Santos, bem melhor do que Adrian, que morria de invejas dele. Mas o empregado
do senhor Martins nunca fizera por merecer elogios, sempre querendo ser superior a
qualquer outro e querendo sair-se melhor em tudo o que fazia.
-Ah, chegou rápido. Tenho certeza que Adrian quase botou os bofes para fora
na grande correria que deve ter feito para lhe avisar. -Rafael encarou Heitor.
Heitor e Rafael eram inimigos declarados. Ainda jovens, no início de suas
profissões, Rafael impedira Heitor de progredir nos negócios de navegação. E assim o
confronto entre esses dois homens se dera. Uma guerra fria, um impedindo sempre o
outro de executar algo. Mas Rafael sempre se saiu melhor. Nos últimos tempos nada o
impedia, só progredira.
-Por favor, me si... Sigam ao gabinete do pre... Prefe... Fe... Fe... Prefeito. Estão
todos a espera de vocês. -Abelardo tentou com medo de ser motivo de chacota
novamente, dizer o melhor possível. E encaminhando os senhores à sala do prefeito.
A caminho do gabinete municipal, Heitor e Rafael seguiram lado a lado, como
dois guerreiros seguindo para um confronto.
“Ouvi dizer que quase fora esmagado sob as patas dos animais de senhorita
Mercy?!”, disse Heitor.
“É não fora dessa vez que tivera sorte de me ver morto e assim estaria livre
para passar na minha frente. Mas hoje é o meu grande início para a eternidade!”,
declarou Rafael com um grande sorriso no rosto.
Abelardo abriu a porta do gabinete aos senhores e seus empregados que
vinham logo atrás dos mesmos.
O gabinete tinha alguns homens de vestimentas nobres e modos de requinte
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bebendo vinho e rindo.
-Oh, aí está, Rafael Nunes Hamburgo. -aclamou o prefeito, José Miguel
Lourenço, indo aos cumprimentos.
-Miguel. -Rafael retribuiu o aperto de mão ao prefeito.
-Ottávio... -um português com as finas vestimentas nunca vista por todos,
cumprimentou o chefe da esquadra de Rafael. O sotaque português também era
visível. -Ainda não fora descansar?
-Tinha compromissos a serem compridos. -Ottávio respondeu. -Deixe me
apresentar-vos, senhor Rafael esse é o Representante da Coroa, Donário...
-Donário Abreu Freitas Guedes Lima. -o Representante com gosto e honra disse
nome e sobrenomes. –Representante da Coroa Portuguesa.
Cumprimentos foram trocados.
-Olá. Muito prazer, Heitor Martins. -se intrometendo nas apresentações, Heitor
se apresentou.
-Muito prazer. –cumprimentou o Representante com simplicidade. - Você é dos
Martins da Espanha?
-É... Não...
Sem dar mais atenção alguma a Heitor, o Representante voltou-se a Rafael:
-Fui muito bem tratado em seu navio senhor Rafael. Eu e minha comitiva
viajamos com muito conforto.
-Fico feliz em saber. Mas me entristece o fato de não se hospedar em minha
residência.
-Pois ora, não é necessário. Não quero incomodar.
-Não seria incomodo algum senhor Donário, como já lhe disse. -interferiu
Ottávio.
-Ottávio tem razão. Teria muito prazer em servir minha humilde residência
como sua moradia enquanto permanece em minha vila. -declarou Rafael com
entusiasmo e a fim de tornar a visita do Representante o mais agradável possível.
-Sua vila? -perguntou Heitor que não engoliu a falta de atenção do
Representante e o sorriso sarcástico de Rafael, ao deixarem falando sozinho.
-Vila sim de todos, mas o dono único a Coroa. -enfatizou o auxiliar do
Representante, Francisco Galvão, que estendeu a mão para cumprimentar Heitor. Muito prazer, Francisco Galvão, auxiliar do Representante.
-Pois sim. A Coroa e o rei D. José I. -Rafael fez louvor à Coroa mostrando gosto e
respeito à Metrópole.
-O hotel onde me hospedei, por momento é muito bom. Tem uma boa comida.
-declarou Donário.
-Muito boa. E é confortável. -reforçou Francisco.
-Bem o convite fora feito, sem ser retirado.
-Agradeço, senhor Rafael.
-Mas por qual motivo fomos convocados aqui? -perguntou um dos senhores de
Santos.
-Ora pois, também tal motivo me intriga. -declarou o prefeito.
-Vinho senhores. Mais um cálice de vinho. -Rafael se aproximou da mesinha
onde se encontrava tal bebida, fazendo mistério. Logo fora cercado por Heitor.
-O que está fazendo? Quais os seus planos, Rafael? Como podes tomar partida
em algo sem consultar os senhores da vila? O que é? Será prejudicial a nós? -Heitor o
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questionou, pegando a taça de vinho que acabara de ser enchida pelo adversário.
-Não sei se prejudicial a todos. Mas tenho quase certeza, que sim a você. -com
um tom de voz dominante, Rafael respondeu ao oponente tomando de volta a taça de
vinho. Depois, voltou-se aos senhores na sala. -Abelardo sirva a todos. Enquanto isso
peço a atenção dos meus nobres amigos e companheiros...
Tomando a frente de todos, as atenções foram voltadas para Rafael e suas
palavras.
“Amigos, a vila de Santos entrará em uma nova era. Uma era de paz. Santos
passará a ser um local sem criminosos e crimes. Uma era de harmonia, onde os
negócios de todos irão melhorar, e o principal fator disto é a nossa boa relação com a
Coroa.”
O prefeito sentiu-se encabulado e com medo, alguém estava fazendo discurso
dentro de seu gabinete.
“Ora, que mudanças? E quem nos levará a essa nova era?”, perguntou José
Miguel, o prefeito, que apertou com força sua taça de vinho seca, provocando
trincados no objeto.
-Não há com o que se preocupar. Não haverá mudanças na vida de ninguém
que seja contra a Coroa e a lei. O homem a se envolver em tal compromisso, sem
dúvida é nosso caro senhor, Rafael. -declarou o auxiliar, Francisco Galvão.
Ottávio bateu palmas que logo foram seguidas por todos os senhores, menos
Heitor, que assistia tais declarações se remoendo de raiva.
-Não é possível dizer ainda o que é precisamente. Um grande baile eu darei em
prol de tal ato. Mas a nova era começou meus caros companheiros e o meu amigo
aqui, o Representante da Coroa, é a prova viva disso.
-Não seria possível mesmo dizer nada? Estão diante das autoridades dessa vila.
E eu sou o prefeito. -enfatizou o prefeito querendo respostas.
-Eu, o coronel da guarda. -interpôs sua presença, Samuel Fernandes da Silva.
Donário trocou olhares com Rafael que logo trocou olhares com Ottávio.
-Ainda não meus senhores. Algumas coisas ainda são necessárias
providenciarmos. Mas com certeza, serão os primeiros a saberem o que é, e o que
haverá. - Ottávio com sua lábia de mercante, interferiu novamente em prol do patrão.
-Peço compreensão em tal fato. -declarou o Representante. -E não há com que
se preocuparem, se acalmem e esperem o baile.
-Baile que pretendo dar daqui um mês ou menos, se possível. Como sempre e
única competente, os preparativos e organizações está nas mãos da cara senhora,
Margot Reghine.
-O que nos tornará mais calmos, perante tal ato misterioso? -interpôs Heitor
com os nervos a flor da pele, ele estava suando frio.
Todos paralisaram a espera de Rafael dar uma boa e confiável resposta.
-A confiança em minha pessoa. Vos garanto. -falou Rafael, como se colocando
um final em tal assunto.
-Bem espero que estejam preparados, pois suas senhoras estarão preparadas a
gastar em roupas e artigos para tal evento. -tentando descontrair o âmbito Ottávio
lembrou os senhores de suas vaidosas esposas e entes femininas, das ações das
mesmas para os preparativos em seus trajes e aparências para o baile.
Todos voltaram a beber e conversar. O assunto de tal ato misterioso tomou
conta do ambiente e as tentativas de se tirar do Representante, de seu auxiliar, de
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Ottávio ou de Rafael o que haveria de ser ocorrer foram muitas. Mas só ficaram em
tentativas.
Rafael se aproximou com cautela do Coronel da Guarda. Dizendo num grau
baixo de voz: “Irei precisar de sua ajuda, meu caro amigo. Irei contar tudo com mais
calma em minha residência”.
E Adrian ouviu as palavras de Rafael com atenção.
E assim, após um bom tanto de conversa, os senhores de Santos resolveram
seguir para suas respectivas moradias.
O dia dava indícios de seu fim, o astro-rei começava amolecer-se no céu.
Rafael questionou o Representante pelo mesmo ter recusado o convite de jantar em
sua moradia.
-Pois estou muito cansado. Minha intenção é dormir a noite toda. - declarou o
Representante.
-Concordo, mas amanhã não aceitarei um não como resposta. -ressaltou
Rafael. -Aí está sua carruagem, senhor Representante.
-Até mais. -subindo em sua carruagem o Representante foi seguido de seu
auxiliar.
Rafael e Ottávio seguiram à sua carruagem em diálogo e foram surpreendidos
por Heitor acompanhado por Adrian como sempre.
-Bravo! Desta vez você se superou. Será o precursor para uma nova era. Mil
vezes, bravo! Nunca pensei que você fosse tão revolucionário. -o sarcasmo tomou
conta das palavras de Heitor.
-Pois é, por isso sou o melhor. -Rafael foi egocêntrico.
-Como anda sua família? Sua mulher anda gastando muito seu ouro? E já
conseguira algum partido para sua filha? Ou é mesmo, não deves ter tempo para elas e
seus assuntos fúteis. Mas senhorita Mercy como sempre deve estar bem servida de
atenção. -Heitor atiçou com assuntos impertinentes o inimigo.
Quando dava às costas a Heitor para subir em sua carruagem, Rafael virou-se
para ele respondendo a afronta: -Maria, minha esposa pode gastar o quanto de ouro
que lhe der em mente. Tenho tanto que não me fará falta. Minha filha não precisa de
partido, não é moça a esperar ninguém. Fúteis, não nego que alguns assuntos delas, a
grande maioria na verdade, são, mas quais mulheres não os tens. E Mercy, continua
adorável. -respondeu Rafael, que também não perdeu a chance de atiçar o inimigo. Mas e sua esposa deixara mesmo a vida passada de antes do casamento com sua
pessoa? E sua sogra, continua a atender junto com os búzios em sua residência?
Heitor mudou sua fisionomia de uma forma nada agradável, cerrando os
dentes.
Rafael e Ottávio subiram na carruagem com sorrisos em rostos.
-Ah, não compreendo o porquê de tantas afrontas. Heitor está começando a
me dar nos nervos. -declarou Rafael um tanto nervoso. -Seguimos à sua residência e de
lá passarei na casa de Margot. E por hoje está dispensado, Ottávio.
-Se necessário, pomos um fim nessas afrontas, senhor... -disse Ottávio.
-Ora nem pensemos nisso. Agora não é o momento de termos problemas com
peixe pequeno. Pelo menos por enquanto levemos assim com paciência.
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O fim de mais um dia de trabalho árduo e cansativo. O povo seguia caminho
para casa, a fim de se alimentar e repousar para o próximo dia de tarefas e
compromissos.
Em uma butique no centro da vila, um tanto pequena, o bastante elegante e
pintada de vermelho, o melhor e mais cogitado alfaiate da vila tinha a atenção voltada
aos caprichos e desejos de uma senhora e sua filha.
Serafim ganhou fama por cozer belos e elegantes vestidos, os calçados não
eram seu forte, mas os fazia bem. Com seu estilo delicado para falar com as mulheres e
de mãos leves para vesti-las ganhou fama e prestigio. Sua fiel cliente era Maria
Aparecida Goes Hamburgo.
Sobre um banquinho em frente a um espelho, Maria Aparecida tinha aos seus
desejos e ordens o alfaiate todo atencioso como sempre. Ela experimentava um
vestido ainda em preparo.
Daniele estava próxima da mãe, sentada em uma poltrona e sua escrava de
companhia, Nina, de pé ao seu lado. A moça tentava encontrar um bom sapato que
combinasse com o vestido que experimentara a pouco, a negra admirava e sonhava
estar no lugar de sua senhora.
-Não gostei desses babados, seria bom retirá-los e colocar fitas de seda no
lugar com pingentes de ouro, o que acha? -a senhora opinava nas mudanças que
ocorreriam na vestimenta. -Deves aperta aqui também...
-Louvemos a Deus que encomendaram vestidos há algumas semanas atrás. Se
fosse para eu costurar os dois agora em cima da hora, não haveria como. -declarou o
alfaiate, louvando o trabalho que seria evitado. Sempre com um lenço em volta do
pescoço de cores quentes, roupas um tanto brilhantes e vocábulo marica.
-Não minha querida, esse não, ele é muito simples. Pegue o outro... Isso, esse
mesmo, com alguns detalhes em ouro ficarão uma beleza. -como sempre a evidencia
da facilidade e da grande quantidade de ouro que dispunha era visível nas ordens da
senhora Hamburgo.
Auge da mineração de ouro no Brasil de 1740 a 1761. E a partir disto se deu um
declínio irreversível, mas o costume da fartura dessa pedra preciosa ainda permanecia
na mente de tal população.
Maria Aparecida, deusa da vaidade, egocêntrica, fazia questão de pendurar
artigos de ouro em todo o corpo e mostrar-se, querendo sempre demonstrar tudo o
que tinha e sempre querendo apresentar superioridade sobre os outros.
-Quero o meu vestido o mais belo de todos, não aceito pouco. Sabes muito
bem, Serafim. - declarou a senhora Hamburgo com os olhos fixos em todos os detalhes
da roupagem.
-Desde quando não fora e não será melhor que todas as mulheres dessa vila? E
até mesmo dessa Colônia? -O delicado alfaiate vangloriou e usou da falsidade para
sobrepor Maria Aparecida.
-Sou sim. E pretendo deixar quando Deus me chamar aos céus uma replicada
minha em elegância e charme. -dizendo isso a mãe se virou para sua filha.
Daniele que agora punha seus sapatos de volta, ao experimentar um enxame
de calçados, olhou encabulada sua mãe diante de tal comentário.
-E uma replica de minha pessoa precisa de um bom marido para sobreviver. A
replica existe e o candidato a esposo também. -A senhora Hamburgo tentou retornar
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ao assunto que teve com a filha pela manhã.
-Isso é claro, deve ser o magnífico Ottávio. -Reforçou o alfaiate- Minha querida
Daniele, se soubesse como aquele elegante rapaz é desejado e cogitado pelas moças
dessa vila, iniciaria os preparativos de casório o mais rápido possível.
-Esperaremos o baile que há de vir passar, para assim tomarmos atitudes em
relação a essa filiação. -com firmeza nas palavras, Maria Aparecida confirmava à filha
que não seria mais ela, Daniele, que tomaria a decisão sobre seu casamento e sim seus
pais.
-Sei que Ottávio é um belo homem e é evidente que ele é cogitado por moças e
donzelas. Mas o considero de outra forma, tenho um amor fraternal por ele. -Daniele
declarou isso com as mais tristes palavras que já dissera na vida até então, querendo
transparecer para sua mãe que sua vontade era ser amiga de tal rapaz, apenas isto.
-És um deus grego, uma figura colossal em forma de músculos e masculinidade.
–Serafim elogiou e desejou com as palavras, recebendo olhares duros da jovem mulher
em seguida.
-Pois bem, mas esse não é o lugar e nem as pessoas certas a tomarem parte
dessa história. Deve focar-se nos preparos de nossos vestidos, Serafim. -interrompeu
Maria Aparecida.
-Dizendo assim me ofende de duas maneiras. Não sou do tipo de pessoa que
sai a fofocar a vida de minha clientela, muito menos já deixei você a espera em relação
das minhas costuras. –falou o alfaiate demonstrando-se ofendido.
-Não se faça de perseguido meu caro, não disse isto a você. Entenda que essa
corja de imundos em meio a senzalas comentam de tudo e sobre tudo. Ratos! respondeu a rica senhora as retóricas do costureiro, humilhando a imagem dos
escravos e deixando Nina amuada e cabisbaixa. -Não estou a reclamar de seus serviços,
mas como sei que será procurado pelas senhoras da elite, com isso terá um aumento
nos serviços. Já peço atenção exclusiva e pagarei caro se preciso.
-Oras falando assim parece que estou a mendigar algo.
Vendo que a conversa havia tomado outro rumo e tendo a chance de evitar
mais conversas sobre sua união com Ottávio que estava lhe botando aos nervos
Daniele decidiu dar uma volta pela vila.
-Irei dar uma volta minha mãe. Faz algum tempo que não caminho pela vila. –
declarou a moça, pondo-se de pé.
-Ora pois, se quer ir não vá muito longe. Fim de dia não é horário para moças
de família estar andando com sua escrava, sozinhas pelas ruas. -recomendou a mãe
que estava preocupada com sua roupa para o grande baile.
-Sim senhora. -dizendo isto, Daniele se pôs o mais rápido possível para fora da
butique respirando aliviada. O ar era pesado dentro de tal local. Acompanhada de sua
escrava de companhia seguiu a andar, deixando as vozes de sua mãe e do alfaiate para
trás.
-Faz algum tempo que não aprecio as ruas de Santos, também não tenho
tempo disponível ultimamente. -falou a jovem senhora para escrava que a
acompanhava.
Daniele admirou as vitrinas de algumas lojinhas e cumprimentou alguns
conhecidos. Após perambularem um bom tanto a escrava preocupou-se:
-A senhora Maria Aparecida, sua mãe, disse para não ir longe, sinhazinha. alertou a escrava que sabia que um erro da sinhazinha seria sua culpa.
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-Ora essa, eu sei o que faço. Não precisa me avisar escrava intrometida. -vendo
o rosto de humilhação de Nina, Daniele voltou-se para trás. -Ora não faça essa cara,
estou brincando. -dizendo isso Daniele paralisou.
Nina continuou a andar e falar: “Não estou querendo ensinar nada, sou uma
infeliz escrava, um bicho aos olhos de vocês, somente avisei o que sua mãe...
Sinhazinha?”.
Daniele parou próxima a um beco que ao observá-lo via-se claramente uma
ladeira. Uma ladeira em direção ao mar, com casas, bares, lojinhas, pessoas
transitando.
“O que é aqui?” perguntou a jovem moça admirada.
“O bairro Pirata, sinhazinha. Perigo!” alertou Nina que se pôs ao lado de
Daniele.
“O bairro pirata, já ouvi muitas histórias daqui.” a curiosidade tomou conta da
mente e corpo da moça, que começou a andar em direção a tal antro.
“Sinhazinha, por Deus, aqui não é confiável. Há piratas, assassinos, ladrões.
Não.” a escrava tentou evitar a senhorita Hamburgo descer a ladeira, tal esforço foi em
vão. Sem escolhas, a escrava acompanhou sua senhora.
Havia casas geminadas umas as outras, janelas de frente com outras a menos
de centímetros, portas à portas, vidas à vidas. Pessoas de vestimentas simples, muitas
esfarrapadas, gente de aparência de contato intenso com o oceano. E o cheiro de peixe
era insuportável.
Impressionada com o que via, Daniele descia a ladeira sem ouvir as lamúrias de
sua acompanhante.
De uma casa, abriu-se a porta. Um homem completamente nu, lá para os seus
trinta anos, era enxotado da pequena moradia. A mulher falava palavrões e desgraçava
o destino do homem, ele tentava ocultar as partes íntimas e balbuciava palavras para
tentar amenizar a situação.
Daniele e a escrava paralisaram diante de tal cena. A moça nunca havia visto
um homem nu em sua vida. Assim, foi carregada pela escrava aos fundos de um bar
que estava cheio de garrafas, lixo e ratos.
Apreensão e risos.
Logo depois, um velho senhor carregando uma caixa de garrafas saiu de dentro
do bar e se deparou com as duas mulheres ali aos fundos, tão imundo de tal
estabelecimento, elas estavam rindo descontrolavelmente.
-Mas o que há aqui?- perguntou ele após empilhar as garrafas num canto.
As mulheres entraram em choque. A imagem daquele homem, velho, com vestimentas
de piratas, uma perna manca, era tenebrosa.
A escrava gaguejou na inútil tentativa de dizer algo.
-Vamos falem o que estão fazendo aqui? -o velho homem viu que a moça
branca não devia ter uma condição financeira baixa, reconhecendo-a. -Ora, você não é
a filha de Rafael Hamburgo? Ora donzela o que faz aqui em tal antro pirata e local de
perversão?
Olhos arregalados, silêncio.
-Vamos, as duas se mexam, sumam daqui. Aqui não é local para pessoas como
vocês, vamos se mexem. - o homem escorraçou as duas mulheres por saber que ali era
perigoso para elas.
Nina a escrava tomou a iniciativa e puxou a senhorita para subirem a ladeira o
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mais rápido possível.
Um rapaz de dentro do bar ao ver o pai falando com as duas mulheres ali no
beco seguiu para fora a fim de saber o que estava acontecendo.
Nesse momento a moça e sua escrava já estavam subindo a ladeira e o velho
resmungando.
-O que aconteceu, meu pai? Quem eram aquelas pessoas? -o rapaz questionou.
-Gente de dinheiro rondando o Bairro Pirata, tenho certeza que estão a procura
de algo... -o velho homem foi voltando para dentro do bar resmungando e
gesticulando.
O rapaz observou as duas mulheres subindo a ladeira, uma delas olhou para
trás, e conseguiu prender a atenção dele. Os dois trocaram olhares. Ela de cabelos
pretos e olhar atraente, uma sinhazinha com certeza, ele pré-considerou, também
tinha uma escrava em sua companhia. Uma bela moça. Encantadora, ninfa de belos
olhos...
-Josué, venha cá. Preciso de sua ajuda. –chamou Rúbio o filho. O rapaz seguiu
aos seus afazeres, mas a imagem de tal moça fora marcante para si, fazendo-o ficar
desconsertado.
Após subirem a ladeira em correria, as duas pararam. Ofegantes, em seguida
Daniele caiu em gargalhadas. Nina ficou inconformada pelas risadas de sua dona.
-Negra boba. Tens medo de tudo!- Daniele nunca sentiu tanta adrenalina como
a pouco, adorou o ocorrido. Esta jovem moça, em sua inocência nem imaginava o que
haveria de acontecer dali para frente em sua vida. -Vamos, mamãe já deve estar
preocupada.
Seguindo de volta para a butique do alfaiate, Daniele se defrontou com
algumas senhoras conhecidas da família. Viúvas com costumeira vida de fofocas.
-Pois sim senhorita Daniele, quase, faltou pouco para que seu pai fosse
esmagado pelos cavalos da senhorita Mercy. -informou umas das velhas.
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Capítulo 4:
Sou pirata, sou pirata
Sou pirata, sim
Sou pirata, sou pirata
O fundo do oceano é o meu fim.
Margot recebeu Rafael com muita educação e gentileza, duas de muitas das
qualidades que esta senhora tinha. Contudo, ela preocupou-se, era estranha a
presença de Rafael em sua residência num dia de trabalho, ao menos que fosse algo
sobre o baile. Baile que Margot estava a organizar.
-Sente-se meu caro amigo. Posso lhe servir um chá, café? -Margot realizou as
formalidades de recepção.
Sentando-se um tanto quanto muito próximo de Margot, Rafael declarou:
-Não muito obrigado, pois vir ter-lhe um dedo rápido de prosa.
-E qual seria o motivo de sua visita repentina a minha casa? Algo sobre o baile
que queira mudar. Saiba que está tudo correndo nos conformes. Só não entendi toda
aquela parafernália de madeira que mandou vir para tal evento...
-O assunto que me trouxe aqui não foi o baile, tendo sua resposta que tudo
está a correr bem, fico satisfeito. O que vim lhe perguntar é... -aproximando-se junto
de Margot, olhando aos lados se via alguém e em sussurros explicou:-... Tens notícias
sobre o Código?
-Ora essa, não. Tudo está como deveria estar. Por que me pergunta?
-Daniele... Ela está a se ligar muito a ilha e seus efeitos. Estou preocupado.
-Tenho certeza que tudo continua como da última vez. No máximo deve ser os
mapas de Olivier que causa as peripécias de piratas para lá. Mas tem de falar com
Daniele, ela deve estar ciente do que está portando no dedo. Ela deve trabalhar essa
ligação com o Código para evitar complicações as quais podem levá-la à loucura.
-Sei disso... Daniele sonhou com uma criatura da ilha. Tenho medo que ela se
machuque.
-Quem acho que deve evitar machucados és tu. Ora, soubera do fato da
carruagem de Mercy que quase o esmagou?
-Pois veja, quase fui atropelado pelos cavalos daquela cabeça de vento.
-Vamos aceite uma xícara de café. -Margot se pôs de pé, chamando a escrava e
pedindo à negra para servir café. -Corajoso meu afilhado, ele lhe salvara do pior.
Agora tomando outro lugar sem necessidade de conversas misteriosas, Rafael
elogiou o rapaz novamente. Lá ia ele de novo agradecer o ato do jovem homem.
Elogiar alguém por algo lhe feito, era uma coisa que Rafael odiava.
A escrava trouxe a bandeja servindo a bebida aos dois.
-Não se preocupe em me servir Margot, estou de saída. Tenho pressa em
descansar.
-Ora não me faça desfeita.
-Fiquei sabendo dessa novidade, mais um filho de vagabundo que irá levar nos
ombros.
-Ora essa, não fale assim, o rapaz está à procura de crescer na vida. A prova
que é competente fora o ato de hoje.
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-Isso não se enquadra em competência e sim aparição de um aventureiro.
Temo aventureiros, de exemplo temos Emanuel. A cada dia que passa, penso que o
Código possa ser tirado da ilha por um deslize dele. Espero que ele esteja cuidando
bem do anel que a ele incumbiram.
-Vamos esquecer o passado... -tentando mudar o rumo da conversa que se
tornou desagradável, Margot interceptou pelo afilhado. -Espero que recompense o
rapaz.
-Ora essa, não tenho dívida alguma com tal criatura.
-E o que te custa dar a chance a um rapaz disposto, com força de vontade? Tens
uma frota, muito serviço deve ter por lá, pois então, encaixe-o em algum posto. Não é
uma dívida, mas sim uma gentileza.
-Rogai por eles, virgem Margot. Pois bem, verei o que faço em prol do jovem. Rafael se pôs de pé. -Matutando aqui em minha mente, darei um grande jantar em
minha casa para toda a elite de Santos e para Corte Representante que atracara por
aqui... Estão convidados, você e seu protegido.
-O que está armando com a Corte, Rafael? -questionou Margot que recebeu
olhares de estar sendo intrometida demais. -Pois bem, estaremos lá.
-Não se preocupe, o progresso e a evolução vem aí. É o que posso lhe dizer de
ante mão. Pois bem, diga ao rapaz... Como mesmo é o nome dele?
-Theodoro.
-Pois bem, diga para Theodoro, que ele e sua madrinha estão convidados ao
jantar na minha casa esse final de semana. Tenho que ir minha cara amiga, passar bem.
Acompanhando o amigo até a porta, Margot após se despedir do mesmo, pôsse a pensar o que Rafael queria dizer com progresso e evolução. E a ligação do mesmo,
ex-pirata, com a Corte Portuguesa. Fato intrigante.
No alto da escada, escondido atrás da parede, Theodoro ouviu toda a conversa
entre sua madrinha e o grande chefe de Santos. Informações importantes.
Salete se encontrava jogada no chão, imunda e aos prantos.
Heitor sentia imensa repulsão por tal pessoa, sentia nojo daquela criatura na
sua frente, muito ódio pelos problemas e preocupações que ela ocasionava-o.
Adrian via Salete como um bicho no chão, próxima aos seus pés. Um animal
indefeso e fraco, mas que se deixado livre, causador de muitas desgraças e até mortes.
O capanga que trouxera a senhora aos cabelos sobre o cavalo, se matinha duro
e forte diante de todos e de tal cena, mas por dentro sentia um arrependimento
imenso e muito dó daquela infeliz pessoa. Sabia que Salete era infeliz ali naquela casa,
via em seus olhos tristes e caídos.
Malvina com um lenço limpava as lágrimas que escorriam, via sua mãe diante
de si sem poder intervir pela mesma. Pensava que era sua culpa o que estava
acontecendo, pois se desse um filho a Heitor, tudo iria mudar dentro de seu lar.
-O que está pensando? Diga-me? Ora essa, não cansa em dar tristeza e
preocupação à sua família? Vai sossegar quando eu for cassado pela Inquisição e sofrer
graves consequências. Velha dos infernos!
Somente a voz estridente de Heitor ecoava por quilômetros aos arredores.
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Parecia que tudo se quietara para ouvir os rugidos daquele homem.
-Escobar, chame dois escravos. Diga a eles que venham o mais rápido possível.
-ordenou Heitor ao empregado que seguiu as ordens do patrão. -Adrian seus serviços
por hoje estão acabados. Pode seguir embora.
Adrian mesmo não querendo se retirar dali, pois queria saber o desfecho que a
velha-bruxa teria, seguiu seu caminho.
-Recolha o choro Malvina. É por isso que essa ordinária continua a fazer o que
faz, porque acoberta os erros dela.
-De forma alguma, meu esposo. Nunca acobertei nada de errado que ela fizera,
sempre quis o melhor a todos e nunca deixei de ser fiel com você. -respondeu Malvina
as injustiças do marido.
Os dois escravos entraram junto de Escobar. Heitor ordenou que carregassem a
velha até o andar de cima.
No quarto de Salete, o senhor ditou as ordens:
-Vocês estão responsáveis por mantê-la dentro desse quarto. Irão escoltar essa
porta e ela não deve sair por nada. Ah, o castigo por um erro será a vida de vocês. –
declarou Heitor balançando o dedo diante dos rostos dos escravos que viam aquela
obrigação muito arriscada.
Salete e Malvina mal se olharam, tinham medo de olhares trocados
representarem algo para Heitor e as duas sofressem castigos.
Salete via o seu quarto como o inferno no qual estava sendo trancada e privada
de tudo e todos. Uma tristeza enorme tomou conta de seu peito. Seus olhos tornaramse caídos e sem brilho de vida. Também estava preocupada pelo o que previra nos
búzios na choupana.
Diante de seu genro, agarrada pelos dois escravos, algo começou tomar conta
de seu corpo. Uma força enorme que não conseguia dominar sobressaiu-se.
Diante dos olhos de todos ali Salete se retorceu, seus olhos ficaram brancos
como neve, sua voz tomou uma rouquidão masculina.
“A desgraça está por vir. Aquele que irá trazer o mal de volta, terá um fim
doloroso... Vocês irão sofrer. Em suas mãos estarão a vida de pessoas que você ama...
Se sacrificará por quem diz que tu amas ou salvará a própria pele?”, a velha bruxa disse
isto olhando nos fundos dos olhos de Heitor.
Os escravos que seguravam Salete a soltaram com medo de como a velha-bruxa
estava agindo.
Malvina e Escobar ficaram de olhos arregalados e horripilados pelo que viam.
Heitor se assustou de início, contudo a forma que Salete se voltou contra ele,
fora o pingo d'água. Agarrando a velha pelo braço que começou a ter uma convulsão,
jogou-a no quarto, a raiva dominou-o.
-Mulher do demônio! Que tu morras e arda no fogo do inferno. -A ofensa e a
praga foram as únicas palavras que Heitor conseguiu dizer, trancando a porta e
deixando Salete se revirando no chão dentro do quarto.
Malvina vendo que sua mãe poderia morrer com o ataque que estava tendo se
ajoelhou nos pés de Heitor pedindo que a deixasse acudir sua geradora.
O senhor Martins estava por enlouquecer de ódio e vendo sua esposa aos seus
pés, para ele aquela situação era um absurdo, um homem de seu porte e poder ter que
passar por aquela situação. Sem ao menos olhar para os olhos de sua senhora, ele
largou o molho de chaves que caiu no chão e assim se retirou do ambiente.
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Malvina abriu às pressas a porta, sendo ajudada por Escobar, que junttos
contiveram o ataque da velha louca.
Ao abrir a porta de sua moradia, Daniele caiu sobre seus braços, assustando o
pai pego de surpresa: - O que houve minha filha?!
-Pai! Oh, pensei que havia de estar machucado.
Maria Aparecida logo atrás se aproximou abando-se com um leque
enlouquecidamente:
-Estávamos preocupadas. Soubemos do caso da carruagem da senhorita Mercy.
-Como as pessoas adoram cuidar da vida das outras aqui, não?! Podem se
acalmar, não foi nada. Os cavalos estavam um pouco alvoroçados. Fiquem tranquilas.
Eu estou bem, vejam só.
-Mandei dois escravos saber de notícias suas com o Coronel. Não chegava
nunca, pensei o pior. -declarou a esposa com prenúncios de choro.
-Acalmem-se as duas... -entrelaçando mãe e filha entre seus braços e
distribuindo beijos na testa de ambas, Rafael pôs fim em tal assunto que tomara
proporções impensáveis. -... Estou aqui diante de vocês, são e salvo para salvá-las de
qualquer mal ou dificuldade.
-Te amo tanto meu pai. -declarou Daniele com os olhos em lágrimas.
Esse momento tocou o coração de Rafael, ele viu ali suas joias mais preciosas,
entrelaçadas em seus braços, incapazes de sobrevirem sozinhas por suas fragilidades e
inocência. Uma compaixão o arrebatou por inteiro. “Também te amo minha filha.”
Já em seu quarto enquanto ele estava preparando-se para tomar seu banho e
descansar Maria Aparecida entrou em cena.
Rafael se pôs junto da mulher, abraçando-a e dando-lhe um quente beijo.
-Não sabe o quanto eu estava temerosa. Somente diante disso que pude ver
que tu és minha vida, és meu mundo. -difícil de ser romântica, pelo que sua mãe lhe
ensinou sobre homens era que eles deveriam ser tratados sem qualquer sentimento,
pois assim a mulher evitava ser mal tratada e trocada. Pois, sempre a mulher deveria
demonstrar força e resistência diante de sentimentos e atitudes em relação aos do
companheiro, mas a senhora Hamburgo se rendeu e declarou seu amor.
Rafael Hamburgo deu outro beijo em sua mulher, lhe afagando nos braços e
dizendo ao pé do ouvido: - Te amo, minha menina.
Acabando com o momento romântico a escrava Zilda entrou no quarto e pôs
água quente na banheira para o banho de seu senhor. O casal evitou diálogo até a
escrava se retirar.
-Rafael me diga o que faz tanto na prefeitura e o que você tem haver com a
chegada de um Representante da Coroa aqui em Santos? Vamos me diga, não tens
segredo para comigo, sabes que sou um túmulo em relação aos assuntos de nossa
família. -Maria Aparecida colocou o esposo contra a parede, como se as respostas das
perguntas que fizera iriam pagar pela preocupação que teve.
Despindo-se e entrando na banheira, sem qualquer repudio, ao qual estava
tendo com todos e por confiar em sua mulher Rafael informou-a:
-Serei o Coronel Contra Assuntos Piratas da Colônia.
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Malvina penteava os cabelos de sua mãe com cuidado, descendo a escova com
leveza.
Salete agora estava limpa e cheirando essências, sentada numa cadeira, com as
mãos sobre as pernas, e a filha de pé cuidando-a. Os papéis estavam trocados, a filha
agindo como mãe e a mãe tendo o papel de filha.
Aqui ponho o leitor para pensar, em casos em que a vida nos força a tomarmos
papéis que não nos caberia, mas que nos é incumbido. Os quais parando para
analisarmos são erros humanos, que nos tornam responsáveis por outros
compromissos e problemas que não seriam nossos.
O mal do ser humano, um ser racional e inteligente que às vezes se torna um
monstro destruidor e faminto.
A bondade humana, se sacrificar pelo próximo sem a intenção do lucro, do algo
em troca, pelo simples fato de amar e reconhecer no outro a forma humana.
Malvina desabou, lágrimas escorreram, as quais tinham a mesma velocidade
que se deslizava a escova nos cabelos da mulher na sua frente.
-Não estou errada Malvina, ele não respeita a minha cultura e meu modo de
ver o mundo. Não são coisas do demônio. -ouvindo o baixo choro da filha, Salete
respondeu em sua salvação.
-Sabe que isso é contra a Igreja, contra Deus. Por que seguir por tal caminho?
Tornar a nossa vida um caos, cheia de brigas todos os dias... -retrucou a filha.
-Nossos deuses são diferentes. Não me associo a ideia católica. Não quero
causar transtornos e brigas, quero viver do modo que eu sou e no que eu acredito.
-És cabeça-dura!
Malvina intensificou as lágrimas vendo que era impossível mudar as opiniões e
consensos de sua mãe e que isso iria acarretar em mais discussões e escândalos.
Salete ouviu calada o choro de sua filha que estava lhe tratando com tanto
carinho e amor.
-Estou preocupada com o que previ. E não me venha dizer que não acredita no
que eu vejo, sei que acredita. Um mal voltará, causará piores consequências do que
antes.
-Esqueça essa ideia, esqueça o que previu. Eu preciso de paz em meu lar.
A mãe virou-se à filha, colocando a cabeça de sua garota no seu colo,
acariciando seus cabelos e dando-lhe um beijo que há muito tempo Malvina não
recebia, um beijo de mãe.
-Temo por vocês. Por você e por ele, minha filha. Tenho que ver o que poderá
acontecer e tentar evitar qualquer mal.
-Não irá acontecer nada, nenhum mal irá voltar. -Malvina não só tentou
ludibriar a mãe como a si mesma. Salete tinha razão, Malvina acreditava nas
premonições da mãe. -Que mal poderia voltar mamãe, quem iria trazer maldades ao
mundo?
-É o que eu preciso saber. Somente com meus búzios seria capaz de descobrir o
que há de vir e tentar impedir tal desgraça. Estou presa nesse quarto, mas... Você não.
-O que espera que eu faça?
-Busque meus búzios, eles estão caídos na floresta.
-E como eu os acharia no meio do mato? E o que diria para Heitor se me
perguntasse o que fui fazer na mata?
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-Heitor não precisa saber de nada. Com a ajuda de Escobar, que lhe quer tão
bem e sabe disso, pode ir buscar meus búzios sem perigo algum. E lá na floresta com a
ajuda de alguém que eu conheço...
Malvina se encontrou num entrelaço complicado. Acreditava na mãe, mas ela
poderia evitar que algum mal acontecesse? Também temia a possibilidade de Heitor
descobrir algo.
-Heitor está atarefado, sempre está na vila. Por favor, eu lhe peço.
-Quem iria me ajudar na floresta? Quem é essa pessoa?
-Um conhecido meu. Ajudei-o uma vez, me quer muito bem.
-Não sabia que havia pessoas morando na floresta. Como eu o encontro?
-Assovie, ele chama-se Tibério. Irá ao seu encontro e saberá como achar meus
búzios.
Malvina levantou-se, andou de um lado a outro, pensativa.
-Terá uma condição. Eu busco os seus búzios, você vê o que precisa ver, impedi
o que precisa impedir e depois disso se acabou búzios, premonições e assuntos do
gênero.
Salete não viu outro caminho se não aceitar tal proposta e um acordo foi feito
entre cria e criadora.
A noite passou com muita rapidez, dando lugar a uma madrugada que se
tornou triste e pesarosa no navio Minerva no meio do oceano Atlântico.
O navio tinha um ar pesado e frio, todos estavam diante de um corpo envolto
por um lençol e sobre uma prancha diante das águas do mar.
Cabeças baixas e corações apertados, o sentimento de perda acometera a
todos. Até os mais frios e vis dos piratas que ali se encontravam, agora tinham o
coração doído e sangrando por um homem que marcara a história do mundo pirata.
Luigi olhava para o corpo do pai coberto e tinha boas recordações, roubos
célebres, aventuras arriscadas, a tirania do seu patriarca diante o Minerva.
Giulia, sempre dura e seca de lágrimas, manteve-se inerte. Foi embora, a
pessoa mais importante de sua vida.
Bartolomeu se aproximou do corpo do amigo e capitão, vendo que estava na
hora da despedida.
“Aqui está o corpo de um homem que é mais que um simples capitão, que
tomou um importante papel em nossas vidas. Um homem que manejou com garra
essa tripulação e que deixa como exemplo o esforço em brigar e batalhar pelo o que
queremos.”, exaltou Bartolomeu que tinha a atenção de todos voltada para si.
“Devemos então entregar esse corpo sofrido por um mal da ação biológica para
o fundo do oceano, para assim juntar-se a Poseidon e descansar em paz como
merecido.”
Gói, um pequeno homem corcunda e deformado, braço direito de Bartolomeu
recebeu as ordens de empurrar o corpo de Pedro Matarazzo para o oceano da
eternidade.
O barulho do encontro entre corpo e água fez-se como um punhal no peito de
Giulia, que se retirou diante de todos e seguiu para a solidão no quarto em que o pirata
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permanecera agonizando em seus últimos momentos de vida.
Ali a jovem pirata se entregou a pensamentos além da vida e da percepção
humana. Ao se deparar com a cama de seu pai relembrou da cena do último suspiro e
das suas últimas palavras ditas.
Lá fora Sebastian Munch junto de alguns companheiros comentavam o que
haveria de ser da liderança do Minerva.
-O que vai haver com esse navio, já imaginaram? Uma moça poderá comandálo ou um garoto inútil e desastrado?!
Todos entenderam que isso haveria de ser um grande problema que iriam
enfrentar pela frente, mas não era o momento de ser pensar e tal futuro.
Em saudação a perda de seu capitão a cantoria começou, numa só voz:
Yo, Yo sou pirata sim
Yo, Yo mato por dinheiro sim.
Yo, Yo serei vil e trapaceiro até o fim.
Sou pirata, sou pirata
Sou desleal
Sou desordeiro
Sou ordinário
Sou filho de Poseidon.
Sou pirata, sou pirata
Do roubo vou vivendo
Sou pirata, sou pirata
Cuidado, sou valente!
Sou pirata, sou pirata
Sou pirata, sim
Sou pirata, sou pirata
O fundo do oceano é o meu fim.
Luigi seguiu junto da irmã para o quarto do pai.
-Estão a cantar. Se foi o capitão do Minerva. -o rapaz tentou ser mais
sentimental que o comum, mas a sua rudez e ignorância não lhe permitiam. -Ele foi um
bom homem.
-A história da pirataria se divide em dois tempos a partir desta data: a pirataria
antes de Pedro Matarazzo e a posterior dele. -dizendo isso Giulia e Luigi se calaram e
ficaram juntos a seus pensamentos.
O mundo perdera mais um pirata, ladrão e vil. O qual virou lenda e fez história,
e a cantoria continuou encaminhando o capitão Pedro Matarazzo junto de Poseidon.
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Capítulo 5: Tibério.
Daniele se encontrava de pijama deitada no chão. A grama rasteira lhe
pinicando ocasionou seu despertar.
Abriu os olhos e deu de encontro com uma lua cheia e um céu estrelado. A
jovem tinha a noção que aquele local não era o seu quarto.
Estava num grande campo plano e de grama rasteira. Com algumas árvores e
alguns arbustos espalhados ao fundo.
O medo a tomou, havia se tornado comum a presença de tal sentido, não sabia
onde estava. Sua mente confusa estava apreensiva com o que poderia encontrar em tal
ambiente.
Galopes... Aos poucos foram se tornando mais intensos, uma tropa vinha com
imensa fúria e correria.
Animais com estruturas herbáceas, grandes presas e olhos de cores águamarinha, com força vinham esmagando tudo o que pisavam. Fumaça saía de suas
ventas.
O pânico tomou Daniele e sua única reação foi sair correndo com a esperança
de se salvar. E ao mesmo tempo perguntas como, “Onde eu estou?”, “Como vim parar
aqui?” e pedidos de socorro passaram por mente.
Os cavalos acompanharam rapidamente o ritmo de Daniele, os quais a
empurraram batendo os corpos. A moça acabou por cair e se tornar vulnerável.
Três animais a cercaram, ela estava presa sem saída.
Olhando no fundo dos olhos de tais criaturas a frieza era visível pela falta de um
coração na estrutura de seus corpos.
O desespero era único, o medo enorme.
A dor tomou-a por inteira, seu braço esquerdo escorria sangue. Os dentes de
tais monstros eram afiados como foices.
Ela acordou, mais um pesadelo em tal lugar que havia se tornado comum nos
seus sonhos. Ou seria realidade?
A escrava Zilda abriu a porta. “Sinhazinha está bem? Gritava!”
A velha escrava ficou gelada ao ver a jovem senhora com o braço respingando
sangue. Daniele caiu em lágrimas.
-Irei visitar o padre. -a jovem disse em soluços, seguindo o conselho da escrava
antes dado.
De espadas em punho com a intenção de se tornarem capitão do Minerva, Luigi
e Giulia duelavam, tendo os marinheiros do navio como expectadores.
Sobre o peitoril do navio os dois se equilibravam numa batalha de tirar faíscas
do encontro de suas armas.
-Eu sou o melhor para comandar o navio. Homem, com pulso firme para
comandar a tripulação. -dizia Luigi dando golpes fortes.
Retraindo os golpes dado pelo irmão Giulia respondeu: - Não fale blasfemas.
Não consegue nem mesmo dar um bom nó em uma corda e tenho certeza que sou
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mais homem que qualquer um aqui nesse navio.
Girando em volta de uma corda tentando desvencilhar um golpe no pescoço
dela, Luigi retrucou: Não será capitão, pensa que só porque era mais próxima de
Matarazzo que terá o poder e a liderança?
-O mais forte vence e ganha o controle. -respondeu a moça cara a cara com o
irmão. -Saiba que não desisto com facilidade, permaneço nessa disputa por todo o
sempre.
Com um bom golpe a moça derrubou o irmão no assoalho, pondo a espada no
pescoço dele. “Renda-se ou siga ao mundo dos mortos e fracos.”
Bartolomeu interferiu em tal cena, vendo a lamentável disputa dos irmãos.
-Mas o que é isso? Estão a trocar murros por qual motivo?
Voltando a Bartolomeu Giulia deu facilidade ao irmão que se levantou e
dominou-a.
-Vamos ver agora quem terá de se entregar!
-Ora essa, solte-a já Luigi. Os dois parem com isso. -berrou Bartolomeu
tentando por na sua fala autoridade e ordem.
-O navio precisa de um capitão. Nenhum dos dois quer dar o braço a torcer, o
único caminho é uma disputa de espadas. -disse Danton. O seu sestro no seu olho
causava uma visão nada agradável.
-E acham que assim irão resolver algo? -dizendo isto Bartolomeu afastou os
dois irmãos um do outro. -São irmãos não inimigos. Pedro não iria gostar de ver essa
cena.
-É aí que está. Pedro Matarazzo se foi e a tripulação do Minerva precisa de um
capitão. Eu, como a maioria dos meus caros companheiros concordamos que nem um
jovem desastrado e uma mulher possam comandar esse navio. -tomando o centro das
atenções Sebastian Munch pôs-se contra os irmãos Matarazzo.
-Não incite a tripulação. Sabe que serias incapaz de ser o capitão dessa
embarcação. -Bartolomeu afrontou Sebastian.
-Veremos. -respondeu o ganancioso e malandro inglês.
-Só por cima do meu cadáver. -declarou Giulia olhando nos olhos de Sebastian
com ódio. -Desafio quem quiser disputar o posto de capitão comigo. Mas aviso-lhes
companheiros, sou fria e cruel, não terei piedade com nenhum de vocês e sabem que
sou a melhor em manobrar uma espada por aqui.
-Não será capitão. -declarou Luigi. -Pelo menos não a única.
-O que você quis dizer com isso?- interrogou Danton.
-Proponho um acordo, uma divisão de poder. Que o posto de capitão seja
divido ao meio, teremos dois capitães: Você e eu.
-Que proposta absurda! -a filha de Pedro demonstrou-se indignada com as
palavras do irmão.
-Mas que por momento resolve. Ou quer travar uma luta pelo posto por toda
eternidade? Não darei o braço a torcer, muito menos sua pessoa, logo a única solução
é a dissolução do poder em dois.
Bartolomeu analisou a proposta, tinha ideia de que o poder divido poderia vir
ocasionar um motim, mas que por momento poria fim em tal disputa de cargo e
acalmaria a tripulação. “Aceito.”, disse.
-Com um aperto de mão e... -Luigi cuspiu na mão que não se encontrava em
bom estado de limpeza. -... Com cuspe, selemos essa parceria.
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Com a mão do irmão estendida em sua frente, na mente de Giulia veio a
imagem do pai e a impossível necessidade de se decidir quem seria o capitão se ele
estivesse ali vivo. Trocou olhares com Bartolomeu que fez sinal para que ela aceitasse e
com cuspe e um forte aperto de mão a parceria foi selada.
Toda tripulação os saldaram com vivas e gritos. Apesar de todos acharem um
absurdo tal acordo, mas sendo os filhos de Matarazzo o respeito era grande.
-Estou de olho em seus passos. -disse Bartolomeu nos ouvidos de Sebastian.
-Seguiremos para o Brasil. Senhor Bartolomeu nos guia até a Colônia. -Giulia
ditou as devidas ordens.
-De modo algum, Europa, Espanha. -sobrepôs o outro capitão do Minerva.
-De jeito nenhum, precisamos abastecer e nos divertir um tanto. O Brasil é o
melhor lugar para isto. -explicou Giulia sua posição, reafirmando sua ordem. -Para o
Brasil!
-De modo algum para Espanha... -Luigi sobrepôs sua opinião.
-Não é preciso eu fazer nada, meu velho amigo. Eles mesmos entregarão o
posto de capitão. –disse Sebastian nos ouvidos de Bartolomeu seguindo para seus
afazeres.
Bartolomeu não era um homem que esperava acontecer o pior para tomar
providências, sabia se Giulia ou Luigi não sendo capitães do Minerva, o seu posto de
capitão de tripulação também não o teria. Aproximando-se de Gói, o pequeno homem
tanto em tamanho quanto em poder, seu fiel escudeiro e disse sem chamar maiores
atenção:- Gói fique de olho em Sebastian. Observe todos os passos que ele der.
Theodoro como de costume pôs-se de pé cedo. Fazendo suas necessidades e
depois seguiu para degustar seu café da manhã.
Com uma mesa um tanto farta sentou-se para experimentar apetitosas iguarias
culinárias em companhia de sua madrinha. Era a primeira manhã na casa de Margot, a
vida havia mudado. A História há de mudar.
-Bom dia! Como dormiu? -perguntou Margot.
-Muito bem, obrigado. Tanto que estou disposto a transitar pela cidade e
procurar um emprego. Theodoro respondeu animado, pondo uma xícara de café.
-Vejo que está animado. Que bom! Mas... Tome cautela ao dizer o seu nome.
Acho melhor usar o meu, Reghine, para evitar impropérios. Porque sabe que seu pai
não era bem visto aqui em Santos.
-Sei disso e por isso sei medir as palavras e não explicitar minha origem.
-Inteligência, qualidade necessária para um homem se dar bem na vida. Não se
afobe demais, teremos um jantar neste final de semana na casa dos Hamburgo e tenho
certeza que de lá sairá com muitos prêmios e glórias.
O destino e sua ação aos poucos encaminham nossas vidas ao rumo que estava
escrito.
Na mesa do café da manhã na casa dos Martins o silêncio era o pai de todos.
Mal se ouvia o tilintar das xícaras.
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-Volta que horas da sua ida à cidade? -Malvina quebrou o silêncio
questionando o esposo.
Heitor respondeu com sutileza: “O mesmo horário de sempre, no almoço”.
-Peço perdão pelo incidente de ontem, e garanto que não acontecerá
novamente. As coisas andarão como você sempre quis. -Malvina via que cumprindo o
que prometera para mãe, sua progenitora também cumpriria e assim a paz reinaria em
sua casa. Nessa manhã após seu esposo sair de casa seguiria atrás dos objetos perdidos
por Salete.
-É assim que desejo! –falou Heitor.
O sol junto com o céu de um azul profundo e nuvens brancas como neve faziam
uma bela tela aos olhos dos pintores, dando inspiração aos romancistas e causando tal
bem estar, que músicas eram feitas como poemas.
Dez horas da manhã era o horário exato.
Daniele estava com um véu branco cobrindo sua cabeça no confessionário, na
igreja. Confessava-se e pedia ajuda ao representante de Deus na Terra.
“Padre, esses sonhos são reais. Olhe a faixa em meu braço, foi o efeito de tal
pesadelo.”
“Minha cara, mentir é um pecado sério. Cair e colocar a culpa em sonhos,
somente vocês jovens distantes de Deus... Se apegue mais a Deus, é isso que precisa. E
precisa se preocupar com assuntos mais importantes, tal qual fixar um bom
casamento. Sua mãe veio me pedir para auxiliá-la e mostrar que Ottávio é sua melhor
escolha e cabível”.
“Padre não vim aqui para falar de casamento, mas sim dos problemas...”.
“Problemas que está a criar em sua mente. Se entretenha com assuntos que
irão trazer não só bem a você, mas a toda sua família, por Deus. Vá reze sete padrenossos e quinze ave-marias. Que Deus te abençoe”, terminou o padre fazendo o sinal
da cruz como símbolo de proteção para a moça.
Daniele saiu transtornada do confessionário, sua mente era agora um
emaranhado de problemas. Via que o casamento com Ottávio estava tão bem visto que
poderia ser impossível não ocorrer tal conciliação. E os seus sonhos, sonhos tão reais
como a vida que estava a viver no momento. Como poderia descansar, dormir, porque
ultimamente o ato de fechar os olhos estava provocando-lhe transtornos.
Ajoelhou-se e começou a rezar. Tentava se concentrar, mas sua mente estava
confusa. Pensava que o casamento com Ottávio seria uma vida de infelicidade, como
ela poderia casar sem amar este homem? O via como irmão, nunca como
companheiro, esposo... O pesadelo da última noite... O que aconteceu? Onde foi
parar? Que criaturas horripilantes eram aquelas... Demônios? Por que estava sempre
sonhando com aquele local?
Quando se deu conta da presença de alguém ao seu lado, assustou-se. Ela se
levantou, ficando frente a frente com tal pessoa.
-Me desculpa, assustei a senhorita?-encabulado Theodoro desculpou-se.
As luzes de tons róseos, azuis, roxos, amarelos e vermelhos da vidraça de
arquitetura gótica, a grande quantidade de velas fazendo uma fumaça que embriaga
um tanto quanto e o seu coração que batia forte, com sua mente transtornada e a
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imagem desse homem em sua frente, levaram Daniele ao êxtase.
Ele tinha cabelos pretos, forte, tamanho herói e beleza divina.
-Ah, não foi nada. -respondeu ela encantada, escorregando com ele a
amparando.
Ela olhou para as mãos de tal príncipe, depois foi seguindo seu olhar para os
braços fortes que a deixaram ainda mais fraca... O olhar galante, charmoso, hipnótico.
-Está bem?
-Sim... Sim. Obrigada.
Ele viu o quanto a moça tinha se encantado e reconheceu que a beleza dela
também era colossal, feminina, ninfa.
-Obrigada. Com licença, tenho de ir. -A sua reação era fugir dali, nem mesmo
lembrava-se das orações que o padre havia-lhe penitenciado. Estava abalada, ninguém
nunca havia provocado algo parecido como este homem em sua frente.
Soltando as mãos aos poucos, os dois fixaram os olhares. O amor fluiu por todo
o local, bateu nas paredes e irradiou por todas as direções como ondas dominando
esses dois seres, traçando uma história.
O amor, não se sabe como se deu início. Feliz do ser que o sentiu primeiro,
descobridor desse dom divino ou infeliz quem sabe. Muitos provavelmente lendo o
livro terão vontade de massacrá-lo, trucidá-lo, mas sabes que tal fúria não é porque ele
descobriu o amor, mas sim porque não vive ou viveu o amor sonhado, desejado, um
belo conto, um romance épico.
A igreja cristã nos passa que os primeiros a sentirem o amor um pelo outro,
além do amor a Deus, o todo poderoso, foram Adão e Eva. Um saiu da terra e a outra
de uma das costelas do mesmo.
Amaram um ao outro, viveram a primeira e romântica história de todos os
tempos. Mas como não há amor sem sofrimento, porque lhes explico querido leitor,
quanto mais se sofre mais se ama. Não existiria um prazer no amar se não o sofrer por
ele. Sem sofrimento não há glória, não há desejo de querer, não há porque batalhar, a
explicação disso é uma incógnita a mim também.
Mas será mesmo que o amor é tão divino, tão único, tão mágico assim ou será
egoísta, egocêntrico, mesquinho?
O amor a maior antítese da vida.
Daniele seguiu embora, trêmula, esquecida do que tinha havido com ela em
seus sonhos, nem o possível casamento com Ottávio. Nada! Estava anestesiada.
Theodoro esqueceu por alguns segundos, o que haveria de fazer na igreja por
alguns segundos um tanto quanto imprecionado, mas retomou de onde havia parado.
Ajoelhou-se, se concentrou, as palavras de seu pai vieram-lhe à mente. “Deus, me dê
um sinal, se é isso mesmo o que devo fazer. Pois tenho medo de errar e depois ser
castigado...”, após pensar por alguns instantes a espera de uma resposta dos céus,
concluiu, “... Será feita a justiça”.
Escobar acompanhou sua patroa até a entrada da floresta, mudo sem balbuciar
qualquer palavra. Pensamentos lhe corroíam o cérebro, o desejo era tremendo. Estava
ao ápice dessa paixão e não poderia guardar só para si, sabia que não era justo.
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-Até aqui está bom, darei uma volta, preciso ficar alguns momentos a sós
comigo mesma. - ordenou Malvina, apreensiva com quem ou com o que iria encontrar
dentro da floresta.
-Não quer que eu acompanhe a senhora, não seria perigoso andar pela floresta
sozinha? -Escobar demonstrou preocupação com sua patroa, prendendo algumas
palavras evitando vomitar sua paixão de uma só vez, temendo a reação de sua amada.
-Fique despreocupado, caso algo, grito pelo senhor. Muito obrigada.
Malvina começou a seguir em passos lentos, queria a companhia de alguém,
estava com medo. Mas sabia que para o que iria fazer somente ela poderia fazer, como
sua mãe havia lhe ordenado. Seguiu em passos lentos para dentro da mata.
Foi seguindo mata adentro. Árvores e mais árvores.
Viu um local cheio de cinzas, abaixou-se tomando um pouco de cinzas na mão,
era a choupana de sua mãe.
Levantou-se, olhou para todos os lados, estava apreensiva. Observou um
pequeno roedor entre os arbustos.
-Assovie e a pessoa aparecerá. -disse a si mesma, relembrando o que sua mãe
tinha dito sobre quem a ajudaria na busca dos búzios.
Um assovio fraco e baixo saiu na primeira tentativa. Procurou alguém, ainda
estava só.
Puxou um pouco de ar para dentro dos pulmões, assoviou. Desta vez um pouco
mais forte, mas não alto o suficiente para que a pessoa esperada ouvisse.
Na terceira tentativa, pegou um grande fôlego, o assovio saiu alto, forte e
potente ecoando por toda a floresta, balançando os galhos das árvores. Tudo se
aquietou em seguida.
Malvina esperava uma resposta de alguém, suas mãos suavam. Tudo era muito
intrigante.
De repente um barulho de bater de asas veio do alto das árvores. Um bater de
asas vigoroso, deveria ser de um pássaro enorme. Um grande pássaro.
O bater de asas foi se tornando intenso, os galhos se afastaram com o vento
provocado e a poeira que levantou irritou os olhos da mulher.
Seu coração começou a bater depressa. O que era aquilo que descia do céu?
Massageando os olhos a fim de apaziguar a irritação provocada, Malvina ouviu
um galope em sua frente.
Ao abrir os olhos se deparou com um cavalo de asas. Branco, pelos vistosos,
asas enormes. Um animal extraordinário, mágico.
Malvina se afastou, tropeçou e caiu no chão. Estava com medo e era incapaz de
fugir ou gritar por ajuda, não tinha forças, tamanha a surpresa que estava tendo.
-Me chamou? -perguntou o cavalo alado.
Malvina gaguejou, a surpresa se tornou maior ainda com a criatura se
comunicando.
-Só uma pessoa me chama desse modo. O que quer? -interrogou a criatura
novamente.
-Salete. -Malvina finalmente conseguiu dizer algo. - Salete me mandou.
-Pobre Salete. Foi captura por aqueles homens, vi-a sendo levada, não pude
fazer nada. Poderia colocar em risco a paz de meu bando.
-Tem mais de você por aqui?
-Sim, muitos. Mantemo-nos escondidos. Há tantas coisas no mundo que vocês
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humanos sanguinários não tem ideia da existência. Mas ficará aí deitada no chão
enquanto dialoga comigo?
Malvina pediu desculpas por tal forma grosseira, a surpresa a fez ficar fraca e
incapaz de se manter sobre as pernas.
-Incomum ouvir desculpas de um humano, somente Salete tem essa gentileza.
O que afinal quer aqui donzela?
-Sou filha de Salete. Vim em seu nome. -respondeu a senhora Martins batendo
a poeira de sua roupa.
-Ah, Malvina. É mesmo bela como sua mãe sempre disse. Muito prazer, Tibério,
o cavalo alado. -encurvando-se a criatura cumprimentou a mulher.
-Muito prazer. Obrigada pelo elogio.
-Mas no que posso ajudá-la?
Tirando do bolso uma pequena colcha do mar, Malvina a entregou a Tibério
como sua mãe tinha lhe ordenado.
-Uma concha mensagem! -exclamou ele.
Sobre sua asa, Tibério levou a concha até o ouvido.
Malvina viu que alguma coisa era ouvida por ele da concha. Ela chegou a
conclusão que havia muitos mistérios nesse mundo, os quais ficaria surpresa em
conhecer.
Após alguns minutos, o cavalo alado entregou a concha de volta à mulher. “Sei
onde deve estar. Suba em mim e a levarei.”
Malvina hesitou, mas Tibério insistiu.
Ele era um cavalo deslumbrante. Branco como a neve, sua crina tinha fios finos
e brilhantes, suas penas eram como as de um ganso do norte.
Malvina teve um pouco de dificuldade para subir, mas conseguiu.
-Segure firme. -disse ele saindo correndo por entre as árvores.
As árvores passavam com rapidez diante dos olhos da mulher. Ela agarrada no
pescoço do animal sentiu a adrenalina dominá-la.
Chegando no local, Malvina saltou do animal, pondo-se em chão firme.
-Ali está o saquinho que os guardam. -Tibério indicou os búzios caídos entres as
folhas secas.
Ela o pegou, sentindo-se reconfortada:
-Obrigada! Minha mãe e eu agradecemos... É uma criatura magnífica, senhor
Tibério.
-E você uma mulher de bom coração. Diga a Salete que siga como o planejado
e se o que ela viu for verdade, devo reconhecer que estamos entregues a própria sorte.
-Do que está falando? -perguntou Malvina sem entender nada.
Barulhos na mata ecoaram ao longe.
-Agora vá, alguém pode estar vindo... Nós cavalos alados somos criaturas
místicas e temos a capacidade de reconhecer a vida ao longe, e sinto a vida plena e
inocente sobre a senhorita... Peço segredo sobre minha existência.
-Sim, fique tranquilo.
-Até mais, prazer em conhecê-la. -Tibério saiu correndo e depois voou subindo
além entre as folhas das árvores, desaparecendo da visão de Malvina.
Ela segurou o saquinho que continha os búzios com firmeza e depois o guardou
no bolso em que guardava a concha, e assim partiu seguindo surpresa e vislumbrada
de volta para casa.
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Capítulo 6: O pedido de casamento.
Malvina entregou os búzios para sua mãe que os recebeu com muito gosto,
parecendo uma criança tendo seu brinquedo querido de volta.
-Tome isso e cuidado para ninguém os vê-los. -a filha pediu cautela. Depois
questionou a mãe sobre aquele magnifico animal-Que tipo de animal era ele?
-Tibério, um velho amigo, um grande companheiro. Ele é um cavalo alado. explicou Salete.
-Como me manda para um local repleto daquelas criaturas? Há muitos deles lá,
ele me disse. O que mais tem naquela floresta? Que tipo de criaturas extraordinárias
como aquela se escondem na mata?- Malvina pressionou a mãe querendo obter mais
informações sobre Tibério e se possível sobre outras criaturas. Estava curiosa, mas
queria disfarçar transparecendo estar brava com o encontro fantástico.
-Ficou maravilhada com aquela criatura, não é? -Salete viu a curiosidade na
filha.
-Não nego minha surpresa. Mas vejo que sabe muitas coisas do mundo. Passame a impressão que não a conheço de verdade, que a verdadeira Salete está distante
desta que vejo e chamo de mãe.
Salete abaixou a cabeça deslizando para um canto.
O silêncio.
-Vamos descer para almoçar. -ordenou Malvina segurando as lágrimas.
-Ficarei aqui, preciso confirmar o vi na cabana. E se confirmado, preciso
encontrar um modo de escapar e salvar quem eu amo. -Salete tentou se sobressair da
situação anterior, transmitindo se preocupar e amar sua filha.
-Veja o que tem de ver e desapareça com essas coisas. Espero que a paz reine
em meu lar daqui em diante. -Malvina seguiu até a porta, mas voltou-se. -Tibério disse
que é uma criatura mística... O que ele quis dizer com isso?
Preparando seus búzios sobre uma mesa Salete explicou as palavras de seu
amigo:
“Tibério é uma criatura milenar, obtém sensações e sentimentos que o homem
perdeu com o passar dos tempos. A ganância, o escrúpulo e outras mazelas humanas
fizeram nos perder. Ele tem um sexto sentido. Por que me faz essa pergunta, o que ele
te disse?”
Malvina pensou por alguns instantes:- Nada além disso.
No Bairro Pirata, na hora do almoço muitos homens andavam de um lado para
outro a fim de se acomodarem e saborearem suas marmitas. Outros seguiram para um
bar ou para casa para saciarem a fome depois de uma manhã de trabalho árdua.
No bar mais famoso e mais frequentado de toda a vila, o Beira Mar, muitas
figuras estavam a saborear um bom prato de comida, outros grupos de homens
estavam jogando cartas e bebendo aproveitando o horário de almoço.
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Nos fundos do bar, Rúbio arrumava a mercadoria recém-chegada com o auxílio
do filho.
-Três caixas de vinho do porto, quatro de vodca, duas de queijos... -Rúbio ia
verificando as mercadorias enquanto Josué com um pedaço de papel anotava tudo
com precisão.
-Pois bem está tudo aqui. -o velho confirmou em números os produtos.
-Pai, quem era aquela moça de ontem? - Josué questionou o pai sobre a moça
a qual o cativara.
-Daniele Hamburgo, filha de um senhor da vila. Desgraçados, esses ricos. -Rúbio
cuspiu no chão. -Devem estar espionando algo para nos extorquir.
Rúbio pegou o papel das mãos do filho e seguiu bar adentro reclamando da
exploração da elite. Era um velho pirata. Há alguns anos estava aposentado e
debilitado de continuar na vida de roubos e falcatruas. Tinha a perna direita de pau
que havia sido engolida por um tubarão nos cantos da Ásia.
O que mais o incomodava não era o fato da exploração, mas sim o fato de não
poder mais seguir em alto mar. Apesar da fama de grande pirata, um dos maiores do
mundo, não era mais bem visto para acompanhar expedições. Ás vezes passava as
tardes vendo os navios de piratas saindo a alto mar do cais do porto do Bairro Pirata, e
junto ao balanço do mar e as velas dos navios relembrava suas aventuras e emoções.
Josué seguiu o pai logo atrás.
O bar estava lotado como de costume, todos os empregados atendiam.
O seu tio, dono e proprietário do bar, Augustus Oswald, dava atenção a um
grupo de piratas num canto. Eles bebiam as mais caras bebidas.
-Por favor garoto sirva-me um vinho fresco. -pediu Marcos Olivier, sentando-se
diante do balcão.
-Boa tarde, senhor Olivier. -cumprimentou Josué, servindo o cliente.
Marcos Olivier o único sobrevivente da Ilha do Diabo. Ninguém nunca soube
explicar como conseguira, ele mesmo reconhecia ter sido um fato de sorte e não de
maestria. Depois da épica ou sortuda fuga de tal local infernal passou a vender falsos
mapas para os gananciosos que desejavam possuir tal objeto que lá se encontrava, O
Código dos Piratas.
-Como foi sua manhã? -o jovem moço foi educado com seu cliente.
-Normal como sempre. -respondeu Marcos tomando um gole do vinho
Josué pegou um pano e passou-o sobre o balcão, e em sua mente veio-lhe que
o senhor Marcos poderia ajudá-lo a descobrir mais informações sobre sua recente
amada.
-Senhor Olivier, o senhor é bem conhecido por toda a vila e também conhece
muitas pessoas. Pois bem... O senhor conhece uma moça chamada Daniele...
Hamburgo?
-O que quer saber sobre os Hamburgo? Vou logo o avisando, afaste-se. Não é
gente do seu meio social... Ela é filha do homem mais rico dessa vila. Muito bem vista e
disputada pelos rapazes da elite. O que quer com ela?
-Nada. Só a vi na rua...
-Amor platônico, entendi. Meu rapaz desde a invasão na vila, um acordo foi
feito entre os senhores desse local e os piratas. Cada um vivendo no seu canto,
cuidando de sua vida sem interferir ou causar danos ao outro. Está me entendendo?
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O jovem entristeceu-se, pois compreendia que seria impossível viver tal amor.
E respondeu a Marcos com um balançar de cabeça.
-Marcos Olivier. -disse Augustus ao ver o amigo.
-Boa tarde, Augustus. -respondeu Marcos.
-Augustus os vinhos estão prontos a serem entregas. -Rúbio se aproximou. Porcos da elite. Desgraçado Hamburgo.
-Por que tal fúria com nosso grande navegador, valente pirata Rúbio? Pensei
que já havia se acostumado com tantos anos de vivência com a exploração dos mais
ricos e fortes sobre o resto do mundo. -declarou Olivier, tomando outro gole de vinho.
-Rafael nos pediu algumas garrafas de vinho, acho que dará algum jantar de
gala. -respondeu Augustus.
-Estão sabendo que um Representante da Corte está em Santos e a pedido e
convite de Rafael? Os boatos estão correndo por toda a vila. Mas o que realmente
vieram fazer aqui, nem mesmos os senhores de Santos estão sabendo... É um enigma a
todos. -Marcos comentou sobre os boatos que tomavam a vila por todos os lados.
-Rafael e seus negócios ardilosos. -comentou Augustus, ordenando o irmão em
seguida:- Rúbio vá e entregue as caixas na casa de Rafael.
-Não. -entreviu Josué. -Eu posso levar.
Os três homens se voltaram ao rapaz que limpava o balcão com um semblante
de esperança.
-Não seria bom com um Representante da Corte na vila ver um ex-pirata
entregando vinho na casa de um rico homem como o senhor Hamburgo. E ainda mais
vinhos que não pagaram nenhum imposto para estarem aqui ou na residência dele. completou o rapaz encabulado.
-Sim, ele tem razão. -concordou o único sobrevivente da ilha. –Ele, ninguém o
conhece. Mande o rapaz.
-Está certo, vá você Josué. Leve esta tarde, Rafael disse que tem pressa nos
vinhos. -concordou o tio e chefe do bar.
O jovem rapaz esboçou um sorriso, poderia ver sua amada se tivesse sorte.
Rúbio, seu pai o observou de esquiva, intrigado com a emoção do jovem.
-Marcos, aqueles jovens piratas no canto querem comprar um de seus mapas.
Estão tentados a seguir para ilha do diabo. Fiz boas ilusões a eles... Vamos, deixei-me
apresentá-los. –Augustus indicou o grupo de piratas que bebia e ria.
-Quando eles vão entender que não existe forma de se capturar o Código?! Olivier seguiu então até o grupo.
-Me perdoem pela demora, estava insistindo com mamãe para que descesse
para almoçar. Mas ela está um pouco indisposta, se alimentará no quarto mesmo. declarou Malvina pondo a mesa para o almoço.
Diante da mesa estavam Adrian e Heitor, e uma escrava permanecia ao lado
esperando ordens.
Ajeitando o guardanapo no colo a senhora Martins foi interrogada pelo marido
como passou a manhã.
-Bem. -disse ela sem querer parecer estar escondendo algo.
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-O que foi fazer na floresta pela manhã com Escobar a lhe esperar? -Heitor
questionou a esposa com toda calma, enfiando uma garfada de comida a boca.
Malvina se surpreendeu com a facilidade de Heitor saber dos passos dados por
ela.
-Fui dar uma volta, precisava de alguns momentos sozinha. Ali pude
reconhecer que estou em falta com algumas coisas... Até mesmo com meu marido. respondeu ela com firmeza, mentindo.
Heitor a observou com seriedade nos olhos, ela mal sorriu.
-Por favor, sirva-me. -ela ordenou a escrava, disfarçando- E você, meu marido,
como foi sua manhã?
-Muito boa, principalmente após ver que em minha casa tudo está na santa
paz de Deus! -declarou ele com entusiasmo. Depois se voltou a Adrian, sua casa estava
como deveria estar já seus negócios corriam perigo- É necessário senhor Adrian que
descubra mais sobre esse assunto... Parece-me simples demais, o fato de Rafael
transportar ouro para a Coroa, como se já não fizesse isso. E uma conversa secreta
com o Coronel da Guarda, talvez para auxiliá-lo na segurança, mas ainda pouco, para
toda apresentação que ele fez. “Santos sem crimes” foi o que ele disse.
-Descobrirei tudo o mais breve possível. -Adrian deu garantias ao patrão.
O coronel da guarda de Santos conversava com o Representante na sala da
pensão que este se instalara.
-Rafael terá uma conversa mais precisa com o senhor, irá explicar-lhe com
todos os detalhes. De ante mão é o que eu disse-lhe, selecione dois bons homens para
essa captura. -disse o Representante com voz baixa.
O coronel Samuel Fernandes da Silva respondeu com certeza nas palavras:Será feito com a maior discrição.
O padre abriu a porta de supetão entrando no ambiente sem qualquer convite,
finalizando tal assunto: -Com licença, senhor Representante...
Ottávio esteve com a manhã de folga, dada pelo patrão, pois estava de serviço
a dias.
Almoçou junto com a família Hamburgo, até que ficou a sós com Daniele.
-Peço desculpas pelo constrangimento de ontem. -disse ele a sua amada.
-Fique despreocupado. –ela tentou evitar o fato de antes já vivido. Estava em
desespero, o momento passado fora desagradável demais e tinha que encontrar uma
escapatória desta vez. -Outra xícara de café. Irei buscar para nós...
Daniele seguiu à cozinha e o jovem capitão ficou na expectativa.
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Josué ficou impressionado com a beleza e o tamanho da mansão dos
Hamburgo. Um imenso portão de ferro maciço foi aberto por um negro.
Seguiu com a carroça que entregava produtos do bar até aos fundos da
mansão, onde a escrava-governanta que mandou-o colocar as caixas na cozinha
enquanto ela ia buscar o dinheiro com sua senhora.
Após ir buscar a segunda caixa, um tanto decepcionado por não ter visto sua
amada, ele voltou à cozinha colocando o objeto num canto.
Daniele entrou no ambiente, pondo as mãos sobre a mesa, abaixando a cabeça
e reconhecendo que seria impossível fugir do pedido de casamento de Ottávio. Mas
sua mente logo foi tomada pelo acontecimento ocorrido pela manhã. A imagem do
homem tornava-se como um remédio anestésico, relaxando seus músculos e
tranquilizando-a por alguns instantes.
O jovem plebeu se deparou com Daniele, seu coração disparou, começou a
bater rápido. Respiração ofegante e suor frio.
Daniele sentiu que não estava sozinha no recinto. Levantou a cabeça e se
deparou com o rapaz: - Quem é você?
Josué não ouviu qualquer barulho muito menos a pergunta de sua amada, a
contemplou com todo prazer.
Zilda voltou à cozinha trazendo o dinheiro, interrompendo tal admiração. “Pois
está aqui rapaz, tome.”
Ele pegou o dinheiro sem tirar os olhos de Daniele.
-Obrigada. -agradeceu a escrava que estranhou a cara de abobalhado do rapaz.
Daniele voltou-se a seus pensamentos. Preocupada. O destino estava lhe
pregando uma peça, concluiu.
-Prazer... -Josué tentou se comunicar depois de seu momento de êxtase, mas
foi impedido de maiores papos.
-Prazer rapaz, muito obrigada. Passar bem. -a escrava enxotou-o para fora.
Fora da casa, ele pensou na beleza da moça, a ternura nos seus olhos, a
delicadeza de seus gestos. Saiu dali sonhando mais que antes, a imagem agora era
nítida e perfeita em sua mente.
Dentro da cozinha a escrava arrumou as xícaras de café e depois Daniele
seguiu com a bandeja para sala onde estava Ottávio.
-Servido? -perguntou a moça.
-Não, obrigado. – respondeu ele se aproximando de Daniele. -O que está
havendo? Está fugindo de mim?
-Se dissesse que sim o que diria? –ela usou da sinceridade.
-Daniele, sabe que sou um homem tímido. Não sou do tipo que faz serenatas a
sua amada sob sua janela...
-Reconheço que o senhor não canta tão bem assim. -Daniele tentou brincar
para evitar uma futura situação constrangedora.
-Durante minha viagem pensei muito em sua pessoa. Em sua beleza, as linhas
perfeitas de seu rosto, do seu corpo... -Ele passou as costas da mão no rosto dela. -...
Na plenitude angelical que tu tens.
“Pensei durante dias e noites em alto mar como faria tal pedido. Como
qualquer romântico, trenei, mas do que adianta? Não sou poeta. Somente um poeta
consegue transpor o que sente por sua amada para o papel. Ah, os poemas! Deveriam
ser bíblias para os amantes.”, ajoelhando-se diante de Daniele, pegando a pequena
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caixa que no dia anterior havia hesitado em retirar do bolso estendeu-a para sua
amada. “Tomo a coragem que me faltava e peço-lhe que seja minha esposa, para todo
o sempre.”
Daniele sentiu seu mundo desabar, não queria passar tal momento
constrangedor. Nenhuma palavra conseguiria traduzir o que estava sentindo. Pegou a
caixa e abriu-a. Nela continha um lindo anel feito em ouro com um diamante.
-Ponha-se de pé, por favor.
Ele levantou-se.
“Ottávio, devo ser sincera com você. Vejo-o como um grande amigo. Passamos
a conviver juntos eu tinha dez anos de idade e você treze, você era meu herói nas
brincadeiras. O tempo passou, hoje é capitão de uma grande frota de navios, se tornou
um homem... Mas eu ainda o vejo como um pequeno garoto, o herói de nossas
brincadeiras e não um homem... E muito menos o meu marido.”, disse ela pondo a
caixa sobre a mesa.
“Seus pais fazem bom gosto em nossa conciliação.”, afirmou ele tentando uma
aproximação e talvez um beijo.
“Sim eu sei. Mas o que posso lhe dizer, pedir na verdade, é um tempo para
pensar. Para eu decidir o que devo fazer, um tempo é o que eu preciso.” ,desviando-se
dele Daniele seguiu até a porta. “Preciso de um tempo para evitar que nós dois
saíamos machucados dessa história. Perdoe-me, com licença...”.
“Nas noites... Em que sonhava com minha declaração, sonhava também com a
resposta que você me daria. E como todo apaixonado... Você me dizia... Sim, e nos
beijávamos. Fazendo um momento perfeito.”
Eles trocaram olhares, olharam profundamente nos olhos um do outro. Ele um
olhar de eterno apaixonado, machucado pelo fato dela estar duvidosa; ela tinha um
olhar perdido, tentando se concentrar em algo, mas tudo se fazia fumaça na sua
cabeça.
Daniele retirou-se do ambiente.
Ele sentiu-se muito infeliz. Ela era o amor de sua vida, queria-a como esposa,
como companheira para o todo sempre. Amar-lhe-ia por toda eternidade, fá-la-ia feliz.
O anel permaneceu sobre a mesa, intacto.
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Capítulo 7: A fuga.
Daniele entrou no seu quarto jogando-se na cama. Estava em desespero. O fato
mais intrigante era que o rapaz da manhã na igreja, não saía de sua mente. Por mais
que tentasse a imagem dele era constante.
Em lágrimas se deparou com um pedido de casamento de um homem que via
como um amigo, mas sua família fazia gosto na conciliação e tal união parecia-lhe
quase certa... Ele era belo, tinha uma estrutural colossal. Cabelos pretos ondulados,
mãos grandes e um tanto ásperas, o seu cheiro natural junto com um perfume
masculino barato era até bem agradável, os lábios eram finos e um tanto quanto
brancos, os seus olhos pretos puxados para um caramelo escuro, tinha ombros largos e
braços fortes... “Ora essa, pare já de pensar nele.”, disse ela a si mesma, estava
novamente pensando no rapaz que se deparou na igreja.
Seu braço onde estava o machucado ocorrido do sonho, ou talvez realidade,
estava dolorido. Começou a pensar em tais malditos pesadelos que estava tendo e não
arrumava uma resposta para eles e nem uma escapatória. Se contasse a sua mãe, ela
falaria que era asneira e que Daniele havia se machucado com qualquer coisa menos
que tenha sido machucada por monstros em seu pesadelo. Se contasse a seu pai... Ele
mal estava dando atenção a ela, estava voltado com as atenções e aos caprichos do
Representante da Corte.
Sua mãe bateu na porta, entrando no quarto de supetão. “Como está?”
“Estou bem”, respondeu a moça limpando as lágrimas.
“Ouvi o pedido de casamento que Ottávio lhe fez. Estava escutando tudo atrás
da porta.”, declarou Maria Aparecida andando de um lado para o outro no cômodo, um
tanto impaciente. Sua fisionomia era séria.
“Estava ouvindo minha conversa atrás da porta? Que falta de educação minha
mãe, que invasão na minha privacidade...”, Daniele disse isso com firmeza nas palavras,
pondo-se de pé. Não fora agradável a ela o que sua mãe havia feito.
“Desde quando uma mãe falta com educação com um filho? E você não precisa
de privacidade e sim de juízo! Deve estar querendo afrontar-me ou se fazer de difícil
para dar charme não aceitando o pedido de casamento de Ottávio.”
“Já estou ficando cansada desse assunto. Já disse e repito que vejo Ottávio
como um amigo, um irmão. Por que persiste tanto em meu casamento com ele? Não
serei feliz me casando com uma pessoa que não amo”, a jovem segurou as lágrimas
para não escorrerem.
“Chega! Chega!”, falou a mãe com um tom elevado de voz. “O que deve estar
passando por essa sua cabeça de vento?! Acha que você irá escolher o marido que
quiser? Ficar atrás de homem como uma mulher da vida? Um homem como Ottávio,
apaixonado como está, que melhor casamento espera encontrar?! Pois a vida não é um
conto de fadas, não existem príncipes e nem princesas! Chega de viver nesse seu
mundo de ilusões, já é uma mulher feita! Está mais do que na hora de se casar e
formar uma família”.
Daniele sentou-se retraída com as palavras da mãe. Estava sendo posta num
beco sem saída, estava entre o fogo e a frigideira!
“Espero que ponha sua cabeça no lugar, saía desse mundo de fábulas e
fantasias que vive e aceite logo o pedido de casamento de Ottávio. Pois se não for
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aceito por você, será aceito pelo seu pai”, concluiu a senhora Hamburgo se retirando
do quarto da filha em passos firmes. Estava farta com a falta de desinteresse de
Daniele e com a tranquilidade que esta estava a viver. Na idade dela estava preocupada
em dar netos aos seus pais! Com essas palavras ela tinha certeza que Daniele aceitaria
o pedido, como mãe estava pensando no melhor para a sua filha, querendo somente o
seu bem.
As palavras de ordem e ameaça de sua mãe para Daniele aceitar o pedido de
Ottávio entraram no seu ouvido como facas afiadas perfurando-a. Na verdade achava
que facas doeriam menos. Novamente sua mãe veio lhe dizer que o mundo e a vida
não são um conto de fadas. Como o mundo e a realidade eram duros e severos,
machucavam e condenavam pessoas sem a menor piedade.
Sem conseguir ao menos se acabar em lágrimas, pois era tão terrível a ideia de
casamento com um homem que não amasse que Daniele estava sem reação alguma...
Desejava que o mundo e a vida fossem contos de fadas.
Malvina estava com uma bandeja nas mãos. Ao entrar no quarto, prisão de sua
mãe, logo a porta foi fechada por um escravo. A vigilância sobre Salete estava sendo
cumprida conforme Heitor ordenara.
“Seu almoço minha mãe.”
Salete jogou os búzios com fúria soltando um leve gemido.
“O que houve?”, perguntou Malvina assustada com a ação da mãe.
Salete estava com raiva, segurava os cabelos e andava pelo quarto como se
estivesse louca.
Depois, voltou aos búzios. Segurou-os com as mãos fechadas e firmes, disse
algumas palavras em sussurros e jogou-os de novo, a ira em seguida.
“O que está havendo, mamãe? E não faça barulho, Heitor está no quarto
dormindo. Se ele ouvir você dando esse escândalo acorda e acaba com nossas vidas,
principalmente se deparando com essas coisas aí.”, Malvina apontou para os búzios. Ao
dizer isso Malvina foi agarrada pela mãe, que lhe deu um apertado e carinhoso abraço.
“Malvina, eu te amo minha filha. Perdoe-me, perdoe-me, por tudo o que lhe
causei e por ter faltado a você nas horas mais difíceis.”, Salete pôs-se de joelhos
perante a filha. “Se foi mulher da vida durante um tempo foi por minha causa. Se eu
não tivesse deixado você e seu pai para me aventurar mundo a fora, quando você
ficasse órfã de pai eu estaria ali do se lado para te proteger como toda boa mãe faria.
Perdoe-me, por favor.”
Malvina não entendia porque daqueles pedidos de perdão em tal momento da
vida. Concordava sim com as palavras de sua mãe, era evidente que ela faltou à filha no
momento que ela mais precisou de uma mão para apoiá-la. Mas assim não foi, Salete
não estava do lado de Malvina e a moça teve que se virar o quanto pode.
Conheceu uma velha senhora em bons trajes que estava lhe rodeando fazia
alguns dias. A dona do bordel lhe fez o convite e a jovem aceitou, pensando melhor no
cabaré do que nas ruas e sarjetas.
Mas, Malvina tinha um bom coração. Por mais que tivesse passado por mulher
da vida, não culpava sua mãe, somente a si mesma. Na verdade não culpava ninguém,
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preferia esquecer essa fase de sua vida, somente a lembrança que conheceu Heitor e
algum tempo depois se casaram.
“Perdoou-lhe minha mãe. Agora se levante, por favor.”, Malvina amparou a
mãe nos braços, amava Salete.
“Tempos cruéis hão de vir. Um mal voltará, um mal tão grande que os deuses
não sabem me dizer o destino da humanidade, do nosso planeta”, informou a velha
passando os dedos sobre os búzios. “Tentei ver se havia algum caminho pelo qual
poderia salvar... Salvar você e Heitor, mas o destino de todos é incerto e temeroso”,
logo em seguida se dirigiu à janela analisando a paisagem.
“Não há nada que possamos fazer?” Malvina perguntou para mãe. Temia os
búzios de Salete, pois eles eram excelentes profetas.
“Aqui trancada não posso ficar mais, não se preocupe, não vou arriscar a vida
de ninguém. Preciso avisar alguém que possa impedir essa desgraça de voltar ao
mundo, pois minha querida, somente contamos com a esperança...”
“Não invente histórias, nós combinamos... Você pararia com os búzios e se
aquietaria aqui. Pare já com esses pensamentos. E nem que queira sair, está tão bem
vigiada que seria impossível sair daqui desse quarto. Só se soubesse voar, mas não
sabes. Quero paz minha mãe, preciso de paz em minha casa.”
“A paz está com seus dias contados.”, profetizou a velha.
Algumas nuvens negras ao fundo da paisagem davam sinal que uma forte chuva
estava por vir.
Uma grande tempestade se deu. Choveu a noite toda.
Contudo, depois de uma grande tempestade vem sempre um lindo dia, com
pássaros cantando e um sol belo e entusiasmante. Os destroços da noite ficaram
evidentes, o que era fraco e podre caiu.
Malvina estava apreensiva com as previsões dos búzios e talvez a fuga de sua
mãe, mas isto seria quase impossível, pois Salete estava sendo tão bem vigiada, que
nem mesmo uma prisão tinha tanta segurança.
Logo veio o fim de semana. A alta elite de Santos estava entusiasmada com o
jantar na casa da família Hamburgo.
As mulheres estavam preocupadas e tensas com suas vestimentas, pensando
no modo como poderiam parecer mais belas que as outras. Dúvidas terríveis nas
mentes femininas... Qual o sapato melhor, qual a joia mais formosa e o que causaria
inveja aos olhos das outras?
Os homens, os senhores de Santos, estavam pensativos e intrigados com o
futuro que a vila tomaria. Um Representante da Corte estava em Santos, mudanças
iriam ocorrer, isto era certo.
No dia anterior a este, Rafael havia chamado o Coronel da Guarda da vila para
conversas particulares e secretas, secretas até então, na mansão Hamburgo.
Samuel Fernandes saiu da mansão do senhor mais poderoso de Santos um
tanto tenso. Ninguém conseguiu tirar nada dele sobre o assunto, pois ele se recusava
falar algo, dizendo ser um assunto confidencial da Coroa e que todos esquecessem por
momento, era mais conveniente.
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Marcos Olivier apareceu no Beira Mar, na hora do almoço, como sempre,
bebeu seu vinho e comeu alguns petiscos de camarão. Mas o que o levou até tal
recinto, não fora o almoço, mas sim uma conversa que teria com os irmãos Oswald.
Nos fundos do bar, no pequeno cômodo, estoque do recinto, Marcos e
Augustus foram conversar.
Josué não se conteve, deixou outros rapazes atendendo o balcão e as mesas e
se postou com o ouvido na porta.
“Temo que tempos duros, hão de voltar. Coisas boas não ocorrerão para nós,
os moradores do Bairro Pirata.”, disse Olivier.
“Mas como pode tirar conclusões por si só. Você mesmo disse que nem mesmo
os senhores de Santos estão sabendo do que vai ocorrer se é que vai ocorrer algo, não
é a primeira vez que uma comitiva da Coroa baixa em nossa vila.”, contrapôs o dono do
bar.
“Tenho certeza que coisas boas não são. Ontem saiu da casa de Rafael
Hamburgo...”, o coração de Josué palpitou, era a casa de sua amada, “... O Representante e o Coronel da Guarda. Durante a noite vi guardas disfarçados com roupas
esfarrapadas, mas os reconheci percorrendo o nosso bairro... E hoje de manhã dei de
cara com um soldado de farda e cassetete. Eles nunca andaram assim por aqui...”
continuo Marcos Olivier, mas Josué não pode mais ouvir, pois foi pego de surpresa pelo
pai que lhe inferiu um tapa na sua nuca e mandou-o voltar ao serviço. Rúbio também
entrou no recinto, fechando a porta, sorrateiro caso alguém estivesse de olho.
A noite caiu e as carruagens começaram a chegar na grande casa da família
Hamburgo. Eram belas e grandes carruagens carregando as mais importantes e bem
sucedidas famílias da vila de Santos.
Uma das mais belas carruagens era a de Heitor Martins, toda feita de madeira
nobre, com detalhes de ouro e esmeraldas, cortinas de seda e estofado de couro puro.
Dois belos cavalos marrons cor terra a puxavam, pelos lisos e crinas longas e um
escravo a conduzia. De sua carruagem saiu ele num terno de fino pano com Malvina de
braços dados consigo. Ela vestia um grande vestido rosa claro e com algumas partes
em vermelho, um chapéu também ia na sua cabeça. Antes de sair de sua casa, Escobar
ajudou-a subir na carruagem, ele e sua paixão por Malvina, nunca tinha visto-a tão
bela, parecia uma deusa aos seus olhos.
Também junto deles na carruagem estava o cachorro vira-lata e puxa saco
conforme opiniões da vila, Adrian.
Maria Aparecida recebeu a todos junto do marido. Estava uma verdade rainha
recebendo seus súditos.
Seu vestido era tão belo, tão elegante, tão vistoso, tão magnífico! Superava
todos com facilidade, joias a cobriam por inteira. Um sorriso em rosto para causar
invejas e olhares de cima a baixo intimidavam as mulheres que iam chegando.
Ao se deparar com Malvina Maria Aparecida ficou um tanto quanto surpresa. A
mulher estava até bem vestida, pensou.
Seus maridos trocaram cumprimentos e farpas:
“Boa noite, Rafael. Linda sua casa, tirando o jardim que achei um tanto quanto
mal tratado”, cumprimentou Heitor.
“Seja bem vindo Heitor a minha humilde residência. Vejo que não sabe nada de
jardinagem, pois meu jardim é uma cópia fiel de um pedaço do castelo de Lisboa.” com
um aperto de mão e olhar de águia Rafael sobressaiu-se.
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Heitor engoliu seco e entrou em seguida na mansão a caminho do grupo onde
estava o prefeito, o padre, o Representante e seu auxiliar, entre outros.
“O cão vira-lata sempre atrás de seus passos.”, comentou Rafael sobre Adrian.
“Ela está até bem coberta, pensei que viria mostrando todo o peito e as pernas,
costume das mulheres da vida”, comentou Maria Aparecida com o marido. Ao
contrário de Malvina, o decote de tal senhora era um chamariz dos olhares masculinos.
Seus seios eram bem fartos, grandes e auxiliados por bojos, como sempre, empinavamse.
Enquanto seu pai e sua mãe recebiam os convidados na entrada, Daniele
estava num canto da grande sala da casa com as moças das famílias que já haviam
chegado.
-Ele é lindo! -disse uma das moças sobre um rapaz que estava do outro lado da
sala olhando ela sem parar.
-Ele não para de olhar para você. -comentou uma outra.
Daniele não tinha amizade com aquelas moças, nem ao menos tinha alguma
moça de sua idade, quem muitas vezes era sua confidente tirando as escravas Zilda e
Nina, que andavam por todo casa com bandejas nas mãos servindo os convidados, era
sua professora de francês, Mercy.
A jovem senhorita Hamburgo deu meio sorriso às garotas e saiu sem ser
notada pelo grupo. As moças também não gostavam muito de Daniele.
Daniele cumprimentou algumas pessoas e viu Mercy no meio de alguns
senhores rindo alto e tomando vinho.
A francesa deu uma olhada na moça que estava só num canto, acanhada, e
após pedir licenças aos senhores foi junto de sua aluna.
-Ora ce qui est avec vous, o que há com você? As garotas não lhe cativaram? -se
aproximou Mercy, tão bela e elegante quanto as outras mulheres ali presentes.
-Não consigo me entrosar nos assuntos delas. São um pouco diferentes de
mim. -respondeu Daniele, procurando algo que nem ela mesma sabia a fim de se
entreter.
-Cadê a slavey, escrava, Nina com a bandeja de vin? Acompanhe-me chéri
numa taça?
-Não obrigada, professora, não bebo.
-Não me chame de prefesseur, simplesmente Mercy, não estamos em aula no
momento. -falou Mercy pegando outra taça de vinho que estava sobre a bandeja que a
escrava carregava, e tomando um gole em seguida. -Belo dia para aceitar um costume,
pedido de casamento.
Daniele que estava perdida com toda aquela gente em sua casa, com todos
aqueles modos, atordoada com tal tumulto, voltou-se para a francesa surpresa.
-Mamãe pediu que falasse isso a mim, não foi? -perguntou Daniele com cara de
poucos amigos.
-Ora oui, quem mais poderia? -respondeu a professora olhando a todos os
lados com um sorriso no rosto. E sempre cumprimentando alguém. -Mas não quero
agaceson, aborrecê-la com esse assunto. Hoje é dia de festa. Oh!
Daniele estava farta sobre o assunto de casamento, pensava que pelo menos
hoje, um dia de jantar para toda a vila, sua mãe se preocuparia como iria invejar as
outras mulheres e esquecesse por um tempo desse assunto infernal para a jovem.
Virando-se para onde Mercy estava olhando, sua fisionomia trocou bruscamente. De
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uma Daniele com cara de poucos amigos e irritada, uma Daniele encantada e
admirada.
O jovem do encontro mágico na igreja vinha acompanhado de Margot, e seguia
na direção dela e de sua professora.
-Ora veja só, o meu héros. Esse type, rapaz, Daniele salvou a minha vida e de
seu pai. Que homem corajoso e valente! -nas suas declarações Mercy pôs intensidade
não só pelo encanto que sentia pelo rapaz, mas também o vinho lhe provocava
profundidade nos adjetivos. -Boa noite!
Theodoro beijou a mão estendida de Mercy e respondeu boa noite sem tirar os
olhos de Daniele tal como a jovem Hamburgo sobre ele.
-Esse é Theodoro, minha cara étudiant, aluna. -apresentou Mercy. Toda
animada do modo que estava, animou-se ainda mais com a chegada do rapaz,
entretanto não percebeu a troca de olhares entre os jovens que lhe provocaria raiva.
-Muito prazer, Daniele Hamburgo. -apresentou-se Daniele estendendo a mão
direita, um tanto ainda com receio, pois o machucado de outrora estava em fase final
de cura.
Theodoro segurou a mão da moça com muita delicadeza e prazer, sem tirar os
olhos dos olhares dela, e assim ele a beijou. “Muito prazer.”
-Como vai Margot, deve estar ocupada, não? Faz semanas que não aparece em
minha maison, minha casa para tomarmos un café ou un thé juntas.- falou Mercy à sua
amiga que estava concentrada analisando os trajes das mulheres no recinto.
-Como vai minha amiga. Pois sim, ando cheia de trabalho. Agora então, com o
Representante em Santos, Rafael anda me pressionando para fazer-nos logo o grande
baile. -declarou Margot que trajava um belo vestido dourado. -Falando no Representante, onde está ele?
-Me acompanhe vou-lhes actuel, apresentar-vos.
As duas mulheres saíram para o lado onde estava um grupo de homens,
contendo entre eles o Representante e deixando os dois jovens sozinhos, trocando
olhares inocentes.
-Filha de Rafael Hamburgo... Simpático seu pai. -quebrando o silêncio entre
eles, Theodoro mentiu para impressionar a jovem.
-Nem sempre, só quando ele quer. -Daniele respondeu um tanto acanhada.
Suas mãos suavam e o coração estava acelerado.
-Agora sem pecados. -Descontraiu ele.
Ela riu lembrando-se que nem ao menos teve tempo de continuar suas orações
naquele dia. Depois daquele dia sua mente esteve dominada por vários assuntos, o
mais persistente era o encontro que eles tiveram na igreja.
Ottávio que a pouco tinha chegado viu sua amada num canto de conversas com
o forasteiro.
Salete já estava preparada. Tudo estava arrumado, havia feito uma pequena
trouxa de roupa e desta vez para não perdê-los colocou os búzios num saquinho com
uma corda amarrado em volta da cintura. Colou também o bilhete sobre sua cama.
A porta estava trancada do lado de fora. Os escravos estavam do outro lado
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para assegurar ainda mais que ela não escapasse.
Apagando as velas de todo o cômodo, indo até o peitoril da janela olhou para
baixo, tinha pelo menos uns quinze metros de altura. Colocou uma vela sobre o peitoril
para servir de orientação.
Lá embaixo estavam andando por todos os lados homens livres e escravos a
mando de Heitor para a segurança total.
Um homem escutou algo no céu, deu uma olhada, mas não viu nada além das
estrelas e assim continuou a caminhar. O sono já começava a se fazer presente, bocejos
em demasia. Seria uma noite difícil!
O céu estava estrelado, com poucas nuvens. Com a chuva que teve há poucos
dias o ar era úmido e os animais noturnos faziam seus barulhos próprios.
De repente um homem caiu no chão adormecido. Um companheiro foi ao seu
encontro para ver o que havia acontecido com o colega... Tinha uma pedra ao lado do
homem. Este então olhou para o céu e uma pedra caiu sobre sua cabeça.
Começou uma gritaria de homens, correria.
Escobar o chefe de todos estava na área em frente a casa, sentado e tirando
um cochilo. Ao ouvir a gritaria e ver a correria e o desespero dos homens saiu a céu
aberto para ver o que haveria de estar lá. Viu uma dúzia de cavalos com asas voando
sobre a residência dos Martins.
“Meu Deus o que são essas criaturas?!” ele se impressionou, gritando:
“Homens usem suas armas”.
Um dos cavalos voou sobre o telhado e posou em frente à janela de Salete. O
capataz percebendo que isso era uma fuga da velha saiu correndo para dentro da casa
a fim de impedi-la.
Os homens gritavam. Pedras caíam do céu. Tiros.
Salete olhou por todo o seu quarto, iria sentir falta daquela casa, mas não
daquele momento de prisão que estava a viver.
“Vamos Salete, minha cara amiga, corra.” disse Tibério se equilibrando sobre o
telhado, com telhas caindo no chão.
Salete abriu a janela e a porta começou a ser destrancada.
“Corra, eles estão chegando.” Tibério ouviu a chave na porta.
Um tiro quebrou a janela.
Salete pôs as pernas para fora se equilibrando no peitoril da janela com sua
pequena trouxa.
Escobar entrou no quarto da velha com os dois escravos ao seu calcanhar. “Por
mil diabos!”
Nesse momento a velha já voava sobre o cavalo alado. Os outros cavalos
acompanhando-os, nada havia lhes ocorrido, todos estavam bem.
O vento batia em seu rosto, o chão estava sob seus pés. Salete estava livre.
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Capítulo 8: O adultério.
Em alto mar rumo ao Brasil o navio Minerva era um pequeno ponto de luz na
escuridão e na vastidão do Atlântico Sul.
Gói acordou Bartolomeu que dormia tranquilamente em sua rede num canto
do convés.
-Bartolomeu, os dois capitães estão brigando de novo. -informou o pequeno e
corcunda homem. Sua voz era fina, áspera e rouca, se encontrasse essa figura num
beco escuro caro leitor, tenho certeza que iria tremer de medo e imaginar que era um
demônio que viera lhe atormentar.
Bartolomeu correu para a parte de cima do navio, vendo um céu estrelado e a
lua. A partir da posição do satélite concluiu que deveria ser em torno de umas nove
horas da noite.
Novamente os dois irmãos duelavam. Duelavam como dois inimigos. Giulia
estava com um corte no rosto e sangrando um pouco e Luigi estava com a roupa com
vários cortes. Golpes e mais golpes, dos quais os melhores eram dados pela moça
sobre o irmão.
Depois de um golpe certeiro ela derrubou a espada dele no chão, deixando-o
desarmado. Luigi se viu exposto e talvez até perdido.
“Renda-se e deixarei você viver.”, disse Giulia com a certeza de luta e o posto de
capitão ganhos.
Mas Luigi encontrou um pedaço de madeira confrontando um golpe que sua
irmã lhe inferiu. Ele se defendeu e depois conseguiu derrubar a espada dela no chão.
O objeto escorregou até os pés de Bartolomeu. Todos os marujos e homens
que estavam gritando, fazendo apostas quem venceria o duelo, paralisaram com a
presença de Sanches.
Bartolomeu tinha seu chapéu preto na cabeça e na bainha a sua espada, como
de costume. Sua expressão era dura e severa. “Até quando irão persiste em se
confrontarem? Seria mais fácil marcarem um duelo formal, assim estaríamos sabendo
o horário preciso da batalha e não perderíamos nada.”
-Um duelo formal, excelente ideia. -concordou Luigi.
-Não fale asneiras, jovem capitão, estava sendo irônico com a situação
deplorável que se encontra você e sua irmã. -Bartolomeu foi sucinto. -Mas o que está
havendo novamente?
-Como sempre esse patife... -Giulia pegou sua espada no chão colocando-a na
bainha e passando as costas da mão no machucado, limpando um pouco do sangue
que escorria. -... Retirando as ordens dadas por mim. E quando a ordem sai da cabeça
do gênio, pode esperar que será um desastre na certa. É um absurdo tal situação!
-Sim, mas é o único meio de se manter um pouco de calma e serenidade nesse
navio. -com jeito de malandro, Luigi interpôs. -Pois minha cara irmã somos os herdeiros
de Matarazzo. Dê o braço a torcer, dê-me o posto de capitão vitalício e tudo se resolve.
-E no próximo porto arrumo um marido e me caso para viver feliz para sempre.
-Giulia usou da ironia. -Claro que não vou renunciar ao posto de capitão do Minerva.
Um navio precisa de um capitão de pulso firme e que saiba o que está fazendo e onde
está levando todos os seus homens. Este está longe de ser você!
-E você paspalho o que faz no centro dessa situação? -Bartolomeu interrogou
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Danton com seu medonho sestro no olho, que até então acompanhava a disputa de
camarote.
-Ah, eu... Luigi me mandou fazer algumas tarefas. Logo estava cumprindo o que
o capitão havia ordenado, daí apareceu o outro capitão e disse-me para parar e fazer
outra coisa. Um interpôs-se sobre o outro e começaram o duelo. Até que... -Danton
Arriva respondeu com uma calma medonha.
-Já entendi como sucedera o início da disputa. Agora me responda o que seu
capitão Luigi lhe ordenou fazer? -interrogou Bartolomeu tentando manter a
tranquilidade nas palavras como o marujo.
-Erguer as caravelas, mudar o curso... Partimos para Espanha.v-respondeu
Danton.
-Não. -contrapôs Luigi.
-Sim. -afirmou Danton.
-Não.
-Sim.
-Não.
-Sim.
Giulia estava achando patética tal cena.
“Calem-se os dois.”, gritou Gói entrando no centro da discussão. Todos se
voltaram a ele, tal homenzinho se retraiu depois, sem jeito: “É preciso ordem”.
-Não foi bem assim. -falou Luigi a fim de explicar sua posição.
-Como foi então? Não havíamos concordado de irmos para o Brasil? -perguntou
Giulia.
-Você ordenou que fossemos ao Brasil, eu tinha dado ordens para Espanha.
-Ainda essa discussão! Devo concordar que Giulia está certa, o melhor é irmos
ao Brasil. Lá não tem caçadores de piratas e uma guarda especial para nossa laia como
na Espanha. Poderemos abastecer na Colônia tropical e partimos logo para uma
aventura depois de um bom descanso e um pouquinho de diversão de nossos homens
em algum cabaré. -Bartolomeu tentou colocar ordem e esclarecer a escolha da jovem.
Giulia ficou com ares para o irmão de que tinha razão em sua escolha.
-Mas como Munch disse se formos bons piratas entramos na Espanha e
saqueamos uma cidade sem sermos vistos. -informou Luigi excitado com a ideia de
uma aventura.
Bartolomeu bem viu que isso não era obra de Luigi e que somente um rato
como Munch poderia querer a discórdia entre os irmãos, colocando caraminholas na
cabeça do jovem capitão.
-Pois bem, seguiremos ao Brasil estamos seguindo para lá há alguns dias,
perderíamos tempo voltando e seguindo para a Espanha. Precisamos abastecer
alimentos e o rum está em falta. -pondo firmeza em suas palavras ninguém ousou
discordar de Bartolomeu. -Agora todos ao convés. Vão dormir homens, amanhã
acordaremos cedo e navegaremos o mais rápido possível para chegarmos no Brasil.
-Vai ter troco. -disse Giulia ao irmão mostrando o ferimento no rosto que ele
fez.
Luigi engoliu as ordens do fiel amigo de seu pai, na verdade viu que o melhor
caminho era a Colônia tropical do Império Português. “Vamos homens, todos ao
convés como disse o capitão de tripulação.”
Os homens do navio começaram se direcionar aos seus respectivos aposentos
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ou simplesmente cantos e redes.
Sebastian Munch assistiu toda a discussão com sorriso no rosto e viu que seu
plano começava a dar resultados. Como quase nunca cumpria as ordens dadas,
enquanto todos seguiram para o convés seguiu para a polpa do navio.
Bartolomeu o avistou-o seguindo para a popa, queria ter uma conversa com ele
sobre a instigação do duelo dos irmãos.
Empurrando o inglês contra a parede, sufocando-o, o fiel amigo de Matarazzo,
pôs força nas mãos, saltando suas veias. “Rato de convéns, inflamação na garganta,
tumor maligno! Desgraçado! Sei o que quer incitando as brigas entre os dois irmãos,
mas não vai conseguir, não vou deixar. Vai ter que ser bem melhor da próxima vez do
que causar um duelozinho barato como este.”
Sebastian se manteve forte, demonstrando aguentar a fúria do outro. Apesar
de estar lhe faltando ar, com risadinhas indagou com dificuldade: “Me diz Bartolomeu
nunca sentiu vontade de ser o capitão desse navio? De comandar a todos do modo que
você quisesse?... Sempre foi ofuscado por Matarazzo, nunca sentiu vontade de estar no
lugar dele?”.
“Ao contrário de você, verme, sou leal aos meus capitães. Vou dar-te um aviso,
se procurar fazer o que vez hoje, eu acabo com sua raça.”
“Ah, tudo isso em respeito à imagem de Pedro Matarazzo, aquele merda dos
mares?”, Instigou Sebastian.
Bartolomeu preparou-se para esmurrar Sebastian, mas este disse antes: “Isso,
me bata, assim todos verão que aqui no navio nem os filhos de Matarazzo e nem você
são capazes de comandar o Minerva. Serão vistos como loucos! E assim o posto de
capitão ficará vago.”
“Vou fazer de tudo para no próximo porto não pisar novamente nessa
embarcação.”, declarou o capitão de navegação, segurando os punhos para evitar
maiores problemas, mas apertando com intensidade o pescoço de Munch. Soltando-o
em seguida.
Sebastian Munch tossiu com dificuldade. “Não vai conseguir meu caro, tenho
admiradores e seguidores que interferirão por mim.
Bartolomeu seguindo ao convés para voltar a dormir esticou o dedo do meio
para Sebastian. Piratas!
Todos os convidados se encontravam na imensa sala de jantar no primeiro
andar da casa. Ambiente especialmente para convidados, capaz de ter em volta da
mesa trinta pessoas.
A fartura era grande e o requinte em demasia. O jantar era aos modos
franceses (como hoje ainda prevalece aos modos dos mais requintados jantares e
restaurantes). Muitos pratos, muitos talheres, muitas taças e refeições diversas e
complicadas de se degustar.
Escravos transitavam de um lado ao outro servindo os convidados, com muita
sutileza no serviço, conforme as ordens de sua senhora Maria Aparecida.
Conversavam, comiam, riam, bebiam, um clima de descontração e um tanto
quanto tumultuoso.
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Até que Rafael chamou a atenção de todos batendo a colher em sua taça. A
demora foi de alguns minutos para ter todos voltados para si. Pôs-se de pé:
“Boa noite, meus caros amigos e amigas. Fico muito lisonjeado com a presença
de todos vocês em minha residência. E aproveitando a oração feita por Padre Inácio
antes de começarmos saciar os alimentos, devo concordar que Deus está sendo
generoso demais para com todos nós.”
“Amém”, interferiu o padre.
“E o que Deus nos deu para achar que ele é tão generoso?”, indagou Heitor.
“Além da vida e saúde, a presença do Representante da Coroa aqui em nossa
vila nos demonstra que Deus, nosso pai, através desses grandes homens está nos
encaminhando para um tempo de paz e amor”, o senhor Hamburgo usou bem as
palavras.
Theodoro via tal cena, pensando que Deus poderia mesmo estar sendo bom
com todos. Provavelmente tinha esquecido o passado sórdido e as maldades feitas por
muitos então presentes.
“Bons tempos virão e o futuro será de paz, amor e serenidade. Nossos filhos
viverão numa sociedade correta e civilizada. E para tudo isso se tornar realidade é
preciso um precursor, alguém que nos encaminhe para este lindo mundo...”.
O prefeito, José Miguel, estava achando que Rafael andava fazendo discursos
demais. Isso não lhe provocava boa sensação, temia ter alguém que poderia tirar o seu
cargo, alguém que a Coroa achasse melhor. O vinho desceu com dificuldade por sua
garganta.
“... Tal que esse herói está sendo bem avaliado pelo nosso amigo, Donário
Abreu”, disse Rafael indicando o Representante.
O Representante o interrompeu com pigarros levantando-se em seguida:
“Donário Abreu Freitas Guedes Lima, Representante da Coroa, em nome de D. José I”,
sentando-se depois. O maldito costume, mania ou zelo de dizer nome e sobrenomes
era algo que em Donário era irritante.
Malvina olhava para Heitor que estava vermelho de raiva vendo a
demonstração de seu inimigo.
Rafael retomou: “... E assim sendo, tal homem terá um grande trabalho e uma
grande responsabilidade sobre as costas. Mas desse assunto terminamos por aqui e
retomemo-lo no grande baile, que Margot está a organizar com imenso capricho para
que saia perfeito. Aproveitando tal ocasião... Esta semana tivemos um acontecimento
heroico aqui em nossa vila. Um simples e valente rapaz salvou a senhorita Mercy de se
arrebentar com sua carruagem e me salvou da carruagem me arrebentar.”, risos, “E em
reconhecimento disto... Ofereço-lhe o cargo de auxiliar, braço direito, de Ottávio que
tanto me pediu um ajudante... Então rapaz, o que me diz da proposta?”.
Theodoro foi forçado por Margot a pôr-se de pé. Sentou-se do lado de sua
madrinha porque poderia copiá-la na hora do jantar, pois não sabia como portar-se
numa refeição tão elegante como aquela, como usar todos os talheres, taças e
guardanapos.
Todos o olhavam. Estava sem jeito, precisava responder algo, mas não tinha
dúvida, pois o destino parecia encaminhá-lo. “Agradeço os adjetivos e o cargo... Aceito
o posto meu senhor.”
-Tão courageux et modeste, tão corajoso e modesto. -elogiou Mercy com
palmas. E que logo foram acompanhadas na saudação ao rapaz por todos.
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Depois de toda comilança, um café foi entrega aos convidados para finalizar o
jantar de tal noite.
Mercy era a única na qual ainda continuava tomando vinho. Estava já um
pouco alta.
-Já tomou o suficiente por hoje, chega. -disse Rafael tirando a taça da mão da
francesa.
-Odeio quando coordena minhas ações e atitudes. -resmungou a francesa.
Os convidados começavam ir embora, Maria Aparecida se despediu de alguns e
os dois amantes conversam num canto, sem atrair os olhares.
-Você não sabe medir os seus limites! -questionou o homem. -Fique avisada
que amanhã à noite irei te fazer uma visita.
Ela fez caras e bocas de sedução. “Estarei te esperando.”
Theodoro estava numa das sacadas da imensa mansão apreciando a paisagem.
Ela tinha o mar ao lado indo para trás de si e a vila em frente. Dava para ver as luzes em
algumas casas e um guarda a transitar na rua. Estava muito feliz e seus pensamentos
fervilhavam.
-Ás vezes também fico a apreciando, pena que não tenho o dom de manejar as
palavras. É uma bela paisagem que inspiraria bons poemas. -falou Daniele se
aproximando.
-Linda! A sua casa também é muito bonita e elegante, senhorita Daniele. Theodoro acrescentou, continuando o diálogo. - Suponho que a senhorita nunca tenha
passado nenhuma dificuldade financeira, nenhuma necessidade, sempre deve ter tido
tudo o que quis?!
-Sou filha de mercante!
Theodoro aproveitou a ocasião e o assunto para colher algumas informações: Sua mãe vem de uma família de que?
-Mamãe é descendente de ingleses ligados a Corte.
-E seu pai, a família dele deve ser de pessoas que tinham muito dinheiro?
-Papai é órfão de pai e mãe. Foi criado pelos tios que eram pobres. Teve sorte
de se embrenhar nos assuntos de navegação e se tornou o que é hoje: Um grande
dono de navios mercantis.
Daniele respondeu as perguntas de Theodoro sem ver qualquer malícia nelas.
As achava normais para um rapaz que a pouco chegou em Santos e já se ligara a sua
família.
-E o senhor, vem de que família? -perguntou ela.
-Fui criado pelo meu pai que era pobre. -os olhos do rapaz brilharam falando
de seu pai, boas lembranças lhe vieram à mente. -Ele morreu e vim tentar a sorte aqui.
E pelo jeito estou com sorte!
Eles riram, e com muito cuidado Theodoro pôs sua mão sobre a de Daniele.
Ela respirou ofegante, seus olhos se fixaram no dele e seu coração acelerou.
-Tem um lindo sorriso! -ele elogiou a moça que sorriu em contrapartida.
-Ora o que faz aqui meu auxiliar, enquanto deveria estar ao meu lado? Está em
horário de serviço. -disse Ottávio quebrando o momento romântico do casal.
-Desculpe senhor, pois não pensei que meus serviços se iniciariam logo após a
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minha admissão. Mas vou me postar ao seu lado e não sairei de seus calcanhares até
ordenar minha dispensa. -respondeu Theodoro disfarçando com educação, pois se
lembrou da ameaça que ele fizera a Ottávio no ocorrido da carruagem de Mercy.
Daniele via Ottávio como uma raposa sorrateira que estava cercando-a e
deixando-a sufocada.
-Educado! E hoje até bem vestido e arrumado. Mas falta muito para ser galante
e fino. -argumentou o chefe de navegação.
Theodoro estava bem vestido aquela noite. Margot lhe arrumara um elegante
esmoquem, um sapato de couro e até mesmo uma cartola que o mesmo dispensou.
Bem diferente do rapaz que Ottávio se deparou dias atrás.
-Me esforçarei para ganhar tais finezas, senhor. Sou jovem e quero aprender
com quem sabe e que possa me ensinar. -respondeu Theodoro não perdendo a
educação.
-Pois bem, está dispensado de seus serviços por hoje. Pode nos deixar a sós.
Theodoro obedeceu as ordens de seu novo patrão sem pestanejar. Despediu-se
de Daniele com um beijo em uma das mãos da moça: “Boa noite, senhorita”.
-Ottávio estou cansada, com sono e vou me retirar para... -Daniele ia dizendo,
mas foi interrompida por ele que admirava o céu:
-Está uma noite bela, não acha?
-Sim devo concordar com você. -mas a moça estava fadigada com a presença
dele. -Me desculpe, estou exausta. Vou me despedir dos convidados e seguir para os
meus aposentos. Boa noite!
Ottávio sentiu-se muito solitário, entristecido com os modos como Daniele
estava lhe tratando. “Raios!”, rogou esmurrando o peitoril da sacada.
-Ela está arisca. Mas não quer dizer que não queira casar com o senhor. -Maria
Aparecida chegou junto do jovem mercante, parecia uma cobra sedutora.
-Ela te disse sobre o meu pedido? -questionou ele.
-Digamos que eu tenha bons ouvidos! -a senhora Hamburgo usou da ironia.
Como tal figura de linguagem é usada para responder algumas perguntas indesejadas e
para se esquivar de outras tantas. - Meu querido, eu faço muito gosto na sua união e
de minha filha.
-É, mas me parece que ela não está querendo isso. Ela está me evitando. -ele
sentia-se imensamente menosprezado.
-Senhor Ottávio, me considere a partir de hoje como uma grande amiga. A qual
fará de tudo para que você seja feliz, até mesmo o que não está ao meu alcance. Quero
essa conciliação tanto quanto você... E pode ter certeza que enquanto não ver você no
altar com minha filha e ambos dizerem sim, não vou sossegar. Você será meu genro e
herdeiro de tudo o que a família Hamburgo possui. -prometeu a senhora. Seus olhos
brilharam após tal fala.
-Cavalos com asas? E eu jantei na casa de um duende! Ora se quisessem dar
alguma desculpa, essa foi a mais ridícula que já ouvi em minha vida. -Heitor estava
muito irritado.
O casal havia se despedido dos amigos e seguiram para casa sem ao menos
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tomarem o café de cortesia final. Ele não poderia ficar por mais tempo sob o teto de
Rafael.
Chegaram em casa e viram os destroços no quintal: telhas da mansão
espatifadas no chão e a janela do quarto de Salete com o vidro quebrado.
O patrão querendo ter satisfações de Escobar, o chefe e capataz da casa, que
lhe informou da fuga de sua sogra. “A fuga fora feita por cavalos com asas.”
-Me impressiona o grau de incompetência dos serviçais que me cercam. Estou
cercado por inúteis, imprestáveis! Saio por algumas horas e tudo sai do controle. E
agora aquela velha está livre de novo para fazer aqueles feitiços e usar aquelas coisas
que ela diz ver o futuro... Por falha de vocês. -o senhor Martins gritava com os
empregados, sua fúria era imensa. O ódio que estava passando essa noite só poderia
ser castigo de Deus, pensava ele.
Estavam no quarto de Salete: Heitor, Malvina, Escobar e os dois escravos que
zelavam pela segurança da porta.
-Ela deixou esse bilhete, senhor. -disse Escobar que havia achado o bilhete
sobre a cama da velha.
Heitor o leu.
Não sou um pássaro do qual se pode engaiolar, nem um animal o qual se pode
enjaular. Já andei por vários lugares do mundo, enfrentei várias dificuldades e não era
agora que alguém iria dizer o que fazer ou me prender.
Heitor, meu querido genro, sou grata pela hospedagem dada até então. Não
precisa me procurar na floresta, pois lá não vou estar. Vou estar muito além, num lugar
onde ninguém possa me achar ou que eu possa causar problemas a você. Felicidades.
Malvina, minha querida, te amo muito, não pense que vou deixar você
novamente. Preciso fazer o que é necessário, mas volto para estar ao seu lado no
futuro. Quando voltar, quero ver essa casa com muitas crianças a correr e brincar.
Abraços da velha louca, Salete.
-Ainda arruma espaço para fazer brincadeiras. Velha dos infernos! -Heitor jogou
o bilhete no chão. -Faça uma busca na floresta imediatamente... Decepcionou-me esta
noite Escobar.
-Me desculpe senhor. Irei cumprir suas ordens. -Escobar engoliu com
dificuldade a saliva. Estava decepcionado consigo mesmo.
Os escravos acompanharam o capataz, deixando o casal a sós.
-Você deveria saber de tudo. Sabia de tudo isso nas minhas costas. -olhando
duramente para sua esposa, Heitor duvidava da inocência da mesma no
desconhecimento da fuga.
-Eu não tinha ideia dessa loucura. Acha que faria algo que contrariasse o meu
esposo? -Malvina sentiu-se ofendida.
-Ah, você nunca sabe de nada. Nunca faz nada. Esse é o seu problema, você é
nada em excesso! -dizendo isso Heitor se retirou.
Malvina sentiu as palavras de seu marido com muita dor e tristeza. Estava
sendo humilhada, mas batalhava e se calava para manter seu casamento. Lágrimas.
Pegando o bilhete do chão, leu-o.
Ela sentou-se na cama e observou todo o cômodo. O ambiente ainda continha
a presença se sua mãe.
Malvina apoiou os cotovelos nos joelhos e cobriu o rosto com as mãos.
Sozinha, chorou com uma tremenda dor no peito.
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Domingo de manhã.
No navio Minerva toda tripulação trabalhava para chegarem ao destino
escolhido, o Brasil.
A velha Salete não fora encontrada, cumprindo o que escrevera na carta. Heitor
temia o que ela poderia causar-lhe não estando trancafiada no quarto.
Toda elite da vila seguiu para a igreja, a missa no domingo de manhã era
presenciada por eles. O reencontro dos convidados do jantar da noite passada foi
marcado por conversas e comentários.
Daniele e Theodoro se reencontram.
-Um reencontro na igreja. Será algum sinal? -questionou ele.
Ela tinha a mesma sensação que vinha tendo quando estava na presença do
mesmo.
-Oh, forasteiro. -Maria Aparecida estava ao lado da filha. - Bom dia. Ontem
nem tive a chance de dar-lhe os parabéns pelo cargo de súdito do senhor Ottávio.
Parabéns!
-Obrigado senhora. Estou feliz por ser um empregado do senhor Ottávio. respondeu Theodoro não gostando dos modos que Maria Aparecida estava lhe
tratando, mas disfarçando nas palavras. Ele imaginava que teria que disfarçar muito
daqui em diante, pois as pessoas que iriam lhe cercar não eram tão agradáveis.
-Bom dia, Margot. Vamos para frente, minha filha, lá está seu pai falando com o
Representante.
As duas seguiram para frente. Os olhares dos jovens continuaram ligados até
Daniele ser forçada a olhar para o altar.
-Bem vamos ficar por aqui. -falou Margot sentando-se junto de Theodoro. Sua
escrava ficava perto da porta a espera do término da missa.
Nas cadeiras da frente, próximo ao altar, havia a família Hamburgo, o
Representante e seu auxiliar, a família do Prefeito e a do Coronel da Guarda da vila.
“Não gostei muito desse forasteiro, tem um olhar de raiva e um jeito bandido.”,
comentou a senhora Hamburgo.
“Ele não vai aos seus gostos mamãe por não ser dono de ouro.”, Daniele se
irritou com o comentário da mãe, sentindo-se ofendida. Depois cairia em interrogativas
porque de tal revolta e chegaria a conclusão que estava amando Theodoro.
Todos se levantaram, o padre começou a missa com o canto de entrada.
Depois da missa terminada, o costume dos ricos eram dar algumas voltas pela
praça. E assim seguiram.
-Siga para casa a pé, como de costume. Irei para a gruta. -ordenou Margot à
escrava. -Theodoro, meu afilhado sinto que terá de voltar a pé para minha casa. Vou
usar a carruagem e só volto um pouco antes do sol se pôr.
-Tudo bem, sua casa é bem perto, não há problema.
Margot subiu em sua carruagem e seguiu ao seu destino.
-Que gruta é essa? O que ela vai fazer lá? -Theodoro interrogou a escrava.
-Ela todo domingo depois da missa vai para a gruta do fantasma do velho Jones
e fica lá o dia todo. Não faço ideia do que ela faz lá. -a escrava após responder sentindo
calafrios ao pensar em fantasmas, seguiu para a casa de sua senhora, cumprindo as
ordens dadas.
Theodoro não conseguiu compreender e também nem buscou compreensão
79
para tal costume de sua madrinha, postou-se ao lado de Ottávio que estava junto da
família Hamburgo.
Ele e Daniele andaram lado a lado toda a manhã sem dizerem nada. Mas essa
simples proximidade foi capaz de fazer ambos felizes.
O sol se pôs.
Theodoro tinha sido convidado por alguns filhos dos senhores da vila para sair
junto deles durante a noite enquanto andavam na praça pela manhã.
Iriam apresentar as moças da vila a Theodoro em um lugar de grande diversão
para eles que estavam com os hormônios à flor da pele, o Cabaré.
Margot chegou da gruta muito feliz e até emprestou algumas moedas de ouro
ao afilhado.
Os rapazes passaram pela casa de Margot e arrebanharam junto deles
Theodoro. Todos seguiram a pé até o Cabaré.
Iam conversando e se conhecendo. Até que num estreito beco Theodoro
avistou a carruagem do senhor Hamburgo, ela era inconfundível. Disse para os outros
seguirem em frente, depois ele dava um jeito de encontrar o “Inferninho”.
Escondeu-se atrás de uma pilha de caixotes que estava na calçada.
“Chico, espere aqui como sempre”, disse Rafael ao escravo.
“Sim, meu senhor”.
Rafael seguiu a pé até uma casa muito formosa, um pouco pequena, mas
elegante. Theodoro estava seguindo-o sem ser percebido.
Rafael bateu na porta, olhando aos lados e para trás verificando que ninguém o
via. Parecia acostumado com isso.
Alguém disse algo de dentro e ele entrou, trancando a porta em seguida.
O rapaz entrou sorrateiro pelos fundos da casa, sem fazer qualquer barulho.
Nem foi percebido pelo escravo que dormia na cocheira junto dos cavalos.
Olhando pela janela, observou Mercy e Rafael aos beijos.
No cabaré, quatro homens conversavam e bebiam vinho, acompanhados das
mulheres que trabalhavam nesse ambiente.
-Rafael não disse mais nada? -perguntou Marcos.
-E seu patrão o que acha disso tudo? -também questionou Augustus.
-Disse que deve ser algum cargo de responsabilidade que a Corte lhe dará. O
prefeito está aos nervos. -respondeu Adrian. Estava fogoso, acompanhado de duas
mulheres uma em cada lado.
-Pois trate de descobrir se algo nos atingirá, está ouvindo cão sarnento. esbravejou Rúbio, como sempre de mal humor.
-Muito obrigado pelas informações, caro amigo. Ficamos agradecidos. Meninas
por favor, façam esse homem ter uma noite maravilhosa e tudo por minha conta...
Cortesia! -Marcos Olivier comprava Adrian.
Adrian agradeceu e foi levado pelas mulheres que sabiam muito bem como
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deixar um homem feliz e satisfeito.
-Um traidor sujo, mas importante para nós. Sempre trazendo informações para
os que moram na ladeira a baixo. -comentou Augustus bebendo um gole de vinho.
Algumas horas depois, quase cochilando Theodoro ouviu o casal se
despedindo. Ele apressou-se para sair dali.
Rafael se despediu de Mercy com um beijo ardente, prometendo como sempre
voltar o mais breve possível.
Saindo da residência da francesa, casa que ele era dono, saiu à rua escondendo
o rosto caso alguém o visse.
Esbarrou-se com Theodoro, assustando-se com o rapaz e ficando sem palavras.
Estava em frente ao portão de Mercy e sem reação.
-Senhor Rafael, boa noite!-cumprimentou o rapaz, disfarçando que andava na
rua e de repente se deparou com o patrão. -Linda noite, não é mesmo? Boa para
diversão!
Rafael mal conseguia olhar-lhe nos olhos. “O que faz na rua rapaz?”
-Fui me divertir um pouco no formoso Cabaré da vila. Lindas mulheres estão
por lá... Vejo que o senhor e a senhorita Mercy também estavam se divertindo. comentou Theodoro, olhando para casa de Mercy que olhava escondida entre as
cortinas. -Sou um homem sem olhos e ouvidos. Um túmulo! Fique tranquilo... Tenha
uma boa noite, senhor.
Após um aperto de mão o jovem Castro deixou o patrão para trás, seguindo o
caminho de volta para casa de sua madrinha. Satisfeito.
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Capítulo 9: Os Beijos.
No Beira Mar, o bar mais movimentado e bem mais visto do Bairro Pirata, um
dos empregados limpava o chão com esfregão, água e sabão.
O bar estava fechado para limpeza, pois na noite passada um grupo de piratas
festejaram ao máximo deixando uma grande bagunça.
Josué fazia a limpeza suspirando, sorridente. Seus pensamentos estavam
voltados numa jovem moradora de uma grande casa na parte de cima da vila.
Seu pai o tirou do delírio da paixão: - Bom dia, meu filho. Mais uma semana se
inicia.
-Bom dia, meu pai. -respondeu o rapaz, um pouco irritado por ter sido tirado
de seu momento de paixão e sonho. -Pois é, o tempo corre.
-Já não faço tanto sucesso como quando era jovem aparecendo no Cabaré. comentou Rúbio lembrando de sua fase juvenil. -Mas você é jovem e sagaz... Por que
não quis ir ontem conosco? Ofélia perguntou de você.
-Ofélia pergunta de todos os homens. Não tenho vontade de ir mais lá. respondeu Josué com rispidez.
-O que está havendo com você? Anda suspirando pelos cantos, risonho,
sonhador?-questionou o pai, pois havia visto que o filho havia mudado.
-Você não acha se eu quisesse falar já não havia dito algo? –o filho se
desvencilhou, continuando o serviço e dando as costas para o pai.
Para o jovem a presença do pai e do meio pirata estavam começam a irritá-lo
como nunca tinham feito antes.
Quinta feira. O dia estava iniciando novamente, o sol estava começando a
tomar força. O céu tinha uma cor alaranjado-avermelhada e leves tons de amarelo,
reação dos primeiros raios do astro-rei.
Os pássaros cantavam felizes por mais um dia de vida. Homens e mulheres
começavam se levantar para depois seguir a seus afazeres e trabalhos.
O cheiro de café se espalhava por toda vila. Os guardas que passaram a noite
cuidando da segurança expiravam o aroma imaginando suas casas, mulheres, filhos e
um bom café da manhã.
Na casa de Margot, ela e seu afilhado tomavam um bom e saudável café da
manhã.
“Eu e Noxa passaremos a tarde toda cuidando dos afazeres do baile e você no
trabalho a casa ficará só... E por falar nele, como está se saindo no serviço?”
“Pensei que seria mais difícil! Estou tendo grande confiança de Rafael
Hamburgo”, Theodoro falou cheio de felicidade e satisfação, “Nunca imaginaria de
quem sou filho”.
“Nem podemos deixar que isso aconteça. Ele iria te perseguir até ver você
expulso de Santos”, temeu a senhora Reghine.
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Escobar estava no estábulo cuidando de alguns cavalos junto de um escravo até
que Malvina apareceu na entrada do ambiente.
O capataz paralisou-se ao ver a imagem da mulher, seu coração palpitou
compassadamente, ordenando em seguida que o escravo deixassem-nos a sós.
“Olá, Escobar. Vim aqui para lhe agradecer, por não ter dito nada sobre aquele
dia que fui à floresta. Um escravo disse a Heitor, mas você foi fiel a mim”, Malvina
agradeceu e como sempre tinha uma voz sútil e calma.
“Não tem o que me agradecer, só não sou uma velha fofoqueira”, contrapôs o
capataz sem jeito.
“Não tive oportunidade até então de lhe agradecer, me desculpe e muito
obrigada!”, após dizer isso Malvina ia saindo, mas Escobar a deteve: “Senhora
Malvina?”.
Ela se voltou. “Sim?”
“O que acharia se eu fosse embora daqui da grande casa dos Martins?”.
“Ora, por que disso? Embora tenha havido a fuga de minha mãe, Heitor tem
imensa confiança em você. Ou haveria outro motivo?”
“Sei que Heitor tem minha confiança, não é esse o motivo. A causa porque
quero seguir embora, é por estar atordoado... Com a mente voltada numa só
questão...”, dizendo isso ele foi se aproximando dela. Ficando corpo a corpo.
Ela se desvencilhou. “Ora essa! Peça a ajuda do padre Inácio, quem sabe ele
possa te ajudar.”
“Senhora Malvina, o que acha de mim?”, questionou ele, pegando-a pelo
braço. “Por favor, me diga, a partir de sua resposta é que tomarei a minha decisão.”
Ela se viu contra a parede, olhos nos olhos de Escobar. Sua boca ficou seca.
“Um bom empregado é o que acho de você.”, respondeu Malvina de uma forma que
não causasse problemas a ambos. Evitando esperanças.
“Era o que eu precisava saber.”, com tristeza nas palavras Escobar soltou o
braço dela.
Indo para um canto do estábulo, segurando as lágrimas, pois para ele um
homem não chorava nunca, virou-se a ela, com raiva, mas uma raiva não dela, mas sim
da vida de não poder viver esse amor. A emoção falava mais alto, seus olhos se
encheram d'água. “Eu te amo, senhora Malvina.”
Ela abaixou a cabeça, estava tentando evitar essa declaração há algum tempo.
“Eu não posso ter nada com você, sou casada. Vivo um casamento feliz e...”.
“Mentira. Ele te trata como se fosse nada. É grosso e sórdido com sua pessoa.”
contradisse ele, pondo-se frente a frente com ela.
“O que sabe sobre minha vida? O que acha que sabe sobre meu casamento, da
vida entre eu e meu marido?”
“Sei o suficiente para saber que você não está feliz vivendo assim ao lado dele.
O modo que ele tratava sua mãe, presa como uma criminosa, só para ela não causar
problemas a ele perante a Coroa e a Inquisição. Ele é horroroso.”
“Olha quem fala, o capataz conhecido como mãos de ferro perante os
escravos!”
“Eu posso te fazer feliz se me der a chance de provar. Podemos fugir, iremos a
um lugar onde ele não possa nos encontrar...” ,dizendo isso com os corpos cada vez
mais próximos um do outro se beijaram.
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O beijo. Um grande beijo. O amor. Dois em um só. O beijo.
Malvina retribui um tapa no rosto do capataz. “Como ousa?” saindo em
seguida o mais rápido possível do estábulo.
Ele viu não ter outro caminho, a distância seria a melhor solução para esquecer
seu amor por Malvina. Seus lábios estavam úmidos.
Chegando em seu quarto Malvina temeu algum escravo ou qualquer outra
pessoa ter visto tal cena... Há tempos não era beijada daquela forma.
“Noxa, onde estão minhas grandes bacias de prata?” questionou Margot.
“No porão, senhora Margot. Mandou-me colocá-las lá da última vez que elas
foram usadas”, respondeu a escrava.
Empunhada de uma vela e um molho de chaves Margot seguiu ao porão. A
fechadura estava um pouco enferrujada e a porta velha rangeu para se abrir. Sinais do
tempo.
O porão. Todo empoeirado, cheio de antigos objetos, artigos e quinquilharias...
Roupas velhas, móveis antigos, livros de célebres autores... Uma espada, memórias
vieram-lhe a mente, memórias que não lhe davam orgulho... Viu uma pequena boneca
de pano que lhe fez recordar de um passado distante, sua infância...
“Onde estão minhas bacias?”, Margot iluminava todo o cômodo a procura dos
objetos. As bacias estavam sobre uma estante coberta por um lençol velho.
“Margot”, disse uma voz atrás de algumas pilhas de livros e caixas num canto.
A senhora Reghine se assustou ao ver a imagem de uma pessoa. Parecia uma
mulher, um pouco corcunda e despenteada. Mas não se via nada além da silhueta do
corpo.
“Salete? O que faz no porão de minha residência?”, interrogou Margot
reconhecendo Salete e não gostando nada da invasão em sua casa. “Sua família está
lhe procurando.”
“Margot vim ao seu encontro, pois preciso lhe falar. Os búzios me mandaram
para cá.” respondeu a velha saindo de trás da pilha de caixas indo junto da outra a fim
de evitar barulhos.
“Você e esses seus búzios! Há quanto tempo está aqui no meu porão?”, Margot
viu uma pessoa suja e abatida, Salete parecia não dormir a dias.
A velha louca tirou de uma pequena bolsinha os búzios, jogando-os no chão.
Margot se afastou de tais coisas, dando alguns passos para trás.
“Eles me mandaram para cá. Querem que evitemos algo. Algo de ruim voltará e
você deve saber de alguma coisa”, o tom de voz de Salete dava a impressão de estar
louca, estava fissurada - Eles sabem que você sabe de alguma coisa. Você sabe qual é
esse mal!
“Está louca?! O que há de voltar? O que há de mal no mundo? E o que eu
saberia sobre os males desse planeta?”, questionou Margot. Ela nunca achou que
Salete fosse louca, sempre acreditou que fosse invenção de Heitor para mantê-la presa,
mas tal cena lhe causava dúvida.
Salete agarrou a senhora Reghine pelo braço levando-a mais próxima dos
búzios.
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“Solte-me, sua louca!”, exigiu Margot.
“Está vendo, aquela imagem ali, veja... É você”, Salete indicou a formação dos
objetos profetizes, “Está indicando que você sabe do que há de voltar... Que já viveu
esse mal, o combateu. Olhe do outro lado, aqueles ali... Mostram que esse mal está
próximo de voltar.”
Margot olhava para aquilo sem entender o que via. Observava pedras, conchas
e garras de animais jogadas ao acaso no chão.
O ambiente se tornou pesaroso. Os búzios ganharam vida, começaram a se
movimentar. De início movimentos lentos aos solavancos, depois de alguns instantes
formaram a imagem de uma caveira.
As duas mulheres se afastaram. Olhos arregalados.
“O mal voltará se não for impedido”, Salete afirmou com medo nas palavras.
Os búzios pegaram fogo e viraram cinzas em uma pequena fração de tempo.
Uma pequena brisa deu um sopro na vela que Margot carregava, mergulhando
o ambiente em escuridão e silêncio.
“Fique aqui, não faça nenhum barulho, preciso tratar de coisas importantes,
mas volto logo. Você não ouse sair daqui”, ordenou a dona da casa.
“Mas precisa fazer algo, alguma coisa para evitar esse mal. Pelo amor de Deus”,
suplicou a velha Salete.
“Já sei o que vou fazer. Você não saia daqui, está sendo procurada pela vila.”,
Margot ia subindo os poucos degraus da escada, e dizendo a si mesma: “Espero que
esses búzios estejam errados”.
Trancando a porta foi surpreendida por Theodoro: “Não ia pegar as bacias?”.
“Ah, sim. Decide não mais levá-las, depois faço o que eu teria que fazer com
elas” disfarçou a senhora, “Você não está atrasado? O que ainda faz aqui?”.
“Vim lhe dizer para ter um bom dia de trabalho.”
“Igualmente, meu querido.”
Margot respirou aliviada quando Theodoro seguiu para o trabalho. Logo depois
deu ordens para a escrava chamar Augustus para comparecer em sua casa ao meio dia.
Na hora do almoço, a senhora Reghine voltou para sua casa depois de tratar de
alguns de seus compromissos e a sua espera estava seu velho amigo Augustus Oswald.
-Muito obrigada por ter vindo ao meu chamado. -agradeceu Margot,
abraçando o amigo.
Estavam na sala da residência desta senhora. Augustus terminava de tomar o
café que a escrava havia lhe servido antes de Margot chegar.
-O que está havendo? Por que tinha tanta pressa em me ver? Algo que nós
moradores da ladeira abaixo devemos saber? -tentando saber mais informações sobre
as novidades que iriam acontecer na vila e que foi pressuposto no jantar na casa dos
Hamburgo, Augustus interrogou a amiga com raiva e ironia nas palavras.
-Do que está falando? Por que me olha com olhares desconfiados e me
pergunta com esse tom de voz? -questionou Margot a ação do outro.
-O que os senhores de Santos tem em mente para o Bairro Pirata? O que um
Representante da Corte faz na vila com Rafael fazendo discursos e mais discursos em
nome da ordem e da lei, um absurdo vindo de tal pessoa! E ainda, guardas rondando
pelos becos e vielas do nosso meio. -ele aumentou o tom de voz. - E você calada! Que
bela amiga é você. Também não seria a primeira vez que trai quem sempre diz
respeitar e ser leal.
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-Isso que está dizendo sobre minha pessoa é uma infâmia! Uma falta de
educação da sua parte! Um sortilégio! Ora essa, acha mesmo que não iria ficar do seu
lado, meu amigo, meu companheiro?! O que eu deveria lhe dizer que vai haver em
Santos, se nem os mais renomados senhores estão sabendo de algo, se não das
palavras de Rafael de “ordem e lei”. Está me crucificando sem dar-me a chance de me
defender. –com as mãos na cintura ela se contrapôs.
Augustus percebeu verdade nas palavras de sua velha amiga: - Desculpe-me,
me perdoe pelos adjetivos pejorativos... Estou com os nervos à flor da pele. A presença
do Representante em Santos e os guardas rondando o Bairro Pirata estão causando
fobia em todos os moradores.
-Fique tranquilo, não sei de nada além do que todos aqui da parte de cima da
vila estão sabendo. Nem ao menos sabia desse fato dos guardas. Acho que eles estão
rondando o Bairro por ordens do Representante, por mais que tenham feito o acordo
com todos vocês de cada um seguir as suas vidas, eles não confiam inteiramente em
palavras e apertos de mãos. E como sabe, a Coroa sempre quer estar acima de todos e
tudo. -Margot acalmou o amigo com algumas palavras de consolo.
-Me desculpe, novamente. Esquecemos este fato... Mas afinal para que me
chamou aqui? -ele seguiu ao assunto desejado por ela.
-Veja só o que a falta de cavalheirismo causa. -ela se aproximou do amigo,
olhando aos cantos, desconfiada. -O que acha da volta do Código?!
Um frio subiu pela espinha de Augustus. Esta pergunta vindo de sua amiga era
algo com o que se preocupar, não eram alguns piratas gananciosos que compravam os
mapas de Olivier e se aventuravam numa saga sem retorno.
A pergunta de Margot fê-lo estremecer, a xícara quase quebrou batendo sobre
o pires por falta de força da parte do homem pelo impressionismo. “Por que essa
pergunta? O Código voltar? Como?”.
-Fui ao porão hoje pela manhã e me deparei com Salete escondida lá entre a
bagunça e o pó, não sei como ela entrou lá, mas o fato é que os búzios profetizaram a
volta de um mal que eu já vive e combati. Os búzios não metem.
-Não acredite em boatos, já ouvi de várias pessoas que os búzios de Salete
erraram quando ela estava livre e atendendo o povo. -ele se tranquilizou. Via os búzios
como charlatões e Salete como louca. - O Código não tem como voltar. Os anéis estão
todos separados. Um no mar com Matarazzo, outro com a filha de Rafael aqui na vila e
o último enterrado junto de Emanuel. A chave está perdida e o Código preso para
sempre.
-Aí é que você se engana. Dois dos anéis estão próximos e um deles é o de
Emanuel. -declarou Margot com dor nas palavras.
As pálpebras de Augustus vibraram por vontade própria. “Ele vendeu o anel
para alguém? Emanuel vendeu o anel antes de morrer?”
-Deu para o filho. Theodoro é filho de Emanuel, veio à vila morar comigo e está
trabalhando ao lado de Rafael, claro sem este saber de quem aquele é filho. Os dois
jovens portadores dos anéis não sabem de nada sobre o valor de tais objetos, ou pelo
menos acredito eu que não saibam. Mas eu vi os búzios dizerem a volta de um mal...
Preocupa-me.
-Pois acredite, eles erram. Fique tranquila minha cara, pois as possibilidades
são nulas de o Código voltar, sabe muito bem das dificuldades que existem para pelo
menos chegar à ilha. A volta do Código é como o Império Romano existir novamente,
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impossível! Mas vamos lá, quero ver o que essa velha louca estava falando.
Os dois se puseram de pé e seguiram até o porão.
-Salete, Salete. -Margot chamou a velha louca.
-Da mesma forma que ela entrou deve ter saído. Ela não está aqui. -confirmou
Augustus atrás de Margot, se deparando somente com pó e utensílios antigos.
Margot ficou estupefata.
Eles saíram o mais rápido possível do cômodo, o pó era tanto que estava
causando irritação nas narinas de ambos.
-Bem, minha querida amiga, vou seguir para o meu estabelecimento, pois
aquilo em horário de almoço deve estar um tumulto e só funciona direito comigo
dominando as rédeas. -Augustus se despediu, trocando apertos de mãos com a velha
amiga - Fique tranquila, não existem possibilidades do Código voltar. Agradeço pelo
café e precisamos marcar alguns encontros para tomarmos algo e relembrarmos um
pouco do passado. Na nossa idade há muitas lembranças.
Margot caiu em pensamentos e temores. “Será possível?”
No centro da vila, na pensão onde o Representante estava hospedado se
encontravam o mesmo e seu auxiliar, mais o Coronel da Guarda, Rafael Hamburgo e
Ottávio acompanhado de seu novo empregado Theodoro.
Estavam numa sala de aparência acolhedora. Uma pequena mesa redonda ao
centro que agora tinha papéis, vinho, queijos e pão sobre ela; cortinas de algodão de
cores azuis; um tapete de segunda mão; diversos assentos espalhados pelo ambiente
cobertos de panos quadriculados, parecendo xales e candelabros de um ferro
resistente em duas paredes opostos.
Os homens conversam de negócios... Apólices, cartas de alforria, mulheres,
senhores de Santos e mandados de prisão.
-Está tudo pronto de minha parte. Meus homens averiguaram os passos de
todos os escolhidos pelos senhores. Sabemos onde eles costumam ir para se divertir,
trabalhar, tudo o que eles fazem. -declarou Samuel Fernandes satisfeito e com os
peitos estufados.
-Devo ser sincero com vocês, meus caros amigos, achei que chegaria aqui e iria
encontrar homens incompetentes e despreparados para tudo o que a Coroa me
ordenou fazer. Mas vejo que estava errado. Achei um absurdo Rafael Hamburgo ter
recebido o cargo de Combatente de Piratas de nossa Colônia. -o Representante não
mediu as palavras, confiante que os homens na sala eram confiáveis.
Ottávio pigarreou. “Querido Representante meça suas palavras. Pois não são
todos nessa sala que gozam de confiança.”, olhando de soslaios a Theodoro.
O jovem Castro não se sentiu bem com a maneira que seu patrão se referia a
ele. Seu semblante se tornou rígido, seus lábios ficaram em linha reta.
-Ora essa Ottávio, falando desta forma até nos ofende. Todos aqui são dignos
de confiança. -interpôs Rafael.
-Ah isso não é nada educado, acabou ofendendo a Coroa se formos analisar a
fundo. -comentou Alberto Benoly, o auxiliar do Representante.
-Não exagere Benoly e só abra a boca quando alguém lhe fizer alguma
pergunta. Não estamos interessados em suas opiniões. -o Representante reprimiu o
87
empregado que se magoou.
-Não quis de forma alguma ofender a Coroa... -Ottávio se defendeu.
-Me desculpe senhor Ottávio, mas acho que está se referindo a minha pessoa e
peço perdão se incomodo em algo. Mas confiança não é algo que se conquista com
facilidade, é ganha com o tempo. -Theodoro usou das melhores palavras, tentando ser
sutil e cordial nelas apesar do ódio que lhe corroía por dentro.
-Boas palavras. Ottávio não se preocupe afinal de contas Theodoro é o nosso
empregado e seu braço direito. -disse Rafael.
-O limito a um mero empregado. -com rispidez nas palavras falou o português.
-Se é de seu gosto e para sua tranquilidade, por favor rapaz deixe-nos sozinhos.
-ordenou o senhor Hamburgo - Mas antes... -escorregou com Theodoro para um canto
e ditou-lhe alguns afazeres: “Vá a minha casa, com cautela e discrição, pegue para mim
alguns papéis que estão na primeira gaveta na mesa da minha sala de cabeças de
animais”.
Theodoro apesar não estar contente com o pedido de Ottávio, bravo era o
sentimento certo, sentiu-se um pouco recompensado pelo fato de ser mandado para
casa de seu patrão, seguindo as resoluções dadas.
-Não tenho confiança nele. Devo reconhecer que não me simpatizo com o
senhor Theodoro. -Ottávio reconheceu a falta de simpatia pelo novo empregado a
apresentação deles não havia sido agradável, como você já lera caro leitor.
-Não seja intrigante, Ottávio, perseguidor. – o senhor Rafael em seguida entrou
em alguns assuntos com o empregado entre fuxicos e sussurros. -Como anda a decisão
de minha filha em relação ao seu pedido?
-Me desculpe senhor por não te por a parte desta história. Mas ainda não
tenho nenhuma resposta de sua filha. -respondeu Ottávio com os olhos baixos e
caídos.
-Tentarei ver o parecer dela... Pois bem, meus caros senhores, voltemos aos
assuntos que por momento são tão importantes quanto o ar que respiramos. -Rafael
seguiu sobre assuntos importantes precedentes ao baile.
Theodoro chegou à casa dos Hamburgo e se deparou com Mercy na saída
desta.
-Olá, senhorita Mercy. Saudades de sua pessoa. - Theodoro tentou ser
agradável, com sorriso em rosto de orelha a orelha.
-Bonjour, mon cher. -ela respondeu como sempre entusiasmada com a
presença de Theodoro. Ah, o encanto e o desejo! -Senti grande saudade de votre
personne, tua pessoa também.
-Ontem estava na minha cama, antes de dormir, pensando na vida e veio-me a
mente como será o presente que receberei da senhorita...
Ela soltou uns risinhos fininhos e cheios charmosos. “Preciso me preparar para
receber visites em minha maison. E aí lhe convidarei para dar uma passadinha e
tomarmos um bom café ensemble, juntos.”
Neste momento os dois estavam tão próximos que cada um sentiu o cheiro do
outro profundamente, os lábios atritando-se e as peles eram quentes.
88
“Mas deixemos bons momentos para o café”, ela desvencilhou-se tentando dar
o troco de outro momento que ela estava empolgada e foi deixada a sonhar por ele.
A porta foi aberta como sempre por uma escrava, Theodoro entrou sem ser
anunciado na casa e seguiu para pegar os papéis.
Abrindo a primeira gaveta, ele pegou-os... Deparou-se com pedidos de prisões
com nomes já destinados.
-Senhorita Mercy, esqueceu-se... -Daniele se deparou com Theodoro,
impressionando-se: - Ah, como vai senhor Theodoro? Não sabia que estava em minha
casa.
-Não precisa me chamar de senhor, simplesmente Theodoro. Como vai bela
Daniele? -ele foi cavalheiro.
Um tanto vermelha e encabulada ela respondeu: “Um tanto cansada com a
aula dada pela senhorita Mercy. O francês está começando a me deixar esgotada”.
-Vá e de uma volta pelo vale. Ele é bem calmo e sua paisagem tranquiliza os
nervos. -cordial, ele fechou a gaveta e se aproximou dela com os papéis em punho.
-Não gosto de ir só com a escrava Nina, gostaria de uma companhia
entusiasmante.
-Pois deixo o serviço as quatro e podemos ir juntos se a senhorita quiser... Não
sei se sou uma boa companhia, basta pagar para ver.
-Ora, não disse com pressupostos e indiretas para o senhor me acompanhar.
-Não estou dizendo que você disse nada, simplesmente acho que sua
companhia seria adorável e gostaria de estar com você.
Ela adorou o elogio, ficando lisonjeada.
Os dois se aproximaram. O ambiente ganhou um ar romântico.
-Fico agradecida pelo convite e adoraria sua companhia. -ela falou com os
olhos mirados nos olhos dele. Ofegante.
-Estarei lá a sua espera. - ele se aproximou ainda mais, tomando ela nos braços.
-Senhor Theodoro... -não podendo resistir mais, ela se entregou. O desejo, os
seus pensamentos sobre este homem ultimamente estava tomando sua mente, a
imaginação de viver um lindo conto de fadas se fazia maior.
Lábios molhados, peles suando, o amor foi refletido no beijo.
-Espero a senhorita, depois das quatro no vale. -ele se desgrudou dela.
Ela esperando mais e de olhos fechados acordou do sonho da paixão que
vivenciava, respondendo abobalhada: “Sim estarei lá”.
-Seja discreta e não fale nada a sua mãe, ela não gostaria de ver-nos juntos.
Ainda mais a senhorita com um pedido de casamento ainda sem resposta.
-Não vou me casar com Ottávio. Não o quero como marido.
-Fico feliz ouvindo isso. Agora me desculpe, tenho que seguir para o trabalho. ele se aproximou novamente relando os lábios de ambos. -Até no vale.
Daniele se viu perdidamente apaixonada. Seu sonho estava se realizando...
viveria uma história de amor.
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Capítulo 10: Perseguição.
Daniele se afobou toda. Animou-se como há tempos não ficava alegre. Avisou
sua escrava de companhia que sairiam à tarde, correu para o seu quarto e começou a
revirar o seu armário atrás de um bom vestido para tal encontro.
Sua mãe adentrou o ambiente sem pedir licenças ou ser anunciada, como
sabemos tal costume era rotineiro.
-O que o forasteiro viera fazer aqui?
-Buscar alguns papéis para o papai. -respondeu a filha olhando em frente ao
espelho com um vestido sobre o que usava, testando para ficar ao seu gosto ou ao
gosto de quem a visse.
-É um absurdo esse forasteiro invadir minha casa de tal forma. Tenho medo de
que roube alguma coisa, não confio nele de forma alguma. Tenho até náuseas quando
estou em sua presença. -Maria Aparecida declarou sua opinião, mas não foi ouvida por
Daniele que estava entretida com a escolha do vestido. -Por que está experimentando
vestidos? Pretende ir a algum lugar?
-Ah... Só estou experimentando. Alguns estão velhos, irei me desfazê-los para
comprar novos. -jogando o vestido sobre a cama, a jovem pegou outro de dentro do
armário. -Pretendo dar uma volta pelo vale, talvez até a praia com Nina, preciso sair
desse tédio.
-Se passasse a se preocupar com assuntos de mais importância não iria entrar
em tédio. Espero que essa sua volta no vale faça você tomar decisões precisas quando
voltar. -Maria Aparecida se retirou do cômodo sem ao menos ter ideia com quem
Daniele iria se encontrar, ou ao menos que ela iria se encontrar com alguém. -Vou ao
Serafim ver como anda a construção de nossos trajes para o Baile, volto mais tarde...
-Até mais tarde, mamãe. -Daniele se viu livre das conversas chatas e
enfadonhas da mãe, e com alegria e animação continuou a pensar em seu preparo
para o encontro e imaginando como ele seria.
Salete tinha ao seu lado Tibério, conversavam em voz baixa. Estavam na mata,
um tanto distante da vila.
Havia uma cachoeira e vários cavalos alados bebiam água dali. Esse era o local
de moradia de tais criaturas.
-Não sei a quem mais recorrer. Estão todos muito tranquilos como se esse mal
já estivesse aniquilado. -Salete falou com preocupação suas roupas estavam sujas e um
tanto esfarrapadas.
-Fui ontem ter-me com Cairus, o centauro, são bons leitores de profecias
através das constelações... E analisando o céu de tempos para cá, ele disse-me que viu
a volta de um mal e mais cruel do que quando viera pela primeira vez, mais forte e
mais sanguinário. Também viu você minha cara amiga... Engendrada na batalha para
combater o retorno de tal mal.
90
Daniele e Nina seguiram a pé. A senhorita feliz e radiante, a escrava estava
preocupada e com medo que alguém pudesse descobrir tal absurdo e desrespeito dos
dois jovens.
-A senhorita está louca isso é um desrespeito e estão se arriscando demais. Mal
conhece esse rapaz e já está se aventurando com ele... Tem o pedido do senhor Ottávio
em questão e sua família não irá aceitar essa relação... -a escrava ia dizendo isso quase
caindo entre os galhos e pedras que estavam no chão.
-Não diga mais nada. Posso estar começando a viver uma bela história de amor
e não vão me impedir. Um pouco de aventura e temor fazem bem à vida. -Daniele
demonstrou o lado bom e aventureiro desse encontro, com um aspecto extremamente
alegre.
Estavam dentro da mata. Após passarem pela mata, acabariam no vale que ia
descendo até a praia.
Daniele sentia o ar entrar em seus pulmões como água quando estamos
morrendo de sede em nossas gargantas, via as folhas mais verdes, o céu mais azul e sol
num tom de dourado incrivelmente brilhante diante de seus olhos, tal astro reluzia
como ouro.
Esse encontro para o leitor pode ser algo simples e bobo, mas peço que pense
nessa jovem garota que nunca havia feito nada além de seguir as ordens de sua família,
uma garota que nunca havia quebrado regras. Esse encontro lhe era entusiasmante, ela
iria se encontrar com um rapaz que estava lhe fazendo sonhar e suspirar como nunca, e
ele era o tipo que não fazia os gostos e escolhas de sua mãe. A rebeldia e
contrariedade típica dos jovens.
Chegaram no vale e se depararam com o rapaz sob uma árvore e um cavalo
amarrado por uma corda nela.
Os cumprimentos formais foram feitos e os dois jovens decidiram dar uma
volta. A escrava ficou só, balbuciando palavras de irritação e medo.
“Já conhecia o vale?”, indagou ela, disfarçando o olhar ao longe.
“Não tive a oportunidade de percorrer nada além de alguns pontos da vila.
Mas posso conhecer vários lugares a partir de agora e com uma companhia muito
agradável”, ele então foi sedutor.
“És tão galante e sedutor. Mas não sei se vale a pena correr riscos para te
encontrar novamente”.
“Também não sou do tipo que persiste ou força algo, respeito as escolhas das
pessoas. Se é assim que queira não deve mesmo correr riscos... Mas devo confessar
que para ter você ao meu lado seria capaz de passar sobre riscos e dificuldades”.
“Senhor Theodoro há pessoas em nossas vidas que são especiais e aquelas que
são apenas pessoas. Você está se tornando alguém... Mais que especial”.
“A senhorita não sai da minha mente... A sua imagem dominou meus
pensamentos...”.
“E o trabalho? Como vai? Trabalhando muito?”, ela tentou desviar o assunto,
pois estava ficando encabulada.
“O bastante e o permitido pelo senhor Ottávio. Não ganhei a confiança dele
ainda... E o pedido feito por ele a resposta já foi dada?”
“Não quero falar sobre o Ottávio, por favor... Você e papai se interagiram muito
bem, não é mesmo?!”.
91
“Tratamentos de patrão e empregado... Podemos também não falar de
trabalho? Não é entusiasmante e não combina com a senhorita este assunto”.
Chegaram numa ribanceira que tinha o mar abaixo e em frente o azul brilhante
que se juntava no horizonte com o azul claro do céu. Dali se via o contorno da praia
pela esquerda e uma gruta pela direita. Tal gruta era dominada pelas águas do mar e
por grandes pedras. Ela era escura e sombria.
“Que lindo! Nunca havia vindo aqui, magnífico!”, admirou Daniele, “Dá até para
ver a gruta do velho Jones”.
Lembrando de que aquela era a gruta que Margot sempre visitava aos
domingos, Theodoro sentiu curiosidade. “Quem foi Jones? Que gruta é essa?”
“Jones foi o primeiro homem a desembarcar aqui em Santos, apaixonou-se por
essa terra e passou a viver aqui. Até que o tempo se decorreu e ele morreu. Morreu
dentro da gruta e dizem que o fantasma dele está lá... Lendas”.
Theodoro observava a caverna, tinha ares intrigantes, capaz de enlouquecer
um curioso e de afastar um medroso.
“Bela paisagem! Cenário perfeito para dois apaixonados viverem uma paixão!”,
se aproximou ele de Daniele segurando a mão dela.
Ela ficou novamente sem jeito. Suas bochechas coraram-se, suas mãos
começaram a suar frio e tremores dominaram seu corpo.
Theodoro observou o anel na mão dela e ficou surpreso. Escondendo sua mão,
guardou o seu anel, sem ela perceber. Voltando em seguida a segurar a mão da jovem.
“Lindo anel, mais um dos vários que deve ter.”
“Ah, esse anel...”, ela sentiu-se mal, veio-lhe a mente os pesadelos, “É um
simples anel, um dos mais vagabundos que possuo, mas como foi presente de meu pai,
dado no meu baile de quinze anos, ainda mantenho-o em meu dedo”.
Theodoro viu que a moça não sabia o valor de tal objeto, muito menos a
história que o cercava. “Para a senhorita que possui uma infinidade de joias, essa deve
ser mesmo uma bugiganga. Mas não vamos nos embrenhar em suas joias e adereços,
pois não sou muito bom nesses assuntos. Vamos falar de você, de sua beleza e
carisma...”.
“Ora essa não me faça parecer um bibelô!”
“És uma donzela!... Que anda a dominar meus pensamentos e sonhos”,
largando a mão dela, ele virou-se para o lado, “Não sei se devemos prosseguir com
isso, pois posso estar me iludindo e depois não poder saciar o amor que está brotando
dentro de mim.”
“Ora essa, não é do tipo que luta pelo quer? Ou deixa a vida dar-te o que
sobrar?”
Juntos, rosto a rosto, ele segurou-a pela nuca, bocas próximas...
“Parece um conto de fadas. Uma história clássica medieval... A donzela rica que
se apaixona pelo plebeu...”.
“... Ou seria o plebeu que se apaixona pela donzela rica?”, contradisse ela
radiante, muito apaixonada.
“Hoje se dá início a história, uma bela paisagem é um cenário perfeito...”.
“Personagens bem definidos...”.
“Só falta algo para acalentar os corações dos apaixonados que presenciam a
esta estreia...”.
“O que seria?”.
92
“Um beijo”.
E assim eles se beijaram calorosamente.
Crepúsculo.
A noite já se fazia mais forte que o dia. Meia rotação a Terra já executara, em
algumas horas um novo dia se iniciaria.
No convéns a maioria dos tripulantes tinham a atenção voltada para Sebastian
Munch.
-Não é possível que acreditem ou confiem nesses dois idiotas, infantis, inúteis
para comandarem esse navio. Não é porque são filhos de quem são, que a capacidade
e a coragem tenha passado a eles. -Sebastian dominava as palavras e usava de tons
ofensivos e sórdidos a fim de pressionar os marujos e conseguir apoio total.
-Eu acho o mesmo, não devemos confiar em pessoas que não conseguem
decidir nem mesmo um posto dessa embarcação. Imaginem num momento que
tiverem de tomar decisões sérias, como em disputas e em roubos. -Danton apoiava o
comparsa, ajudando na manipulação, uma superação, pois tinha dificuldades em
balbuciar boas e firmes frases.
-Decidam quem vocês querem de capitão e apoiem-no. Ele deve ser um
homem de pulso firme e que sabia tomar boas decisões, que não seja bom somente a
ele, mas sim a toda tripulação. -Munch encorajava os homens a lhe apoiarem
indiretamente.
-Mas quem poderia ser esse homem? -indagou um dos marujos.
-Mas que aglomeração é essa? -Giulia se deparou com um convéns abarrotado
de seus homens atentos em Sebastian com este no centro de todos. -Todos ao
trabalho, temos muito o que fazer, estamos próximos do Brasil.
Os homens começaram a seguir para seus postos. Obedeciam Giulia com os
merecidos méritos.
-Meu capitão como está? -Sebastian pretendeu atiçar Giulia. -Como andam as
soluções dos problemas?
-Não há soluções, pois não há problemas. Siga ao seu trabalho Sebastian...
-O desinteresse é uma grave falha para um capitão.
-Do que está falando, sacripanta?
-Ele está querendo dizer da dissolução de poderes. Que não existem dois
capitães num navio. -Danton interferiu ajudando na resposta e na tentativa de
irritação.
-Pois bem, o Minerva é uma lenda sobre as águas e agora terá mais uma
história para contar, a presença de dois capitães...
-A questão está aí, com mais essa história podem levar o Minerva a se tornar
finalmente um mito. -Sebastian alfinetou.
-Meu pai transformou o Minerva numa lenda, nada mais justo que seus filhos
ponham fim nesse navio e façam finalmente ele virar um mito -a jovem capitã
respondeu em retaliação, seu semblante tornar-se rígido. Depois ordenou novamente:
-Volte ao trabalho Sebastian.
-Não foi com maestria, proeza e coragem que Matarazzo transformou o
93
Minerva numa lenda, mas sim por sorte e chances da vida. -Sebastian persistiu na
tentativa de irritar Giulia, e de braços cruzados ele esperou uma retórica.
Num piscar de olhos, Giulia colocou a ponta da espada no pescoço de tagarela.
-Nunca ouse falar o nome do meu pai, seu imundo. O nome de Pedro
Matarazzo não é osso para ficar na boca de cachorro vira-lata. -as veias dos olhos dela
pulsavam.
Os marinheiros ali presentes viam a discussão penetrados, imóveis, pela reação
de Giulia e pelo o que ela poderia fazer ao pescoço de Munch.
-Agora siga ao trabalho e mais uma palavra sua, arranco-lhe a cabeça de seu
corpo velho e depois jogo para os peixes comerem.
Luigi e Bartolomeu chegaram ao convéns no momento do impasse.
-O que está fazendo maninha, testando sua espada no pescoço do senhor
Sebastian?! -Luigi ironizou a situação.
-Giulia pare já com isso. -Bartolomeu ordenou. -Basta!
Ela aos poucos abaixou a espada. -Todos ao trabalho... É UMA ORDEM.
Os homens saíram em disparada esbarrando-se uns nos outros.
Sebastian e Giulia se enfrentaram no olhar. Ele seguiu aos seus serviços, com a
mão no pescoço, acompanhado por Danton que lhe amparou.
-Imundos! -disse Giulia.
-Você o enfrentando dessa forma só estará fazendo o que ele quer. Bartolomeu limpou o suor do rosto. -Por a tripulação contra vocês dois, é o que ele
pretende.
-Pois ele não vai conseguir. Ele pensará muito antes de querer me confrontar
novamente, pois da próxima, eu o mato. -ela seguiu ao quarto do capitão no andar
superior esbarrando no irmão, carrancuda.
-Mulheres em tempos assim são um perigo com espadas em punho! -exclamou
Luigi tentando explicar a ira da irmã devido a ação do sistema hormonal.
Os dias passaram... Sol, Lua... Dia, Noite...
Os encontros de Daniele e Theodoro acobertados pela escrava Nina
aconteceram com muito entusiasmo por parte daquela. O casal estava apaixonado e
estavam vivendo intensamente o romance.
No navio Minerva, o clima se tornava cada vez pior. Pois as contradições entre
as ordens de Giulia e Luigi aumentavam, fazendo os planos e artimanhas de Sebastian
progredirem como desejados. Mesmo que Bartolomeu, sempre com voz de comando,
interviesse nas discórdias a situação não melhorava para os irmãos Matarazzo.
Ottávio estava triste, pois suas tentativas de se aproximar de sua amada eram
em vão.
Os encontros entre o Representante e Rafael se davam todos os dias depois da
chegada daquele. Entretanto, devido a progressão dos planos estavam um pouco
relaxados.
94
Domingo, dia de missa e presença maciça da elite de Santos na igreja, sete
horas da manhã.
Agora Theodoro postava-se nas cadeiras da frente, lisonjeio das famílias mais
tradicionais e importantes. Ficava ao lado de sua amada.
“Pai nosso que estais no céu... O que vai fazer hoje?”, perguntou Daniele,
atenta para ninguém ouvir a conversa.
“Santificado seja o vosso nome... É melhor não nos vermos hoje. Estamos nos
encontrando com muita frequência... Seja a vossa... Daremos muito na cara. Vemo-nos
amanhã”, respondeu Theodoro.
“Tudo bem... Amém.”
Ela pôs a mão sobre o auxílio e ele camuflou o delicado membro dela em
seguida com a sua mão máscula, grande. E Maria Aparecida presenciou a mão de sua
filha escorregar entre os dedos do forasteiro.
“Irmãos e irmãs, estamos todos reunidos aqui hoje, para a celebração...”.
Com um véu branco na cabeça, roupas limpas e de aparência nova, Salete
entrou na igreja, fazendo a reverência obrigatória e sentando-se num banco.
Todos ficaram impressionados. Além da “velha louca”, como todos a intitulam,
estar desaparecida há dias, ela era uma cultuadora das artes das traves e ritos
satânicos, e estava ali na casa de Deus. Que absurdo, que pecado!
Malvina ao lado do marido tornou-se branca e sem reação. Heitor se encheu
de fúria.
“O que ela está fazendo aqui? Pensei que havia morrido!”, praguejou o senhor
Martins.
“Irmãos e irmãs, vocês devem estar espantados diante de tal cena. Essa
senhora reunida entre todos nós a fim de louvar a Deus, nosso pai, é um fato raro”,
padre Inácio explicou, “Pois bem, explico a todos vocês que essa mulher está em busca
da redenção e perdão de Deus. Pois há alguns dias, ela me procurou e como todos
vocês meu espanto foi tremendo. Mas nas palavras dela presenciei a verdade e a
necessidade do encontro com o nosso pai... Logo me confessou que o demônio
dominava seus pensamentos e ações. E na tentativa de se salvar, fugiu em busca de
algo que ela depois enxergou que somente acharia aqui na casa do nosso senhor...
Deus a perdoou meus amigos, e nós simples mortais e homens devemos fazer o
mesmo...”.
“Que besteiras ele está dizendo. Ela conseguiu ludibriá-lo. Sua mãe é a pior
coisa na minha vida”, Heitor estava com muita raiva que se mesclava com medo, e
torturava a esposa com tais palavras ofensivas e depravadas, “Não sei onde estava com
a cabeça quando decidi me casar com sua pessoa!”.
“Mas, ainda há muito o quê fazer. E ela está disposta e com forças para isso, e
sabem por quê? Pois ela encontrou o caminho de Deus finalmente. Fará suas
obrigações perante o Santíssimo, e caminhará como filha dele novamente. A ovelha
desgarrada retorna por vontade própria... Bem, continuemos nossa celebração,
abrindo nossas bíblias no capítulo...”.
Salete abriu o livro com toda tranquilidade do mundo a fim de acompanhar as
palavras do padre. Os quais se sentavam próximos dela afastaram-se com medo e o
resto das pessoas a olhavam de esquivo.
No fim do culto divino o burburinho era tamanho, as senhoras começavam a se
95
aglomerar para cochichar.
Margot que nunca faltava a uma missa no domingo de manhã olhou Salete
com desconfiança, pois o encontro das duas no porão daquela ainda era recente. A fim
de evitar mais comentários a senhora Reghine decidiu que em outro momento teria
uma conversa com a ovelha desgarrada, conforme as palavras de padre Inácio.
Seguindo então à sua rotina dominical, Margot seguiu à gruta.
Daniele e Theodoro seguiram lado a lado, como dois adolescentes
apaixonados, quase de mãos dadas para fora do templo.
“Onde Margot sempre vai depois da missa?” ,perguntou a jovem vendo a
carruagem da senhora Reghine se desaproximar.
“À gruta do velho Jones, não me pergunte o que ela faz lá”, disse Theodoro tão
intrigado quanto a moça.
Malvina abraçou a mãe com muito amor, pois pensava que ela nunca mais iria
voltar.
-Mamãe que saudade. -celebrou a filha, apesar de temerosa das futuras
atitudes do marido em relação a tal retorno.
-Ora fico feliz. Pois nem fiquei quinze dias fora e já sentiu saudades de minha
pessoa - declarou a mãe, retribuindo um abraço tão caloroso quanto o da filha.
-Menos de quinze dias infernais! Onde estava minha sogra, fazendo uma
viagem para relaxar os nervos? -segurando as mãos e o ódio que sentia, Heitor indagou
a sogra com os olhos quase a saltarem fora.
-Me desculpe Heitor, mas sou grande o suficiente e não preciso dar explicações
de minha vida. Pois agora sou uma mulher livre e normal perante todos. -Salete foi
curta e direta.
-A sua ingratidão me dá nos nervos, é assim que retribui quem há tanto tempo
lhe deu comida, cama e roupa lavada. -interpôs o genro.
-Agradeço, como tinha escrito na carta. Mas a partir de agora se preocupe com
seus negócios e sua vida. Tente ser mais gentil e amável com sua esposa a fim de
tornar boa a vida pessoal de vocês.
-Ora estão vendo, como eu sempre disse, ela precisava da presença de Deus
em sua vida para se tornar uma boa pessoa. -Padre Inácio interrompeu a discussão
familiar.
-Graças a chance de padre Inácio é que hoje sou uma mulher livre e comum. –
Salete disse isto encarando Heitor. Depois, voltou-se à filha e informou:- Minha querida
filha, estou trabalhando e morando na pensão. Cuidando da limpeza e arrumação,
tenho um pequeno quartinho no fundo, mas que por momento é suficiente. -Salete era
carinhosa com a filha, afagando-a. - E quando tiver uma folga, posso te fazer uma
visita, mas é claro se meu genro permitir a minha pessoa entrar em vossa casa.
Heitor se deparou com o padre esperando uma resposta conivente com a
situação, engoliu seco e disse: - Sim, será bem recebida no leito de meu lar.
-Pena não poder ficar mais aqui matando a saudades de você minha querida,
preciso voltar ao trabalho. A pensão com o Representante é uma correria. Bem, mando
avisar quando for visitar vocês. -dando um beijo na testa da filha, pedindo a benção ao
padre e trocando um forte aperto de mão com Heitor, Salete se retirou da casa de
Deus.
-Mamãe está muito bem, é outra pessoa. -Malvina acreditou na nova Salete.
-Com sua mãe um pé atrás nunca é segurança demais. -Heitor foi ríspido. E
96
logo depois, ordenou Adrian seguir os passos de sua sogra para confirmar se a mesma
estava instalada e trabalhando na pensão.
As famílias andavam na praça. Separadas em grupos, os quais eram mais
íntimos ou que lhes convinham socialmente.
Heitor e sua esposa andavam juntos das mais importantes famílias, sendo em
alguns momentos motivo de chacota devido Salete. Até mesmo pelo Representante,
dos quais ele tentava ser brincalhão do mesmo modo.
-Caro senhor Martins fiquei sabendo dos problemas que sua sogra tinha, devo
confessar que é mesmo um milagre que ela tenha se recuperado. Louca como
acreditavam que fosse, poderia passar a mazela a sua família e até mesmo ao senhor.
Risos.
-Devo sobressaltar querido Representante que ela não me deixou louco, mas
alguns cabelos brancos criaram em minha cabeça.
Maria Aparecida vendo a proximidade de sua filha e Theodoro preocupou-se:Daniele fique do meu lado, e não saía daqui... Nada de reclamações, estou mandando.
- despejando olhares doloridos sobre Theodoro.
O almoço na casa dos Hamburgo teve a presença do Representante e seu
auxiliar, que comiam como animais famintos.
O bar Beira Mar como sempre lotado nesse horário e no decorrer da tarde,
pois grupos de piratas se grudavam como carrapatos nas cadeiras e bancos do
estabelecimento e só saíam quando expulsos.
Rúbio pediu licença para entrar no cubículo que era conhecido como o quarto
de Josué. O rapaz parecia ter sido pego de surpresa, estava a revirar alguns objetos.
-Com licença meu filho. -pediu o pai.
-Entra. -Josué respondeu com pressa a fim de guardar uma pequena caixa, que
na correria caiu no chão.
-Oh... Josué cadê as moedas que lhe dei de presente? -Rúbio questionou a
presença de tais objetos, surpreso. Pois naquela caixa o filho guardava três moedas de
ouro dadas por ele em outros tempos, moedas de muito valor, de uma aventura
ariscada vivida por tal velho.
-Ah... As moedas... -Josué pegou a caixa e a enfiou num monte de artefatos que
se exprimiam num canto. - As vendi.
-Vendeu? Mas como? Eu dei para você de presente. -o pai sentiu-se
menosprezado.
-Pois é, como você mesmo está dizendo, meu presente e faço o que bem
entender. As vendi, estava precisando de dinheiro.
Rúbio agarrou o filho pelo braço: - Por que anda tão ríspido e arisco assim? O
que está acontecendo? Por que precisa de dinheiro? Anda me tratando com sete
pedras na mão e outra escondida entre as mangas, o que está acontecendo? Ora essa,
eu sou seu pai e mereço algum respeito, mesmo que façamos parte de um local como
esse bairro que é cercado de ladrões, bandidos e delinquentes de todos os tipos...
-Pois é, pode ser esse o problema, esse lugar. Estou pensando se devo
continuar cercado por toda essa corja. - Josué encarou o pai com raiva.
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-Não fale nesse tom insolente, pois todos esses homens são iguais a mim.
-Não me lembre desse desgoste, por favor. -o filho puxou seu braço e escorreu
do cômodo.
Rúbio sentiu pela primeira vez na sua vida vergonha de ser quem era e ter um
passado como o dele. Não estava entendendo o filho, ele parecia ter vergonha de ser
filho de quem era e morar onde morava. Não entendia o porquê de tanta revolta.
Tristeza!
À noite como de costume, os três companheiros: Marcos, Rúbio e Augustus
seguiram para o cabaré; ambiente do qual eram mais conhecidos do que ouro nos
corpos das senhoras da elite de Santos.
Eles receberam as notícias e novidades por Adrian que não eram muitas e nem
tão importantes. Beberam e cada qual seguiu a fim de saciar sua gana física e anciã
hormonal com as mulheres de tal antro. Menos Rúbio que remoía as palavras do filho
na mente. Ele sentia-se com muita vergonha e muito infeliz.
Seguiu calmo e tranquilo para casa que era os fundos do bar, pensando...
Graças ao seu irmão Augustus, ele e o filho tiveram onde morar e trabalhar. Pois apesar
de tanto tempo na vida pirata atrás de saques e roubos, acabou como começou, sem
nada.
O céu estava estrelado, com algumas nuvens ao longe dando prenúncios de
chuva.
Tal figura ia passando pelos becos do bairro e ouvindo gatos virando lixos,
cachorros latindo, um assovio de algum pássaro noturno, os gemidos de um casal
animado e a gritaria e discussão de um outro um pouco distante dali. O barulho das
ondas do mar batendo no pequeno porto de madeira, o cheiro de peixe fresco e a brisa
úmida, eram coisas que lhe davam saudades.
Um vulto passou em suas costas, alguém estava lhe seguindo.
O velho pirata ficou alerta, ouvindo o barulho dos passos da pessoa, querendo
premeditar qualquer movimento.
Um guarda da vila estava o seguindo. Vendo Rúbio virar um beco, o guarda
seguiu atrás. Até que foi pego de surpresa, agarrado pelo pescoço, pelas costas,
sufocado.
-Por que está me seguindo? Quem mandou você me seguir? -Rúbio ainda
apresentava um pouco da maestria e força que tinha das aventuras oceânicas.
Com dificuldade de responder, o homem da lei explicou:- O Coronel... O
Coronel da Guarda mandou-me seguir os seus passos e saber onde costuma ir.
-Por quê?
-Eu... Não... Sei...
Tirando a arma do guarda, Rúbio o empurrou e ele escorregou para o chão.
Apontando o revólver para o seu seguidor, o velho pirata ameaçou: - Pois, avise ao seu
superior que estou esperando respostas dele e toda a elite da vila, uma explicação para
tudo isso que está acontecendo. Pois se uma vez nós piratas já invadimos e dominamos
essa vila, para fazermos isso e quebrarmos o acordo, por safadeza de vocês, é preciso
menos que uma embarcação!
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O guarda amedrontado ouviu as palavras do velho sem tirar os olhos da arma.
-Agora suma daqui, seu miserável, antes que lhe enfio umas balas no rabo. E
avise também ao seu superior para ele enviar um homem de verdade para me seguir
ao invés de uma marica.
O homem fardado levantou-se com receio, até que Rúbio deu um tiro para
cima e o guarda saiu às carreiras.
Rúbio cuspiu no chão de nojo dos senhores de Santos e pensou que a situação
não estava tão cordial e calma entre os dois opostos da vila, como definia o acordo
feito no passado.
99
Capítulo 11: Theodoro e Daniele.
Theodoro sentia frio. A sensação de conforto e o calor entre as cobertas do
seu quarto na residência de sua madrinha pareciam ter desaparecido.
Abriu os olhos, mas mesmo assim não conseguiu ver nada. Tudo estava escuro,
um breu.
Começou a tatear. O local estava úmido, gelado, tinha a textura de pedras
ásperas, exalava um cheiro de mofo, parecia estar numa caverna.
Equilibrou-se nas duas pernas e se postou pelo rumo em que a parede seguia.
-Olá têm alguém ai? -Luigi gritou e sua voz ecoou ao longe. Não conseguia ver
nada, estava tudo escuro e gelado.
Daniele acordou com uma voz um tanto distante gritando, a tentativa de ver
algo foi em vão. Sentiu o desespero comum aos sonhos, realidade, que vinha tendo.
Um frio subiu por sua espinha, ouviu algo próximo, parecia o rastejar de algo muito
grande, um animal imenso, uma cobra gigante.
Começou a andar devagar sem dar sinais de sua existência ali, e o bicho
continuou sua trilha calmamente.
Ela sentiu algumas folhas, parou, respirou fundo e o animal passou por sua
frente sem sentir a presença dela.
-Alguém por aí?- Luigi gritou novamente.
Daniele parou após ouvir o chamado. O animal também paralisou.
Novamente alguém chamava. Theodoro com as pupilas dilatadas pela ausência
de luz parou de andar para melhor ouvir de onde vinha tal voz.
-Olá. –Luigi estava começando a ficar com medo.
Theodoro seguiu a voz. Estava assustado não sabia onde estava, de repente
apareceu neste local, pois à noite estava na casa de Margot... Que horário do dia era?
Onde estava?
A imensa cobra ouviu os gritos e mudou de rumo. Olhou para a direção da voz,
seus imensos olhos prateados avistaram Daniele atrás de si.
A moça observou os pontos brilhantes na escuridão e percebeu que sua
presença já não era um mistério ali. Saiu correndo ao acaso na escuridão.
Theodoro viu algo brilhar na sua frente, parecia ouro.
Luigi andava e gritava por alguém, até que observou uma claridade amarela,
parecia um leve raio de sol ao nascer do dia. E assim pode ver que estava numa
caverna. Fezes de morcego cobriam o chão, água escorria pelas paredes e ao que mais
andava a claridade aumentava. A luz se tornava um ouro celestial brilhante.
Daniele começou a gritar e viu uma luz no fim do túnel. O bafo do animal atrás
dela esquentava sua nuca, tentou rezar, pedindo para continuar vivendo.
Ela caiu num buraco e viu que estava numa caverna. A luz tinha uma tonalidade
de ouro. Seu corpo doía, mas logo se levantou, pois tinha um monstro a perseguindo.
A imensa cobra caiu do teto da caverna e sua estrutura herbácea era colossal.
Ergueu sua cabeça e mostrou os dentes, pretendendo atacar a jovem. Mas uma pedra
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bateu em sua narina vegetal.
-Ei seu bicho estranho, deixe-a. - Luigi desafiou o monstro, tentava salvar a
moça acuada.
Theodoro que chegou por um caminho a esquerda tentava se proteger e ficar
escondido. Viu que correntes de ouro amarravam algo, mas ele não conseguia ver o
que era de onde estava e parecia que o animal estava tentando proteger tal algo.
Daniele respirava com muita rapidez e o animal encarou-a enquanto Luigi
berrava.
A cobra com muita rapidez enlaçou Daniele e jogou-a para cima que se
confrontou contra a parede, e depois o animal rastejando como muita agilidade seguiu
atrás de Luigi que correu. Entretanto este foi pego e voou com o rosto contra o chão.
Theodoro viu tal cena com imensa surpresa, o medo começava lhe corroer. E se
tal animal quisesse lhe perseguir?
Mas, sentiu algo em sua cabeça... Pernas, oito pernas. Uma aranha formada de
folhas e galhos verdes caminhou sobre seu rosto. Susto!
O jovem Castro acordou no quarto da residência de sua madrinha suando frio.
Luigi acordou no centro do convés. Todos os marujos olhavam-no de olhos
arregalados. O filho de Matarazzo estava molhado e cheio de folhas.
Rafael estava na sala no primeiro andar de sua casa, tentava cochilar, mas a
preocupação com os planos de Santos lhe corroíam a mente. De repente o pouco do
sono que tinha desapareceu-se e os gritos de sua filha perpetuaram-se pela casa. O pai
seguiu para o quarto da filha e ao abrir a porta viu Daniele flutuando sobra a camae
seu anel brilhava como fogo em palha seca. Braços e pernas abertos e gritando, mas ao
ouvir que as escravas subiam as escadas correndo para acudir a jovem sinhazinha o
senhor de Santos correu para trás de uma pilastra, não querendo ser visto.
“Meu Deus, proteja minha garota daquela ilha infernal”, pediu o pai temeroso.
As escravas se depararam com a mesma cena que Rafael topara e ficaram muito
assustadas. Daniele gritava até que caiu com muita força sobre sua cama, acordando, e
o anel parando de iluminar.
Nina e Zilda acudiram a jovem senhora e Maria Aparecida logo entrou no
recinto, depois de alguns segundos o marido.
-Que gritos foram esses?- interrogou a mãe assustada, com vestes de dormir e
cabelos desarrumados.
As escravas e a garota se entreolham, Rafael não balbuciou nenhum som.
-Pesadelos, senhora. - respondeu a velha escrava Zilda tentando abafar os
pesadelos que há dias Daniele estava enfrentando.
Logo pela manhã Daniele havia combinado de se encontrar com Theodoro no
vale e tomou a decisão de sumir com o anel depois do ocorrido da última noite,
parecia evidente que tal objeto era o meio com que chegava no local de seus
pesadelos.
-Não vai mesmo tomar café-da-manhã, minha querida? Está melhor agora? perguntou Maria Aparecida sentada à mesa e degustando uma fatia de mamão,
demonstrando tranquilidade e normalidade como se nada tivesse acontecido na noite
101
passada.
-Não estou com fome minha mãe e tenho pressa em andar agora pela manhã,
pois à tarde tenho aulas de francês.
A jovem Hamburgo saiu acompanha de Nina que falava da cena ocorrida
durante a madrugada e que os encontros com Theodoro eram perigosos.
Maria Aparecida depois de engolir um bom tanto da fruta levantou-se e seguiu
à cozinha, e pedindo para Zilda chamar o escravo Chico.
-Negro, siga minha filha e a escrava e descubra o que tanto elas vão fazer no
vale. – ordenou a Sinhá.
Após o escravo dizer à Zilda o quê Maria Aparecida havia lhe ordenado a
escrava se amedrontou, pois sabia que Daniele se encontrava no vale com Theodoro. A
negra tentou impedir Chico, mas ordens da senhora Hamburgo eram cumpridas a risca
e com urgência, interpôs o escravo.
Daniele cavou um buraco com a colher que a escrava levara entre as roupas.
Enterrou o anel na pequena cova na mata que tinha antes do vale, entre as grandes e
exteriores raízes de uma árvore.
-Nunca mais eu quero ver esse anel. -Daniele tapou o buraco. O anel havia sido
enterrado. -Vamos seguir em frente Nina.
As duas seguiram o caminho que sempre faziam para os jovens amantes se
encontrarem.
Daniele seguia satisfeita e aos flashes as imagens do transtorno da noite
passada lhe doíam na mente.
-Espere. -a escrava de companhia paralisou-se. -Tem alguém nos seguindo.
Daniele logo pressupôs que foram ordens de sua mãe para segui-las.
-Se esconda ali. Vou ver quem é. - ordenou a escrava.
Daniele seguiu as regras da outra. Nina foi com cuidado foi atrás dos passos do
seguidor.
Chico ia seguindo Daniele e a escrava... Presenciou que elas enterraram algo, e
depois de alguns minutos elas desapareceram, não havia mais sinal delas.
Ao acaso, ele foi surpreendido com dois oi. Eram Daniele e a escrava.
O escravo se assustou e ficou sem jeito.
-Ah Chico, aposto que mamãe nos mandou seguir. – disse Daniele com um
sorriso no rosto.
Os três seguiram para a mansão de volta. Chico entrou pelos fundos e as duas
pela frente.
Daniele entrou rindo e Nina de cabeça baixa. Maria Aparecida estava sentada
numa poltrona.
-Como foi o passeio? Rápido. -comentou a mãe.
-Rápido, mas prazeroso. Tirando o mal fato de sentir que estávamos sendo
seguidas, mas não passou de impressão. Vou subir e estudar um pouco antes da
chegada da senhorita Mercy.
Maria Aparecida humilhava o escravo:- Imprestável, imundo, por isso são
chibatados. Só assim para se domar e fazer vocês, animais, cumprirem nossas ordens
102
com êxito e sucesso. Saia daqui desapareça da minha frente.
Sentindo que Daniele e Theodoro estavam se encontrando e tal ideia junto com
a raiva de incapacidade do escravo lhe borbulharam o sangue.
“Nunca mande um homem fazer o trabalho de uma mulher.”
O sol já estava quase no centro do céu. No Minerva o trabalho era intenso e a
vontade de chegar no Brasil era muita.
Giulia dava ordens aos seus homens. -Isso virem o galhardete...
Estava no leme, sua imponência era de líder, um verdadeiro capitão.
-Saiam daqui, desapareçam seus idiotas! -uma voz num tom alto e um tanto
mole esbravejava subindo a parte superior do navio.
Giulia viu alguns piratas tentarem segurar o revoltado, mas os homens não
conseguiram.
-Chamem aqueles dois idiotas, quero vê-los duelarem comigo.
Da cabine do capitão surgiram Bartolomeu e Luigi.
-O que está havendo aqui, homens?- a capitã interrogou os marujos que
rodeavam o esbravejado que tentava se esvanecer deles.
-Capitão, o senhor Munch bebeu um pouco mais que o normal e do que ele
aguenta...
-Me larguem seus paus-mandados desses dois incapazes e incompetentes. Sebastian Munch empurrava todos e seguiu ao encontro com Giulia. -Aí está você.
Como vai minha capitã?... O seu convite para duelar ainda está de pé?... Pois não
aguento mais ter que servir dois imundos e fracos como a senhorita e seu irmão.
-Não me faça usar a força contra um bêbado... Pegue seu rumo e cale-se. Giulia segurou os punhos e a espada na bainha.
-Segurem-no, homens. Levem-no para o convés no seu canto para descansar. –
interferiu Bartolomeu, pois deduzira que essa façanha fazia parte do plano de Munch
para conseguir o cargo de capitão.
-Tirem as mãos de mim. -Munch equilibrava-se nas pernas, bambeando um
tanto para os lados.
-Não lute com ele Giulia, é isso o que ele quer. -falou Luigi que via na situação
algo sério.
-Munch, vá deitar no seu canto e recupere-se. -dizendo isso a pirata tentou
retornar para o posto de controle, mas foi detida por Sebastian que a fisgou pelo
braço.
-O que há com você, minha capitã, ex daqui alguns minutos... Negando
batalha? Com medo de perder? Medo, a menininha Matarazzo! -o pirata alcoolizado a
encarou no fundo dos olhos.
Bartolomeu observou tal situação e viu que não haveria como mais evitar o
confronto entre os dois.
-Giulia irá massacrá-lo! -exclamou Luigi.
A jovem Matarazzo encarou Sebastian com a mesma tonalidade que ele a
encarava, uma fúria imensa a tomou e ela respondeu a altura: - Irá se arrepender, sua
cobra marinha, de querer me confrontar. Pegue sua espada e se tiver fé apegue-se com
103
Deus.
Munch ganhou um sorriso malicioso de lado. Conseguiu o que pretendia.
Os dois colocaram-se em postos, todos os homens deram espaço formando
uma roda em volta dos inimigos. Danton analisava tudo no seu canto, pois o plano de
seu comparsa corria nos conformes. Só temia que pela bravura de Giulia e destreza no
comando da espada, ela colocasse fim nele.
-Pronta?
-Venha seu larápio!
Munch atacou-a com um golpe de cima para baixo que ela arrebatou e em
seguida deu-lhe um chute na barriga.
Ele no chão foi visto com olhos de piedade por ela.
“Desista rapaz, você não vai conseguir”, afirmou a pirata.
O pirata inglês levantou-se e inferiu vários golpes sobre a moça que se
defendeu e retribuo com força e maestria os solavancos.
-Ele é um rato de porão, e quer o Minerva para ele. -Bartolomeu temeu o
futuro.
Os marujos viam tal batalha com muita atenção e gosto. Piratas, uma boa
batalha aguça e anima suas vidas.
Apesar do fato de Munch protestar pela divisão do cargo de capitão, Luigi e
Giulia, eram filhos de Matarazzo, logo tinham apoio imenso da tripulação. Somente
algo muito absurdo faria todos os marujos trocarem de opinião e apoiarem o revoltoso.
Munch levou um soco nos lábios e ajoelhou-se diante do adversário... Mas,
levantou-se vagarosamente e com um sorriso no rosto atacou Giulia com agilidade,
fazendo assim a espada dela voar e afundar no oceano.
Todos arregalaram os olhos, Giulia era invencível numa batalha de espadas.
Porém, Luigi interferiu pela irmã que tinha a ponta da espada no pescoço:
-O fato é meu caro, o Minerva tem dois capitães, logo se quer tomar tal posto é
preciso acabar com ambos.
Com gritos e força os dois, Luigi e Sebastian, duelaram. O encontro das laminas
ecoaram mar afora.
Giulia foi afagada por Bartolomeu.
-Você lutou muito bem pirata. -com a garota nos braços, o velho homem
sentiu-se com um papel nunca antes vivido ou sentido, ser pai.
Giulia estava anestesiada não conseguia acreditar que perdera a batalha para
um marujo. Se seu pai estivesse ali nada disso estaria acontecendo.
Luigi tirou a espada de Munch e conseguiu o derrotar. O subalterno tinha o
rosto inchado e sangrando como resultado de sua revolta.
-Levem esse verme para a cela. Chegando em terra firme ele estará fora da
tripulação do Minerva.- ordenou o jovem Matarazzo que olhava com ódio para o
adversário caído no chão.
Os marujos obedeceram e levaram Munch preso.
-Joguem esse rato no fundo da cela. -Bartolomeu cuspiu no infeliz que era
carregado, totalmente esvanecido de forças.
104
Giulia estava sentada na cama com as mãos cobrindo seu rosto.
E Luigi invadiu o ambiente. “Ora não fique assim... Algum dia teria que
perder...”.
-Algum sim, sei que ninguém vence sempre... Mas perder para um
subordinado... É incapacidade demais. -a jovem exclamou com os olhos umedecidos,
estava enfraquecida. -Você o venceu Luigi... Você deve ser o capitão. Luigi... O capitão
do Minerva.
Luigi ouviu tal notícia com grande entusiasmo e felicidade, finalmente havia
conquistado o que mais queria, ser capitão do lendário Minerva.
Bartolomeu entrou no recinto preocupado com o que ocorreria dali em diante
com o posto de capitão e como os homens iriam se comportar:- Como está, capitã?
-Não mereço mais essa cordialidade, Bartolomeu. Sou um simples marujo a
partir de agora. –declarou Giulia com muita dor nas palavras e tentando encontrar
forças para ficar de pé.
-Eu sou o capitão agora. Você vai ter que me aguentar! -Luigi estava exalando
alegria. -Eu sou o capitão, eu sou o capitão...
-Giulia... Mas o seu pai sempre... -Bartolomeu tentou dizer algo para se evitar
tal situação, mas a jovem o interpôs e diz que estava tudo resolvido.
O recente empossado capitão do Minerva se aproximou da parede que tinha
dependurada a espada do antigo capitão.
-Tome, ela é sua. -Luigi entregou a arma à irmã. –Afinal está precisando de uma,
e também irá precisar para ser a braço direito do capitão.
Ela recebeu a espada que era de seu pai com muito orgulho apesar de ferida
pela derrota:- Obrigada, a recebo com muito orgulho e cuidarei bem dela.
-É preciso muito cuidado. Acaba-se de se tornar um Capitão Ordenado. A peça
que se encontra no punho da espada faz parte do conjunto de onze. -Bartolomeu
lembrou a jovem pirata da posição que ela tomava. Depois pensou que deveria ter dito
sobre o desejo de Pedro... Giulia deveria ser o capitão do Minerva.
Luigi saiu do quarto superior e declarou a novidade a todos.
-Ele conseguiu! -Danton admirou-se com a competência e a capacidade do
comparsa.
Daniele tentava se concentrar nas aulas de Mercy, porém sua mente, memória
e atenção lhe levavam de volta ao pesadelo.
-Fille, menina preste atenção. Oh, onde está com a sua tête, com sua cabeça?
... Novamente... S'il vous plaît apportez-moi le menu...
Daniele repetiu a frase e se esforçou para voltar à aula.
Maria Aparecida entrou na sala, com um sorriso de canto a canto no rosto.
-Me desculpe interromper, mas vim para perguntar algo rápido e já volto aos
meus afazeres. -disse a senhora à Mercy, depois se voltou à filha:- Minha querida filha
pretende ir dar sua volta diária no vale amanhã?
-Sim, por que mamãe? -assustada com a pergunta, Daniele sentiu-se fria. Sua
mãe haveria de ter descoberto sua relação com Theodoro?
-Terá companhia. Iremos eu e o senhor Ottávio juntos de ti. Ah, e hoje teremos
105
companhia para o almoço estão aqui Ottávio e o Representante.
Daniele se surpreendeu e ficou sem chão com a notícia de acompanhamento
para suas supostas voltas no vale.
-Oh, oui un tour, um passeio. - Mercy com todo seu entusiasmo conseguiu ser
chamada para a caminha vespertina do dia seguinte e aceitou o convite quase forçado.
Daniele se desesperou, os encontros com Theodoro seriam descobertos.
Na mesa, a família Hamburgo tinha como companhia Ottávio, o Representante
e seu auxiliar, e a fartura como sempre era extrema. Tinham todos os tipos de comidas
tipicamente tropicais, vários sucos e uma quantidade absurda de talheres e copos para
manter o luxo e glamour.
-Os franceses são patéticos, se acham artistas e luxuosos por natureza. Uma
raça imunda em todos os sentidos. -O representante desdenhava das nacionalidades
europeias, pois somente a imponente e superior de todas as culturas e nacionalidades,
desbravadora e que ele era originário, os portugueses, eram os melhores e perfeitos
em sua opinião.
Gargalhadas.
-Nunca gostei de franceses, estão na situação de pobreza que estão por
incompetência. -Rafael Hamburgo mentiu acrescentando um comentário
-E os ingleses? -Donário riu escorrendo um tanto de vinho de sua boca, para um
porco faminto. -São tão trouxas. Querem tomar o mundo e mandar em Portugal...
Enganamos-vos e os ludibriamos fácil.
Maria Aparecida sentia-se confortável, estava cercada da mais alta classe de
pessoas e os segredinhos de sua filha não seriam mais mistério. Para evitar que Nina
ou Zilda saíssem e avisassem alguém para o outro dia, mandou amarrar as escravas e
soltar somente no dia seguinte. E Daniele não fazia ideia de tal absurdo.
Risos.
Ottávio admirava Daniele com todo o gosto do mundo, como um colibri que
deleita o néctar das flores. Era tão apaixonado pela jovem Hamburgo, e quando
pensava que não era correspondido a altura doía-lhe o peito e assim era tomado de
uma tristeza tremenda.
Rafael estava no auge de sua vida pessoal e profissional, tudo corria muito
bem. Prazer!
-Nós portugueses somos os melhores e os mais aventureiros. Não há dúvida. -o
auxiliar vangloriou sua nacionalidade com a taça para cima. -As melhores mulheres, os
mais bravos homens, os mais sábios dos sábios, as melhores políticas...
-E os melhores bajuladores! -ironizou Ottávio.
Risos.
Daniele subia as escadas, preocupada e precisando de Nina para avisar
Theodoro.
106
-Daniele. -Ottávio agarrou a moça pelo braço.
A jovem era mais uma vez pega de surpresa. Maria Aparecida observou a cena
escondida atrás de uma porta.
-Sim, Ottávio?
-Não posso mais suportar tal demora em se decidir. O que afinal tenho que
fazer para receber um sim da senhorita? -ele se aproximou tomando-a nos braços e
seguindo seus instintos.
-Não posso pensar com tudo que anda acontecendo... Há tantos preparos para
o Baile... -ela tentou se afastar, porém era segurada com força.
-És mesmo uma donzela. Eu... Eu te amo, Daniele. - após alguns momentos de
admiração, ele investiu um beijo nela, que foi respondido com um bofetão nas fuças.
Daniele escorreu para o quarto, trancando a porta com força.
Ele sorriu, passando a mão nos lábios, em êxtase.
Maria Aparecida sentiu-se recompensada.
À noite, Danton serviu os restos para o comparsa e amigo preso.
-Você atuou muito bem, parecia estar bêbado. - Danton elogiou com
admiração.
-Esses filhos da mãe me dão restos depois de tudo o que eu fiz neste navio.
PILANTRAS, DESGRAÇADOS. -Munch reclamou. Tinha o olho esquerdo inchado, quase
toda face roxa e cicatrizes em volta da boca.
-Fique quieto, eu roubei esses restos, não iriam te alimentar hoje... Pensei que
não iria conseguir ganhar de Giulia.
-Ela é muito boa mesmo, aquela... Ai. –grunhiu o preso colocando um punhado
de batata na boca com cuidado. -Tive sorte em vencer dela.
-Não era preciso apanhar tanto daquele idiota.
-Ai... Precisava demonstrar que ele é o melhor... Ai... E consegui, agora ele é o
capitão... Todavia por pouco tempo.
No último patamar do navio se localizava as celas. Danton sentado do lado de
fora e Munch mantinha-se encostado nas grades. Os dois comparsas sorriam e
metalizavam um grande plano de motim.
Na casa dos Martins, logo cedo o homem da casa saíra e sua esposa em
seguida iniciou a limpeza semanal junto de suas escravas.
Malvina dava ordens e andava de um lado ao outro dos cômodos ditando o que
haveria de ser feito, onde tinha de ser limpo e como deveria... Afazeres domésticos, um
papel comum das mulheres do século XVIII e mesmo depois de anos e evolução ainda é
comum a muitas em pleno século XXI.
Saindo da cozinha após verificar como estava o leitão assado à pururuca
seguindo à sala, deparou-se com Escobar junto à porta de entrada com um saco nas
costas. “Escobar?”
107
As escravas na sala observaram o capataz com olhares de ódio.
-Bom dia, senhora Malvina. Vim me despedir da senhora.
Malvina ficou constrangida, surpresa e sem reação. Seus lábios secaram e suas
mãos tremeram.
Ela olhou ao seu redor e pensou que seria complicado se ficasse sozinha com
Escobar somente para se despedirem.
-Não precisa ir embora Escobar, Heitor acha você um bom empregado. Quem
sabe não consegue algo mais servindo-nos. -ela tentou demonstrar desinteresse nele.
Com dor nas palavras Escobar respondeu olhando para as escravas que tinham
semblantes de estarem em frente a um inimigo: - Acho que eu não conseguirei nada
mais aqui, além do ódio comum dos escravos.
-Que pena... Bem, espero que seja feliz em outro canto... E quem sabe...
Encontre... Uma boa mulher para ter uma família...
Ouvindo isto, o homem sentiu-se um nada, um lixo, sentiu-se um homem mais
rejeitado por sua amada que dois polos positivos ao encontro.
“Adeus, senhorita Malvina.”
Sem sair do lugar atrás das poltronas, Malvina segurou as lágrimas, sem
nenhuma palavra dizer.
Escobar deu as costas à sua amada e se retirou do cômodo.
Malvina cruzou os braços como se quisesse segurar o peso de tal situação.
-Ninguém sentirá saudades dele aqui. -declarou uma das escravas.
-Espero que ele morra. Ele quase matou meu pai no tronco. –disse a outra.
A senhora Martins se aproximou da janela, afastando a cortina e observando
Escobar seguir em frente de cabeça baixa, aparentando ter pouca força ou esperança
de felicidade.
O Beira Mar já estava lotado pela manhã. Parecia que os piratas haviam
resolvido beber rum e ficar bêbados o mais cedo e rápido possível.
Josué limpava o chão num canto do bar, Augustus atendia um velho conhecido,
Rúbio ajeitava as mercadorias nos fundos do estabelecimento e Marcos Olivier vendia
um mapa para o caminho do Código a alguns desbravadores eloquentes:- Aqui está o
mapa. Cadê minhas moedas?
Josué via aquele tal cenário e sentiu-se imundo, vendo Marcos sendo tão cruel
e falso com tais jovens piratas sem dizer os perigos e impossibilidade de conseguir o
que desejavam dava-lhe mais ódio de estar ali. Pensava na imagem do pai, o pirata
mais conhecido de Santos e um dos mais conhecidos do mundo, sentia vergonha e
perguntava aos céus porque nascera ali e não tivera a sorte de ser rico e ter as coisas e
as pessoas que desejava.
Os jovens piratas se despediram de Marcos que desejou: “Boa viagem, espero
que tenham sorte!”.
-Não acha que Deus o mandará para o inferno por estar fazendo isto?questionou Josué.
-Fazendo o quê? Vendendo os mapas para piratas perversos e gananciosos?
Para quem já tem como destino o inferno, a quantidade de pecados já não faz
108
diferença. -respondeu Marcos tomando um gole e fazendo careta pela amargura da
bebida. -Como anda o seu amor pela princesinha da vila?
-Ela não é uma garota é uma mulher.
-Mas é fútil como todos que são dotadas de fortuna nesse local.
-Quem pensa que é para dizer isso dela para julgar a pessoas desse modo?
Você também é visto com maus olhos por eles.
-Por saber como eles são, que digo o que digo. Rapaz quer um conselho,
esqueça essa ideia, esqueça essa mulher e aceite quem você é, aceite sua posição. Marcos disse isto e esticou as pernas sobre o banco da frente.
-Se conselho fosse bom não era dado, era vendido. E me desculpe, eu não sou
o que você pensa, não sou igual a todos aqui e não ficarei por muito tempo rodeado
por vocês.
Josué agarrou o balde e a vassoura com força e manteve o mau humor que
vinha tendo por todo o dia.
Oswald reparou na ação do sobrinho e interrogou Marcos para saber o que
havia causado tal revolta no jovem.
-Terão problemas se não fizerem nada. O amor é como uma doença
degenerativa nos jovens corações. Toma o corpo todo, corrói o cérebro, muda o modo
de ser e agir. Transforma-nos em outras pessoas. -Marcos temeu pelo filho de seu
amigo. Tal amor não terminaria num final feliz, pensou.
Depois do almoço Mercy seguiu junto de Daniele a fim da jovem tirar algumas
dúvidas da língua francesa antes delas e o convidado por Maria Aparecida, seguissem
ao passeio.
-Pode indo, senhorita Mercy, irei pegar meu chapéu e já seguimos ao passeio.
Avise para mamãe que já estou indo.
Daniele estava temerosa. Ela não havia visto mais as escravas que sabiam do
caso e que estavam ao seu lado, então não pode avisar Theodoro da presença de
outros no vale nesta tarde. Estava rezando para que ele tivesse algum imprevisto e não
aparecesse.
Descendo as escadas encontrou-se com Nina aos pés desta.
-Onde estava? Procurei-a ontem e hoje.
A escrava respondeu um tanto acanhada com medo de dizer algo demais e
depois ser castigada:- Eu e Zilda fomos acorrentadas por ordem de sua mãe. respondendo isso Nina abriu a porta principal.
Daniele inconformada por tal fato aderiu a surpresa aos seus olhos.
Ao lado da mãe que tinha um guarda sol cobrindo-a segurado pelo escravo
Chico, estava Ottávio. Formoso, roupas finas, cabelos arrumados, um belo galã capaz
de encantar admiradoras e apaixonadas.
-Manquer, vamos logo para aproveitarmos essa tarde ensolarada de soleil. -a
francesa Mercy como sempre tão entusiasmada convocou Daniele ao grupo.
A jovem Hamburgo se aproximou cabisbaixa, com os olhares de sua mãe lhe
chibatando, como se o segredo de sua filha estivesse acabado.
-Olá, senhorita Daniele. -Ottávio cumprimentou Daniele, e viu tristeza nela. Isto
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lhe causou um mal estar.
-Oi. -com rispidez a jovem Hamburgo respondeu.
-Vamos, estou muito animada! -exclamou a senhora Hamburgo. Feliz!
Num armazém no subúrbio da vila se encontravam os homens de poder de
Santos. Era um local tranquilo, um único imóvel tomando o campo, algumas árvores
dispersavam-se pelo espaço e a alguns metros dali a costa da Colônia se dava, com um
velho e pequeno porto abandonado.
-Acha mesmo que será seguro aqui senhor Representante? -aos sussurros o
auxiliar Francisco Galvão interrogou seu superior sobre a segurança do local que ele via
com desconfiança.
-Totalmente seguro. Os meus homens cercarão todo o armazém e os melhores
estarão protegendo-o por dentro com as mais modernas armas. O ouro da Coroa
estará muito bem guardado. -interpôs o Coronel da Guarda.
Um grande e empoeirado armazém, se tivesse a capacidade de falar falaria
graves e entusiasmantes histórias.
-Senhor coronel, confio em sua ordem e tenho certeza que não irá
decepcionarmos. -exaltou Rafael.
-Com toda certeza. Sendo assim, damos este assunto já tido como certo e na
noite seguinte depois do baile sua frota levará, eu, meus homens e o ouro da Coroa,
senhor Rafael. - disse o Representante.
-E com muita segurança e conforto, meu caro amigo. Mas lembrando do Baile,
é melhor seguirmos para a prefeitura e explicarmos tudo ao nosso caro prefeito e
evitar transtornos para daqui uma semana. E senhor Samuel, os homens que exigiu,
estão vindo do Rio, preparados a auxiliá-lo. -Rafael estava com grandes olheiras que
quase chegavam ao queixo. Andava sonhando com tal Baile e o que tal evento iria lhe
proporcionar.
Iam caminhando tranquilamente. Mercy admirava tudo com muita atenção,
comentando e exaltando os mínimos detalhes de tudo a sua volta.
Os escravos iam cabisbaixos, Maria dava passos confiantes e em alguns
momentos olhava com descrição para sua filha e Ottávio acompanhava os passos de
Daniele que suava frio.
Segurada pelo braço, a filha de Rafael paralisou.
-Vamos mais devagar... -disse Ottávio, o vento batendo em seus lisos cabelos
negros e o sotaque português, foram calorosos.
-Oh, garçons, garotos, por que pararam?
-Deixe-os Mercy, seguimos em frente, esse é um momento deles. -a senhora
Hamburgo interferiu na interrogativa da francesa.
O casal seguiu a passos lentos e as duas mulheres já tomavam uma boa
distância deles. Daniele tinha certeza que sua mãe havia pensando em cada momento
110
daquele passeio.
-Senhorita Daniele, não consigo mais viver sem ter você do meu lado, sem ter
você para mim, sem chamá-la de minha. Não entendo o porquê das considerações de
que sou como seu irmão, se desde jovem transmito meu carinho de homem, mesmo
sem saber que eram sentimentos, mas eram transmitidos, demonstrando grande
afeição por você. -Ottávio despejou estas palavras com todo o desespero que o corroía
por dentro.
-É simples Ottávio, não o amo, não o amarei e sempre será o meu amigo. Se
casássemos iríamos sofrer. Você por me amar e não ter o amor merecido de volta e eu
por amar... -ela respondeu, mas não poderia completar a frase e dizer sobre Theodoro.
-Amar outro? Ama outro? -seu cérebro doeu, seu coração apertou-se e seu
sangue esquentou. Os lábios do português ficaram em linha reta, sua fisionomia se
tornou triste. -Não querendo ser intrometido, mas como amigo, pode me dizer quem é
o sortudo que enlaçou seu coração?
Daniele olhou profundamente nos olhos dele e somente naquele momento
passou por sua mente que seu amor com Theodoro era algo quase que impossível, e
não podia falar nada para Ottávio.
-Não, não posso. -a jovem Hamburgo não se sentiu bem.
Alguns passos a mais e Maria Aparecida observou um jovem a alguns metros
de distância à frente, tinha o cavalo amarrado à árvore e a fisionomia de surpreso
tomou-o ao olhar as pessoas que vinham.
-Nous avons un gars ici dans la vallée... Um rapaz, quem será?... Oh, senhor
Theodoro. –a francesa animou-se toda, lembrou-se do prêmio de seu herói e que havia
arrumado sua casa. Então pensou que estava no momento do presente de retribuição
por sua salvação para com Theodoro.
Maria Aparecida olhou o rapaz com nojo e desprezo, seu desejo era matá-lo.
Confirmou o que pensava, Theodoro e Daniele estavam se encontrando.
Olhou com olhos de vingança para a escrava, e Nina sentiu muito medo. Depois
a mãe voltou-se para a filha que vinha junto de Ottávio, calados.
Daniele mal encarou os olhares da mãe e observou Theodoro subir em seu
cavalo e vir em suas direções.
Ottávio olhou para o forasteiro com muito ódio, iria tomar atitudes para
mandá-lo longe de Daniele. Sua vontade era pular no pescoço dele e estrangulá-lo.
-Achei que era uma dama e gostasse só das melhores coisas do mundo. Ottávio alfinetou Daniele.
Theodoro se aproximou do grupo e os cumprimentou, sendo somente
retribuídos os cumprimentos pela francesa.
-Pensei que havia contratado o rapaz Ottávio para trabalhar? -questionou
Maria Aparecida. Seu rosto parecia com o de uma estátua, rígido e severo.
-Tive uma hora livre, assim decidi vir dar uma volta para pensar um pouco. Não
estou vagabundeando em serviço. -respondeu Theodoro antes de seu patrão.
-Espero que tenha decidido ir embora, pois se não, seguirá de qualquer forma
para fora daqui, em poucos dias forasteiro. -confrontou a senhora que tinha os punhos
fechados.
Se despedindo do grupo e olhando profundamente para Daniele, Theodoro
sentiu medo pela primeira vez desde que chegou em Santos, seus planos poderiam dar
errado com o deslize dessa tarde.
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-Senhor Theodoro, espere um pouco... -Mercy se aproximou do cavaleiro-...
Esteja na minha maison a próxima noite. Preciso pagar o presente que lhe prometi.
Com um olhar sensual e um sorriso malicioso como resposta Theodoro depois
seguiu embora sem olhar para trás.
O clima se tornou nebuloso e pesado.
-Forasteiro Nojento! -exclamou a senhora Hamburgo como se o cheiro de
Theodoro estivesse pairando pelo campo. Em seguida voltou-se a Daniele com olhar de
decepção. -Pois bem, vamos sentar-nos debaixo daquela mangueira para apreciarmos
o lanche.
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Capítulo 12: A punição de Nina.
Salete dobrou as roupas que pegou no varal, passou todos os panos com muito
cuidado e zelo recebendo elogios da patroa dona do hotel onde estava trabalhando e
morando. Logo após seguiu a seu quarto a fim de tomar um banho e auxiliar as outras
mulheres para servir o jantar aos hospedes. O hotel estava voltado exclusivamente à
comitiva da Coroa.
Ao entrar em seus aposentos a senhora antes dada como bruxa se assustou em
ver que o cômodo estava ocupado. “Margot?”
-Surpresa? Pensei que gostasse de aparições sem anúncios. -respondeu Margot
comportada num vestido dourado, levantando-se da cadeira. -Desapareceu depois
daquele dia do porão de minha casa. Deu-me um susto tremendo e depois volta toda
transformada. Não entendo.
-Não preciso enganar-te, me adaptei para estar presente quando tudo ocorrer.
-Salete tirou o avental e se prontificou na frente de Margot.
-Ainda com essa ideia?... Fui ver com alguns amigos se suas previsões tinham
alguma conexão com o que já vivi... E não... Tudo está como deveria estar. Não há com
o que se preocupar.
-Os búzios nunca mentiram. Mas, que segredo é este que você não pode me
dizer, que história é essa que você viveu? Tenho certeza que é isto que está para
retornar.
-O Có... Esqueça, é impossível a volta de tal mal. Sinta-se satisfeita em não
saber nada, é melhor essa história cair no esquecimento. Ela morrer junto das pessoas
que sabem. –Margot se aproximou da porta. - Pois bem, preciso ir ao alfaiate e
arrumar os últimos detalhes de meu traje para o Baile que será daqui uma semana.
Muito obrigada pela atenção e eu garanto a você, não há nada com o que se
preocupar.
-Daqui uma semana, nada do que é hoje será como no amanhã. –profetizou
Salete com sabedoria.
A senhora Reghine a observou profundamente e seu coração temeu tal
previsão.
Terra á vista!
O anúncio de que o Minerva havia, finalmente chegado em terras, deixou toda
tripulação alegre.
-Capitão, vamos a esquerda, lá está o Bairro Pirata e um porto que podemos
atracar. -Bartolomeu alertou Luigi, o capitão.
-Não é engraçado, piratas e homens livres e da lei viverem juntos? Somente em
tais terras poderíamos ver tal absurdo. -ironizou o capitão.
-Depois que esta vila foi invadida por piratas, o povo subiu o monte e lá foram
se esconder dos sanguinários. Tais piratas ao tentarem subir a terra foram soterrados,
dito isso como milagre de Deus depois por todos. Daí então... O acordo surgiu. explicou Giulia.
113
-Se preparem homens, terão uma semana cheia de rum e mulheres! -exaltou
Bartolomeu pondo a embarcação em ritmo de festa e agitação.
No patamar das celas, Sebastian observava tal terra muito sorridente.
O sol já estava indo embora e os poderosos de Santos ainda estavam reunidos.
Todos ouviam o auxiliar do Representante sobre o que estavam fazendo em Santos e o
que haveria de mudar.
-Certamente honrados senhores, Rafael Antunes fará o maior transporte de
ouro já tido pelo Reino de Dom José e se tornará o Coronel Contra Assunto e Crimes
Piratas da província.
Todos os senhores ficaram surpresos com a notícia.
-Então não pretende seguir pelo caminho da política? –interrogou o prefeito
que estava feliz em saber o que realmente Rafael estava tramando.
-Não. Eu e nosso caro amigo Samuel Fernandes, formaremos a dupla da lei e
ordem em Santos. -se vangloriou Rafael de peito estufado e honra ao ápice.
-E o que sabes sobre combater piratas? Experiência no assunto é preciso, e você
a têm? -Heitor não poderia aceitar mais essa vitória e glória de Rafael.
-Sou dono de uma frota...
-Mas todos sabemos que nunca navegou com ela.
Rafael engoliu seco. “Pois bem senhor Heitor, se tem algo contra a decisão de
meu cargo, vá contestar com o rei, ele me nomeou. Então estaria contrariando a
vontade de Vossa Majestade”.
Heitor se calou, mais uma vez Rafael se saía melhor.
-Um documento foi assinado pelo rei, dando-me tal posto e honra. E a partir de
agora é necessário segredo até o dia do Baile, caro senhores. – pediu o futuro Coronel
Contra Assuntos Piratas.
Tais homens responderam com precisão, e Heitor confrontou olhares com
Rafael. O senhor Martins havia perdido a guerra.
Rúbio encontrou o filho com uma trouxa nas costas.
-O que é isso? Aonde vai?- o pai questionou-o temeroso.
-Vou embora, não posso ficar mais aqui, serei um nada como todos vocês se
permanecer nesse local.
Rúbio enterrou um bofetão na cara do filho.
Josué paralisou, uma grande ira o corroeu por dentro.
-Tudo isso por causa de uma moça?! -exclamou Rúbio sobre o absurdo amor.
-Eu te odeio. -Josué seguiu o caminho da rua.
Oswald que vinha do bar viu o sobrinho sair e se entristeceu. “É uma escolha
dele, meu irmão... Não sofra, você não é o culpado.”
E sobre as rugas e contornos do tempo no rosto de Rúbio uma lágrima
escorreu.
114
O senhor Hamburgo seguia para casa, pensativo. O fato de Daniele ter tido uma
forte conexão com a ilha na noite passada estava o preocupando. Sua filha poderia se
machucar ou até mesmo morrer se não fizesse algo. Mas o que fazer nesse caso?
Influenciar Daniele a dar-lhe o anel de bom grado de volta?
Ao chegar em sua casa foi direto para o seu quarto e se encontrou com sua
esposa que estava afobada e dotada de ódio.
- O que houve Maria? –interrogou o marido demonstrando estar interessado na
euforia de sua esposa.
- Não vai acreditar Rafael. Eu estou abismada, completamente perdida. respondeu ela, as veias de seu pescoço estavam saltadas e pareciam que iam explodir.
Rafael não entendeu sobre o que ela estava falando.
- Daniele e o forasteiro... Juntos. Estão de caso! E o pior às escondidas. Um
desrespeito tremendo da parte dela e uma desonra para conosco da parte daquele
sujeitinho.
-Como assim? O que houve entre os dois? – Rafael viu algo complicado surgir.
-Não me pergunte, peço a Deus que não tenha passado de simples encontros.
-Não perguntou a ela?
-Não tive paciência, estou aos nervos com essa mocinha. Imagine só, encontrarse às escondidas com um qualquer... Se alguém da vila descobre estamos perdidos.
Nossa filha e nossa reputação estarão acabadas, tudo por causa da safadeza de um
forasteiro. Se hoje ela é a garota mais disputa dentre os rapazes para se ter como
esposa, se isto for descoberto será a mais odiada e rejeitada. Aposto que nem mesmo
Ottávio que sente um amor verdadeiro por ela irá querer se casar, ele também viu...
Está muito mal...
- Como descobriu isso? Quem mais sabia?
- Descobri porque fui andar junto dela no campo, os encontros eram aqueles
passeios que ela estava ultimamente acostumada a dar. E o pior de tudo, os escravos
sabiam tudo e acoitaram-lhes.
- Terei uma conversa séria com Theodoro, isso não irá ficar assim. Mas... Confio
em Daniele, acredito que ela não fez nada, simplesmente agiu pelo instinto de jovem,
até mesmo pode estar o amando.
- Instinto? Amando? Ela está sendo iludida não está vendo que ele quer muito
mais que um simples cargo, ele quer se casar com nossa filha para tomar tudo que é
nosso!
- Que absurdo, Maria! Não fale asneiras, o rapaz deve estar gostando...
- Não! - o grito da senhora Hamburgo ecoou como um raio. - Isso nunca, nunca
iria aceitar os dois juntos. Ele não é um bom partido, Ottávio sim... Ottávio é um bom
rapaz, um homem responsável e que tomará conta de seus negócios como deve,
expandirá a nossa fortuna... Eu me mataria em ver Daniele junto daquele rapaz.
- Por que tanto ódio do rapaz?
- Não gosto da pessoa dele. Não vejo verdade nas palavras dele e bondade no
olhar. E eu como mãe, sei bem o que minha filha necessita e deve ter no futuro...
Precisa aceitar a proposta de casamento de Ottávio, Rafael. Ele sim será o perfeito
esposo para nossa filha. Faça isso antes que acontece algo muito ruim.
Rafael viu que sua esposa tinha razão, a mãe sempre sabe o que a filha
necessita e deve ter no futuro e em tal momento ele tinha mais coisas importantes do
115
que o casamento de sua filha nesse momento para ele se preocupar.
-É preciso Rafael que você aceite antes que algo de ruim ocorra. -reafirmou a
esposa.
-Pois bem, aceitarei o pedido dele amanhã e aproveitamos para anunciar o
noivado dos dois no Baile da semana que vem.
Maria Aparecida se sentiu recompensada e tranquilizada, um sorriso tomou
toda o seu rosto. Havia conseguido.
-Agora vou dar os devidos corretivos naquela escrava. Se quiser pode jantar
sem mim, quero estar presente para impor respeito perante aqueles bichos.
E assim Maria seguiu para a punição. Rafael respirou fundo e deitou-se em sua
cama, uma dor de cabeça dava sinais. Estava sonhando com a hora que o Baile e todas
suas preocupações terminassem. Incerteza.
Heitor sentou-se a mesa de jantar calado. Malvina apresentou o cardápio ao
marido que pouco a deu ouvidos. “Heitor?”
- O que Malvina?
- Tudo bem com você? -perguntou ela demonstrando ser atenciosa e
preocupada.
-Malvina faça um favor para mim, sirva essa comida o mais rápido possível e
com a sua boca fechada. -respondeu Heitor que tinha os olhos vermelhos e olheiras
profundas. Precisava encontrar algo para destruir Rafael. Acreditava que não seria
possível a vitória de seu oponente.
Malvina abaixou a cabeça, rejeitada e infeliz, e o jantar foi servido. De repente
sentiu um calafrio subir sua espinha, sua cabeça começou a rodar e um grande enjoo
sentiu.
Ela se levantou as pressas. “Com licença, não estou me sentindo bem.”
Heitor não deu a mínima atenção ao mal estado da esposa e começou o seu
jantar sozinho.
Maria Aparecida entrou na cozinha e deparou-se com Chico e Zilda cochichando
no canto.
- O que estão falando? É sobre aquela negrinha sem vergonha? Pois é... É
melhor verem isso como exemplo, não é porque estão mais próximos de nós que estão
livres dos métodos de correção. –com toda autoridade que era dotada a senhora
Hamburgo ordenou o escravo ir verificar se o tronco já estava pronto para começar as
chibatadas.
Zilda abaixou a cabeça e seguiu com uma bacia que Daniele havia pedido para
descansar os pés na salmoura.
Maria Aparecida pegou-a pelo braço: - Preste bem atenção sua escrava velha
nojenta, você só não está junto daquela outra no tronco, pois é velha demais e sairia
morta de lá, mas ainda preciso de seus serviços aqui. Porém não hesitarei em mandá-la
para lá numa próxima.
116
Zilda não encarou sua senhora, sua pele velha já cobria um pouco seus olhos
deixando-os ainda mais pequenos do que já eram.
Daniele estava sentada em sua cadeira de canto, pensativa, tentando adivinhar
o que sua mãe e seu pai fariam em decorrência dos encontros dela e de Theodoro. Já
estava decorando falas e cenas para fazer diante de sua família e exprimir o amor que
sentia pelo jovem forasteiro, e assim conseguir a aprovação para se casarem.
Toques de tambores soaram ao longe, estavam vindo da senzala.
Daniele se levantou e olhou sobre a sacada, viu os negros todos reunidos em
torno do tronco. Mas o que deveria ter ocorrido para seu pai mandar um negro para o
tronco? Já há algum tempo não via mais essa prática em sua casa.
Zilda adentrou correndo o quarto de sua sinhazinha. “Por favor, sinhazinha, por
favor...”.
Se pondo de joelhos a velha escrava agarrou as pernas da jovem “Por favor,
faça algo. Nina irá apanhar a mando de sua mãe por ajudar a sinhazinha, faça algo”.
Daniele viu lágrimas escorrem dos olhos de Zilda. Nunca havia visto Zilda
implorar tanto por alguém como agora.
Os tambores dos negros repercutiam por toda a casa, Rafael assistia tudo de
sua sacada e relembrava de seu passado, o qual todos eram iguais nos mares. E um
sentimento de piedade o tomou perante tais criaturas.
-O que é isso? Uma festa para estarem todos reunidos? – interrogou a Sinhá.
-Vão assistir a punição minha Sinhá, eu pensei que seria bom para aprenderem.
-respondeu o capataz.
-Hum... Bem pensado. -Maria Aparecida se sentiu muito mais que uma rainha,
sentia-se uma deusa diante de todos ali. Para ela o seu sangue azul era melhor que o
elixir dos deuses. Ela ordenou: - Inicie senhor capataz.
Nina estava acorrentada no tronco com os seios a amostra e as costas expostas
ao capataz que segurava a chibata. A negrinha chorava e clamava por Deus.
Todos os escravos se sentiam como se eles estivessem no lugar de Nina e
pensavam onde estaria Deus naquele momento, também se questionavam: Será
mesmo que eram inferiores aos brancos?
A chibata ergueu-se no ar...
-Não! -um grito soou por entre todos. - Parem já com isso.
Todos se voltaram para Daniele que vinha correndo entre tropeços, levantandose em desespero.
-O que está fazendo aqui Daniele? Isso não é lugar para uma moça como você! exclamou a mãe de frente para a filha.
-Como pode mamãe em querer fazer algo com ela, se quem errou fui eu?
Mãe e filha encararam-se.
-Com você eu falo depois, eles precisam saber... EU SOU A SENHORA DESSE
LOCAL E MEREÇO RESPEITO.
Daniele se pôs na frente da chibata. “Não irá fazer nada.”
Rafael observava tal cena e via mais força e coragem em sua filha do que
imaginava que ela tivesse.
117
Maria Aparecida se enfureceu... “EU AGORA QUERO RESPEITO!”
- Me dê a chibata. -pediu a senhora Hamburgo ao capataz que obedece com um
tanto de receio. Daniele se surpreendeu.
-Saia daí, Daniele. -ordenou a mãe.
-Não.
-Segure-a. –disse Maria Aparecida ao capataz.
-Me solte seu imundo, desgraçado. -Daniele se contorcia para escapar das
garras do capataz que a segurava com força. –Solte-me, não mamãe, não faça isso...
-VOCÊS PRECISAM SABER QUE A MINHA AUTORIDADE É TUDO E VOCÊS SÃO
NADA PERANTE ELA.
A chibata bateu no couro da negrinha que gemeu de dor, a jovem Hamburgo se
ajoelhou aos prantos e Rafael fechou a porta da sacada e as cortinas, preferindo não
ouvir as lamúrias e as dores daquelas pobres almas.
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Capítulo 13: Boa noite, Mercy.
O Beira Mar estava lotado. Piratas bebiam, divertiam-se e em alguns momentos
brigavam. Estavam aproveitando a noite como se fosse uma das últimas de
tranquilidade. Premeditavam algo?
O Minerva atracou no pequeno porto do Bairro Pirata, em seguida Luigi deu
algumas moedas a um garoto para cuidar da embarcação e Bartolomeu levou todos ao
bar de seu velho conhecido.
-Vejam só, Bartolomeu, meu velho amigo! -exaltou Oswald indo cumprimentar
os tripulantes do Minerva. –O Minerva e sua tripulação nos dão a graça de vê-los
novamente.
Cumprimentos.
-E onde está aquele ordinário e desordeiro capitão, Pedro Matarazzo?
Todos se entreolham, Giulia ainda sentia muita falta do pai, a pergunta de
Oswald lhe fez voltar no tempo quando criança, quando seu pai estava jovem e
saudável do seu lado.
-Pedro Matarazzo já não se encontra entre nós... -respondeu Giulia -... Seu
corpo está junto de Poseidon e sua alma junto de Hades.
-Não sabia de tal desgraça, sinto muito pela morte dele. -o dono do bar
desculpou-se pelo incomodo. -E quem é você?
-Giulia, filha de Matarazzo e um Capitão Ordenado. –ela estendendo sua
imunda mão.
-E o Minerva já tem um novo capitão, Luigi Matarazzo. -Luigi se apresentou
com verdadeiro ar e atitude de capitão.
-Vejam só, quando os vi pela última vez ainda eram pequenos. Você somente
um rapazola. -disse Oswald analisando Luigi dos pés à cabeça.
-É vendo tais figuras, que temos ideia do quanto estamos velhos! -exclamou
Rúbio se aproximando.
-Rúbio, seu velho pirata. -Bartolomeu cumprimentou o lendário pirata- Como
anda a sua perna?
O velho e famoso pirata deu um tapa na falsa perna de madeira: -Mais firme
que madeira!
Todos riram do gracejo.
As apresentações foram feitas, cumprimentos e bebidas foram servidos. À noite
ocupar-se-iam de conversas sobre o passado e aventuras espetaculares.
Marcos Olivier que sempre estava no Beira Mar, se aproximou, estava
entusiasmado em ver novamente o Minerva.
-Meus caros amigos, Santos também nos dá a graça de ver figuras mitológicas.
–disse Olivier trocando cumprimentos com Bartolomeu. Depois se voltou para o
capitão: “Muito prazer, Marcos Olivier”.
-É por causa de seus mapas que não consigo mais ter uma noite de sono
tranquila!- Luigi apertou a mão do malandro.
119
Daniele foi acordada pelo barulho de alguém a passos lentos andando em seu
quarto. A cortina foi aberta, a luz do sol entrou em seus olhos, provocando uma
sensação nada agradável.
-Desculpe sinhazinha, sua mãe ordenou vir acordá-la.
Daniele observou a jovem escrava com grande dó. A negra estava quase
encurvada pelo resultado da noite passada, gemidos eram dados baixos. Nina era a
figura real de um animal indefeso.
-Nina, eu não queria que acontecesse isso. Eu tentei evitar... -Daniele sentiu-se
muito culpada.
Algumas batidas na porta: - Daniele minha filha está acordada? –Rafael, entrou
no quarto em seguida. -Mantenha-se coberta a conversa será rápida.
Daniele estava sem chão, a figura de Nina machucada e seu pai com um
semblante rígido, não lhe dava boas esperanças de viver o romance que desejava.
E para iniciar tal conversa Rafael ordenou a retira da escrava.
-Simplesmente ela colheu o que plantou. -afirmou Rafael que não admitia
traições, ofensas e afrontas. -Tive que ouvir reclamações de sua mãe pela
inconsequência de vocês.
-Papai...
-Calada, não está em condições de resmungar. Enquanto eu falo você deve
permanecer de boca fechada.
Daniele abaixou a cabeça, lágrimas queriam escorrer de seus olhos. Entretanto
precisava ser forte para querer enfrentar a ira e a contrariedade dos pais.
Na verdade Rafael não via para tanto tumulto o que Daniele fizera. A escrava
durante a manhã lhe confirmou que não passou de mãos dadas e alguns beijos os
encontros do jovem casal, porém uma moça de respeito não deveria sair dando beijos
e marcando encontros com rapazes às escondidas.
-Não é papel de moça descente se encontrar com rapazes às escondidas.
Imagine o que irão falar de você e de nossa família se essa história cai na boca do
povo. Indubitavelmente não terá mais nenhum pretendente e nossa imagem seria a
pior possível. Portanto, daqui em diante as coisas irão mudar, não terá mais tal
liberdade que tinha até então, se sair será sempre junto de sua mãe ou de mim.
-Pai...
-Calada!... Irá passar a se preocupar... Com os preparativos de seu casamento.
Daniele levantou-se da cama, encarou seu progenitor, precisava evitar tal
absurdo:- Não irei me casar com Ottávio, disse e repito. Eu amo o Theodoro, meu pai.
Rafael olhou-a no fundo dos olhos, eram olhos de uma ninfa. Em contrapartida
soltou uma gargalhada e abraçou a filha.
-Como é tola, não sabes nada mesmo da vida. Minha querida, isso não passa de
uma paixãozinha, não se preocupe, irá passar. O que é preciso é que semeie um
verdadeiro amor.
Daniele não compreendeu, estava sem chão, sem teto... Desesperada. Ajuda,
seu coração gritava por ajuda.
-Seu coração é jovem, a vida é repleta de dureza e infelicidade. Precisa
aprender com os obstáculos que irão por vir, e saiba que alguns deles nos limita viver
amores, amizades e sonhos.
Daniele se viu sem escolha, não pensava em outra coisa além de fugir com
Theodoro e viver seu verdadeiro amor. Chorou diante do pai.
120
-Não acredito que me fará viver uma vida infeliz?! -indagou ela com toda
indignação diante da pessoa que parecia a querer tão bem.
-Não fale bobagem. Por tomar essa decisão, quero evitar que sofra.
Como a cultura imposta pela sociedade era de respeito total diante do patriarca
da família, Daniele não tinha forças e nem coragem para encarar seu pai.
Simplesmente via-se sem saída, o casamento com Ottávio era real agora.
Na mesa de café da manhã, Maria afagava o marido e afirmava que sua decisão
era a correta, e que ele não se preocupasse com as lágrimas de Daniele, pois logo
passariam.
O casal já terminava a alimentação matinal, quando Daniele apareceu abatida e
com os olhos inchados.
-Coma algo, minha querida, precisa se alimentar. Iremos seguir ao Serafim hoje
a tarde para nossa última prova, para que finalmente os nossos trajes estejam prontos
para o Baile no fim da semana.
-Estou sem fome. Não irei ao Baile. -afirmou a garota tomando um gole de café.
-Ora essa, é claro que irá, sua presença é essencial. No Baile anunciaremos o
seu noivado com Ottávio.
Daniele engasgou-se com o café. Olhou indignada para o pai que permaneceu
de cabeça baixa.
-Não! Prefiro morrer que casar com um homem que não amo. Irão me perder
agindo assim.
A jovem correu desesperada de volta ao quarto, debulhando-se em lágrimas.
-Esteja pronta depois do almoço porque provavelmente não irá querer almoçar.
-avisou Maria Aparecida contente e realizada enquanto a filha subia as escadas. Tudo
estava acontecendo conforme ela havia pensado e programara para acontecer.
Gói empurrava Sebastian até chegarem ao patamar superior do Minerva. “Irá
ter o que merece no futuro, seu monstro!”, praguejou o prisioneiro.
-Cale a boca... E ande logo seu larápio. -O estranho homenzinho empurrava o
desordeiro com tanta força que este caiu de joelhos diante do capitão.
-Sebastian Munch você está sendo expulso do Minerva por tentativa de caos e
motim. E agradeça que estou deixando-o vivo, pois poderia ter feito andar na prancha
e virar comida de tubarão.
Munch se agarrou nas pernas de seu capitão e implorou por mais uma chance:
-Por favor, capitão, eu estava bêbado não sabia o que estava fazendo, quando
dei por mim havia falado e feito asneiras. Não tenho outra vida se não essa de servir
seu célebre e magnífico navio... Tenha piedade!
-Piedade? Eu sou um pirata não um santo milagreiro. -Luigi chutou o homem
que parecia uma sanguessuga agarrado em suas pernas.
Bartolomeu e Giulia observavam tudo com muita atenção, suas vontades eram
intervir e por para correr rápido possível aquela sardinha mofada chamada Sebastian
Munch, mas sabiam que este papel cabia somente ao capitão.
-Ora essa, desgrude de minhas pernas e suma daqui antes que eu decida fazer
algo pior.
121
Danton interferiu pelo amigo: - Capitão, ele não é um homem mau, só estava...
Um pouco alterado a última noite, entretanto não passou de uma noite. E seus
serviços são bem feitos e bem vindos em relação à sua embarcação.
Bartolomeu e Giulia se entreolharam. “Vocês dois são a tampa e a panela.”,
comentou Bartolomeu que via muito bem o que os dois vermes pretendiam.
-Não é mesmo, homens? -Arrive se voltou a seus companheiros de
embarcação. -Munch é um grande amigo e companheiro...
-Sim é, não é justo ser jogado para fora só porque bebeu um pouco mais de
rum... -disse um dos servos, um homem baixinho e gordinho.
-Nisso eu concordo, Munch é muito bom nas cordas e velas... -disse um outro
homem, este era alto e negro.
Luigi tinha os olhos arregalados, ouviu seus homens interferindo pelo malfeitor,
contradizendo o seu desejo. Voltou-se para Giulia que se tornou neutra, sem
expressão alguma que pudesse responder o que ele poderia fazer em relação aquela
situação.
-Bem... Sou o capitão e poderia muito bem pô-lo para sair às carreiras daqui.
Todavia meus caros amigos e companheiros, respeito a opiniões de vocês e se é o que
querem... Pois bem... -voltando-se a Munch que estava agindo como um animal
indefeso jogado no chão, Luigi afirmou com relutância, achando-se astuto na decisão:Ficará no meu navio sendo parte da tripulação. Mas, nunca mais desafie seus
superiores e contenha-se no consumo de rum.
Giulia seguiu para o quarto principal com Luigi indo junto de seus calcanhares
que após a readmissão de Munch deu ordens de despacho a todos e assim para
seguirem onde bem entenderem, pois tinham um dia livre.
Bartolomeu estendeu sua mão a Munch que se apoiou e levantou.
-Muito obrigado, meu chefe de tripulação. - Agradeceu o desordeiro popular.
-Quando puxo a mão não só a puxo, também levo pernas, ombros e pés. -falou
Bartolomeu com toda tranquilidade e extrema ironia.
-Incrível, temos a mesma natureza e reação. -contradisse Sebastian Munch que
estava realizado com seu plano, pois ele decorria melhor que o esperado.
Bartolomeu trocou olhares com Danton que não os retribuo. Covarde, apesar
de estar do lado de Munch, Arrive temia os seus superiores e não era capaz de
enfrentá-los sozinho.
-Acha que agi com coerência? -interrogou Luigi sua irmã, sua resposta seria
essencial para tranquilizá-lo e assim veria que não estava tomando decisões erradas.
-Você é o capitão, suas decisões não são contestadas por mim e sim aceitas e
com minha mudez. -respondeu ela que segurava a espada e limpava a arma com muito
zelo.
Luigi sentiu-se afrontado pela irmã, conforme mau entendimento de palavras.
-Está com inveja Giulia? Hã? É isso mesmo eu sou o capitão agora! -afrontou ele
com dureza nas palavras.
-Inveja? De forma alguma, mereceu o cargo, está nele por justiça. Eu sou um
simples...
-Tripulante! É isso mesmo, um simples tripulante. –uma raiva enorme tomou-o,
logo após tristeza e dor. –Mas, mesmo não sendo o capitão ainda será a queridinha de
Matarazzo, não é mesmo?
122
Ela levantou-se e seguiu em direção a Luigi com os punhos feitos, e ele recuou
alguns passos. Com o dedo em frente o rosto dele, Giulia respirou fundo e engoliu
seco:- Nunca fale do meu pai.
Os dois se encararam, certamente Munch estava correto, seu plano estava
saindo muito bem além daquilo que planejava, os filhos de Matarazzo estavam agindo
como dois inimigos, sempre disputando por algo depois da morte do pai. Ele lutava
para ter a atenção não tida do pai e ela lutava para tentar esquecer aquele quem mais
amou na vida.
-Saia do meu quarto. -ordenou o irmão.
-Sua ordem será cumprida, meu capitão. -Giulia agiu como se o irmão como um
rei.
O capitão sentiu-se irado e constrangido ao mesmo tempo.
A carruagem de Mercy havia sido arrumada e já trafegava por toda vila com
toda emoção e sucesso que ganhou após a salvação de Theodoro. Os cavalos eram
vistos como leões ferozes, a carroça era de primeira qualidade, ela era como uma
princesa indefesa que fora salva, e Theodoro era visto como um grande herói. Mesmo
após duas semanas o fato de heroica demonstração, Theodoro era aclamado por
alguns homens e mulheres, e era uma imagem de herói para todos os garotos e
rapazotes.
Estacionada em frente a casa dos Martins a carruagem da cena épica criava
assuntos para uma boa conversa entre os escravos que ali perto estavam.
-Agradeço que veio, não gosto nada de ficar sozinha com Serafim. Ele tem a
incrível capacidade de me constranger, acho-o indelicado demais. -disse Malvina que
recebeu a grande amiga e comparsa de um passado recente quando ambas faziam
parte do cabaré da cidade.
-Um tanto mixiriqueiro, dire. Ohh, mas a temps não nos falamos minha, cher
ami, querida amiga. E as coisas aqui como andam? -olhando ao seu redor Mercy viu
duas escravas paradas a porta. -Pelo que vejo, sem nenhuma intimité, privacidade.
Malvina deu ordens para as escravas se retirarem.
-Heitor anda tão impaciente, está aos nervos vendo Rafael crescer tanto.
-Rafael é muito intelligent e sabe aproveitar as oportunidades que a vie lhe dá. respondeu Mercy olhando entre as cortinas se descobria algum escravos escondido as
espionando. -E sua mãe, ela é realmente impressionante, mudou da L'eau en vin, da
água para o vinho em poucos dias.
-Não se preocupe, não há ninguém nos ouvindo. -apaziguou Malvina. - Sim, ela
está muito bem, graças a Deus.
-Vamos me diga... -se aproximando ao máximo de sua amiga, a francesa falou
em sussurros. -... Tu e Escobar?!
Malvina se assustou, arregalou os olhos, deu um passo para trás, seu coração
começou a bater descompassadamente rápido:- O que tem Escobar? Ele já não
trabalha para nós.
-Oui! Entendo. -Mercy sempre imaginou que Malvina acabaria indo para os
cantos com o capataz, pois via o modo dos dois se olharem e é claro que a vida
123
mundana passada da amiga também influenciava para tal ideia. -Sempre imaginei que
vocês... Bien... Acabariam...
-Me ofende com tal absurdo. Nunca faria isso, sou casada e muito bem casada.
Não é porque fui uma prostituta que ainda continuaria sendo depois de casada. Que
ofensa!- a senhora Martins questionou a amiga, com as mãos na cintura e o pé direito
batendo no chão.
Mercy analisou a amiga dos pés a cabeça e interrogou: - Que barriguinha é
essa? Ou deus, você está enceinte, grávida?
-O que? –Malvina estava com o cérebro emaranhado. A pergunta da amiga
assim de supetão a deixou sem palavras e modos. - O que está me perguntando? Não
entendi sua pergunta.
A francesa se abaixou na altura da barriga de Malvina. Demonstrou estar muito
feliz por sua amiga, finalmente ela conseguira o que tanto sonhava, o que seria honras
para o marido... Um filho. E se Deus iluminasse haveria de vir um menino... Grande e
saudável: - Ficarás linda como maman, como mamãe.
Desvencilhando-se da amiga Malvina viu absurda tal análise. Apesar de que era
o que ela mais desejava. Explicou para a amiga que as coisas estavam todas normais,
aqui deixo à compreensão das moças que estão lendo a obra.
E pois bem, não gastarei mais que um pequeno punhado de palavras e quero
alertar vocês doces e jovens ninfas que estão a executar a leitura dessa obra, apesar
do amor que é sentido e está presente até então na história, infelizmente as tragédias
irão se dar início. Assim, para as belezas celestiais, com pureza angelical e delicadeza
de louça que sois vos mulheres, acho melhor partirem para William Shakespeare,
verão firmemente o que é o Romantismo e a beleza, a preciosidade dessa escola
literária em tal obra. Entretanto se sois uma dessas mulheres que adora uma boa
aventura e adrenalina fixe bem a atenção e garanto-lhes aventura e ação.
-Então só deu uma engordada? -questionou Mercy pondo-se de pé e
sacudindo o vestido.
Passando a mão em sua barriga e se analisando a senhora Martins afirmou:Sim, devo ter engordado... Está sendo inconveniente Mercy.
- Me desculpe, só queria ser a primeira a saber dessa glória. Não quer mais ter
enfants, filhos?
Malvina realmente viu-se desesperada em saber que poderia estar grávida.
Várias coisas passaram por sua mente em questão de segundos: Que sexo teria o
bebê? Como ele seria? Com quem iria parecer mais: com o pai ou a mãe? O que seria
quando crescer? Era capaz de educar a criança como devia? ...
-É claro que quero, por Deus Mercy, é o meu maior desejo. -respondeu Malvina
beijando o crucifixo em volta de seu pescoço. -Mas não passa de algumas gordurinhas,
nada mais que isso.
-Nenhum symptôme, sintoma?
-Não Mercy. Vamos logo ao alfaiate, tenho hora marcada e iremos nos atrasar.
-Malvina em seguida abriu a porta da sala onde as duas conversavam.
-Sem personne, ninguém, nos ouvindo?- indagou Mercy vendo as duas escravas
agachadas e que estavam de ouvidos grudados na porta.
124
Theodoro havia chegado bem antes de todos no escritório de Rafael. Arrumou
todo o escritório, cobrou café fresco das escravas que lá trabalhavam e recebeu com
cuidado a encomenda que um jovem rapaz da frota do senhor Hamburgo o entregou
deixando o embrulho sobre a mesa de seu patrão.
Ottávio estava em outras obrigações pela manhã, estava junto do Coronel da
Guarda verificando onde ficaria o homem capturado, os modos e a segurança que
levariam o infeliz para o ato do Baile.
Rafael chegou em sua linda e confortável carruagem, Chico a estacionou e
seguiu para papear um pouco com um grupo de negros locomotores dos senhores de
Santos que também estavam trabalhando.
O senhor Hamburgo seguiu para sua sala onde foi recebido com toda cortesia e
educação que merecia, sentando-se na cadeira puxada por Theodoro. “Bom dia,
rapaz.”
-Bom dia senhor, chegou essa encomenda para o senhor. Um dos seus
tripulantes trouxera-a a pouco. - disse Theodoro que estava preparando o café do
patrão.
Rafael levantou-se com os olhos brilhando como pérolas. Estava sentindo-se
como se estivesse diante de Deus. Theodoro não entendeu tal reação.
O embrulho foi aberto e dele saiu uma espada. Com uma bainha de ouro com
mistura de bronze, ela era feita de prata. Pegando-a em suas mãos, Rafael a venerou.
-Uma espada, bem que desconfiava. -disse o jovem forasteiro que colocou a
xícara sobre a mesa.
-Ela tem muito mais valor do que se parece. Pois bem, coloque-a sobre aquela
mesa e depois a levarei para casa. –tomando um gole de seu café, Rafael voltou-se ao
rapaz. - Tenho que ter um dedo de conversa com você Theodoro.
- Sim, senhor. -Theodoro já esperava essa conversa. Estava claro que a senhora
Hamburgo contara a cena que viu no vale, realmente parecia o fim dos encontros com
a linda e jovem Daniele, e um entrave grave diante seus planos.
-Estou sabendo de seus encontros com Daniele no vale. Não foi nada educado e
grato com minha família que o acolheu com tanto carinho e confiança, e um grande
desrespeito para com Daniele, pois a pureza de uma donzela, meu caro rapaz, deve ser
mantida até o dia que ela case-se e torne-se uma senhora de família.
Theodoro sentiu-se um tanto envergonhado e imprestável: -Senhor, me
perdoe. Nunca agi de forma a querer afrontar sua família, desrespeitar a jovem moça
Hamburgo e muito menos faço pouco das oportunidades que me dispõe. Agi
simplesmente pela voz do coração.
Rafael ouviu as palavras do jovem e lembrou-se de um amor não vivido na
adolescência, viu a sua imagem diante de si. Contudo, as coisas não poderiam ser
como os dois apaixonados queriam, o casamento de Daniele com Ottávio era mais
certo e querido por sua esposa.
-Pois bem, perdoou o pelo erro de ambos, e chegam ao fim os encontros e os
desejos de união. E espero respeito e lealdade daqui em diante, pois Daniele já tem
um noivo, o senhor Ottávio. -sentando como rei em sua poltrona, Rafael deu a
conversa como encerrada e começou a revirar alguns papéis. – Agora vamos ao
trabalho, traga-me os papéis daqueles tecidos que trouxeram...
Theodoro seguiu as ordens de seu patrão. Mas a sua história com Daniele não
terminaria daquele modo, algo haveria de mudar o curso desta trama.
125
Josué estava arrumando uma pilha de caixas quando se deparou com seu tio
em sua frente.
-Mudança radical de vida, ao invés de empilhar garrafas, agora empilha
caixotes. Ouvi você dizendo que iria melhorar, entretanto o que vejo não passa de uma
mudança do fogo para a frigideira. -Oswald analisou todo o ambiente e o comparou
com os sonhos profanados pelo sobrinho ao sair do Beira Mar.
- O que você quer aqui tio?- indagou Josué sobre a presença do velho pirata.
-Perguntar se é isso mesmo que pretende para sua vida?
Pegando um saco de farinha e colocando-o sobre uma pilha ao canto, suando
um pouco e ofegante, Josué respondeu: -Eu não quero a vida de vocês para mim, não
pretendo ser um perseguido pela Coroa e sempre que andar pela rua me olharem com
medo.
-Interessante, pretende então servir os ladrões de colarinho branco e com o
bolso lotado de ouro, explorados dos pobres trabalhadores. Excelente! -Oswald deu
alguns passos até a porta, ou o buraco que deveria ter uma. -Não vim aqui por você e
sim pelo seu pai que anda amuado e triste pelos cantos, mas se é assim que pretende
recompensá-lo por tudo o que ele te fez...
-Rapaz acabe logo o que tem de fazer aí e venha aqui. Preciso que faça algumas
entregas para mim. -disse o novo patrão de Josué que jogou olhares pesados sobre
Oswald.
-Feliz daquele que dá valor no que tem. -comentando isso Oswald colocou o
chapéu e seguiu embora.
Josué pensava que sua mudança era mesmo a melhor escolha, assim poderia
ser aproximar aos poucos de Daniele e conquistá-la para si. Sonho.
O almoço ocorreu e como Maria Aparecida havia previsto, Daniele não comeu
nada. Rafael mandou o negro avisar que ele não iria almoçar na companhia de sua
família aquele dia e sim com os senhores de Santos na pensão.
-Pois vejam só, não é que os brasileiros sabem mesmo como contar uma piada.quase em lágrimas de tanto rir Donário Abreu, o Representante da Coroa, tinha em sua
companhia os dois arquirrivais e seus leais companheiros mais o Comandante da
Guarda.
Salete servia a todos, Heitor no início não gostou nada da ideia, queria aquela
velha o mais longe possível. Mas depois de alguns minutos sentiu-se reconfortado
sendo servido como um verdadeiro senhor e a sogra o bajulando como uma
empregadinha barata. Ela merecia coisa pior, pensou ele.
-Senhor Donário estava pensando comigo e não é que fazemos parte da mesma
família. -afirmou Heitor todo feliz. Passara a última noite pensando em como reverter
tal situação que estava ocorrendo, como ser melhor que Rafael, de tanto pensar
chegara a algumas conclusões. Logo pela manhã teve uma breve conversa com seu fiel
escudeiro Adrian.
“Ouça bem, descubra para mim de onde é que Rafael descende. Pois estava
pensando o que sabemos de seu passado é que chegou abarrotado de ouro aqui na
vila, entretanto não sabemos a proveniência de tal herança e muito menos a história
126
de sua família. Busque informações com os moradores da ladeira abaixo que pelo que
sei, eles sabem sobre quem é Rafael, principalmente aquele dono do Bar Pirata”, exigiu
Heitor e colocou uma bolsa cheia de ouro sobre a mesa a frente do empregado, “Faça
isso e será bem recompensado”.
-Mesma família? – o Representante não conectou tais informações com fatos.
-Pois sim, não é que meu primo José Maria Martins é casado com sua irmã.
Ontem um pouco antes de dormir, estava pensando que já havia ouvido falar de tal
nome tão bem formulado. E assim lembrei-me que havia recebido um convite de tal
enlace o ano passado.
Rafael acreditava nas palavras de Heitor, pois este tinha olheiras abaixo de
seus olhos que quase estavam chegando aos seus pés.
-Estava presente na cerimônia?- indagou o Representante, mostrando
entusiasmado com o assunto.
-Infelizmente não pude ir, na ocasião minha primeira esposa havia acabado de
falecer. -respondeu Heitor demonstrando uma falsa comoção.
-Ora essa, vejo que Santos não me reserva apenas a graça de conhecer homens
competentes e valentes, mas também parentes distantes. -Donário levantou-se e
abraçou o novo parente.
Heitor sentiu-se reconfortado, estava conseguindo finalmente ter as atenções
do Representante para si. Todavia, Rafael mal dava atenção a tal notícia e continuou a
degustar seu almoço.
-Gostaria de fazer um convite para todos. Na noite de amanhã, darei um jantar
em minha casa para meu querido Representante e quase irmão...
-Ora essa, sem exageros, por favor. -interpôs Donário.
-... Família, se melhor assim soa, e receberei sua comitiva e os senhores de
Santos.
-Adoro os jantares daqui! -exclamou Francisco Galvão.
-Aceitamos é claro, pois em menos de duas semanas estou para voltar à minha
terra querida. –exaltou o Representante sentindo o aroma do bacalhau português.
Saindo do almoço, Ottávio se aproximou do patrão e provável sogro:- Não acha
preocupante tal fato de Heitor com o Representante?
-Não. Estou tranquilo, sei muito bem e até mesmo Heitor sabe, quais são os
limites dele. Isso não passa de festejos para o nosso caro Representante. Os assuntos
da Coroa são comigo.
Josué passou toda manhã entregando mantimentos nas mansões dos senhores
da vila. A última delas depois do almoço fora uma casa próxima a casa dos Hamburgo.
Passando por esta, o jovem rapaz parou e ficou observando toda casa e
imaginando sua amada Daniele e tivesse sorte poderia vê-la na sacada de algum
quarto.
No jardim tinham os escravos cuidando das plantas e alguns feitores
observando os serviços. De repente Josué foi chamado a atenção por um dos feitores
que estava o vendo olhar demais para dentro da mansão.
-Ei, rapaz o que você quer aqui?
127
-Nada, não senhor. Só estou admirando a mansão. -respondeu Josué sem jeito.
E de repente, Daniele saiu da mansão e entrou na carruagem estacionada e
que estava pronta para seguirem ao alfaiate com muita rapidez, parecia estar
descontente na visão de Josué... Iria ver sua amada novamente, isto mais que um
sonho, um prazer.
-Essa casa não está aqui para ser admirada, pegue seu rumo e vá arrumar o que
fazer. -ordenou o feitor.
Josué mal ouviu as palavras do feitor e seguiu para perto do portão. O grande
portão de metal rígido se abriu e a carruagem passou. Contudo o filho de Rúbio mal viu
a moça, os cavalos estavam a passos rápidos.
Para a graça de Josué, um pequeno pedaço de seda que parecia vir do vestido
da jovem, voou até seus pés. Pegando o pequeno pedaço e levando-o até as narinas,
assim Josué sentiu-se recompensado. O destino estava conectando-o a ela, imaginou
ele.
Serafim ajeitava os pequenos arranjos no vestido sobre o corpo de Malvina,
comentando cada detalhe:- O que houve com sua pessoa, senhora Malvina? Teremos
que desfazer algumas costuras parece-me que engordou um tanto.
Mercy trocou olhares com a amiga como se quisesse dizer, “Viu, não foi
somente eu que reparou que seu corpo mudou”.
-Limite-se ao ajuste de meu vestido e encerre os comentários, por favor,
Serafim. - Malvina estava sentindo-se incomodada com tal situação.
Serafim sabia que Malvina não tinha gosto por ele, mas ele sendo o melhor
alfaiate da vila e ela mulher de quem era, teriam que se suportar. Contradições da
vida.
De repente Daniele entrou na pequena butique, cumprimentando a todos.
Aparentava estar afobada causando desespero no costureiro: - Estou atrasado, jovem
Daniele atendo você ao terminar os pequenos... -analisou o montante de costuras
desfeitas no vestido de Malvina com certa inconformidade -... Ajustes aqui. Será breve.
-Não se apresse Serafim, eu é que estou adiantada. Na verdade, prefiro aqui do
que ficar em casa com minha mãe falando nas minhas orelhas.
Depois de algum tempo, a carruagem da senhora Hamburgo estacionou na
butique que começava a ficar cheia.
-Por que não me esperou para virmos juntas? Sabes que está proibida de sair se
não junto de mim ou seu pai. Olá, senhora Malvina. -Maria Aparecida tentou manter a
discrição e postura.
Malvina pôs os sapatos e estava pronta para seguir embora. “Olá, senhora
Maria Aparecida.”
Mercy que experimentava alguns chapéus cumprimentou a todos e ressaltou a
imensa vontade da chegada do Baile para dançar e degustar as melhores bebidas e
comidas.
-Não sei o que há de tão esperado nesse Baile, espero não estar disposta para
aparecer em tal evento. -comentou Daniele sobre o pequeno palanque, tendo Serafim
com as mãos nos babados de seu vestido.
128
-Digo como a senhorita Mercy, não vejo a hora de estar nessa grande festa. –
acrescentou o alfaiate.
-Nem que esteja com cólera, você aparecerá nesse Baile, minha querida filha.
Depois bem, aí podes morrer como bem desejar. -Maria Aparecida estava cansada da
impertinência e maus modos da filha. Sua paciência tinha limites, mas parecia que as
afrontas de Daniele não.
-Não estou disposta a discutir sobre esse assunto com você, minha mãe...
Cuidado Serafim. –disse Daniele com os peitos estufados.
-Ou desculpe. -Serafim estava vendo que o clima entre mãe e filha não estava
nada bem. Algo de muito grave havia acontecido e Daniele persistia em continuar com
suas ideias e princípios pelo o que parecia.
-Entretanto não está cansada para seus passeios vespertinos, não é mesmo. - a
mãe havia chegado ao seu limite.
-Maquerelles! -Mercy tentou alerta mãe e filha do momento indiscreto que
todos estavam por passar.
-Adoro meus passeios pelo campo. -descendo do pequeno palanque Daniele
encarou sua mãe. -Principalmente quando eles me deixam longe de suas futilidades e
asneiras. Pois sua vida não passa disso, de coisas inúteis. Acha mesmo que quero ser
igual a você, pois bem, está enganada. Sou diferente de você e ainda bem. Desejo viver
outra vida, ser uma mulher diferente, do que viver a sombra do marido e a passar o dia
a gastar, ou em ficar imaginando como colocará inveja nas outras mulheres e
demonstrar que é melhor que todos e tudo...
Daniele cultuava uma autonomia e poder de liberdade de escolha que as
mulheres só iriam começar a lutar no início do século XX e que continuam lutando até
os dias de hoje do século XXI para tê-los.
Os presentes em tal cena viam saltar veias do rosto da senhora Hamburgo.
Uma tremenda raiva havia lhe tomado por inteira, olhava para Daniele como se fosse
um estranho em sua frente. Sua filha havia mudado complemente da doce e educada
moça que ela conhecia.
- Eu amo... -prestes a dizer o nome de Theodoro, Daniele levou um bofetão de
sua mãe. Paralisadas, as duas trocaram olhares indignados. A mãe já não reconhecia a
filha e Daniele via do que sua mãe era capaz.
Maria Aparecida sua fúria era tamanha que não conseguia direcionar nenhuma
palavra à moça.
-Serafim, termine logo com ela, estou com pressa hoje e sem nenhum pingo de
paciência. Estou esperando em minha carruagem... Senhoras, boa tarde. –Maria
Aparecida se despediu de todos e seguiu para sua locomoção que estava estacionada
em frente à butique, pois não suportaria ficar junto de todos ali e de Daniele.
Mercy, Malvina e Serafim estavam sem reação, totalmente desajeitados em
presenciar aquela discussão. Viram Maria Aparecida com um ódio nunca visto antes.
-Mon Dieu, vimos o que um passeio é capaz de provocar. -Mercy como sempre
tentou descontrair tal situação, em vão.
-Muito obrigada pelo serviço, Serafim. Vamos Mercy, passar bem a... Todos. –
disse Malvina que agarrou Mercy e arrastou-a loja a fora.
Daniele estava se sentindo como um dos escravos de sua família, sofrendo
fisicamente por ir contra as vontades de sua mãe.
129
Serafim olhava para Daniele sem saber como agir. “Senhorita, suba aqui para
terminarmos logo com isso.”
Daniele fora conduzida para o pequeno palanque, balbuciando algumas
palavras até ficar calada e mergulhar em seus pensamentos... Iria propor a Theodoro
para fugirem.
Caminhando até onde estavam estacionadas suas carruagens, Mercy seguiu
comentando sobre tal cena e Malvina postou-se calada.
-Oui, sabia muito bem do que aquela dame era capaz. Fazer aquilo com a pobre
por apenas algumas libertinagens. Nunca fui mesmo com as fuças de tal senhora. Se
soubesse o que eu e seu époux, esposo fazemos...
-Mercy, não comente essas coisas por aí. Sabes muito bem que pode causar
problemas a Rafael. E contenha-se ao contar o que acabamos de presenciar, é íntimo
das duas. É uma história que não deves se intrometer. -Malvina como sempre era
cordial e sublime.
-Oiu, oiu. –concordou a francesa que admirava alguns rapazes não muito longe.
E de repente Escobar e Malvina quase se esbarram. Pela primeira vez viam-se
após a despedida de outrora.
-Escobar?!
-Senhora Malvina.
A francesa presenciou os olhares de cada um, decifrando os calorosos desejos e
anciãs de ambos apaixonados.
-Olá, garçon. -Mercy cumprimentou o ex-capataz dos Martins.
-Olá senhorita Mercy. –ele retribui. -Como vai?
Malvina não tirava os olhos dele, admirava-o com saudades. Até que foi
retirada de seu transe pela francesa: -Malvina, não acha ?
-Ou, é... Acho?
-Uma peine, pena, Escobar deixa de servir em sua maison?
Escobar esperava uma frase calorosa da parte de sua amada.
-Se ele acha melhor não trabalhar lá, quem sou eu para questioná-lo. respondeu Malvina não o encarando mais.
Escobar sentiu-se novamente um nada, realmente estava acreditando que
Malvina não sentia nada por ele além de desprezo e piedade.
-Pois bem senhoritas, tenho que ir andando. Boa tarde, para ambas. -despediuse o ex-feitor. Cabisbaixo e infeliz, com um leve beijo sobre o rosto da mulher que
amava foi embora.
-Não entendo porque nega os attouchements, os carinhos dele. –Mercy
questionou a amiga, imaginando os valores de Escobar.
-Sou casada, Mercy. Hoje realmente é o dia para os absurdos! -Malvina exaltou
mais uma vez a falta de coerência e ética da amiga.
130
O sol se pôs, a imagem por quem foi vista ao longe no oceano fora realmente
algo divino. Aves marinhas sobrevoando o oceano como se estivessem migrando para
o sol. A água tomara a tonalidade de um alaranjado e dourado, a espuma tinha tom de
diamante e o ar úmido e quente animava almas que qualquer um dava já por perdida.
A lua tomou o céu, onipotente. No meio da noite ela tomava o centro da
imensidão escura acima das nossas cabeças, fazendo-se ter ideia que algo mais existia
além desta vida para quem admirava.
Mercy arrumou com delicadeza sua residência, preparou duas taças e um bom
vinho, estava usando a melhor roupa íntima e tinha grandes desejos.
Batidas na porta, ela começou a suar frio, ficou ofegante, nervosa e ao mesmo
tempo vermelha de uma timidez que a ela não cabia.
Theodoro apoiava uma das pernas no pilar de madeira na pequena varanda
em frente à casa da francesa. “Boa noite, Mercy.”
Puxando-o para dentro e verificando que ninguém estava os observando
Mercy trancou a porta.
-Pensei que não viria. –disse a francesa um tanto próxima dele, numa
proximidade capaz de sentir o ar quente das palavras ditas por ambos.
-Não poderia faltar a tal encontro, meu pagamento na verdade. -respondeu ele,
encantador e galanteador.
Ela riu melosa, desvencilhando dele e pegando uma taça de vinhos para ambos.
Servindo-os.
-Está em maus termes, mau condições com Maria Aparecida. Vous e Daniele
juntos... -um pouco de vinho escorreu da boca dela.
-Viemos aqui para falar dos Hamburgo ou... -ele coloca sua taça sobre uma
mesa, limpando o vinho escorrido da boca dela com seus dedos grossos. -... Iremos
tornar esse pagamento algo mais agradável?
Desejos.
O escravo obedecia às ordens de seu patrão e observava escondido os dois
corpos se entrelaçarem sobre a cama.
131
Capítulo 14: O anel sobre o criado mudo.
Mais uma vez o sol nasceu e a natureza agradeceu por essa divindade.
Pássaros cantavam, o vento refrescava o calor, as borboletas voavam sobre os jardins
e os cavalos levavam seus senhores para seus devidos caminhos.
Mercy chegou como sempre para dar aulas de francês para a jovem Daniele.
Esta andava muito indisposta e não trocara nenhuma palavra com a mãe desde a
breve discussão na butique.
A professora ditava um texto até que foi interrompida pela moça.
-Senhorita Mercy, por favor, não consigo me concentrar. Paramos por aqui
hoje. -pediu Daniele, pondo a mão sobre a testa. Enxaqueca.
-Ora essa, senhorita Daniele. Tens de saber separar suas émotions, suas
emoções de suas obrigações. Deves cumprir com suas obligations, és uma moça e tens
que aprender a separar os problemas que a vida nos coloca. Pense um pouco, minha
querida. -Mercy tentou aconselhar a jovem, pois na noite anterior Theodoro disse que
faria algo em relação a separação de ambos. Tiveram uma noite agradável!
-Compreendo, mas amo Theodoro até mais que eu mesma. Vou viver esse
amor e ninguém irá me proibir disso. -a jovem exaltou seu amor.
-Compreendo, mon chéri. -Mercy sentiu pena da inocência da garota.
-Mercy, por favor, entregue esse bilhete para Theodoro. Eu preciso me
encontrar com ele novamente. – dizendo isto a jovem romântica retirou um pedaço de
papel dobrado do bolso do vestido e entregou para a francesa.
Mercy analisou o pedaço de papel e suas possíveis consequências se caíssem
em mãos erradas.
-Pois bem, mas que essa seja a première e última vez que me usa como pombo
correio. Pois, não quero problemas com sua família. –afirmou a francesa guardando o
pedaço de papel entre os livros que tinha sobre a mesa- Agora, vamos voltar à aula.
Continuemos o ditado... lorsque l'agent est arrivé...
Daniele retomou à escrita com um sorriso em rosto e esperançosa de ver seu
amado o mais breve possível.
A velha Reghine admirava a parafernália de madeira que já começava a tomar
forma. Estava no recinto onde ocorreria o Grande Baile, evento por todos tão
esperado. As mesas e vários outros instrumentos necessários estavam chegando para
serem organizados e postos nos seus devidos lugares.
-Mas Rafael o que é isto? Para que serve?- indagou a organizadora do evento
ao chefe sobre tal parafernália.
Rafael observava o pequeno palco imaginando a noite da grande festa.
- Infelizmente isso não tem nada haver com seus interesses, preocupe-se com
os detalhes que ainda faltam do Baile. -respondeu Rafael admirado.
-Não venha com palavras baratas sobre mim. Espero que saiba o que está
fazendo, meu nome está presente nesse evento e se algo de ruim acontecer...
-É uma ameaça? –indagou ele com estranheza.
-O que acha? Não sou um dos seus paus mandados senhor Rafael Hamburgo.
132
-Preciso desse palco para o meu discurso. Ocorrerá um grande espetáculo!Rafael tinha brilho nos olhos e sua alma sedenta de poder.
Depois de algumas horas, Rafael se encontrou com Ottávio e um capataz em
sua exótica sala de sua casa.
-Sim senhor, tenho certeza que é um filho daqueles homens que moram na
ladeira abaixo. Já veio entregar alguns vinhos e queijos uma vez em vossa residência. denunciou o feitor.
-Quer que eu procure esse rapaz para o senhor? –questionou Ottávio, sempre
valente e leal.
-Não, acalma-se. - Rafael estava um tanto intrigado, entretanto associou a falta
de informações por parte dos piratas com a suposta espionagem deles, isto soava
como algo infundado. -Seria impossível eles estarem sabendo de algo. Mas para nos
assegurar... -voltou-se ao feitor-... Aumente a quantidade de homens fazendo a
vistoria de minha casa. Agora saia.
-Nenhuma preocupação com o jantar de hoje na casa de Heitor, senhor? –
Ottávio viu que Rafael agia com muita tranquilidade no caso entre o Representante e
Heitor.
-Não se preocupe. Não passa de distração para Donário. Ottávio... Eu e minha
esposa fazemos muito gosto no seu casamento com Daniele, e... Aceitamos o seu
pedido de casamento e pensamos anunciá-lo no Baile. Está de acordo?
Ottávio era sentiu-se o homem mais feliz do mundo. Deus havia o abençoado
com tudo o que havia de melhor, era um grande sortudo. Rico, bonito e casaria com a
mulher que amava. “Com toda certeza, quero dizer, concordo plenamente. Sim, sim,
sim.”
Marcos Olivier entrou aos nervos no Beira Mar. Pediu um pouco de aguardente
e quase quebrou o copo ao postá-lo no balcão.
-Mas o que há meu caro amigo? -Indagou Bartolomeu. Os tripulantes do
Minerva agora eram presença constante em tal local pirata.
-Eles estão de volta Oswald. Estão percorrendo novamente nosso bairro,
analisando tudo e todos. -Marcos Olivier não compreendia o que os guardas da Coroa
queriam no seu beco.
Oswald aproximou-se com um guardanapo pendurado nos ombro e também
uma interrogativa em mente:- Não é possível que queiram encontrar alguma confusão.
Há tempos estão rondando, mas não fazem nada.
-Não se afobem, ás vezes estão apenas vistoriando. - Rúbio comentou com
uma tranquilidade nunca vista antes em tal homem e por consequência a surpresa de
todos.
Todos analisaram o velho pirata de perna de pau com grande surpresa.
-Está difícil para ele. -comentou Augustus em sussurros para os homens que o
cercavam.
-Vamos parem de cochichar como mariquinhas, o que estão olhando? - o velho
de perna de pau encarou a todos e seguiu para os fundos do bar.
O irmão acompanha-o.
133
-Não fique assim, meu irmão. Ele é jovem está com a cabeça cheia de ilusões. consolou Augustus o outro.
-Não preciso de consolo, preciso ficar sozinho, deixe-me. –ordenou Rúbio. Seu
coração estava partido, era como se um pedaço de si faltasse, amava muito o filho.
Oswald compreendeu a dor do irmão e voltou aos serviços do bar.
Heitor mandou fazer tudo o que havia de melhor para servir ao Representante
e a elite de Santos. A mesa estava lotada de comidas... Bebidas... Conversas a toa...
Piadas... E ironias.
Daniele e Theodoro não tiravam os olhos um do outro. E Maria Aparecida ao
perceber tais trocas de olhares, cutucou a filha, só assim Daniele conteve-se.
-Controle seus olhares. –Margot sussurrou para o afilhado. –O noivo dela vai
acabar saltando sobre sua pessoa.
Theodoro olhou em Ottávio que o fitava com ódio, demonstrando estar de
olho nele e em Daniele.
-Atenção, senhores. -Heitor levantou-se majestoso. -Agradeço a presença de
todos esta noite em minha casa.
Rafael observava e ouvia tudo com muito cuidado.
- O que fazemos de melhor são recepções e assim recebemos o nosso caro
Representante...
Este para não perder o costume:- Donário Abreu Freitas Guedes Lima, o
Representante da Coroa.
-Sim... Nosso Representante. Infelizmente o tempo passa e o seu dever será
feito cá em nossa vila e assim partirá, mas antes disso convido-o para se instalar em
minha casa nos dias que lhe resta em nossa simples vila. Não será incomodo, mas sim
honras de ter aqui em minha residência alguém da Coroa, um parente querido.
-E qual outro louvor teria, não é? -indagou o prefeito da vila, José Miguel, com
sarcasmo.
-Ora essa, se não for incomodar, fico esses dias por aqui se assim quer. respondeu Donário que já não aguentava os ares do hotel.
-Será um prazer recebê-lo. -Malvina exaltou.
-Sei bem o prazer dela. -ironiza Maria Aparecida ao marido. E os dois trocaram
risadas.
Não muito longe dali no único hotel da cidade, Salete estava sentada no grande
quintal dos fundos até que foi acalentada pela visita de seu velho amigo Tibério.
-Pelos Deuses Tibério. O que está fazendo voando sobre a vila, alguém pode vêlo. -questionou a velha correndo para abraçar o cavalo alado.
-Vim aqui me despedir minha querida amiga. -falou ele abrindo suas imensas
asas afagando Salete.
-Mas para onde vai?
134
-Estamos fazendo a retiradas das mulheres, velhos e crianças daqui para um
local seguro. Os dias de guerra e terror estão próximos. E vim para lhe alertar para que
você possa salvar a vida das pessoas que ama.
-Não sei o que posso fazer para alertar a todos, ninguém acredita em meus
presságios. Então me postei ao lado deles para tentar, quem sabe, intervir.
-Humanos!
-Agradeço a sua visita e seu cuidado, caro amigo.
-Salve Malvina, minha querida... Conseguirá salvar mais que uma vida com a
salvação dela.
Após mais algumas palavras, Tibério se despediu de sua grande amiga e voou
para longe.
Salete sabia muito bem que as palavras do amigo eram verdadeiras. E ao olhar
para o céu, percebeu que as estrelas começavam a desaparecer, tornando-o uma
imensidão negra.
O jantar já havia terminado, todos perambulavam pela casa divididos em
grupos tomando café fresco.
Donário estava cercado por Rafael, Heitor e sua esposa, o prefeito e o Coronel
da Guarda.
-Foram muito hospitaleiros, todos vocês. Tenho muitos elogios para fazer ao rei
de todos e é claro ele não esquecerá nas horas de presentear alguém. -comentou o
Representante.
-A graça e vida do rei já são suficientes para todos nós. -afirmou José Miguel.
-Mas nada como uma diminuição nos impostos para nos tornar mais alegres. Rafael ironizou acompanhado pelos risos de todos.
-Tens uma bela esposa, Heitor. -Donário admirou Malvina. -Jovem, de boa
postura...
-Muito obrigada, senhor Representante. É muito gentil! –ela agradeceuo o
elogio. E ao tentar centrar sua visão na figura do homem à frente, algo a deixou tonta
e com a visão enegrecida. Heitor sentiu as mãos dela segurarem em seu braço com
mais força.
-Está bem, Malvina?- interrogou o esposo, preocupado.
-Sim, sim. Estou bem. -respondeu ela, tornando-se pálida e gelada.
-Está pálida, cara senhora. -questionou o Coronel da Guarda.
-Acho que foi algo que eu comi. Com licença. -ela se retirou o mais rápido
possível seguindo ao banheiro.
Sem forças acabou encostando-se a parede no meio do corredor. Suas forças
iam se esvaindo quando de repente é surpreendida por sua amiga francesa:- Mercy?!
-Oui. Não está bien, Malvina. Precisa de um médecin, um médico.
-Eu preciso... Vomitar... -a senhora Martins rumou para o primeiro banheiro
que encontrou e acabou pondo os bofes para fora.
135
Encostando-se em Daniele, Theodoro seguiu a uma sala onde fechou a porta. A
jovem garota entendeu o sinal do rapaz e tentou acompanhá-lo, mas foi interrompida
por Ottávio.
-Não deves ir se encontrar com ele Daniele. Está compromissada, és minha
noiva.- Ottávio alertou a jovem, segurando-a pelo braço com força. Estava sentindo
muita raiva do forasteiro.
-Entretanto ainda não fora aceito oficialmente, meu querido Ottávio. -ela o
afrontou, encarando as mãos dele que as dominavam.
Maria Aparecida postou-se do lado e ordenou a filha para seguir até a
carruagem, pois sua família já estava de saída.
Daniele olhou triste para a sala onde Theodoro se encontrava, voltou-se à mãe
sem coragem de confrontá-la diante de todos e assim obedeceu tais ordens.
-Não. -Maria Aparecida segurou Ottávio que rumava para a sala onde estava o
jovem Castro.- Só iria causar tumulto e Rafael não precisa disso, principalmente dentro
da casa de seu pior inimigo. Acalma-se rapaz, você ganhou. São questões de dias para
tê-la ao seu lado.
O português respirou fundo tinha as mãos em punhos feitos, mas concordou
com sua futura sogra.
A porta da sala se abriu.
-Dani... -Theodoro logo se apressou para abraçar sua amada, mas conteve-se.
-Não está vendo que anda se arriscando demais. -Margot estava prepara para
dar uma bronca no afilhado. –Vais acabar perdendo o emprego e a confiança de
Rafael, pare de agir como um rapazote já és um homem.
Theodoro sentiu-se envergonhado, de cabeça baixa ouviu as palavras de bronca
da madrinha... Ela estava certa se continuasse assim sua vingança não poderia ser
feita.
-Espero que tenha aproveitado esse célebre jantar, pois estou indo. Virá
comigo?
-Sim, senhora.
-Essa casa não tem nada de atraente. O que eu esperava sendo de quem é, não
é mesmo?!- Margot seguiu para fora da sala deixando Theodoro devagar para atrás,
cabisbaixo e triste. Nada mais estava dando certo.
A carruagem dos Hamburgo era um silêncio tremendo. Ouvia-se com nitidez os
cascos dos cavalos nas ruas de paralelepípedo... pocotó, pocotó, pocotó...
Quebrando o silêncio como sempre, Maria Aparecida começou a fazer
comentários do jantar, Rafael disse meias palavras e só Daniele que permaneceu
quieta.
-Ora vamos, até quando ficará brava com sua mãe? -Maria Aparecida apesar
das coisas que vinham acontecendo entre ela e a filha, amava Daniele e queria ficar em
boa situação com a jovem.
-Não estou brava, estou digerindo o tapa que me deu. -respondeu Daniele que
estava ofendida e magoada.
136
-Acha que não merecia aquele tapa? Parou para pensar nas coisas que me
disse, um tapa foi pouco. -afirmou a mãe tentando explicar a agressão.
Daniele compreendeu que usou mesmo palavras fortes para com sua pessoa
materna. Iria iniciar mais uma discussão de sobre o casamento com Ottávio, para
explicar o uso de suas palavras, contudo reconheceu que seria perda de tempo. A
decisão já havia sido tomada. Tomada, não aceita. Nada que não pudesse ser
revertido, ela pensou.
-Vamos as duas sentem-se ao meu lado. -Rafael ordenou suas mulheres o
cercar. As duas obedeceram tendo as mãos agarradas por tal senhor. - Sabem, amo
muito vocês duas, e ccom todas as forças que tenho dentro de mim.
O clima de amor entre família tomou a carruagem que seguiu silenciosa até as
suas respectivas moradia.
Theodoro seguiu junto com Margot que comentava sobre os preparativos para
o Baile. Seria a maior festa que já organizou até então, estava sentindo-se muito bem
prestigiada. Tirando o fato da parafernália de madeira, tudo estava como havia
pensando e planejado.
Theodoro acenava com a cabeça, dando a entender que estava prestando
atenção nas palavras de sua madrinha. Contudo, seus pensamentos estavam longe,
lembranças de seu pai, de quando era criança... No dia do primeiro encontro com
Daniele no vale... Até que passaram por uma rua, e em uma viela, depararam-se com
um grupo de rapazolas entre uns doze e quinze anos de idade massacrando alguém
caído ao chão.
-Já estou imaginando a hora da valsa, todos muitos bem vestidos no centro
daquele ambiente... -Margot continuava seus comentários, entretanto foi
interrompida por Theodoro:
-Ei, pare a carruagem.
Saltando do carro a cavalos Theodoro rumou em direção aos agressores.
Margot tentou impedir o afilhado, mas foi em vão: - Theodoro isso é perigoso, volte já
aqui.
-Ei moleques, deixem-no em paz.
Os garotos pararam o massacre e encararam Theodoro. “Não iremos parar”,
afirmou um moleque loirinho e com uma cicatriz no olho direito.
-Parem já e vão embora. –mais uma vez Theodoro estava agindo por instinto,
agindo como um verdadeiro herói. Incoerência.
-Se não pararmos alguém irá nos impedir? -perguntou um outro rapazola
careca e de calças curtas.
Agarrando um pedaço pau, entre um monte de lixo, Theodoro ameaçou. “Vão
embora, antes que alguém mais se machuque.”
Margot observou a cena um tanto distante, levando as mãos à boca de
surpresa e medo após ver um dos agressores lançar mão de uma pequena faca e partir
rumo ao afilhado.
Assim sendo, Theodoro girou o pedaço de pau, desviou da faca em sua direção
e acertou em cheio a nuca do garoto que caiu de boca no asfalto, inconsciente.
137
Alguns malabares com o pedaço de madeira foram feitos pelo jovem Castro a
fim de assustar o grupo. “Mais alguém tem dúvida que eu porei vocês para correrem?”
Os agressores correram para se salvarem e evitar uma surra de Theodoro.
Margot se aproximou junto do afilhado que ajudava o senhor ferido no chão.
-Oh, jovem forasteiro, nos encontramos de novo. -comentou com dificuldade o
agredido.
Theodoro reconheceu o rosto daquele homem, era-lhe familiar, recente,
Balmiro Costa de Lagoas, o senhor que o trouxera até Santos. “Senhor Balmiro.”
-Ah, vocês se conhecem? Meu afilhado... E o garoto, ele está morto? –Margot
observava o garoto um tanto próxima e viu sangue escorrer de sua boca.
-Não sei Margot. - Theodoro não estava nem um pouco preocupado com a vida
do garoto. - Por favor, me ajude, vamos levá-lo para casa dele, eu sei onde fica.
Chegando na casa de seu companheiro de viagem, uma mulher um tanto
gorducha, de cabelos vermelhos que saiam de dentro do lenço enrolado em sua
cabeça, cheirando a gordura de peixe frito os atendeu e desesperou-se ao vê-lo. E que
pelas palavras dela, Theodoro e Margot compreenderam ser o marido dela.
-Meu querido, quem é que fez isso com ucê? O meu deus do céu. O que ucêis
fizeram com ele? -ela questionou tal jovem e tal senhora.
-Nós nada. Meu afilhado o salvou de ser espancado pelos garotos que andam
fazendo furtos no cais. -Margot postou-se a dar as informações, pois estava temerosa
de sofrer retaliações.
-Meu filho, vem cá, corre. Vem cá vê o que fizeram com seu pobre pai.
Um rapaz loiro, baixinho, de bochechas rosadas e unhas sujas apareceu e caiu
sobre o corpo do pai, maltratado.
-Meu pai, quem fez isso com você? -depois encarou de punhos feitos e dentes
cerrados Theodoro. -E vocês quem são?
-Esse rapaz... Ajudou-me, meu filho. –com seus olhos inchados e roxos, Balmiro
evitou Theodoro ser massacrado pelo filho. -Muito obrigado, pensei que iria morrer.
-A muié disse que foi os muleque de lá do cais. -a mãe repassou a informação
recebida.
-Sim, sim. -concordou a senhora Reghine. -Cuidem bem desse senhor, ponham
ataduras nessas feridas... Infelizmente já estamos de saída. –disse Margot puxando o
afilhado porta a fora e sussurrou:- Vamos sair daqui logo, esse rapaz é um matador de
aluguel, já imaginou se alguém nos vê aqui.
-Muito obrigado rapaz. -agradeceu novamente e com muita dificuldade o velho
senhor.
-Agradeço desconhecido. -a mulher agradeceu ajoelha diante os hematomas do
marido, e passando um pano umedecido sobre eles.
-Cuidem bem dele e como dizem, senhor Balmiro, uma mão lava a outra. dizendo isto o jovem Castro foi interrompido ao tentar se retirar do recinto pelo rapaz
que o abraçou.
Margot chamava o afilhado, já sentada na carruagem e olhando aos cantos
para se certificar que ninguém estava os observando.
Com os olhos corados o loiro baixinho secou as lágrimas que tendiam escorrer
com as costas das mãos e agradeceu mais uma vez Theodoro: - Muito obrigado, se não
fosse você meu pai poderia estar morto. Fico devendo ao senhor, se precisar de meus
serviços estou disposto.
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Um aperto de mão fora dado e Theodoro seguiu junto de sua madrinha.
-És mesmo um chamariz de problemas, senhor Castro. Sempre se metendo em
salvações de donzelas, velhos e pobres infelizes. – Margot venerou o saudoso herói.
Mas mais uma vez Theodoro mal ouviu as palavras da madrinha, simplesmente
respondendo com sorriso meia-boca, porque via na dívida do filho do velho Balmiro a
sua chance de conseguir ficar junto com Daniele.
-Minha querida filha, e os pesadelos que andava tendo... Já não os tem mais
pelo o que percebi?- Rafael temia ainda a conexão dos anéis e sua filha.
Daniele andava tão preocupada de salvar seu amor que até mesmo esquecera
sobre tais pesadelos. E seu pai tinha razão, ela não vinha tendo-os mais. E acreditava
nisto, pois tinha se desfeito dos anéis que então ela acreditava que a mantinha em tais
transes.
-Sim, ando dormindo muito bem. Tanto que desta vez prefiro meus sonhos que
a realidade. -a jovem Hamburgo respondeu com intenção de demonstrar sua
infelicidade. Em vão.
Rafael seguiu direto para os seus aposentos, estava exausto e queria muito
descansar, tudo corria conforme tinha planejado, e ele esperava que continuasse
assim.
Daniele seguiu para o seu aposento, mas foi interditada pela mãe que
precisava desabafar.
-Espero que compreenda tudo o que estou fazendo, Daniele. Apesar de você
estar entendo que estou causando-lhe algo ruim. - ela sentiu-se distante da filha, e isto
era algo que lhe doía muito.
-Se não queres me causar mal, por que deseja e planeja o meu casamento com
um homem que não amo? -novamente Daniele questionou a mãe sobre seu futuro ao
lado de Ottávio, insistindo na sua infelicidade.
Maria Aparecida se aproximou com toda delicadeza nas palavras e sentimento
protetor de mãe:- Eu sou mãe Daniele, acha mesmo que não te amo e quero causarlhe algum mal? Por não querer ver você, minha princesinha, passando por maus
bocados é que estou intervindo. Espero que case com um homem capaz de dar todo o
luxo e conforto que tens junto de seu pai ou até mais que isso. O amor é lindo até a
barriga roncar de fome... As dificuldades financeiras são capazes de matar pessoas,
entenda então de uma vez porque de minha objeção para com aquele rapazinho. E...
Por mais que todos digam que ele é uma boa pessoa, o meu coração de mãe contradiz
isso.
-Só que as pessoas e os corações delas erram. -Daniele tentou advertir.
-Sim, é por isso que temo que o seu esteja errado e acabe fazendo bobagem. O
mundo lá fora é cruel minha querida... As coisas são duras ao extremo além da
proteção das asas de seus pais.
-Eu te amo, minha mãe. Mas não concordo com suas palavras e sua posição em
relação a Theodoro e infelizmente não vou ficar parada diante da decisão que vocês,
que a senhora e que meu pai, tomaram. Eu e Ottávio seremos no máximo bons
139
amigos. –Daniele se posicionou em relação a tudo o que estava ocorrendo e terminou
definitivamente tal peculiaridade. –Boa noite.
A senhora Hamburgo estava sem forças, mas não desistiria de fazer o
casamento de sua filha com um homem de sua confiança. “É fácil para o canário cantar
desejoso aos céus e às florestas, corajoso e valente. Entretanto fez isto protegido
dentro de sua gaiola.”
Dentro de seu aposento Daniele despiu-se. Imaginava o que Theodoro haveria
de estar fazendo, amava este homem.
Ao por sua presilha sobre o criado-mudo soltou um leve grito, assustou-se. Lá
estava o anel, limpo, sem riscos, sem nenhum resquício de que fora enterrado há dias
atrás.
Com olhos arregalados, ela pensou ser uma brincadeira de mal gosto da
escrava, que por desejar vingar-se da surra que levou por conta de Daniele,
desenterrou o objeto para então atormentá-la.
A jovem logo desceu ao quarto das duas escravas e questionou sobre tal
atitude: - Por que fez isso Nina, queria me assustar?
Nina e Zilda acordaram assustadas não entendo o que estaria ocorrendo e
porque a jovem sinhazinha estaria no meio do quarto delas.
Nina levantou-se dos panos que fazia como cama no chão, meio sonâmbula,
ainda ligada ao sonho que estava tendo.
-Vamos acorde e me explique que brincadeira de mau gosto foi esta? -Daniele
começou a se enfurecer. Que brincadeira de mal gosto!
-Não sei do que a sinhazinha está falando. Não estou entendo. -respondeu a
escrava, ainda sentindo as dores da surra.
-Desenterrou o anel para me assustar por vingança, não foi? –Daniele
interrogou com firmeza.
O coração da jovem escrava começou a palpitar. Teve vontade de chorar, pois
já imaginou ir para o tronco de novo, mas desta vez nada tinha feito. Na verdade, nã
havia feito nada nem agora, nem antes.
-Nunca sinhazinha, nunca faria algo que pudesse prejudicar meus senhores.
Não desenterrei esse anel. - Nina observava o objeto mantendo uma distância regular,
precaução pelo passado vivido- Nem poderia fazer tal artimanha, pois estou proibida
de sair da Casa Grande.
-Acredite nela, menina Daniele. O mais longe que a pobre vai é ir até a senzala
e ver o homem dela. -Zilda interferiu pela companheira de serviço e descendente.
Daniele se amedrontou, sentia medo como coisas estranhas ocorriam com
relação a tal objeto. Na palma de sua mão fitava o anel com zelo e cautela.
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Capítulo 15: Queimadura.
Adrian seguiu correndo até o Cabaré após o festivo jantar, como estava fazendo
todas as noites depois que Heitor havia lhe imposto a tarefa de descobrir mazelas e
sujeiras de Rafael. Esta noite sentiu que teria a sorte de descobrir algo muito
importante.
Chegando lá, esbarrou-se com Marcos e Augustus que estavam furiosos. Tal
dupla agarrou o comparsa de Heitor para um canto a força.
-Fale logo seu verme imundo. -Marcos Olivier tinha o pescoço de Adrian em
suas mãos. -O que afinal os guardas querem rondando pelo nosso Bairro?
-Não faço a mínima ideia, sei tanto quanto vocês. Rafael e o Representante... Adrian estava sendo sufocado.
Marcos soltou-o. Caindo ao chão Adrian tentou-se manter de pé: - Não sei
nada, juro. Mas vocês devem saber sobre...
Augustus agarrou Adrian pelo colarinho e encostou-o mais uma vez contra a
parede.
-Ouça bem seu rato, avise os ricos que iremos por para correr a partir de agora
os guardas que vermos rondando nosso buraco. –o dono do Beira Mar alertou o
cachorro vira-lata de Heitor e com ferocidade desgarrou-se do homem.
-Está avisado. -Marcos mais uma vez alertou e junto de Augustus voltou para a
farra com as mulheres que havia contrato.
-Ei esperem preciso saber algumas coisas... Droga! - Adrian sacudiu a poeira e
constatou que havia se molhado um pouco no traseiro devido uma poça no chão.
-Precisava saber sobre o que, companheiro? -indagou Luigi que se aproximou
sorrateiro, saindo do escuro onde estava escondido e que viu os dois homens
pressionarem Adrian.
-Quem é você? O que estava fazendo aí?
-Apreciando os atos de tortura. –Luigi satirizou. -Vamos lá, posso te ajudar?
-Sabe... Algo sobre Rafael... Rafael Nunes Hamburgo? -Adrian manteve-se um
tanto recuado e protetor.
-Fiquei de orelhas bem abertas desde que meu navio atracara nessa vila e
acabei por descobrir que ouro será transportado por uma frota dos senhores daqui. explicou Luigi malandro e escorregadio, abraçando Adrian, pareciam afagos de grandes
amigos.
- E o que eu tenho haver com isso?
-Pois ora, poderemos fazer um acordo. Eu descubro informações sobre esse tal
de Rafael... Xburguer?
-Rafael Hamburgo.
-Isso Rafael Hamburgo. Descubro tudo o que você quiser sobre ele.
-O passado dele. -Adrian via ali sua chance de descobrir tudo com muita
facilidade de quem realmente era Rafael.
-O passado, o presente o que bem entender desse homem. Mas traga-me
informações sobre esse transporte... –Luigi ia dizendo isto quando foi interrompido
pelo empregado de Heitor que queria saber o porquê do interesse do jovem pirata
sobre tal transporte de riquezas. -... Simplesmente quero saber... Para... Para...
Certificar-me que a Coroa Portuguesa continua recebendo os impostos que a ela são
devidos.
141
Luigi sorriu, um sorriso infantil. Adrian respondeu sim, pois via poupança de
tempo e trabalho em tal acordo.
-Estamos de acordo então. Amanhã, vejo-o aqui... – o jovem Matarazzo
analisou o ambiente que estavam, um tanto quanto sombrio e úmido -... Na parte
sombria deste estabelecimento depois que o sol se pôr. Passar bem, meu caro...?
-Adrian.
-Meu caro, Adrian. Não irá se arrepender de fazer negócios comigo. Passar
bem. - trocando apertos de mãos frenéticos, Luigi juntou-se ao grupo que havia
chegado junto no Cabaré.
O fiel escudeiro do senhor Martins estava meio perturbado, mas decidiu fazer o
mesmo que o pirata e seguiu a fim de aproveitar a noite junto das mulheres e
bebidas... Seus serviços já haveriam de ser feitos, pensou.
Postando-se no bar, agarrado por uma prostituta um tanto quanto farta de
busto, Adrian soltou uma grande gargalhada ao se deparar com Escobar no lado
oposto do balcão. Escobar servia, era o garçom do Cabaré.
-Do que está rindo idiota?- Escobar com a fisionomia fechada e rígida, serviu a
aguardente ao cliente.
-Onde o capataz, feitor de escravos da residência da família Martins veio parar!
–Adrian abusava um tanto quanto da prostituta e da sorte.
-Beba o que pediu e me deixe trabalhar. - o ex-feitor limpava o balcão
pretendendo evitar impropérios.
-Me diga, está tentando encontrar sua amada prostitutazinha aqui entre elas?Adrian cutucou a ferida do garçom, sabia dos amores que Escobar sentia pela esposa
de Heitor. E agora diante de Escobar, este homem nunca desceu por sua goela, sempre
tão impertinente e com ares de superior, assim tentou o perturbar.
-Do que você está falando? –Escobar segurou-se para evitar problemas. Seu
sangue começava ferver.
-Sabes muito bem que prostituta estou me referindo. Sua amada, querida...
Malvina.
Sem tempo para pensar, Adrian levou um soco de Escobar que logo foi
agarrado por homens que ali estavam.
-Saia daqui, seu desgraçado. E nunca ouse falar qualquer coisa dela. -Escobar
espumava de raiva. Seu sangue ferveu.
Adrian limpou o sangue da boca e voltou a se agarrar com a prostituta que o
acompanhava: - A verdade dói não é mesmo serviçal?
-Suma daqui. -Escobar era domado como um animal por três homens.
-O que é isso, hein seu merda?- a dona do Cabaré dialogou com Escobar,
achava um absurdo brigas em seu estabelecimento. -Contenha-se e ouça as afrontas e
as digira sem usar a força. Acha que está onde? Numa igreja... Irá se responsabilizar
pela garrafa de aguardente quebrada.
Escobar esmurrou de leve o balcão. Queria viver junto de sua Malvina, mas a
vida era cruel. Como a vida é cruel, nos faz sofrer por aquilo que nem ao menos temos.
142
Na casa dos Martins, Mercy certificava-se que sua amiga estava bem, depois do
incidente do jantar.
-Est bien, mesmo? Estou preocupada com vous. Se não está enceinte, o que há
de ter? -Mercy sentada numa cadeira ao lado de Malvina analisava os sintomas
sentidos por esta.
- Estou bem, já disse. E não estou grávida, também já disse. Deve ter sido algo
que comi, nada demais. Podes ir embora, não se preocupe comigo. -Malvina
reconfortou a amiga, não queria ser uma complicação para ninguém.
- Eh bien, vou para minha maison, mas precisando de mim mande esclaves,
escravos me chamarem.
Heitor fora saber como Malvina estava após a retirada de todos os convidados
e depois de levar o Representante e seu auxiliar aos seus destinados aposentos.
-Está mal? O que sente?- Heitor fez pouco caso do que sua esposa deveria
estar sentindo. Lembrou-se das fraquezas dela em dias que seu período fértil estava
chegando, considerando aquilo um mal estar passageiro.
-Estou bem, algo que comi me fizera mal... Uma boa noite de sono e amanhã
estarei muito bem disposta. - Malvina tranquilizou o companheiro.
-Ótimo, mas para garantir sua recuperação antes de sair, a francesinha amante
de Rafael ordenou as escravas preparem um chá. –sentando-se do seu lado na cama
Heitor retirou seus sapatos. - Estou feliz, sinto que com a presença do Representante
em nossa casa as coisas hão de mudar o curso, e é claro a meu favor.
-Fico feliz. –Malvina não poderia ficar surpresa em relação a seu estado, Heitor
acreditava que o mundo rodava sobre sua cabeça. O preço de uma má escolha, pensou
Malvina.
-Ainda mais se Adrian me trouxer boas lembranças sobre meu caro inimigo. Heitor esquematizava o curso de seus desejos.
Ao chegar em sua casa, Mercy defrontou-se com uma janela aberta... Possíveis
ladrões?
-Bonjour, Bonjour... Alguém aí? –Mercy mal enxergava devido a escuridão, mas
após ligar o lampião se deparou com Theodoro sentado numa cadeira e com os pés
sobre a mesa. Alívio.
-Pensei que nunca chegaria. -comentou o rapaz.
-Quase me matou de faire peur, de susto. - ela largou a bolsa sobre o sofá. –
Não me lembro de ter combinado algo com sua person para hoje.
-Se não gostou posso ir embora... –interpôs ele, saltando da cadeira e pondo-se
de pé.
-De modo algum. J'ai aimé, adorei sua surpresa. Vinho?
Ele a agarrou e ficaram boca a boca.
-Acho que já tomamos vinho suficiente na casa de Heitor. Estou mais desejoso
de carinhos.
-Que vous le souhaitez (Como queira).
Os dois corpos se enlaçaram em beijos, carícias e desejos... Suor, respiração
profunda, ânsia... Dois corpos, interações, um corpo... Ofegantes... Vontades e desejos.
143
O escravo desejava trocar de lugar com tal homem, assistindo com olhos
grudados entre uma fresta.
Alguns minutos depois... Mercy tragava um cigarro enquanto Theodoro se
arrumava. “Não sei por que está com tanta pressa.”
-Preciso levantar cedo, francesa. -respondeu ele, ajeitando o suéter.
-Volte mais. Faça-me surprises como esta. – a francesa tragava com prazer,
coberta por um lençol de seda branca que permitia admirar suas curvas e contornos. Oui, Theodoro, tenho que entregar um bilhete de Daniele para você, está entre meus
livros sobre a mesa. Ela quer marcar um rencontre avec vous, um encontro com você.
Theodoro pegou o bilhete, verificou ser a letra da amada em seguida despediuse da francesa.
Meu amor, espero você amanhã na igreja, na sacristia. Precisamos verificar o
que iremos fazer para vivermos juntos. Eu fujo com você se preciso, mas quero viver do
seu lado para o todo sempre.
Beijos de sua amada, Daniele.
O bilhete vinha acompanhado de um beijo a batom e tinha o perfume da
moça.
Deitada em sua cama, com o anel no dedo, Daniele admirava o objeto, surpresa
e imaginando do que ele era capaz de fazer mais. “Se tem a capacidade de me levar
para aqueles pesadelos...”, ainda cicatrizavam os machucados que tinha ganhado por
este “... Poderia levar-nos para longe daqui”.
Daniele esperava piedade do destino. Amor.
-Meus caros tripulantes, peço paciência de todos, pois pretendo passar mais
alguns dias atracado em tal qual vila. Tenho negócios para com pessoas daqui a serem
resolvidos. –O capitão do Minerva alertava sua frota da permanência em Santos.
Apesar de seus marujos não estarem reclamando, pois eles estavam aproveitando a
permanência em Santos, comendo e bebendo muito, e se divertindo com mulheres.
Sebastian e Arrive ouviam tranquilos a informação. Logo em seguida passaram
para o depósito de carga.
-Temos de fazer o planejado logo, antes que o nosso jovem capitão decida
seguir embora. -alertou Danton.
-Sim eu sei, só tenho que pensar mais um pouco e descobrir que história é essa
de negócios que ele nos informou. –Sebastian calculava todos os passos para o seu
plano sair correto. -Descobriu algo na tarde de ontem?
-Os donos dos anéis estão tão próximos quanto pensávamos. O filho de
Emanuel está morando com a madrinha no centro da vila, e está trabalhando adivinhe
com quem? Rafael... Sendo que sua filha está com o outro anel. Não é incrível? Os
anéis parecem que se atraem.
144
-Não são os anéis que causaram esse encontro, mas sim a nossa sorte guiandonos ao nosso justo destino. - Sebastian sentiu o poder em suas mãos.
-Que história é essa de negócios, Luigi... Capitão? –Giulia procurava respostas.
Ela sabia que o irmão não era muito bom na elaboração e conclusão de planos.
-Assunto que pode tornar-nos ricos. –respondeu o capitão com certeza nas
palavras e sucesso no futuro.
-Não compreendo. -informou Bartolomeu tão perdido e temeroso quando
Giulia.
-Se prepare nosso caro capitão de tripulação, pois teremos um grande roubo
para realizar nessa vila. -Luigi sentiu o ouro em sua volta.
Giulia e Bartolomeu observavam seu capitão sem o compreenderem.
Josué havia tomado a decisão que na próxima oportunidade, apesar de não ter
tido nenhuma até então, ele iria confessar todo seu amor para Daniele e assim viveria
sua história de amor tão sonhada, ele fantasiava. Ilusão.
Andava agora sempre em companhia da bijuteria que havia comprado para sua
amada e contava as horas de exprimir tudo o que seu jovem e inocente coração estava
sentindo para sua amada.
O casal Hamburgo não desconfiava de que a real intenção de Daniele querer ir
à igreja, “Por a cabeça no lugar”, era para encontrar o jovem forasteiro.
Maria Aparecida acompanhou sua filha até a porta da igreja, mas decidiu
caminhar por entre as lojas e ver algumas vitrines, prática herdada pelas mulheres da
atualidade em suas apreciações nos shoppings. Como toda mulher a senhora
Hamburgo não resistiu e se embrenhou em mais uma compra.
Daniele estava de véu na cabeça e vestia um vestido azul claro. A capela estava
quase que vazia, tirando algumas velhas num canto que malhavam um rosário e no
altar um coroinha ajeitava a mesa do Santo Padre.
A jovem seguiu para a sacristia, sentando na cadeira dos pecadores,
aguardando encontrar Theodoro.
-Quais são os seus pecados minha filha? –Theodoro encenou com graça a voz
do padre.
-Theodoro, meu amor. –Daniele grudou-se junto das frestas do confessionário,
que separavam o casal apaixonado. -Como estou sentindo saudades.
-Eu também minha amada. Sinto falta de sua pele macia e de sentir a essência
de seu perfume.
145
-Precisamos fazer algo, meu pai aceitou o pedido de casamento de Ottávio. Não
irei conseguir viver longe de você, prefiro a morte a que nossa separação.
-Não fale bobagens, sua vida é tão sagrada para mim quanto a bíblia é para
Santa Igreja. Acalme-se, estou pensando em um meio para tentar reverter essa
situação... Rezo para Deus pedindo por uma ajuda.
Tendo um pedaço de madeira todo furado entre o casal, estes se aproximaram
o quanto puderam, sentindo a proximidade do outro, sentiam o calor de seus lábios e
o vapor de seus hálitos...
-Não chore, tudo irá se resolver.
-Estou esperançosa, só que nesse final de semana será o grande Baile e lá será
anunciado o casamento. Quero viver do seu lado, eu te amo Theodoro.
Silêncio, Daniele estava sozinha dentro do confessionário. “Theodoro?”.
De repente, Theodoro abriu as cortinas do lado dos pecadores:
-Quero viver além da eternidade do seu lado minha amada. Te amo, Daniele.
Após as confissões românticas, o casal entrelaçou-se em um beijo. Tinham
saudades dos lábios do próximo.
-Por favor, nunca me deixe. - ela pediu. O coração de Daniele já não era dela,
Theodoro o controlava, Theodoro era o seu dono.
-Nunca, eu prometo. –disse ele, dominador.
Ao voltar para o cais, junto de seu patrão, Theodoro foi questionado de sua
permanência no seu devido posto.
-Onde estava?- Ottávio nem olhava para o empregado, analisava papéis e
cargas junto de um negro.
- Almoçando. - respondeu o rapaz que se postou como um fiel servo ao lado de
Ottávio. - Algo para eu realizar senhor?
-Espero que não tenha ido atrás como um cachorro vagabundo da senhorita
Daniele, minha futura esposa. - Ottávio encarou Theodoro, tinha o semblante de um
vencedor diante do derrotado. – Tens que começar a perceber seu lugar, forasteiro.
-Respeito meus limites. –Theodoro respondeu, mantendo o controle.
-Agora vá verificar a carga daquele navio, MEU empregado. -Ottávio sentiu-se
realizado, apesar de sua ética, Theodoro se tornou seu inimigo e assim parecia estar
com a guerra ganha.
Theodoro seguiu as ordens de seu chefe. Todavia, Ottávio só havia ganho uma
batalha e não a guerra. Antes de seguir ao encontro de sua amada, Theodoro foi ter-se
com um homem, o qual o ajudaria ganhar Daniele e o apoio de Rafael.
Salete adentrou a casa dos Martins como se estivesse correndo numa praça,
gritava por sua filha. Ao subir as escadas teve-se com Heitor.
-O que você faz em minha casa, sua velha louca? -Heitor se enfureceu com tal
encontro.
146
-Onde está minha filha? O que houve com ela?- Salete não se sentiu
confrontada.
-Quem a deixou entrar em minha casa? -Heitor tentou manter o tom de voz,
pois tinha convidados em sua residência e as aparências eram essenciais.
-Onde está Malvina?- Salete encarou o genro.
Malvina aparece vindo da cozinha, surpresa com a visita da mãe.
-Ou minha querida! -Salete abraçou-a com muito carinho- Como está?
Sentindo-se bem?
-Sim, estou ótima. Mas como soube que me dispunha mal? -Indagou Malvina.
-Mercy passou agora a pouco pelo hotel e me avisou. Sai o mais rápido que
pude, disse-me que quase desmaiou na noite de ontem.
-Saia de minha casa. -Heitor desceu junto de Salete, ordenando a retirada
imediata de sua sogra. -Sua pessoa não é bem vinda aqui. Não fugiu, então pegue seu
rumo para fora daqui.
-Temos visitas?- o senhor Representante acompanhado de seu auxiliar
tomaram o alto da escada.
-Bom dia a todos. -cumprimentou Francisco Galvão.
-Bom dia senhores. -Malvina disfarçou a situação. - Meu esposo, acompanhe
nossos convidados à sala de jantar, lá está posto o café da amanhã, eles devem ser
famintos.
-Nem tanto, ontem me empanturrei no jantar. -comentou Donário Abreu,
dando um leve tapinha na barriga.
Heitor encarou sua sogra, desprezava-a como um animal selvagem.
-Sigam-me senhores. -disse Heitor seguindo o que Malvina propôs.
-Muito prazer, eu sou o Representante, Donário Abreu Freitas Guedes Lima. estendendo a mão para a mãe de Malvina, o Representante fazia as devidas
apresentações.
-Muito prazer, Salete Jácome, mãe de Malvina. Já nos conhecemos
Representante.
-Ora essa, então não reconheci tal figura lendária. Muito prazer. –após olhar a
cicatriz que Salete era dona com asco, o Representante seguiu para a sala de jantar.
Heitor que esperava junto da porta, deu sinais a Malvina para jogar Salete para
fora de sua casa.
“Por favor, vamos para outra sala, minha mãe”.
Salete e Malvina ganharam alguns minutos sozinhas.
-Precisa me avisar quando vier me visitar. Assim vejo o dia em que Heitor estará
fora. -Malvina sentou-se numa cadeira de bela fabricação, aparentava um pouco de
cansaço.
-Não precisa temê-lo. Não acontecerá nada, ele não seria capaz de fazer algum
mal com você... Heitor tem até um bom coração tirando sua ganância por poder e
dinheiro.
-Não mexa nisso minha mãe, sabe que é de Heitor.
Tirando as mãos do velho cinzeiro Salete postou-se junto da filha.
-Como está? O que é isso que andas passando?... Não está mesmo grávida? –
questionou Salete, passando a mão na barriga de Malvina e encarando-a nos olhos.
Malvina levantou-se e fechou a porta do ambiente.
147
-Eu já disse que não, Mercy não consegue ficar alguns minutos de boca
fechada. Não estou grávida, apesar de querer muito.
-Será mesmo que quer?
-É o que mais desejo e sabe disso. É o sonho de Heitor.
-E o seu sonho, qual é?
Malvina recebeu o olhar intrigante da mãe, desejos íntimos poderiam vir à
tona, mas era preciso respeitar sua família, seu marido.
- Viver feliz com meu marido, dar um filho para ele, ser a mulher que ele
sempre desejou ter. -respondeu ela com dores nas palavras.
-Acredito que a pior coisa que há, é mentirmos para nós mesmos. Está se
enganando.
-Viera aqui para querer desvendar meus ideais ou saber como estava?
Salete desistiu de fazer a filha ver que o que havia de melhor era seguir nossos
corações e desejos, mesmo que paguemos um preço caro para isso.
-Fico feliz que esteja bem. Mas também vim aqui para pedir que saia de Santos
o mais rápido possível. Vá viajar, visitem os parentes de Heitor em Portugal, mas saia
daqui o mais rápido possível.
-Suas visões? –Malvina sentiu calafrios.
-Tibério e os seres mágicos da floresta estão de partida. Eles também sentem
que algo de muito cruel e ruim voltará. -Salete pôs-se aos pés da filha. -Prometa para
mim que dará um jeito de sair daqui.
-O que diria para Heitor? Minha mãe e um cavalo com asas estão tendo visões
de que algo muito ruim irá voltar?
- Não sei o que é... Mas algo terrível voltará e matará a todos que estiverem no
seu caminho.
Malvina sentiu-se sem caminhos de escolha. Medo!
Conforme prometido Adrian estava no local marcado após o pôr do sol. Luigi
também.
Este passou o dia todo tentando capturar informações sobre Rafael e Adrian a
conseguir informações do dia e horário de partida da embarcação com o ouro da
Coroa.
-E então? O que descobriu? -Adrian esperava descobrir as piores coisas do
mundo sobre Rafael e repassá-las a seu patrão, que andava um tanto irritado com a
demora de informação por parte deste.
-Primeiro você. -ressaltou Luigi.
-Primeiro você. -contradisse Adrian.
-Não, primeiro você.
-Não, você primeiro.
-Você, você, você. Se não boca de siri. -Luigi era caricato e cheio de humor.
-Está bem. -Adrian arquejou. Parecia estar diante de uma criança. -Eles irão sair
na outra noite depois do Baile. Um navio levará o ouro e o Representante que cá está.
E quatro embarcações farão a segurança com homens armados até nos olhos.
-E o que mais?
148
-Sairão de um velho cais, do lado leste da vila. O ouro chega um dia antes do
Baile em uma comitiva de jumentos e cavalos da região das Minas.
-Então ocorrerá mesmo o transporte. Será muito ouro! -Luigi já se imaginava
junto de mulheres, rum e muita festa.
-Sim, a maior quantidade de ouro dos impostos recolhidos pela Coroa. -afirmou
Adrian. - Vamos agora me diga... O que descobriu sobre Rafael?
-Quem é Rafael? -Luigi foi despertado repentinamente de seu sonho, e voltou à
realidade sem consciência.
-Está de brincadeira! O que descobriu sobre Rafael Nunes Hamburgo.
-Ah sim, este Rafael. –Luigi deflagrou sobre o passado do senhor de Santos: – É
um ex-pirata, não de muita fama e nem muito sucesso. Junto de um certo amigo,
conseguiram um tanto de riqueza. Não me pergunte onde está esse amigo. Sei que
como todo pirata, tem pedidos de prisão com a Companhia das Índias...
Os olhos de Adrian brilharam de alegria, como os de uma criança quando ganha
o presente desejado. Seus ouvidos eram atentos como de morcegos e sua mente era
voltada nos lucros que teria com tal descoberta.
-Olá... Olá... Alguém aí? -Luigi olhou para Adrian paralisado e com um olhar
profundo para o nada. Achou-o louco. –Foi muito bom fazer negócios com você meu
caro. Passar bem.
Adrian cumprimentou Luigi ainda em absoluto transe.
-Que terra de loucos! –exclamo Luigi, achando-se a pessoa mais normal do
mundo.
-Ora, ora, ora. Não é que nosso capitãozinho tem um pouco de inteligência. –
Sebastian andava de um lado ao outro, pensativo e ardiloso. Após receber as
informações de seu comparsa que ouviu a conversa de Luigi e Adrian, o inglês
preparava um plano de trapaça. - Os Matarazzo sempre capazes de nos surpreender.
-Algum plano em mente? -Danton questionou o companheiro.
-Sim. Os dias de Luigi como capitão do Minerva estão contados.
-Não é incrível?! -Adrian mantinha-se confortável na cadeira da sala do patrão.
De pernas para o alto, bem espalhafatoso, como um marajá.
Heitor recebera a melhor notícia de toda a sua vida, estava anestesiado. Olhou
para o quadro pintado com a figura d pai e pensava que seu patriarca sentir-se-ia
orgulhoso. Agora tinha que pensar e calcular o que haveria de fazer sabendo sobre o
passado de Rafael.
-Eu sabia que ele não era um homem do bem, mas um pirata?!
E durante o jantar questionou como ele poderia ter em suas mãos as cartas de
prisão de piratas expedidos pela Companhia das Índias para com o Representante.
-Por que tal interesse? -o Representante nunca cogitaria desconfiar dos
interesses de tal homem.
149
-Há muitos piratas perseguidos aqui? -interrogou Francisco Galvão, querendo
sempre parecer interessado em tudo o que envolvesse o Representante e a Coroa.
Malvina sentiu-se presente de uma conversa de negócios. E talvez em frente
de ideias de uma futura guerra, piratas versus senhores de Santos, pensou ela.
-Estamos no Brasil, meu caro amigo. Terra de destino de desordeiros, larápios
e ladrões de todo mundo. –respondeu Heitor tentando, cauteloso.
-Mas as coisas hão de mudar, Rafael agora com o cargo de chefe dos assuntos
piratas irá tomar as devidas providências e tal lugar se tornará uma terra de homens
bons e trabalhadores. -Donário interpôs sobre as palavras de seu parente distante.
-Não quis ofender, meu caro Representante. Acredito que as escolhas do rei
são as mais corretas e seguras, por tal motivo ele é o rei. Mas meu interesse nas cartas
de prisão não passa de mera curiosidade. –Heitor tentava conter os músculos do corpo
que vibravam como as cordas de um violão para dar início a um musical feliz e alegre.
-Louvores ao rei. - exaltou o auxiliar.
-As cartas de prisões têm cópias e são entregas a todas as nações, que devem
seguir as regras e ordens conformo acordo entre elas. - após uma garfada no frango
em seu prato, o Representante explicou mais. –Logo, em Lisboa, é provável terem
copias de todos os pedidos de prisões.
Heitor saboreou seu jantar como nunca havia o feito. Malvina reparou no
semblante de seu companheiro e sabia que algo deveria estar relacionado com Rafael.
Rafael recebeu no fim da tarde a visita de seu escravo que trabalhava e fazia os
serviços básicos na casa de Mercy. O escravo estava ali como deveria ser feito, passar
todos os passos da francesa.
-Sim senhor, já faz duas noites que os dois se encontram. Eles se deleitam, ela
não se sente nada culpada depois de tudo. -o escravo dava detalhes das noites de
traição para com Rafael da parte da professora.
O senhor Hamburgo não suportava traições. Era ofensa demais para ele,
sempre fazia questão de lembrar a francesa do que ocorreria caso ela o traísse.
“Vagabunda!”
Já à noite, Mercy abriu a porta com toda vontade e dedicação do mundo,
esperava mais uma visita inesperada de Theodoro.
-Boa noite. -cumprimentou Rafael que pendurou o chapéu. Adentrando a casa,
ele olhou tudo com muita atenção.
Mercy estava de boca aberta, um grande temor a tomou. Pensou no caso de
ser pega junto de Theodoro e o que lhe ocorreria?
-Surpresa? -perguntou o senhor admirando-a e contendo-se para não saltar
sobre a goela de sua amante. Tinha seus cinquenta e um anos, algumas rugas já
tomavam seu rosto e fios brancos teimavam a aparecer, entretanto tinha a disposição
de um jovem de vinte anos. Fúria, ódio, raiva tantos sinônimos associados exponho,
caro leitor, a dar-lhes a ideia que Rafael sentia em tal momento.
-Não esperava a sua arrivée, chegada. -respondeu ela que começava a suar,
estalando os dedos, sinais comuns de seu nervosismo.
Rafael ouvia os estalos e seu sangue aumentava a pressão em seu corpo.
150
-Esperava a visita de alguém? –se aproximando da cama, ergueu o lençol com
as pontas dos dedos. Nojo!
-Malvina e Margot não tem o terrível costume de aparecer em ma maison tal
hora da noite. -a francesa tentava imaginar a presença repentina de Rafael ali. Será
que descobrira algo?
-Sua casa?
-Notre Maison... Nossa casa. –ela corrigiu.
Vendo uma chaleira no fogão, Rafael pretendeu tomar um pouco de café.
“Café. Sirva-me.”
-Oui. –Mercy se apressou para servir seu senhor, não querendo contrariá-lo em
nada.
Tomando um pouco do café, Rafael começou expor sua ira: - Acredite em mim
minha querida, o que mais me revolta e deixa-me incontrolavelmente bruto e
agressivo são mentiras e traições.
A francesa encheu-se de medo, sentindo uma vontade imensa de sair correndo
e chamar por ajuda. Entretanto como escapar de quem controlava tudo e todos?
-Do que você está falando? -Mercy se afastou alguns passos, estava pálida de
terror.
Rafael levantou-se e acariciou a francesa no rosto, depois os cachos dourados e
desceu até as coxas.
-Eu sinto o cheiro de traição, eu vejo nos seus olhos suas mentiras. -ele olhou
profundamente nos olhos verdes da loira francesa.
Ela iniciou uma cena de piedade: - Eu não fiz por mal. Ele me seduziu.
Rafael não poderia conter-se mais, mirando os punhos no nariz pontudo da
amante, derrubou-a de costas no chão.
-Como pôde sua francesinha sem vergonha? Depois de tudo que eu fiz para
você? –ele expirava a dor da traição, seus olhos estavam vermelhos.
Retorcendo-se de dor, com sangue escorrendo de seu nariz, então quebrado,
Mercy implorou:- Rafael, tenha piedade.
Em seguida foi agarrada pelos cabelos e jogada contra a parede.
-Sairá desta casa, sua ordinária. Irá voltar para aquele prostíbulo de onde eu
nunca deveria ter te tirado.
Com muita dor, lágrimas escorreram dos olhos dela juntando a sangue que
brotava dos ferimentos. O medo foi sendo transportado por suas veias na forma de
hormônios, até que Mercy levantou-se e correu para seu armário de louças, pegando
uma faca.
-Suma daqui agora ou eu te mato Rafael. - ela ameaçou o homem que
paralisou em ver tal atitude. Ela tentava aguentar a dor que a tomava toda.
-Sua desgraçada, acha mesmo que pode me matar? –no ápice do ódio, Rafael
pegou a chaleira que havia voltado ao fogão após seu café ser servido. Quente e
fumegante, o metal bateu no lado direito do rosto da francesa, e cheiro de carne
queimada propagou-se por toda casa. Mercy caiu desmaiada.
151
Capítulo 16: Captura, prisão e tentativa de assassinato.
Margot dormia tranquilamente até que ouviu baterem na porta. Levantou-se
acompanhada pela escrava.
-Mas quem será essa hora da madrugada?
Abrindo a porta deparou-se com uma figura torturada e ferida. Mercy recorrera
à amiga, estava sem casa e muito machucada. Após acordar da surra que levou, foi
posta para fora pelo escravo, enxotada como um cachorro de rua.
-Por favor, me ajude. –dizendo estas palavras a jovem francesa entregou-se,
não tinha mais forças, estava exausta e caiu sobre o colo de Margot.
Margot ajudada por Noxa levaram Mercy para o quarto da senhora. Noxa
preparou água quente e ataduras com clara de ovo, era o que se tinha disposto para
tentar cuidar das feridas naquele momento.
-Quem será que fez isso a ela?- Noxa perguntou, indignada em ver as condições
da pobre moça quem nunca vira fazendo mal algum para ninguém.
A senhora Reghine bem imaginava que aquilo fora feito por Rafael. Ela pensou
que Mercy deve ter aprontado das suas e ele não admitiria ofensas.
A vila estava em fervor. As mulheres estavam preparadas para o Grande Baile
tão esperado e os senhores estavam apreensivos com as declarações e ações que
assim viriam por parte do Representante e Rafael.
Os rapazes loucos para poderem gracejar as lindas moças, elas sonhando em
encontrar finalmente seus príncipes encantados. Faltava um dia, o Baile dar-se-ia
ocorrer no Domingo.
Neste sábado precisamente, o Representante exigiu uma missa de boas
intenções ao padre com presença da célebre elite santista.
Margot levantou cedo, tomou o seu café da manhã e organizou alguns petiscos
crus para levar à Gruta do Velho Jones, adiantara a visita para o sábado, pois o
próximo dia estaria ocupadíssima com os últimos preparativos do Baile.
Theodoro levantou poucos minutos depois, teria que estar junto de seus
chefes na missa de tal dia.
-Dormiu bem?- Perguntou Theodoro que consumia um pedaço de pão fresco.
-Tirando o fato que passei a madrugada junto de Noxa cuidando da enferma. Magot respondeu, pondo-se de pé. Ela estava com os nervos à flor da pele, e
infelizmente não poderia se preocupar com Mercy, em tal momento tinha que estar
tudo perfeito para o domingo à noite.
-Como é?
-Mercy está lá no meu quarto, toda estropiada. Acho que se desentendeu com
Rafael e ele abusou um pouco da força. –explicou Margot que seguiu para a cozinha a
procura da escrava.
Theodoro ao terminar sua refeição, se arrumou para a missa e antes de sair
resolveu ver Mercy e saber o que aconteceu na noite passada.
Alguns toc-toc na porta e Margot saiu de dentro de seus aposentos.
152
-Ela me disse que queria te ver. Não quero nem imaginar o porquê. Muito
menos quero cogitar a ideia de que o acontecido com ela haja seus dedos ou diria o
corpo todo no meio. –Margot estava presenciando as bobagens que o afilhado andava
fazendo e temia por ele. - Estou na carruagem, ande logo se não iremos nos atrasar.
Entrando no quarto, Theodoro encarou uma figura completamente diferente
daquela que era Mercy. Com roupas nada elegantes, os cabelos pouco arrumados, pés
descalços e tinha as costas viradas para o rapaz.
-Olá senhorita Mercy. -disse ele se aproximando da francesa.
-Não se ferme, não se aproxime. Não quero que me veja. –ela respondeu,
mantendo-se distante dele.
Os raios de sol da manhã batiam em seu rosto, ela sonhava que eles tivessem a
capacidade de reconstruir obras destruídas, nunca mais poderia estar presente em
público, como a pessoas que via através do vidro da janela.
-O que houve? –ele manteve-se como ordenado.
-Ele découvert, descobriu nossos réunions.
- Sabe de nós? De mim? –Theodoro se apavorou, seus planos possivelmente
nunca dariam certo se Rafael descobrisse as aventuras dele e de Mercy.
-Fique tranquilo, ele não savoir, sabe que é vous. Mas acredito que é uma
question, questão de pouco tempo para saber.
-Você não disse nada, não é?
-Não. Pretendo deixá-lo de fora desse problème. –ela respondeu - Preciso mais
que nunca que se cas, case com a filha dele e torne-se o bras droit, o braço direito
dele.
-Por que esse desejo? -Theodoro viu complicações à frente.
-Pois preciso survivre, sobreviver. Acha mesmo que irá ganhar tudo seul,
sozinho? A partir de suas réalisations, conquistas, minhas contas serão pagas, com o
argent, dinheiro de seu amável sogro.
-Está louca?! -Theodoro imaginou que a lucidez de Mercy deveria ter
terminado junto com seu relacionamento com Rafael.
-Olha o que ele me fez? Acha que mais algum homme irá querer algo comigo?
–Mercy apresentou seu lado direito do rosto, totalmente deformado. O olho não tinha
uma aberta perfeita por causa da deformação, a pele estava negra e o nariz um tanto
torto.
Theodoro se assustou, Mercy havia perdido sua beleza. Aquela beleza de
boneca de louça, cor de rouge, formas bem definidas e contornos perfeitos havia
desaparecido.
-Eu quero vengeance! -esboçou ela, coberta por lágrimas. A humilhação que
Rafael a fizera passar e o estrago em seu rosto doíam ao extremo.
A carruagem de Margot seguiu caminho ao que Theodoro subiu nela.
-Um estrago não é mesmo?- perguntou a senhora, sentindo dó da moça.
-Sim. Coitada! -Theodoro sentiu-se culpado, entretanto pensava o que faria se
Rafael descobrisse que ele foi o cúmplice de Mercy... Um cheiro de carne crua tomou
seu olfato. -Mas que cheiro é esse? Carne crua?
-Sim. São minhas. -Margot respondeu e olhou para o saco de carne que estava
na frente deles, no assoalho da carroça.
153
-Posso perguntar para que são? Ou para quem? –questionou Theodoro sem
entender e tentando imaginar o que Margot faria com um saco de carnes cruas.
Margot certamente tinha sintomas de gagueira.
-Irei à gruta depois da missa.
-Margot, o que tanto faz naquela gruta? Enquanto toda cidade morre de medo
de entrar nela, temendo o espírito do velho pirata, você a visita dominicalmente.
-Sinto-me na escolha de não responder sua pergunta. Se preocupe com as
bobagens que anda aprontando e como as resolverá que lhe será mais lucrativo. -ela
respondeu com rispidez.
-Não quis ofender. -ele sentiu ter ultrapassado os limites.
-Vocês jovens nunca sabem os limites devidos. –ela finalizou a conversa com
um pigarreio e voltando-se a admirar as casas nas ruas que passavam.
A missa teve a presença de todos que o Representante exigira. Nos bancos da
frente como sempre as famílias de mais prestígios.
Theodoro estava esperando a hora marcada.
Assim sendo, padre Inácio deflagrou um sermão sobre os grandes reis e heróis
da Terra Prometida. Falou das dificuldades dos hebreus e a escravização deles no
Egito. Citou Moisés e seu trabalho terminado por seu filho. Lembrou do gigante Golias
e dos prenúncios do Messias... Desejou que o baile ocorresse conforme tudo havia sido
planejado com a benção de Deus, como Deus abençoou os hebreus donos da Terra
Prometida.
Os costumeiros encontros das famílias pós-missa ocorreram como de costume.
-Estou seguindo para a Gruta, Theodoro. Avise Mercy que chego mais tarde.
Até. -Margot se despediu e seguiu para seu caminho costumeiro.
Theodoro não ousou questioná-la novamente, assentiu as ordens como um
bom afilhado. Logo depois, postou-se junto de seus senhores. Desta vez sendo mais
prudente não ousou trocar olhares com Daniele.
Estava esperando sua proximidade com Rafael para ver se este havia ligado
ele, Theodoro, com a traição de Mercy, e depois de alguns minutos lhe pareceu que
não. Rafael agia normalmente em relação a ele.
-Acredito que tal cargo mereça um homem correto. De um passado, presente e
futuro dignos para o cargo. -Heitor vangloriou as escolhas da Coroa que dar-se-ia reais
no Baile, trocando olhares interrogativos com Rafael.
-Ordem e Lei hão de agir juntos e justos aqui na vila. –Samuel Fernandes fiel a
Rafael apoiou o amigo. Tinha grandes bigodes, usava um cinto que transparecia
apertado ao extremo. Sempre fazendo presente de um bom cassetete e uma arma de
fogo.
Adrian já imaginava os dias que Heitor tornar-se-ia o senhor Contra Assuntos
Piratas e dono de tudo que era de Rafael após a denúncia deste para a Coroa.
Ottávio fez uma tentativa de se aproximar de Daniele, contudo esta se deslizou
para longe.
Maria Aparecida conversava com Malvina, falavam de tecidos. Aquela usava
todo o seu conhecimento para sobressair-se sobre esta.
154
O senhor Contra Assuntos Piratas, ainda não empossado, sem muito chamar
atenção, embora não tivesse os olhares de Heitor longe de si, puxou o seu caro amigo
da lei, o coronel da guarda para o lado, questionando-o sobre o horário que chegaria o
ouro no armazém perto do cais velho.
-Irão chegar por volta das quatro da tarde, meus homens depois do almoço
posicionar-se-ão em seus devidos postos para assegurar tal fortuna. -o Coronel
tranquilizou o outro homem.
Theodoro observava atento tudo em volta de tal grupo, até que presenciou um
homem de capuz e arma em punho, apontando para Rafael. Correndo o mais rápido
possível, alertando o patrão, o jovem Castro levou o tiro em prol do outro.
Rafael caiu com Theodoro sobre si, e sangue escorreu por cima dele vindo do
rapaz.
O Coronel correu para proteger o Representante, gritando para todos ali
presentes manterem-se abaixados. Mulheres começaram a gritar, as pessoas mal
ouviram as recomendações e iniciaram uma correria.
Ottávio tirou a arma da algibeira e correu atrás do assassino. Logo com o
Coronel atrás de si após dar ordens ao auxiliar para proteção de Donário.
O assassino era baixinho e extremamente ágil e corria muito. Ottávio se
esforçou para persegui-lo.
Daniele viu o amor de sua vida ferido em sua frente. Tudo se enegreceu, o
mundo havia desaparecido e só conseguia ver Theodoro sangrando e se remoendo de
dor.
Rafael conseguiu deixar o rapaz de lado, pôs-se de pé, e afagado pela esposa
fixou-se em Theodoro, sua mente estava confusa. Era para estar morto, deduziu.
Daniele caiu sobre Theodoro. “Theodoro, Theodoro, meu amor. Não morra.”
-Acalme-se Daniele, estou bem. -respondeu ele vendo sua mão suja de sangue
após sair de cima do ferimento.
-Está sangrando. -ela tateou o ferimento. Ele gemeu um tanto. -Não morra.
Ottávio e o assassino corriam entre as pessoas na rua. O perseguido derrubou
uma mulher cheia de frutas e comidas. Ottávio evitava dar tiros com medo de acertar
outras pessoas apesar de ter o assassino na mira.
Ao virar uma esquina Ottávio e o assassino ficaram frente a frente. Este com a
arma apontada para o português, porém Ottávio desviou-se para um canto e o tiro
pegou em um pilar de madeira. Pedaços de madeira voaram.
Continuou a correria, adentraram numa casa dotada de um sobrado. A mulher
dentro da moradia gritou e saiu correndo assustada pelas escadas.
-Saia daqui senhora, proteja-se. - alertou Ottávio de arma em punho, e depois
continuou a perseguição.
Ao entrar no quarto onde o atirador invadiu, o português pensou que ele
estaria sem saída. Entretanto o assassino pulou a janela e caiu sobre a lona de uma loja
abaixo.
Ottávio e ele trocaram olhares. O português viu grandes olhos azuis entre os
buracos do capuz. Fazendo um sinal de até mais ver para Ottávio o atirador seguiu
correndo, e desapareceu na multidão que corria desesperada, devido o alvoroço.
Saindo de dentro da casa invadida o português se deparou com o Coronel da
Guarda que vinha ofegante.
155
-E então? Cadê ele? -questionou o chefe da lei com as mãos nos joelhos.
Samuel já não tinha a agilidade e força de quando era um jovem soldado.
-Fugiu. -respondeu o português inconformado.
Voltando ao grupo que antes estavam, perguntaram para o auxiliar do
Representante que abanava seu superior, sobre os Hamburgo.
-Seguiram todos para o consultório do médico. –respondeu Francisco um tanto
apavorado.
-Que absurdo. Tentarem matar o pobre do senhor Rafael. - Malvina ainda
estava com o coração palpitando pela correria e toda confusão.
-Preciso de um chá. -exclamou o Representante, como se tal bebida pudesse
conter seu apavoramento.
-Ora vamos, ele está ótimo, não passou de um tiro de raspão. Peço a Deus que
o Representante não hesite em fazer os serviços e não saia correndo hoje mesmo
daqui. -Maria Aparecida preocupava-se com os interesses do marido, e Theodoro era
um mero empregado não faria falta na concepção dela. - Temos um Baile amanhã e ele
tem obrigações para conosco.
Rafael encostado num canto parecia perdido. Abatido, sem reação, só pensava
que o rapaz se postou a salvar sua vida. Glória?
Ouvindo as reclamações da mãe Daniele não se conteve: - Chega, Meu Deus
quanta futilidade e egoísmo!
Maria Aparecida assustou-se com a reação da filha.
-Aquele rapaz salvou a vida do seu marido e você não tem o mínimo de
compaixão por ele. Realmente não sente nada por outro ser humano, você é egoísta,
não deves ter coração. - Daniele desabafou, temia muito perder Theodoro, não
conseguia imaginar ter que enterrá-lo.
Analisando a filha a senhora Hamburgo viu muita coragem nela. Olhou para o
marido e viu somente um homem acuado.
-Ele está bem, o tiro só pegou de raspão. As enfermeiras irão fazer uma boa
atadura para imobilizar seu braço. –disse o médico saindo da sala de pacientes onde
estava o enfermo sendo assistido.
-Graças a Deus. -louvou Daniele que entrou no ambiente sem qualquer receio
abraçando Theodoro que sentiu um tanto de dor, com ela desculpando-se. -Graças a
Deus, você está vivo.
Maria Aparecida tentava manter a majestade, mas a situação estava
conseguindo fazê-la sentir-se um tanto culpada.
O casal manteve-se agarrado, até que Rafael invadiu o ambiente, cabisbaixo e
abatido.
-Daniele, seu pai. -Theodoro alertou sua amada.
A jovem pôs-se de lado, observando seu pai:- Pai, o senhor terá...
O pai fez sinal de silêncio para a filha, aproximando-se do jovem ferido.
Ottávio chegou ao consultório e foi alertado sobre a bajulação por parte do
patrão e de sua amada ao forasteiro. Postou-se na porta e prontificou-se a ouvir as
palavras de Rafael.
-Meu jovem, você salvou minha vida. –O senhor Hamburgo tentava encontrar
as palavras certas para dizer a seu salvador, e a forma correta de agradecê-lo ou
recompensá-lo por tal ato nobre.
156
-Fiz o que qualquer homem leal ao senhor faria. -Theodoro gemeu de dor em
seguida.
Ottávio viu aquela imagem com muito ódio, na verdade, inveja.
-Não, somente um homem bravo, com coragem e de bom coração seria capaz
de tal astúcia. –o senhor Hamburgo delirou em suas palavras. -Não consigo não
imaginar outra cena além daquela que evitou.
Daniele viu medo nos olhos do pai. Havia presenciado tal sensação somente
quando fora parar em seus pesadelos.
-Theodoro, eu devo a você a minha vida. Logo, peça o que mais deseja e
procurarei realizar sua vontade.
Ottávio se viu sem esperança, sentiu-se como uma criança que estava próxima
a comer de seu doce, mas tiram-lhe de sua mão, deixando-a somente na vontade e na
imaginação.
Theodoro pensou alguns minutos, tendo a espera de resposta os olhares
atentos de Rafael e Daniele.
-Penso comigo senhor, que o que mais desejo... Amo sua filha. Contudo, não sei
se sou digno da honra de receber a mão dela para nos casarmos. -Theodoro exprimiu
seu desejo, Maria Aparecida quase desmaio com tal pedido, apoiando-se sobre um
aparato de metal com instrumentos cirúrgicos.
Daniele passou de uma apaixonada que havia perdido seu verdadeiro amor
para uma mulher realizada e com um futuro feliz. Sua felicidade era tamanha que
quase saltitava esperando a resposta do pai.
Rafael pensou alguns instantes, mas Daniele já estava noiva de Ottávio. Mas
promessa é algo que todo homem deve cumprir, logo teria que cumprir o que
concedera a graça para o herói.
-Espero que sejam felizes. - disse Ottávio que saiu às carreiras de tal local.
O velho senhor Hamburgo correu atrás do fiel escudeiro e tentou se explicar: Desculpe-me Ottávio, mas ele... Salvou a minha vida...
-Devo concordar que o mérito faz jus ao pagamento. Espero que esteja dando
a mão da sua filha a homem que a faça feliz. -Ottávio se desviou do patrão e ausentouse para sua moradia.
Maria Aparecida ouviu as palavras com toda indignação possível. Não poderia
estar acontecendo aquilo. Preferia que Theodoro tivesse morrido: - Agora nossa filha,
virou artigo de recompensas?! –ela questionou o marido.
-Apesar de quase ter pedido você, Deus conseguiu nos unir. É das cinzas que a
fênix renasce. –dizendo isso, Daniele beijou seu amor com muito carinho e desejo que
tinha por tal homem.
Ottávio segurava as lágrimas, estava na rua e não demonstraria fraqueza. Seu
mundo havia desabado, não fazia sentindo mais nada para ele. O ar que entrava em
seus pulmões doía... Daniele já se tornava algo distante. Pediria suas contas e não
trabalharia mais para Rafael, seria demais para seu coração apaixonado ver sua amada
casar-se com outro.
-Ottávio. –a voz de Daniele soou com delicadeza, entrando na mente do
português como um analgésico numa cabeça com enxaqueca.
-O que faz aqui, vá junto de seu noivo, ele precisa de você. –falou ele sem
coragem de olhá-la nos olhos.
157
-Não quero te ver triste. –afirmou ela, sentindo pena de não poder retribuir o
amor daquele homem.
Ele ergue-se com agilidade e a agarrou pelos braços.
-Como não quer minha infelicidade se nem ao mesmo faz sentido minha
existência em sua vida? Nunca tentou me amar, Daniele.
-Me desculpe, mas vejo-o como um irmão. Não poderia desejar um irmão.
Eles se encaram: ele a desejava, mas sentia que tinha a perdido; ela tinha
pena, entretanto gostaria de viver seu grande amor com Theodoro, não abriria mão de
sua felicidade, mesmo com algumas pessoas tendo que sofrer para isto ocorrer.
-Irmãos não fazem isso. -Ottávio beijou-a com todo amor. Um beijo caloroso e
gentil. – Apesar de não gostar de ver você nos braços de outro homem... Quero sua
felicidade... Seja feliz, Daniele.
Daniele corou-se ali diante de todos a olhando e foi deixada sozinha na
calçada. Estava sem reação, envergonhada... Felicidade e ousadia mesclavam-se.
Ao seguir de volta para o consultório esbarrou-se com um rapaz que paralisou
em sua frente. Ele vestia roupas esfarrapadas, estava um tanto sujo, era dotado de um
nariz avantajado e obtinha grandes e fortes braços. Parecia que já tinha o visto.
Todavia a gagueira parecia que o tinha.
Josué finalmente tinha a oportunidade de ficar diante de sua amada. Estava
gaguejando palavras, não conseguia formar uma frase por completo. Seus olhos a
fitavam, admirava Daniele com toda delicadeza, como um artista admirando lindas
obras de arte, ele deleitava-se. Admiração inocente de um apaixonado.
-Tudo bem, rapaz? -questionou a jovem Hamburgo que tinha tal obstáculo em
sua frente.
-Daniele... Daniele Hamburgo, não é?- perguntou Josué, sem ao menos uma
piscada de olho, tinha olhar fixo e penetrado na moça. Uma gota de suor escorreu de
seu coro cabeludo.
Daniele sentiu medo, pensou que era o assassino de seu pai, agora de volta
querendo pegá-la. Ela se afastou um pouco, ordenando que o rapaz tirasse as mãos
dela.
-Não... Não... Quero te fazer mal. – afirmou ele. Josué precisava aproveitar sua
chance, tinha que dizer todo o seu amor para ela. Ao levar a mão ao bolso, isto causoulhe grandes problemas.
A moça interpretando a retirada de uma faca, arma de fogo ou algo do gênero,
pôs-se a gritar. Tropeçou e caiu assustada de costas no chão.
Josué tentou dizer que havia um engano, tirou do bolso o anel de lata que
tinha para lhe dar. Contudo, quando pode pensar, estava agarrado no pescoço pelo
Coronel da Guarda e seu rosto foi colado ao chão em seguida.
-Então não se contentara em querer matar o pai... Como não conseguiu fazer o
serviço voltou para matar a filha. -disse Samuel Fernandes algemando o pobre rapaz.
Daniele vendo sua chance de escapatória levantou-se e saiu correndo não
percebendo que havia pisado no anel e o amassara. Josué viu sua amada fugir dele,
com medo, devido a má interpretação. Desilusão.
-Não, espera aí, eu não fiz nada... Eu só queria entregar o... -sem qualquer
possibilidade de se explicar, o filho de Rúbio foi levado para a Casa da Guarda. Estava
preso.
158
Curiosos viam tudo com muito cuidado e logo a notícia que o assassino de
Rafael estava preso se espalhou por toda vila. O Coronel garantiu que tiraria a
confissão do réu logo mais tarde para Rafael e o Representante que já estavam em
condições normais.
Marcos Olivier como sempre levou a notícia a todos do Beira Mar.
-Vivemos tempos de violência, não podemos nem andar pelas ruas que
estamos sendo assaltados, saqueados. -exprimiu Luigi. Absurdos vindos da boca de um
pirata.
-Já sabem o nome do assassino? –indagou Augustus curioso como todos.
-Não. A guarda está bem organizada e mantêm sigilo. –respondeu Olivier.
-Pelo menos cogitam o porquê de tal tentativa? -Giulia tentou entender o caso.
-Acreditam que sejamos nós os moradores do Bairro Pirata que estamos
atacando nossos perseguidores. - Marcos Olivier tomara a prudência de saber tudo
com todos os detalhes e consequências.
-Ora essa, era o que nos faltava. Eles nos perseguem e nós levamos a culpa.
Rafael tem muitos inimigos não podem deduzir a partir de algumas ideias. - Rúbio
interferiu na conversa, incapaz de imaginar que seu filho era o tal preso.
-Vamos esperar e ver o que eles farão. –Marcos temia uma guerra civil na
pequena vila.
Theodoro foi levado para casa por uma comitiva, e Daniele passou toda a tarde
com ele, servindo-lhe sopa e afagando-o seu amor.
Na hora de seguir para casa, três homens a cavalo acompanharam-na. Ordens
de seu pai que queria o máximo de segurança.
Um pouco depois do almoço, Samuel Fernandes seguiu para a Casa da Guarda,
a fim de interrogar o provável assassino.
Um tanto quanto já torturado e machucado pelos soldados, Josué foi levado
diante da maior autoridade.
-Por que tentou matar Rafael?- o Coronel tinha pouca paciência com homens
contrários a lei.
-Não fiz nada, não tentei matar esse homem. -Josué afirmou o que tinha dito
para os soldados.
-Então o que queria com a jovem? Estou dando-lhe a chance de me dizer a
verdade, antes que alguém o desminta e as consequências serão piores, rapaz. - o
Coronel esbravejou. –Entre, Ottávio.
Ottávio um tanto abatido entrou na pequena, mofada e escura sala. Olhou
para o rapaz um tanto maltratado, encarando-o nos olhos e vendo a coloração
castanho escuro.
-Não é ele, pegaram o homem errado. -afirmou o escudeiro de Rafael.
159
-Mas como não? Ele tentou matar Daniele. -o Coronel precisava encontrar o
culpado logo, pois devia das devidas explicações de suas ações para Rafael e o
Representante.
-Acharam a arma dele? -Ottávio perguntou.
-Não senhor, o rapaz não portava nenhuma arma. –afirmou um dos soldados
que cercavam o preso.
Voltando ao Coronel o jovem português afirmou a inocência de tal infeliz.
Pedindo providências para captura do verdadeiro assassino. Ottávio sempre foi justo
perante inocentes.
Ficando sozinho com seus soldados e o rapaz, o Coronel enfurecido exigiu
explicações plausíveis.
-Já disse... Queria entregar um presente a ela. Amo-a. – novamente Josué
insistiu em sua posição.
Todos riram, gozando da inocência e pureza do jovem.
-Você, o rapaz que acabou de sair, o outro que levou o tirou e tenho certeza
que mais uns cinco espalhados pela vida amam aquela moça. O que essa jovem tem de
tão atraente que encanta os corações masculinos? –Samuel Fernandes satirizou a
situação. - Foste mesmo um infeliz, rapaz, decidiu o lugar e o momento errado para
declarar sua paixãozinha. Levem-no para cela.
-Espere, espere... Eu sou inocente, por que ainda vou continuar preso?
Seguindo para se retirar do local, o Coronel voltou-se ao prisioneiro, com risos e
gracejos: - Irá sofrer as consequências por ser abusado e não se colocar no seu devido
lugar. Será solto quando alguém pagar sua fiança.
-Não, por favor, eu não fiz nada, por favor... -Josué foi arrastado e jogado em
sua cela.
Mulas, cavalos, jegues, bois, milhares de ruminantes estavam chegando à
parte Leste da vila, sem serem notados. Estavam lotados de sacos e mais sacos
abarrotados de ouro que estavam sendo postos no armazém destinado para no
próximo dia entrarem em um dos navios de Rafael.
Uma grande quantidade de homens armados recepcionava os metais. Tudo
estava sendo muito bem vigiado.
Rafael junto de Ottávio via a chegada dos condutores.
-Estou devendo desculpas, rapaz. -Rafael evitou até então tocar nas
consequências dos acontecimentos da manhã.
-Não me deve nada, senhor. Cumprira com o que prometeu para o seu
salvador. - Ottávio tentou evitar constrangimentos.
-Voltei atrás em vosso pedido de casamento.
-Já disse, está bem. Vamos continuar como patrão e empregado, eu me
dedicando como sempre me dediquei aos meus serviços. Amanhã ocorrerá o grande
Baile, não deve se preocupar com os sentimentos de um simples empregado. - Ottávio
usou as palavras conforme achava que Rafael tratava-o.
Um pouco distante dali, Luigi estava escondido e observava todos os sacos e
mais sacos que chegavam.
160
-É muito ouro!
Giulia assustou o irmão: - O que está fazendo aqui? Quem são eles?
-Ou?! O que você faz aqui? Pensei que havia saído sorrateiro sem ninguém me
ver. –Luigi nunca manteve discrições e posições cautelosas.
-Saiu, mas eu sou mais inteligente que você. Então vim atrás para ver se não
estava se metendo em encrenca.
-Não preciso de babá! – ele exclamou revirando os olhos.
-O que tem dentro daqueles sacos? -Giulia olhava tudo com muito
minuciosidade.
- É o nosso maior roubo, maninha. Todos aqueles sacos ali estão repletos de
ouro que será nosso. –conclamou-se o jovem capitão.
Mercy só saiu do quarto de Margot quando esta esteve de volta. Já informada
por Noxa de tudo o que havia acontecido na vila, a senhora Reghine seguiu a fim de
ver o estado do afilhado.
-Estou bem, foi um tiro de raspão. –Theodoro respondeu para melhor
tranquilidade da madrinha. Tinha uma atadura no braço esquerdo.
-Meu Deus, não me posso ausentar algumas horas e você senhorzinho já
apronta das suas. Quando esse espírito de Robin Hood irá terminar? -Margot já havia
apegado-se a Theodoro, sentia muito carinho por ele, o queria muito bem. Lembrou-se
de sua promessa com Emanuel Zacarias Castro... O passado então se fez presente em
sua mente, viu Emanuel valente e vil lutando contra o Código.
-A cada salvação que faz sai bem recompensando. Agora é marie, noivo da
jovem Daniele. Splendide! -Mercy tomou a porta, alucinada e cheia de ideias.
-E Rafael como está? –indagou Margot voltando à realidade.
-O misérable saiu ileso. Não é mesmo uma pena. -Mercy desejava o pior
destino para Rafael.
-Está bem. E o rapaz que capturaram não é o assassino. -Theodoro completou
aliviado, finalizando as notícias.
Ao sol se pôr, Josué foi alimentando por um dos soldados. A comida: um
pedaço de pão e água.
Estava sentindo muito triste e o arrependimento por tudo que tinha feito em
prol daquela paixão boba, assim caiu-lhe na cabeça o peso de tal ação. O pão descia
difícil mesmo com a água.
161
Rúbio estava sozinho no seu quarto nos fundos do bar. Oswald havia seguido
como sempre para o Cabaré junto de Marcos e mais a tripulação do Minerva que
estava presente em Santos. Não sentia vontade para mais nada, cumpria suas
obrigações e amuava-se num canto, parecia que estava a espera da morte, nada mais
era capaz de animá-lo. Seu filho sentia vergonha da pessoa que ele era, e isto lhe doía
muito.
Até o momento não havia recebido nem ao menos notícias de seu filho
prodigo. Entretanto também não iria procurar informações dele ou procurá-lo,
também era durão.
Apesar das insistências do irmão que indo ao Cabaré ele poderia se animar um
pouco, o velho pirata com perna de pau não tinha animo nem ao menos de sair às
ruas.
Um estardalhaço de vidros. Alguém estava tentando entrar no Bar, “algum
pirata beberrão que não poderia aguentar até amanhã para saborear seu copo de
rum”, possivelmente disse Rúbio.
Empunhado de uma arma de fogo Rúbio seguiu para por o viciado para fora do
estabelecimento, entretanto foi pego de surpresa por uma comitiva de soldados
acompanhados do Coronel da Guarda.
-Está em minoria, meu caro - declarou o coronel.
Ao menos uns quinze homens tinham as armas apontadas para o velho pirata.
Tal velho mal imaginava que algumas daquelas lanças que as armas tinham a frente
poderiam lhe fazer.
-Rúbio Anurato Oswald, o senhor está preso em nome da Coroa... -Samuel
apresentou a prisão, conforme exigia a lei. -... Por crimes piratas, furtos, roubo,
assassinato de homens inocentes e injúrias contra sua majestade. E terá seu devido
destino e castigo por tais maledicências.
Ele se viu indefeso, abaixando sua arma e agarrado por três soldados.
O cenário deixado para trás era o seguinte: a perna de madeira de Rúbio caída
sem seu respectivo dono, as marcas dos sapatos dos soldados por todo o assoalho e
um aviso assinado pelo rei e pelo Representante afixado na porta de tal antro.
162
Capítulo 17: O Grande Baile.
Na volta para casa Bartolomeu, Marcos e Oswald cantavam abraçados,
bêbados e quase tropeçando. Eram acompanhados por Luigi e Giulia que vinham log
atrás quanto bêbados quanto os velhos piratas.
-Mariaaaa... Meu amor... Quero-te tantoo... -a cantoria atormentava mendigos
que taparam os ouvidos. Uma mulher os condenou em palavras ao passarem de baixo
de sua janela, e tal cantoria foi capaz de amedrontar gatos que correram e causaram
um tremendo tumulto entre os cães vadios.
Augustus se aproximou de seu estabelecimento observando a porta
arrombada e vidros no chão.
Todos o acompanharam. Entrando deparou-se com a perna de pau do irmão
caída sobre o assoalho. Marcos tomou em mão a carta deixada pregada na porta e a
leu:
Está proibido a partir desta data a abertura de tal estabelecimento ou
qualquer tipo de comércio deste. É obrigado o dono de tal estabelecimento fazer os
devidos documentos para a abertura futura deste e o pagamento dos impostos em
dívida com a Coroa.
Assinado o rei Dom José I e seu Representante, Donário Abreu Freitas
Guedes Lima.
Augustus envolto junto a perna de pau e temeroso para onde deveriam ter
levado seu irmão, questionou: -O que eles estão querendo?
-Presumo que os dias de piratarias e piratas aqui em Santos estão contados,
meu caro amigo. -Marcos pressupôs o pior.
Daniele estava de volta naquela caverna escura, úmida e de ar nauseante. Ia se
aproximando de um objeto que estava entrelaçado por uma corrente e trancafiado por
cadeado... Amarelo ouro... Brilhavam num tom capaz de cegar. Quando se aproximou
para tocar em tal iguaria, ela acordou.
Sua primeira reação foi vistoriar sua mão, onde mais uma vez o anel estava.
Estava tudo normal, sua mão continuava com seus dedos inteiros, com unhas bem
pintadas e com uma pele de extrema maciez. “Estou de volta.”
Postou-se da cama, estava muito feliz, agora tudo estava dando certo. O seu
pai havia aceitado o casamento com Theodoro, que mais uma vez agiu como herói e
salvou Rafael da morte. Calafrios.
Muito bem disposta e vestida desceu para junto de sua família para tomar seu
café da manhã.
-Bom dia a todos. - a jovem cumprimentou seu pai e mãe com um beijo.
-Que alegria radiante. -Maria Aparecida sentiu a ironia da vida.
-E não é para estar? Tudo está correndo bem com minha família, estou
finalmente autorizada a viver junto do homem que amo e ainda iremos comemorar
tudo isso com um grande Baile, não é mesmo divino?! -Daniele foi servida pela velha
escrava Zilda que também apreciava da alegria de sua sinhazinha. -Intrigante não
acham?
163
-As coisas estão acontecendo tão rápido de uns tempos para cá. Em menos de
uma semana, quase perco meu marido, você obtêm um segundo noivo sem ao menos
o primeiro ter morrido. Caótico, não intrigante. –a mãe não fazia parte de tal sabor
alegre.
Rafael não teve coragem de enfrentar a mulher depois do aceitar o desejo de
Theodoro. Ouviu tudo calado vindo dela, injúrias, ódio e promessas de morte, era o
preço que pagava em tratar bem aquele quem o salvou.
-Está vendo Nina, não fora em vão as nossas caminhadas ao vale. Irei me casar
com Theodoro. –Daniele pôs-se junto das escravas beijando uma a uma.
Rafael riu junto com a filha, compartilhando da mesma felicidade.
-Fico feliz em ter feito algo em prol de minha sinhazinha. -Nina tentou
responder com coerência a devida situação.
Maria Aparecida conteve-se para não lançar boca a fora tudo que havia
consumido até então ao ver tal cena. Ela tinha que reconhecer, o forasteiro havia se
superado.
Iria acordar, pedia aos céus que o que lhe ocorreu fosse mentira, um sonho.
Josué estava de olhos fechados e ao abri-los deparou-se com o teto mal feito da cela.
Virou-se para o lado e admirou as grossas grades. Só havia feito besteiras.
Um soldado passou no corredor acordando o jovem presidiário: - Vamos
acorde, aqui não é uma pensão. Não é que estamos começando a lotar, mais um rato
como você foi pego ontem à noite.
O jovem Oswald mal deu ouvidos aos insultos do soldado.
Rúbio estava encostado na parede mofada do fundo da cela que escorria água
com um fedor muito forte. Um rato tomava o espaço a esquerda, tal ambiente tinha o
chão coberto por um pouco de grama seca e as paredes laterais anotações de exprisioneiros.
-Bom dia, senhor... Rúbio. -Ottávio cumprimentou o prisioneiro, agachando-se
na altura do mesmo. - Muito prazer.
-Pena não poder dizer o mesmo. -retrucou o velho pirata, quase em cóleras.
-Como podem vangloriar um homem que nem perna tem? –Ottávio
questionou dada fama de tal figura.
-Viva depois de um ataca de tubarão branco e será venerado. -contradisse
Rúbio, dando de ombros.
-Infelizmente, um dia tudo há de acabar, não é mesmo? Rúbio, o grande pirata
passará de uma lenda viva para um mito durante a noite de hoje.
Com seus olhos enrugados o velho fitou o jovem mercante e o ouviu com suas
orelhas pontudas e escarnecidas, quase iguais que a de seu companheiro roedor de
cela, com atenção as palavras de Ottávio: - Com algumas horas de vida, acho que
164
queira se confessar com algum enviado de Deus e pedir perdão por tudo que causara
aos outros e a si mesmo, acredito?
-Do que está falando seu saco de carne grotesca?
Ottávio pôs-se de pé e chamou o padre para junto dele.
-Que Deus o abençoe, meu filho e te perdoe por todos os seus pecados... Padre Inácio com uma pequena bíblia nas mãos e fazendo o sinal da cruz, sentiu pena
de mais uma alma que deixaria o plano terreno. - Comecemos a confissão...
-Me arrependo de não ter posto fogo nas casas dos ricos daqui, decapitando-os
e de não ter abusado de suas mulheres.
-Que horror. –Padre Inácio voltou-se a Ottávio. -A alma deste infeliz já não
pertence aos comandos de Deus.
Tal prisioneiro nunca imaginou em toda sua existência que acabaria desta
forma, numa cela de prisão e morto por homens que se intitulavam por benfeitores.
Não estava arrependido de nada que fizera em vida. Todos os roubos, mortes
provocadas, saques, abusos entre outras destrezas que executou nos quatros cantos
do mundo Rúbio sentiu-se orgulhoso. Aproveitou devidamente sua vida, concluiu em
pensamentos.
Contudo, não iria mais ver seu querido filho, arrependeu-se de não ter ido vêlo, talvez um último abraço. A vida é algo tão passageiro que não nos damos conta que
para perdê-la são necessários segundos.
O Bairro Pirata estava tomado por soldados da Guarda, vestimentas de tons
avermelhados e azuis, e alguns outros com vestimentas diferentes. Estes tinham suas
roupas em um tom de verde escuro, mesclado com preto e em seus brasões vermelhos
intitulados: SOLDADOS CONTRA PIRATAS.
Estavam deflagrando a tirania por todos os cantos de tal beco. Fechando bares,
pequenas lojas, emitindo mandatos de cobrança de impostos e executando prisões.
Augustus Oswald foi segurado por Marcos para se evitar uma briga com o
Coronel da Guarda que observava e cumpria todas as ordens conforme há dias vinham
planejando.
-Seu desgraçado, o que pensam que estão fazendo? -interrogou o dono do bar
Beira Mar.
-Executando a lei, seu pirata desordeiro. –responde Samuel Fernandes. Era uma
grande autoridade agora.
-O nosso acordo... Como fica o acordo de anistia? -Marcos lembrou sobre tal
relação.
-Acordo? Não temos nada assinado com vocês. Ao contrário, temos várias
assinaturas contra vocês. - respondeu sem piedade o chefe da lei em Santos.
-Isso aqui é nossa vida, caro coronel. Como iremos sobreviver sem
trabalharmos?- Augustus tentou comover a autoridade. -Inocentes estão sendo
presos. Onde está meu irmão?
-Isso já não é problema meu. -respondendo isso Samuel seguiu rindo junto de
alguns soldados.
165
Casas estavam sendo trancafiadas, navios fugiam. Santos já não era um local
onde lei e ladrões viviam em plena paz.
O Minerva logo saiu em retira, entretanto não para longe dali, atracaram em
um canto próximo ao velho cais onde pretendiam agir a próxima noite. No cais velho,
já estavam atracados o grande navio que levaria as riquezas e os quatro navios de
segurança, bem armados e com homens preparados para qualquer tentativa de roubo.
-Minha cara tripulação o dia de hoje será para nos preparar para a noite de
amanhã. Após eu, o vosso caro capitão de tripulação e a nossa contramestre
organizamos tudo o que deve ser feito. Estejam dispostos para o maior roubo do
Minerva ao meu comando. -Luigi saldou sua frota de homens seguindo aos seus
aposentos que logo foi invadido por Bartolomeu e Giulia.
-Me explique logo qual é esse grande roubo. Todos estamos apreensivos com
tal surpresa. –Bartolomeu queria saber respostas de seu capitão.
-Não se afobe. Temos tempo, mas será necessária muita ordem para que tudo
ocorra conforme o planejado. Precisamos de pólvora, balas de canhão e muito rum. Luigi ditava ordens como um general que seguia para uma guerra.
-Rum?! –Giulia interrogou, sem compreender nada daquilo que acontecia.
-Sim, rum para festejarmos depois da vitória. –Luigi sentia-se rico, com muito
ouro em mãos. Pensava em como seriam seus trajes a partir da próxima noite,
adoraria os vestuários japoneses, apreciava tal cultura. -O que estão fazendo aqui
ainda? Vão atrás de providenciarem armas, precisamos de armamento. Eu sou o
capitão, dito as ordens e vocês a tripulação as obedecem.
Bartolomeu questionou Giulia com o olhar, ela respondeu- Ele é o capitão.
Pela primeira vez, Giulia apoiava o irmão e acreditava que poderia ter sucesso
em tal façanha. Esta também foi a primeira vez que não sentiu a ausência de seu pai.
Daniele questionou a família da ausência de sua professora e amiga Mercy, e
foi informada pelo pai do fim de suas aulas de francês. Mercy havia seguido para outro
lugar e infelizmente suas aulas de francês haveriam de esperar.
Ao seguir para a butique de Serafim, Maria Aparecida que não quis ser
acompanhada na busca pelos trajes para mais a noite, seguiu atrás do escravo de
Mercy e cobrou informações.
Caros leitores, apesar do ditado sempre dizer que o último a saber é quem é
traído, no caso de Maria Aparecida era diferente. Tal senhora conhecia muito bem as
traições do marido. Sempre soube de todas e tudo. Sabia o que as amantes ganhavam,
os dias que recebiam seu esposo em suas respectivas moradias, seus nomes e origens.
A amante da vez era Mercy, a ex-prostituta do Cabaré que atracara há alguns anos em
Santos e que Rafael se encantou enlouquecido.
Pretendendo sempre manter a ordem e nunca perder o seu posto de primeira
dama dos Hamburgo, Maria A parecida fazia questão de manter essas mulheres perto
de si, as controlava e manipulava o marido, mesmo que isso não fosse transparecido.
166
Após alguns minutos de conversa com o escravo a senhora Hamburgo seguiu
para o alfaiate e depois para a moradia de Margot, para alguns prestígios e
congratulações.
A senhora Reghine estava fora de casa, como Maria previu, Margot estava
correndo atrás dos últimos detalhes do evento que ocorreria a noite.
Noxa seguiu até o quarto de Theodoro, avisando da presença de sua sogra.
-Pois não, o que quer senhora? -Theodoro ainda não havia ganho o hábito de se
dirigir aos sogros com seus devidos substantivos, pois o tempo foi insuficiente para
ganhar tal costume.
-Vejam só, aí está ele. O nosso grande herói, cavaleiro divino, defensor do bem,
dos fracos e oprimidos. -Maria Aparecida esboçou o discurso com ironia. Via Theodoro
com nojo e por tal devida repulsão mantinha-a distante.
Mercy de cima das escadas analisou tal cena com desprezo.
-O que queres aqui? -Theodoro retomou a interrogativa.
-Hipérbole, figura de linguagem que caracteriza o exagero, as expressões
desmedidas. É isso que está ocorrendo lá... – a senhora indicou a rua -... Com seu
nome. Tornara-se um mito em nossa vila, rapazes sonharão ser igual a você. A cada dia
que se passar seus adjetivos irão aumentar até não caber mais na mente desses
pobres seres e assim viverá a eternidade em suas bocas e cabeças.
-Veio com que propósito aqui? -Theodoro não compreendia a intenção dela.
Temia-a, engoliu a saliva com dureza, mantendo-se firme diante de sua sogra.
-Em somente um mês que se instalara nessa vila, já toma conta de nossas vidas.
Faz parte de nosso cotidiano, seu nome soa comum entre nós. E agora, conseguiu o
que mais desejava... A confiança de Rafael e sua posição como braço direito do
mesmo, assim noivo de minha filha. Um golpe inteligente.
-Não fiz golpe algum, senhora.
-Espero que seja mesmo o bom homem que nos transparece, pois exigirei tal
graça. -Maria Aparecida se aproximou do rapaz. -Desejo felicidades e cuidado se tiver
teto de vidro. Pois se o possuir, farei um grande estrago nele e não descansarei
enquanto não vê-lo transformado em migalhas brilhantes e cortantes.
-Agradeço sua visita. -Theodoro segurou-se para não pôr Maria aos pontapés
para fora.
Os dois se encararam como cão e gato, eram inimigos reais.
-Onde está a francesa? -querendo seguir para as escadas foi interditada por
Mercy que apareceu descendo.
-O que deseja moi, comigo, minha cher Maria? -Mercy mostrava seu imperfeito
rosto sem medo para tal senhora, pela primeira vez além dos moradores da casa.
-Não precisa me tratar bem, já não tens mais que me bajular. –Maria
Aparecida analisou a ex-amante de seu esposo. –Sempre soube de tudo e sabia que
você não era mais que um passatempo para Rafael.
-Se a dame, senhora, terminou a visitar, s'il vous plaît, vá embora. -Mercy
manteve a mente e os punhos no lugar.
-Não é que a prostitutazinha sabe onde é seu devido lugar... Diferente de
tantos outros. –disse isto tal senhora voltou-se a Theodoro. Depois retornou à
francesa, analisando com mais nitidez o estrago no rosto da outra:- Espero que tenha
sorte, pois saiba que nunca mais será desejada por qualquer homem.
-O que veio fazer ici, aqui? -Mercy segurava suas dores para não desabar.
167
-Verificar se o serviço de Rafael foi bem feito. -Maria foi irônica e maldosa. Espero que a relação de vocês dois limita-se a meros companheiros de moradia. –
indicando a francesa e depois Theodoro. -Pois se não, temo por suas almas. Pois bem,
já estou de saída, tenho muito o quê fazer ainda hoje. Até no baile, meu querido
genro. Boa sorte, Mercy!
Maria Aparecida não poderia perder essa oportunidade de vangloriar-se sobre
ambos os personagens. Ela estava decidida a não deixar sua filha casar-se com
Theodoro e sentia-se aliviada de saber do fim dos encontros de seu marido com a
francesinha.
Mercy perdeu as forças e caiu em lágrimas no chão. Theodoro a confortou.
-Ele tirou de mim o que eu mais tinha de valioso: minha beleza. - as lágrimas
escorriam na face deformada da francesa, era mesmo uma imagem horrorosa de se
ver.
Margot voltou para casa somente para tomar banho, se aprontou formalmente
e seguiu novamente para o local do grande evento.
Theodoro se vestiu devidamente conforme a cerimônia exigia. Trajava um
terno de giz, desenhado a seu corpo. Apesar de não poder vestir por inteiro o paletó,
pois a atadura no braço esquerdo o impedia, estava um verdade galã. Longe daquele
Theodoro da chegada na vila, que se sentia humilhado somente pelas vestimentas dos
senhores de tal local.
-Não irá mesmo?- ele questionou a francesa que estava o ajeitando.
-Deve estar me caçoando. Não aparecerei nunca mais no meio de todos por
causa desse estrago. – Mercy não tinha esperanças de uma vida social e festiva.
-Não se preocupe. O que é de Rafael Hamburgo está por vir. –Theodoro
relembrou do passado e Mercy viu vingança em seu semblante. - Tenha uma boa
noite.
-Você também, Theodoro Hamburgo.
Saindo da casa, ele defrontou-se com Ottávio aos pés da carruagem.
-Está galante. -Ottávio elogiou o inimigo, então noivo de sua amada.
-O que quer aqui Ottávio? - interrogou Theodoro preocupado com a presença
do outro. Talvez uma possível tentativa de impedi-lo seguir até o Baile, onde ganharia
as honras de noivo de Daniele.
-Estou de serviço hoje, trabalhando para que tudo ocorra como organizado.
Não irei sentar a mesa como sempre tive o prestígio, isso agora é seu papel, seu lugar.
Irá pedir a mão dela em casamento hoje, correto?
-Sim. - Theodoro mantinha-se afastado, tinha receio da reação de Ottávio e
com o braço enfaixado não poderia reagir caso algo.
-O que pretende dar a ela?
-Não sei... Nada. Não tive tempo para comprar algo.
-Imaginei, as coisas foram rápidas demais. –Ottávio sentiu-se um grande
perdedor. Tirando uma pequena caixinha do bolso entregou-a para Theodoro- Tome,
dê isso a ela. Havia comprado esse anel em Lisboa, para que eu o desse de presente de
noivado.
-Não irá querer mais?
-É dela, comprei para ela. Entregue você, em seu nome, para seu sucesso. entregando a caixinha, Ottávio virou as costas e seguiu seu caminho. Empunhava uma
espada, estava com roupas de soldado contra piratas.
168
O jovem Castro seguiu com a carruagem até a mansão de seus sogros. Onde
fora recepcionado pelo dono.
-Boa noite rapaz, encontra-se em trajes finos. - Rafael admirou a vestimenta de
Theodoro.
-É preciso para tal ocasião. -Theodoro manteve boa postura.
-Pronto para ser oficializado um membro da família Hamburgo? -Maria
Aparecida pressionou-o e tentou demonstrar as responsabilidades que haveriam de vir
para Theodoro através do peso que o nome de sua família obtinha.
-Já nasci pronto. - Theodoro era incapaz de levar desaforos para casa...
Lembrou-se da promessa feita ao pai.
Daniele era esperada por todos. Ao descer a escada, teve as atenções voltadas
para si. Estava divinamente linda, semelhante às deusas gregas do Olímpo. Seu corpo
tinha belas curvas, seu lábio era vermelho maçã e realçados com um pouco de brilho.
Tinha as mexas dos cabelos caídos sobre o ombro e às costas. “Está linda!”, admirou
Theodoro.
-Boa noite. -ela cumprimentou. –Vamos, estou finalmente pronta.
Na casa dos Martins, Malvina analisava sua barriga no espelho quando se
assustou sendo pega de surpresa pelo marido.
- O que está olhando? -ele questionou tal observação.
-Nada, meu umbigo. –respondeu ela correndo para por o vestido, mal
disfarçando.
-Mulheres, como são fúteis, se preocupam com cada detalhe. -ele ajeitava sua
gravata.
-Por isso somos mulheres e vocês homens. Detalhistas e mau entendedores,
respectivamente. –ela disse pondo as partes de baixo da grande vestimenta.
-Irei viajar. Daqui alguns dias, vou para Lisboa. -Heitor ajeitou os últimos
detalhes de sua roupa.
-O que irá fazer lá?
-Preciso achar algumas cartas da Companhia das Índias e esperarei que o nosso
rei, faça o que tem de ser feito.
-Não entendo sua relação com essas cartas? -Malvina tentou encontrar as
respostas para os interesses do marido. Lembrou-se do aviso da mãe de se retirar de
Santos. –Poderia acompanhar-te, lhe fazer companhia?
-Não iria tirar férias, irei tratar de coisas sérias. -Heitor admirou Malvina e viu
nela uma mulher muito distante daquela que precisava ter ao lado para o que haveria
de acontecer com sua ida a Metrópoles. -Está começando a me incomodar.
Malvina não entendeu as palavras ditas, permaneciam em suspense
interrogativo.
-Está começando a ser um excesso de peso sobre os meus ombros, sem lucro
algum. Entende que parece um pingente pesado dependurado em nosso corpo e que
se retirado não fará falta alguma?
-Eu sou sua esposa. - ela sentiu-se aterrorizada e humilhada.
169
-Sim, não precisa me lembrar. Arrume-se logo, estamos atrasados. –Heitor
desapareceu, frio.
Malvina não conseguiu manter-se de pé, estava boca aberta de indignação.
Começou a chorar e chamou por Escobar.
O Grande Baile.
Muitas carruagens de alta qualidade tomaram as ruas de Santos. Muitos
convidados e transeuntes admiravam a grande confusão.
Mulheres acompanhadas de seus caros vestidos e de seus maridos bem
vestidos, tentavam invejar quem as olhassem. Os homens também sentiam um tanto
de luxúria.
Margot recepcionava os convidados. Acompanhada de serviçais que a mando
dela indicavam as devidas mesas para os convidados.
As famílias mais importantes eram as mais esperadas. O Representante era a
figura mais bem observada e acalentada.
As jovens moças cochicham entre si, os rapazes tentavam usar de seus
charmes, ainda adolescentes, na tentativa de fisgar uma linda donzela.
Crianças juntavam-se em grupos para aprontar das delas, com suas mães e pais
as dando broncas e tentando contê-las sentadas juntos aos adultos, que não passavam
de chatos na visão dos pequenos.
Malvina e Heitor estavam acompanhados de Adrian.
-Um grande evento... Teremos um grande tombo. -afirmou Heitor para o
escudeiro.
-Característico do ego dele. - Adrian apesar de não apreciar Rafael e sua corja,
admirava a bela festa que foi aprontada. Era comparável a grandeza que Rafael havia
chegado.
No centro de tal local, estava estendido um grande e elegante tapete
vermelho. As mesas todas de madeira, muito bem cobertas com toalhas de seda
brancas acompanhadas de um belo arranjo de flores e frutas de tal terra exótica.
Esculturas de figuras gregas, flores ornamentais junto de parreiras de uvas
estavam espalhadas decorando o ambiente. Um grupo de músicos tocava à direita. Um
palco a frente de todos e uma estrutura um tanto grande com um pano de algodão de
devido tamanho para esconder o que cobria chamava atenção.
Estava tudo muito bem planejado e elegante. A comida tinha alta qualidade. A
cozinha estava repleta de escravos que transitavam de um lado para o outro para
cumprirem seus deveres, e o chefe do jantar perambulava entre os vapores das
panelas.
A carruagem mais esperada estacionou. Dela saiu o senhor Hamburgo que
auxiliou sua esposa. Maria Aparecida estava capaz de invejar qualquer mulher da festa,
tinha o mais belo vestido, as mais belas joias, qualquer mulher estava longe de poder
confrontar tal senhora em vestimentas e gala. Dotada de um vestido verde e dourado,
com muito ouro em destaque a senhora Hamburgo tinha todos como súditos e ela
como sua rainha. Serafim tinha os olhos brilhando, dizendo aos que junto estava,
sobre tal vestimenta: - Fui eu que fiz.
170
Theodoro saiu em seguida e com a mão direita estendida auxiliou Daniele
descer da carruagem.
Seguiram para sua respectiva mesa, e Theodoro sentou-se ao lado de Daniele.
As atenções estavam todas para a mesa dos Hamburgo que tinha o Representante
como figura não relacionada à família, mas sim aos interesses desta.
Ottávio admirou sua amada com tristeza, um dia atrás estava sonhando com
tal evento e que assim poderia finalmente pedir a mão dela em casamento... Seguiu
para junto de alguns soldados:
-Está na hora de trazê-lo. E fiquem preparados para o momento exato.
Theodoro tinha a mão no rosto de sua amada. Tinham grande desejo de se
beijarem.
-Eu te amo, Theodoro.
-Te amo, Daniele.
-Meus caros apaixonados contenham suas ânsias e hormônios. –a senhora
Hamburgo mandava oi pra algumas conhecidas ao longe e tentava alertar o casal das
indevidas atitudes. - Jovens, sempre tão afobados e incontroláveis.
O casal permaneceu de mãos dadas debaixo da mesa. Tinham sorrisos e
olhares apaixonados.
“Estamos aqui hoje para se realizar os devidos desejos e ordens de nossa
Majestade”, o Representante tomou o centro do recinto e das atenções. “Esperamos
que daqui em diante tudo ocorra como o rei desejara. E quem, como não um de vocês
para tornar isso real?! Basicamente de início é isso, sejam todos bem vindos e que
comece o jantar.”
Os alimentos foram servidos, os senhores e suas senhoras depois de alguns
minutos transitaram entre as mesas cumprimentando e saudando a todos. Pernas
debaixo das mesas foram passadas, mãos incontroladas de jovens rapazes abusavam
da sorte e crianças ganhavam beliscões.
Com sua taça de vinho nas mãos Rafael tomou o centro do recinto. “Quero
pedir a atenção de todos vocês... Esse evento guarda muito mais informações e
festejos do que parece. Peço que venha ao centro o meu futuro genro, Theodoro.”
Theodoro ficou de pé, tinha todos os olhares para si. Maria Aparecida parecia
não estar vivendo aquilo, realmente não concordava com Daniele e o forasteiro,
juntos.
O jovem Castro olhou para o céu, lembrou-se do pai e imaginou onde é que ele
estivesse, deveria estar sentindo muito orgulho de sua cria.
“E minha filha, Daniele”, ditando os acontecimentos Rafael voltou para mesa,
deixando somente o jovem casal aos olhares de todos ali presentes.
-Seja forte, rapaz, a vida é cruel, não deixe ela te machucar. -disse Margot do
lado de Ottávio que via tudo com muita dor.
Theodoro se agachou, segurando a mão direita de Daniele e assim declamou
seu pedido: -Daniele Goes Hamburgo, nascida em berço de ouro, dotada de uma
beleza única, educada pela mais alta elite dessa Colônia, aceita casar-se comigo,
Theodoro... Reghine... – ele compreendia o terror de sua origem, assim mentiu-... Um
forasteiro, chamariz de atenção...
Gargalhadas tomaram todo o recinto.
171
-... De grosso modo, mas disposto a evoluir para me tornar o marido que tanto
desejas? Eu que tanto a amo, peço-te em casamento para viver até que a morte nos
separe.
Cm este pedido, ouviu-se o ah da moças que sonhavam com um pedido tão
belo e magnífico como este.
Daniele não cabia em si, admirava Theodoro de joelhos em sua frente. Como
amava aquele homem, achava-o belo, atraente, educado e heroico.
Com o anel estendido para ela... “Sim, eu aceito.”... Daniele recebeu o
presente, realizada. De pé, se beijaram. E dos olhos de Ottávio uma lágrima escorreu.
Aplausos e urras ecoaram.
A valsa deu-se início. Todos os casais tomaram o espaço vazio e foram se
mover um pouco, deixando a vergonha e os gracejos de lado para executarem com
maestria tal dança tão fina e requintada.
-Jura mesmo que será até a morte nos separe?- Daniele perguntou ao noivo.
-Até a eternidade. – ele respondeu, tentando acompanhar os passos da dança.
Depois de uma bela música, champanhe foi servido a fim de saciar a sede dos
dançarinos.
Não demorou muito, e novamente Donário Abreu tomou o centro do recinto:
-Eu, o Representante da Coroa, Donário Abreu Freitas Guedes Lima, dou início
a congratulação e posse de posto a Rafael Nunes Hamburgo. Queira se aproximar,
senhor. –Donário tinha ao lado o auxiliar que segurava uma caixa comprida e de
camurça negra.
Rafael ajoelhou-se diante da figura real.
-Eu o Representante da Coroa a serviços de meu rei Dom José I, nomeio... retirando a espada que Rafael encomendara e que Theodoro recebera há alguns dias,
o Representante continuou. -... Rafael Nunes Hamburgo... -tocando a lâmina nos
ombros de tal homem, realizando o que tanto se esperava. -... Comandante e Líder da
Guarda e dos soldados Contra a Pirataria e o crime.
Margot que observava atenta desmontou-se numa cadeira inconformada.
Ottávio por ordens de Rafael tentaria controlá-la se preciso, então se mantinha ao lado
de tal senhora
-Seria cômico se não fosse trágico. –comentou Heitor em sua mesa.
Tomando o centro das atenções agora sozinho, Rafael realizou seu discurso:
-Eu, senhor Rafael Hamburgo, tomo o cargo com merecido crédito de nosso rei
com muito orgulho e admiração. Farei cumprir todas as regras e ordens necessárias.
Meus serviços, caros amigos, devo dizer que se deu início um tanto antes de me
empossar em tal cargo. E durante a noite de ontem e a manhã de hoje, fiz cumprir
pedidos de prisão, fechando-se estabelecimentos clandestinos e executando as
cobranças de impostos atrasados.
Margot tentou levantar, mas foi contida por Ottávio.
-Acalme-se senhora. Mantenha-se sentada. -ordenou o português.
-O que está acontecendo? -indagou ela, aterrorizada.
-E a execução que se dará diante de todos os bons homens aqui presentes,
será um aviso para os piratas e ladrões que a partir dessa data, aqui estão proibidos de
aportarem. –Rafael ordenou a retirada do pano da grande estrutura a frente de todos
os convidados.
172
O imenso tecido escorreu, um homem estava sendo preparado por soldados
Contra a Pirataria para ser enforcado.
-Rúbio! -exclamou Margot. –O que vocês irão fazer?
-O correto, minha senhora. –disse Ottávio.
-Auxiliar, inicie a execução. Por favor. -Rafael ditou as ordens e seguiu ao lado
de sua mulher.
Todos estavam admirados, uma execução em pleno Baile de posse de Rafael.
As famílias da alta elite eram tão egoístas e desumanas quanto o Coronel Contra
Assuntos Piratas. Pareciam estar diante de um espetáculo de circo romano, saciariam a
angustia do condenado. Há tempos não ficavam diante de uma execução, onde em tais
tempos quase que única as minas era prestigiada com tais eventos. O maior deles que
a história brasileira lembra-se foi a execução de Joaquim José da Silva Xavier, Tiradentes.
Theodoro não acreditava no que via diante de seus olhos. Rafael fazia jus à
fama que a ele contaram... Egoísta, frio e traidor.
A jovem Hamburgo não se importava com aquilo que acontecia, sua felicidade
estava garantida. Inocente ou egoísta?
Rúbio sentia-se um bicho diante de todos. Recebia os olhares de nojo, medo e
raiva por sua origem da alta elite ali presente.
-Com a intenção de pôr fim a uma vida de crimes e crueldade e com intuito de
garantir a segurança da população inocente... Você, Rúbio Anurato Oswald, conhecido
como o pirata perna de pau... -Francisco Oswald declarava em voz alta o pedido de
execução.
O soldado esperava ansioso para puxar a alavanca e o alçapão abaixo do velho
pirata se abrir. Prazer.
Rúbio viu sua vida diante de seus olhos, havia chegado seu fim. “O meu corpo
entrego a vós...”.
Margot estava inconformada com a cena que via, sentiu-se um lixo, uma
incompetente por não poder intervir. Era doloroso de ver aquele corpo velho se
equilibrando numa perna só, com a corda no pescoço e com um triste semblante. Um
condenado.
-... Está sendo condenado à forca, por mais de cinquenta e seis crimes
declarados, por ordem de Rafael Nunes Hamburgo em nome do rei. Por decreto todos
os direitos e garantias humanas foram anulados.
Rafael era o rei de todos ali. Ninguém superaria sua grandeza, havia chegado ao
ápice de sua glória, era assim o Guarda Contra Assuntos Piratas não só da vila, mas em
qualquer lugar da Colônia e um dos maiores dono de navios mercantes da nação lusa.
Havia chegado além daquilo que já imaginou.
-Por lei, qualquer um julgado por pirataria que se associar a uma pessoa
condenada por pirataria ou se aventurar com pessoas de tal meio terá um justo fim: a
forca.
Margot não poderia suportar aquilo. Fechou os olhos.
-... E minha alma entrego a ti, meu Deus. –Rúbio entregou-se e o alçapão se
abriu.
Moças viraram os rostos não aguentando admirar tal cena, homens gozaram
com tal execução. Crianças perguntavam a seus pais o que tinha acontecido com o
homem. Margot perdeu as forças.
173
Josué continuou dormindo em sua cela, tranquilo e sereno. Tornara-se órfão
de pai.
Os soldados sinalizaram que o homem estava morto.
-Saia de minha frente. -Margot empurrou Ottávio, ganhou forças que não eram
suas. Ele tentou domar tal senhora, mas essa foi ágil e se aproximou de Rafael.
-Vamos à cozinha, Rafael. -Margot tinha a voz exaltada.
-Não posso ir agora... -Rafael contradisse.
-Ou vai agora ou não hesitarei em exclamar as peripécias de seu passado a
todos aqui presentes. Seu condenado por Poseidon!
O homem acuou-se e seguiu à cozinha com medo da ameaça da mulher.
-O que foi aquilo? -Margot não conteve o tom de voz, estava atordoada.
-Por favor, saem. -ordenou Rafael aos empregados. -Saem logo!
O Representante ordenou os músicos retornarem a música, a fim que tal ar
fúnebre terminasse.
O corpo de Rúbio era retirado da forca sem muitos cuidados. Massacrado
corpo pirata.
Theodoro ainda estava em estado de choque.
-Tudo bem com você? –interrogou Daniele vendo Theodoro com olhar fundo,
pálido.
-Sim, é que nunca presenciei uma execução. –ele estava sentindo muita raiva
de todos os ricos ali presentes, viu do que Rafael era capaz para chegar onde queria.
Seu pai estava certo.
Malvina que mal tocou na comida sentiu-se um tanto indisposta depois de ver
a execução. Sua sensibilidade não permitia tal ato desumano.
O marido voltou-se à mulher, vendo os olhos dela aos poucos fecharem. Até
que Malvina desmaiou.
-Eu precisava fazer aquilo, Margot. -respondeu Rafael acuado.
-Matar alguém da sua mesma origem. É um ordinário. - comentou a senhora
Reghine com imensa ira.
O doutor ali presente acudiu a senhora Martins, que foi levada rapidamente
para sua casa. Heitor certamente não ficou feliz com tal desmaio da esposa.
-Já imaginou o que todos eles vão pensar? Augustus?...
-Não me importo com seus amigos, sou um homem do bem e da ordem. –
Rafael distanciou-se em palavras dos personagens comparativos.
-O que é um homem da lei com um passado sujo por pirataria?
-Não sei por que está tão comovida, pensei que estivesse acostumada com
traições.
Margot pôs o dedo sobre o nariz do senhor Hamburgo que bufava.
-Se não fosse por mim, o mundo que você domina era dominado pelo Código,
seu desgraçado, e você não passaria de um pobretão. Espero que saiba como cuidar de
uma festa, pois eu não fico mais aqui. Nunca mais trabalho para você, Coronel Contra
Assuntos Piratas. –dizendo isso Margot cuspiu na cara de Rafael que se controlou para
não inferir-lhe um soco nas ventas.
Encontrando com o casal Theodoro e Daniele, Margot despediu-se do afilhado.
-Aqui não fico mais, isso foi um absurdo. –virando-se para Daniele. -Espero que
seu pai, tenha consciência minha querida, que ele provocou a futura guerra que irá vir.
Se tiverem boa mente, cogitem morar em outro local pois a vila de Santos será um
174
palco de guerra daqui em diante, podem ter certeza. Aqui não permaneço mais, não
coajo com tais ideais e abusos.
Margot retirou-se furiosa sem despedir-se de ninguém. E Theodoro entendia o
ódio da madrinha.
Rafael acalentado pela mulher continuou sua festa, entretanto, pensativo,
talvez sinais de arrependimento. Mas, em seguida concluiu: É o preço que se paga para
chegar aonde cheguei. Rei!
175
Capítulo 18: Rafael é salvo novamente.
O sol emergiu no céu, vermelho sangue. Parecia demonstrar a mesma dor que
os moradores do Bairro Pirata sentiam. Alguns sangrando por dentro, outros
machucados por fora.
Sentada no sofá de sua casa Margot tentava saborear um pouco de café.
Estava pensativa e triste pela perda do amigo. De repente Oswald invadiu sua casa,
com um grande estardalhaço, partindo sobre a senhora que se protegeu atrás dos
móveis.
-Traidora, imunda! Como pode ver a morte dele e não fazer nada. –Augustus
esbravejou e debulhou-se em lágrimas, enfraquecido.
-Não pude fazer nada, Augustus. Havia homens fortes e bem armados, minha
atitude seria em vão. –Margot tentou se explicar, lágrimas também a dominaram.
-Como eu pude acreditar em sua pessoa. Sabia de tudo o que iria acontecer e
vendeu o seu silêncio para aquele infeliz do Rafael.
-Não sabia nada, repito. Fiquei tão surpresa quanto você. Sou inocente, eu juro.
–a senhora Reghine agarrada no vestido pelo homem tinha os olhos corados. Sentia-se
uma grande imprestável.
Theodoro apareceu correndo ao ouvir a gritaria: - O que está aconteceu aqui?
Precisa de ajuda Margot?
Augustus Oswald não se sentiu amedrontado pela figura do jovem. Estava
enlouquecido e machucado.
-Ele era meu irmão, há anos não fazia mal nem a uma mosca. –o senhor do
Beira Mar se entregou e debulhou-se no sofá. –Estava velho, não era perigo para mais
ninguém.
-Rafael provocou uma guerra. –alertou Margot numa tentativa de consolo.
-Ele planejou tudo muito bem. Aniquilou a todos. Mandou prender muitos
piratas, fechou todo o Bairro Pirata e outros tantos fugiram. – Augustus informou a
amiga e desfez a perspectiva de Margot de revolta por parte dos piratas.
-Se soubesse das intenções dele não aceitaria nunca organizar o Baile, e com
toda certeza, tinha os alertado.
Theodoro percebeu que não seria necessário sua intervenção, voltou para seu
quarto defrontando-se com Mercy no corredor.
-Bonne journée! Como sentir, se sente sendo o mais novo membre da família
Hamburgo?
-Bom dia, Mercy. Estou muito feliz. –o jovem Castro respondeu com rispidez,
não havia acordado com muita paciência.
-Soube da morte do vieux pirate, velho pirata. Rafael só acumula mais ennemis,
inimigos. –a ex-professora de Daniele previu um futuro trágico de seu ex-amante.
-O corpo de Rúbio está pendurado lá em frente ao cais junto de mais três
pobres, dizem que servem como alerta para os piratas. –Augustus não se conformou
ao ver a figura do irmão pendurada com uma placa acima da cabeça alertando para os
piratas darem meia volta e não aportarem em Santos.
-Estou sem palavras, nunca pensei que Rafael seria capaz de castigar pessoas
de sua mesma origem. Perdoe-me meu amigo, por não saber disto antes. –Margot
abraçou seu querido amigo. Lembrou-se do passado quando faziam parte da mesma
176
tripulação, a tripulação do Código dos Piratas. – Augustus, você ficou sabendo do
homem que foi preso confundido com o assassino de Rafael?
-Sim, o infeliz estava tentando se declamar a jovem Daniele.
-É seu sobrinho, Josué. Será solto somente após pagamento de fiança.
-Fogo!- ordenou um pirata.
Alguns rebeldes, dotados de duas velhas embarcações tentaram se revoltar
contra as atitudes de Rafael.
-Ordem homens, mirem naqueles navios e matem todos aqueles piratas. –
Ottávio, um dos líderes dos soldados da Guarda Contra Assuntos Piratas, guiava seus
homens para o combate.
Alguns tiros de canhão e o cheiro da pólvora velha das armas enferrujadas
foram logo cessados, uma embarcação da Guarda destruiu os velhos navios revoltosos
e todos os rebeldes foram presos e condenados à forca.
O doutor recomendou repouso para a senhora Martins, dando-lhe a notícia de
sua gravidez e ela o fez prometer guardar segredo, desejava fazer uma surpresa para o
marido.
-Tudo bem com você? –Heitor que dormiu em outro quarto procurou saber do
estado de Malvina pela manhã, e não estava com cara de bons amigos.
Malvina estava feliz, um tanto preocupada “Será que serei uma boa mãe?”.
Com sorriso no rosto, apesar da palidez e da fraqueza, respondeu ao marido que sim.
Iria contar sobre sua gravidez, Heitor ficaria orgulhoso, extremamente feliz.
-Como você consegue? –Heitor interrogou-a abismado.
Malvina não entendeu o semblante de ódio do companheiro. “Consigo?”
-Ser tão inconveniente? Seria carência? Incapacidade? Não faz nada que não
seja atrapalhar a minha vida. –Heitor queria Malvina longe, ela não tinha mais
utilidade.
-Me esforço ao máximo para te dar sempre o melhor, ser a mulher que sempre
quis ter ao lado. –Malvina desejou levantar e esbravecer, mas estava fraca e tinha que
poupar energias.
-O seu máximo é muito mínimo, Malvina. Nunca vai deixar de ser uma plebeia.
Resolveremos sobre nós quando voltar de Portugal, antecipei minha viagem, pretendo
seguir à Europa o quanto antes. –Heitor finalizou a conversa, deixando a esposa
sozinha.
Malvina estava sem nenhuma perspectiva de futuro. Abalada, sem forças e
grávida de um homem que a rejeitou.
-Espero melhoras para sua esposa. –o Representante e sua Comitiva se
despediam de Santos, logo mais a noite partiria retornando a Portugal e levando o
ouro do vosso rei.
177
-Ela está ótima. Mulheres, sempre tentando chamar nossas atenções.
Agradeço a preocupação. – Heitor tranquilizou o hospedeiro, nunca passaria por sua
cabeça que tal estado de Malvina era devido ela estar grávida. Grávida de um filho que
ele tanto sonhava.
-Agradecemos sua hospitalidade, senhor Martins. –acrescentou o auxiliar.
-Disponha, servi a todos com muito prazer.
- Apareça em Portugal, o rei com certeza receberá você e sua família com
muito gosto. –Apesar da boa recepção que tivera o português nomeado pelo rei não
aguentava mais permanecer em tal terra tão quente, tão úmida, tão cheia de
mosquito. Tinha marcas das picadas em todo o corpo, desejava partir logo.
-Tenho certeza que serei bem recebido no palácio. –Heitor desejava à hora de
ver Rafael desmoronar. Havia pensado em tudo, voltaria de Portugal amado pelo rei e
feito o líder da vila.
O capitão do Minerva esquematizava junto de seus fieis escudeiros o saque da
noite. A tripulação arrumava canhões, balas, espadas, tudo conforme as ordens que
foram ditadas.
Observando seus homens trabalhando, Luigi sentiu-se um grande líder
esperando sucesso no roubo do ouro.
-Espero que nosso capitão saiba o que está fazendo, pois terríveis
consequências hão de vir se ele errar. –Bartolomeu dialogava com a jovem Matarazzo.
-Apesar de tudo, sinto confiança nele. Não sabia nada sobre esse transporte de
ouro e ele esquematizou tudo, e sozinho. –Giulia dava o primeiro voto de confiança ao
irmão.
-E isso que me preocupa. Esses homens podiam ser fiéis a seu pai Giulia,
mesmo que Pedro Matarazzo errasse, eles não teriam coragem de se erguer contra
ele. Entretanto, Luigi não goza de tanta confiança e um deslize será mortal. Creio que
podem motivar-se e erguerem-se num motim. –Bartolomeu tentava pensar em alguma
escapatória, e pretendia que nada de errado acontecesse no roubo. Já sabia das
intenções de Sebastian e acreditava que este estava esperando à hora de golpear o
capitão.
No depósito de carga, Sebastian trabalhava normalmente. Organizando os
barris de pólvora quando Danton o interrogou: - O que pretende fazer? Temos que
agir se quer mesmo subir no lugar de Luigi.
O comparsa tinha quase os músculos do rosto retorcido, seu sestro estava
incontrolável. Quanto mais ele ficava nervoso ou afobado, mais tal mal o acometia.
-Fique tranquilo, meu companheiro. Vamos deixar Luigi agir por si só. Não
pretendo meter meus dedos em nada. –falou o inglês fazendo força para erguer um
barril, transmitindo tranquilidade e calma.
-Como?
-Você ouviu falar sobre os navios de proteção que teremos que combater?
178
Danton não entendeu o que o companheiro pretendia. Ele aguardaria o
sucesso de Luigi? E depois como iria confrontá-lo? “Não, não sei sobre essas
embarcações.”
-Nem o nosso querido capitão... Temo que ele desconheça os armamentos de
nossos inimigos. –Sebastian esperaria a derrota de Luigi com muito prazer e seria em
breve o novo capitão do Minerva.
Um almoço de despedida foi dado para o Representante e seu auxiliar na casa
dos Hamburgo, contendo Rafael e sua família, o prefeito, o Coronel da Guarda e
Ottávio.
-Nenhum problema com os revoltosos Ottávio? –interrogou Rafael que havia
sido informado do pequeno ataque ao cais principal por parte de piratas moradores do
Bairro Pirata.
- Tudo no devido controle. Todos foram presos e terão seus merecidos fins. –
respondeu o empregado.
-Com um homem de competência como Ottávio terá sucesso em seu cargo
Rafael. -o Representante ressaltou as qualidades do jovem português. - Corajoso,
valente e sagaz!
-Agradeço as qualidades, Representante. Mas, simplesmente faço o trabalho
que fui incumbido. –Ottávio tinha os olhares de desmerecimento de Theodoro.
Daniele não cansava de admirar seu noivo, não se continha por dentro de tanta
felicidade.
-Theodoro meu genro, creio que a partir de agora não queira ficar
acompanhando Ottávio... –Rafael tinha novos planos para o jovem noivo.
-Farei o que o senhor ordenar, meu sogro. –e Theodoro agia conforme as
regras.
-Irá a partir de hoje, ficar junto de mim no meu escritório. É preciso que
conheça muito bem os negócios da família, afinal um dia terá de tomar conta de tudo.
-Não acha cedo demais para já entregar tudo... Todos os nossos assuntos a
ele? Espere para depois do casamento Rafael. – Maria Aparecida interpôs-se contra as
atitudes do marido, deixar Theodoro tão à parte dos negócios da família a deixava
assustada.
-Theodoro já faz parte da nossa família, não há perigo. – Rafael contradisse as
palavras da esposa, pois depositava grande confiança no rapaz. Afinal, ele tinha lhe
salvado a vida.
O jovem Castro encarou Maria Aparecida dizendo no olhar, “não se intrometa
sua velha enxerida”.
Após o almoço Theodoro e Daniele seguiram ao jardim, para ficarem mais um
pouco juntos e poderem namorar longe dos olhos de todos.
-Alguma informação sobre o paradeiro de meu assassino, Coronel? – Rafael
queria ter em mãos tal homem e vingar-se. Iria aniquilar tal assassino.
-Infelizmente não tivemos avanços, mas tenho homens trabalhando para
descobrirem o paradeiro do criminoso. –garantiu Samuel Fernandes.
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Ottávio antes de seguir embora foi puxado por Maria Aparecida para sala de
cabeças de animais.
-Preciso de alguns favores seus que não apenas beneficiarão a mim. –a senhora
Hamburgo tinha esperanças de ver Theodoro e Daniele separados, ela não iria permitir
a união de sua doce menina com tal forasteiro.
-Minha senhora, é melhor desistir. Daniele já fez a escolha dela. –não se via
mais o alegre português de antes. A derrota para Theodoro fez Ottávio ficar sem
esperanças e perspectiva de vida. – E o seu esposo também.
-Compreendo sua falta de esperança. Todavia, achei um tanto estranho meu
genro usar o nome da madrinha na declamação. Não sabia que os sobrenomes de
madrinhas e padrinhos eram aderidos por seus afilhados?! –Maria Aparecida tentou
mostrar uma luz no fim do túnel para o jovem português. – Não achou estranho?
O jovem mercador não raciocinara mais nada depois da guerra perdida, uma
guerra a fim de conseguir o coração de Daniele. Contudo, o que a senhora Hamburgo
dizia poderia ser algo que o ajudasse. Mas, o que haveria demais em um sobrenome?
Daniele e Theodoro andaram um pouco admirando as rosas, margaridas e
violetas muito bem cuidadas pelo escravo-jardineiro, elogiando os serviços dele.
Brincaram correndo atrás de algumas borboletas e assim cansados sentaram-se um ao
lado do outro num banco adornado e lustroso.
-Ai, cuidado, ainda está um pouco dolorido. –Theodoro ajeitou o braço ferido,
imobilizado com uma atadura.
-Desculpe. –Daniele colou-se ao amado. – Não tem ideia do quanto estou feliz.
Sou a mulher mais feliz do mundo.
- Você me encantou Daniele, aquele dia na igreja, no nosso primeiro encontro,
tive a certeza que você era o meu verdadeiro amor. –Theodoro retribui as palavras
amorosas e de afago para a amada, um tanto ditas da boca para fora. Mas, havia
ganho gosto por Daniele, estava começando a sentir algo bom por ela... Não... Não...
Não podia se desviar da promessa que fizera ao pai. Havia seguido para Santos a fim
de vingá-lo e era isso que iria ser feito.
A mãe de Daniele olhava o casal de dentro da casa, e pensava que tinha que
fazer algo para terminar com aquela relação, Theodoro estava tomando um espaço de
extrema importância, e era preciso liquidá-lo.
-É Lindo ver os jovens amando-se. –Rafael juntou-se com a companheira.
- Admirável. –ironizou ela, rodopiando os olhos.
-Ora essa, terá que se acostumar com o rapaz, ele veio para ficar. Será o
marido de nossa filha em breve e será meu braço direito nos negócios. Ele provou ser
digno de nossa confiança. Esforce-se um pouco minha querida, dê-lhe um voto de
confiança. –Rafael acariciou a mulher nos ombros.
-Ás vezes Rafael, um voto de confiança é capaz de destruir toda uma nação.
Um soldado entrou no ambiente onde se encontravam as celas. Agora estas
estavam repletas de prisioneiros, capturas da Guarda Contra Assuntos Piratas.
Josué ficou impressionado com a quantidade de presos que foram sendo
trancafiados. Velhos conhecidos de seu pai e de seu tio estavam presos. Estava junto
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com mais quinze homens na cela que antes dominava sozinho, os perguntou o que
aconteceu, nenhum o deu ouvidos.
-Ei rapaz, saia, você está livre. – o soldado deu a saudosa notícia a Josué. –
Vocês fiquem aí, seus piratas ordinários.
Josué não estava entendo o porquê de tantos piratas presos. Sabia do acordo
de paz entre o povo que compunha a ladeira abaixo e os homens livres da vila... Não
interferir ou causar dano ao outro lado. Era esse o acordo, um tanto antigo feito bem
antes dele nascer, mas que ainda prevalecia na vila. Ou pelo menos prevaleceu até a
noite de domingo.
-Tio. –ele admirou-se ao ver Augustus de casaco e chapéu na cabeça o
esperando no lado de fora da Casa da Guarda. Ele tinha os olhos um tanto inchados, o
rosto rígido e os lábios em linha reta. –Você pagou minha fiança?
-Mais alguém poderia fazer isso? –Augustus respondeu com severidade.
-Não precisava gastar o seu dinheiro. –Josué sentiu-se envergonhado. Sabia
que levaria uma grande bronca do pai e teria que ouvir calado, pois sabia que errou.
-Você não é tão caro assim, não gastei mais que três moedas de ouro.
Pretende ficar aí parado, se quiser podemos tentar a sua devolução? –Augustus
começou a andar.
O sobrinho logo seguiu acompanhando o tio e o questionando do que havia
ocorrido na vila para que tantos piratas e pessoas ligadas a eles tivessem sido presas?
-Rafael se tornou o Coronel Contra Assuntos Piratas da Colônia. Instaurou sua
autoridade no nosso bairro. Fechou estabelecimentos, inclusive meu bar, mandou
prender pessoas e... Matou algumas outras.
-Matou? Que absurdo! Mas e o acordo que nós tínhamos?
-Fora revogado. O armistício e cordialidade foram suspensos.
-Meu Deus!
-Fez sua serenata de amor? Conseguiu conquistar a moçoila? –o tio encarou o
sobrinho, estupefato com tal atitude idiota.
-Eu fui um tolo, fui contra a minha origem por uma paixão platônica. Estou
arrependido, preciso desculpar-me com meu pai.
Augustus sentiu pena do sobrinho, tinha que tomar forças e dizer-lhe sobre a
morte do pai:- Terá de ser forte Josué. As coisas não foram nada boas para nós...
Sofremos a perda de pessoas queridas... Seu pai... Ele...
As palavras foram se transformando em zumbidos em seu ouvido ao que Josué
era colocado a parte de toda a situação. Seu corpo começou a doer e respirar com
dificuldade... Tinha perdido seu pai.
Ao ver tal cena, não se conteve, chorou como uma criança sobre os ombros do
tio. Em uma pequena ilhota em frente ao cais principal, estava pendurado o corpo de
Rúbio e mais três homens, com placas com os seguintes dizeres:
“Aviso aos piratas: fiquem longe ou terão o mesmo fim.”
Chegando ao Bairro Pirata, tio e sobrinho foram barrados por um homem
acompanhado de uma criança negra.
-Nomes? –indagou o homem que vestia a farda dos soldados de Rafael.
-O que é isso agora?- Parecia que Josué estava em outro lugar ou havia feito
uma longa viagem que durou anos, tudo havia mudou na pequena vila de um dia para
o outro.
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-Estamos sendo controlados, observados todos os dias. - Augustus respondeu
para o sobrinho e depois ao guarda: – Augutus Oswald.
-E você, meu jovem? –o senhor voltou-se novamente a Josué.
-Josué Divino Oswald. –disse o filho de Rúbio, inconformado. Estava sendo
barrado em sua “própria casa”.
-Mora no Bairro Pirata?
-Sim, senhor. –respondeu o tio.
-Aviso a você que está obrigado a pagar uma taxa por mês de duas libras.
Passar bem. –tal cobrador os empurrou, pois uma fila tendia se formar logo atrás
destes.
-O desgraçado do Rafael, não se contentou apenas em matar velhos e
inocentes como também se apossou de nossas casas e ainda irá nos cobrar para
vivermos nelas? –Josué achava um absurdo toda aquela situação. Não poderia ser
verdade.
-Estamos obrigados às ordens dele. Alguns piratas tentaram se rebelar durante
a manhã de hoje, mas foram todos presos, de certo seus destinos será a forca. –
Augustus viu-se um escravo do líder Rafael.
Chegando no Beira Mar Josué viu o estabelecimento completamente diferente.
Não tinha piratas, não estavam servindo bebidas, a algazarra havia terminado. Rafael
tinha agora o controle de toda a vila, das pessoas e o que elas iriam fazer de suas vidas
dali em diante, era uma pergunta que todos faziam.
Marcos Olivier veio dos fundos com uma caixa de vinho nas mãos.
-Olá garoto, como foi que passou seus dias em cárcere? – Marcos lembrou o
rapaz da pior astúcia executada por ele até então.
-Marcos, contenha-se. - Augustus estava sem paciência para aguentar ironias e
brigas.
-Vou levar essas garrafas Augustus, tenho que aproveitar enquanto os preços
estão em baixa. –Marcos colocou a caixa sobre o balcão. - Então, ele já está sabendo?
Bebendo um gole de aguardente, Oswald sentiu que só poderia viver aquela
situação um tanto bêbado, e respondendo com um sim mal falado pela acidez da
bebida.
Calado Josué não tinha forças, nem coragem, nem coisa alguma. Como seria
dali em diante?
Vendo a perna de pau do pai sobre uma das mesas, sentiu saudades daquele
velho resmungão aterrorizando a todos com aquela braveza e com o barulho que fazia
ao se locomover com tal perna de madeira envernizada. Rúbio era o pesadelo para os
pequenos do bairro.
-Precisamos fazer algo. –Josué exaltou com um espírito de revolta.
-Usaremos paus e pedras contra centenas de homens armados dos pés a
cabeça? –Marcos demonstrou o perigo que seria enfrentar Rafael. – E depois acabar
na forca.
Augustus concordou com o amigo. Olhava para o bar vazio as moscas, como
fazia falta os clientes. Não é o bar que faz seus clientes, mas os clientes que fazem o
bar, pensou.
-Rapaz, sei que é difícil, acabou de perder seu pai, mas aconselho não fazer
mais burradas e tente se adequar as regras e aos novos hábitos que Rafael impôs. –
Marcos despediu-se dos dois e seguiu embora. Cabisbaixo, pensando que talvez seria
182
melhor partir para o Rio de Janeiro, com certeza a capital da província deveria estar
lotadas de aventureiros interessados em seus mapas.
A arma de fogo do velho pirata estava pendurada na parede do bar.
O Coronel Contra Assuntos Piratas dispensou Ottávio dos serviços em tal
segunda-feira. O jovem português empenhou-se nos seus deveres nos dias anteriores
com dedicação, e estava precisando de descanso.
Seguindo para o seu escritório após deixar o Representante na casa do prefeito
para as devidas despedidas, Rafael averiguou uma saída segura do Representante e do
ouro, confirmando a presença de bons domadores de revólveres e espadas.
Theodoro permaneceu junto de Daniele até o meio da tarde, depois seguiu
para casa da madrinha a fim de descansar. A caminho de tal destino, encontrou-se
com Heitor trocando algumas farpas.
-Aí está o futuro genro de Rafael, é comovente como suas origens são iguais.
Plebeus ajudam plebeus, compreensível. Aproveite bem desta vida boa, pois tudo o
que é de Rafael está com os dias contados.
-Não acha que está na hora de se calar e admitir que perdeu, senhor Martins?
Rafael é o melhor, a posição que este toma deixa claro sua superioridade. –Theodoro
retribui a afronta.
-A vida é como um rio, nunca é a mesma água que passa no mesmo lugar.
Mudanças ocorrerão, porém aceito minha posição hoje. –Heitor encarou o jovem
rapaz como olhos de uma coruja sobre um rato.
Rafael organizava alguns papéis, guardando vários deles e rasgando outros...
Dali em diante ele ditaria as ordens e regras em Santos, ninguém o superaria.
Uma escrava gritou lá de fora e a porta de sua sala ficou espatifada em
seguida. O senhor Hamburgo se escondeu em baixo de sua mesa, seus olhos
arregalaram-se.
-Onde está você, meu querido senhor Hamburgo? Vamos apareça, seu
covarde. –Josué estava enlouquecido, desejava vingança mais que ninguém. Queria ver
o corpo de Rafael pendurado como o do pai e exposto para que toda vila pudesse
apreciar.
O senhor Hamburgo se espremeu embaixo do móvel, estava com medo. Mais
um tiro que espatifou a madeira do móvel no seu lado direito, ficando um tremendo
arrombo na madeira da mesa. Rafael estava salvo por um milagre, ele agradeceu após
analisar o buraco.
-Saía daí com as mãos para cima... AGORA!- ordenou Josué com a voz
estridente e um tanto maligna. Estava tomado de ódio.
-Cuidado, rapaz, você pode acabar machucando alguém com isso aí. –Rafael
com as mãos para cima pensou em pegar seu revólver que tinha na gaveta da mesa,
porém seria burrice reagir.
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-Você matou meu pai. Seu desgraçado, pirata ordinário... Homem sem coração,
ele era um velho, deficiente, não poderia causar-lhe nenhum mal. – entre lágrimas
Josué deu mais um tiro e este acertou a vidraça.
Na rua todos se assustaram. Samuel Fernandes correu para o escritório do
amigo, após ver a pequena abertura ser destruída.
Heitor ao ver tal algazarra, se aproximou do escritório do inimigo. Desejava
que Rafael vive-se, pois queria o ver vivo quando assim voltasse de Portugal.
-Ele foi acusado de mais de cinquenta crimes, acha mesmo que ele era um bom
homem? –Rafael tentou demonstrar que agiu conforme a lei mandava, Rúbio era um
criminoso e pagou pelos seus crimes.
-Quem é você para julgar o passado dos outros? – Josué atirou novamente e
Rafael se abaixou.
-Rapaz... Você vai acabar fazendo uma besteira. Eu posso te ajudar, abaixe essa
arma e darei o que você quiser. –Rafael tentou persuadir seu possível homicida. – É só
pedir... Ouro, mulheres, um posto...
-Não tem mesmo nenhum valor. Você é mesquinho, sujo, ofende os humanos.
Levante-se e morra com dignidade. –Josué queria acertar Rafael com um tiro no peito
e tudo estaria resolvido.
-Abaixe a arma. Abaixe já essa arma. –Samuel Fernandes tinha Josué na mira.
-Se eu não abaixar você irá fazer o que... Me matar? Se eu morrer, com
certeza não vou sozinho. –Josué lagrimejava, e encarou cheio de coragem o Coronel da
Guarda.
Mais seis soldados chegaram e apontaram suas armas para Josué.
-Não vai adiantar nada você matá-lo, acabará preso e depois irá para forca,
pense bem... –o Coronel da Guarda tentou evitar o pior.
-Eu prometo que nada vai lhe acontecer. –Rafael imaginou a bala da arma
rasgando seu peito, perfurando o seu coração... Dor... Seus últimos suspiros de vida. A
imagem de Theodoro sangrando sobre seu corpo veio-lhe à mente.
-Mentiroso! Não pretendo deixar a morte do meu pai em vão...
Rafael fechou os olhos, em seguida ouviu-se o estalo da arma de Josué. Os
soldados e Samuel paralisaram.
Josué não compreendeu... Rafael continuava de pé diante dele de olhos
fechados e mãos para o alto, sem nenhum ferimento... Havia terminado as balas de
sua arma.
Os soldados saltaram sobre o rapaz, o segurando com força e algemando-o.
-Tudo bem com você? –Samuel certificou-se que o amigo não estava ferido.
-Sim, estou bem. –afirmou Rafael que ao contrário da outra vez, foi tomado de
uma fúria incrível, segurando o peso de papel em uma das mãos e arrebentando o
queixo de Josué. –Levem-no daqui, mais tarde iremos ditar o seu destino.
Augustus entrou correndo na casa de Marcos: - Marcos, você viu Josué?
-Não. -o vendedor de mapas saltou da cadeira em que cochilava.
-A arma de Rúbio sumiu junto com ele.
184
Sendo arrastado pelos guardas na rua, Josué urrava palavras contra Rafael com
dificuldade por causa do queixo ferido: - Seu desgraçado miserável, você teve sorte.
Pode ter certeza que não serei o último a tentar por cabo nessa sua vida de merda...
Esqueceu-se de seu passado, das andanças pelos quatro cantos do mundo sobre um
navio... Pirata... Você é um pirata...
Heitor ouviu as ofensas do homicida com atenção, interessando-se por tal
rapaz. Talvez... Uma testemunha viva diante do rei.
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Capítulo 19: O roubo.
Malvina estava atordoada. No seu quarto as escravas preparavam as malas com
agilidade conforme ordens expressas de Heitor através de Adrian. Três malões
estavam sendo preenchidos de paletós, chapéus, calçados, roupas de baixo e gravatas.
Adrian esperava na sala, tinha vindo com sua carruagem e aguardava para
levar as malas de seu patrão a um navio que ele havia conseguido lugar para partir o
mais rápido possível para Portugal.
Malvina questionou o braço direito do marido sobre a pressa do marido e o
porquê dela.
- Ele tem pressa, senhora. Assuntos urgentes para serem resolvidos. –Adrian
respondeu tomando com tranquilidade sua xícara de café.
-Em que navio ele fará parte da tripulação? E que assuntos são esses que
apareceram do nada para serem resolvidos? Alguma coisa haver com Rafael, eu tenho
certeza.
-Ele seguirá num navio nada luxuoso, mas veloz o bastante capaz de suprir a
pressa que tem.
- Diga-me Adrian, o que é? Eu exijo explicações, sou sua patroa. Diga-me. –
Malvina alterou seu estado de calmaria e paciência, não ficaria esperando Heitor voltar
de Portugal para saber o que aconteceria.
O homem de altura mediana e com as roupas cheirando barata se aproximou
sorrateiro da patroa. Seus olhos estavam cheios de desejo e malícia. Malvina se acuou.
Cheirando os cabelos da mulher, ao pé do ouvido, o ardiloso empregado
propôs: - Se eu dizer para você ganho o que quero em troca?
Malvina derrubou a xícara no chão que Adrian estava bebendo café.
-Respeite-me, seu abusado.
-Agora sinto o perfume que encantou tanto o feitor. –Adrian apreciou o aroma
dos cabelos de Malvina que permaneceu em sua mão.
Malvina seguiu para fora da sala sentindo insultada e incrédula de tal atitude: Imundo!
Três da tarde, o calor estava insuportável. Só entende tal sensação aquele que
já sentiu os poros do seu corpo abrocharem-se, soltando todo o líquido de seu corpo,
uma água salgada que quer insistentemente parecer como água do mar. Os aromas de
cada um de nós se espalhando sobre a atmosfera, a sensação de ser um porco dentro
do forno e depois ser servido na ceia de Natal é muito semelhante.
Ao longe no oceano os prenúncios de uma grande tempestade eram
reconhecidos pelos mais velhos. A noite seria de grande violência.
Maria Aparecida quase desmaiou ao saber que mais uma tentativa de
assassinato ocorreu ao marido, Daniele acudiu a mãe que quase se espatifou no chão.
Ottávio fora afogar suas mágoas no Cabaré que tinha meia dúzia de homens
assanhados, e ainda não havia sido informado do ocorrido. Já havia bebido um tanto
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quanto que seu corpo aguentava, e Escobar tentou o impedir de continuar, mas foi
questionado.
-Sirva-me logo, feitor. Não estou aqui atrás de caridade, estou pagando e muito
caro pelos seus serviços. –Ottávio tinha a voz mole pelo efeito do álcool.
-Não quis ofender. –Escobar desculpou-se, tinha os olhares da dona do cabaré
sobre seu serviço. Ela o havia avisado que não permitiria mais brigas o envolvendo
dentro de seu estabelecimento.
-Não ofendeu, só precisa ser mais ágil homem do céu... -após engolir mais um
copo de aguardente, Ottávio exigiu mais uma dose.
A dona do Cabaré ordenou uma de suas garotas acariciar o empregado mais
bem sucedido da vila, entretanto ele não queria ser importunado, enxotando a moça
para longe... Ela não era Daniele. Então, tal senhora aproximou-se do jovem português.
-Ora essa Ottávio, não aprecia mais minhas meninas? – a cafetina o questionou.
Seu decote quase deixava seus seios amostra.
-Não vim aqui para acalentar meu membro, minha cara. A mulher que eu
amo... Está com outro... - tomando outro gole, o bêbado português esperou mais uma
dose. –E eu a desejo mais que tudo no mundo.
O rapaz foi jogado para dentro da cela que seu pai no dia anterior esteve. Era
mesmo um incompetente, não conseguiu matar o assassino de seu progenitor. Iria ter
o mesmo fim que seu patriarca.
Marcos e Augustus Oswald tentaram intervir pelo sobrinho deste, entretanto o
Coronel da Guarda pôs os dois para correr, ameaçando-os e dizendo que o sobrinho já
tinha a forca como destino.
-O que ele tem na cabeça? Seu sobrinho é um louco! –Marcos viu que não
poderia evitar o castigo do jovem. Ele havia mexido com cachorro grande.
A Casa da Guarda era vigiada por dois ou três soldados, com ordens de impedir
visitas e matar quem não os respeitasse.
Heitor, um dos senhores de tal vila, entrou em tal local sendo recebido com os
merecidos méritos que detinha.
-Senhor Heitor, o que quer aqui? –questionou um dos soldados surpreso com
tal aparição.
-Vim ter um dedo de prosa com o rapaz que tentou assassinar Rafael.
Permitem-me?
Chegando diante do jovem libertino, o senhor Martins ordenou a retirada do
soldado, queria ficar só com o prisioneiro.
-Terá muito tempo para treinar e melhorar a pontaria no inferno, rapaz. –
Heitor ironizou.
-Ah, obrigado por me lembrar. O que quer comigo? –Josué estava sentindo seu
fim próximo, já se imaginava encontrando o pai do outro lado da vida, ou seria do lado
da morte?
-Não precisa ter esse fim, se quiser. É uma questão de escolha. –afirmou
Heitor, um tanto presunçoso.
187
-Do que você está falando? Acha que se eu tivesse escolha eu estaria aqui
nessa cela, esperando a hora para me levarem para forca?
-Interessante essa afirmação. Pois eu proponho uma saída para você, garanto
sua salvação.
-Como é? Não estou te entendo. –Josué se levantou e se aproximou de Heitor,
apesar das grades o impedirem de se aproximar o quanto quisesse.
-Proponho uma fuga. Eu tiro você de dentro dessa cela e você vem comigo até
Portugal. –Heitor sentiu-se próximo de passar uma rasteira em Rafael.
-Portugal? Fazer o que lá?
-Mais propriamente Lisboa. Irá ficar diante da figura do rei e vai contar tudo o
que sabe sobre o passado de pirataria de Rafael. –Heitor tinha uma expressão cheia de
prazer e alegria. Desejava o poder.
Josué pensou um pouco, perguntou o que iria ganhar além da liberdade.
-Tenho certeza que vossa majestade irá ser muito grata com sua pessoa. –
Heitor insistiu: – E então?
-Como pretende me tirar daqui?
-Isso será mais fácil que tirar doce de uma criança.
Após pensar mais um pouco, Josué resolveu: - Quando saímos de viagem?
Estava ali sua chance de fuga e assim poderia vingar-se pelo pai no futuro.
Sorte ou a ajuda de Deus, o rapaz se perguntou.
Ottávio permaneceu debruçado sobre o balcão durante alguns minutos até
revitalizar suas forças e conseguir andar por suas próprias pernas, sem cambalear por
consequência da bebedeira.
Ao resolver seguir embora, tentou colher estabilidade apoiando-se no balcão.
Seus olhos rodaram o salão e sua mente rodou junto.
Subindo as escadas para os quartos que ficavam acima, ele observou um
homem baixinho, loiro, de bochechas vermelhas e grandes olhos azuis junto de duas
das meninas do Cabaré.
Apesar da tontura Ottávio encontrou o olhar do rapaz... Lembrou-se daqueles
olhos... Grandes olhos azuis... O assassino da manhã de sábado... Sua consciência
incrivelmente voltou. E verificando se tinha sua arma de fogo junto na algibeira, seguiu
atrás do assassino.
Heitor seguiu assoviando em passos tranquilos até o molho de chaves. Os
pegou, voltou no mesmo ritmo para onde estava a cela de Josué, destrancando-a em
seguida.
-Está livre. – exprimiu ele.
-Agora como vamos sair daqui? –Josué preocupou-se com sua fuga, toda
cidade sabia quem ele era. Teria de sair às escondidas.
Heitor mandou o condenado o seguir.
188
-Senhor, ele é um preso. O que o senhor está fazendo? –o soldado que atendia
de prontidão não sabia que ação tomar, o assassino de Rafael estava fugindo ajudado
por Heitor.
-Cale-se e continue vigiando a prisão. –Heitor não se amedrontou e continuo
seguindo embora, acompanhado do prisioneiro. Este acenou despedindo-se do
soldado que estava sem reação.
As duas moças faziam movimentos sensuais diante do cliente. Elas se
agarravam, se acariciavam, aproximavam os lábios um ao outro. O homem sentia-se
cheio de prazer.
A porta arrebentou-se, as prostitutas caíram no chão gritando. O cliente tentou
fugir, contudo o jovem português jogou um vaso que estava sobre um móvel nas
pernas daquele que caiu.
Com o pé forçando a garganta do assassino e a arma apontada para sua testa,
Ottávio cumprimenta-o: - Finalmente nos encontramos de novo. Que mundo pequeno,
quero dizer, que vila pequena.
-Não é mesmo. Como vai, senhor? –o filho de Balmiro retribui o cumprimento.
-Quero respostas rápidas, pois não queremos que as moças vejam uma tortura,
elas não foram feitas para isso. –Ottávio usou do humor irônico. Tinha o assassino de
Rafael sob seus pés.
As duas moças desaparecem do quarto, desesperadas, gritando com as mãos
para cima.
-Opa, não é preciso mais economizar na surra... Elas resolveram ir embora.
-E o que você quer? Levar-me preso? –o assassino tossiu com a pressão na
garganta.
-Vamos fazer o seguinte, se me contar porque quis matar o senhor Hamburgo,
talvez possamos realizar seu desejo de ser preso e evitar a forca.
-Eu fiz o que me pediram para fazer. –respondeu com muita dificuldade o
homenzinho.
-Mandaram você fazer...? Quem mandou? Por quê? – Ottávio não entendeu a
morte encomendada.
-Não era para matar, era somente para acertar de raspão... Mas não nele... Sim,
em quem o salvou. E pelo visto, deu certo.
-Como é o nome do mandante? –Ottávio queria ter certeza no que estava
ouvindo. –ME DIZ O NOME DELE!
-Theodoro... Theodoro... Theodoro Castro.
Ottávio ouviu o nome do genro de Rafael e seus olhos se arregalaram. Estava
muito surpreso. Pensou um pouco, andou pelo cômodo. Talvez também já houvesse
ouvido aquele sobrenome... Pensou mais um pouco...
O assassino deitado no chão olhava para Ottávio, interrogativo. Planejava sua
fuga: correr em disparada pela porta.
Lembrou-se da voz do senhor Hamburgo, alguns anos atrás e Rafael ter lhe
contado sobre um homem que tinha tentado o roubar e que acabou fugindo... Um tal
de Emanuel Zacarias Castro. “Agora faz sentido. Peguei você Theodoro.”
189
O homem se levantou com uma agilidade tremenda, saltou do chão e correu
em disparada para a porta. Entretanto encontrou o pé de Ottávio em sua frente caindo
de boca.
A dona do Cabaré apareceu à porta pedindo explicações.
-Serviços da Guarda Contra Assuntos Piratas, este homem está preso. –
declarou Ottávio agarrando o assassino por trás da camisa.
A Casa da Guarda estava lotada de autoridades: Rafael Hamburgo, Samuel
Fernandes, Donário Abreu, José Miguel...
O Coronel da Guarda após alguns minutos de procura pelos seus soldados, que
o coloram-no a parte da fuga do segundo assassino de Rafael, ajudado por Heitor,
estava domado pelo ódio.
-Eles saíram em meia hora, senhor. –Um dos soldados da Guarda avisou seu
chefe sobre relatos de testemunhas que viram a fuga de Heitor, Adrian e Josué.
-Vamos a casa dele, a esposa dele deve saber de algo.
A senhora Martins estranhou em ver tantas carruagens pararem em seu
quintal e em tais velocidades. Em poucos segundos teve sua casa invadida pelos
senhores da vila a questionando do paradeiro do marido.
-Eu não sei o que ele foi fazer, não tenho porque mentir diante do
Representante do rei. –Malvina argumentava em decorrências as perguntas.
-O que ele deseja em Portugal junto de um assassino? –Rafael não conseguiu
ligar as pontas de tal mistério.
-Talvez tenha gosto pelo garoto, foi pedir clemência por ele. – interferiu o
auxiliar, Francisco Galvão, pressupondo uma possível proximidade exacerbada entre
Heitor e o prisioneiro.
-E por que ajudar tal rapaz? –interpôs o prefeito tão interrogativo quanto
todos ali.
-Talvez seja filho de Heitor, um bastardo. Não seria incomum de tal família. –
afirmou o Coronel da Guarda, sempre com ares de detetive.
-Me ofende desse modo, Coronel. –Malvina interpôs, advertindo tal absurda
possibilidade.
Rafael preocupou-se, o rapaz filho de Rúbio sabia de seu passado poderia dar
entre os dentes e destruir sua imagem perante o rei.
-Não nos preocupemos senhores, logo mais a noite, partirei de cá desta terra e
tenho-me com o rei daqui dez dias. E assim tudo estará corrigido... Infelizmente,
senhora Malvina, será a mais nova viúva de Santos. -o Representante tinha que
cumprir com suas obrigações, Heitor certamente seria morto, acusado de dar fuga e
coagir com um assassino de uma autoridade e que tinha envolvimento com a pirataria.
Malvina cobriu a barriga com as mãos, seu filho não poderia nascer órfão de
pai. Ela não poderia ser tão jovem e já viúva.
190
Noxa contou tudo que havia visto na casa de Malvina. Por pedidos de Mercy a
escrava de Margot havia ido descobrir notícias para a francesa de sua fiel amiga.
A escrava declarou a gloriosa gravidez de Malvina e contou sobre a fuga de
Heitor com o assassino de Rafael. Mercy sentiu-se distante daquele mundo, trancada
dentro de casa, feia e destruída sonhava com a liberdade.
-Ottávio, o que quer aqui? Está cheirando a álcool. Quem é este homem? –
Maria Aparecida juntou-se do jovem português, após as escravas lhe avisarem da
chegada do mesmo.
O português tinha o assassino na mira.
-Cadê seu marido, senhora?
-Rafael está no centro da vila, resolvendo o destino dos piratas. –Maria
Aparecida não estava entendendo tal cena. –Por que está com esse homem na sua
mira?
-Ele voltará para o jantar? –Ottávio insistiu em querer saber do paradeiro de
Rafael.
-Certamente. Um pouco fora do horário, pois fará a embarcação do
Representante e do ouro, depois voltará para casa para descansar. – a senhora
respondeu. Tal cena ao mesmo tempo a intrigava causava-lhe espanto. –Por que
tantas perguntas? E por que este homem está na mira de sua arma?
-Minha doce senhora, esta tarde consegui encontrar esse pobre infeliz no
Cabaré... Ele é um velho conhecido nosso, é claro, por seu terrorismo e não por suas
glórias... Eis o assassino de seu marido do sábado de manhã.
-O que faz com ele em minha casa, leve-o a prisão. –ela amedrontou-se dando
alguns passos para trás.
-Creio que será mais agradável a presença do mesmo em vossa humilde
residência... –Ottávio estava dotado de uma calmaria que a majestosa senhora não
conseguia compreender. Pensou que ele pudesse estar bêbado e por isso tinha tal
atitude.
-Ottávio, me explique o que está acontecendo ou chamo os meus capatazes
para dar um jeito em ambos. – Maria Aparecida começava perder a paciência, não era
um bom sinal.
-Este matador de aluguel foi pago para acertar um certo alguém e não
desejava matar o seu marido... Theodoro pagou a ele, a fim de se passar de salvador e
ganhar suas devidas glórias.
Maria Aparecida conteve seus olhos para eles não saltarem de seu corpo, ao
mesmo tempo que estava espantada com tal afirmação, alegrou-se como nunca antes.
Soltou um riso em seguida, transparecendo estar dizendo que tinha certeza quando
falava da má pessoa que era seu então genro.
-Não acaba só aí... Imagino que a vinda de Theodoro para Santos fora
premeditada. Pois o forasteiro é filho de um ex-inimigo do senhor Rafael, seu
sobrenome verdadeiro... Castro.
-Não imaginei que seria tão rápido e que seria tão preciso em descobrir quem
realmente é aquele porco imundo. – Maria Aparecida já imaginava Rafael trucidando
191
Theodoro. –Coitada de Daniele, usada e iludida... Quero ver a destruição de
Theodoro... Theodoro Castro.
A senhora Hamburgo estava maravilhada.
Na residência de Margot tinham a mesa ela e mais seus dois hospedeiros,
comentavam da mais nova tentativa de assassinato de Rafael e da fuga de Heitor com
o assassino.
-Ele procurou isto, terá que arcar com as consequências. Tenham certeza que
essa foi a primeira de várias tentativas. –afirmou a senhora Reghine, garfando em
seguida seu alimento. –Só não entendo o que Heitor pretende.
-Estou préparation meus trajes para o dia do seu enterrement, seu
sepultamento. –Mercy sentia-se vingada pelas tentativas de assassinato ao seu
carrasco. Tinha esperanças de assistir o velório de Rafael em breve.
-Esses tumultos estão ocorrendo agora, daqui uns dias tudo irá voltar ao
normal. Até todos se acostumarem com a ideia e com as perdas que tiveram... Rafael é
muito poderoso, não irá cair por causa de alguns revoltosos que nem ao menos sabem
atirar. –Theodoro foi realista.
-Intercéder, intercedendo pelo sogro? –Mercy comentou as palavras do jovem
Castro, enojada.
-Não me venha com afrontas, francesinha. –Theodoro já se sentia num
pedestal, havia ganho status. – Quero o ver mal tanto quanto esses piratas.
-Sabe algo que veio em minha mente nesse exato momento, me deixando
inquieta... -Margot expôs sua preocupação -... O que você pretende fazer Theodoro
quando exigirem conhecer de onde descende, quando exigirem seu sobrenome?
Quando perguntarem quem é seu pai?
Theodoro não vinha pensando em tal obstáculo para chegar onde desejava.
Assim sendo pretendia usar o sobrenome de Margot para dali em diante.
Terminado o jantar, o jovem Castro foi se aprontar para ir a casa de sua noiva,
tendo como companhia em seus aposentos, Mercy.
-Theodoro não precisa ter segredos, comigo. Sei que você sente muito haine,
ódio de Rafael tanto quanto jê. Mas, não entendo de onde vem tanta colère, raiva? O
que afinal veio fazer em Santos? –Mercy queria conhecer a origem de tal desejo de
vingança do jovem herói.
Ele acabou de se vestir, tomando cuidado com seu ferimento. Pensou um
pouco e concluiu não ser perigoso pôr a parte Mercy de seus planos de vingança e sua
origem.
-Há alguns anos atrás... Rafael era um ladrão como qualquer outro do Bairro
Pirata. Tinha um grande amigo e fazia parte de sua tripulação sendo seu contramestre,
o meu pai, Emanuel Zacarias Castro. Ele e Rafael foram grandes amigos, eram
inseparáveis... Até que um dia embrenharam-se numa grande aventura... Num grande
roubo... Ouro de origens antigas, da época dos gregos. Conseguiram executar tal
façanha, estavam ricos... Pensaram então deixar a vida de pirataria e crimes para trás,
a fim de se estabilizarem em terra firme e viverem uma vida digna e confortável. Mas a
ganância é uma das qualidades que domina nosso caro senhor Hamburgo...
192
As palavras do rapaz estavam deixando Mercy abismada. Ela nunca pensaria
que Rafael tivesse tal origem, tal passado, que tivesse ganho sua riqueza através de
roubos.
-Ele traiu meu pai, juntou-se com o fiel Coronel da Guarda que transformou
meu pai num criminoso... Por toda vila foram espalhados cartazes com a frase de
procura-se estampando a imagem de Emanuel... -a revolta dominou o jovem que
contava a triste história do pai -... Meu pai fugiu para o interior dessa terra, lá
conheceu minha mãe e eu nasci. Vivemos uma vida de miséria, com muitas
dificuldades, tudo por causa de Rafael. Meu pai morreu sem nada, nem ao menos teve
a graça de ser lembrado pelo digno homem que foi... Nós mantivemos um silencioso
contato com Margot, que conheceu a grande amizade com meu pai.
-Mon Dieu! Nunca imaginei que Rafael foi um pirate. –Mercy estava
extremamente surpresa. Um homem com a postura e elegância que Rafael tinha e
com um passado tão sujo.
-E é por isso que vim aqui para Santos. Jurei vingança por meu pai e estou
muito próximo de cumpri-la. Após casar-me com a princesinha dele, pretendo forjar
um acidente do casal Hamburgo... Um acidente fatal... E assim terei tudo o que é meu
e de minha família por direito.
As finais palavras de Theodoro foram fortes, e associou-se com um raio que
caiu... Trovões e relâmpagos... Os moradores da vila corriam para fechar janelas, as
mulheres pegavam as roupas do varal, começava uma grande ventania... Uma
tempestade estava por vir.
O navio ao comando de Luigi estava com todas as luzes apagadas. Toda
tripulação estava à espera de atacar a embarcação onde se encontrava o ouro
desejado e prometido a eles.
Após as despedidas, o Representante e seu auxiliar subiram em suas
respectivas embarcações seguindo aos aposentos superiores aonde iriam permanecer
durante a viagem.
-Uma grande tempestade está chegando, o mar ficaria um tanto bravo. –Rafael
via nuvens vermelhas cobrirem o céu daquela noite.
A embarcação cheia de ouro e com o Representante da Coroa seguiu em alto
mar, acompanhada de quatros outras embarcações, lotadas de homens e carregadas
de armas a fim de garantir a segurança da primeira. O navio mais importante ia no
meio enquanto as outras embarcações o cercavam pela frente, aos lados e atrás.
A segurança do ouro e do Representante estava garantida, mas Rafael sentia-se
um pouco desconfortável tentando imaginar o que haveria na união de Heitor com o
seu homicida.
Luigi estava entusiasmado, iria fazer o primeiro roubo com o Minerva ao seu
comando, Giulia confiava no irmão e desejava tal fortuna tentando imaginar o destino
de sua parcela, Bartolomeu rezava desejando que o assalto saísse como o pensado, e
Sebastian Munch e Danton Arrive esperavam o desastre de seu capitão.
O Minerva seguiu com as luzes apagadas atrás de seu destino
193
A velha negra ia fechando a porta da sacada dos aposentos da jovem
Hamburgo, mas foi proibida pela mesma.
-Deixe-a aberta Zilda, quero que essa ventania úmida refresque um pouco meu
quarto.
Zilda pensou na poeira que ia se instalar no cômodo e que depois ela teria que
limpar, mas tinha que obedecer as ordens de seus donos.
Daniele jantou sozinha e depois procurou saber com a mãe qual a causa de tal
solidão, e o que Ottávio e mais um homem faziam em sua casa até tal hora.
-Esperando seu pai, minha querida. São assuntos de gente grande, vá para o
seu quarto e agradeça a Deus. –informou Maria Aparecida que tinha um sorriso de
orelha a orelha.
-Rezar? Por que tal atitude?
-Por Deus sempre agraciar sua família e nunca ter deixado que nada de ruim
nos acontecesse, afastando sempre os inimigos ou nos alertando da proximidade
deles... É claro que falo dos assassinos de seu pai. –a senhora Hamburgo desejou que
seu esposo chegasse rápido.
Um estrondo foi ouvido.
-Fogo. –ordenou Luigi. O Minerva estava atacando o navio de segurança que
estava atrás da embarcação que pretendiam então dominar.
Tal navio não recebeu o ataque passivo. Contudo, pela surpresa, pois não
esperavam um ataque ali tão próximo do início da viagem e assim foram facilmente
destruídos.
Toda tripulação vibrou de emoção, Giulia abraçou o irmão e gritou em seguida
para a tripulação: - A estibordo.
Bartolomeu agradeceu o sucesso aos céus: - Agora só faltam três.
Os outros navios de segurança ao verem a tentativa de roubo seguiram atrás
da embarcação pirata para acometê-la.
-Senhor Donário, senhor Donário... –Francisco Galvão gritava vindo da cabine
de comando. –Estamos sendo atacados.
-Mas quem ousaria? –o Representante sentiu-se ultrajado.
-Piratas, pretendem roubar o ouro presumo.
Do ultraje o Representante da Coroa passou para um sentimento de medo e
desespero.
-Fogo! –gritou o capitão da embarcação de segurança da direita que era
bombardeada pelo Minerva.
-O que faremos capitão? – o Representante temendo por sua vida, questionou
o capitão do navio principal que portavam.
-Fique tranquilo, Representante. –Logo em seguida o homem de alta estatura
gritou à tripulação composta por no máximo dez homens. –Força total a bombordo.
Agilidade, homens...
-Tranquilo?- o Representante achou que tal homem estaria sendo irônico.
O estrondo das balas ecoava e as águas levantavam com destroços caindo no
mar.
194
-A bombordo, homens, vamos seguir nosso tesouro. -Luigi ordenou seus
marujos para perseguirem o navio cheio de ouro ao vê-lo seguir para outro rumo.
Os dois navios de segurança que restaram, seguiram atrás da embarcação
clandestina.
-Vamos homens. –Bartolomeu incitou a tripulação, apoiando o capitão. –
Vamos atrás de nosso ouro!
-O que aconteceu?- Indagou o Representante após ser lançado para frente
com um tranco. O navio com a riqueza parou.
-Encalhamos. –respondeu o capitão.
Desespero e medo tomaram a embarcação que levava o célebre Representante
da Coroa e a fortuna das Minas.
No Minerva a correria era tamanha, homens correriam de um lado para o
outro e os canhões rangiam.
-Estamos próximos, o ouro já está em nossas mãos. –dizendo isto Luigi foi
surpreendido com a destruição do peitoril de seu navio. Os dois navios de segurança
estavam se aproximando.
-O que iremos fazer, senhor capitão? –o auxiliar perguntou sobre o destino
dele e Donário.
Donário estava agachado num canto e já tinha começado a rezar. Parecia uma
menininha coberta de medo.
-Preparem o bote para o Representante, ele precisa voltar para terra firme. –o
alto capitão ordenou um dos marujos.
O Minerva estava sendo acuado.
-O que faremos capitão? Seremos pegos. –alertou Giulia ao irmão, vendo os
dois navios inimigos se aproximarem.
-A estibordo, agora... -Luigi se desesperou, estava tudo saindo dos rumos de
seus planos. A sua desejosa fortuna estava um pouco a frente, sendo questões de
metros.
Um dos marujos preparava o bote para o Representante, até que foi ouvido a
voz de alguém: “Atirem...” , e em seguida o pequeno bote desmontou-se após a bala
de canhão tocá-lo.
Os soldados de segurança empunhados de suas armas de fogo preparavam-se
para a batalha.
-Homens preparem suas armas e espadas, teremos uma grande batalha antes
de sermos presenteados. –Bartolomeu alertou a todos, entretanto pensou que seria
mais inteligente desistirem do assalto.
Em velocidade máxima o Minerva se aproximou do navio desejado.
-Usem os grandes canhões. –ordenou o general de segurança ao ver a bandeira
pirata no navio que iam se aproximando.
-Vamos homens, estamos chegando... –Luigi tinha o brilho do ouro nos olhos.
Estava enlouquecido por tal fortuna.
A capitão de tripulação puxou seu líder pelo braço: - Está louco, precisamos
nos proteger e destruir os outros navios que estão se aproximando.
Tiros acertaram a popa do Minerva.
-Iremos ser derrotados – Bartolomeu afirmou.
195
-Eles estão chegando. -Giulia temeu a proximidade dos navios. –Preparem-se
homens... - ela retirou a espada da algibeira e junto sua arma de fogo, preparando-se
para a luta.
As embarcações ficaram frente a frente. Atacaram-se, tiros de pequenos
revólveres, canhões, até que o Minerva foi invadido pela tripulação de benfeitores.
-Matem todos. –ordenou o general.
Giulia começou a lutar com um homem, Sebastian enfiou a espada em outro,
Bartolomeu estourou os miolos de outros tantos e Gói com um punhal na mão saltava
sobre um condenado lhe furando a artéria.
-Vamos ao navio, pegar o ouro... O ouro... -Luigi esperneava do alto da
embarcação gritando pela riqueza tão próxima e tão longe. Ele queria o ouro!
-Pegue suas armas, capitão... –Bartolomeu alertou seu capitão enquanto
matava um inimigo... Cão sarnento.
-Daremos um jeito de tirar você daqui, Representante. –garantiu o capitão do
precioso navio.
Um homem veio correndo a cavalo tentando acompanhar a carruagem de
Rafael que tinha seus cavalos trotando.
-O que você quer? – o senhor Hamburgo se enfureceu com a freada brusca.
-Senhor... O navio com o ouro e o Representante está sendo atacado. Piratas
estão atacando-o.
Salete olhava para o céu, e recebia os primeiros pingos de água no rosto: Começou tudo de novo... Que os Deuses nos abençoem daqui em diante... O destino
da humanidade está incerto.
Sebastian chutou um corpo desprendendo sua espada da carcaça. Danton
lutava bravamente com dois homens, e logo teve o auxilio de Munch ao seu lado. E os
amigos lutaram bravamente um de costas para o outro.
Gói estava com os dentes agarrado à orelha de um dos inimigos.
-Temos que sair em retirada capitão. –Bartolomeu alertou para a chegada da
outra embarcação de segurança.
-Para frente... Para frente... -ordenou Luigi após matar um soldado com um
tiro.
As duas embarcações de segurança tentavam acompanhar o navio pirata.
-Os canhões duplos, agora... Fogo! –os generais ordenaram mais um ataque.
O Representante levantou-se para seguir a outro bote que haviam lhe
preparado, mas... De repente foi levado para o fundo do mar por uma imensa bala de
196
canhão. E assim, mais furos foram feitos na preciosa embarcação por imensas balas
que saltavam enlouquecidas.
-Cuidado estão acertando o navio onde está o ouro... Estão acertando o navio
com ouro... -Luigi gritou desesperado tentando alertando as embarcações inimigas que
desesperadas atiravam em todos os cantos.
O auxiliar saltou sobre o bote preparado para a fuga dele e do afundado
Representante, fugindo para terra.
-Iremos ser massacrados. Não teremos nem o ouro, nem o nosso navio. –
Bartolomeu agarrou Luigi pelo braço, tinha veias vermelhas saltando aos olhos.
-Luigi ele está certo, precisamos nos salvar primeiro. –Giulia concordou e sabia
que o irmão estava errando. Deu tudo errado.
As duas embarcações de segurança começaram a fazer um grande estrago no
Minerva, homens gritavam e ouviu-se o barulho do encontro das balas e da água do
mar.
Rafael sobre um cavalo correu até o cais para preparar um navio e combater os
piratas.
-Fogo homens, fogo! –Luigi berrou enlouquecido.
-Quero ver aquele navio destruído marujos, fogo! –ditou o general de
segurança.
Mais alguns tiros, desespero.
-Capitão!
-Capitão!
-Capitão!
Luigi foi chamado por seus homens, e viu-se sem saída.
-Precisamos fugir, as armas deles são bem melhores que as nossas. –Giulia viu
o medo nos olhos do irmão, e vendo o irmão correr para debaixo das escadas. –Seu
covarde!
A estibordo, homens, vamos sair em retirada. –Bartolomeu tomou o leme e a
ordem.
Sebastian e Danton trocaram sorrisos ao ver tal cena covarde de seu capitão.
Um dos navios de segurança começou ser intensivamente atacado pelo
Minerva que visava sua fuga pelo caminho deste. Após alguns tiros, o Minerva
derrotou o inimigo e seguiu em retirada quase todo destruído.
Luigi correu para o quarto do capitão, estava apavorado. “Meu ouro”, ele
lamentou.
Ao se distanciarem um tanto, os tripulantes do Minerva viram o único navio de
segurança que restou se aproximar da embarcação que estava atracada salvando os
homens que lá restavam.
O navio de riquezas estava muito destruído, assim começou a rachar ao meio e
em seguida afundou para as profundezas do Atlântico.
A tripulação do Minerva respirava ofegante, tais homens haviam lutado
bravamente. Raios e trovões foram ouvidos, a chuva começou cair forte.
Rafael foi ajudado por Samuel e seguiram para ajudar as embarcações que a
pouco antes saíram a destino de Portugal.
197
-Perdemos. –Giulia estava desiludida e incrédula de ter depositado confiança
em seu covarde irmão... Ele fugiu para se esconder quando todos mais precisavam
dele.
-O que faremos agora?- interrogou Sebastian, feliz.
Bartolomeu olhou para os rostos daqueles homens, perdidos, que precisavam
de uma liderança e sentiu que eles não iriam apoiar um covarde. “Vamos atracar em
um local seguro e depois... Veremos o que nosso capitão irá decidir.”
-Onde está nosso corajoso capitão? -Danton questionou a presença do líder
perante todos.
Luigi trancou as portas do cômodo e correndo para cobrir as janelas. Temia o
que lhe aconteceria.
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Capítulo 20: Sequestros.
-Graças a deus! Foi horrível. –Francisco Galvão tremia e explicava tudo que
tinha acontecido para Rafael e Samuel. – Fomos atacados... O Representante, por
Deus... Ele... Morreu... E o ouro... Afundou...
-Não! –praguejou Rafael, seu grito agregou-se ao barulho dos trovões da
tempestade caía. Ondas enormes começaram a se levantar no oceano.
O único navio que restou do ataque dos piratas atracou no cais principal. O
general e seus soldados que estavam na embarcação se encontraram com os coronéis
que os esperavam.
-Não conseguiram deter uma única embarcação, tem ideia da encrenca que se
meteu seu incompetente? –Samuel questionou o líder de guerra dos sobreviventes.
O general engoliu seco, havia falhado na proteção do ouro, deixou afundar a
maior quantidade de impostos já colhidos para Coroa: - Fomos atacados de surpresa,
não esperávamos sermos saqueados tão próximos daqui.
Rafael estava furioso, queria matar tais piratas... Pensou em Heitor que estava
junto de Josué em Portugal e o que eles poderiam fazer unidos...
-Preciso enviá-lo, meu caro auxiliar para Portugal o quanto antes. Precisa
deter os criminosos que daqui fugiram durante a manhã. –Rafael não tinha outra cor
que um vermelho no rosto e no pescoço, temia o futuro, tremia de raiva.
-Acalme-se Rafael, não tema pela união daqueles dois ordinários, mesmo que
Heitor conheça seu passado não passa de uma acusação sem provas. É a palavra dele
contra a sua, o Coronel Contra Assuntos Piratas. –Samuel Fernandes tentou
tranquilizar o amigo. Voltou a todos que ali estavam, perdidos, depois do ataque
surpresa. –Preparem-se para fazermos buscas por sobreviventes e se possível achar o
corpo de nosso falecido Representante.
Um escravo de sua casa chegou correndo, ensopado devido a chuva, e avisou
Rafael que sua esposa e Ottávio esperavam-no em sua casa com urgência.
-Preciso dos serviços de Ottávio. Mande prepararem uma embarcação Samuel,
faremos uma busca por esse navio pirata. Obviamente não devem estar longe com os
estragos que têm. –Rafael seguiu assim em seguida para sua casa, furioso e pensativo.
Esperava que o chamado fosse importante o bastante para desviar sua atenção de tal
desastre.
O velho ruivo arrebentou a porta do quarto do capitão com os pés.
Luigi escondia-se atrás de uma pilastra, Giulia e Bartolomeu se aproximaram
sorrateiros de seu capitão.
-Luigi o que faz aqui? –perguntou Giulia indignada. –Deveria estar lá fora
conosco.
-Capitão, seus homens esperam respostas. –informou Bartolomeu.
Luigi nem ao menos moveu algum músculo, protegia o rosto atrás do pilar,
como se isto fosse capaz de afastá-lo do mundo.
A jovem e o velho capitão de tripulação se olharam desentendidos.
199
A dupla cercou o capitão. Giulia observou o irmão do lado direito, e ele soltou
um pequeno grito de susto escondendo-se para a esquerda. Entretanto deparou-se
com Bartolomeu, susto. Voltou para direita, encontrando Giulia e para a esquerda,
Bartolomeu...
-O que querem no meu aposento? –o capitão questionou disfarçadamente.
-A tripulação quer respostas. –Giulia respondeu um tanto atordoada.
-Esperam palavras que os dê esperança. – aumentou Bartolomeu.
-Hã... Bem esperam um discurso?... Estou indo... – dizendo isto seguiu para
fora. O jovem capitão não teria como evitar enfrentar os olhares e palavras de seus
homens. -... Terão que consertar minha porta.
Todos os homens olhavam para o patamar superior que ficava o quarto do
capitão, esperando respostas do que iriam fazer dali para frente. As figuras do capitão,
Giulia e Bartolomeu não foram capazes de destruir o silêncio que se mantinham todos.
Luigi não conseguiu encarar a tripulação, olhou aos lados, para o mar, para
além de todos...
-Diga algo, eles estão esperando. –Giulia quebrou o silêncio, cutucando o
irmão.
Sebastian contava os minutos para incitar a todos e assim tornar-se capitão e
aventurar-se a procura do objeto que tanto vinha pensando: O Código dos Piratas.
-Homens... Como estão?
-O que acha capitão? Cansados e esperando sua decisão. –um dos homens
respondeu a pergunta de seu líder, tão enfraquecido quanto todos ali.
-Pois bem, atracamos aqui nesse canto... Arrumem o navio e vamos fugir
daqui. –exprimiu Luigi não suportando tal situação. E quando ia voltando para seu
aposento foi detido pelo questionamento de um marujo:
-E o ouro? A nossa parte?
Luigi arregalou os olhos, tinha que ter respostas firmes: “Bem, infelizmente por
uma manobra mal sucedida não fomos presenteados por tal metal... Diga-me, quanto
podemos dividir o nada?”.
-Impossível, capitão. –respondeu o marujo.
-Logo como não há nada, a parte de vocês é nada.
Giulia estava inconformada com a incompetência do irmão, suas respostas não
estavam ajudando.
-Precisamos roubar algo. Há tempos não nos embrenhamos em alguma
aventura que nos trouxesse lucros. –Danton gritou de seu canto.
Todos os homens concordaram com o companheiro.
Com as atenções voltadas para si, Luigi pensou um pouco e disse: - Senhores
arrumem o meu navio, e assim partiremos para uma grande aventura, eu garanto.
-Não vamos fazer nada enquanto não nos falar para onde iremos nos
aventurar. –um baixinho de olhos puxados lá do fundo enfrentou o capitão.
Munch estava maravilhado com a revolta da tripulação. Seu plano deu certo.
-Bem... Assim de supetão, não tenho nada em mente... Preciso pensar um
pouco... Esperem e volto com uma resposta certa em alguns minutos. - Luigi não tinha
ideia de nada, não sabia o que fazer, não sabia como apaziguar aqueles homens e os
seus desejos por uma parcela do ouro prometido. Seguiu de volta aos seus aposentos e
tomou uma decisão.
200
-Os dois comparsas estão ansiosos para se revoltarem. –Bartolomeu alertou a
jovem Matarazzo observando Sebastian e Danton conversando num canto.
-Luigi precisa pensar em algo. Ele não foi capaz de planejar esse desastre,
então encontrará uma solução para esta situação. – Giulia analisava a fobia da
tripulação com grande temor. Mais uma vez pensou em seu pai... Tudo seria diferente
se Pedro Matarazzo estivesse ali.
Após alguns minutos, com todos esperando uma boa resposta para
acalentarem suas adrenalinas e desejos, Gói começou urrar indicando o pequeno
espaço de água que tinha entre o Minerva e a terra firme... A tripulação foi
surpreendida novamente. Um pequeno bote era levado a terra.
-Macacos me mordam, eu estou vendo mesmo o nosso capitão fugir? –
questionou um dos homens, sem reação.
-Luigi, seu covarde, desgraçado... Eu te mato. –Giulia não se conteve agarrou
sua espada e preparou um bote para seguir o irmão. Queria liquidá-lo. Decepção.
-Contenha-se Giulia, não faça besteira. - Bartolomeu tentou detê-la, contudo
não conseguiu.
-Eu vou matar aquele covarde! – exclamou Giulia saltando sobre o bote.
Bartolomeu acompanhou a jovem para tentar controlar a situação dos dois
irmãos se enfrentarem, eles não poderiam brigar naquele momento tão difícil.
-Esperem-nos de volta, homens. Problemas de família, briga de irmãos... –o
capitão de tripulação saltou sobre o bote junto da jovem ordenando o pequeno e fiel
marujo em seguida: – Gói fique de olho naqueles dois ratos de convés.
Sua mansão formava uma bela paisagem com o horizonte, era um verdadeiro
palacete.
Rafael entrou em sua casa, furioso e gritando pela mulher. Fora recebido pela
velha escrava, que ditou onde estava sua senhora. Ele jogou seu chapéu e o casaco
molhados sobre a negra que os segurou firme, pois pesavam mais do que quando
secos.
Ele seguiu para a sala de cabeças de animais e deparou-se com a mesma cena
que sua esposa um pouco antes, mas desta vez tal senhora a compunha.
-O que é isso? Onde passou a tarde toda Ottávio? Por que está com esse
homem em sua mira? –interrogou o senhor Hamburgo. Sua fúria era evidente em seu
semblante. – O que é tudo isso, Maria?
-Tenha calma, meu querido. Temos notícias que não são nada agradáveis. –
respondeu Maria Aparecida.
-O que seria pior que o assalto pirata que tivemos ao navio onde estava o ouro
da Coroa e o Representante. –Rafael não podia acreditar que havia mais coisas ruins
para se dar conta.
-Que calamidade, senhor. – Ottávio se surpreendeu com o desastre.
-E o que houve com o nosso Representante? –preocupou-se a senhora
Hamburgo.
-Perdemo-lo, minha senhora. Ele foi acometido por uma bala de canhão. –
declarou Francisco Galvão entrando na sala. Havia vindo junto com Rafael,
201
permaneceria na casa de tal senhor até voltar para Portugal e que por desejo de Rafael
tal volta seria em breve.
-Afinal para que me chamaram aqui? E o que esse homem faz na mira de sua
arma Ottávio? –Rafael estava enfurecido demais para ficar papeando à toa.
-Fale para ele. –Ottávio exigiu do assassino, cutucando-o com o revólver.
Rafael olhou para o loiro tentando entender o que estaria se passando.
-Me contrataram para forjar o assassinato... Era para acertá-lo de raspão. Fiz
meu serviço direito, conforme o combinado. - declarou o assassino que começava a
temer por seu destino.
-Fale o nome dele, diga o nome dele. –Ottávio exigiu mais informações.
-Theodoro... Theodoro Castro.
-Theodoro? Castro?... O sobrenome dele é Castro? –Rafael chegou ao ápice de
sua raiva, poderia matar o jovem se ele estivesse em sua frente. O mundo estava
desmoronando sobre sua cabeça, tudo o que havia planejado e feito estava virando
cinzas. Será que estaria sendo castigo por ter perseguido e mandado matar pessoas
que no passado fizeram parte de sua vida?
Daniele paralisou ao ouvir a notícia e junto à porta gritou em prol de seu
amor:- Isto é mentira, estão tentando acabar comigo e com Theodoro... Ottávio deve
ter pagado para este homem inventar tal mentira, meu pai. Não acredite nas palavras
deles.
O senhor Hamburgo não conseguiu ouvir ninguém. Estava surdo, cego e mudo,
efeitos da raiva que sentia. Seu corpo era uma máquina ágil que transportava seu
sangue com agilidade. Suas veias e artérias pulsavam pela velocidade de tal líquido.
Seu coração estava descontrolado.
-Ou minha querida, eu sei que é difícil, mas é a verdade. Ele também nos
enganou. –Maria Aparecida tentou afagar a filha, mas foi jogada de lado.
-Papai, não acredite... –Daniele não conseguia ver Theodoro além daquele bom
e corajoso homem que conhecia. Theodoro era o salvador de todos, um herói, o seu
verdadeiro amor.
-Cale-se. –ordenou Rafael. –Zilda, Zilda, ZILDA!
A escrava chegou o mais rápido que pode.
-Chame dois capatazes para mim o mais rápido possível. Eles irão guiar este
homem para a prisão. –voltando-se para o seu assassino de encomenda, Rafael cuspiu
expondo suas palavras – Tenha certeza que seu fim será o mesmo em que desejou darme no sábado de manhã. Quero vê-lo terminar em praça pública.
No navio Minerva os homens de tal embarcação estavam abismados com a
fuga de seu capitão. Sem esperanças aguardavam uma voz de liderança, um capitão de
verdadeira coragem... “... Um capitão que saiba os conduzir para rumos certos, para
verdadeiras aventuras, onde não recebam somente tiros nos traseiros como prêmio
pelos seus esforços e proezas”, Danton tentava conduzir as opiniões de todos seus
companheiros, dando início ao golpe contra os Matarazzo.
-E quem seria esse capitão tão cheio de qualidades e mãos de ferro? –
questionou um dos marujos.
202
-Eu, Sebastian Munch! Eu pretendo guiá-los para seus devidos méritos. –
Munch pôs-se no centro do navio e da tripulação. Finalmente havia chegado o dia que
seria aclamado por toda a tripulação do Minerva.
-Quem mais, tão cheio de coragem e destreza que ele. –Danton Arrive
vangloriou seu comparsa, dando forças a todos para se revoltarem contra a atual
liderança.
Os homens se perguntaram sobre tal proposta, e deu-se início um grande
burburinho.
-Por que o apoiaríamos? O que ganharíamos fazendo um motim contra os
Matarazzo? –um negro indagou. A dúvida sobre uma traição contra os Matarazzo
pairava sobre a embarcação, ainda tinham respeito à imagem de Pedro Matarazzo.
O pequeno feioso e deformado homem viu que os planos de Sebastian se
concluiriam, e assim precisava ir para terra e avisar Bartolomeu e Giulia.
-Terão muitos ganhos senhores, irão lucrar muito. Garanto a vocês terras,
mulheres, postos em qualquer lugar do mundo. –Munch propôs cheio de certeza –
Tudo o que desejarem terão.
-Como fará para nos proporcionar tais impressionáveis congratulações? –
perguntou outro pirata.
-Iremos se embrenhar a procura de algo sonhado por todos os piratas do
planeta... O Código dos Piratas.
O silêncio tomou todo o navio.
Gói se esquivou das atenções, tinha que avisar seus mestres sobre a futura
conquista do inglês... Sobre o motim.
-Mas para se capturar tal objeto é preciso os anéis... A chave? – todos
interrogaram Munch sobre tal obstáculo.
-Me apoiem e garanto sucesso em nossa embrenhada. –Sebastian tentou
transmitir certeza, pois tinha tudo bem esquematizado.
Danton observava os olhares interrogativos da tripulação. Influenciador
exaltou:- Salve o capitão Munch.
Todos se viraram a Danton, pensativos e incertos.
-Salve o capitão Munch. –Danton persistiu.
-Salve o capitão Munch. –apoiou um dos marujos.
“Salve o capitão Munch”, e tal frase perpetuou por todo navio conclamando
Sebastian Munch o capitão do Minerva.
-Icem as velas, ergam a âncora. –Berrou o novo capitão ditando as novas
ordens e tomando o timão. – Jeferson, lidere alguns homens para arrumarem os
estragos que tivemos na infeliz batalha de outrora... Danton, meu capitão de
tripulação, prepare alguns homens e desça em terra e traga os nossos queridos
convidados para tal aventura... Suponho que Luigi deva estar no beco escuro do
Cabaré se escondendo cheio de medo.
Danton seguiu as ordens do capitão o mais rápido possível, exigindo a presença
de alguns marujos ao seu lado.
Munch olhou para o mar e viu Gói nadando em direção a terra, assim voltou à
tripulação e começou a gritar:- Andem macacos possuídos, quero ver esse navio partir
o quanto antes.
203
Ouviu-se o bater de asas e em seguida o toque de cascos com o solo. Salete
preparava-se para sair, estava ajeitando suas coisas numa trouxa de pano quando
ouviu o bater de asas e depois o toque de cascos sobre o chão.
-Tibério, pensei que tinha ido embora junto com seu bando. –Salete estava
surpresa em ver o querido amigo de volta.
-Fiquei para te ajudar. Vou junto com você em tal aventura... Não iria deixar de
sentir um pouco de adrenalina.
Logo depois, Salete voou sobre lombo de tal animal os céus da vila. Uma
estrela apareceu no céu, única entre as nuvens vermelhas. Esperança?
Daniele precisava intervir por seu amor, não iria permitir que os afastassem. Só
poderia ser uma armação de sua mãe e do português.
-Que história é essa que vocês dois inventaram? –Daniele tentou acreditar que
sua mãe estivesse mentindo.
-Não inventamos nada, minha filha. Acredite em nós, queremos o seu bem.
Nunca mentiremos a fim de prejudicá-la. –a mãe mais uma vez tentou acalentar sua
cria, mas foi ignorada.
-Está cega, senhorita. –Ottávio olhou para os olhos de Daniele e viu que ela
não aceitava a situação, a verdade sobre o forasteiro. A jovem retribuiu-lhe um olhar
de desprezo.
A porta foi aberta:- Alguém em casa?, perguntou Theodoro adentrando a
mansão, após bater na imensa porta e ninguém o atendê-lo.
A tempestade havia cessado. Entretanto a tempestade que se criou na vida de
Rafael só havia começado.
-Ora vejam só, mais um convidado para a nossa reuniãozinha. –Rafael
pretendia trucidar o jovem Castro. –Meu caro genro, queira juntar-se a nós nessa
reunião tempestuosa... Quero dizer nessa noite tempestuosa.
O jovem foi agarrado por Daniele que foi detida pela mãe, “Me solte”.
O coração de Theodoro disparou ao ver o filho Balmiro na mira da arma de
Ottávio.
-Conhece o nosso ilustre convidado da noite? –Rafael indicou o assassino.
-Não, nunca o vi. –Theodoro tentou manter a calma, haviam-no descoberto.
Mas talvez se tivesse a sorte de usar as palavras certas, poderia ludibriar o senhor
Hamburgo... Seu cérebro tentou bolar um plano de persuasão.
-Como pode mentir, descaradamente?!- Ottávio sentiu nojo do forasteiro.
-Me diga senhor Theodoro... Como anda seu pai? –Rafael queria ouvir toda
verdade da boca do traidor. Veias começavam aparecer sobre seu rosto.
-Meu pai morreu senhor... Há algum tempo. –Theodoro temeu pelo que fariam
com ele.
-Deus é mesmo justo. –Rafael olhava Theodoro, contendo-se. Tinha os punhos
fechados.
-Eu o avisei... Apostasse em minha filha se fosse um homem de boas intenções.
–Maria Aparecida encarou o jovem que recebia olhares com as piores intenções
possíveis de todos ali, exceto de sua amada que estava desesperada.
204
-Theodoro meu amor, querem nos afastar, é por isso que estão inventando
tudo isso. Estão inventando, não é Theodoro? –Daniele viu os olhos negros de
Theodoro paralisados em seu pai, ele estava aterrorizado.
-Cale-se Daniele, chega. Maria leva-a para o quarto, a partir de hoje mocinha
não terá mais escolha alguma. –Rafael havia perdido a paciência. –Irá se casar sim, mas
será com o nosso caro Ottávio, como deveria ter sido, pois já estou farto de ouvir sua
voz e suas reclamações.
O jovem português fora revitalizado, parecia ter tomado algo mágico que
trouxera sua alegria e esperança de viver de volta. Uma extrema alegria tomou o seu
coração, seus olhos brilharam admirando Daniele.
A jovem ouviu a declaração do pai e ficou apavorada. Agarrada pela mãe foi
arrastada para o seu quarto, esperneando-se: - Vocês não vão conseguir me fazer
casar com um homem que não amo. Isso tudo é mentira. Eu e Theodoro iremos fugir...
Os capatazes chegaram e postaram-se a porta, esperando as ordens de seu
patrão.
-Meu jovem, espero que seja muito feliz por ter o sobrenome daquele ordinário
que era o seu pai. –Rafael encarou o traidor.
Theodoro foi agarrado pelos capatazes, que evitaram o jovem saltar sobre
Rafael: - Não fale do meu pai, seu imundo! O nome dele em sua boca é uma ofensa.
-Achou mesmo que não iríamos descobrir o que realmente veio fazer em
Santos. Estava quase conseguindo, quase chegou onde planejou, QUASE. Mas a sorte
está do meu lado... Não pretendo me preocupar com seu destino, dou-lhe a chance de
sair correndo como um cachorrinho amedrontado daqui, conforme seu pai... Tem até
o sol raiar. Se sair agora, amanhã de manhã deve estar próximo de São Paulo. –Rafael
com um incrível espírito de piedade decidiu se preocupar com assuntos de mais
importância, tal como o paradeiro dos piratas que causaram tal desastre de tão pouco.
Theodoro era nada perto de tal desastre.
-Não irei desistir de destruir você, Rafael. -Theodoro prometeu, exalando
coragem apesar de sua derrota. O que iria fazer para destruí-lo, agora com Rafael
sabendo de tudo e de suas intenções?
Segurando o rosto do jovem que estava sendo agarrado pelos capatazes,
Rafael informou: “Eu não tenho medo de você, cria daquele traidor. Desapareça da
minha vila Theodoro Castro ou terá um fim pior que o seu nojento pai”.
-Você o traiu, seu rato. – Theodoro tinha o rosto de Rafael tão próximo que se
tivesse uma arma, sem dúvida não iria evitar meter-lhe umas balas nas bochechas.
-Pelo que vejo, ele não contou quem início as traições. Joguem-no na sarjeta. –
Rafael queria ver Theodoro longe, ou iria matá-lo se em Santos continuasse.
-Levem-no daqui, homens. –Ottávio ordenou um dos capatazes que levasse o
traidor junto com o assassino.
Daniele foi posta a força para dentro de seu quarto, empurrada pela mãe.
-Ele é um mentiroso, minha filha. Só a usou para chegar próximo de seu pai e
tentar destruí-lo. –Maria Aparecida empurrava a porta a fim de trancafiar a filha no
quarto.
-Vocês estão julgando-o errado. - Daniele foi trancada. Se mundo havia
desabado. Como ela iria viver sem Theodoro?
Chorando, escorreu pela porta entregando-se sem forças até no chão.
205
-Preciso que reúna os meus soldados, iremos fazer uma busca precisa desses
piratas desgraçados, e não iremos descansar enquanto não tê-los presos. –Rafael
ansiava por vingança, pretendia matar tais piratas na mesma noite.
O auxiliar que parecia ter sido esquecido num canto pediu com educação e
cuidado:- Posso ter a palavra?
Daniele estava perdida, amava Theodoro, não suportaria viver longe de seu
amor, que destino cruel e irônico, em um dia tinha-o como noivo e no outro nunca
mais poderia vê-lo.
Olhou para o anel... Pensou nos seus pesadelos de outrora... Estava muito
enfurecida!... Assim arrancou o metal do dedo e o jogou para frente. Tal objeto bateu
contra um obstáculo e voltou parando sem forças de continuar no meio do quarto.
Ela tapou os olhos com as mãos, desejava a morte do que viver longe de
Theodoro. Ao retirar tal obstáculo da frente da visão deparou-se com o anel brilhando
intensamente. Ela seguiu engatinhando até tal objeto, pegando-o de volta. Parecia que
o anel queria indicar-lhe algo, dizer-lhe alguma coisa...
De pé, olhou para a porta fechada de sua sacada. E lembrou-se que pediu para
a escrava deixá-la aberta. Talvez Zilda tenha fechado pela força dos ventos, ela pensou.
Aproximou-se da maçaneta da porta que dava acesso para a sacada. E tal puxador
estava sujo, somente mãos imundas teriam o manchado.
Ao voltar-se para o cento do quarto, assustou-se... Tinha um homem em sua
frente, a jovem soltou um pequeno grito:- Quem é você?
-Está convidada a fazer parte de nosso navio a fim de se aventurar mar afora. –
disse o negro que tinha vestes de segunda mão e de aparência marítima.
-Agradeço tal convite, mas não quero. –Daniele respondeu arisca. Quem era
aquele homem?
-Pois bem, tentamos ser educados. –ele agarrou a jovem Daniele tampando a
boca dela. Segurando-a firme com ela se esperneando, seguiram para onde o Minerva
estava atracado.
Theodoro foi jogado portão a fora da mansão dos Hamburgo. Caindo sobre o
seu ferimento, revirando-se de dor. O capataz riu do jovem, fechando o grande portão.
-Aprecie a dor de um ato heroico, forasteiro. –Ottávio sentia-se reconfortado e
imponente. Sobre seu belo alazão seguiu para cumprir as ordens do patrão e agora
sogro.
Theodoro pôs-se de pé. Tudo o que tinha planejado, tudo o que havia
conquistado até então estava perdido. A caminho da casa de sua madrinha, ele ia
aceitando que não teria outra escolha se não partir o quanto antes, não honraria o pai.
Seus planos de vingança deram errado... A vida estava sendo injusta mais uma vez.
Após caminhar um pouco, sobressaltou-se ao defrontar-se com um homem
que saia de um beco escuro.
206
-Ei, você me assustou cara.
-Ah é mesmo, tinha que o distrair. –falou o homem com uma barba grande e
meio cinzenta.
-Me distrair? –Theodoro não compreendeu e em seguida caiu no chão
desmaiado com um golpe dado em sua nuca.
-Para ele o capturar. –respondeu o capturador entre risos.
Os dois homens agarraram Theodoro e levaram-no para o Minerva.
-Minha cara senhorita, queira se retirar do meu estabelecimento ou terei que
mandar meus homens colocarem-na para fora. –a dona do Cabaré defrontou-se com
Giulia que acometeu uma busca por todo o inferninho atrás do irmão.
-Vamos Giulia, precisamos permanecer no navio. –Bartolomeu viu ser perigoso
deixar a tripulação junto com Sebastian e o desejo deste se tornar capitão.
O ex-capitão do Minerva mantinha-se escondido e atento no pequeno beco
escuro e úmido que em outro momento estivera atrás de informações sobre o roubo
que não se sucedera conforme planejou. Era agora um fugitivo de seu próprio erro.
Gatilhos de armas soaram atrás de suas costas.
-Caros companheiros, encontramos nosso peixe... Quero dizer, capitão fujão. –
Danton tinha a nuca de Luigi na mira.
-Legal, vocês me acharam. Podemos brincar de novo, adoro pique esconde. –
Luigi ergueu as mãos para cima, sem coragem de se defender. Assim outros dois
homens tomaram suas armas e agarraram-no.
207
Capítulo 21: Os anéis direcionam o curso da aventura.
-Eu não vou perdoá-lo por essa atitude, o Minerva está um caos... E depois do
desastre que foi o roubo... A melhor coisa que ele pensa em fazer é fugir. –Giulia
caminhava junto com Bartolomeu, voltavam para onde estava atracado o Minerva.
-Você não pode lutar contra ele, Giulia. Pode incitar os marujos a se revoltarem
com você agindo assim. –Bartolomeu tentava apaziguar a situação, exigindo coerência
da jovem.
Gói seguiu correndo apesar da dificuldade de caminhar. Era corcunda, um
tanto manco e estava molhado pelo nado, mesmo assim obtinha uma certa agilidade.
Ao ver as duas figuras que estava procurando, sentiu-se aliviado.
-Mas o que Gói faz perdido por aqui? –Giulia indagou ao ver a figura disforme
seguindo para suas direções.
Bartolomeu rezou para que seu temor não houvesse se tornado realidade.
-Bartolomeu, menina Matarazzo, sofremos um motim. – Gói informou sobre o
golpe de Munch.
Os três saíram em disparada, uma tentativa em vão de intervir na revolta.
No Minerva, Danton coordenava a tripulação. As celas estavam preparadas
para receber os sequestrados.
A jovem Hamburgo estava atemorizada, encontrava-se cercada de homens
altos, baixos, gordos, magros, com cabelos estranhos e sujos. E recebia os olhares de
cobiça daquelas figuras masculinas. Acanhada, temia o que poderiam fazer com ela.
Contudo, ao ver Theodoro sendo carregado por dois homens, desacordado,
desesperou-se.
-Deixe-o em paz. O que querem fazer conosco? Não faça nenhum mal a ele.
-Contenha-se donzela, não iremos fazer mal nenhum a vocês, ao menos até
vocês serem úteis. – informou Danton um tanto sarcástico.
-Vocês não valem nada, traidores. Eu sou o capitão de vocês, soltem-me agora.
–Luigi subiu à embarcação aos berros e esperneando.
O capitão do navio no patamar superior cumprimentou Luigi. Ele agora era o
líder: - Seja bem vindo nosso corajoso ex-capitão.
-Munch sua sardinha mofada, o que pretende com tudo isso? Esse navio é
meu. –Luigi tentou escapar de seus carrascos em vão.
-Devo ressaltar que as coisas mudaram e você não é mais o nosso capitão, é
preciso alguém que guie essa tripulação com mãos de ferro... Que faça o que eles
querem.
Daniele estava perdida, via a conversa dos homens anestesiada. Queria a
segurança e conforto de sua casa.
-Ordene minha soltura, Munch. – exigiu Luigi.
-Desculpe, mas não posso ajudar capitães sem coragem. –Munch ironizou e
tomou-se de uma grande gargalhada acompanho pela tripulação. –Queiram estar
preparados homens, seguiremos para uma aventura formidável.
208
Giulia tinha sido deixada em terra firme, o Minerva seguia ao longe. Estava em
estado de choque, atordoada, o navio de seu pai estava nas mãos de desordeiros.
-Levaram a força o menino Luigi e mais os outros dois donos dos anéis. –Gói
conclui as informações, esperando uma atitude de Bartolomeu, ordens que como fiel
escudeiro cumpriria a risca.
-O que Munch quer com os portadores dos anéis? –Giulia tentou imaginar para
onde seguiria o Minerva ao comando do traidor.
-Pretende se tornar dono do Código, menina Matarazzo. –respondeu o
corcunda.
-Vejo que os planos daquele ardiloso homem eram mais gananciosos do que
eu previa. Precisamos de ajuda para enfrentá-lo. –Bartolomeu recorreria aos amigos.
Estavam bêbados. Oswald e Marcos estavam bebendo e cantando sozinhos
entre as mesas e cadeiras vazias, já dotadas por um pequeno acúmulo de poeira em
decorrência a ventania que antecedeu a tempestade e ausência de clientes.
“Sou pirata, sou pirata, sou pirata sim. Ladrão e vil... Vou massacrá-los até o
fim...” a dupla cantarolava a famosa canção pirata com uma certa moleza nas palavras.
Bartolomeu, Giulia e Gói invadiram o estabelecimento apressados, com as
feições preocupadas, temerosos do destino de todos.
-Oswald, precisamos de sua ajuda. –Bartolomeu invadiu o bar de supetão.
-Ora essa, pensei que já estivessem longe daqui. –Augustus não se preocupou
com o desespero alheio.
-Por que essas caras de espanto? Viram algum fantasma? –Marcos tentou
manter os olhos abertos.
-Sofremos um motim e Luigi, o nosso capitão, foi feito prisioneiro... –Giulia
tentou iniciar a explicação que tanto os desesperavam.
-E o que tenho haver com a incompetência de seu capitão, senhorita? –
Oswald tentou compreender, agora de pé e cambaleando viu o semblante de
desespero dos três invasores com mais clareza.
-Os portadores dos anéis foram sequestrados e a segurança do Código corre
perigo. –Bartolomeu explicou sem conter as palavras.
Augustus sobressaltou-se e Marcos cuspiu o rum que tinha na boca.
Batiam incontrolavelmente na porta da casa da senhora Reghine, assim sendo,
a escrava da abriu a estrutura de madeira no ritmo que era sacudida.
-Onde está sua senhora? Onde está sua senhora, vamos diga-nos logo... Augustus estava com muita pressa, exigindo o paradeiro de Margot. A fobia era
explicável, o mundo corria perigo.
-Mas que gritaria é essa em minha casa. – Margot encontrou sua sala cheia de
pessoas, defrontando-se com figuras que há tempos não via. - O que está
209
acontecendo? Bartolomeu o que faz aqui, não sabia que o Minerva estava atracado em
Santos?
-Viemos pedir sua ajuda. Precisamos fazer algo para impedir que o Código
volte. –Augustus declarou à senhora que limpava as mãos no avental. –Aquela velha
louca tinha razão.
Escondida entre as cortinas, Mercy tinha os olhos e ouvidos fixos em tal
euforia.
-Os portadores dos anéis foram sequestrados e estão sendo obrigados a guiar o
Minerva para a ilha. –Bartolomeu acrescentou.
-Pedro Matarazzo está fazendo isso? –Margot não sabia da morte de tal
conhecido.
-Faz um mês que Pedro não faz parte do mundo dos vivos, minha senhora. Eu
sou filha dele e o nosso atual capitão era meu irmão, Luigi Matarazzo. Infelizmente,
meu irmão sofreu um motim e foi feito refém em seu próprio navio por sua tripulação,
agora comandada por um inglês ganancioso. –Giulia tentou resumir o desastre por
ausência de tempo.
-Precisamos impedir que eles peguem o Código. –alertou Bartolomeu.
Batidas deram-se na porta.
-Precisamos ter calma e resolver como iremos intervir em tal tentativa... Margot seguiu para abrir a porta, ficando surpresa ao ver Salete, que disse:
-Eu avisei. Precisamos fazer algo para impedir que esse mal retorne.
-Já pus duas embarcações para vistoriarem por toda vila e assim encontrarmos
os piratas. - Ottávio deu as notícias sobre as buscas para o patrão.
-Quero todos presos, mas preciso deles vivos para que o rei julgue tal ato. –
Rafael tentou pensar no que a Coroa iria fazer em relação ao roubo, e como ele seria
punido por tal incompetência. -É muito fiel e competente, Ottávio, devo-lhe desculpas.
Apesar de sempre estar ao meu lado e mostrar ser um bom homem, não o retribuí da
forma merecida. –Rafael ainda estava incrédulo, como ele pode cair na armação do
filho de seu pior inimigo.
-Não me deve desculpas, senhor. Agiu conforme as coisas estavam exigindo
que agisse. Entretanto, fico grato que reconheça meu valor. –Ottávio não deixou de
ressaltar que ele sempre foi melhor que Theodoro.
-Acredito que esteja ofendido, pretendo ressarci-lo... Mas que comitiva é essa?
–Rafael interrompeu a veneração, surpreso pelas pessoas que vinham chegando.
Margot Reghine, Augustus Oswald, Marcos Olivier, Salete Jácome, um velho
com uma barbicha ruiva, uma moça com roupas de homem e um homenzinho
disforme se aproximavam da dupla.
-Rafael, me diga, onde está sua filha? –Margot perguntou com angustia.
-Daniele está em minha casa. Por que está aqui, veio interceder pelo filho do
traidor? – questionou o Coronel Contra Assuntos Piratas, decepcionado com a amiga
pela traição por parte dela em unir-se com Theodoro, conforme ele acreditava.
-Do que você está falando? - Margot não entendeu tal questionamento.
210
-Rafael, sua filha foi sequestrada e está sendo levada para a ilha do diabo. –
Augustus retornou ao assunto em questão.
A carruagem do senhor Hamburgo, derrapou na terra molhada no quintal de
sua mansão. Todos haviam o acompanhado, uma multidão tomou a mansão dos
Hamburgo.
-Maria, Maria, cadê a nossa filha? –Rafael entrou berrando em sua residência.
Rezava para que tal notícia fosse mentira.
-O que está acontecendo, Rafael? Por que esse desespero? –indagou a mulher
sem compreender a algazarra e a presença de tal multidão.
-Cadê Daniele? – persistiu o pai, agarrando a esposa com força pelos braços.
Ele tinha indícios de lágrimas nos olhos, o que fez Maria imaginar o pior.
-Está no quarto... – mal acabando de responder, Maria foi largada pelo marido
que subiu a escada desesperado gritando pela filha.
-Está trancada. –Rafael movimentava descontroladamente a fechadura.
-Com licença, senhor. –Ottávio atirou na fechadura que se quebrou.
Rafael chamou pela filha, procurou por todo quarto, mas nada encontrou. A
mãe estava perdida, onde poderia ter ido sua filha? Tinha-a trancado no quarto. Só se
ela tivesse fugido com aquele forasteiro, imaginou a mãe.
O senhor Hamburgo abriu a porta da sacada, olhou para o quintal vendo
somente alguns negros perambulando. Ele voltou à sala de entrada onde estavam
todos, tendo Ottávio e a esposa ao calcanhar.
-O que houve com nossa filha Rafael? Aquele traidor tem algo haver com isso?
–Maria descia as escadas tentando se equilibrar sobre o salto.
-Me digam o que houve. Quem pegou minha filha? –Rafael encarou a todos.
-A tripulação do nosso navio. Fizeram um motim contra o capitão, Luigi
Matarazzo. –Bartolomeu começou a explicação.
-Após uma frustrada tentativa de roubo a um navio de ouro... –Giulia
acrescentou às explicações.
-Então foram vocês que tentaram roubar o navio do ouro Real? –Rafael
esperava que seu coração fosse forte suficiente para aguentar as notícias e surpresas
daquela noite.
Ottávio e tal senhor empunharam-se de suas armas e apontaram para Giulia e
Bartolomeu que agiram da mesma forma.
-Os Matarazzo! Raça de ladrões imundos! –exclamou Rafael.
A situação se tornou constrangedora, o ar se tornou pesado demais.
-Vamos todos nos acalmarmos e abaixar as nossas armas. Precisamos nos
preocupar com a captura dos detentores dos anéis. –interferiu Margot sobre a mira de
todos. –Não sei o que é que aconteceu com esse navio e o ouro, mas precisamos nos
focar nos detentores dos anéis e no Código.
A senhora Hamburgo não entendeu sobre o que eles estavam falando. O
Código seria um acordo? O que tinha haver tudo aquilo com o rapto de sua Daniele?
-Abaixe a arma, Ottávio. Precisamos arrumar um modo de trazer Daniele de
volta. –ordenou o patrão.
211
-Por que estão nos colocando em celas separadas? –Daniele questionou o
pirata por não poder ficar numa cela junto do rapaz que parecia o ex-capitão de tal
embarcação e de Theodoro que foi posto numa cela a frente da sua. Será que aquilo
era uma armação de sua mãe e Ottávio para separá-los? Que absurdo, a moça se
corrigiu, nunca sua família poderia iria querer seu mal, juntá-la com aqueles ladrões e
trancafiá-la numa sala.
Os homens da tripulação deixaram os três sequestrados presos com Theodoro
jogado num canto e que ainda permanecia desacordado. E depois seguiram para junto
de seu capitão, esperando por ordens.
-Não querem que nós fiquemos juntos, poderíamos querer unir nossos anéis. –
Luigi respondeu um tanto atrasado a pergunta de Daniele que questionou seus
raptores e que não haviam lhe dado ouvido. – E assim poderíamos sumir com a chave.
-Quem é você?... Que anéis? –Daniele se voltou para o jovem pirata. Parecia
ter já o visto, mas não se lembrava de onde.
-Olá. –cumprimentou Luigi com um abano de mão. –Prazer em revê-la.
-Eu o conheço de algum lugar?
-Já evitei que fosse engolida por um mostro no seu suposto sonho.
-Você, esteve nos meus sonhos? –Daniele lembrou-se da figura masculina
daquele pesadelo em que quase quebrou a cama ao acordar. Tinha sido ele que
chamou a atenção da enorme serpente-planta. –Sim, você... Mas como isso é possível?
-Ah, vai me dizer que não reparou que o anel causava seus pesadelos, levandoa para a boca daquelas criaturas?
-Esse anel é um presente de meu pai, ele deu-me no Baile de meus quinze
anos...
-Estou vendo que seu pai omitiu sobre a origem de tal objeto. Pois bem, você é
a guardião desse anel, seu papel agora é evitar que ele junte-se aos nossos... Ao meu e
o do cavalheiro da cela da frente. Agora, boa noite, preciso ganhar forças e tentar
escapar daqui amanhã. -Luigi cobriu o rosto com o chapéu e se ajeitou no assoalho da
prisão.
Daniele estava completamente perdida, como Theodoro tinha um anel igual ao
dela? E como aquele rapaz iria fugir do navio, e se fugisse pretendia nadar mar afora?
A terra estava distante. “Ei, o que é tudo isso? Por que eu estou presa? Onde nós
estamos?”, Daniele tentou continuar a conversação.
-Daniele... Daniele... -Theodoro abriu os olhos com dificuldade, estava confuso
pelo golpe que levou, delirava.
-Theodoro, meu amor, não se esforce precisa descansar. –Daniele esticou os
braços em direção de seu grande amor. A grade da cela a impediu de avançar, ela
queria afagar seu adorado no colo.
Theodoro não tinha forças suficientes e voltou ao sono profundo que estava
antes.
Agora todos estavam reunidos na sala de cabeças de animais. Depois de
devidas explicações, Rafael pensava em formar uma comitiva e trazer sua preciosidade
de volta.
212
-Tudo isso por causa de vocês, seus piratas ordinários. Vejam só o que vocês
causaram. –Ottávio estava revoltado, e temeroso com o destino de sua amada.
-Precisamos nos organizar e seguir atrás daquele navio. –Salete ressaltou. –
Rápido.
-Mas como chegaremos lá? Quem nos guiaria? –Giulia questionou a ausência
de um capitão de navegação. –Não sabemos para onde o Minerva está seguindo
viagem.
Todos se voltaram para Marcos Olivier que fuçava em alguns objetos. Tal
homem não pensava em se aventurar na busca pelo Código mais uma vez. Com
certeza não teria a sorte de sair daquela ilha como na primeira vez.
-Ele poderia nos dar um de seus mapas. –assentiu Bartolomeu.
-Levaria muito tempo, ele gasta em média de seis a sete dias para desenhar o
curso dessa navegação. –Augustus alertou sobre tal obstáculo.
-Pelo amor Deus, se ele sabe para onde levaram minha filha que guie o
resgate. –Maria Aparecida achou um ultraje a indiferença de tal homem.
Rafael ajoelhou-se diante de Olivier, tal homem poderia perder tudo que até
então conquistou de riquezas e poder, só não aguentaria a perda de sua querida e
amada filha. Ele amava Daniele com todas as forças que tinha. “Eu peço clemência, por
favor... Por favor, resgate minha filha.”
-Como a vida é engraçada, há um dia os pedido iguais ao seu, por parte dos
moradores de meu bairro, não fizeram diferença. – Marcos achou a vida irônica. Tinha
agarrado a seus joelhos o senhor mais poderoso da vila, e capaz de dar tudo o que ele
desejasse.
-O mais importante é evitar a captura do Código. –Bartolomeu ressaltou sobre
um maior perigo.
-Acredite, pirata, a vida de minha filha é muito mais cara que a segurança de
tal demoníaco objeto. –Rafael expôs seu maior desespero.
-Se tivesse tanto cuidado assim, não teria dado o anel para ela. Tinha morrido
com ele e o levaria junto com você e poria fim na chave que abre o cadeado. –Margot
afrontou tal senhor que ela não respeitava mais.
-Não me venha com afrontas. - Rafael não pretendia começar uma discussão.
-Precisamos nos fixar no resgate de Daniele e dos outros sequestrados. –
Ottávio relembrou.
-Eu tenho um preço, e muito alto por sinal. –Marcos pensou em uma boa
recompensa, capaz de nunca mais fazê-lo trabalhar ou se esforçar para ganhar um
vintém.
-Daremos o que quiser, mas traga minha filha de volta. –a senhora Hamburgo
desmontou-se numa cadeira não suportando mais surpresas, sendo então acudida
pela velha escrava.
-Diga e terá tudo o que quer. –Rafael demonstrou certeza em suas palavras,
daria sua vida em prol da filha.
-Quero ouro... Quero dois navios, os dois melhores navios que você tem Rafael,
é claro que não terá a falta deles, pois irá alugá-los de mim. Quero também uma boa
casa no centro, quero andar entre a alta elite...
-Deseja mais alguma coisa? Garanto tudo o que me pediu e quando voltar terá
tais bens em suas mãos e posse. –Rafael estava desesperado e apressado para formar
um resgate.
213
-Quem me garante que você irá cumprir com sua palavra? –Olivier queria
alguma certeza concreta de tais recompensas.
Rafael seguiu até a mesa, de lá tirou um papel. Pegou uma pena dentro da
gaveta, molhou no tinteiro que ficava sobre o móvel e assinou na folha. Entregando ao
querido navegador em seguida.
-Tome, está assinado por mim. Se eu não cumprir pode exigir seus prêmios
perante as devidas autoridades. –Rafael foi firme em sua atitude.
Marcos observou a assinatura, guardando o papel no bolso e depois se voltou
para todos: - Espero que tenham fé em Deus, meus caros amigos, pois iremos precisar
da ajuda dele.
-Prepare a mais rápida embarcação, Ottávio. Reúna uma tripulação e siga as
ordens desse homem. –Rafael não pretendia ir junto com o navio de resgate. Era um
amaldiçoado de Poseidon.
-Não irá junto, senhor? –questionou o empregado.
-Não posso... Sou acometido de um mal que assim me impede o contato com o
mar. Espero que seja o responsável e competente homem que sempre foi, traga minha
filha de volta e não terei como recompensá-lo por tal proeza. –Rafael segurou as
lágrimas.
-Prometo trazê-la viva e salva, senhor. –Ottávio assegurou um ato heroico.
-Espero aceitarem-nos nessa viagem, pretendo trazer meu irmão de volta e
impedir que o Código seja pego. Sou uma Capitã Ordenada, tenho tal compromisso. –
Giulia interpôs-se.
-Irei junto de vocês. –Salete recebeu os olhares de ser desnecessária de Giulia
e Bartolomeu. -Acreditem, minha companhia será necessária.
-Precisamos avisar Paolo no Rio de Janeiro, ele é o alertador oficial e assim
avisará a Ordem dos Piratas para todos se prepararem... –Margot era coerente com o
as regras antigamente aceitas por todos em acordo.
-Temo que não temos tempo para tal compromisso, precisamos seguir logo
nossa viagem se queremos acompanhar o Minerva. –Bartolomeu reconheceu que o
tempo estava passando.
No cais principal, o mais veloz dos navios de Rafael fora selecionado: O Estrela
do Mar.
-Encham esse navio de comida, água potável, barris de pólvora, balas para os
canhões... Quero todos de armas na algibeira e não se esqueçam do rum. –Marcos
Olivier ditava ordens para os homens que corriam a fim de preparar a embarcação
como havia ordenado seu dono.
-Meu caro senhor, acredito que para a salvação não será necessário e nem
seria coerente enchermos a cara de rum... -Ottávio interferiu sobre tal pedido do
capitão, acreditando que festas não ocorreriam em tal desventura.
-Meu caro jovem, acredite, que para o lugar aonde vai e as coisas que irá ver,
uma boa dose de rum será necessária para dar forças. –Olivier começou a ter
lembranças... Criaturas sem coração, horríveis, eram o que teriam de enfrentar em tal
local.
Um cavalo branco com asas se aproximou da embarcação acompanhando por
Salete.
214
Ottávio observou o cavalo... O pássaro... O cavalo-pássaro... E não acreditava
estar diante de tal criatura, parecia estar lendo um livro de ficção:- Ei senhora, não
posso permitir a entrada de seu cavalo.
-Cavalo alado, é o que sou. Muito prazer, Tibério. –o lendário animal curvou-se
diante do jovem português.
-Uma figura mitológica que vive aqui em nossas matas. –aumentou Salete. –E
pretende nos ajudar em nossa aventura.
-Aqui em nossas matas?... Mas, nunca vi tal criatura igual antes. E como poderia
nos ajudar? –Ottávio estava surpreso e um tanto distante de tal criatura, temeroso de
qualquer ataque.
-Não temos o costume de nos mostrar para vocês humanos incrédulos e
arrogantes. Queremos evitar esses olhares de surpresa que nos deixam constrangidos.
E sobre minha utilidade, quem sabe, às vezes precise de algo que voe. – dizendo isto,
Tibério seguiu junto da amiga para dentro da embarcação.
-Nos mostrar? Tem mais de um? –Ottávio se perguntou e imaginou um bando
daqueles bichos sobrevoando sua cabeça.
Giulia estava debruçada no peitoril do Estrela do Mar, via com tristeza os
homens pendurados como aviso para os piratas que ali chegassem. Depois olhou para
o mar a fora, a escuridão que tinha em sua frente era igual a incerteza que tinha de
voltar de tal aventura. Interrogações.
-Não consigo ter raiva dele, estou com medo de perder meu irmão. – a jovem
pirata declarou para o velho comandante de tripulação e melhor amigo de seu pai que
vinha se aproximando.
-Coerente, ele é seu irmão, natural tal sentimento. –Bartolomeu tentou ser
cordial.
-Ele é um cabeça de vento, sem potencial algum para ser um capitão. Onde eu
estava com a cabeça quando entreguei o posto do navio de nosso pai a ele?
-Seguiremos para tal embrenhada, e você sabe que... Talvez nunca mais iremos
vê-lo de novo. –Bartolomeu sentiu de volta o mesmo espírito de luta que da primeira
vez quando lutou contra as maldades e crueldades do Código.
O quarto de Daniele estava tomado. Sobre sua cama, entrelaçado com um
travesseiro da jovem, Rafael sentia falta de sua cria, e tinha medo de perdê-la.
Compreendeu o que o povo do Bairro Pirata sentiu ao ver seus entes queridos mortos,
pendurados na forca, e estava arrependido.
A senhora Hamburgo olhava para tal cômodo e a ausência de sua filha, era
como se faltasse uma parte de seu corpo. Não teve coragem e nem a proeza de
inquietar o marido com perguntas, mas ainda não entendia o que é que estava
acontecendo.
215
O sol apareceu amarelado e num tom leve, nuvens branquíssimas cobriam o
céu junto da iluminada estrela.
O navio de resgate tinha seguido com a aventureira tripulação a alto mar na
madrugada seguindo as ordens e o curso que Marcos Olivier ditara.
-Onde é que estamos indo? Vamos demorar? –questionou Ottávio incapaz de
imaginar o que estava por vir.
-Iremos para um lugar, que preferiria ir ao inferno que atracar nele. Espero que
tenhamos sorte, estamos seguindo para uma busca que corremos o risco de nunca
mais voltar. –Marcos tinha o timão no controle, o vento trazia-lhe uma vida antiga de
volta.
O português sentiu calafrios. O mar a sua frente parecia desconhecido para
um “velho” navegador como ele.
A luz do sol entrou por pequenas frestas no último patamar do lendário navio,
o patamar das celas de prisioneiros.
Theodoro sentiu o nariz esquentar, a luz do sol o aquecia. Abriu os olhos
devagar, até que teve a atenção desviada:- Theodoro, meu amor, finalmente acordou.
Estava preocupada.
Daniele estava na cela em frente a sua, e ainda tinha a fineza de origem. O
traje um pouco amassado, mas ainda mantinha-se maquiada e sem sinais de ter
dormido. “Mal dormi durante a noite...”, disse ela.
-Bom dia, jovens companheiros. –Luigi pôs-se de pé. Esticou os músculos e
começou a procurar por algo.
-Onde estamos, Daniele? O que houve? –Theodoro ainda estava um pouco
tonto, mas foi capaz de ficar de pé.
-Não faço ideia, mas sei que é algo relacionado aos anéis que temos. –
respondeu a moça que começava dar indícios da necessidade de uma confortável
cama.
-Mas que infortúnio. Não sabia que nossas celas eram tão seguras. –Luigi
expressou sua surpresa, após fazer um bom tanto de força contra as grades.
-Era o capitão dessa embarcação, o que houve? –Daniele pediu explicações,
postando-se de pé e capaz de enfrentar o rapaz se preciso, mas teria respostas.
-Ele sofreu um motim, minha jovem donzela. Fora muito imprestável para
manter a ordem em seu próprio navio, não foi nem capaz de guiar seus homens num
assalto. –Sebastian Munch desceu as escadas, acompanhado do fiel companheiro
Danton Arrive.
-Muito imprestável, um ruim capitão. –Danton acrescentou.
-Não fui um mau capitão, só não tive a sorte de... -Luigi tentou se explicar, mas
foi interrompido pelo atual capitão do Minerva:-... Não teve a sorte de fugir para um
local desconhecido?
Danton gargalhou.
-Quem é você? –Daniele estava com medo de tal homem, e o seu
acompanhante fazia movimentos inquietante com o olho, deixando-a mais assustada.
216
-Queiram desculpar a minha falta de educação. Muito prazer sou Sebastian
Munch, o capitão do Minerva.
-O que quer conosco? –Theodoro tentou colher informações e entender os
fatos.
-Não seria necessariamente com suas figuras, mas sim o que vocês portam: Os
anéis. Preciso desses objetos para guiar minha empreitada.
Theodoro sabia da origem do seu anel e a semelhança dele com os de Daniele
e o do outro jovem prisioneiro, seu pai havia lhe contado sobre toda sua vida passada
antes de morrer.
-Danton, leve-os para cima. Precisamos ser direcionados para o curso certo.
Luigi, Theodoro e Giulia foram postos frente a frente numa forma triangular.
Tinham armas de fogo voltadas para si, sendo que se tentassem qualquer fuga, balas e
mais balas perfurariam seus corpos, assemelhando-os a peneiras.
-Pois bem, estiquem os braços e alinhem os anéis. –ditou o capitão.
-Não irei fazer nada e essas armas não me amedrontam. Morro e levarei
comigo uma parte da chave. –Luigi escondia as mãos sob as axilas junto com o medo
de morrer. –A conquista do Código será impossível!
-Não estou com muita paciência para suas molecagens, jovem Matarazzo. Não
hesitarei em ordenar meus homens apertarem os gatilhos.
-O que você está falando rapaz, precisamos fazer o que ele quer ou nós iremos
morrer. Não vê que eles são piratas cruéis. –Daniele tentava salvar sua própria pele.
-Acho melhor ouvir a moça. –concordou Sebastian.
-Eu também sei ser um pirata cruel. Não irei ajudá-los a chegar onde desejam.
Fim de história, ponto final. –Luigi era cômico mesmo em situações difíceis. –Boca de
siri, corpo de estátua.
-Apontem para ela. –Danton ordenou todas e as armas se moverem na posição
da moça.
Daniele congelou.
-Não a façam mal. – Theodoro entreviu pela amada. Verdade?
-Aceitaria carregar esse peso por toda vida Luigi... Deixar morrer uma linda e
jovem donzela, só porque prometeu proteger um anelzinho... Viver a vida toda,
pensando que ela poderia estar viva e saciando tudo o que a vida proporciona de
melhor? –Sebastian pressionou o jovem pirata, o encarando nos olhos. O capitão sabia
das atitudes nobres de tal família, os Matarazzo não admitiam a morte de inocentes.
Luigi olhou para a moça que começava tremer os joelhos de medo. Pensou no
juramento que fez ao pai... Protegeria o anel e se preciso daria sua vida... Assim
concluiu:- Sim, pode matá-la.
Os gatilhos tremeram, os másculos e grossos dedos dos homens segurando
firme suas armas esperavam as ordens para deflagrarem as balas sobre a moça.
-Não está vendo que irá matá-la. Faça o que ele pede, seu covarde. –Theodoro
viu o fim de Daniele ali diante de si, queria saltar sobre a frente dela se possível. O que
estava sentindo por ela? Daniele era somente uma peça para sua vingança... Não
sentia nada por ela... Não poderia.
-Pois bem. –Munch não iria fazer nada que pudesse prejudicar pôr as mãos no
Código, com toda certeza Luigi iria arriar de tal postura.
Daniele olhou para o jovem rebelde pedindo piedade, e Luigi não poderia
deixar um inocente morrer.
217
-Você venceu. –declarou o jovem Matarazzo esticando o braço.
-Agora vocês, por favor, alinhem os anéis. –o capitão estava conseguindo o que
queria. Caminhava para ser o dono do Código.
Os braços de ergueram, e os anéis se alinharam.
Uma força incrível tomou o controle dos braços de tais jovens... Uma forte luz
dourada, tão dourada quanto tais adereços assim emergiram deles.
Daniele não conseguia acreditar que aquilo estava acontecendo, estava muito
surpresa, Theodoro via a luz sair de seu anel de olhos arregalados e Luigi falhou pela
segunda vez, não havia conseguido honrar a promessa feita ao pai.
O encontro das luzes em linha reta cessou-se. Deixando flutuando uma
pequena bolinha dourada a frente de todos.
Toda tripulação estava incrédula, tinham sua aventura tanto desejada.
Tal bolinha brilhante desceu devagar até o assoalho do navio e desapareceu.
Todos esperavam que algo acontecesse. “E então?”,“ E agora?” , perguntavamse os piratas.
Os jovens abaixaram seus braços. Uma grande fraqueza os tomou, parecia que
suas energias tinham sido sugadas.
De repente, o navio paralisou, parecia que havia batido em algo. A tripulação
correu para olharem fora do navio, não poderiam estar atracados em algum recife,
estavam em alto mar. Impossível.
Danton voltou interrogativo para Sebastian. Este olhava admirado o timão que
estava movendo-se sozinho.
O Minerva estava navegando para estibordo, sem qualquer influência externa.
Havia ganhado vida própria.
-Damos início a nossa aventura. –gritou Sebastian que foi aclamado pela
tripulação. – Meu caro Danton, pode levar os prisioneiros de volta as suas celas.
Agradeço as atitudes de nossos jovens convidados.
O inglês estava sentindo-se com todos os poderes em sua mão e o mundo
curvar-se-ia diante dele. Tal embarcação seguiu em alta velocidade guiada pela força
dos anéis até o destino esperado. “Leve-me para o Código.”
Agarrados pelo colarinho, Daniele interrogou o jovem pirata que era arrastado
ao seu lado:- Para onde nós iremos?
-Para a ilha do diabo, senhorita. –Luigi disse com muita dor tal localização.
218
Capítulo 22: O Código dos Piratas.
Após serem levados para suas determinadas celas, Theodoro sozinho em uma
delas, e Luigi e Giulia foram postos juntos em outra. A jovem Hamburgo estava
cansada de fazer coisas que não sabia para que e onde estava seguindo, exigindo
respostas de Luigi, pois era somente ele que lhe respondia suas perguntas.
-Eu exijo que me diga onde é que eu estou sendo levada, para que estou sendo
levada... O que final é esse tal de Código? O que são e o que podem fazer esses anéis e
como nós três temos eles iguais?... E o que nossos pais têm haver com tudo isso? –
Daniele encarou o jovem pirata, sem medo de tal desordeiro.
-Não acha que são perguntas demais para uma só pessoa? –questionou Luigi,
estupefato com tantas interrogativas.
-Sem perder a calma, Daniele. – Theodoro não queria ver a jovem Hamburgo
se defrontar com um pirata, aquele não a pouparia por ser uma mulher, ele acreditava.
–Cuidado, ele é um pirata.
-Ei, fala como se eu fosse sujo. –Luigi interpôs na afirmação, e assim
autoanalisou-se. Depois observou os olhares dos dois que declaravam seu estado de
imundice. - Falo figurativamente.
-Será que terei que começar a dar um escândalo para me explicarem o que é
tudo isso? -Daniele insistiu em querer respostas.
-É uma longa história. -disse o jovem Matarazzo analisando as vértebras das
grades.
-Ah, que ótimo, estou com tempo de sobra para ouvir longas histórias! –
exclamou Daniele que se sentou no assoalho, cruzando as pernas como uma
chinesinha esperando uma fabulosa aventura sair da boca do companheiro de cela.
Luigi trocou olhares com o outro rapaz, Theodoro querendo dizer que era
impossível não contar tal história, sinalizou que aquele iniciasse a declaração.
-Há exatamente trinta e quatro anos, um jovem ganancioso e inteligente de
pais ingleses, mas de origem americana desafiou as maiores forças do mundo: Os
deuses do Olímpo. -Luigi assim começou a explicar para a moça, que o interrompeu
nesse instante:
-Espera aí, você acabou de me dizer que ele desafio os deuses gregos? Os
deuses pagãos do Olímpo? Este desafio é irreal, eles são criações do povo grego
antigo, não passam de mitos.
-Toda religião é criada por um povo. Logo basta crer para que seus deuses
possam existir, depende do que mais lhe conforta o coração. E acredite senhorita, os
olimpianos são tão reais quanto você.
Theodoro lembrou-se da voz do pai e da noite que ficou sabendo da grande
batalha contra o Código. Sentiu falta dos abraços de seu progenitor.
-Tal homem, chamado Jhon Dak, sequestrou, escondeu e ameaçou de morte os
mortais amados dos deuses. Assim sendo, por temerem que seus amores fossem parar
no submundo... - mais uma vez a jovem mulher interrompeu o descendente de Pedro
Matarazzo:
-Por que os Deuses temiam isso? Eles poderiam muito bem ir buscar seus
amores no infer... Submundo.
-Minha cara, quando você vai parar no submundo entra em contato com
outras almas, com outras criaturas, outras águas... E se sua alma é traga de volta,
219
mesmo com algumas características iguais as suas, jeitos e trejeitos, sentimentos e
manias, já não é a mesma pessoa de outra vez. A mesma alma, diferente pessoa.
Daniele imaginou tal local, um frio subiu por sua espinha e Luigi continuou:
-Assim temerosos de perder seus amores, os deuses cederam e conclamaram
Jhon com o que ele exigia para libertar suas paixões.
-E o que ele pediu em troca da soltura? –Theodoro perguntou, mostrando estar
atento as explicações que o pirata fazia.
-Jhon pediu uma cópia dos poderes dos Deuses, a capacidade que cada um
detinha, metade dos poderes dos olimpianos. Entretanto, o ardiloso homem, sendo
um mortal não suportaria tais graças e capacidades, acabaria morto com a simples
capacidade dos amores e paixões de Afrodite. Logo, colocou todos os poderes em
forma de encantos, truques e magia em um livro. Assim poderia lê-lo a qualquer hora e
fazer tudo o que qualquer um dos Deuses podiam fazer... Ganhando até mesmo a
imortalidade com a leitura do livro. Tal objeto era uma parte de seu corpo... Contudo,
o mundo não continha apenas um ganancioso... Muitos desejavam possuir e ler o
poderoso livro de Jhon Dak. Mais uma vez tal homem mostrou inteligência, e assim
criou algo que impedisse os outros de poderem ler tal obra... Até os deuses desejavam
possuir aquele livro, imagine Hades dominando todas as capacidades de seus amigos e
irmãos olimpianos, seria assim aclamado rei dos Deuses e de todo o mundo.
Daniele ouvia tal história atenta. Aquilo não poderia ser verdade... Os deuses
gregos...
-Jhon Dak então criou uma barreira para aqueles que desejassem seu livro.
Pensou: boas pessoas não são por quererem meu fim e desejarem meu objeto, logo
desejo o pior para eles. Aquele que lê-se o livro teria a mente invadida por tal
utensílio. Teria seus medos mais íntimos e reservados sabidos e assim teria de
enfrentá-los... O livro enlouqueceu alguns homens, e fez outros tantos se suicidarem...
-O que o livro fazia? –Daniele estava curiosa e com brilho nos olhos.
-Ele mostrava a traição de seu grande amor... -Luigi indicou Theodoro, que não
gostou da comparação. -... Sua morte em breve e da forma mais temida por você... A
destruição de sua família... O fim do mundo, daí o nome o Código dos Piratas... Um
mistério... Um Código a ser desvendado por todos...Criado por um pirata. Assim, Jhon
Dak estava preparado para enfrentar o mundo e ser venerado. Era imortal, poderia
fazer o que quisesse, incapaz de limites sem ninguém podê-lo separar de tal objeto.
-E onde entra os anéis... Nós nessa história toda? –Daniele queria entender o
seu envolvimento com toda aquela trama gananciosa.
-O aventureiro então deu início a sua caminhada: conquistar o mundo. Ganhou
adeptos que apoiavam suas ideias e atitudes, dotado de um exército de monstros
ansiosos que matavam inocentes e destruíam cidades, vilas, tudo que encontravam
pela frente... Dois de seus seguidores, minha cara senhora creio que conheça:
Augustus Oswald, o dono do bar pirata no bairro de mesma origem que o
estabelecimento e Margot Reghine, a elegante senhora e amiga de sua família.
-Margot? Ela era uma adepta de tal homem cruel e sem coração? –A jovem
Hamburgo cada vez mais se impressionava descobrindo tal história ambiciosa.
-Figura essencial para a queda de Dak e dormência do Código. –Luigi
continuou. –Jhon e seu exército destruíram povos mágicos e antigos, enfrentaram as
nações mais poderosas do mundo...
-E os deuses perante tais barbaridades? O que fizeram?
220
-Nada, senhorita. Permaneceram neutros em relação a todo o mal que Jhon
espalhava pelo mundo. Alguns se esconderam, outros simplesmente viraram as costas.
Infelizmente minha cara, os olimpianos são tão ardilosos e desumanos que os próprios
mortais. –Luigi verificou que estavam sozinhos no patamar das prisões, e assim tentou
armar sua fuga. Começou analisar as estruturas das grades enquanto continuava a
contar a história. –Então, tal vil homem foi dominando o mundo e ganhando
inimigos... E os quatros mais importantes nessa nossa aventura foram: Pedro
Matarazzo, o famoso capitão do Minerva, conhecido pelos quatro cantos do mundo;
Paolo Nutini, um espanhol bom de briga; e dois grandes inseparáveis amigos, Rafael
Nunes que ainda não havia aderido o nome Hamburgo e Emanuel Zacarias Castro, o
pai de nosso... Companheiro de cela.
O jovem Matarazzo tentava erguer as grades da cela, mas elas eram
impossíveis de movê-las.
Daniele voltou-se para Theodoro que se acuou num canto. Então era verdade a
origem de seu amado, mas seria possível que ele tivesse a usado para vingança... Não
seria?
-Meu pai não tinha o sobrenome Hamburgo? –Daniel retornou indagar Luigi,
este tentava conseguir passar no pequeno buraco que tinham como janela em sua
cela. Contudo, mal lhe cabia a cabeça.
-Não. Seu pai aderiu a tal sobrenome após comprar o direito de uma família
que o portava e estava em falência. –Luigi então desistiu, teria que ver outra forma de
escapar, e sem escapatória sentou-se no assoalho, amuado. – Vejo que seu pai não só
omitiu a origem do anel, senhorita.
Daniele tinha que descobrir tudo... Seu sobrenome era uma farsa! Pediu para
que o jovem Matarazzo então prosseguisse com a história, resistindo firme.
-Meu pai, Matarazzo, conhecendo a origem de uma tribo lendária e isolada no
interior do Brasil, seguiu viagem para lá e conseguiu algo que pudesse separar o
Código e Jhon. Voltando de tal jornada, junto com os outros três cavaleiros e inimigos
de Dak e com a ajuda de Margot, armaram uma emboscada para Jhon... Assim
puseram fim a um mal que tanto causou dor para a humanidade. Separaram Jhon Dak
e o Código, matando o homem em seguida... A Corte do Juízo fora reunida com
representantes de todos os povos e com a interferência dos Deuses. Sem a
possibilidade de reintegração dos poderes dos Deuses, decidiu-se então colocar tal
livro longe de qualquer outro ganancioso, e impossível de ser destruído, foi afastado
da humanidade e dos deuses para um sono eterno. Os feiticeiros tomaram a frente da
decisão do destino do Código, criando então uma ilha, posta num mundo além desse...
Uma ilha dotada de criaturas com uma única missão: matar qualquer um que nela
pisasse.
-Para esse lugar que eu seguia nos meus sonhos? –Daniele tinha certeza que
era o local para onde, parecia ser transportada... Os pesadelos eram realidade.
-A conexão dos anéis e a ilha. –Luigi respondeu acabando com a dúvida que a
jovem Hamburgo tinha. E analisando o mau cheiro que estava em seus sapatos, fez
careta apões cheirá-los. – Ouro nobre do Olímpo foi usado para fazer correntes,
cadeado e uma chave para trancafiar o Código. Essa chave foi dividida em três partes
que foram transformadas em anéis... Esses anéis foram dados aos nobres capitães que
então haviam lutado contra o Código, Pedro, um capitão ordenado, Rafael e Emanuel.
221
Daniele trocou olhares de desapontamento com Theodoro, ele havia ocultado
dela tantas coisas, tantas verdades.
-Os detentores de tais adereços, tinham que proteger e sempre manter
distante as três partes. Os anéis não podem ser roubados, pois perdem seu valor e não
poderiam ser jogados fora ou desfeitos pelos seus donos. Por isso estamos forçados
guiar o navio. Os anéis não só são partes da chave que liberta o Código como também
mostram o caminho para a infernal ilha.
-Por que não se desfizeram dessa chave? Por que fazer uma chave?
-Todo cadeado tem uma chave e estamos falando de piratas, senhorita. –Luigi
engoliu algo retirado de sua cabeça. –Crocante!... Os anéis podem ser dados de bom
grado a outras pessoas, assim continuam tendo valia. E é o que nos ocorreu.
-Meu pai, esperava que eu protegesse o anel? Eu, uma moça rica e que não
consegue nem matar uma mosca? –Daniele não entendia a missão que o pai havia lhe
destinado, abismando-se com a contradição do destino.
-Talvez quisesse ver o fim da chave, o anel morreria com você. Talvez, ele
imaginava que nunca iriam descobrir que era um dos três detentores. –Theodoro
tentou demonstrar fidelidade, iria tentar ludibriar Daniele e assim poderia ter tudo de
volta, ela poderia interceder por ele quando voltassem. A verdadeira face é assim
mostrada.
- Mas a ilha não foi o único empecilho posto para deter os desejosos pelo
Código, foram postas sete maldições à frente da ilha. Criaturas obrigadas a viverem
sós, e impedirem a navegação pelas águas do mundo além desse...
-Esses homens são loucos, como esperam que passaremos por todos esses
obstáculos? –Daniele viu sua passagem para o submundo garantida. –Morreremos.
-As maldições respeitam os anéis e os seus detentores. -Luigi contradisse sobre
a interrogativa
-Mas somente as maldições respeitam, a ilha não tem respeito para com
ninguém. Suas energias são tiradas do Código, demonstram a violência e maldade que
Código deveria fazer nas mãos de um dono. –Theodoro acrescentou.
-E você então... Sabia de tudo isso? Acho que está na sua vez de contar
histórias, se é que deseja me explicar algo. O que foi aquela cena em minha casa? –
Daniele exigiu respostas de seu amado, estava desapontada.
Theodoro viu sua chance de ludibriá-la. Iria fazer-se de vítima, todas as
acusações sobre sua pessoa eram mentiras, disse. Explicou sobre as histórias de seus
pais, disse que eles brigaram, desentenderam-se... “... Brigaram por causa de uma
mulher, de uma paixão boba. Rafael não aceitou perder a amada para o amigo e assim
perseguiu-o. Fizeram uma imagem a partir da qual tinham do meu pai...”.
-E aquele homem dizendo sobre você contratá-lo para matar, atirar em meu
pai?
-Com certeza, aquele português invejoso pagou-o para dizer aquilo e é claro
que comoveu até sua mãe. Não culpo seus familiares, mas é aquele patife que está
querendo nos separar Daniele... Eu a amo tanto, nunca faria mal algum contra você ou
as pessoas que você quer bem. –Theodoro transpareceu-se ofendido, humilhado,
perseguido, inocente.
-Oh, que bela cena. Com licença, eu preciso vomitar. –Luigi desmereceu tal
demonstração de amor.
222
-Eu também te amo, Theodoro. –Daniele agarrada contra as grades, engoliu as
explicações do outro.
-Acredita mesmo em mim? –Theodoro queria ter certeza que tinha a
convencido.
-É claro, eu te amo. – respondeu ela, esticando o braço querendo se aproximar
de seu homem.
Theodoro agarrou a mão da jovem com força, demonstrando amá-la
loucamente. Mentira!
223
Capítulo 23: Um mundo além desse.
Malvina foi recebida por Noxa. “A senhorita Mercy disse que já vai descer,
queira se sentar, senhora.”
A senhora Martins esperou por sua amiga. Não podia ficar nervosa, poderia
afetar o bebê de alguma forma, contudo o burburinho por toda vila era enorme.
Comentavam da fuga de Josué e o possível destino de Heitor por ter ajudado o
fugitivo, comentavam da morte do Representante e do ouro perdido da Coroa...
Apesar disto, o assunto principal era o sequestro da jovem Daniele.
Rafael se recuperou um pouco da tumultuosa noite passada. Levantou cedo,
tomou uma xícara de café e foi para seu escritório próximo ao cais. Esperava com
esperança o retorno de sua filha e que ela voltasse sã e salva. Ordenou uma
homenagem, um suposto sepultamento ao Representante, pois o corpo deste não
tinha sido encontrado.
-O seu suposto assassino acaba de sair da forca. -Samuel Fernandes declarou a
Rafael o infeliz destino que tivera o filho de Balmiro.
-Excelente! – Rafael sentiu-se reconfortado. – Samuel, mande um chamado
para Margot, gostaria de falar com aquela outra traidora. É incrível como só agora vi
que estava cercado de cobras venenosas. E ele nem imaginava o quanto!
Mercy desceu a escada, estando com o rosto coberto com um véu.
-Por que têm o rosto coberto? –Malvina interrogou intrigada.
A francesa tirou o pano do rosto, não ficando incomodada pelo espanto da
outra. Reconhecia ter se transformado numa criatura assustadora.
-Rafael tirou o que eu mais tinha de vaillant, de valoroso. –declarou Mercy. A
cada dia que passava o ódio por Rafael aumentava. A queimadura já havia cicatrizado.
-Que homem cruel, como pode te fazer isso?! –Malvina estava impressionada
com a deformação no rosto da amiga. Não era possível existir pessoas que fizessem
tanto mal ao próximo. Malvina viria descobrir que más pessoas tinham aos montes,
até piores que Rafael.
- Mas, o destino já se charge, encarregou-se de dar-lhe o mérité, o merecido...
Tirou-lhe sua amada filha.
- Quanta desgraça está acontecendo aqui em Santos. Não consigo entender
tudo isso. –ressaltou Malvina sobre suas dúvidas.
-Irei contar-lhe o que sei. Noxa traga-nos uma tasse de café. – Mercy ditou tal
ordem e em seguida sentou-se ao lado da amiga.
224
Margot estava junto de Augustus, quando foi avisada do chamado de Rafael.
Tais amigos não seguiram junto da embarcação de resgate, pois já não tinham idades
para os perigos que tais aventureiros enfrentariam.
O senhor Hamburgo preparou uma dose de wisky, quando a senhora Reghine
entrou em sua sala. Ela ainda não condizia com as atitudes dele e não estava com
paciência para papos amigáveis.
Augustus Oswald ficou do lado de fora do escritório esperando a companheira.
Dali era possível observar os piratas pendurados a mando de Rafael. Ficou feliz, pois
seu irmão não estava mais entre as três figuras afixadas como aviso, mas em seu lugar
estava um jovem, loiro, baixinho e de bochechas rosadas, provavelmente eram
vermelhas antes quando vivo, mas sua tonalidade já aderira à palidez da morte.
-Você sabia que Theodoro era filho de Emanuel. E mesmo assim aceitou ele em
sua casa. Com toda certeza, estavam planejando me destruir? –Rafael voltou a sentir a
raiva da última noite.
-Não coagi com ninguém para destruir você. –Margot sentiu-se ofendida. –
Mas teria prazer em fazê-lo.
-Não estava fazendo parte do plano dele? Por que não me avisou, então?
-Quem é você para exigir cumplicidade? Não é merecido de confiança.
-Alguns dias para cá ando me cansado de você, sua figura velha e traidora. –
Rafael ficou cara a cara com tal senhora.
-Não tenho medo de você, Rafael. Tente fazer algo contra mim ou Theodoro, e
verá do que eu sou capaz. –Margot não aderiu à afronta.
-Temo que seu afilhado não possa voltar da ilha. Ottávio tem algumas ordens a
cumprir além do compromisso de trazer minha filha de volta.
Margot imaginou que obrigações Ottávio teria. Theodoro estava perdido, e tal
senhora não iria poder fazer nada para salvá-lo. “Você é um homem mal, cruel, Rafael
Nunes Hamburgo.”
-Eu luto para manter a ordem, minha amiga. –respondeu Rafael tomando um
pouco da bebida que tinha posto.
-Estamos vivendo uma história épica. Grandes héros, amores impossíveis e
uma aventura fabuleux, fabulosa. –Mercy havia terminado de contar sobre tudo que
estava sabendo dos transtornos que estavam acontecendo na vila para sua amiga. –
Mas pelo menos temos algo a célébrer, a comemorar... Sua gravidez.
-Você tinha razão. Estou grávida, finalmente. –Malvina cobriu o ventre, estava
feliz apesar do momento de desgraças.
-Eu sabia que o que estava sentiment, sentia era porque estava enceinte,
grávida. –essas palavras fizeram Mercy relembrar um ato mal feito do passado. – Me
arrependo de ter avorté, abortado aquela vez. Fiz tudo por Rafael e gagné, ganhei isto
em troca. –indicando o deformado rosto.
-Estou preocupada, meu filho não pode nascer sem pai, ou com o pai
condenado à prisão. –Malvina demonstrou sua preocupação com o esposo, apesar das
ofensas que ele havia lhe inferido, ela o queria bem. Pensou que a partir de agora
iriam viver felizes.
225
-Não se preocupe, Heitor é um homem rico. Nada acontece com os ricos e
aposto que ele tem alguma carta na manga contra Rafael. –Mercy tentou imaginar o
que aconteceria com a volta do senhor Martins.
Após a visita para Mercy, Malvina resolveu passar numa butique para comprar
alguns chapéus, talvez ajudaria distrair sua cabeça.
Contudo antes de entrar no estabelecimento, defrontou-se com Escobar.
-Olá, Escobar. Como vai? –Malvina não se sentiu bem na presença de tal
homem. Ele era capaz de deixá-la sem graça. Ela tinha sentimentos oprimidos.
-Olá, senhora Malvina. –cumprimentou Escobar desconcertado. –Fiquei
sabendo da ajuda que seu marido deu para o prisioneiro assassino.
-Tal notícia espalhou-se rápido pela vila... Pois sim, estou aguardando a volta
dele de Portugal. –Malvina não gostou dos modos do ex-empregado.
-Malvina, agora com Heitor tendo um destino como terá, nós... –Escobar não
aguentou na possibilidade de viver seu amor. Quando ficou sabendo da astúcia de
Heitor, logo tal pensamento tomou sua mente, só não apareceu na casa de Malvina
por estar esperando ela tomar tal atitude. Mas, estando ali diante dela, não poderia
deixar de pedir uma futura chance de tê-la. -... Poderemos ficar juntos.
-Não diga seus sonhos. Disse para você que é impossível retribuir o amor que
sente por mim. Nunca poderei viver com você.
-Ele será preso e julgado. Pretende ficar trancafiada em casa ou acabar num
convento? -Escobar não entendia Malvina. Definitivamente ela não o amava.
-Eu e você não podemos ficar juntos, nem hoje, nem amanhã, nunca.
-Não entendo, pensei que sentisse algo por mim. - Escobar a agarrou.
Um soldado que já estava de olho na discussão de tal casal, ao ver tal cena,
perguntou se tal senhora estava sendo importunada por aquele sujeito.
-Não, estamos só conversando. Muito obrigada pela preocupação soldado. –
Malvina depois se virou ao amado. Ela reconhecia amar Escobar, mas não podia viver
junto com ele, com Heitor já formara família, sua vida era mais estável e agora estava
grávida. –Fale mais baixo, estamos sendo observados.
Escobar a largou após a interrogativa do soldado da Guarda, e questionou sua
amada novamente, encarando-a nos fundos dos olhos: -Diga que não me ama? Diga
que não me deseja?
-Está me ofendendo com tais perguntas.
-Diga que não me quer o quanto a quero?
Ela viu o desespero que passava o coração de tal homem. Seus olhos não
mentiam sobre seu amor. Ela desviou o olhar e disse: - Eu estou grávida. Estou grávida
de Heitor e não pretendo deixar meu filho longe do pai.
Escobar perdeu o chão, o céu caiu sobre sua cabeça. Havia perdido todas as
esperanças de um dia poder ficar com Malvina.
-Agora me deixe em paz. Siga sua vida, que seguirei a minha. –Malvina, virou as
costas para seu verdadeiro amor, tinha que ser forte e valente em sua decisão.
O garçom do Cabaré seguiu pela rua quase sendo atropelado por carruagens,
estava perdido. Tinha perdido Malvina.
Malvina não sabia, mas pagaria caro pela escolha que fizera, abdicou de seu
coração e enfrentaria as consequências por tal ato. Mas retornemos, à aventura...
226
A casa dos Hamburgo estava solitária, somente a senhora de tal mansão a
habitava nesse momento.
Maria Aparecida estava sem perspectivas e aflita. Sentada sozinha na mesa de
sua imensa sala de jantar, tinha o olhar e pensamento longe daquele local.
A jovem escrava aguardava ao lado de sua senhora as ordens para servir o
almoço. Ouviu a oração de seus companheiros e família na senzala que pediam para
Iemanjá abençoar o Estrela do Mar para trazerem sua sinhazinha salva.
-Senhora, posso servir o almoço? –questionou Nina que já estava preocupada,
pois a comida começava esfriar, temendo a reação de sua senhora.
-Não irei almoçar, hoje. Deixe-me sozinha. –falou Maria Aparecida que tentava
encontrar respostas para tudo que estava acontecendo. Não queria importunar o
marido com perguntas, mas precisava saber o que acontecia.
Quatro dias se passaram. O Minerva navegava com toda velocidade que
conseguia, comandado pelo curso que os anéis tinham feito. O Estrela do Mar
esforçava-se e tinha um dia de distância do outro.
Estreito de Drake, parte do Oceano Antártico situada entre a extremidade da
América do Sul e a Antártica.
Os tripulantes do Estela do Mar sentiam muito frio, o céu estava nublado, um
forte vento petrificante batia em suas faces e o sol emitia uma luz fraca estando quase
a desaparecer.
Tibério estava com as asas quase congeladas. Na popa do navio conversava
com sua velha amiga, Giulia e Bartolomeu.
-Estou sentindo meus cascos congelarem.
-Daqui a pouco é noite. Precisamos chegar logo em nosso destino, é perigoso
navegar em águas com gelo boiando. –Salete comentou, observando pedaços de gelo
flutuando sobre o mar.
-Capitão, temos a frente um recife... Rochedos. Se não diminuirmos a
velocidade iremos nos arrebentar em tais pedras. –Ottávio correu para avisar seu
capitão sobre o obstáculo que viu a frente do navio, assim esperava coerentes
providências.
-Eu sei meu rapaz, vamos dar início a nossa aventura. –Marcos admirava o
recife. Lembrou-se da última vez que o viu, alguns dias depois desejaria nunca ter
estado diante dele.
-Precisamos diminuir nossa velocidade. –Ottávio insistiu.
-Meu caro rapaz, acho que você ainda não entendeu... – O capitão acelerou
tomando o comando do timão e berrou para toda tripulação. – Preparem-se meus
amigos para adentrarem em um lugar que irão desejar nunca terem navegado por suas
águas.
Ottávio pensou que Marcos poderia estar fazendo-os bater de propósito, sem
querer seguir viagem para capturar Daniele e os outros. Assim, saiu em disparada para
avisar a todos para evitarem colidirem no recife:
-Corram homens, precisamos evitar bater naquelas pedras.
227
Giulia foi correndo junto deste, interrogando-o: - O que está acontecendo, por
que estamos tão velozes?
-Marcos quer nos matar! –respondeu o jovem português, eufórico. - Vamos
bater.
-Olivier, vai matar a todos, há um recife em nossa frente. –Bartolomeu tentou
alertar o capitão de tal aventura. Estaria louco?
-Eu sei, seu velho pirata. Precisamos chegar a ele o mais rápido possível, é a
nossa porta para chegarmos a ilha, para entrarmos num mundo além desse.
-Do que é que você está falando? Nós iremos colidir contra aquelas pedras. –
Tibério advertiu sobre o suposto desastre.
-Quando o último raio de luz que nosso astro rei emitir, nós nos
embrenharemos numa viagem sem volta. Alerto-o cavalo, se quer seguir em tal viagem
permaneça com seus cascos grudados em nosso navio... A CAMINHO DO ALÉM...
Salete agarrou-se firme em um dos mastros. Giulia e Ottávio correram junto
com a tripulação para evitar a colisão. O Estrela do Mar navegava rápido, em questões
de segundos estariam de encontro com as duras pedras a frente.
Olivier respirou fundo. O sol estava sumindo, seus raios chocavam-se pela
última vez no dia contra tal lugar da Terra.
-Corram todos, precisamos diminuir nossa velocidade. –gritou Giulia mudando
a direção das velas.
-Não iremos conseguir parar. – disse Ottávio que se viu naufragado.
-Parem já com isso, precisamos chegar ali... Deixem a corrente nos carregar. –
ordenou Marcos comandando a direção correta.
- Você matará a todos. – Giulia não entendia a atitude do comandante.
-Minha jovem, você não conhece o desconhecido, não é mesmo? –Olivier foi
irônico.
Giulia se deteve, e Bartolomeu já havia entendido que estavam em direção a
porta para chegarem à ilha.
O navio navegou com muito rapidez. Tibério mordeu com firmeza numa corda
a fim de se segurar, Gói agarrou-se ao rabo da criatura e Salete começou a rezar.
A proximidade do Estrela do Mar e do recife era então questões de
centímetros... O último raio de sol tocou a ponta da proa de tal embarcação. O vento
se dobrou, o navio virou fumaça e desapareceu desse mundo.
O navio a comando de Marcos Olivier caiu de uma altura próxima dos cem
metros. Toda tripulação grudou-se ao assoalho, parecia que foram punidos por Zeus e
jogados dos céus para terra, puxados pela força peso que detinham.
O cavalo alado voou aos céus querendo evitar o solavanco entre navio e água
do mar, e sentindo-se pesado reparou que tinha algo agarrado em seu rabo.
O navio bateu contra água, afundando alguns metros e depois emergindo pela
capacidade de flutuação. Os tripulantes levantaram-se abalados por tal
acontecimento.
-O que aconteceu? –Giulia, levantou-se do assoalho um tanto molhada pela
água que espirrou com o encontro do Estrela do Mar e o oceano.
Gói caiu sobre o navio. E Tibério posou logo em seguida, dizendo: - Nunca mais
toque em mim, homenzinho estranho.
-Chegamos. -Bartolomeu admirava tal local. Observando todos os lados, não
vendo nada, a escuridão era total.
228
-Bem vindos a um mundo além do nosso. Uma pequena cópia da nossa
realidade. –Olivier tentava carregar os pulmões de oxigênio. –Sentem o cheiro forte de
carne podre?
Salete olhou para o céu, poucas estrelas, a lua quase a desaparecer, um clima
úmido e sem sinal de terra. O nada cercava todo o navio.
-É noite aqui. – comentou a velha taxada de louca.
-A noite é o único dia que toma este mundo, querida senhora. –Marcos voltouse a todos os marujos em seguida – Virem a bombordo, devemos seguir para esse
rumo.
-Como é possível saber aonde chegar? –Giulia se perguntou e relembrou das
histórias de tal local ditas pelo seu pai, e nunca imaginou que um dia estaria nele.
Pedro Matarazzo tinha pena dos homens que seguiam os mapas de Olivier, tais
criaturas sempre viviam um fim doloroso.
-Chegamos, agora precisamos achar Daniele. –Ottávio animou-se em terem
conseguido chegar no destino desejado.
-Acredite rapaz, não será fácil ter ao seu lado tal moça. Estamos começando
nossa aventura, ainda há muitas dificuldades pela frente. – disse Bartolomeu com os
olhos grudados no além.
A frente deles, o Minerva já havia se deslocado para tal mundo antes de tal
navio de resgate. E toda tripulação esperava ordens do capitão.
Danton e mais alguns homens trouxeram os prisioneiros ao patamar superior.
-Olá meus queridos, preciso dos serviços de vocês mais uma vez. –o capitão
pediu com falsa educação aos detentores dos anéis.
-Não podemos fazer o que ele pede. Precisamos proteger o Código. –Luigi
pediu aos seus amigos viventes da mesma situação
-Lá vamos nós de novo. Homens as armas. –Sebastian sentiu-se sem paciência,
desejava matar tal rebelde.
Os homens do navio esticaram suas armas de fogo para a direção dos três.
-Prefere morrer? –Theodoro questionou o jovem Matarazzo.
-Não pretendo morrer aqui nesse mundo. Desejo voltar para casa. –Daniele já
esticava os braços seguindo as ordens de seu sequestrador.
Luigi se viu sem forças para tentar barrar que um futuro maléfico acontecesse.
Do encontro de luzes que saíram dos anéis, formou-se uma águia dourada.
Parecia uma águia feita de ouro, trabalha por um bom ourives.
Tal criatura voou até os céus, e esvoaçando para todos os lados pareceu afastar
algo, alguma coisa que fazia barulho sobre suas cabeças. Piares ecoaram por todos os
lados até que foram desaparecendo aos poucos.
Theodoro não conseguia ver nada além do pequeno ponto brilhante que era a
águia entre as nuvens escuras na imensidão do céu acima.
O animal voltou depois de alguns minutos, havia conseguido fazer o que
pretendia, afastou um possível obstáculo que pudesse os tirar do rumo certo. E depois
pousou sobre o teto do quarto do capitão. Imóvel, uma estátua de ouro.
-Estamos salvos. –Munch sentiu-se confortado. –Leve os prisioneiros para as
celas. Agora meus caros convidados, é só esperarem atracarmos em terra firme e
assim a usualidade de vocês terminará.
Os três sequestrados se arrepiaram. Qual o destino deles depois de suas
usualidades terminarem?
229
Capítulo 24: Heitor retorna.
Os navegantes que tripulavam o Estrela do Mar tinham perdido a noção do
tempo. Como não havia dia, somente a noite escura e de ares fúnebres – os relógios
em tal ambiente pararam de funcionar - fê-los não saber quantos dias haviam se
passado ou se dias haveriam passados. Navegavam ao ritmo da corrente, sem
qualquer sinal de vento ou uma leve brisa.
-Você não sabe onde está nos levando. Entregou-nos a um destino sem volta. –
Bartolomeu discutia com Marcos Olivier, pois até tal momento ainda não tinha visto
nenhum sinal das maldições.
-O que você sabe sobre o rumo que eu tomei. Sei muito bem o que estou
fazendo, seu velho pirata imprestável. –Marcos encarou bravamente o ex-capitão de
tripulação do Minerva.
-Senhores precisamos ficar unidos e não brigarmos. – Ottávio tentou interferir
no confronto que já tomava grande proporção.
-Quem é o velho imprestável aqui? Só vejo alguém sem utilidade alguma, e essa
pessoa está em minha frente. Admita Marcos estamos perdidos. –Bartolomeu postou
a mão sobre a bainha da espada, estando preparado para duelar.
-Não se intrometa, Bartolomeu. Não me põe medo com uma espada nas mãos.
–Marcos estufou o peito sobre o oponente.
-Senhores... – Ottávio tentava manter tais homens longe um do outro.
A jovem Matarazzo descansava sentada sobre o peitoral da embarcação, Salete
admirava o confronto e Tibério mantinha-se inerte deitado no assoalho.
Em um canto do navio, Gói estava despreocupado com tal situação, contudo
assustou-se com a chegada de um estranho animal que pousou sobre o piso do navio.
O corcunda levantou-se e aproximou-se aos poucos do animal. A criatura tinha
um bico com a ponta voltada para baixo, todo vermelho com o rabo negro e dotado de
olhos amarelo. Era igual a uma arara, contudo não obtinha as variadas cores de tais
animais.
A ave mexia o pescoço de um lado para o outro, fazendo alguns barulhos
engraçados que Gói adorou. Chegando mais perto, o homenzinho esticou a mão para
que o animal pousasse em seu membro: - Vem cá, vem. Vem cá, vem.
O pássaro encarou o homem e abriu a boca que era dotada de muitos dentes
que pareciam muito afiados e depois saltou sobre o corcunda.
Um tiro fez a ave voar longe, e Gói que havia caído para trás afastando-se da
criatura agradeceu Giulia logo em seguida.
O céu estava todo vermelho, coberto de aves ferozes e que pareciam famintas.
Bartolomeu e Marcos de espadas em punho preparados para duelar cessaram
as afrontas e postaram-se firmes para a primeira batalha.
-A primeira maldição: aves carnívoras. –explicou o capitão do navio com os
olhos atentos para o céu.
-Finalmente. –Bartolomeu disse desejoso de duelar contra tais maldições
-Levantem-se homens, todos de pé e espadas em punho. –expressou Ottávio
tomando a liderança do combate.
Uma revoada de tais animais voaram ao encontro do navio, atacando a todos.
230
Giulia atirou para todos os lados atingindo tais aves, Bartolomeu e Olivier
cortavam-nas ao meio com suas espadas e Salete acuada num canto foi salva por
Tibério que agarrava as criaturas com os dentes.
Homens gritavam sendo atacados pelas aves. Pedaços de carne e sangue
começavam a cobrir o piso do navio.
Gói quebrou um lampião com um pedaço de madeira. E o instrumento
molhado pelo óleo ficou em chamas, e assim o pequeno homem começou incendiar os
animais voadores que miravam em sua direção.
Giulia olhou para as chamas e em seguida observou uma rede sobre o chão
tendo uma ideia.
Tibério era atacado por três das aves, uma delas foi estraçalhada por uma bala
de canhão. Salete comandava o canhão como um soldado valente.
-Obrigado. –agradeceu o cavalo alado que saiu em disparada em outro ataque.
-Ottávio junte-se com alguns homens e tragam barris de pólvora aqui para
cima. –Giulia jogou suas armas de fogo no chão e agora atacava as aves com sua
espada.
-Eu estou um pouco ocupado. –Ottávio cortando uma criatura ao meio, em
seguida desceu ao depósito de carga pedindo ajuda para alguns marujos e tentou fazer
o que a jovem Matarazzo havia pedido, também tentando desvencilhar-se das aves
carnívoras. O que Giulia fará, ele se questionou.
Bartolomeu sentiu um espírito de guerra em sua alma, o que há tempos não
vinha sentindo. Lutava bravamente como um jovem pirata.
-O que você vai fazer? –perguntou Salete atirando para frente e acertando
uma ave.
-Pretendo queimar todos elas. –declarou a jovem pirata massacrando outra
ave.
Quatro dos animais levaram Gói para o alto, agarraram-no pelo fundo da calça.
Tibério saiu correndo, voou e bateu com a cabeça nas quatro aves agarrando o
pequeno homem com os dentes. Deixando-o no assoalho do navio em seguida.
-Tibério, preciso de sua ajuda. –Giulia gritou pelo animal lendário.
-O que precisa, senhorita? –Tibério arremessou algumas das criaturas para
longe com um abrir de asas e juntou-se a jovem.
-Consegue me levar para cima e mais uma rede lotada de barris de pólvora? –
indagou a moça que amarrava na rede alguns barris que Ottávio e alguns dos marujos
haviam trago.
-Posso tentar. –respondeu Tibério sendo montado por Giulia.
Precisava pegar velocidade, então o cavalo alado correu sobre a embarcação e
saiu voando com Giulia em seu lombo. A junção da jovem e da rede com barris
pesavam um bom tanto, exigindo tremenda força do animal para voar.
Bartolomeu ajudou na partida dos dois combatentes, matando as aves que
iriam os atacar, e foi salvo de um ataque por Salete que arremessou um pedaço de
madeira contra uma das criaturas.
Tibério fazia força, precisava voar para o mais alto possível.
-Quando chegarmos lá em cima pare de bater as asas e deixe-nos cair. –Giulia
explicou seu plano ao companheiro, segurando a rede com os barris de pólvora em
uma mão e na outra a sua arma.
231
As aves assassinas seguiram os dois voadores, pois eram presas fáceis no ar
para elas. Um bando enorme começou cercá-los, pareciam que todas tinham decidido
atacá-los.
-Agora!- gritou Giulia saltando do lombo de seu companheiro e em seguida
soltando a rede.
Tibério parou de bater suas asas e caiu logo atrás da jovem. Caíam perseguidos
pela rede e as aves. Giulia então atirou em um dos barris. Explosão.
Aves queimando vivas e mortas, milhares delas, começaram a cair do céu.
Giulia e Tibério foram jogados pela explosão no fundo do mar. Haviam liquidado a
primeira maldição.
Os dois salvadores foram resgatados pela tripulação que festejava ter consigo
vencer as aves carnívoras.
-Parabéns. –Ottávio ajudou Giulia voltar ao navio a prestigiando. Ele via muita
garra e coragem em tal mulher.
Fazia vinte dias desde que Daniele fora sequestrada. Rafael e sua esposa mal
conversavam, ele evitada uma conversa forçado dar explicações, ela evitava
importunar o marido que estava com os nervos à flor da pele.
O senhor Hamburgo estava preocupado, há dias o auxiliar Francisco Galvão
tinha partido da vila, entretanto nenhum aviso, nenhuma informação para tranquilizálo havia chegado. A situação não estava deixando Rafael dormir direito, que ganhou
profundas olheiras. Rezava para ter sua filha de volta, e imaginava Heitor em
Portugal... O que seu inimigo estava armando?... Pesadelos dominavam-no durante o
dia.
Acordado por um de seus soldados, o Capitão da Guarda quase saltou da
cadeira pela gritaria que se acometera.
-Por que me importuna, estou ocupado. –o Coronel da Guarda se embraveceu
com o empregado por tê-lo acordado repentinamente.
-Coronel, o senhor Martins está de volta em Santos. –declarou o soldado
ofegante. –Seguiu para a prefeitura. E está acompanhado de um homem mandado
pelo rei.
Samuel saiu correndo, precisava saber o que estava acontecendo.
Chegando na prefeitura se deparou com Miguel Lourenço paralisado como um
boneco de gelo sem expressão.
-Ora vejam só, o amiguíssimo de nosso pirata acabou de chegar. –disse Heitor
ao ver Samuel invadir a sala da prefeitura.
-Você ajudou um assassino fugir da prisão Heitor, está preso. –Samuel iria
tomar as devidas providencias contra o crime de fuga que Heitor participara.
-Creio que temos outra prisão a ser executada do que esta que me soa
absurda. –declarou um homem alto de cabelos escorridos, um tanto oleosos e negros.
232
Ele era branquíssimo e com um nariz que envergava para baixo. Vestia uma roupa
cheia de babados e detalhes, tipicamente europeia.
-Quem é você e como ousa contradizer uma ordem minha? Eu sou o Coronel da
Guarda. –Samuel Fernandes questionou a voz de autoridade do outro, declarando sua
posição de autoridade.
-Ele é o Representante da Coroa. –informou o prefeito com olhos de cachorro
triste.
-Mais um?! O que faz em nossa vila? –O Coronel viu problemas à vista.
-Vim por ordem do rei que fora ludibriado e enganado. –respondeu o homem
que encarou com firmeza o coronel. –Eu, Acácio Fagundes Nóbrega, em nome do rei
de Portugal vim empossar Heitor Martins, como embaixador da vila de Santos e levarei
Rafael Nunes preso para a Metrópole.
-O tempo de ordem e lei chegou caro Coronel. –ironizou Heitor cheio de si.
Samuel precisava avisar Rafael para que fugisse, com toda certeza seu passado
de pirataria havia sido descoberto e ele seria julgado por isso.
O prefeito estava sem reação, havia perdido o cargo e Heitor era a autoridade
máxima de Santos agora.
Theodoro enquanto todos dormiam tirou um canivete do bolso e com cuidado
sem fazer barulho retirou as dobradiças da cela onde estava preso. Saiu devagar, subiu
até o patamar superior do navio como um gato sorrateiro. Olhou para todos os lados e
só viu um mar de escuridão, ele tinha a esperança de encontrar terra à vista e nadaria
até ela se não estivesse muito longe.
-O que temos aqui, um rato fujão. –exclamou Munch com uma arma apontada
para Theodoro. – Está pensando que irá para onde?
Theodoro sobre o peitoril do navio sabia que o capitão do Minerva não
atiraria. Ele precisava do anel, e o objeto só continuaria fazendo parte da chave que
destrancava o Código se ele permanecesse vivo.
-Nem mais um passo se não eu pulo na água. –ameaçou o jovem Castro.
-Vejam só, ele sabe brincar... Diga-me, depois que pular na água pretende
fazer o que? Nadar de volta para casa? –o capitão usou do sarcasmo sobre a infeliz
tentativa de fuga do rapaz, mantendo sua arma apontada para o prisioneiro.
-Posso não voltar para casa, mas você também não terá a chave e não poderá
pegar o Código. Nem mais um passo, eu estou avisando e abaixe essa arma, sei muito
bem que não atiraria em mim.
-Pois bem, então o que pretende fazer? Iremos ficar em nossas posições pela
eternidade? –o capitão do navio abaixou sua arma, pois temia que o jovem se jogasse
nas águas. Não poderia perder tal peça, estava próximo para se apossar do Código.
Theodoro se viu sem saída. Pensou um pouco, recebendo a cara interrogativa
do pirata.
-Eu proponho um acordo. –depois de alguns minutos pensando, o jovem
libertino declarou sua decisão.
-Estou tentado em aceitá-lo. –ironizou o capitão.
233
-Pois deveria pensar um pouco, não hesitaria em me suicidar. –Theodoro
grudou seu canivete em sua própria artéria.
-Tudo bem, sou todo ouvido. –Sebastian viu que o rapaz não estava para
brincadeira. Ele teria mesmo coragem de se matar?
-Ajudo você a conseguir o Código e quando nós voltarmos e você sendo o
senhor do mundo, me transformará no senhor da vila de Santos. –Theodoro propôs
seu desejo, mas mantendo fixa a navalha em seu pescoço.
Sebastian racionou um pouco... “Tudo bem, está feito.”
-Tem mais, não vou mais ficar trancado naquela cela. Deixar-me-á e mais a
moça, soltos pelo navio.
-O que me garante que ela não tentaria fugir?
-Eu garanto.
-Certo... Que fiquem livres.
Theodoro saltou do peitoril, retirou o canivete de perto do pescoço e estendeu
a mão para conciliar o acordo. As mãos apertaram-se, selando o acordo.
Daniele foi acordada por Theodoro que tinha Danton atrás de si.
-Levante, não precisa mais ficar trancada. Fiz um acordo com o capitão. –
Theodoro ajudou a moça se levar e sair da cela.
-O que combinou com ele? – Daniele estava um tanto sonolenta e surpresa.
-Iremos ajudar ele pegar o que ele quer, e ele nos levará de volta sãos e salvos
para Santos. –Theodoro informou mentindo mais vez.
-Que bom que estamos livres, não aguentava mais ficar trancado nessa cela
apertada. - Luigi ia acompanhando o casal, até que Danton fechou a porta da cela. –Ei,
e a mim?
-Não é confiável em ser deixado para fora de sua cela. –Danton encarou o
prisioneiro. –Ordens do capitão.
As carruagens paralisaram com calma em frente à mansão de Rafael. Heitor
saltou do veículo acompanhado pelo novo Representante que viera junto com ele e de
Adrian, que tinha os peitos estufados e o moral no ápice. Também acompanhavam-nos
o Coronel da Guarda.
Entrando sem serem convidados se encontraram com a ira da dona da
residência.
- O que pensam que estão fazendo invadindo minha casa? Heitor, seu ajudante
de fugitivos, está de volta? –Maria Aparecida não tinha ideia, mas o fim de sua família
começava naquele momento.
-Onde está o seu marido, minha senhora? -interrogou o senhor Martins.
-Está em nosso aposento. – após a resposta da mulher todos seguiram para o
cômodo indicado. –Quem você pensa que é para invadir minha casa? Pare já aí.
-Eu sou o Representante da Coroa, cara senhora. Tenho todo o direito de
entrar em qualquer residência onde esteja instalado um perseguido da Coroa. –
advertiu Acácio com autoridade nas palavras. – Senhor coronel, queira buscar o nosso
condenado e levá-lo à prisão.
Maria Aparecida olhou interrogativa para Samuel, que deu de ombros.
234
-Preso? –a senhora Hamburgo questionou Heitor. Sua mente não raciocinava
mais nada.
-Sim, seu marido irá preso e será condenado à forca por envolvimento com
pirataria e roubo a navios das frotas reais, portuguesa e inglesa. – respondeu Heitor.
Este estava sentindo o melhor e mais importante homem do mundo, estava agraciado,
pois havia derrotado seu pior inimigo. Heitor venceu uma guerra que vinha tendo há
anos com tal oponente.
-Rafael nunca se envolveu com piratas ou pôs as mãos nas riquezas de nosso
rei. Ele é o Coronel Contra Assuntos Piratas de nossa Colônia. –mais uma vez tal
senhora foi pega de surpresa. Não estava entendo nada, não sabia de nada. Mentiras
iam somando-se.
-Acredito senhora que foi enganada todos esses anos. Seu marido é o maior
mentiroso da história. –declarou Heitor.
Subiram todos ao aposento do senhor da casa, entretanto lá não o
encontraram. Heitor seguiu até a sacada e observou Rafael seguir fugindo sobre um
cavalo, certamente tinha ouvido a chegada dele e do Representante, e esquematizou
uma rápida fuga.
Maria Aparecida mais uma vez procurava alguém de sua família desesperada
em sua própria casa, enquanto Heitor ditava ordens ao Coronel: - Você agora é
submisso as minhas ordens. Prepare seus soldados, capturem e predam Rafael
Hamburgo.
Após o grande sucesso, o Estrela do Mar seguiu seu curso. Navegava carregado
pela correnteza. O Minerva continuava dominado pela força dos anéis a caminho da
ilha, não atrapalhado em momento algum pelas maldições que eram alertadas pela
águia de ouro.
Daniele comia na mesa do aposento do capitão acompanhada de Theodoro e
Sebastian.
-Por que Luigi também não pode ficar livre? –questionou a moça.
-Ele não tem bons modos para confiarem nele. –respondeu Theodoro,
degustando um pedaço de pão. Ele já imaginava sua chegada em Santos.
-Senhor capitão por que deseja aquele livro que foi capaz de causar tanto mal
ao mundo quando lido da primeira vez? - Daniele voltou-se para Munch. Ela não
conseguia compreender como alguém pudesse querer algo que fizesse tanto mal.
-Quero o poder, minha cara, para não ser morto a mando de homens como seu
pai. Pretendo fazer isso com eles, quero o mundo curvado diante de mim.
A jovem Matarazzo dormia em sua rede no patamar da tripulação quando o
navio deu um grande tranco, jogando todos para além de seus lugares.
Todos levantaram para ver o que haveria de ser. Olharam para fora do navio e
nada encontraram, parecia que bateram em algo... Alguma coisa tinha parado o navio.
235
-O que é que aconteceu? –perguntou Tibério apoiando-se firme para levantarse.
-Mais uma maldição? –Salete imaginou.
-A segunda... –Bartolomeu foi interrompido por Marcos, que saiu correndo dos
aposentos de capitão: - Preparem suas armas. Vem aí... O Bório.
-O que é o Bório? –indagou Salete que se espantou com tentáculos subindo a
bombordo no navio.
Gói apontou para o estibordo do navio, tremendo. Garras como de escorpião
saíram de dentro das águas.
-Com vocês, Bório, o escorpião-lula. – Bartolomeu, sacou sua arma e começou
a inferir balas contra tal animal.
Toda tripulação começou a correr. Tiros iniciaram-se novamente para batalha,
e espadas ergueram-se a fim de decepar o inimigo.
-Peguem arpões e lanças, vamos tentar detê-lo. –Ordenou Marcos para a
tripulação sem sentir esperança em suas palavras.
-O que iremos fazer? –questionou Giulia em direção a Ottávio, ela estava
amedrontada, e pensava na presença de seu pai.
As pinças de tal monstro agarraram um homem que foi levado para o fundo
do mar.
-Não faço a menor ideia. –Ottávio estava tão perdido quanto os outros.
Tal criatura afundou no oceano, e Marcos irrompeu-se numa grande gritaria: Ele vai tentar nos afundar, vai tentar devorar o nosso navio.
-Lá vem ele. –indicou Salete que tinha os olhos arregalados.
Como um submarino em alta velocidade o animal vinha abaixo da água. Podiase ver somente a água movimentando-se, formando algumas ondas com o monstro
vindo em suas direções.
O português acometeu-se de uma ideia, quase suicida. “Tibério, me rode e
lance-me em direção à boca dele.”
-Está maluco, ele vai te matar! –advertiu Giulia que interferiu na maluquice do
jovem português.
Arrancando a espada dela, Ottávio respondeu: - São precisos sacrifícios. Avise
quando ele estiver próximo.
Com duas espadas em punho Ottávio foi agarrado no colarinho pelos fortes
dentes do cavalo alado. Tibério começou rodopiar em volta de si mesmo, e uma
imensa força centrípeta manteve a rotação dos dois personagens.
Mesmo sem concordarem a tripulação sem qualquer alternativa apoiaram a
decisão do português.
- Ele está... Está... Chegando... Agora! –Giulia avisou o animal que soltou o
corajoso rapaz. Sendo assim, o jovem português voou em direção das presas do
monstro.
Emergindo das águas, a primeira tentativa da criatura foi agarrar Ottávio com
suas pinças, mas este estava mais rápido que a reação do monstro.
Ottávio segurava firmes as espadas, voando a caminho da boca de tal animal
monstruoso. O escorpião-lula então o engoliu, afundando no mar.
O Bório era um animal lendário, de um lado escorpião e do outro uma lula. Nos
lugares das pernas de escorpião os tentáculos de lula.
236
Silêncio, nenhum sinal do monstro. Todos esperavam alguma reação da
criatura com Ottávio dentro dela.
-Será que ele foi digerido? –questionou Salete olhando na água em sua frente.
O monstro emergiu a estibordo, parecia retorcer-se de dor. Afundou em
seguida nas águas. Apreensão.
Depois de alguns segundos, bolhas começaram a subir do fundo do mar.
Primeiro, somente algumas, depois uma imensidão de bolhas, até que o corpo inerte
de Bório emergiu. Ele estava morto.
Houve grande gritaria entre os marujos do navio.
Giulia perguntou-se de Ottávio. Homem e criatura lutaram ambas até a morte?
Ao lado oposto do corpo inerte do monstro, apareceu Ottávio. Estava sujo de
uma gosma branca, e foi resgatado em seguida.
O Estrela do Mar entrou em festa.
-Parabéns. –disse Giulia impressionada com o riquinho requintado.
-Obrigado. –Ottávio entregou a espada para a jovem. –Isso é seu.
Olhares, reações tímidas.
237
Capítulo 25: Liron, o animal sagrado.
Os soldados da Guarda vistoriaram toda a casa Hamburgo, depois partiram
para vistoriar por toda vila, mas não havia nenhum sinal de Rafael.
-Não parem as buscas, é preciso a prisão desse malfeitor. Convoque os
Guardas Contra Assuntos Piratas e procurem-no. – Heitor ditou as ordens para Samuel,
indignado por não conseguir capturar seu inimigo. –E não ouse compactuar com a fuga
dele, pois se eu descobrir terá o mesmo fim... Mas, se trazê-lo para mim, será bem
recompensando... Gostaria do comando das duas Guardas?
Samuel era muito amigo de Rafael, entretanto aquele prêmio parecia muito
bom. Subiria de cargo, seria o único Coronel da vila. A proposta era tentadora... Assim,
o Coronel da Guarda então decidiu fazer o melhor para si, Rafael faria o mesmo com
ele, deduziu. Amizade contestada.
-Homens, não iremos descansar enquanto não pormos atrás das grades o
senhor Rafael. Quero grupos espalhados por toda vila. –Samuel mudou de lado.
Heitor seguiu para sua casa, acompanhado por Adrian e do seu mais novo
hóspede.
O coração de Malvina disparou, ela não continha-se de felicidade, Heitor havia
voltado.
-Meu querido, você está de volta. –Malvina abraçou o marido, cheia de amor,
mas mal teve tempo de dar o carinho desejado e foi jogada de lado.
-Também estou feliz. –disse Heitor tirando a esposa de cima de si. - Apresento
o nosso mais novo convidado, o Representante da Coroa, Acácio Fagundes Nóbrega.
Ela cumprimentou tal homem.
-Heitor, estão lhe procurando pela fuga do assassino de Rafael... –Malvina ia
alertar o marido do suposto perigo de prisão, mas foi interrompida:
-Creio que tal atitude não está mais prometida para acontecer.
-Você está diante, senhora, do embaixador de Portugal, a maior autoridade da
vila. –Adrian acrescentou.
-Não pensei que fosse tão corajoso assim. Pena que toda essa coragem e
astúcia sejam para dar lucros aos ricos. –Giulia deu os parabéns a Ottávio enquanto
esse ajeitava um curativo no braço.
-Agradeço. –Ottávio levantou-se, ficando boca a boca com a jovem. Estava
carente, há tempos não sentia o afago e carinhos de uma mulher. Contudo, a imagem
de Daniele apareceu no lugar de Giulia, e ele acabou desvencilhando, pedindo
desculpas e seguindo para o patamar superior.
Giulia estava paralisada. O que estava fazendo? Que atitude fora aquela?
Esperou um beijo daquele homem? O que estava acontecendo com ela?
238
Malvina ouviu todas as explicações do marido, o que ele fora fazer em Portugal
e quem ele era a partir de agora.
-E o rapaz que foi junto com você? – ela o questionou.
-O rei dera-lhe o prêmio merecido. –respondeu o marido. Superior.
Aquele era o momento de Malvina dar a notícia sobre sua gravidez. Seu esposo
estava contemplado com as coisas que mais desejava, logo não poderia receber
melhor notícia que tanto sonhou... Ele iria ter um herdeiro, o tão querido filho.
-Heitor, preciso contar-lhe algo. –Malvina tinha um sorriso enorme no rosto.
-Não estou com paciência para suas bobagens e asneiras Malvina. Acabei de
chegar de viagem, estou cansado. Espera que eu lhe dê ouvidos para me contar
idiotices femininas? –ele não teria mais paciência para as futilidades dela dali em
diante, pensou. –Deixe de encher minha paciência, vá ajudar as escravas na instalação
do Representante em nossa casa.
Ela mais uma vez era humilhada pelo marido. Decidiu privá-lo sobre sua
gravidez, talvez ele iria reparar quando sua barriga começasse a crescer... Não, não
poderia esperar ele reparar, precisava compartilhar a alegria de que teria um filho, ela
então iria esperar outro momento para contar sobre sua gestação.
-Ele está foragido, senhora. O senhor Martins está com cartas de prisão
expedidas pelos ingleses e portugueses para a prisão do senhor Rafael. –Noxa
explicava a algazarra que a vila de Santos mais uma vez se encontrava.
Margot e Mercy ouviram abismadas as notícias.
Mais um dia de navegação, a questão do tempo era tal uma incógnita. Estava
terminando os alimentos e a água potável do Estrela do Mar, o depósito estava quase
dominado unicamente por rum, que para a maioria da tripulação era muito bom.
-Estamos ficando sem comida e água. O que faremos? –Bartolomeu indagou o
capitão.
-Suponho que estamos perto de uma pequena ilhota, com um pouco mais de
cinco ou seis metros. Lá existe um pequeno lago e algumas árvores frutíferas.
Abastecemos o navio da outra vez lá. –informou Olivier aparentando despreocupação.
-Qual é a terceira maldição, senhor Olivier? –Ottávio temia o que teriam de
enfrentar ainda pela frente.
-Não sei.
-Não sabe? Como assim? –Giulia não entendeu a resposta. Marcos havia
estado ali no passado, como não sabia qual seria a terceira maldição?
-Não sei, não a vi quando estive aqui antes. Acho que algo lhe aconteceu,
morreu...
-Mas as maldições não sofrem a ação do tempo. –Bartolomeu afirmou – Não
morrem de velhice, doenças ou algo assim.
239
-Pode ter sido morta por piratas que cá estiveram. Não sei qual é a terceira
maldição. –Olivier afirmou novamente sobre a falta de conhecimento sobre tal
obstáculo. O que facilitava um pouco as coisas na visão dele.
Salete não estava se sentindo bem, um grande aperto no peito a tomava.
Perderia as pessoas que amava? O sentimento de perda era latente.
-O que está lhe importunando a mente, minha querida amiga? -Tibério estava
preocupado com Salete. O que haveria ela de estar sentindo?
-Tome cuidado, Tibério. Navegamos em um mundo que não é o nosso, o que se
torna perigoso. –Salete o alertou.
-Sei que há perigo, aceitei seguir essa viagem sabendo de todos os riscos. –
Tibério tentou reconfortá-la. –Tome as devidas precauções você também, minha
amiga. Ele abraçou a velha amiga com muito carinho.
Amizade!
Gói começou a gritar terra à vista. Era a pequena ilhota que Marcos
descrevera, somente a alguns metros longe deles. Tinha uma caverna do lado
esquerdo, um pequeno lago e três mangueiras e um coqueiro.
-O que é aquilo? –Ottávio perguntou.
-Nosso abastecimento de carga. –respondeu o capitão, ordenando em seguida
que botes fossem preparados para atracar em tal pequeno pedaço de terra.
Seguiram em dois botes. Giulia e Bartolomeu em um e Ottávio e Marcos Olivier
em outro. Levavam garrafas para armazenar água e sacos para guardarem as frutas.
-Que lugar é esse no meio do nada? –Giulia se questionou, era estranho tal
ilhota ali no meio daquela imensidão de nada.
-Não tenho ideia do que os Feiticeiros pensaram quando criaram essa ilhota.
Abastecer a quem em tal local? –Bartolomeu também não compreendeu a utilidade de
tal terra.
Aportaram, chegando a terra firme. O cheiro de peixe podre com as frutas
formava um fedor insuportável.
-Vamos encher as garrafas e vocês peguem as mangas. –ordenou o capitão
para a outra dupla.
-Por que nós devemos subir na árvore e vocês só agacham-se e pegam a água?
–Giulia não gostava de cumprir ordens, apesar da relutância seguiu para o seu dever.
Abastecidos deveriam seguir de volta para o Estrela do Mar, foi as ordens do capitão.
Marcos Olivier olhou para a caverna e lhe pareceu que algo se mexia dentro
dela. Estava muito escuro mal enxergava ali do lado de fora com a fraca luz das
estrelas e a finíssima lua, e dentro da caverna era um breu total. Ele então decidiu se
aproximar para verificar se poderia ser algum caranguejo ou algo assim e pode-lo fazer
de almoço, jantar ou café da manhã, pois já não sabia que alimentação estava fazendo.
-Marcos venha. O que está olhando? –disse Bartolomeu próximo ao homem.
-Cuidado! –alertou Ottávio ao ver um animal saltar para fora da caverna. Tinha
mais ou menos uns nove metros de altura, cor marrom e alguns pelos espalhados pelo
corpo. Um grande nariz tomava quase o seu rosto todo, presas enormes ao pé da boca
indicadas para o chão. Era um elefante marinho.
O capitão com o salto que deu para o lado derrubou as garrafas cheias de água
que se quebraram ao bater no chão. O elefante marinho saltou sobre o homem,
parecia que queria atacá-lo de qualquer forma, aquele apesar da idade agiu com
rapidez, jogando-se para o lado oposto da boca do bicho.
240
Giulia e Ottávio sacaram suas armas e atiraram na direção do animal. Todavia,
o couro do elefante marinho era grosso e as balas das armas ricochetearam para o
além sem provocarem qualquer ferimento.
A criatura voltou-se para os atiradores e começou seguir para a direção deles,
quicando enlouquecidamente. E Giulia e Ottávio começaram a correr para lados
opostos.
A moça foi a escolhida pelo animal, seguida correu em direção as mangueiras
pretendendo subir em alguma delas. O animal era ágil, vinha correndo, pulando, em
direção a jovem. Não daria tempo para subir na árvore naquele momento.
A jovem Matarazzo sacou sua espada, correu o quanto pode, bateu os dois pés
na mangueira voando acima do feroz animal. Este bateu sua cabeça na árvore e urrou
em seguida, tinha a espada de Giulia fincada em suas costas. Ela caiu com os pés e
mãos no chão, de costas para o animal e saiu em disparada.
Os três homens ao verem a fraqueza do animal sacaram suas afiadas
companheiras. Ottávio tramou um plano somente por olhares com seus amigos de
viagem. Ele e Marcos cercaram o animal por lados opostos e correram em direção da
criatura.
O elefante observou o ataque e resolveu morder Marcos que vinha na direção
esquerda. Porém, Marcos desvencilhou-se mais uma vez do ataque, e Ottávio enterrou
sua espada no animal, depois Olivier o acertou também. Urros.
Tibério e Salete no navio observavam atentos a correria dos quatro para se
defenderem.
Bartolomeu e o animal encararam-se. Como um toureiro que encara o touro,
esperando partir para o duelo, o ex-capitão de tripulação do Minerva saiu em
disparada ao encontro do animal e o elefante marinho fez o mesmo.
Ergueu-se poeira. O animal saltou para agarrar o homem pelo pescoço, iria
destroncá-lo. Mas, Bartolomeu deferiu um golpe e jogou-se no chão, passando abaixo
do animal feroz. Rolou alguns metros, parando aos pés de Giulia.
O elefante marinho paralisou-se, cambaleou para os lados. Até que sua cabeça
seguiu para direita e seu corpo para a esquerda.
Voltando ao navio, Salete os perguntou para o valente grupo sobre o que seria
aquele animal.
-Um feroz elefante marinho, a terceira maldição. –respondeu Marcos Olivier, a
terceira maldição também estava morta.
-Uma emboscada. –Giulia complementou. -Descer a terra deveria ser um
suicídio.
-O que os pedaços dele fazem no navio? –Tibério estava impressionado com o
tamanho dos filés que Ottávio e Bartolomeu carregavam.
-Nosso churrasco. –Ottávio usou do humor pela primeira vez em tal aventura.
Estava feliz, apesar de tal situação.
Domingo de manhã. A missa foi assistida pelos senhores de Santos que estavam
aterrorizados. O padre mal terminou o canto final e todas as pessoas seguiram para as
fofocas que se davam em seguida a oração.
241
Miguel junto de mais outros senhores questionou Samuel sobre a atitude dele
em relação às buscas de Rafael.
-É um traidor, caçando Rafael dessa forma, fazendo-o parecer um fugitivo do
Bairro Pirata. –o prefeito tentou manter a voz baixa para não chamar atenção.
-Estou cumprindo conforme a lei pede. – o Coronel da Guarda estufou o peito.
Cogitava o cargo que Heitor havia lhe proposto.
-Ora essa, lei que Heitor acabou de inventar. Sabemos o larápio e ordinário que
o nosso novo Embaixador é, e o pouco que faz de todos os senhores de tal vila. Ajude
Rafael seguir para a Coroa, para ter uma conversa sozinho com o rei, tenho certeza
que irão o desculpar. Quantos homens que agiram iguais ou de pior forma e
conquistaram os perdões de nossa majestade. –Miguel não admitia o querido e
respeitoso senhor Hamburgo ser traído por tal homem que ele tanto confiava.
-Está dizendo que piratas e ladrões cercam o rei? Que nossa majestade se
vende por tão pouco? –Samuel Fernandes pôs palavras na boca do amigo.
-Não tente me transformar numa peça do jogo de vocês.
-Creio que com essa intervenção, terei que fazer uma vistoria em sua casa para
verificar se o amigo guarda algo que estou procurando...
-Não sou do tipo que dá fuga para perseguidos da Coroa.- o ex-prefeito deu
para trás.
-Em qual conversa estão embrenhados, meus caros senhores? –Heitor veio se
aproximando junto com o Representante. Após uma breve conversa com o padre na
igreja seguiram para junto dos senhores que na praça se reuniram.
-Nada de valia, Embaixador. Assuntos supérfluos. –Miguel Lourenço manteve
o controle.
As mulheres estavam todas distantes de seus maridos, pois sabiam que não
deveriam ficar próximas. O clima e as situações em Santos não andavam bem, e eles
precisavam conversar. Contudo tais senhoras não cansavam de fofocar das roupas e
joias das outras.
O maior comentário era sobre Maria Aparecida. Apesar de ter a filha
sequestrada e o marido dado como fugitivo para as atuais autoridades, tal mulher não
perdeu o glamour. Vestiu-se mais bela do que costumava para ir à missa, queria
transpor não se importunar com as opiniões alheias e que estava aguentando firme tal
situação difícil que passava sua família.
-Está gostando de nossa humilde vila, senhor Representante? – um dos
senhores indagou tal autoridade que se abanava com um leque.
-Nunca senti tanto calor em minha vida. Uma terra cheia de mosquitos e
insetos que nunca pensei que existiam, espero partir o quanto antes de tal lugar. –
Acácio expôs sua opinião, nada cordial e que não agradou os senhores ali reunidos –
Entretanto, fiquei surpreso com a residência de nosso senhor Martins, é claro que tal
lugar está longe de ter o luxo, a beleza e formosura que tens nossas casas em Portugal,
mas é confortável e aconchegante. Nunca pensei que houvesse condições sociais e
civilizadas abaixo do equador.
-Estamos fazendo o máximo para capturar o fugitivo, para que vossa
autoridade leve-o para julgamento em Portugal o quanto antes. –o Coronel quis
demonstrar serviço e lealdade.
-Vejam só, quem está chegando... A futura viúva de Santos. - Heitor comentou
com a proximidade da senhora Hamburgo.
242
-Limpe sua imunda boca antes de falar de minha família, senhor Heitor. Não
passa de um invejoso e incompetente, não terá o respeito de minha pessoa porque se
tornou embaixador. Não deixara de ser um comedor de poeira de Rafael, nunca irá
superá-lo. –Maria Aparecida estava esperando a devida hora de dizer poucas e boas
para o oponente do esposo. Estava desabafando.
-Vejo que não só falta luxo, mas também limite para as senhoras que aqui
vivem. Não respeitam nem a figura máxima da vila. –interferiu o Representante. – Tais
afrontas não só desrespeita o Embaixador como a figura do rei que o nomeou.
-Vejo que o rei precisa rever seus representantes. –Maria Aparecida não
conteve a retaliação, não temia por nada. –Creio que ele verá que errou e assim
concertará com astúcia o mal feito.
-Contenha suas palavras, infame animal. –Acácio enfrentou tal senhora.
-Não se refira a minha pessoa em tais modos, caro Representante. Não goza de
mérito cá em tal terra. Entrarei em contato com a Coroa...
-Sou filho do braço direito do rei, acredita que irá conseguir algo com seus
contatos. Seu marido e vossa senhora terão o que merecem... E devo avisá-la que está
proibida de tirar de dentro de sua casa qualquer objeto, de uma simples vassoura a
prataria que tem exposta. Os bens de sua família estão cassados pela Coroa,
aguardando o destino deles.
-Veremos se alguém irá tirar as riquezas que conquistamos até então. E
quando me refiro a Coroa não é a lusa e sim, tenho contatos que não hesitarei em
pedir para intervirem... Falo do Palácio de Buckengham, da Coroa Inglesa. –terminada
a afronta tal senhora se despediu dos senhores que ali estavam, e ao passar diante de
um poste de lampião - pois não havia postes de energia elétrica em tal época-ela
encontrou um cartaz do marido exposto e o arrancou com fúria. Todos os olhares
foram voltados a ela por tal atitude. Maria amassou o papel e seguiu de cabeça
erguida para sua residência em sua formosa carruagem.
O Representante sem palavras pela ameaça e atitude de tal senhora, decidiu
seguir para onde se hospedava sem anúncios para tais senhores que o cercavam. Ele
sabia que os ingleses eram os donos do mundo, a ajuda de uma pessoa certa
relacionada com a Coroa bretã era sempre cumprida. Porém, ele não iria admitir a
afronta de tal senhora.
-Os Hamburgo são mesmo sem limites! – exclamou o prefeito feliz após a
provocação de Maria Aparecida para com o Representante.
-Senhores, darei um jantar em minha residência na noite de amanhã e espero
a presença de todos vocês. –o senhor Martins esperava uma plateia em sua casa para
ser aclamado e reconhecido pelo cargo que ganhou.
Margot seguiu conforme fazia todos os domingos logo após a missa, seu
destino: a caverna do velho Jones.
Seu escravo sempre manteve distância de tal lugar, tinha muito medo das
histórias temerosas que lhe contaram, e sempre parava a carruagem alguns metros
longe da caverna. A senhora Reghine caminhava até tal buraco e depois o escravo
voltava para buscá-la no fim do dia, como ela ordenara.
243
Tal senhora seguiu junto à praia depois entrou devagar na rochosa caverna,
que era invadida pelo oceano. Era úmida, tinha o cheiro forte da água do mar com
pedras negras e verdes de lodo e musgos, era um apreço aos olhos de quem a via. Os
raios de sol que nela entravam formavam uma bela imagem, a luz dentro dela era
verde brilhante parecendo que era composta por esmeraldas, e a água que lá entrava
brilhava como cristal.
-Liron, Liron onde está você? –chamou Margot.
Ela ouviu um burburinho caverna adentro. Alguém havia descoberto seu
animal sagrado?
Adiantou então os passos e assustou-se ao se encontrar com Rafael. “Rafael,
está escondido aqui?”
-Olá cara amiga. –ela cumprimentou o fugitivo da vila que olhou para trás de
tal senhora a fim de confirmar que ninguém a seguia.
-Ninguém está me seguindo, não imaginam que você possa estar aqui. Mas
irão saber. –Margot estava morrendo de raiva de Rafael, a ameaça dele de outrora a
deixou indignada.
-Ora essa, não seria capaz de me querer mal? Somos amigos. –Rafael ressaltou
a amizade, desvalorizada por ele antes.
-Por que acha que não? Não tem meu respeito e nem tenho amores por sua
pessoa. –Margot relembrou a cena do Baile, Rúbio pendurado e morto diante de toda
a vila. Doloroso. –Você procurou por nos afastar, Rafael.
-Eu peço sua ajuda, minha amiga. Por favor, sempre fiz tudo em prol do seu
bem. Lembra-se que exigi sua soltura e perdão na Corte do Juízo, após a queda do
Código... Sempre a ajudei em momentos difíceis... Nunca disse sobre a presença de
Liron aqui nesta caverna. Nunca contei a ninguém nenhum de seus segredos. -Rafael
pediu por piedade, pois não poderia ser preso e levado como um malfeitor aos
julgamentos do rei. – Se não contei sobre meus planos é que quis poupá-la.
-Suas más atitudes recentemente superaram as glórias do passado. –Margot
parecia não sair de tal posição.
-Ajude-o Margot. Ele nunca fez nada contra sua pessoa. Também já agimos de
má fé e tivemos uma segunda chance. –Liron interveio por Rafael, vinha descendo
entre as pedras da caverna para junto de sua humana.
-Liron! –Margot correu para abraçar seu animal sagrado. Um leão com asas de
águia. Tinha uma juba alaranjada, asas douradas e um pelo amarelo ouro; seus olhos
eram verdes, suas presas eram vistas ao longe num abrir de boca. Um magnífico
animal.
Margot era uma Dorotiana. Um reino de povos mágicos originais do centro da
América do Sul, e quase extintos depois da chegada dos europeus.
Todo dorotiano tinha um animal sagrado, assim ao nascerem os deuses de tal
povo premiavam seus súditos com um animal, que era feito do barro da terra. Margot
havia ganhado Liron, um animal fera.
Tal animal fora essencial na queda do Código no passado. Foi Liron que
manteve as conversas de Margot e os inimigos de Jhon Dak para armarem a
emboscada fatal. E as idas à caverna do velho Jones por Margot eram por causa de
seu animal sagrado, Liron.
-Vamos ajudá-lo, não vamos? –Liron interrogou sua dona com seus enormes
olhos de gato.
244
A senhora Reghine refletiu um pouco enfrentando os olhares de piedade de
seu animal e de Rafael, e assim decidiu: - Agradeça a Liron, vou ajudá-lo por ele não
porque eu quero. –Margot apesar de tudo respeitava muito Rafael, o queira como um
grande amigo.
-Muito obrigado.
-O que pretende fazer Rafael? Está sendo procurado por toda essa região,
todas as vilas do litoral sabem que é um perseguido da Coroa. –Margot explicou a má
situação que estava seu amigo. –Heitor mandou espalhar cartazes de recompensa por
todos os cantos, está sendo cassado como uma raposa por lobos.
-Pretendo ir para Portugal ter-me com o rei, explicarei toda essa situação e o
engano que está havendo. Mas só partirei as escondidas, quando Daniele tiver voltado
e eu a ver sã e salva. Até lá ficarei aqui na caverna esperando.
-Que mania de todos os senhores de tal vila seguirem fugidos para Portugal! –
exclamou a senhora Reghine.
-Uma companhia é bem vinda, sempre estou tão sozinho nessa caverna. –Liron
comentou sobre a solidão que andou todos esses anos. Sua figura junto de Margot na
vila não poderia ser aceitável pela população de tal local, logo fora obrigado a se
esconder na caverna que tinha por fama ser habitada por fantasmas.
-Preciso que você acalme minha esposa, diga a ela para ficar tranquila. Fale
que tudo será resolvido e peça para Chico, o escravo, que me trague alguma peça de
roupa e um pouco de comida. Mas mande-o tomar cuidado, vir para cá sem ser
seguido...
Tal senhora agiu como o combinado, não ficou muito na caverna junto de seu
animal sagrado, pela então, presença de Rafael. Liron tinha apreço pelo senhor
Hamburgo era grato pela ajuda que tal homem havia dado para ele e sua Margot no
passado, não faria nada contra ele e não deixaria Margot fazer também.
E esta chegou sem tumulto na residência de Rafael, e perguntou para a velha
escrava-governanta sobre sua senhora.
-Ela está no quarto. Vive enfiada em seus aposentos, anda tão triste! –
informou Zilda. –Quer que eu a chame?
-Não precisa, irei até o quarto... E Zilda, diga para Chico estar junto de minha
carruagem quando eu for sair, preciso ditar pedidos de seu senhor. – após as devidas
ordens conforme Rafael ordenou, Margot seguiu até o quarto da senhora de tal
residência e encontrou uma mulher abalada, sem esperanças, com sua família
desestruturada. –Maria? Maria?
-Quem é?... Ou é você Margot. Entre estou descansando um pouco.
-As coisas não estão fáceis para você não é mesmo minha amiga?! –Margot
sentou-se junto à cama que Maria estava deitada. –Vim trazer-lhe notícias de Rafael...
Não me questione o paradeiro dele e nem como sei de tais informações, preciso
cumprir com a minha promessa para com ele de sigilo.
-Rafael... Onde ele está? Como ele está? –Maria queria respostas, apesar da
ressalva de Margot, pois ela amava o marido, temia pelo seu futuro, temia pelo futuro
de toda sua família.
-Ele está bem, tudo está no controle. Disse para você aguentar essa situação
até a volta de sua filha. E assim ele tomará as providências cabíveis.
A senhora Hamburgo já se sentiu um tanto confortada.
245
Havia uma grande comemoração pela batalha que tiveram em outrora, pois
tinham vencido a terceira maldição. A carne do elefante marinho foi preparada e o
rum, juntos foram bem aproveitados.
Todos riam, degustavam a carne assada e contavam piadas. Até pareciam que
estavam numa aventura atrás de um grande tesouro.
Giulia e Ottávio estavam muito próximos em tal aventura. Carência?
Conversavam em um canto, animados. Contavam de suas peripécias na infância, de
suas famílias...
A jovem Matarazzo se lambuzou toda com a carne gordurosa e assim Ottávio
limpou com as costas de sua mão um lado sujo do rosto dela.
-Você se esbaldou. Estava com fome, hein. –comentou o português que via
simplicidade em tal moçoila. Apesar de passar-se de durona tinha algo feminino e
delicado oculto em Giulia.
Ela um tanto sem jeito desvencilhou da mão do homem. Limpou seu rosto
passando as mangas da blusa que portava, assemelhando-se com um homem: - Estava
muito boa!
Os dois fixaram os olhares, e foram se aproximando aos poucos. Tais figuras
estavam se entregando àquela atração, e cm olhos fechados iam se aproximando... Até
que Ottávio a indagou: - Está gostando da música? É bela, suave aos ouvidos...
Encantadora, cantada por uma deusa...
-Hã? Música? –Giulia não compreendeu a pergunta do jovem aventureiro. Não
havia instrumentos musicais para serem usados no navio, muito menos alguém
cantava. Que música Ottávio estava ouvindo?
O velho de cabelo e barba ruiva subiu dos patamares inferiores acompanhado
pelos outros marujos. Estavam com os olhos fechados como que gozando de algo
espetacular. Estavam anestesiados.
Ottávio levantou-se do local onde estava próximo da jovem Matarazzo e
seguiu junto de todos os homens.
-Ottávio? –Giulia não entendeu. –O que está acontecendo?
-Estamos indo a vocês, meus amores... -disse Marcos tomando o timão e
mudando o curso da viagem.
-Vamos viver eternamente ao lado de vocês... –falou Bartolomeu.
-Amamo-las... -Gói também estava em transe.
-O que está acontecendo, minha jovem? –Salete se deparou com Giulia. Todos
os homens pareciam anestesiados, menos elas duas. Estavam em transe.
Tibério as empurrou com seu corpuloso dorso, seguindo ao monte de homens
que se guiavam para a proa do navio.
As duas mulheres começaram a empurrar a todos, se embrenhando no meio
daqueles anestesiados homens, a fim de ver para onde queriam seguir. Elas
observaram um atol a frente do navio, e o Estrela do Mar estava sendo comandando
até tal pedaço de terra.
Nereidas estavam encantando todos os homens, cantava-se algo que somente
eles ouviam. A quarta maldição: Nereidas encantadoras.
Elas fariam o navio afundar e matariam toda tripulação. Metade mulheres,
metade peixes tinham cabelos cor-de-rosa, vermelhos, verdes e azuis, pareciam
cabelos feitos de algas do mar, e com peixinhos e pequenos crustáceos perambulando
entre suas madeixas. Suas peles eram brancas como pérolas, suas escamas eram azuis
246
prateados que brilhavam com a luz da lua. Elas usavam adereços que vinham do fundo
do oceano, assim como conchas e plantas aquáticas.
A jovem pirata observou para tais criaturas e percebeu que somente uma delas
movimentava a boca, seria a encantadora e talvez líder de todas as outras. O restante
delas estava próximas uma das outras e mexiam nos cabelos, movimentavam os
braços, como se estivessem dançando a canção.
Homens começaram a cair na água e ao cair eram atacados por ferozes
tubarões que agora rodeavam aos montes a embarcação. Gritos. Aqueles que ainda
estavam no navio, desejavam alcançar as suas mulheres-peixes.
Tibério saltou batendo as asas para chegar ao recife à frente. Abanou suas asas
com dificuldade, seguindo num voou baixo. E assim foi atacado por um tubarão na
pata traseira, porém tentou desvencilhar-se, mas foi atacado por mais um peixe na
pata dianteira. Tibério acabou caiu na água e foi devorado em questões de segundos.
-Não!- gritou Salete chorando pelo fim trágico do velho amigo, vendo as crinas
dele boiaram.
A cantoria cessou quando uma das Nereidas foi acertada por uma bala na testa
disparada pela arma de Giulia. A jovem Matarazzo pretendia atacar a líder das
mulheres-peixes, mas pela distância e mal mira atingiu outra mais próxima.
Todas as Nereidas iniciaram uma choradeira tremenda, que ardeu nos ouvidos
de todos. Assim, os homens então voltaram em si novamente.
-O que está acontecendo? –perguntou Ottávio que pareceu acordar de um
sono profundo.
-Estão sendo chamados por Nereidas encantadoras. Tapam os ouvidos, todos
os homens agora. –ordenou Giulia a fim de evitar mais fins trágicos.
As Nereidas olharam furiosas em direção do Estrela do Mar, e a líder delas
voltou-se para as águas e começou ditar em uma língua estranha o que parecia uma
ordem aos tubarões.
Com as mãos cobrindo os ouvidos todos os homens se olhavam sem entender
a situação. Enquanto isso Salete chorava a perda do amigo.
Giulia precisava pensar em algo rápido.
A embarcação começou aumentar a velocidade, parecia que estavam sendo
carregados. Os tubarões começaram a empurrar o Estrela do Mar em direção ao atol
das Nereidas. As mulheres-peixes pareciam estar com sede do sangue da tripulação.
-Giulia, precisamos fazer algo. – disse Bartolomeu pretendendo destampar os
ouvidos, mas foi impedido pela jovem:
-Não destampe seus ouvidos. Irei tentar resolver essa situação.
Acometida por um espírito de vingança, Salete tomou uma atitude muito
rápida, precisava vingar seu querido amigo alado. Logo, analisou todo o navio e
encontrou as cordas que seguravam as velas, depois avistou um canhão e assim...
Giulia tentava mudar o timão de direção, mas os tubarões eram mais fortes.
Estavam agarrados com suas presas no navio e nadavam com violência para levar tal
tripulação até as sedentas assassinas.
Bummmmmmm...
O som do canhão espalhou-se por todos os lados, a jovem pirata voltou-se para
tal barulho e viu Salete voar sobre todos, tal senhora estava no céu, e cairia em uma
parte rasa do encontro do mar e do atol.
247
Todos se voltaram para observar a façanha da velha louca. Ela era mesmo
louca!
Salete caiu levantando as águas para cima. E um tubarão de coloração marrom
claro tentou acertá-la uma mordida nas pernas, mas ela arrancou a cabeça dele com
um golpe rápido de espada.
Estava dotada de uma fúria que lhe deu forças das mais profundas entranhas
de seu corpo. Tal senhora seguiu em direção da Nereida cantora, entretanto foi
atacada por outras duas que lhe jogaram-na no chão e sua espada foi lançada longe.
Olhos arregalaram-se, Salete estaria morte depois de tal ataque, temeu a
tripulação do navio.
A Nereida cantora voltou a cantarolar, Giulia acenou para os homens não
tirarem as mãos das orelhas. O que iria fazer para salvar Salete e o navio?
O Estrela do Mar estava se aproximando da areia do atol.
A velha com maestria agarrou a cabeças das duas mulheres-peixes chocando
uma contra a outra.
No meio de tal correria, um dos homens teve a infeliz ideia de destapar os
ouvidos, e assim acabou sendo encantado e morto por um tubarão ao saltar nas águas.
Salete liberta das duas Nereidas que a impedia, levantou-se, pegou sua espada
e seguiu em disparada para enfrentar a Nereida líder, a Nereida cantora.
Tal oponente não ficou passiva, e tirou dentre as pedras uma grande espinha, e
as duas começaram a duelar.
Os tubarões pararam de carregar o navio, pois a cantoria havia terminado. E
Giulia apreensiva esperou a vitória de sua amiga.
Derrubando a arma de sua oponente, Salete poderia arrancar-lhe a cabeça.
A Nereida se acuou mirando os olhos para além de sua oponente, assim a
senhora desvencilhou-se da frente da mulher-peixe e esta foi atacada por um tubarão.
Havia-se aniquilado a quarta maldição.
Após ser resgatada Salete preparou um pequeno arranjo com uma chama, e
ofereceu para as águas em homenagem a Tibério.
O Minerva seguia sem preocupações para a ilha do diabo. Estavam próximos,
mais uma maldição e assim Sebastian Munch seria o dono do Código dos Piratas.
Agarradinhos, aclamados pela luz do luar e das estrelas, Theodoro e Daniele
aproveitam a liberdade que aderiram.
-Não vou deixar que te afastem de mim quando voltarmos para Santos,
Theodoro. Irei lutar para ficarmos juntos. -Daniele afirmou com convicção para seu
amor. Nada e nem ninguém iriam impedi-los de viverem juntos.
-Irei tentar desfazer tal desastre, minha querida. Assim poderemos ficar juntos
para o todo sempre. –Theodoro controlava Daniele, aproveitava-se do amor sentido
por ela para ludibriá-la.
A águia dourada voltou à vida e voou para o céu.
A paisagem estava mudada mais uma vez. Montes espalhados por todos os
lados e a temperatura estava um tanto elevada, parecia estar em volta dos quarenta
248
graus, fazendo os tripulantes suarem. Uma fumaça negra emergia dos picos dos
supostos vulcões e cheiro de enxofre tomava as narinas de todos.
A ave dourada rodou em torno de um dos vales e desapareceu da visão do
casal que namorava e tentava se refrescar do calor.
Voltando ao navio a águia voava em alta velocidade perseguida por um réptil
gigante. Um dragão a perseguia, até que a engoliu.
Tal monstro então seguiu para o Minerva que tentava atravessar um estreito
caminho entre os montes de sua morada.
-Parem o navio, segurem as velas. -ordenou Sebastian vendo que o dragão se
aproximava da embarcação.
O animal lendário agarrou a embarcação e parou-a.
-Deem meia volta e sigam para de onde vieram. –ordenou o dragão que tinha
um bafo quente, uma couraça vermelha, garras negras e um bico curto. Era a sexta
maldição: um dragão chinês do bico curto.
-Se vossa monstruosidade não reparou, a ave que digeriu anunciava a
passagem dos detentores dos anéis. -Munch interpôs, extremamente presunçoso.
-Estou amaldiçoado, obrigado a viver sozinho a fim de evitar que qualquer
pessoa tente passar por entre meus morros e chegue à ilha. –respondeu o dragão. Acha que os deixarei passar por quê?
O capitão ficou sem palavras, tinha que responder algo, se não seriam todos
devorados por tal criatura.
-Pois precisamos tirar o Código da ilha e levá-lo para um lugar mais seguro. Ele
está correndo perigo... O mundo todo está vindo atrás dele. O desejam como nunca
desejaram. –mentiu Theodoro que tinha Daniele escondendo-se entre seus braços.
O dragão analisou o humano a sua frente: - E quem é você?
-Sou um dos detentores dos anéis. Vim em missão de resgate. –Theodoro
precisava ajudar Sebastian capturar tal iguaria, pois também lucraria com isso, seria
aclamado o senhor de Santos.
-Mas são três os detentores. E os outros dois. –questionou o dragão que
parecia não estar acreditando.
-Eu... –Daniele foi jogada para frente por Danton para se explicar à sexta
maldição. -... Eu, sou a segunda.
-E o terceiro? –o dragão queria ver todos os detentores reunidos e afirmando
sobre o resgate para deixá-los passar.
Luigi estava sentado com o chapéu sobre o rosto trancafiado em sua cela,
quando Danton invadiu tal patamar.
-Problemas com o crocodilo lá fora? –ironizou o jovem pirata.
Danton ordenou que Luigi saísse de sua cela. O capitão exigia que ele apoiasse
os outros donos dos anéis nas respostas.
-Sei que vocês não me matariam se eu não fizer o que pedem. –Luigi então viu
sua chance de tentar evitar a captura do Código.
-Nós não, mas o dragão sim. –respondeu Danton.
Luigi subiu ao patamar superior e foi agarrado por Munch que se postou em
suas costas com uma faca quase furando a pele do jovem Matarazzo.
-Tente fazer algo que possa me impedir de por as minhas mãos no Código, e
vou fazer pedaços de vosso ex-capitão. –ameaçou Sebastian.
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-Você é o terceiro detentor? –questionou o dragão com fumaças saindo de suas
narinas.
-E você é a maldição que impede ladrões e mercenários de pegarem o
Código?... –Luigi sentiu a faca se aproximar e apertar-se contra sua pele. -... Sim, sou!
-Afirmam então que estão em resgate do Código para evitarem que o mundo
todo o capture? –o dragão persistiu no questionamento, teria que ter certeza do que
os detentores afirmavam. Ele era um dos protetores do Código, não poderia deixar
que o livro fosse pego. –Sabem que podem levar de volta para o mundo um objeto que
em mãos erradas não tem limites de maldade, violência e fúria?
-Estamos em resgate. – afirmou Theodoro.
-Na verdade precisando de um. –ironizou Luigi.
Daniele balbuciou algumas palavras afirmando que estavam num resgate.
Estava de olhos atentos naquela criatura que somente viu em livros por força da
imaginação. Não seria possível que aquilo estava acontecendo, deveria ser um sonho e
em poucos minutos acordaria e voltaria para sua vida de luxo e fineza.
-Boa sorte! Espero que a ilha compreenda suas nobres atitudes. –alertou o
dragão, pois o mais fácil eram as maldições antes da ilha, contudo enfrentar tal terra
diabólica era quase impossível. A ilha fazia jus ao nome que ganhou: ilha do diabo.
Sendo assim, o Minerva seguiu com a tripulação atemorizada. O dragão tinha
presas e garras enormes, e eles imaginaram o que ele faria com todos com tais armas.
250
Capítulo 26: Urso e dragão.
Possivelmente estaria fazendo uns cinco graus abaixo de zero. Nevava um
pouco, o frio era de tremer os dentes, e congelaria qualquer um que não estivesse
agasalho suficiente. Um vale gelado era o que se encontrava a frente do Estrela do
Mar.
Rochedos cobertos por gelo, nada mais além disto. Gelo e neve.
-Mas que lugar é esse? Pinguins adorariam viver aqui. –afirmou Bartolomeu
que tinha neve na barbicha e nos cabelos, seus lábios estavam secos e sua pele tendia
a um tom rosado.
-Ótima também para ursos polares. –expressou o capitão que estava de olhos
atentos para todos os lados. Sacando sua arma e pedindo atenção para a tripulação. –
A quinta maldição é um urso polar.
A embarcação então seguiu por um túnel feito por entre as geleiras. Pareciam
que estavam seguindo para a morte.
Salete estava abalada pela morte Tibério, ainda se recuperava da luta com a
Nereida. Tristeza.
Entretanto a calmaria logo cessou. Pedaços de gelo começaram a cair sobre o
navio, parecia que algo andava a cima do túnel. Tal passagem começou a criar
trincados e mais trincados, e acabaria despencando sobre as cabeças de todos.
-Força total, precisamos sair daqui. –gritou Marcos no comando do timão.
Ottávio e Giulia juntos agarraram em uma grossa corda. Ela estava muito
envergonhada por quase se entregar aos beijos para ele, ele agia como se nada tivesse
acontecido, ou como se nada poderia ter acontecido. Com força mudaram a direção
das velas a fim de aproveitar o vento que no túnel se embrenhava.
O Estrela do Mar navegou com fúria e astúcia, conseguindo assim encontrar a
saída sem quase sofrer nenhum arranhão, logo em seguida o túnel desabou.
De repente um enorme urso branco, com um horroroso corte já cicatrizado no
focinho, saltou sobre o navio. O animal abocanhou um dos marujos jogando a cabeça
dele na água, jogou Salete contra o peitoril do navio e correu na direção de Giulia, que
arrancou a espada para enfrentá-lo.
Com uma patada o urso derrubou a espada da jovem, ela então se afastou
alguns passos caindo em seguida de costas no chão.
Um brilho vindo da bainha da espada de Giulia tomou os olhos do animal de
habitat gelado. O urso então cessou o ataque e indagou: - O que um Capitão Ordenado
faz em tal lugar?
Todas as armas foram apontadas para tal criatura. O urso polar não parecia
estar feliz e nem com medo.
-Viemos em resgate. –expressou Giulia, preocupada com o que ele faria com
ela.
-Um resgate? O que está havendo por aqui? É a segunda embarcação que
passou por aqui. A primeira dominada pelos detentores dos anéis, a águia dourada
simbolizou. –informou o urso polar um tanto confuso.
Entretanto, ao ver Marcos que tentava descer para os patamares inferiores do
navio, sorrateiro, o urso saiu em disparada ao encontro dele, parecendo estar muito
furioso. Assim, o urso saltou sobre o homem e prensou sua pata no pescoço do
capitão.
251
-Eu me lembro de você, não poderia esquecer o presente que me deixou. –
falou o urso polar, mostrando o rasgo cicatrizado em seu focinho.
-Também não poderia esquecer tais patas. –contradisse Olivier levantando a
blusa e mostrando cortes feitos por unhas afiadas.
Bartolomeu correu para acolher Salete que se recompunha.
-Senhor... Urso. Estamos aqui para resgatar os detentores dos anéis. –
interferiu Ottávio. Este já não se surpreendia com tais criaturas, esperava de tudo
nesse mundo.
-Eles foram sequestrados e estão sendo forçados para destrancar o Código. –
aumentou Giulia, agora de pé e com a espada em mãos.
-E quem me garante que estão dizendo a verdade? –questionou o urso branco.
-Eu lhe garanto, sou uma capitã ordenada como viu. Garanto que nossas
intenções são nobres e confiáveis.
O urso encarou Marcos nos olhos, soltando-o depois. Caminhou nas quatro
patas até Giulia e a interrogou: - O que pretendem fazer para resgatar os portadores?
-Iremos se preciso guerrear com os inimigos, mas libertaremos os prisioneiros.
-Aposto que eles já devem estar chegando próximos da ilha. Como pretendem
enfrentar os perigos de tal maldito pedaço de terra?
-Lutaremos.
O urso riu, achou que a valentia de Giulia era heroica, entretanto não
adiantaria na ilha.
-Acha que vão conseguir vencer daquelas criaturas com espadas e armas de
fogo? Precisam de homens e criaturas que saibam lutar de verdade.
Giulia então teve mais uma rápida ideia: - Peço sua ajuda então senhor Urso.
-Minha ajuda? Estou condenado a barrar tipos como vocês de passarem por
aqui... Por que acha que me embrenharia numa desventura como essa?
Todos olharam à jovem, interrogativos.
-Prometemos sua liberdade. – Marcos intrometeu-se na conversa. –O
libertaremos, Jasper Moores, o urso polar.
-Minha liberdade? Creio que tal milagre não seria capaz de fazer. Ou seria? –
indagou o urso à capitã ordenada.
-Eu como uma capitã ordenada, garanto que se nos ajudar para evitarmos que
o Código seja pego e volte a levar maldades e desgraças ao mundo todo, garanto pelos
poderes que tenho, que liberto você de tal obrigação para assim voltar ao seu lar. –
respondeu Giulia, ajoelhando diante do animal.
O urso encheu-se de esperança, não pensou muito e aceitou o acordo. Lutaria
com destreza para ter sua liberdade de volta e voltar para sua casa.
Noite do jantar na casa dos Martins. Heitor esperou que sua mansão ficasse
lotada dos senhores de Santos e suas famílias para o prestigiarem. Seria nomeado
formalmente como o Embaixador de Santos pelo Representante. Engano.
A mesa estava composta por tais personagens: Heitor, Malvina, Adrian, Acácio,
o padre Inácio e o Coronel Samuel mais sua família.
252
-Isso é uma afronta para com sua pessoa, caro Embaixador. – comentou o
Representante. –Boicotando-o assim parece-me que estão concordando com as
atitudes de Rafael Hamburgo.
-Ora essa, algum imprevisto deve tê-los impedido de comparecer em tal
celebração. –o padre tentou amenizar a situação.
-Concordo com o Representante, parece-me que os senhores de Santos estão
contra a figura do embaixador escolhida pelo rei. –o Coronel aumentou a intriga.
As mulheres na mesa degustavam com dificuldade o jantar que apesar do
clima tenso estava magnífico.
Heitor não estava contendo-se dentro de si de tanto ódio, estava sendo
boicotado pelos ricos da vila. Como eles poderiam estar fazendo isso? Ele era a
autoridade máxima da vila dali em diante, logo esperaria algum respeito e
generosidade por parte deles. Furioso, iria se vingar de todos que ali não estavam, logo
a vila toda.
-Não podemos pressupor explicações para a ausência deles aqui, senhores. –
padre Inácio não queria ver uma guerra civil entre os senhores de Santos por causa de
um jantar idiota. –Tenho certeza que eles darão boas explicações.
Continuaram com o jantar em silêncio, só ouviu-se o mexer dos talheres e os
passos das escravas andando de um lado para o outro para servirem a todos.
-Peço que nós brindemos em nome de nosso caro Representante e o nosso
mais novo Embaixador. –conclamou Samuel levantando-se e erguendo sua taça cheia
de vinho para o alto. –Em nome do rei!
-Peço também que agradeçamos as novas crianças que todos os dias nascem e
as que irão nascer. – Malvina pôs-se de pé olhando fixamente no marido esperando
que ele entendesse a mensagem. Ficou incompreendida por todos e não teve a
atenção de Heitor, porque ele estava preocupado demais pelo o boicote dos senhores
da vila e via que tudo que saia da boca de Malvina era asneira.
-Isso é um absurdo! Como uma maldição está lutando ao lado dos ladrões do
Código? –o dragão discutia com Jasper Moores. – Sabe que não terá um bom destino
depois que os Feiticeiros descobrirem tal absurdo.
O urso polar e o dragão circulavam em frente um do outro, preparados para
um possível ataque do oponente.
-Estou afirmando que não são eles que querem pegar o Código e sim o navio
que passou por nós com os detentores. –o urso tentava explicar a situação ao dragão
amaldiçoado. – Vamos, junte-se a nós e nos ajude impedir a captura do livro.
-Não precisamos ajudar ninguém, a ilha é capaz de paralisar todos. Acredito
que os detentores já estejam mortos. –afirmou o dragão bufando fumaça e de olhos
atentos.
A tripulação do Estrela do Mar assistia mais uma disputa, mas essa seria
colossal, um grande duelo. Um dragão e um urso polar, que batalha!
-O nosso papel é impedir que o Código seja pego. É sua obrigação nos ajudar. –
o urso tentou em vão ludibriar o dragão.
253
-Eu sou uma Capitã Ordenada, garanto... –Giulia iria explicar suas intenções,
mas foi interrompida:
-Vamos parar de conversa. Daqui vocês não passam. - afirmou o dragão
voando para atacar o suposto rival.
Jasper correu sobre as quatro patas e levantou-se agarrando o rival. O
encontro das mandíbulas de tais animais ecoou por todos os lados. Garras, atacaram
um ao outro.
-O que poderemos fazer para impedir essa batalha? –Ottávio se questionou.
O dragão lançou o rival para longe com uma rabada.
-Tem que compreender o perigo que o Código está passando... –Jasper tentava
colher energias para combater o dragão.
-Daqui vocês não passam. –afirmou o réptil cuspindo fogo.
Salete que estava se recuperando desde que foi jogada contra o peitoril pelo
urso polar, apareceu correndo sobre o patamar superior dizendo palavras que
ninguém entendeu.
A batalha assim cessou-se. O dragão virou-se em direção do barco e
questionou a todos querendo saber quem havia profanado tais palavras.
A senhora falou novamente tais estanhas palavras: -... Intervenho por todos.
-Só os dragões lendários sabem esse dialeto, e transmite a guerreiros de
coração puro. – o imenso animal voador encarou a velha. – Como sabe falar tal língua?
-Aprendi com um grande amigo dragão do passado. Fomos guerreiros numa
grande guerra chinesa. –explicou a velha louca.
-Eu Zuco, o dragão chinês, a sexta maldição... Aceito ajudá-los.
Theodoro e Daniele foram agarrados e presos junto de Luigi. Uma corda
manteve os três unidos.
-O que você está fazendo? –perguntou Theodoro para o capitão do Minerva. –
Tínhamos um acordo.
-Eu sou um pirata, não sou do tipo de pessoa confiável. Quero vocês unidos e
espero que façam o que eu ordenar. –Sebastian encarou Theodoro. Munch precisava
ter o Código.
-Não pode fazer isso conosco. –Daniele interferiu.
-Não posso senhorita? Quem irá me impedir? –Munch usou da ironia.
-Piratas! – exclamou Luigi trocando olhares com o casal. Ele havia alertado
sobre a perversidade de tais figuras.
Os três seguiram para a ilha num bote com Danton. O capitão seguiu com
outros homens à frente... Munch precisava por o mais rápido possível suas mãos no
Código.
-Não iremos ajudar vocês pegarem o Código. –declarou Daniele com um ímpeto
de coragem.
-Tenho certeza que irão. –Danton contradisse. – Estamos apostando em tudo
ou nada. E vocês?
254
-Suponho que em nossas vidas. –respondeu Luigi, espremendo-se entre o
casal.
255
Capítulo 27: A ilha do diabo.
O dragão posou sobre o assoalho do Minerva. Tal embarcação estava atracada
em frente a ilha com somente alguns homens a tripulando enquanto o restante havia
seguido atrás do Código. Tiros, gritos, e os homens foram dominados pelo dragão.
O Estrela do Mar atracou ao lado do Minerva, Giulia então foi ter com os
homens que antes a obedeciam.
-Traidores, Sebastian os trouxe para a morte e vocês o apoiaram. –a jovem
pirata cuspiu sobre a face de um dos marujos do Minerva.
-Onde estão os portadores dos anéis? –indagou Bartolomeu. Eles precisavam
se apressar.
-Estão na floresta, embrenharam-se ilha adentro. Foram levados por Sebastian.
–explicou um dos homens extremamente temeroso e sem tirar olhos das garras do
dragão.
-Precisamos resgatá-los e impedir que peguem esse livro. -disse Ottávio. Em
sua mente passou no que haveria de acontecer com todos e com o mundo se o Código
dos Piratas voltasse à vida.
-Vamos nos dividir em grupos. O senhor Zuco e o senhor Jasper seguem
juntos... –Giulia iria ditar um plano de resgate, mas foi interrompida por Bartolomeu:
-Eles são as maiores forças devemos separá-los em grupos distintos.
-Eu adoraria voar num dragão! –exclamou Olivier admirando as asas de Zuco.
-Suba em minhas costas e vamos sobrevoar a ilha. -falou Zuco ao capitão do
Estrela do Mar.
-Pois bem, vocês sobrevoam a ilha e ao avistarem eles avise-nos. –Giulia voltou
a ditar ordens. Tal jovem era dotada de um espírito de liderança inigualável.
-Você segue com o urso e eu sigo com Bartolomeu. –sobrepôs Ottávio.
-Não preciso estar junto de uma das maiores forças. –encarou Giulia o
português. – Você segue com o senhor Jasper...
-Você é mais frágil precisa de proteção.
-O que é que está falando? Sou mais corajosa que muitos homens...
-Suponho que não irá adiantar discutirmos questões sexuais aqui, agora. –
Salete desfez a confusão. –Vamos eu e você, Giulia, juntas com o senhor Jasper e mais
alguns homens. E Bartolomeu, Ottávio e mais o restante da tripulação seguem em
outro grupo. E Gói fique cuidando das embarcações e dos dois traidores presos.
Giulia e Ottávio se encararam, ela não era o tipo de mulher que temia desafios,
e ele era cavalheiro demais para deixar uma mulher correr riscos de vida.
-Seguiremos por aquele lado e vocês vão pelo outro. –Bartolomeu assim
finalizou as trajetórias.
Maria Aparecida estava penteando os cabelos quando ouviu galopes, cavalos
entravam por seu quintal. Uma multidão de cavalos. Ela seguiu para a sacada e viu o
Representante acompanhado de Heitor e Samuel Fernandes.
Quando desceu pela escada se deparou com tais senhores entrando sem
convite mais um vez por sua sala.
256
-O que fazem em minha casa? –indagou possessa a senhora Hamburgo.
-Viemos assegurar os confiscos da Coroa. – respondeu Heitor.
-Saem de minha casa ou... -Maria Aparecida seguiu cheia de raiva em direção
de tal senhor.
-Ou o que senhora? Creio que não irá fazer nada contra ninguém. Está expulsa
dessa residência, por ordens minhas... Expedi um documento exigindo proteção aos
bens que aqui estão, pois eles correm perigo de serem extraviados. –interpôs Acácio,
cheio de si.
-Como ousam? Não iria roubar minha casa, a mim mesma.
-Sua casa não! Pois nada mais aqui é de sua família ou pertence a você. – disse
Heitor, admirado com o palacete dos Hamburgo.
As escravas, Zilda e Nina, viam tal cena, abismadas.
-Senhor Coronel, queira levar essa senhora para além dessa residência. Sua
entrada está proibida em tal propriedade real. –ordenou o Representante sentindo-se
vingado pela afronta de outrora.
-Tire suas mãos imundas de cima de mim, seu traidor. –Maria Aparecida foi
sendo carregada pelo Coronel da Guarda. Ela estava expulsa de sua própria casa.
-Vocês, suas escravas, sigam para preparar um bom jantar para nós. Pretendo
me apossar de tudo que era de Rafael. -Heitor estava sentindo-se sem limites,
onipotente. –Vão, o que estão esperando?
As duas negras saíram nas carreiras para cumprir as ordens de seu mais novo
senhor: Heitor Martins.
Dois homens seguiram de armas em punho na frente, com Sebastian logo atrás
acompanhado de mais outros dois ao seu lado. Danton puxava os três prisioneiros
amarrados na mesma corda e o restante da tripulação seguia-os atrás.
-Eu tenho um acordo... Temos um acordo. O senhor dos acordos encontra-se
amarrado com os prisioneiros. –Luigi fazia a imitação de Theodoro, zombando do
outro condenado.
-Cale-se seu pirata idiota. Cale-se. –Theodoro iniciou uma discussão com
Matarazzo. –Não estou suportando ouvir sua voz...
Todos paralisaram, algo corria entre o mato aos lados, parecendo os rodear.
-Parem!... Os três estiquem os braços, precisamos saber para onde seguir. –
ordenou Sebastian apontando sua arma para os três jovens.
Os prisioneiros esticaram seus braços, alinharam os anéis, mas nada
aconteceu.
-Mas o que é isso? Por que esses anéis idiotas não dizem para onde seguirmos?
Para onde está o Código? –o capitão do Minerva estava enfurecido, estavam sendo
perseguidos e os anéis nada diziam para onde seguir. Ele estava começando a ficar
aterrorizado.
-Acho que nossos objetos sabem que suas intenções não são as melhores. –
afirmou Luigi que teve em segundos uma arma próxima de seu pescoço.
-Reze para eles tomarem alguma atitude, pois se não, seus detentores não irão
sobreviver por muito tempo. –Munch ameaçou, astucioso.
257
Daniele de repente fora acometida de uma visão. Viu em questões de
segundos a direção para seguirem e criaturas se aproximando ferozes deles.
-Daniele você está bem? –interrogou Theodoro vendo a moça pálida e com as
pupilas dilatadas.
-Acho que eles entenderam o recado! –exclamou Danton observando o estado
da garota. -Então minha donzela, para onde devemos seguir?
-Por ali... Devemos seguir por ali... –indicando um caminho à direita, Daniele
voltava a si. -... E devemos seguir rápido, algo está se aproximando.
Pela direita entre galhos e ramos todos seguiram.
Maria Aparecida caminhou para a residência de Margot, a única pessoa que
sabia do paradeiro de seu esposo. A senhora Hamburgo estava desesperada, sua
situação havia se agravado. Não iria resistir mais.
-Eu quero saber o que está acontecendo. Estou somente com a roupa do
corpo, sendo que o restante de meus bens, estou privada de me apossar. Quero
respostas para tudo isso... Por que afinal minha filha foi sequestrada? Quero saber o
paradeiro de Rafael, e por que ele é um fugitivo de Coroa? –Maria estava desesperada,
seu mundo estava um caos. –Não me venha com palavras que fizera uma promessa...
Pois não saiu daqui enquanto não souber de tudo isso.
Margot se viu numa emboscada: - Creio que não sou eu que deva contar toda a
verdade para vossa pessoa. – e depois começou gritar pela escrava- Noxa, Noxa...
A escrava apareceu limpando as mãos na roupa.
-Traga uma peça de roupa sua, porque nossa querida senhora Hamburgo
precisa estar vestida em trajes adequados. –disse Margot obedecida pela escrava que
seguiu correndo para seus aposentos. Tal senhora seguiu até as janelas olhando entre
as cortinas e analisando a rua.
-Espera que eu vista os trapos de sua escrava para que? Deseja me transformar
numa escrava de sua residência? –Maria Aparecida não encarou a ordem com
raciocínio de planos.
Margot observou dois soldados com distinta presença na rua vistoriando sua
casa.
-Está sendo seguida, se quer ir junto de seu marido à caverna do velho Jones,
deve sair sem chamar atenção. Com tais trajes que está não sairá despercebida, não
acha? –explicou a senhora Reghine.
-Ele está naquela caverna? –indagou a esposa de Rafael, surpresa.
-Irá seguir junto de meu escravo com um pangaré pelos fundos a tal destino. –
respondeu Margot demonstrando esperteza.
E Mercy escondida escada a cima ouviu tudo com atenção.
258
Marcos voava nos ombros de Zuco. Estava sentindo-se um Deus, parecia que
tinha o mundo todo aos seus pés. O vento batendo em seu rosto proporcionava uma
sensação totalmente diferente de todas que já um dia sentira. Sentia-se livre.
De repente, sentiu-se um solavanco. Zuco estava sendo agarrado por cipós de
árvores que estavam abaixo deles. A ilha reagia contra a invasão.
O réptil teve as duas patas traseiras enlaçadas por cipós. Ele tentou voar para
além dali, mas a força dos vegetais eram maiores.
E isto fez Marcos escorregar dos ombros do dragão, mantendo-se suspenso
agarrado nas asas de tal criatura cuspidora de fogo. O capitão assim sacou sua arma
com dificuldade e atirou em um dos cipós, deixando uma das patas de Zuco livre.
Entretanto os dedos de Olivier escorreram e este começou cair para baixo rumo à
mata.
O dragão fez um grande esforço e se desvencilhou da planta que o dominava.
Depois mergulhou para a mata, voou em alta velocidade e conseguiu segurar o homem
em seus ombros novamente.
-Obrigado. Pensei que ia comer terra. –disse Marcos que tinha suor no rosto.
O dragão então continuou voando. Porém, uma revoada de morcegos de
estrutura herbácea surgiu de entre as árvores diante de Zuco que seguiu em uma
direção oposta.
-Senhor Zuco, espero que tenha visto os morcegos. –alertou o capitão do
Estrela do Mar, temendo por seus destinos.
-Sim, apareceram em nossa frente, desviamos. –declarou o dragão.
-Não estou falando daqueles e sim dos que apareceram atrás de nós.
Duas revoadas, milhares de morcegos-plantas perseguiam o dragão e o
homem.
Zuco desviou para direita, depois esquerda, para cima e para baixo, mas as
criaturas da ilha eram mais velozes, e assim armaram uma emboscada. As duas
revoadas de morcegos encontraram os perseguidos.
Marcos caiu sobre as árvores, batendo em galhos e folhas, deparando-se com
o chão. Tinha machucados por todo o corpo, estava sujo de terra e ofegante. Estava
dolorido.
Após restabelecer-se, pôs-se de pé e seguiu mais adiante para onde o dragão
havia caído.
Zuco estava coberto de sangue, e gemendo de dor. Suas asas tinham sido
devoradas, só um toco delas permanecia em suas costas.
-Senhor Zuco. Pelos Deuses! –Marcos sentiu pena de tal réptil.
-Estou entregue à morte. –disse o dragão com os olhos quase se fechando. –
Estou castigado a viver pela eternidade em tal mundo esquecido pelos Deuses. Sangue e sujeira se misturavam em seu corpo reptiliano.
-Ainda pode usar suas patas, vamos andando de volta para o navio. –Marcos
queria salvar o mais novo amigo da morte. - Viverá.
Barulhos ecoaram na mata, criaturas da ilha se aproximavam.
-Não iremos conseguir chegar ao navio. E um dragão não é um dragão sem
suas asas... Vamos, faça um favor para mim, evite que tais criaturas me devorem. Evite
que essa criatura sofra de dor e angustia... Use sua espada.
-Não poderia senhor Zuco, seria ir contra meus princípios...
-Aqui em tal lugar não há princípios. Faça o que eu te peço.
259
Marcos recebeu um pedido de piedade vindos dos olhos do dragão. Então,
tirou sua espada... “Adeus, senhor Zuco, foi um prazer conhecê-lo.”... Assim enterrou a
lâmina na cabeça do réptil que fechou os olhos em seguida.
Criaturas da ilha estavam se aproximando. Marcos lavou sua espada num
pequeno braço de água que passava por ali perto evitando que o cheiro de sangue
atraísse os monstros e seguiu pelo caminho das águas, com sua espada e arma de fogo
em punhos.
De repente, um servo-planta então surgiu dentre os matos. Ficando na mira da
arma de Olivier.
-Ei, você me assustou bichinho. –Marcos não viu maldade em tal criatura.
Transparecia ser extremamente agradável, contraditório sendo um monstro da ilha.
O servo foi se aproximando aos poucos, barulhos de água e galhos quebrando
também ocorreram atrás do homem. Ele virou-se para ver o que era, um grupo de
servos-plantas o encaravam. Com um golpe rápido tal homem impediu o ataque da
criatura que deixou atrás de suas costas.
O servo apunhalado se transformou em um pó verde que ao bater no chão fez
crescer pequenas gramíneas e musgos.
-Venham suas criaturas demoníacas, estou pronto para lhes enxerem de balas.
–exclamou Marcos Olivier atirando para frente e desvencilhando golpes de espadas.
E assim tais criaturas assim o atacaram.
Os gritos de Olivier romperam por entre a mata. Sebastian então acreditou
que um resgate havia os perseguido.
-Creio que vosso pai enviou uma comitiva para resgatá-la. –afirmou o capitão
para a donzela Hamburgo.
-Estamos salvos. Ele fará picadinho de você. –Daniele sentiu o conforto de sua
casa próximo. Com certeza seu pai iria matar Sebastian.
Sebastian Munch riu e disse: - Espero que ele tenha coragem de me enfrentar
quando eu estiver portando o Código.
Maria Aparecida achou um absurdo ter de seguir até a caverna sozinha por
covardia do escravo de Margot. Não havia fantasmas em tal lugar.
Seguiu aos tropeços por entre as pedras da caverna tomada pelas águas do
mar, e sentiu um tanto de nojo dos trajes da negra que estava vestindo... Assustou-se
ao ter uma arma engatilhada na frente de seu nariz.
-Chico? O que faz aqui? Também sabia onde estava Rafael? –Maria Aparecida
sentiu-se traída por todos.
-Senhora Hamburgo... –disse o escravo abaixando imediatamente a arma.
-Cadê o meu marido? Quero vê-lo, agora!
Rafael levantou-se do chão onde cortava um peixe possivelmente para
degustar: - Maria?
Liron que estava numa pedra à cima se escondeu ao ver a mulher.
Não, definitivamente Maria não viu uma criatura daquelas! Um leão com asas?
Não.
260
-Rafael? – a elegante senhora não se aguentava mais naquela firme posição.
Abraçou-o, desandou a chorar e pedir explicações para o marido de tudo o que havia
acontecido. – Quero atitudes suas o mais rápido possível, tomaram meus vestidos e
joias!
Mercy estava com um véu sobre o rosto e entrou tranquilamente na casa de
sua amiga avisando Malvina que queria falar com Heitor.
-O que quer com ele Mercy? –indagou Malvina, sem compreender tal
exigência.
-Avise-o que vim dénoncer o paradeiro de Rafael.
O grupo que tinha a liderança de Giulia, do urso polar Jasper e Salete acabou
em uma clareira, um campo com somente alguns arbustos espalhados. Tal local já
tivera a presença de nossa jovem mocinha Daniele na presença de cavalos ferozes.
Desta vez um grande urso-planta dominava o ambiente, ele seria um empecilho para o
grupo.
-Homens preparem as armas. –ordenou a jovem. Lutaria bravamente.
-Essa batalha é minha, jovem pirata. –interveio Jasper.
-De modo algum irá lutar com aquela criatura, sozinho. –Giulia encarou o feroz
e enorme urso polar. - Não posso deixá-lo fazer isso.
-Minha jovem, é o meu compromisso defender o Código. Sigam vocês as
pegadas que estávamos seguindo e evitem que tal mal volte à vida! –O urso caminhou
para o duelo. Rugiu.
-Não! –Giulia teve o braço agarrado por Salete que a alertou:
-Precisamos ir Giulia, temos tal missão para cumprir.
Jasper, o urso polar, olhou para trás e se despediu de seu grupo balançando a
cabeça.
O urso polar e o urso-planta correram um ao encontro do outro. Entrelaçaramse, atacaram um ao outro com fúria. Rugidos, patadas, força, poeira... Fúria, uma
incrível batalha.
Após uma boa disputa o urso polar com uma patada deixou a cabeça de seu
oponente pendurada sobre o corpo. Parecia que a batalha estava ganha, contudo em
questões de segundo plantas começaram refazer o estrago feito e o urso-planta estava
recomposto. A luta recomeçou, mais sangue e dor.
A senhora Hamburgo estava impressionada com a história que o marido havia
lhe contado. Deuses gregos, um livro super poderoso, um homem que sequestrou os
261
amores mortais do Olimpianos, o seu marido foi um pirata em tempos passados...
Tudo era irreal!
-Por que odeia tanto o pai daquele forasteiro? –interrogou a senhora, abalada e
surpresa com tudo.
-Depois que terminou a batalha contra o Código... –Rafael continuou
explicando para esposa. Não havia como mentir ou ocultar mais nada para ela. Todo
seu passado já não era mais segredo. -... Eu e Emanuel seguimos para o maior roubo
de nossas vidas. Estávamos decididos em deixar as vidas de piratas para trás...
Roubamos ouro do tesouro de Poseidon. Mas, o Deus do Olímpo descobriu o assaltou
e veio atrás dos ladrões aqui em Santos, onde estávamos atracados. Emanuel foi pego
por ele e... Culpou-me por todo o roubo, disse que não tinha deixado uma só moeda
de ouro com ele. E assim... Fui amaldiçoado, fui condenado a nunca mais por meus pés
nas águas dos oceanos, ou flutuar sobre elas... –o senhor Hamburgo então entrou na
água do mar entre as rochas.
Maria Aparecida viu seu marido se transformar num monstro do mar. Tinha a
aparência de um cavalo-marinho. Ela segurou o choro e levou as mãos diante da boca.
Rafael foi saindo das águas tomando sua forma normal e continuando sua
declaração: -... É por isso que o trai. Mas o pai de Theodoro me traiu primeiro, me
entregou para Poseidon. Por isso fiz de tudo para mantê-lo longe de Santos e do meu
ouro, pelo ouro que fui amaldiçoado. Era o meu ouro!
Maria estava sem palavras. Tudo era possível para ela dali em diante. Mitos
não existem?! Existiam, eram reais, não eram mitos.
-Você deve estar me odiando. Dou toda razão para você... –Rafael foi
interrompido pela esposa, que o afagou:
-Por que te odiaria? Odiaria meu marido por abdicar de uma vida pirata? Dele
ter pego ouro de um Deus pagão? Por ele ter dado o troco no amigo pela traição?... É
claro que não, eu te amo demais para deixá-lo por coisas como essas.
Os dois se abraçaram. Apertaram-se com força, eles precisavam desse abraço.
-Pois então aproveitem esse momento. Porque não terão como se abraçar na
prisão. – declarou Heitor Martins invadindo o local de supetão.
Chico estava dominado por dois soldados e o Representante estava ao seu lado
junto com Samuel.
O ronco de Liron foi apaziguado por Rafael que lhe fez um sinal para continuar
escondido. “Não”.
-Espero que tenham ingleses para intervir pela senhora na prisão senhora
Hamburgo. –o Representante instigou a senhora.
-Leve os dois para prisão. –ordenou Heitor, encarando Rafael. –O seu fim
chegou Rafael. Um tempo de ordem e paz irá reinar em Santos daqui em diante.
Contidos pelos guardas o senhor e a senhora Hamburgo estavam sem
escapatória.
-Seu traidor! –Rafael declarou para Samuel quando este o agarrou.
Estavam sendo perseguidos, já não tinham o mesmo grupo do início. Homens
tinham se dispersado em desespero para tentarem salvar suas vidas. O melhor que
262
havia para ser feito eram todos permanecerem juntos disse Bartolomeu que estava
amedrontado em tal lugar. Tal homem nunca imaginou estar na ilha, passar por tais
perigos. Poderia morrer. Sua vida era preciosa.
Ottávio não parecia mais o jovem português mercador de outrora. Era agora
um jovem guerreiro, cheio de coragem para agir quando fosse preciso, e salvaria a sua
vida e a vida dos outros. Seus olhos e sua imaginação se depararam com coisas e seres
nunca antes pensados por ele, parecia magia, outro universo, outra vida... Enquanto
caminhava ao lado do ex-capitão de tripulação do Minerva e cercados de homens
tremendo as pernas, os queixos e joelhos, ele pensou em Daniele. Sua amada estaria
livre para amá-lo dali em diante, pois Theodoro... Aquele forasteiro!... Tinha que
acabar com ele ali mesmo. Deixá-lo se possível ali para ser devorado pelas feras da
ilha, tais ordens e desejos se assemelhavam com as do patrão.
Em questão de segundos um dos homens foi puxado para cima das árvores,
desaparecendo. E todos começaram a atirar para o alto da copa da árvore.
Sentindo algo úmido e quente cair sobre sua cabeça Ottávio passou os dedos
para verificar o que tinha sobre si, esfregou e cheirou-o em seguida. Tinha uma textura
grossa, um cheiro ácido... Sangue escorria do alto da árvore. Mais tiros.
Em mais uma fração de segundos, marsupiais-plantas com garras e dentes
afiados saltaram sobre o grupo que tentava se proteger com golpes de espadas e tiros.
Mais mortes, a ilha fazia jus a seu nome.
O casal Hamburgo não teve o luxo de permanecer junto na prisão, e cada um
foi levado para uma cela distinta.
A senhora Hamburgo era difícil de ser domada, estava possuída de raiva. Era o
seu fim pelo o que parecia. Traições, ganância, corrupção entre outras mazelas haviam
feito parar ali. Onde estaria sua filha? E Rafael para onde o levaram?
-Eu exijo que me tirem daqui, eu sou a senhora Hamburgo. –disse Maria
encarando um dos soldados que brincava sozinho com um baralho. –Ei, seu soldadinho
de chumbo estou falando com você, seu empregadinho de nada, seu...
O soldado ficou de pé e seguiu até a cela de onde a mulher berrava. Apesar dos
gritos de tal senhora serem altos, eles chegavam aos seus ouvidos um tanto baixos,
pois a algazarra que os outros condenados estavam fazendo era imensa.
Os outros prisioneiros também gritavam para o guarda que os retirasse dali,
diziam que eram inocentes, homens da lei e da justiça. Exigiam também suas solturas.
Ironias.
-Calados vocês. - gritou o guarda para todas nas celas. Silêncio, olhos
arregalados. O soldado virou-se para Maria Aparecida e então permitiu que
continuasse: – Prossiga.
-Exijo minha soltura, quero a presença de um advogado... –mas tal mulher foi
interrompida pelo soldado:
-Disse para prosseguir com as ofensas.
-Como?
-As ofensas. Quero ver até onde tem coragem para seguir.
-Tenho muita coragem, isso você pode ter certeza, seu pau mandado...
263
-Mais um insulto e retiro você de sua cela individual e ponho-a nas do lado. –
disse o soldado, com os olhos fixos nela. Não iria permitir ser ofendido por uma mulher
e ainda uma criminosa, mesmo que ela fosse Maria Aparecida Hamburgo. –Elas estão
repletas de homens que Rafael mandou prender... Então, aonde foi parar sua
coragem?
-E agora? Para onde seguiremos? –Danton questionou os detentores. Estavam
numa vala entre a floresta com vários caminhos para seguir.
-Que tal voltarmos ao navio? –Luigi ia seguindo puxando os outros dois que
estavam amarrados com ele, mas deteve-se com um dos homens apontando uma
arma para ele.
-Se vocês quiserem perder os miolos. –o homem alertou.
-Então? Para onde está o Código? –perguntou Sebastian Munch.
-Não sabemos, os anéis não dizem para onde seguir. –falou Theodoro que
temia por sua vida.
Barulhos de tiros e gritos de desespero foram ouvidos não tão longe dali.
-Daniele?! Daniele?! –alguém chamava.
-Ottávio? Ottávio? –Daniele se impressionou com a voz do amigo em tal local.
–Vieram nos buscar. –gritando em seguida. -Ottávio, estamos aqui! Aqui!
-Mais um grito eu mato todos você. –o capitão tinha a testa da jovem na mira.
Os homens que lideravam a frente do grupo deram um grunhido de susto. Um
lobo-planta estava em suas frentes. A estrutura da criatura era uma junção de
samambaias, trevos e galhos de pinheiro; seus olhos eram vermelhos como rubi e seus
dentes pareciam pequenas pedras pontiagudas, e de seu focinho saía uma fumaça
branca.
Todos começaram entrar em desespero, queriam correr para trás, mas foram
impedidos por lobos-plantas que os cercaram pelas costas.
-Estamos em apuros. –ressaltou Luigi, imaginando o quanto deveriam doer
aquelas presas o mordendo. –Seria bom gritar pelos seus salvadores, donzela.
O lobo que estava na frente rompeu um ataque que não ficou em vão pelos
homens que lhe inferiram tiros.
Todos atacaram.
Luigi queria correr para um lado, mas era puxado pelos outros dois
condenados para outro canto. Um dos lobos saltou sobre o jovem Matarazzo que se
desviou e os dentes da criatura cortaram as cordas que o mantinha preso. O jovem
pirata então saiu em disparada para o primeiro caminho que viu livre.
-Vamos por ali, o nosso resgate está ali. –afirmou Daniele que ainda mantinhase junta de Theodoro.
-Não, os monstros estão ali. Antes de querer sair da ilha, precisamos salvar
nossas vidas, por aqui... –disse Theodoro puxando a moça para o caminho desejado
por ele.
Correram, correram , correram. Até que Daniele pediu para descansar um
pouco, pois já não aguentava mais correr, parecia que haviam despistado os monstros.
264
-Tudo bem. Sente-se naquela pedra. –indicou Theodoro um pequeno rochedo.
Daniele sentou-se ofegante, estava realmente cansada. Há dias não dormia um
sono tranquilo. Seu corpo doía, sentia sede, queria sua casa. Ela era uma donzela.
Theodoro manteve-se de pé, deu dois passos para frente e se paralisou. Mal
respirou.
-Precisamos sair daqui. Aonde viemos parar? Meu deus! –Daniele reclamava
enquanto Theodoro permanecia sem reação. –Theodoro, o que houve? Está bem? –ela
se levantou reparando na paralisia repentina do amado.
-Não dê mais nenhum passo, fique parada. Não venha para cá... Areia
movediça. –informou o jovem Castro duro como gesso seco.
Daniele viu as pernas de Theodoro começar a desaparecer. Precisava fazer
algo. Ela também começou ser puxada por estar amarrada junto de Theodoro. As
cordas nos seus ponho tinham mais força que ela, e começaram então queimar sua
pele. Dor.
-Theodoro... Theodoro...
O jovem Castro não tinha o que fazer, estava sendo sugado para dentro da
terra, iria morrer. Mas e a promessa que fez a seu pai?... Sua vida estava em risco.
Daniele então se segurou na pedra, fazendo força para suportar o seu próprio
peso e o de seu amado.
Suor, força, desespero, mais força e assim a jovem Hamburgo superava suas
forças e usava todas suas energias... Theodoro estava fora da areia, sujo.
Ela correu para acalentá-lo, beijou-o como se há tempos não o visse. Ele um
tanto alucinado, foi voltando a si, os beijos de Daniele o fazia reviver.
O clima foi esquentando, mãos, apertos, amassos, beijos, línguas...
-Não Theodoro. –Daniel desvencilhou-se. –Não aqui, não assim.
Theodoro queria muito, mas respeitou-a. Apesar de que se quisesse ninguém
iria o impedir de abusar dela. Garota idiota, pensou ele.
-Precisamos procurar alguém que possa nos tirar daqui. –afirmou ela, com
Theodoro sobre si e incapaz de ver maldade em tal figura.
Luigi seguiu correndo, porém parou um pouco para respirar. De repente ouviu
barulhos... Pegou um galho grosso de árvore que estava no chão e mirou para o rumo
entre os arbustos, pois algo se aproximava. Estava próximo... Os arbustos
movimentavam-se rapidamente... Algo grande?... Um roedor.
De olhos com uma cor amarelada e dentes afiados um roedor surgiu. Calmo e
paciente tinha a aparência de um rato só que um pouco maior e feito de plantas.
O jovem pirata olhou com nojo e desprezo para tal criatura, recuperando-se do
susto. Luigi imaginou que algo enorme e feroz sairia dentre o mato.
-Seu animalzinho... Planta... Seu monstrinho repugnante! –Luigi preparou um
ataque quando de repente mais roedores-plantas começaram a sair de entre os matos.
Eram muitos, uma ninhada.
O jovem Matarazzo largou o galho e saiu em disparada, desesperado. Estava
sendo perseguido. Correria e gritava por ajuda.
265
Correu entre a mata, tentando despistar as criaturas. Mas, os monstrinhos
eram um tanto velozes.
De repente, o jovem Matarazzo esbarrou em um obstáculo, caindo no chão.
Tiros. Os roedores estavam sendo mortos.
-Giulia?! -Luigi se impressionou com a presença da irmã ali diante de si.
Estavam Giulia e Salete. E assim, a irmã abraçou com força o irmão.
-Também senti sua falta. –exclamou Luigi, mas que urrou de dor após receber
um soco da mesma. –Você é maluca?
-Você é um covarde! –exclamou a jovem Matarazzo que sentia um misto de
raiva e alívio. –Fugir do Minerva? O que tinha em mente?
-Fugir! –expressou ele se recompondo do golpe.
-Assuntos familiares podem ser resolvidos depois, meus jovens. Precisamos
evitar que o Código seja pego... Temos que honrar as vidas que foram perdidas em prol
dessa aventura. –Salete sentiu falta de Tibério.
-Para onde eles foram? –perguntou Giulia ao irmão.
-Não volto para lá. Seguirei para o meu navio. –mas Luigi foi agarrado pela
irmã.
-Deixe sua covardia de lado, é um detentor dos anéis. Precisa honrar o
juramento que fez ao nosso pai... Lembra-se?
O jovem Matarazzo encarou os olhares das mulheres que ali o cercavam.
Lembrou-se do pai... Do dia do juramento quando recebeu o anel. Era seu
compromisso. Assim, pegou uma arma da algibeira da irmã e disse: - Vamos impedir
esse roubo... Nem que minha vida esteja correndo risco, não acredito que falei isso.
Contradição! Piratas impedindo roubos? Os tempos mudam.
De repente o casal foi surpreendido, Sebastian, Danton e mais seis homens
estavam com as armas em punho cercando Theodoro e Daniele.
-Olhem só, os ratos de porão fujões. Os achamos! –exclamou Danton.
-Agarrem os dois e não os soltem por nada. –ordenou Sebastian encarando o
casal em seguida. –Acharam mesmo que alguns lobos feitos de plantinhas teriam a
capacidade de nos parar, e que vocês poderiam fugir? Idiotas!
-Deixe-nos livre... –quando Daniele cheia de coragem, e ao se defrontar com tal
pirata ganhou um bofetão dele em sua face.
-Da próxima vez, eu mato vocês dois. –alertou o capitão, a ira havia o
dominado.
Daniele e Theodoro seguiram junto com o grupo de outrora. Estavam presos
novamente. Tudo estava perdido?
-O que iremos fazer?- perguntou Daniele sem esperanças para o amado.
Theodoro não respondeu, parecia mesmo que estavam condenados a morrer
em tal lugar.
266
A cela era a mesma em que o famoso e velho pirata Rúbio havia ficado antes
de subir para o matadouro. Rafael sentia nojo daquele lugar sujo, apertado e
fedorento.
Heitor paralisou em frente à cela. Era Deus agora em Santos, finalmente tinha
vencido seu maior inimigo. Venceu com grande estilo, derrubando-o duramente.
Rafael Nunes Hamburgo em sua frente preso, incapaz de qualquer atitude, era
prazeroso. Luxúria! “Olá.”
Rafael olhou para Heitor, tal figura lhe trouxe uma ira enorme. O senhor
Hamburgo levantou-se com agilidade e agarrou Heitor pela gola, prensando-o contra a
cela: - Seu animal nojento! Eu vou acabar com você, quando...
-Quando? Seu tempo acabou Rafael Hamburgo, esse é seu fim. –disse Heitor
que se desgrudou dos punhos do inimigo preso.
Respiração profunda e ódio se misturaram.
-Você não vai conseguir o que deseja, não vai mesmo. –afirmou Rafael com
desejo de vingança.
Heitor contradisse com um sorriso em rosto: - Eu venci, você perdeu. Sou o
campeão!
Como se houvesse algum torneio existente em outrora.
Todos tinham suas armas erguidas e em mira com o grupo oposto. Seus dedos
estavam prontos para apertarem os gatilhos.
-Vocês estão em minoria. Não vão querer disputar conosco... Perderão suas
vidas. -alertou Sebastian coagindo os irmãos Matarazzo e Salete.
Giulia não estava disposta em se entregar, perderia sua vida, mas não iria
deixar ninguém capturar o Código... Salete e Luigi se entreolharam.
A jovem Matarazzo manteve-se só, mirando o capitão do Minerva, e as armas
dos seus dois aliados foram jogadas no chão.
O grupo com ideal de capturar o Código dominou seus inimigos.
-O que? –Giulia indagou os dois aliados, impressionada.
-Precisamos viver para impedir que o Código seja salvo. -respondeu Salete,
matutando um plano.
-Primeiro viver... Segundo salvar. -disse Luigi sendo agarrado e amarrado.
Contradizendo a atitude de tão pouco.
-Os Matarazzo são uma mistura de empecilho com incapacidade. –Sebastian
incitou Giulia que era amarrada com os prisioneiros. – Detentores dos anéis... Guie-nos
até o Código. Urgente!
O Minerva e o Estrela do Mar estavam atracados um ao lado do outro. Gói
ficou naquele para assegurar se caso o grupo inimigo quisesse voltar.
267
Andava de um lado ao outro, ouvindo alguns barulhos vindos da floresta no
centro da ilha. A noite era eterna, o mar estava calmo, o vento era tranquilo. Calmaria
demais!
Contudo, o corcunda observou um vulto no assoalho do Estrela do Mar.
“Quem seria? O que seria?”.
Ele desceu do Minerva e subiu no navio oposto com uma espada na mão direita
estando pronto para trucidar quem fosse.
Era um pequeno macaco, com mais ou menos uns cinquenta centímetros, e
tendo na ponta do rabo uma folha paralelinérvea. Macaco-planta.
Gói passou as mãos nos olhos, esfregou-os, para poder acreditar que estava
vendo tal criatura.
O pequeno serzinho perambulava calmamente pelo navio, cheirando objetos
caídos no assoalho, mexendo em tudo o que via, e depois entrou no quarto do capitão.
Quando passeava sobe a cama de algodão Gói entrou em disparada no cômodo.
A criatura se assustou, o homem jogou sua espada no monstrinho que escapou
por pouco. Fuga e quebraria.
O macaco-planta só tinha a porta por onde entrou como saída. Encarou seu
inimigo, saltou sobre seu rosto, depois pulou sobre um lampião e correu de volta para
a floresta.
-É isso mesmo, corra sua criatura estranha... –Gói sentiu o cheiro de madeira
queimada e fumaça após alguns minutos conjurando palavrões e ofensas contra o
macaco.
O Estrela do Mar estava queimando. Causa: o lampião que o macaco-planta
derrubou.
-Como? Não estou te entendo. –disse Margot para Mercy.
-Já dit, não há nada de complique, de complicado. Irei me instalar na maison
dos Hamburgo. Na verdade ex-moradia de tal famille, agora propriedade da Coroa e
futuramente... Minha casa, ma maison! –Mercy conseguiu parte de sua vingança, com
a delação do esconderijo de Rafael, conseguira méritos com o Representante e Heitor.
Apesar disto, esperava mais. –Bonne nuit e obrigada pela hospitalidade.
A francesa se despediu da velha amiga, subiu na carruagem que
disponibilizaram para ela e seguiu para seu mais novo lar.
A senhora Reghine estava surpresa mais vez. Sentido comum há alguns
tempos. Tudo parecia estar um caos. Estava! E de repente ela ouviu o bater de asas no
céu.
Liron voava em direção aos fundos da residência de sua companheira. Sua
dona desesperou-se, alguém poderia ver seu animal sagrado. Ele não poderia voar até
ali. O que havia ocorrido?
-O que faz aqui Liron? É perigoso. Alguém pode vê-lo... –Margot fora
interrompida pelo animal:
-Margot... Rafael... Rafael e sua esposa foram presos.
268
-Como? Como descobriram o paradeiro dele? Seguiram Maria?... Mercy! Ela
ouviu minha conversa com Maria Aparecida. –Margot entendeu a mudança e a
festividade da francesa.
-Precisa fazer algo. Rafael será julgado sem ter a possibilidade de se salvar. –
Liron estava furioso e triste ao mesmo tempo.
Margot era cobrada da salvação de um homem que a decepcionou. Rafael
queria acabar com Theodoro... Matou Rúbio... Mandou fechar o Bairro Pirata... Mas,
ajudou-a ser livre após a queda do Código... Ajudou Liron, seu animal sagrado... O que
ela faria?
-Você ficará no quarto que é de Theodoro... E eu vou para a prisão ver o que
posso fazer...
O grupo inimigo estava andando por entre a mata, quando de repente Ottávio,
Bartolomeu e mais quatro homens cercaram-nos. “Soltem suas armas, rendam-se.”,
exigiu o português.
Munch e Danton não tiveram outra reação que tomar os capturados com
armas em seus pescoços exigindo o mesmo dos homens que os apoiavam.
-Não tentem nos parar ou eles morrem. –ameçou Sebastian.
-Solte-os, vocês não tem escapatória. – disse Bartolomeu.
-Não temos nada a perder... Ao contrário de vocês... –afirmou Danton
cheirando o cangote de Daniele que gelou de medo.
-Não toque mais nela, seu animal. Não hesitarei em meter balas em sua
carcaça. –disse Ottávio sentindo ciúmes.
-Atirem logo. O que estão esperando? Salvem o Código desses gananciosos. –
gritou Giulia que teve a boca tapada em seguida.
-Não! Estão loucos? Precisam matar eles e não nós... –amedrontou-se Luigi.
-Ah sim, e nós vamos permanecer nessa discussão inquietante para o todo
sempre?!- interrompeu o capitão do Minerva – Não estou mais com paciência... –
Munch engatilhou sua arma no pescoço de Theodoro. – Deixem-me pegar o meu livro
ou eles morrem.
Giulia mordeu a mão do pirata que a segurava: - Seu livro?
-Não... Ottávio mande seus homens abaixarem suas armas, não podem nos
fazer mal. – pediu Daniele temerosa por seu amor que tinha uma arma sob a garganta.
-É preciso que se evite esse mal, senhorita. Precisamos morrer em prol dessa
salvação. – implorou Salete que agora entregaria sua vida para assegurar o Código. Ela
sabia que o mundo não seria o mesmo se tal obra saísse dali.
-Você é mesmo uma velha louca. Que absurdo! Salve-nos, eu ainda sou o
capitão do Minerva. Exijo ser salvo. –falou Luigi temeroso por sua vida.
Risos.
-Não fale asneiras nosso querido capitão. –falou Bartolomeu. – Não vamos
deixar que peguem o Código.
-Não vamos deixar que peguem os portadores dos anéis. –contradisse
Sebastian.
269
-Chega! –berrou Theodoro- São de nossas vidas que estão falando.
Precisamos... –ao que iria ditar regras, uma grande lacraia saiu de entre a mata e
atacou um dos homens de Ottávio, deixando somente a parte abaixo da cintura do
infeliz diante de todos.
O animal de estrutura herbácea tinha várias patas, duas grandes presas de
rochas grossas e negras e poucas folhas espalhadas pelo seu corpo. Sua estrutura era
em maioria composta de galhos secos e afiados.
Sangue do homem atacado bateu no rosto de Giulia que golpeou o seu
dominador e depois após roubar a arma dele atirou para se salvar contra o monstro.
Tiros, o animal começou a se contorcer, assim todas as armas foram apontadas
disparadas nele. A criatura atacou mais um homem... Dor, gritos, desespero,
adrenalina correndo no sangue de todos.
Depois de alguns instantes, o quilópode se transformou numa imensa fumaça
verde, emitindo um cheiro asfixiante de grama cortada. E ao cair no chão o pó verde se
transformou em belas margaridas.
Giulia, Bartolomeu, Sebastian e Danton eram os únicos que conseguiram ficar
com armas em punho, poiso restante perdeu as suas em suas salvações.
Braços esticados e dedos nos gatilhos... Giulia mirava em Sebastian, Sebastian
em Bartolomeu, Bartolomeu em Danton, e este em Giulia.
-Então... –disse Bartolomeu. –Agora, vamos atirar uns nos outros?
-Acredito que essa não será a melhor saída? –expressou Munch.
-Não vou deixar que o Código seja capturado. –afirmou a Matarazzo que
apertou o gatilho.
Todos os gatilhos foram apertados. Nenhuma pólvora, nenhuma bala. Não
havia munição.
Surpresa, temor pela vida.
Assim, os inimigos de Matarazzo sacaram suas espadas com a ajuda de seus
comparsas e dominaram o grupo.
-Vamos finalmente ao meu prêmio. –afirmou Sebastian. -Eu irei pegar o meu
livro.
-Todo seu. –afirmou Luigi, com as mãos para cima.
Suas energias diminuíram... Theodoro foi dominado por algo estranho. Seus
olhos reviraram, os outros dois portadores dos anéis sentiram os objetos queimarem
suas peles. O jovem Castro previu o caminho para o Código.
-E então meu jovem? Para onde devemos seguir?
-Não. Minta, salve o mundo. –Giulia implorou.
Theodoro respirou fundo, suando, tinha que salvar sua vida. “Por ali.”
270
Capítulo 28: A captura do Código.
Margot ouviu uma conversa dos atuais senhores de Santos e se escondeu para
que ninguém a visse.
-Senhor Representante, creio que não seria preciso levar o infeliz para Lisboa.
Pois aqui mesmo podemos dar seu merecido destino. – disse Heitor sedento de
vingança.
- Não sei se seria o gosto do rei... –ia dizendo Acácio quando interrompido por
Adrian:
-O rei tem tantos compromissos e assuntos de mais importância do que se
preocupar com um pirata aposentado.
-Com toda certeza. Podemos executar Rafael aqui mesmo, fazendo a justiça
prevalecer conforme a lei. –Heitor queria ver Rafael aniquilado de uma vez, sem
oportunidades de no futuro confrontá-lo. Seus olhos brilhavam e já imaginava a cena
de Rafael pendurado na forca.
-O que está pensando? Em matar Rafael? –Samuel Fernandes arregalou os
olhos, não imaginava que o senhor Martins seria capaz de tal mal contra seu inimigo.
-Boa noite, senhora. –disse um guarda atrás de Margot. Esta se assustou e
agarrada pelo braço foi levá-la para a sala onde se encontravam os quatro homens. –
Senhor Coronel, esta senhora estava ouvindo a conversa de vossos senhores...
-Ora vejam... Margot Reghine. – Heitor encarou a senhora com desprezo. – O
que fazia ouvindo nossa conversa? Pretendendo levar informações para alguém, sua
velha enxerida?!
-Não pretendo falar nada a ninguém. Vim aqui, pois queria falar com Rafael e
Maria. –argumentou ela.
-Como já está sabendo da prisão deles? – interrogou Adrian abismado como as
informações corriam rápido pela vila.
-Mercy não é do tipo de mulher que contêm palavras. –Margot tentava se
desvencilhar das garras de seu opressor.
-Ah, a francesa! – exclamou Samuel.
-O que quer falar com eles? – perguntou Acácio intrigado.
-Preciso ver como eles estão. Como anda minha querida amiga, ela não é uma
mulher acostumada com tal local, tenho certeza que deve estar desesperada.
-Pois bem, quer-se falar com ela, acalente sua amiga. Mas só verá ela, as visitas
para o prisioneiro estão proibidas. –falou Heitor quando Margot ia seguindo
acompanhada pelo guarda conforme as ordens do Coronel. Contudo, ele agarrou tal
senhora pelo braço e alertou-a: – Contenha sua língua, minha velha. O pior mal que há
no mundo é a boca descontrolada dos seres humanos, acredite que não terei a mesma
piedade como tive agora, pois está livre mesmo tendo ajudado aquele pirata
desgraçado que é Rafael.
-Sei muito bem o que devo ou não falar, meu caro Embaixador. – Margot puxou
seu braço, desvencilhando-se do homem. Ela demonstrou não sentir medo, apesar de
temê-lo intimamente.
271
A cima das escadas na casa do Hamburgo, a francesa estava sentindo-se
suprema, era como o sol. Estava radiante, cheia de força e alegria. Finalmente tinha
conseguido sua vingança contra Rafael... Aquele desgraçado! Ele teria o fim merecido e
ela ficaria com tudo o que era dele.
Zilda via tal mulher sobre as escadas e não gostava muito da imagem. O rosto
dela estava todo deformado, tinha acabado a beleza jovem e sensual da francesa que
conheceu tempos atrás. A velha escrava começou a pensar em tudo que havia
acontecido até ali. Em dois meses tudo tinha se transformado na casa de seus
senhores e na vila. Tantas mudanças, tantas desgraças. Seus senhores estavam presos,
a jovem sinhazinha estava desaparecida e o futuro era incerto.
-J'ai gagné! –berrou Mercy, de braços abertos. Glória.
A prisão era algo horroroso, as paredes tinham os tijolos à amostra. O fedor
do local era uma mistura de suor com carniça, o ar era quente e havia sujeira por todos
os cantos. Ratos, baratas e aranhas, dividiam o ambiente com os condenados.
-Margot? Minha amiga, graças a Deus. Por favor, tire-me daqui. –pediu Maria
Aparecida, que estava num estado deplorável. Vestindo a roupa da escrava da senhora
Reghine e em tal ambiente havia perdido a graça e a elegância que tinha antes.
-Por favor, deixe-nos a sós. –pediu Margot para o guarda.
-Tem cinco minutos. – disse o homem, retirando-se de cena.
-Margot, vá até a capital e peça ajuda para meus conhecidos ingleses, tenho
certeza que a Coroa Inglesa irá intervir por mim e meu marido.
-Minha amiga, precisamos fazer algo urgente. Creio que as coisas não estão
boas para vocês dois... Heitor está cego de ódio. –exprimiu Margot cabisbaixa.
-O que? O que está querendo dizer? –interrogou Maria Aparecida e um frio
tomou sua espinha.
- Aquela forca não foi a melhor ideia de Rafael.
O grupo ia seguindo para dentro da caverna. Estava muito escuro mesmo com
as tochas que os homens de Sebastian levavam, era grande a dificuldade de enxergar
algo.
Os dominados pelos capturadores do Código seguiam em linha reta,
amarrados por uma corda. Giulia ia falando, exigindo ações dos detentores dos anéis.
-O que queria que fizéssemos senhorita? Que morrêssemos em prol do
Código?- indagou Theodoro inconformado.
-Sim, pois é esse o fardo que devem carregar e se preciso morrer por ele. –
respondeu a jovem pirata.
-Fardo ganho sem consciência. - interpôs Daniele indignada.
-Não morreria em prol de nada. Minha vida é mais valiosa que tudo. –informou
Theodoro.
-O que valerá sua vida quando o mundo tiver terminado, seu idiota?!
272
-Vidas... O Código... Soa filosófica esta conversa. O fato é que perdemos,
estamos condenados... –ia dizendo Luigi aos tropeços.
-Não estamos condenados. Podemos fazer algo, temos que pará-los...
-Calados! –disse Munch, se aproximando de Giulia, tapando sua boca com
força. –Tape a boca dessa senhorita... A realidade é uma só minha jovem, vocês
perderam e o Código será meu. Reze para eu deixá-la viva após eu me tornar o senhor
de todo o mundo. Agora, quero silêncio, e vamos ao meu destino. - a boca de Giulia
fora assim amordaçada.
A caverna era úmida, o chão tinha uma mistura de terra com fezes de
morcegos e outros animais de habitat noturno. Um dos homens iluminou o teto acima
de suas cabeças, pois estava ouvindo alguns ruidinhos finos. E o teto estava tomado de
verde.
Animais do tamanho da palma de uma mão de homem, com oito pernas e
fiandeiras. Aranhas-plantas, milhares delas tomavam a rochosa cobertura da caverna.
E o fogo das tochas mantinha-as afastadas do grupo.
Todos começaram então andar de cabeças abaixadas, temiam as ações dos
monstros em cima de seus cocorotes. E algo passou despercebido num ambiente ao
lado do que andavam... Algo grande e feroz, parecia que estava procurando uma
forma de cercá-los.
Andaram um tanto quanto. Os capturados mal se olhavam, cabisbaixos e
descrentes. Bartolomeu o mais velho do grupo pensava que não poderia deixar que as
coisas acabassem daquele jeito, seu velho amigo Matarazzo teria feito algo. Pensou
também em várias coisas... Seu futuro... Desejos... Ottávio via que não iria cumprir o
que seu patrão e futuro sogro, como prometido por Rafael, o pediu: salvar Daniele.
Não poderia deixar que algum mal acontecesse a ela.
Eles seguiram por um túnel que tinha uma leve luz cor de ouro ao fundo e
quanto mais andavam, mais ela aumentava.
-Ali está o nosso prêmio senhores. – afirmou o atual capitão do Minerva. Seu
desejo se tornaria realidade.
Giulia trocou olhares com Luigi, e este estava desiludido. Sentia-se
incompetente, fraco, tinha que fazer algo, era preciso impedir que o Código voltasse.
Era?
Salete olhou num canto, entre uma fresta da parede, e reparou que algo os
acompanhava do outro lado.
-Está louco, matar Rafael?- indagou o Coronel.
-Sim, ele é um pirata. São as novas leis contra a pirataria. O ato de pirataria
está proibido em toda Colônia Portuguesa, e esse ato deve ser punido com a morte.
Conforme leis que vosso senhor acompanhou serem feitas. –informou Heitor risonho.
-Leis que o próprio Rafael criou. –respondeu Samuel. Rafael morto, Samuel não
acreditava em tal possibilidade.
-E que cabem a ele como todos que cá em tal terra vivem. – afirmou Acácio,
cheio de convicção e autoridade.
273
-Heitor não é possível. Tenha consciência, há muitos homens que apoiam o
senhor Hamburgo, creio que pode incitar uma guerra civil.
-Creio que seus serviços não são mais necessários, pois não condizem mais aos
meus intuitos. Preciso de homens valentes, e que não temam uma guerra em prol de
um desordeiro e infiel para com a Coroa.
-Está me tomando o cargo de Coronel?
Se aproximando de tal homem, Heitor Martins retirou o brasão símbolo de
poder que Samuel detinha:
-Espero que existam vagas no porto. Homens acompanhem nosso caro senhor
Samuel Fernandes da Silva para fora daqui.
-Heitor prometeu-me um cargo superior a esse quando te apoiei. Como ousa
me jogar fora de tudo isso. Temos um trato não?
-Eu não me lembro de ter assinado nada. Levem-no.
O ex-Coronel foi retirado da sala principal da prisão sentindo-se traído, e
sentindo-se um traidor.
-Meu caro amigo Adrian, acredito que está mais do que na hora de
recompensá-lo pelos serviços prestados até então. Por sua lealdade e amizade...
E assim, Adrian recebeu o brasão com entusiasmo. Havia recebido seu prêmio
e glória merecida. “Em um dia teremos algo com que festejar, caro Embaixador?”
-Um ato de justiça, punição, meu caro Coronel da Guarda. –respondeu Heitor
entusiasmado com a ideia de festejo para comemorar a morte de Rafael Nunes
Hamburgo.
Parecia uma sala enorme, o teto tinha rochas que apontavam para o solo,
como se tivessem sido derretidas até tal ponto e depois congeladas. Um cheiro de
enxofre tomava as narinas de todos. E as tochas foram inúteis diante da luz amarelo
ouro que vinha do centro de tal local.
Os capturados estavam de mãos atadas, não poderiam impedir o retorno do
Código. Parecia impossível impedir tal roubo.
Os olhos de Sebastian e seus homens brilharam ao olharem para aquele
monumento diante deles.
Lá estava no centro, acorrentado por grossas e firmes correntes de ouro, preso
com um cadeado de mesma origem mineral, ouro do Olimpo... O Código dos Piratas, a
mais poderosa arma de todos os tempos. Mais forte e poderoso que os Deuses do
Olímpo, capaz de tudo sem limites. Em forma de encantos e magia, seus poderes
estavam escritos nas páginas de tal obra prima. Capa dura, marrom quase próximo do
negro e cantos decorados com um verde escuro.
O Código dos Piratas, popular no meio vil e malandro pirata. Uma incógnita
para todos do que poderiam ver ao abri-lo, o que poderiam encontrar nas linhas e
parágrafos. Poder!
Danton Arrive desamarrou os detentores dos anéis, soltando-os. E armas de
fogo, agora com munição, eram apontadas para os detentores. Danton então ordenou
que seguissem para o centro e que entregassem a chave do cadeado.
274
-Vamos, entreguem-me a chave. Tirem os anéis... –Sebastian Munch estava
tentado, desejava o Código mais que tudo.
Os três postaram-se em forma de círculo. Trocaram olhares que diziam:
“Precisamos salvar o Código”, “Temos que impedir sua captura”, “Precisamos salvar
nossas vidas”...
-O que estão esperando? Vamos me entreguem essa chave... – exigiu
Sebastian, ele estava enlouquecido. Nada e nem ninguém iria impedi-lo.
-O que fará se não lhe entregarmos? Matará a nós? Nós mortos assim não terá
mais a chave, e o Código ficará para o todo sempre preso... –Luigi confrontou o
homem.
Munch sentiu uma fúria enorme, ficou possuído de ódio. Suas veias queriam
saltar de seu corpo. Deste modo ele sacou sua arma... “Pois bem, acho que podemos
viver sem o Código, mas e vocês podem viver sem seus amados, suas famílias?”, e
apontou nas pernas de Giulia, atirando na coxa da moça.
Giulia gemeu de dor, com um pano atando-lhe a boca, só murmurou. Luigi
assustou-se, se viu diante de mais uma perda de sua família. Seu pai já havia ido
embora, não poderia perder sua irmã. Olhou para Bartolomeu que estava também
sem reação, ambos ficaram abismados. E depois se voltou para Munch, este então
perguntou quanto mais iriam demorar?!
Os três detentores estavam sem saída. Daniele com as mãos na boca temia
morrer ali em tal local. Theodoro pensou no pai e que precisava cumprir o que
prometera para ele, portanto não poderia morrer.
O jovem Matarazzo então retirou seu anel, postando-o sobre a palma da
mão... Um brilho intenso foi emitido pelo objeto que começou a tremer como se
houvesse criado vida.
-E vocês dois? Caro plebeu e linda donzela? –indagou Munch, seus olhos
pareciam que iam saltar e seu semblante era um misto de loucura e poder.
Danton segurou Ottávio pelo pescoço e engatilhou a arma no queixo deste.
Daniele e Theodoro quase que ao mesmo tempo retiram seus anéis e os
postaram na palma de suas mãos... Brilho, os anéis começaram se mover. De repente o
brilho cessara. Os objetos começaram a perder sua resistência e durabilidade,
amolecendo, viraram ouro líquido em temperatura ambiente.
O líquido dourado, dotado de vontade própria, escorreu entre os dedos dos
detentores dos anéis. E ao se encontrarem com o chão seguiram para o centro entre
os jovens, começando circular um ao outro. Até que se uniram e tomaram uma nova
forma. A chave para destrancar o Código estava diante de Sebastian. Ele estava
encantado. A chave.
Todos observaram tal cena com imenso temor. Medo do futuro!
Munch então pegou a chave, era como se tivesse a sua vida sobre sua mão. O
futuro era ele que ditaria dali em diante, pensou: “Eu sou o rei do mundo”.
Os jovens ex-detentores se afastaram de tal figura com seus olhos arregalados
e rostos cobertos de medo... Deste modo, uma sombra enorme tomou as costas de
Sebastian Munch que não a reparou, pois tinha os olhos fixos na chave.
-Capitão... Atrás de você... –disse Danton, com as palavras ditas em solavancos,
parecendo estar extremamente assustado.
Ao se virar, o capitão do Minerva era uma miniatura de ser vivo diante da
imensa criatura. Ela tinha os olhos prateados, alguns cipós verdes e outros com de tons
275
azul escuro formavam seu corpo. Seu chocalho era feito de uma madeira marrom terra
e suas presas de cor amarela palha se mostravam potentes.
O capitão do Minerva tentou correr, mas foi agarrado pela cobra-planta pelos
pés, e a chave escorreu entre seus dedos. Enfiando suas unhas na terra e diante de
Luigi, o capitão do Minerva pediu a ajuda do jovem Matarazzo: - Luigi, por favor, me
ajude?!
-Desculpe, mas não posso ajudar capitães sem coragem. –ironizou Luigi que só
observou o homem ser lançado para cima aos berros e depois ser devorado pela
poderosa serpente.
Todos os ajudantes de Sebastian começaram a atirar na criatura que seguiu
para atacá-los.
Os dominados aproveitaram então para se soltarem... Bartolomeu bateu em
um dos homens e pegou de volta a espada que era de Giulia. Com o objeto cortou as
cordas que amarravam a todos e foi ao auxílio da jovem pirata em seguida.
-Não se preocupe estou bem, o tiro só foi de raspão. Precisamos pegar aquela
chave. –afirmou a jovem Matarazzo, pegando sua espada de volta.
Um dos homens tentou seguir pelo caminho que haviam entrado, entretanto,
uma multidão de aranhas saltaram sobre ele, matando-o e invadindo o ambiente. A
Ilha tentava impedir que o Código fosse pego.
A imensa serpente mastigava mais alguns homens. Enquanto Daniele era
auxiliada por Ottávio e Theodoro.
-Tudo bem, minha querida? –Ottávio era cordial.
-Precisamos sair daqui, meu amor. –Theodoro tirou as mãos dela sobre as de
Ottávio.
-Você irá salvá-la? Não teve nem a competência de impedir que os anéis
virassem a chave. Por favor, forasteiro! Daniele deixe-me ajudá-la.
-Tire as mãos dela, Portuga de uma figa. Ela é minha noiva.
-Acho que você está enganado, pois o noivado de vocês foi terminado após
Rafael descobrir o que realmente queria se aproximando da família dele.
-Cale-se, seu verme. Não sabe o que está falando. –disse Theodoro agarrando
uma espada que estava caída no chão e depois mirando a ponta do instrumento contra
o peito do outro: -Antes que você se machuque.
Ottávio pegou outra arma cortante, respondendo que o plebeu não sabia
manejar ao menos uma espada. “E com uma origem humilde e duvidosa de
benevolência.”
-Seu desgraçado...
Os dois começaram a duelar. Suas espadas ergueram-se e desceram tentando
atacar um ao outro. Golpes firmes.
-Senhores, creio que assim não irão conseguir resolver os nossos destinos. –
Daniele tentou impedir tal confronto. Os seus dois amores duelando e por sua causa.
Homens!
-Eu vou acabar com você, seu Portuga, pau mandado.
-Terei o prazer de liquidá-lo. Seu forasteiro...
-Parem de agir como crianças, não será na força que irão conquistar meu
coração. –gritou Daniele que sentiu um vapor em sua nuca. E ao se virar, saiu correndo
da imensa serpente que quase a abocanhou.
276
Ela estava desesperada e tentou se salvar entre algumas colunas de rocha.
Mas, a cobra-planta não iria desistir de atacá-la.
Bartolomeu lutava de costas com um de seus inimigos, defendiam-se dos
ataques das aranhas. Após se salvarem, o velho amigo de Pedro Matarazzo virou-se,
enfiando sua espada na barriga do outro.
Salete jogava pedras nas aranhas que tentavam pular nela. E um dos
aracnídeos saltou sobre o rosto da velha, ela assim o segurou firme fazendo força para
impedir que a criatura lhe enfia-se as presas. Logo, tal senhora rasgou o pequeno
monstro ao meio, como uma folha de papel, e as duas partes depois de alguns
instantes viraram pó verde.
O ambiente foi dominado de uma poeira verde imensa. O cheiro de grama
cortada era forte e o espírito de luta pela vida era imenso.
-Desista Theodoro, você mal sabe manejar essa espada. - Ottávio dera um
golpe certeiro em Theodoro, fazendo um corte no rosto deste.
O jovem Castro então lutou com mais força. Ambos desejavam a morte do
outro.
Daniele correria desesperada, estava com sorte, conseguindo desvencilhar-se
com tanta astúcia do monstro. Mas estava sentindo que não poderia ficar assim por
muito tempo, precisava de ajuda. A jovem Hamburgo, no chão, rolou de um lado ao
outro para se desviar dos ataques da serpente, e com rapidez enfiou-se num buraco
entre os rochedos com areia caía sobre si. A força com que a criatura atacava iria logo
destruir as pedras e tal monstro pegaria Daniele.
-Socorro!- gritou desesperada a jovem Hamburgo, suando.
Os dois inimigos perderam suas armas e agora lutavam aos murros. Cansados e
sujos caíram um ao lado do outro, respirando fundo e tentando recompor suas
energias. Contudo, o grito de Daniele ecoou pela caverna e os dois rapazes então
correram para atendê-la.
Giulia tinha a chave nas mãos, não deixaria que ela caísse em mãos erradas.
Entretanto Luigi ao se desviar de um ataque de uma aranha, esbarrou na irmã e a
chave escorregou para longe.
-Desculpe maninha. –disse Luigi atirando em uma criatura que saltaria sobre
Giulia em seguida. –Você precisa sair daqui, está ferida.
Os gritos de Daniele cessaram. Theodoro agarrou um grande pedaço de rocha
e lançou sobre a imensa serpente desviando a atenção dela, e Ottávio golpeou um dos
homens inimigos pelas costas e toma sua espada, assim ao que a imensa criatura
virou-se a Theodoro, o jovem português decepou o suposto chocalho do monstro que
ao cair no chão formou imensas raízes conectadas com a terra.
A criatura soltou um grunhido e começou a se debater de dor. O encontro de
seu imenso corpo com as paredes da caverna causaram um estrondo enorme, fazendo
pedaços de rochas começaram a cair os quais quase atingiram Giulia e Luigi.
Bartolomeu ajudou Salete que havia escorregado e estava no chão e seguiram
em seguida para fora da caverna. “Ei vocês dois, ajudem a donzela e vamos sair logo
daqui”, alertou o velho Perez Sanches.
Ottávio olhou para Daniele desmaiada no buraco, o medo a fez esmorecer.
Theodoro tentava correr para junto dos dois, mas a criatura enlouquecida de dor o
impedia.
-Precisamos tirá-la daqui. –disse o jovem Castro. –Ela precisa ser salva.
277
Ottávio tinha que sair logo dali, em poucos minutos a caverna iria desabar, pois
a serpente se debatia com força nas paredes e no teto. Também tinha que salvar
Daniele e liquidar Theodoro, conforme as ordens de Rafael Hamburgo.
-Ei você. Ajude-nos. –ordenou Ottávio ao ver Danton tentando sair correndo. –
Se quer viver pirata, agora precisa ficar do nosso lado.
Danton Arrive estava sem capitão, era um pirata sem superior. Poderia sair em
disparada, mas o jogo havia virado e os mocinhos tinham ganhado.
Ottávio então colocou Daniele sobre os braços do homem com sestro no olho.
“Se acontecer algo com ela, eu mato você.”
-Precisamos ir. Pretende ficar aqui? –indagou Arrive sem entender a missão
que o jovem mercador tinha o destinado.
-Leve-a, salve-a. Será recompensado pela salvação dessa donzela. Agora, vá.
Ottávio assegurou a saída de Danton e Daniele e seguiu para atacar a imensa
serpente. Após alguns golpes e um certeiro, uma grande fumaça verde se propagou
pelo ambiente. Musgos, gramíneas, samambaias e pequenas margaridas dominaram
as paredes e o chão da caverna.
Rochas continuavam caindo, e Theodoro tentava se desviar das pedras dotadas
de força peso. Assim sendo, o jovem português então se aproximou do seu inimigo
com um tanto de dificuldade.
-Se viera para me salvar... Perdeu seu tempo, Portuga, consigo me proteger
sozinho. –disse Theodoro seguindo o caminho para fora da caverna, entretanto urrou
de dor em seguida. Paralisando-se.
Ottávio havia enfiado sua espada no pé direito do jovem Castro, juntando chão
e Theodoro.
-Seu desgraçado. Louco! –berrou Theodoro, tentando desgrudar a espada da
terra. Ele sentia muita dor.
-Somente um pode ter Daniele... Somente eu posso proporcionar o melhor
para ela. - Ottávio logo em seguida saiu em disparada para fora da caverna, deixando o
inimigo para trás.
O jovem português correu aos solavancos, acompanhado de aranhas que
também tentavam se salvar. Havia terminado com Theodoro, seu inimigo estava
liquidado.
Do lado de fora, Danton pôs Daniele no chão e a velha Salete socorreu a moça.
-Ela está bem? –perguntou Bartolomeu vendo a palidez de Daniele.
-Sim, só está desmaiada. –Danton em seguida teve o pescoço mirado pela
espada de Giulia.
-Seu traidor! -cumprimentou Giulia, segurando os desejos para não arrancar a
cabeça de tal homem.
-Não precisamos disso agora, ele perdeu, minha irmã. Nós vencemos, eles não
conseguiram. –declarou Luigi ofegante num canto.
Danton postou-se aos pés de Giulia, pedindo perdão, desculpas e
demonstrando estar arrependido.
A caverna estava desmoronando, as rochas iam caindo e poeira se erguendo.
-Cadê o jovem português e o outro detentor? –Giulia questionou Danton.
-O jovem português disse-me para trazer a donzela para fora. Foi o que fiz. Não
sei o que ficou fazendo lá... – dizendo isso o aliado de Munch foi agarrado pelo
colarinho da camisa por Bartolomeu:
278
-Você não fez mal para eles, não é mesmo?
Muita poeira esvoaçava, e Ottávio saiu da caverna correndo e tossindo, em
seguida ela desabou.
Giulia abraçou o jovem português com força, como se há tempos não o visse: Pensei que algo de ruim tivesse acontecido com você.
-Estou bem, obrigado.
A jovem Matarazzo corou-se de vergonha. Estava agindo como uma donzela
idiota, pensou.
-E sua perna? –perguntou Ottávio que ao ouvir de Giulia que estava bem,
seguiu para o lado de Daniele.
-Onde está o outro detentor? –indagou Salete.
O jovem Ottávio de Mello olhou para todos, não disse nada e abaixou a
cabeça. Todos entenderam, Theodoro havia morrido. Mas não podiam imaginar que
Ottávio havia provocado a morte dele.
Após mais algumas palavras, seguiram a caminho da praia, onde estavam os
navios que os levariam para casa de volta.
Daniele não acordou nesse meio tempo, parecia que seu desmaio juntou-se
com o sono atrasado.
Danton seguia junto deles, como um cachorro sem dono, ouvindo as ofensas
de Giulia. Ele pensou no amigo Sebastian, e rezou baixinho durante o percurso pela
alma do infeliz.
No grande campo onde os ursos haviam lutado, o corpo de Jasper era
chamativo. A imensa carcaça de pele branca e suja de sangue fez com que Giulia caísse
aos prantos. Os olhos do urso polar estavam abertos, grandes olhos negros. Assim a
jovem Matarazzo então os fechou, e voltou-se irada para Arrive: - Está vendo,
causaram a morte de inocentes.
A tristeza tomou o grupo.
De repente, Salete e Bartolomeu se entreolharam ao ouvirem alguns barulhos
estranho. E que aos poucos foram aumentando, e ao voltarem suas atenções para a
floresta que haviam acabado de sair se deparam com a destruição. Árvores caíam e
uma grande poeira verde se erguia. Parecia que tudo estava se desfazendo. O
encontro de rochas com a água do mar tornou-se nítido nos ouvidos de todos.
-Meus caros amigos, creio que precisamos sair daqui... Ou acabaremos... –disse
Bartolomeu que agarrou Giulia e começou a se apressar. -... Mortos.
A ilha estava se desfazendo. Tudo começava a afundar e as criaturas se
transformavam em pó. Flores de todos os tipos começaram a boiar sobre as águas do
mar.
Correria. Ottávio pediu ajuda a Danton para carregar Daniele, e todos
começaram correr em disparada à praia. O que havia causado tal ação da ilha?
O corpo de Jasper, o urso polar, então foi levado para o fundo do oceano junto
com rochas, areia e plantas.
Desespero, suor, adrenalina. As pernas de todos estavam se esforçando ao
extremo, apesar do cansaço corriam com muita rapidez para salvarem suas vidas.
Ao verem a praia, tiveram a imagem do Estrela do Mar queimando e o Minerva
sendo tripulado por Gói parecendo perdido com tal acontecimento.
-Vamos estamos perto. –gritou Bartolomeu, olhando para trás e vendo os
destroços da ilha mergulhando.
279
O pequeno corcunda viu a ilha ir desaparecendo, e as aves-plantas no céu que
pareciam temer por suas vidas iam se transformando em pó e ao baterem nas águas se
transformavam em flores de cores azuis, amarelas, vermelhas, roxas... O que estava
acontecendo?
Os desesperados então conseguiram chegar ao navio subindo no Minerva.
A ilha foi afundando, até que desapareceu.
A lua proporcionou uma cena magnífica... As flores flutuando sobre as águas do
oceano cercando o Minerva iluminado pela luz branca do satélite, tal cena parecia uma
homenagem aos mortos que lutaram bravamente para impedir que tal objeto fosse
pego. Honra.
A infernal e temida ilha não existia mais. Cumprira seu compromisso, barrar
desordeiros e gananciosos de se apoderarem da arma mais poderosa do mundo. A Ilha
do Diabo chegara ao fim, fizera seu trabalho e levou junto dela para o fundo do oceano
o Código. O mundo parecia que finalmente não deveria se preocupar com tal obra
causando morte, dor e destruição pelos quatro cantos do planeta.
-O que aconteceu? – Gói questionou o grupo, abismado após a cena que viu.
-O que aconteceu pergunto eu. O que aconteceu com o Estrela do Mar? –
Ottávio exigiu explicações do homem corcunda.
-Os animais... Os monstros da ilha...
A jovem Matarazzo admirava o local onde estava a ilha em poucos minutos
antes, e sentia-se aliviada pois tinham conseguido impedir que o Código fosse pego.
Agora a maldita ilha havia levado o livro infernal e a chave que o trancava para o fundo
do oceano daquele mundo em outra dimensão além de nossas realidades. Fim?
-Você conseguiu, parabéns. Veio para cá, nos salvou e impediu que o Código
fosse pego. –disse Luigi, pondo as mãos nos ombros da irmã. – Pedro Matarazzo se
orgulharia... Agora, precisa cuidar desse ferimento na perna.
-Você também foi valente, provou que é bem mais do que eu pensei que fosse.
–Giulia observava profundamente nos olhos de Luigi. - Não se preocupe, foi um tiro de
raspão, estou bem.
De repente, um barulho nas águas ao lado do Minerva desviou a atenção de
todos. As águas começaram se mover afastando-se para que algo do fundo do oceano
emergisse. Marolinhas se debateram contra o casco do Minerva.
Um homem começou a surgir apoiado no timão de um navio. E após alguns
segundos, um imenso navio de madeira marrom-avermelhado, com caravelas
amarelas-palha, dotado de muitos canhões e tripulado por monstros horrendos
emergiu das águas... Um homem estava no controle de tal embarcação, poderoso,
forte e de peito estufado. Ele segurava um livro na mão esquerda e controlava o timão
com a mão direita.
O Código dos Piratas havia sido capturado.
280
Capítulo 29: A sétima e última maldição.
O navio era imenso, tinha uns cinquenta metros de comprimento. Sua cor era
um marrom-terra forte parecendo ser muito resistente. Estátuas de animais do fundo
dos oceanos compunham a frente da embarcação, suas caravelas eram amareladas se
assemelhavam com a cor de vômito, e tinha vários buracos em seu casco que atrás
eram tapados por canhões. Era um verdadeiro navio de guerra.
Os monstros que o tripulava tinham várias feições. Alguns tinham seus rostos
deformados, escorrendo uma espécie de sangue azul, outros tantos tinham rostos de
animais, tais como rinocerontes, águias, cavalos, tatus, flamengos, abelhas etc.
Característico dos exércitos de Hades e Ártemis, respectivamente.
Tais figuras flutuavam diante dos navegadores do Minerva. Estes estavam
impressionados, bocas abertas e olhos arregalados. O que temiam que acontecesse,
acontecera: o Código foi roubado.
O dono do Código então abriu seu livro, lançando-o para frente. O objeto
flutuou diante dele, e tal homem leu algumas frases e de repente alguns de seus
servos surgiram atrás dos navegadores do Minerva e os dominaram.
Daniele começou a abrir os olhos, um pouco sem força. A mistura do reflexo da
lua e da escuridão ainda deixava-a tonta.
O dono do Código seguiu até o peitoril do seu navio que dava diante do
Minerva e o peitoril se abriu, deixando o passar. Também uma pequena ponte se criou
diante do pé dele que assim chegou no navio ao lado.
-Boa noite! – ironizou ele. -Que caras são essas? Não sou um monstro... –
indicou ele seus medonhos servos.
-Mas eles são! – disse Danton analisando o rosto da criatura com cara e asas
de corvo que o agarrava.
-Assustam!- Luigi analisava com terror as deformações de tais criaturas.
-Você roubou o Código! –exclamou Giulia, descrente.
-Oh, jovem pirata, acho que roubar não seria o melhor termo, devo dizer ele se
tornou meu. Mas não se sinta incapaz, é mesmo muito corajosa. Seguiu para um
mundo além do nosso para salvar seu imprestável irmão e o Código. Somente alguém
com muita coragem para agir com tanta astúcia. Porém, eu sou mais inteligente e forte
que qualquer um de vocês. Era evidente que me sairia melhor...
A jovem Hamburgo então se postou de pé. Daniele não havia visto que os
tripulantes do Minerva estavam sendo agarrados por bestas deformadas, e só queria
seguir aos braços de seu amado. “Theodoro...”, mas fora detida por um monstro que
tinha um dos olhos pendurado e o maxilar deslocado com um sangue azul escorrendo
dos poros de sua cabeça que continha apenas alguns fios de cabelo de tons verdes. “...
Theodoro... mas o que é isso?”
-Acordou do susto?!- indagou o dono do Código, com imensa ironia nas
palavras. -Está bem, meu amorzinho?!
-Sim, estou... O que está havendo? –Daniele então percebeu que um monstro
a segurava, arrepiou-se ao perceber. Não compreendia tal situação. -Que criatura é
essa? O que houve? – ela questionou após verificar que todos estavam sendo
dominados.
-Simples donzela, ele roubou o Código. O seu namoradinho é um ladrão, um
infeliz. – Giulia tentava se desvencilhar das garras de seu carrasco em vão.
281
-Não me surpreendeu tal atitude vinda de tal pessoa. – expressou Ottávio
recebendo um tabefe do monstro águia que o segurava.
-Vejam só... O Príncipe Luso então resolveu abrir a boca. Quem você pensa que
é para dizer sobre a dignidade e más intenções de qualquer pessoa?- Theodoro se
aproximou de Ottávio rosto a rosto, e o português conseguiu sentir o vapor quente
saindo das narinas de seu opressor. Depois voltando para todos sobre o Minerva
Theodoro declarou: - Caros amigos, devo informá-los que nosso honrado herói
português não goza de tanto valor... És um assassino Ottávio de Mello. Um assassino!
O português foi então agarrado com força pelo pescoço por Theodoro. “Mas
não conseguiu me matar.”
Daniele não conseguia entender o que estava acontecendo, e Giulia não
conseguia acreditar que o Código havia sido roubado.
Salete pensou em suas previsões... O mal havia voltado, O Código dos Piratas
havia revivido. Todos ali precisavam fazer algo para barrá-lo e evitar para que ele não
saia daquela dimensão. Mas, como?
-Acredito que seu patrão ficará muito decepcionado com sua pessoa, quando
souber que seu empregado...
-Genro. –interpôs o português tentando respirar.
-Genro?! –Theodoro caiu em gargalhadas. – Como se sente sendo um homem
que sua suposta noiva ama outro? Ela me ama e eu estou vivo. Sobrevivi para receber
todo o amor vindo dela... -Ottávio foi largado caindo de joelhos no assoalho,
engasgado.
-Deixe-nos em paz. –gritou Luigi que tentava se desvencilhar das garras dos
servos de Theodoro.
-O filhinho covarde de Matarazzo então exigi paz? Não fora capaz de cuidar de
um anel, como ousa em exigir algo?
-Não poderíamos esperar piedade de uma pessoa, um monstro como você. –
falou Salete. – Mas terá o que merece Theodoro Castro, você imagina que o Código é
sua glória, mas ele será o seu fim.
-Oh, que medo das previsões da velha louca.
-Contenha suas palavras rapaz, não irei permitir que... –Bartolomeu iria
enfrentar Theodoro quando interrompido por ele:
- Fará, o quê? Todos vocês agora não passam de ratos encurralados. Não valem
nada, não são de nada. O máximo que podem fazer é morrer, mais nada. –disse
Theodoro, no centro de todas as atenções. –Como achavam que iriam salvar o mundo?
Uma jovem pirata que não esquece o pai morto; o irmão covarde e imprestável que
não é um homem capaz nem de arcar com os próprios erros...
-Como ele sabe dos nossos sentimentos e medos? –perguntou Salete a
Bartolomeu que respondeu petrificado de temor:
-O Código lhe dá a capacidade de entrar em nossas mentes e invadir nossos
pensamentos e alma... Seus poderes agora são ilimitados, o impossível se torna
possível.
-... Um velho pirata caquético, uma velha louca... Um português assassino e
desonesto... – e dizendo tal discurso o dono do Código trocou olhares com Daniele e
Ottávio. -um corcunda horroroso, um pirata traidor e uma donzela apaixonada e
inocente.
282
Daniele estava sentindo-se perdida, tudo aquilo que estava ouvindo parecia
inimaginável. Não era possível, o amor de sua vida ser capaz de agir de tal forma. Ele
era o ladrão do Código. Aquele não era o Theodoro que conhecera.
-Pare. -berrou Daniele que tentou se esquivar do monstro, mas só conseguiu
ser solta com ordens de Theodoro para com a criatura. –O que está havendo aqui,
Theodoro? Por que estamos sendo encurralados por você? Por que você roubou esse
livro? Por que tudo isso?
-Quantos porquês. Uma sessão inquietante de interrogativas... –o jovem
Matarazzo estava um tanto exausto- É mesmo por que está fazendo tudo isso?
-Porque eu não morri como o português queria e estou pronto para vingar
meu pai, conforme tinha prometido. - o dono do Código respondeu as interrogativas
com ódio nos olhos e dor na alma. Seu pai seria vingado.
-Então era tudo verdade sobre seu pai?
-Não, aquilo que lhe falaram é mentira... O seu ardiloso patriarca, Rafael Nunes
Hamburgo, roubou o meu pai. O roubou e o perseguiu fazendo Emanuel Zacarias
Castro, meu pai, sair correndo como um cachorro de rua sem rumo e destino com as
mãos atadas e com os bolsos vazios... Por culpa do seu pai, minha família, eu,
passamos necessidades... Fome, frio, humilhações... Tudo o que é de ruim. Por culpa
do seu pai.
-E o nosso amor? O Theodoro que conheci era uma invenção, uma fraude? –
Daniele ficou alguns passos longe de seu grande amor, temente não estar diante do
Theodoro que amava. E se estas perguntas tivessem respostas afirmativas, não saberia
como agir e viver dali em diante. Desilusão. –Não é possível que só aproximou-se de
mim para... Vingar o seu pai...
-Eu sou o verdade Theodoro, esse Theodoro que irá vingar Emanuel Zacarias. O
forasteiro é então o dono mundo... E aquele era uma atuação, uma farsa... E amor?
Nunca houve amor, não seja ingênua!
-Eu havia dito... –Ottávio tentou dizer algo, contudo fora impedido, pois o
monstro que o segurava o impediu de tal ato.
-Não pode ser possível! Não é verdade... Tudo o que passamos não valeu de
nada?! –Daniele sentiu sua cabeça doer. Parecia que agulhas estavam furando seu
crânio... As palavras de Theodoro iam passando pelos seus tímpanos e os faziam vibrar
como tambores em dia de samba. Dor.
-Deixe de ser tão inocente. Essa é a verdade, você foi somente uma peça para
eu conseguir conquistar a vingança que desejo. Contudo, devo reconhecer que alguns
dias para cá, as coisas pareciam estar ocorrendo contra o meu sucesso. Porém, o
próprio destino me deu algo para a minha glória. Eu sou o dono do Código dos Piratas.
–convicto e supremo Theodoro sentia os poderes do livro começarem a entrar por seu
corpo e alma.
-Questão de sorte e não destino. –disse Giulia extremamente desiludida e
perdida em relação a tudo o que ocorria – Acredita mesmo que está sendo iluminado
em cometer tal mal?
-Por que não estaria? Mas seja como for, é o agora. Eu sou o dono do mundo.
-Você não me ama?... Nunca fiz parte dos seus sonhos... Desejos... Meta de
vida?... Mas e suas palavras de carinho, amor... Como pôde ser tão falso?
O jovem português com muita rapidez ao perceber que não estava preso com
tanta força pela criatura, sacou sua arma e atirou em direção de seu inimigo.
283
Theodoro então desviou e Ottávio fora agarrado por mais três monstros. Todos
sabiam que seria inútil qualquer tentativa de matar o dono do Código, pois ele era
imortal. Entretanto, o tiro fora pego de raspão, fazendo sangue escorrer do braço do
dono do Código. Contradição.
-Como você ousa tentar me matar, seu verme? O que acha que devo fazer com
você, sua criatura horripilante e imprestável? Eu sou imortal! Imortal! –Theodoro se
vangloriou e depois inferiu um golpe na barriga de Ottávio.
-Senhores, sejam cavalheiros e deixem as balas para as mulheres a fim que elas
morram sem dor. E vocês se suicidem com as suas espadas como verdadeiros homens.
Pois, acredito que daqui de tal lugar, vossas pessoas não sairão e a morte... Já é algo
certo. – as gargalhadas do líder e de sua tropa ecoaram por todos os lados.
-Não terminei... –Daniele agarrou no braço de Theodoro. Ela tinha lágrimas
cheias de dor e desilusão. O amor, algo tão divino e único capaz também de
transformações se não bem cuidado... Transforma-se em ódio. -... Diga-me Theodoro,
olhando nos fundos dos meus olhos... Que você não me ama e tudo o que vivemos foi
mentira. Diga?! – os gritos da jovem flutuaram mar afora.
Todas as atenções se voltaram para tal cena. Ottávio ainda tentava capturar
um pouco de ar para os pulmões, via tal situação e sentia pena de sua amada. Daniele
exigia o amor de um homem, o qual não era ele. Ottávio amava Daniele.
O dono do Código olhou para os olhos de sua cobaia. O rosto de Daniele tinha
os músculos contraídos, seus cabelos estavam um tanto desarrumados e alguns fios
grudavam-se com as lágrimas que escorriam em grande volume de seus olhos. A boca
em linha reta dava ideia da pressão que os dentes faziam uns nos outros... Coração
partido.
-Eu não a amo, você só foi uma peça para eu conquistar o que queria. –o jovem
Castro então após dizer tais palavras com calma e lentidão para perfeita compreensão
da ouvinte foi largado pelo braço. Um leve sentimento de piedade quis tomar seu
coração, havia vivido algo com aquela jovem, mulher, como ignorar o que viveram e
até estava sentindo certa afeição pela pessoa dela... Porém tinha que cumprir o que
prometera para o pai... Vingança. –Me desculpe, é a verdade, minha amada.
Daniele então cambaleou até o centro do navio, como se tivesse levado um
soco de direita. Estava sem rumo, só ouvia um chiado como um zumbido forte, não
conseguia distinguir monstros de pessoas... Perdera o chão e a compreensão da
realidade.
-Adeus Daniele. – e ao terminar de dizer tais palavras como num passe de
mágica, Theodoro sumiu diante de todos. O ar dobrou-se e o sugou. E logo após isto,
ele estava sobre o navio do Código, em frente ao timão da embarcação. –Boa viagem
para todos, deem um oi para Hades e que ele tenha piedade de suas almas ao
chegarem no submundo.
Os monstros que seguravam a tripulação do Minerva de repente
desapareceram e se transformando em fumaça. Sobrando uma leve névoa negra com
cheiro de enxofre pairando sobre o lendário navio dos Matarazzo.
Daniele não conseguia pensar em nada mais, sua mente repetia
constantemente as palavras de Theodoro “Você foi somente uma peça para eu
conseguir me vingar pelo meu pai”.
-Infeliz, ordinário, sacripanta... –profanou Salete enquanto o navio do Código
virava-se para oeste, seguindo em alta velocidade até sumir na escuridão.
284
Sem reações, falas, gestos, o sentimento de inutilidade pairou sobre o navio...
Sem esperança de vida. Suposto fim de todos ali.
Giulia trocou alguns olhares com Bartolomeu que tentou dizer algumas
palavras, todavia não passou de uma tentativa, assim jovem Matarazzo entrou no
quarto do capitão e lá se trancou, Luigi que sempre fora tão alegre e mestre na arte de
conversar, engolira uma porção de mudez, e cabisbaixo seguiu para o convés... O
intuito: aproveitar o rum que ainda tinha disponível.
-O que faremos Bartolomeu? –perguntou Gói ao seu querido mandante. O
pequeno corcunda sentia o peso e a delicadeza da situação, e a ideia da morte era algo
quase concreto, e ele precisava ouvir a confirmação de seu patrono.
-Agora precisamos descansar. Cabeças frias, mentes tranquilas para tomar
boas decisões. Cabeças quentes, mentes afoitas, más escolhas. – respondeu o velho
amigo de Pedro Matarazzo descrente e com medo, admirando as flores flutuando.
-Não é possível que todos irão ficar parados, sem fazer nada. Chegamos até
aqui, precisamos salvar nossas vidas e impedir que Theodoro faça uso do Código para
espalhar o caos e o terror pelo mundo... –Salete exigiu de tal tripulação uma reação. Só
obteve silêncio e olhares sem perspectivas.
-Acho que temos um encontro marcado com a morte em breve, velha senhora.
–profanou Danton, seu sestro estava incontrolável, o nervosismo e medo provocavam
tal reação insuportável. Iria juntar-se em breve com o amigo, ele pensou.
Ottávio se recuperou do golpe no estômago, e pensou como tudo poderia
terminar ali. Entretanto sua preocupação maior era Daniele. Lá estava ela, no centro
do Minerva perdida, com um olhar no longe, com leves movimentos dos dedos e os
cabelos esvoaçando. As lágrimas haviam cessado, estava em estado de choque.
“Daniele...” Ela então foi chamada para a realidade. Olhando para Ottávio a
jovem Hamburgo voltou no tempo... Lembrou-se de quando eram crianças, ela a
mocinha em apuros e ele sempre a salvava... Lembrou-se de sua casa, do luxo e
conforto que a mansão no alto da vila de Santos a proporcionava. Pensou na mãe que
fora sempre tão elegante e no pai tão trabalhador... Mas Theodoro o acusava de
traição, roubo... Rafael roubou e perseguiu Emanuel... Theodoro... Vivera momentos
felizes com tal homem, ela imaginou ao seu lado por toda vida e de repente... Puf!
Tudo havia desmoronado e aquilo que haviam vivido e planejado passava a serem
chamadas e consideradas mentiras e ilusão. Fora enganada.
A jovem Hamburgo caiu aos pés de Ottávio que a segurou. O choro da jovem
que estava ferida na alma e no coração era o único som ecoando por tal amaldiçoado
mundo.
Tarde de verão, o mar estava tranquilo. O brilho do sol fazia a espuma do mar
parecer cristal líquido, as ondas eram marolinhas, e o tempo perfeito para navegação.
Margot seguiu o quanto antes para o cais do porto. Entregou uma carta para
um homem, tal carta que seria levada para o Rio de Janeiro e entregue para os
representantes da Coroa Inglesa em nome de Maria Aparecida Goes Hamburgo.
Pedido: interseção por ela e pelo marido que estavam presos e condenados à morte.
285
A senhora Reghine logo após seguiu para o Bairro Pirata, faria uma visita ao
seu amigo Augustus. Precisava saber como ele estava, depois de tudo o que ele
passou... A morte do irmão e o sumiço do sobrinho, as ordens para fechar seu bar, a
destruição dos piratas e do Bairro Pirata...
O Bairro Pirata estava às moscas, não havia quase ninguém. Algumas mulheres
mal vestidas limpavam alguns tapetes ou perambulavam com balaios sobre suas
cabeças, poucas crianças brincavam com bolinhas de gude em um canto, cachorros
reviravam latas de lixo em outro lado e um velho bêbado dormia em um beco entra
garrafas, ratos e baratas.
A imagem por entre o vidro do bar de seu amigo era triste de se ver: três
grupos de não mais que quatro homens se espalhavam pelos cantos do
estabelecimento.
“Margot. Como vai minha amiga?” perguntou Augustus ao ver sua velha
amizade entrar pelo seu velho e agora vazio bar.
“Augustus.”
Após os cumprimentos, os dois seguiram então para o balcão e lá trocaram
algumas palavras.
“Como andam as coisas? Tudo bem com você?”, questionou Margot que
estava preocupada com o psicológico de Oswald, que ela acreditava estar abalado
após os tumultos de algumas semanas atrás.
“Vivendo, minha amiga. Na verdade sobrevivendo... Tive que desembolsar
absurdos para pagar a liberação assinada pelo nosso embaixador, para poder ficar com
meu bar aberto. Muda-se o carrasco, só não se mudam os abusos...
“Notícias do seu sobrinho? Para onde ele foi afinal depois de ter sumido junto
de Heitor para Portugal?”
“Nenhuma notícia, pedi para alguns amigos que para a Metrópole rumaram
que se o avistassem ou procurassem saber informações dele e as trouxesse para mim...
E você o que veio fazer por aqui?”
“Vim...” Margot pensou alguns minutos se deveria dizer que estava intervindo
pelos Hamburgo. “... Vim em nome de Maria e Rafael entregar uma carta para ser
levada para os representantes da Coroa Inglesa no Rio de Janeiro.”
“Ah, sim, esqueço que faz graça da amizade e confiança daquela dupla dos
infernos”, Augustus ia preparando um drink, mas paralisou-se após negação por parte
Margot de uma bebida. “Fiquei sabendo que Rafael será enforcado? São boatos ou tal
milagre acontecerá?”
“Não estou sabendo de nada.”, mentiu a senhora que estava evitando pensar
em tal desgraça. “Creio que o nosso caro senhor Martins não é tolo a esse ponto.
Rafael tem vários contatos e bajuladores, seria um absurdo tal ação.” Margot então
tentou desconversar de tal acontecimento que ela sabia ser certo.
“Disseram-me que Heitor está montando a forca em praça publica para tal ato.
Acusam Rafael de envolvimento com pirataria e traição para com a Coroa... Amanhã
me posto naquela praça após o cair do sol e só saiu de lá quando vir os olhos de Rafael
esbugalhados e seu pescoço apertado pela corda da forca.”
Margot engoliu seco tal declaração e aceitou um drink do amigo.
286
Malvina ao abrir os olhos, esfregou as mãos no lado oposto ao seu na cama a
procura do marido. Ela havia dormido só.
Após ficar em trajes apresentáveis, desceu para tomar o café da manhã.
Contudo a mesa estava sozinha, quatro lugares postos sem ninguém os dominando.
Correu para a cozinha e questionou sobre a presença do marido, de seu fiel escudeiro,
Adrian, e do Representante para as escravas. A senhora Martins acreditava que todos
haviam levantado cedo e seguido para seus afazeres, afinal Rafael Hamburgo seria
julgado no próximo dia.
-Não sinhá, eles nem voltaram da noite de ontem. Estão fora de casa desde
ontem à tarde. –respondeu a escrava com medo de retaliação.
Malvina sentiu-se mal. Segurou o ventre com as mãos... Heitor procurava uma
substituta para o seu lugar?
Num mundo além deste...
Salete estava sentindo falta das brisas quentes do oceano Atlântico, do
perfume tropical da Colônia Brasileira, da gente de tal terra sempre alegre e
batalhadora. Imaginou o que seria de tudo isso agora com o Código, com um homem
coberto de rancor e com imenso espírito de vingança. Seus pensamentos logo se
voltaram para a filha e Heitor... A senhora Jácome estava esperançosa que Malvina
tivesse seguido suas ordens e partido de tal local, coisas terríveis poderiam lhe
acontecer. Desespero e medo.
O pequeno corcunda avisou Bartolomeu sobre a falta de água... Problema. Pois
não havia nada que substituísse tal substância.
Daniele estava distante, longe o suficiente de tudo aquilo que havia lhe
acontecido. Um estado de paralisia, inerte. Tais notícias e informações descarregadas
por Theodoro a fizeram mumificar na presença do ar livre.
Ela estava com os olhos inchados, a maquiagem toda borrada, o cabelo
esvoaçando com o vento, um estado lastimável. Mas a beleza natural que detinha
ainda era presente.
-Precisa recompor-se. - disse o português preocupado com o estado de sua
amada.
-Não tenho forças. Não tenho mais energia para mover ao menos um músculo.
–a jovem estava desolada. Estava machucada por dentro, ferida, com o amor
despedaço a aparência era de pó.
-Sei que é duro para você, não peço que sorria, acredito que esteja sofrendo.
Entretanto tens de erguer a cabeça, encarar a realidade, pois tem que sobreviver,
superar tudo isso...
-Não acredito em tudo o que aconteceu. Prefiro acreditar que tudo isso foi
ilusão...
-Não foi ilusão. Foi tudo verdade, infelizmente. –as palavras de Ottávio
resultavam em um olhar sombrio e triste por parte da moça. -Precisamos nos levantar,
nos unir e sair desse mundo. Só assim poderemos enfrentar aquele... Forasteiro
traidor.
287
-É claro, precisamos sair daqui. Preciso voltar para minha casa, ao lado dos
meus pais, da minha família... Assim esquecer tudo o que aconteceu e voltar a minha
vida normal. –após tais palavras a jovem calou-se e pediu para Ottávio que a deixasse
somente com seus pensamentos. O que ela faria?
Apesar de preocupado com o estado de Daniele, Ottávio respeitou o pedido.
Ele também se postou a pensar e sonhar... Tais palavras de voltar à vida ressaltada por
Daniele lhe encheram de esperança... Ele sempre foi o melhor candidato para o papel
de esposo da jovem Hamburgo.
O estoque de alimentos e bebidas já estava escasso, ficando aos ratos, às
palhas e alguns pedaços de roupa arrastados pelos roedores até ali.
O jovem Matarazzo estava alterado, havia liquidado as poucas garrafas de rum
que sobraram. E dotado de uma garrafa seca na mão direita, sentado num canto com
ratos passando pelo seu corpo sujo, falava sozinho relembrando toda a situação que
haviam passado. Relembrou ainda do passado, da honra para com o pai, da perda do
anel... Do futuro de todos... Resmungos e soluços.
De repente, dentre as prateleiras da suposta adega saiu um homem, já um
tanto velho, as cores brancas e pretas mesclavam-se nos cabelos e na barba. Tal figura
obtinha um chapéu e as vestimentas que davam a superioridade de capitão.
-Pai?- perguntou Luigi ao se levantar com desespero após levar um tabefe na
cabeça da aparição. –Mas... Mas...
-Sim, estou morto. –respondeu o suposto Pedro Matarazzo.
-Mas como... -Luigi olhou para a garrafa, esfregou os olhos e se aproximou de
tal figura. –Como você está...
-Não sou eu em pessoa, sou a sua imaginação... A imagem que tem do seu pai.
Assim em tal caricatura sou obrigado a me apresentar para lhe fazer enxergar que é
preciso que todos levantem a cabeça, lutem e saíam desse mundo. É preciso que lutem
contra o Código.
-Não tem como sair desse mundo... E o Código é invencível. –respondeu Luigi,
virando a garrafa à boca, mas não conseguiu engolir nenhuma gota. Analisou tal objeto
por dentro, o frasco estava vazio.
-Marcos Olivier saiu daqui, se ele conseguiu, por que vocês não? O Código é
invencível, mas não é impossível de contê-lo. –Pedro Matarazzo então arrancou a
garrafa da mão de Luigi, tomou lhe a cabeça e exigiu: - Eu exijo que você e sua irmã
tirem meu navio daqui. Exijo que honre com o compromisso que firmamos. É preciso
coragem, jovem pirata, pois um novo tempo está por vir, um tempo de guerra e luta.
Somente os corajosos e valentes irão sobreviver...
-Mas você é minha imaginação...
-Mas sou a imagem que tem de seu pai... Supostamente sou seu pai. Logo exijo
que corra lá para cima incite a todos e lutem contra o Código... AGORA!
Luigi então se assustou, parecia que estava diante da figura de seu pai. Pedro
Matarazzo revitalizado dando ordens e mandos... O jovem estava certo que era preciso
que saíssem dali e lutassem contra o Código. E ele precisava honrar o acordo que havia
feito com pai.
“Isso mesmo, é preciso lutar. Corra para lá e lutem...”, Pedro Matarazzo então
ficou só, pegou a garrafa que Luigi havia largado verificando que estava vazia. “Piratas,
todos beberões!”
288
A espada de Pedro Matarazzo era um objeto de glória e glamour para ele.
Quando vivo lutou bravamente tomado posse de tal arma cortante. E tal arma pôs fim
ao maior vilão de todos os tempos. Gloriosa arma.
Giulia estava sentada na cama que aguentou até os últimos suspiros de seu
pai, com a espada que agora era sua, e que obtinha uma das onze peças a tornando
um Capitão Ordenado. Entretanto, pensou ela, um capitão ordenado fracassado,
somente com um destino certo. Ela tinha vergonha de si mesma... Pensou no pai... Até
que Luigi adentrou o quarto aos berros: - Giulia... Giulia... Giulia...
-O que você quer? Por que grita tanto? –indagou Giulia se levantando
assustada, pensando que Theodoro poderia ter voltado e o Código estaria agindo.
-Eu... Eu... A nomeio capitão do Minerva.
-O quê?
-Eu passo o meu posto de capitão para você. É a novo capitão do Minerva.
Giulia não estava entendo tal atitude do irmão, e o questionou sobre tal
glorificação.
-Precisamos lutar contra o Código... Honrar o nome Matarazzo. E você irá nos
liderar. –Luigi estava tomado de imenso entusiasmo. A feição da irmã então se
modificou, os olhos se arregalaram, um leve sorriso tomou seu rosto, e suas
sobrancelhas se ergueram interrogativas. Luigi havia pirado, imaginou a jovem.
-Seu traidor, sardinha mofada, salamandra suja... –Gói discutia com Danton
sobre os fatos que a pouco ocorreram.
-Fiz tudo em prol de uma amizade e não por desejo de poder. –esbravejava o
infeliz Arrive em contrapartida, tentando explicar o motivo de sua traição.
-Além de traidor é mentiroso...
-Calem-se, não é o momento para discutir sobre nossos erros. –Bartolomeu
interferiu sobre a discussão e indicou um mal a frente do Minerva. –Danton, alerte os
irmãos Matarazzo que estão no quarto do capitão sobre a sétima maldição. O marujo
antes de seguir as ordens de seu superior olhou na direção que o velho Sanches
indicava... Surpresa e desespero.
Daniele junto de Ottávio se postaram a observar para tal empecilho. Salete
agarrou-se com alguns amuletos e pediu clemência dos Deuses e do destino.
-Vejo que temos um novo capitão, o que é algo muito bom. Pois é preciso
alguém de pulsos firmes para encarar o obstáculo a nossa frente. –alertou o pirata
traidor invadindo o quarto mestre.
-O que está havendo? –perguntou Giulia que tinha o irmão postado logo atrás
de si.
-A sétima maldição.
Os irmãos Matarazzo então correram para fora e se depararam com a sétima
maldição: tornados na água um sobreposto no outro em sentidos contrários, tornando
impossível qualquer navio atravessá-los sem ser tragado para o olho deles e assim
serem destruídos e se transformarem em pedacinhos de madeira junto os corpos de
seus tripulantes boiando sobre as águas.
289
-Um capitão de pulso firme! Fui um capitão de pulso firme. – Luigi voltou para
Danton, com ares de poucos amigos.
-Ahan, Capitão. – o marujo foi irônico.
Giulia então se viu diante de mais um perigo, e mais uma vez pensou no pai...
No cargo de capitão... Precisava esquecer a imagem e a falta que Pedro Matarazzo
então fazia, era preciso como Luigi havia dito que eles como filhos de quem eram
honrassem o sobrenome e a valentia que a eles eram atribuído. Tudo agora era novo,
diferente... Giulia era o capitão do lendário navio Minerva.
-Caro capitão de tripulação... –Giulia exigiu a presença de Bartolomeu ao seu
lado. -... Prepare os nossos homens, pois precisamos sair desse local.
-Mas... Giulia...
-Capitão Giulia... - interveio Danton.
Bartolomeu voltou-se para Luigi que respondeu: - Sou um marujo. Ela dá as
ordens é o capitão.
-Icem as velas, levantem a âncora... – o capitão do Minerva ordenou a todos,
uma imensa vontade de viver tomou o seu coração. – Gói traga-me a luneta.
-Mas como vamos sair daqui Giulia? Observe... Não temos chances. –falou
Ottávio sem entender as intenções do novo capitão.
Giulia então se voltou para o jovem português, que tal como todos ali estavam
de olhos e ouvidos atentos esperando boas respostas vindas dela: - Nós seremos os
mais novos e astutos piratas em conseguir escapar da Ilha do Diabo.
Alguns instantes depois...
A capitão do Minerva não cansava de olhar para frente analisando a sétima
maldição. A tripulação esperava ordens, estavam deitados distribuídos aos cantos,
calados e quase sem esperança.
-Achei. –afirmou a jovem Matarazzo com convicção.
Bartolomeu se sobressaltou do cochilo que então o dominava, pronto para
obedecer as ordens da jovem pirata e como deveria ter sido desde a morte de Pedro
Matarazzo. “E então?”
-Vamos sair desse mundo e vamos deter aquele forasteiro! – a capitão logo
prosseguiu a explicar seu plano de fuga. – A frente de nós há um encontro de dois dos
milhares tornados, um deles move-se para o estibordo e o outro a bombordo.
Entretanto, o da direita cessa sua ação por alguns minutos e toda água fica a ação do
tornado a esquerda. Meu plano é seguinte: ao que tal efeito ocorrer deixamos o
Minerva seguir em ação da força do tornado a esquerda e depois quando o da direita
se restabelecer, endireitamos o navio no rumo oposto e... Estaremos salvos.
-Ardiloso e perigoso. –Bartolomeu entusiasmou-se.
-Que seja, é a nossa única saída.
-Pois bem, como queira capitão. – Bartolomeu saldou seu capitão tirando o
chapéu para seu superior. E depois se voltou para a pequena tripulação aos berros:Levantem-se seus ratos imprestáveis, quero todos de pé e preparados para encarar o
perigo que nos cerca.
Giulia postou-se no timão do Minerva, e o restante da tripulação correu então
para as cordas, velas e outros afazeres.
-Daniele, isto não é trabalho para uma donzela... –Ottávio admirou-se ao ver
Daniele cheia de força e garra agarrando uma imensa corda.
290
-Nesse momento não há distinção de sexo e feminilidades. Precisamos sair
desse lugar. –Daniele com suor começando a escorrer dos poros de seu rosto,
mostrava-se cheia de coragem.
-A toda velocidade... -berrou Giulia.
O Minerva seguiu veloz ao encontro dos tornados... A sétima maldição... Seria
o fim de todos os nossos heróis?
Corações batendo rápidos, suor frio, adrenalina, medo... Um dos tornados
perdera sua energia e as águas que estavam sobre sua ação e assim ficaram sobre a
força do outro.
-Força homens, seguiremos conforme as ordens de nosso capitão. –exaltou
Bartolomeu desejando que o plano da capitão desse certo.
Giulia ao ver que poderiam entrar pelo tornado berrou para seguirem em
frente, Salete e Danton com força empurravam as velas, e Daniele não conseguindo
segurar as cordas fora ajudada por Ottávio que declarou: “Daniele... Não sei se iremos
sobreviver a tudo isso...”.
-Força homens. –berrou Bartolomeu correndo de um lado ao outro.
“... Só queria dizer uma coisa...”.
“Não acha que é um momento inoportuno para quaisquer declarações?”,
Daniele fazia grande força e não estava preparada para uma declaração amorosa.
O navio então estava sob a ação do tornado que girava para o lado esquerdo. E
o navio deu uma volta completa.
-O quanto devemos esperar para mudar o rumo, capitão? –indagou
Bartolomeu.
“... Eu te amo Daniele, mais que qualquer coisa nesse mundo...”, Ottávio
prosseguiu.
O Minerva então deu sua segunda volta completa. O olho do tornado engolia
feroz a água que o contornava. Ele tinha muito energia, e seria capaz de engolir um
gigante e trucidá-lo.
“... Ottávio...”, disse Daniele correndo em direção do português.
“Sim?”, imaginou ele uma cena magnífica... Daniele retribuir-lhe os dizeres de
amor e se entrelaçarem num beijo.
“... Cuidado”, a jovem Hamburgo evitou que a cabeça de Ottávio fosse levada
por uma vela que vinha em direção às suas costas.
Olhos nos olhos, e os dois ficaram estendidos no chão, ela sobre ele...
“Obrigado”, agradeceu ele.
O navio estava em altíssima velocidade, Giulia esperava o momento oportuno
para seguirem para fora daquele mundo. Deram mais uma volta e... “AGORA.”, urrou a
capitão girando o timão com rapidez para a direita. De repente o tornado que girava
para a direita voltou a agir... Correria... Ordens... Suor... Em fração de segundos o
Minerva havia desaparecido... O ar dobrou-se ao meio, tudo se tornou lento, o
oxigênio cessara, a gravidade desapareceu... Depois de alguns instantes o lendário
navio estava caindo a alguns metros de altura. O seu encontro com o oceano fez as
águas erguerem-se.
Os tripulantes se defrontaram com força contra o assoalho da embarcação.
Daniele sentiu o ar puro e úmido do Oceano Atlântico... Pássaros voavam a
alguns metros dali próximos ao rochedo que no início da aventura haviam alcançado
para encontrar tal mundo além do nosso.
291
-Voltamos! – agradeceu Salete.
Giulia não continha-se em si, respirava profundamente, a alegria estampava-se
em seu semblante. Havia superado todas expectativas, até mesmo as que ela
acreditava... Seu pai iria se orgulhar.
-Parabéns capitão. –saldou Luigi a irmã.
-Obrigada. – disse o capitão, observando um tanto com mal gosto o abraço do
português com a donzela.
Ottávio conteve-se para não beijar Daniele, e ela desgrudou-se dos braços dele
e abraçou Salete em seguida. A tripulação estava viva!
-Agora temos um capitão de pulso firme! – exclamou Danton, recebendo uma
má expressão de Luigi.
O Minerva e sua tripulação estavam de volta.
292
Capítulo 30: A vila de Santos é invadida.
Malvina estava usando um belo vestido cor de ameixa. Um chapéu roxo escuro
adornava sua cabeça, e seus cabelos negros e lisos soltos deixavam-na belíssima. Logo
seguiu para recepcionar Mercy após a escrava avisar da chegada desta.
-Desculpe-me a demora, estava me vestindo conforme a ocasião. –declarou a
senhora Martins.
-Vamos comprar chapéus, não é preciso estar luxe, luxuosa. –Mercy estava
com uma máscara lhe cobrindo a face deformada de seu rosto. Uma gota negra se
destacava na máscara branca. - Está linda, o ventre, sua barriga já começou a aparecer.
-Só mais sete meses e ele nascerá. –respondeu a futura mãe contente e
angustiada com a demora do nascimento.
Em meio a tal conversa, Heitor chegou. Ele tirou seu paletó pendurando-o,
abrindo alguns botões da camisa, transparecendo cansaço.
-Heitor, onde esteve?- questionou Malvina ao se deparar com o esposo. O
cheiro de perfume feminino e as marcas de batom eram evidentes ao longe para se
sentir e ver.
-Bom dia. -respondeu ele com um bocejo em seguida.
-Boa tarde. –contradisse Mercy.
-Houve alguma coisa? Onde você esteve? –continuou Malvina querendo
respostas.
-Acho que sou grande o suficiente para não ter que dar satisfações a ninguém
sobre onde estava e o que estava fazendo. –usou ele da rispidez.
-Não estou exigindo satisfações, só quero saber onde esteve, pois estava
preocupada...
-Estou bem se é isso que queria saber.
-Onde esteve? Onde passou a noite toda? –continuou a esposa. Malvina já
havia deduzido onde o marido passara a noite, com certeza ele deveria estar na
gandaia. Apesar da tristeza disto, ela acreditava que tal atitude era comum de todos os
homens de tal época, afinal, ela o havia conhecido de tal forma.
-Quantas interrogativas. Estou farto de seus questionamentos.
-Farto? Disse que estava preocupada com você e é assim que me trata.
-O que espera? Que a vanglorie. Deixe-me Malvina, minha paciência terminara
há algum tempo para com sua pessoa.
A francesa estava sentindo incomodada com tal situação, a discussão do casal
era certa. Entretanto não sabia se permanecia no local ou se retirava, não queria ser
um incomodo.
Malvina não aguentou mais. Ela estava farta, Heitor havia extrapolado. Seu
nervosismo estava ao ápice, sua saliva se tornara grossa, suas veias saltaram, suas
mãos se fecharam em punhos. Tristeza e raiva juntaram-se: - Eu estou farta, Heitor.
Estou de saco cheio de suas atitudes em relação a mim...
-Que tom de voz insolente é este? –Heitor se surpreendeu com a conduta da
mulher.
-Digo que estou preocupada com você e me trata com coices e maus tratos.
Faço de tudo para fazer seus gostos e desejos, para que tudo ao seu redor seja o mais
perfeito possível...
293
-Se esforça tanto e consegue tão pouco. – ele conteve-se em ironias, pois
queria evitar uma discussão.
-Me trata como um animal, como uma mulher qualquer da vida... –Malvina
respirava profundamente. Tinha as mãos trêmulas sobre o ventre.
-Pensei que estava acostuma com tais tratamentos, pois é da vida que se
originou, não é mesmo?
-E mesmo sabendo quem eu era você se casou comigo.
-Não precisa me lembrar de tal erro. –Heitor começava a perder a paciência,
contudo a discussão já havia iniciado. – Diz com tanto gosto que faz tudo por mim,
nem ao menos um herdeiro foi capaz de dar-me.
-Eu... Eu rezo todas as noites pedindo um filho, pois é isso que desejo há muito
tempo...
-Malvina, você não tem atitude e conduta para ser a mulher do Embaixador.
-O que quer dizer com isso?
-O Representante voltará para Portugal daqui dois dias. E estive falando com
ele sobre a possibilidade de você o acompanhar...
Malvina fora pega de surpresa. Estava sendo substituída, posta de lado. Uma
leve tontura a arrebatou, suas forças iam terminando. Ela sentiu-se um estorvo, um
peso para Heitor.
-Os ares da Europa são reconstrutores, ótimos para os pulmões de alguém
tão... Frágil...
-Está se desfazendo de mim? Pretende me substituir?
-Pretendo estar cercado de pessoas competentes e inteligentes. E
infelizmente, nenhuma dessas duas qualidades é característica de sua pessoa... Tenho
várias casas em Lisboa, fixar-se-á em uma delas e vou enviando-lhe dinheiro e o que
lhe for necessário.
A amiga de Malvina não acreditava em ver a postura de Heitor e sua atitude
em relação a Malvina. Assim, Mercy lembrou-se de Rafael e da noite em que ganhara a
deformação. Comparou o desuso da amiga com ela, objetos tinham mais valores.
-Tenho escolhas?
-Acredito... -Heitor seguiu aprofundando-se para dentro da casa. Estava com
fome e já dava a discussão por finalizada, tal como seu casamento com Malvina. - ...
Que Lisboa seja melhor que a sarjeta... Negras, postem a mesa estou morrendo de
fome.
As duas mulheres estavam paralisadas, sem reações, e seus pensamentos
confusos. A senhora Martins sentia-se um cavalo velho, após anos de servidão
puxando uma carroça, era posto de lado e esquecido. A ex-professora sentia pena da
amiga, e não sabia como consolá-la: “Malvina, acalme-se, isso pode afetar o bébé...”.
Malvina conteve as lágrimas, contudo não sabia como agir. O seu casamento
havia terminado.
-Por que não diz a ele sobre o fils, o filho de vocês? –indagou a francesa,
afagando a amiga nos braços.
-Não, ele não merece tal alegria. –a futura mãe ergueu a cabeça e postou-se
firme e segura. Um novo e feliz destino programou-se em sua mente. – Ele tomou a
decisão dele, terá que arcar com as consequências: Heitor nunca saberá que tem um
filho.
294
-Mas amiga, com essa nouveles, essa notícia não precisará ir morar em
Portugal. Détrompez-vous, pense bem.
-Vamos logo comprar nossos chapéus, Serafim não ficará nos esperando por
todo o sempre e vamos precisar deles para a próxima noite. –Malvina se sobressaltou
desvencilhou-se da amiga e seguindo para fora da casa, trêmula e decepcionada.
Mercy então a seguiu, não compreendia o porquê da escolha da amiga.
Todavia não interferiria na situação, o destino de Malvina não estava nas mãos da
francesa.
Após algumas horas gastas na dificuldade de escolha de um chapéu que
combinasse com o perfeito vestido, e engendradas por um bate papo sobre o fim da
família Hamburgo e a morte de Rafael que parecia certa, as duas amigas então se
resolveram.
-Irei conversar com um certo alguém Mercy e depois seguirei para a minha...Malvina pensou um pouco e corrigiu -... Para casa de Heitor.
-Soins, cuidado minha amiga, pense bem antes de tomar qualquer attitude.
Está esperando um filho de Heitor.
-Não fui eu que tomou qualquer decisão precipitada. Portugal será minha nova
morada. –afirmou Malvina que seguiu em sua carruagem, pensativa. Lágrimas
começaram escorrer de seus olhos, duras lágrimas. – Mamãe onde está você?
Precisava tanto de você do meu lado agora.
No cabaré da cidade, as cadeiras estavam viradas de pernas para o alto sobre
as mesas. algumas escravas já com certa idade limpavam o ambiente, e Escobar lavava
copos e limpava a sujeira feita pelos senhores na noite passada sobre o balcão.
Um grupo de jovens moças, junto da senhora de tal estabelecimento,
comentava sobre o futuro promissor de uma delas. O pedido de casamento de Heitor
para uma moça de cabelos loiros claros quase brancos e grandes cílios, fora
surpreendente.
Malvina entrou meio sem jeito no local. Olhou-o de cima abaixo e relembrou
do passado, dos meses que viveu ali até casar-se com Heitor. Viveu tal vida pela
onipresença da mãe, agora tinha seu casamento acabado e novamente estava sem sua
mãe.
As meninas que então estavam todas alvoroçadas e dando risadinhas com o
assunto em pauta se sobressaltaram com Malvina parada a porta analisando todos os
cantos do Cabaré.
A senhora do inferninho chegou até a ex-empregada, temendo que Malvina
tivesse ido até ali por descobrir a infâmia do marido. “Malvina? O que faz aqui?”
-Olá.
295
-Suponho que Heitor não iria gostar de vê-la por aqui?
-Heitor anda ocupado demais, tenho certeza que não será os lugares que ando
a percorrer capazes de tirar a atenção dos afazeres dele.
A maquiada e exótica senhora começou a entender que a relação de Malvina e
Heitor estaria no fim: -E quem procura?
-Escobar. Onde ele está?
As duas seguiram para a presença de tal homem.
-Escobar, tem visitas. –anunciou a cafetina.
O escultural homem assustou-se ao perceber a presença de Malvina aos pés de
sua patroa. Tornou-se corado, suas pernas bambearam, respiração funda.
-Por favor, deixe-nos a sós. –pediu Malvina com educação.
Então sozinhos Escobar tentou disfarçar seu nervosismo continuando a limpar
o balcão e lavando os copos:- Esse lugar não é um ambiente próprio para uma senhora
de sua classe.
-Conheço esse lugar como a palma de minha mão e não precisa se preocupar
pelos ambientes que transito. –contradisse ela, paralisando a mão do homem.
A macia mão de Malvina o reconfortava, o deixado anestesiado. Ele olhou para
ela, há algum tempo não a via. Sentia muita saudade dela, e observou-a com
admiração. O destino era cruel com ele, amava-a, mas não a tinha do seu lado.
-Estou arrependida.
-Não me fizera mal algum para pedir desculpas ou para estar arrependida.
-Minha relação com Heitor terminou. - ela sentia o calor das grandes mãos de
Escobar. Tal calor foi capaz de apaziguar seus nervos e conter seu desespero – Vou
para Portugal daqui dois dias e lhe convido para seguir ao meu lado.
Ele saltou sobre o balcão juntando-se a ela, surpreso e com o coração
palpitante e feliz: - Quem é você? E o que fez com a verdadeira Malvina?
-Venha comigo para Portugal, saímos daqui a dois dias. Podemos viver juntos,
sem ninguém para nos impedir, mas... Estou grávida dele, ele não sabe, e ficará sem
nunca saber.
Escobar analisou toda a situação, analisou o ventre de sua amada e respondeu
à proposta... “Aceito.”
A prisão parecia uma estação de trem, pessoas entravam e saíam a toda hora.
Os homens e mulheres, moradores do Bairro Pirata presos em outrora começavam a
pagar suas dívidas com a justiça... Seguiam para a forca ou pagavam por suas
liberdades.
A senhora Reghine estava mais uma vez entre os corredores de tal ambiente.
Havia levado vestimentas dignas para Maria Aparecida.
-Agradeço, Margot. Estava sentindo-me desconfortável com aquele trapo que
me arrumara. –disse a senhora Hamburgo ajeitando o bojo do vestido. Depois de
devidamente vestida, questionou Margot sobre novidades – Alguma notícia do resgate
de Daniele?
-Nenhuma, minha cara. Tudo está como antes.
296
-Levou o bilhete com o meu pedido?
-Sim, o navio já deve estar de partida.
-Espero que o Representante inglês tome providencias o mais rápido possível.
Não suporto mais esse ambiente, essas grades, a gororoba que nos servem... Estou
tomada por carrapatos e piolhos. Um absurdo para comigo, que tenho sangue azul,
descendo de origem nobre...
-Creio que deverá se acostumar com a prison, e as feridas efetuadas pelos
sanguessugas hão de guérir, cicatrizar.- Mercy a passos lentos, se aproximou. O toquetoque do salto de seus sapatos de encontro com o chão de madeira era apavorante.
-Teremos um baile de máscaras? –ironizou Maria Aparecida ao analisar o rosto
da francesa.
-Vejo que as coisas não estão tão mauvaise, ruins, pois tem tempo para boas
piadas. –interpôs Mercy.
-O que faz aqui? –indagou Maria Aparecida indignada, e sentindo-se ofendida.
Margot ficou calada, observando o diálogo das inimigas.
-Vim lhe cumprimentar e dizer que sua maison, quero dizer, minha casa é
magnífica. Muito confortável... Aqueles seus robes, vestidos... Oh, coisa de pior
qualidade, mal serviram de serpillières, panos de chão.
-Conseguiu o queria: estar no meu lugar... Contudo, nunca será igual a mim.
Para começar, é uma mulher da vida, uma prostitutazinha sem elegância... Uma
mulher feia.
A francesa grudou-se às grades, Margot a segurou pelo braço tentando evitar
qualquer desavença. “Acalme-se Mercy”.
-Ouça bem, na nuite de amanhã verei o corpo de seu marido pendurado na
potence e você condenada a viver eternamente nesse cabine, nesse cubículo. Estarei
assim vingada, por este mal que Rafael me fez e pelas ofensas vindas de sua boca.
-Desculpe por estar num lugar inadequado e nem ao menos servir-lhe uma
xícara de chá. Portanto, sua visita torna-se indevida. –palavras faltaram à senhora
Hamburgo.
-Espero você do meu cote, do meu lado amanhã Margot, pois será necessário
decidir de que lado afinal está. E você... Terei prazer em ver esse sang bleu escorrendo
pela gouttière, pela sarjeta. –Mercy se retirou do ambiente sentindo-se ofendida, mal
tratada, e desejando mais que nunca uma vingança.
Maria Aparecida voltou-se para a pequena janela dominada por três grades,
olhou aos céus e pediu: - Meu Deus, peço ao senhor que não me tire mais um ente
querido, não suportaria perder meu marido além de minha filha. –depois se voltou em
desespero à velha amiga – Margot faça alguma coisa.
-Estou de mãos atadas minha amiga, já fiz tudo o que estava ao meu alcance.
-Nem com o navio mais veloz do mundo, o Representante irá chegar aqui até a
noite de amanhã... Minha família está com um fim marcado. –Maria Aparecida entre
as grades previu o pior. E na sua mente pedia, cheia de fé, que algo impedisse tal
destino para ela e o marido.
297
...
O hotel no centro da vila fora o ambiente onde realizava a festa antes do
julgamento de Rafael. Heitor faria o julgamento do senhor Hamburgo se tornar um
grande evento.
No centro da praça, estava montada a forca que era vigiada por guardas ao
mando do Coronel Adrian. Famílias postavam-se ao redor de tal matadouro, obrigados
pela Guarda aos mandos do Embaixador a fim que todos assistissem a execução.
Os senhores da vila estavam todos abismados pelo destino que Rafael teria.
Acreditavam que Heitor deveria estar louco dar tal destino para um dos homens mais
importante e tão bem sucedido entre a alta elite lusa. Todavia não tinham coragem de
contestar as ordens do Embaixador, pois ele tinha o apoio do Representante da Coroa
-figura máxima ali até então- e todos tiveram conhecimento da expulsão de Samuel
Fernandes do cargo de Coronel da Guarda, deduzindo a má posição e escolha deste ir
contra tal senhor.
Bebidas de alta qualidade eram servidas em taças de cristais para as mais
celebres pessoas de tal local, que foram convocadas para uma noite excepcional, como
dizia o embaixador.
A porta da residência estava Heitor e a loira de cílios enorme muito bem
trajada, exalando uma deliciosa fragrância. Ele vestia um elegante terno azul escuro
com uma rosa branca afixada no bolso no lado esquerdo e um enorme brasão símbolo
do cargo que obtinha tomavam o lado oposto do peitoral.
Malvina não acreditou quando Heitor a informou que ele iria sozinho para o
evento e ela poderia ir depois se quisesse, e se não quisesse não era obrigada estar
presente em tal evento. A gestante então se ajeitou no melhor vestido que tinha, um
glamoroso vestido verde esmeralda com detalhes em prata. Encaixou um enorme
chapéu prateado e adornado de uma pena de tom verde tropical na cabeça e um
pesado colar de diamante no pescoço.
Ao chegar diante do casal que fazia a recepção achou-se diante de uma das
maiores ofensas para com ela.
-Olá. –cumprimentou a loira.
-Suponho que mulheres da vida lhe são muito atraentes. –Malvina falou ao
senhor, indignada com tal cena. O casal manteve-se abraçados e sorriram como dois
apaixonados.
-Algumas fazem um bom trabalho. –respondeu ele com a mesma ironia.
-Você me dá nojo. –disse a jovem Jácome adentrando o local e logo se
apossando de duas taças de vinho.
-Seja bem vinda. –berrou o homem. – Ela parece nervosa!
A um quilômetro da costa de Santos, diante do principal porto da vila,
Theodoro flutuava sobre o navio do Código. Seu semblante estava tomado de ódio,
suas sobrancelhas estavam retas, rugas formaram-se na sua testa, os punhos foram
feitos e um grande desejo de matar o tomou.
298
O vento estava forte, as ondas tendiam a se engrandecer, e o céu estava
tomado por um tom avermelhado, um temporal devia em pouco tempo chegar. Os
servos de Heitor o avisaram de tal empecilho, entretanto o Embaixador afirmava que o
julgamento ocorreria nem que o mundo começasse a desabar.
A mente de Theodoro estava voltada a um único propósito, pensou no pai e o
dedicou o ato que iria liderar a pouco.
Os músculos de seus ombros começaram de um momento para o outro a
ficarem doloridos, sua cabeça tornou-se pesada como uma pedra, e sua visão
enegreceu... “Estou aqui... Estou por aqui... Escute-me... Escute-me... Traga-me à
vida... Escute-me...”, uma voz grossa tomou os ouvidos do dono do Código, ela parecia
vir de longe, muito distante dali.
-Capitão? Esperando as suas ordens. –disse Baal o líder de tripulação, um
demônio de rosto deformado. Sem nariz, com três dentes do maxilar superior saindo à
boca, um buraco na região onde deveria estar uma orelha e se observado por dentro,
avistava-se uma massa esbranquiçada, sendo os possíveis miolos. Sem cabelos, dois
enormes chifres saindo um pouco acima da nuca, um rumando para frente e o outro
um tanto à direita, suas sobrancelhas se uniam, no queixo uma barbicha de pelugem
cor castanho claro, e a pele era uma espécie de escama de cor negra mesclado com
bege. Era uma criatura horripilante.
Theodoro fora trago de volta. Voltava em seu estado normal, e a voz
desapareceu. De encontro com seu servo, ordenou: - Faça como havia ordenado.
Invadam a vila e tragam-me o casal Hamburgo.
O demônio-líder, Baal, então se aproximou de uma outra criatura com corpo
de homem, cabeça e asas de corvo, o demônio Malphas, ditando os mandos do
capitão: -Faça o chamado do esquadrão e vamos invadir a vila.
O demônio, metade homem e metade corvo, abriu suas imensas asas negras e
brilhantes, rumando céu acima. Com grande rapidez começou a sobrevoar da direita
para a esquerda, em um ato estranho: Chamado de guerra.
Um guarda que fazia a segurança do porto observou o navio de velas amarelas
quase mostarda e com o casco vermelho-terra circundar a vila. E seguiu em seguida
para avisar o superior que cochilava numa guarita: - Senhor, senhor...
-Diga. – o dorminhoco acordou quase caindo da cadeira. –O que está havendo?
-Um navio pirata está se aproximando. Tem velas amareladas e é dotado de
diversos canhões.
Os dois guardas então seguiram para a ponta do porto e observaram tal
embarcação para constatar a veracidade dos fatos. Analisaram com cautela a
embarcação sem causar tumulto.
-E então, é pirata não é?
Um vento forte seguiu de encontro à vila, um cheiro de carne podre tomou a
narina dos dois homens e diante do porto as águas do mar começaram a se erguem
formando diversos navios em perfeita igualdade com o qual tinha Theodoro
tripulando-o. Uma frota.
Os dois guardas então trocaram olhares assustados. E deram inicio a uma
grande correria.
299
-Acredito que o julgamento de Rafael será conforme merecido. -afirmou o
prefeito José Miguel. Custou pouco a compra deste por Heitor para postar-se contra
Rafael.
Uma roda fora feito pelos senhores da vila e ao centro deles estava Heitor,
dotado do poder e da atenção que tanto sonhara, papel antes ocupado pelo então
prisioneiro que em breve teria seu julgamento.
-Não pretendo mais do que executar o desejo do rei. Afinal de contas, somos
homens da lei e devemos fazer o que é certo. –afirmou o Embaixador.
-Com a benção de Deus, a justiça do homem deve ser feita para controle e
ordem, todavia somente Deus pode julgá-lo e perdoá-lo. –interpôs Padre Inácio que
também não concordava com tal ato de Heitor.
-Está coberto de razão padre. Mas devo lembrá-lo que o nosso majestoso rei é
o representante de Deus na Terra, então sua decisão é a decisão de Deus. –Acácio
saldou em palavras a figura D.José I.
-É claro senhor Representante, concordo com vossa senhoria. –o Padre Inácio
e o restante dos homens que ali estavam entenderam o recado: as decisões do
julgamento eram incontestáveis.
-Apesar de não prestar mais meus serviços em prol da ordem e lei, acredito
que não incomodarei se me juntar ao grupo dos nobres e honrados senhores?interrogou Samuel Fernandes, com uma taça na mão, usando do sarcasmo e ironia.
-É bem vindo a nossa presença. –respondeu Heitor, como se nada tivesse
acontecido entre eles. –Como vai senhor Samuel? Ainda desempregado?
-Infelizmente ainda sim, mas tenho certeza que com os contatos que tenho
com o governador de tal Colônia, em breve, retornarei ao cargo que sempre me foi
feito. –o ex-Coronel não haveria de deixar barato a traição de Heitor.
Numa outra roda, composta por fêmeas bem arrumadas, cheirosas e
requintadas, estava Malvina. Tinha a feição de poucos amigos e transbordando raiva.
-Senhora Malvina, quem seria aquela senhorita que se postou do lado de seu
marido conforme esposa? – indagou uma das senhoras com curiosidade sobre a
situação do casamento do casal mais importante na atualidade.
-Uma qualquer. Se acostumem com a feição da infeliz, pois em breve ela será
conclamada senhora do Embaixador. -a jovem Jácome em seguida fora puxada pelo
braço e arrastada para um canto por Adrian. – Como ousa? Tire suas mãos imundas de
cima de mim.
-Contenha suas palavras, já existem novidades e surpresas suficientes na noite
de hoje. Heitor espera que mantenha uma boa conduta. –Adrian apertava com força o
braço da futura mãe, seguindo as ordens de Heitor de afrontar Malvina.
-Largue meu braço ou começo a berrar, e estou tentada em fazer um show à
parte. –Malvina encarou sem medo o escudeiro de Heitor, que temendo tal atitude
obedeceu a ordem. – Estou pouco ligando para os desejos e mandos de Heitor, seu
vira-lata. –dizendo isto ela cuspiu no rosto do outro.
-Liron não pode fazer isso, imagine a repercussão que teria por toda essa terra.
–Margot tentava convencer seu animal sagrado que andava impaciente sobre as
300
quatro patas de um lado ao outro na sala de sua dona. - Você é uma criatura mágica,
todos ficaram assustados.
-Não podemos ficar aqui parados, esperando que eles matem Rafael. –afirmou
o leão com asas, que rugia por dentro contendo-se sair voando e invadir a prisão para
salvar o casal Hamburgo.
-Eles são dotados de armas, capazes de matar você ou qualquer outro que
queira então dar fuga para Rafael.
Ouviu-se batidas na porta. Ambos os personagens arregalaram os olhos.
Margot tinha grande qemor que alguém descobrisse a existência de seu animal
sagrado.
-Quem é?- questionou Margot para quem batia porta afora, com cuidado
observou entre as cortinas.
-Sou eu Margot, Augustus e...
-Eu cher ami, a francesa Mercy.
-Suba, esconda-se. –sussurrou Margot ao animal.
Liron voou para o andar onde se encontravam os dormitórios da residência, e
em seguida Margot abriu a porta: “Estão a perambular juntos pela vila?”.
-Não fale radotage, asneiras Margot. –Mercy olhou com nojo para a figura
velha e mal vestida de Augustus. –Ouvi bater de asas aí dentro?
-Vim para seguirmos juntos ao julgamento de Rafael. Não vai perder tal
evento, não é mesmo? –o dono do Beira Mar estava esperançoso, parecendo que iria
seguir a um grande baile de máscaras... Sentia falta do irmão... Ele tinha certeza que
iria ocorrer justiça.
-Não sei se vou... Acredito que tal cena que ocorrerá será tão dura para meus
olhos quanto a morte de Rúbio.
-Será passionnant!- Mercy bateu suas pequenas mãos cobertas com finas luvas
de seda uma contra a outra, estava alegre com o “festejo”.
De repente, uma bala de canhão bateu de encontro com um prédio. Outra
bala entrou por uma casa, mais outra destruiu o madeiramento do porto, e mais outra
derrubou a torre da igreja que cedeu para o chão... Criaturas demoníacas começavam
a surgir do nada, pairando uma leve fumaça negra junto delas com um fedor
insuportável.
Gritos começaram a irromper na parte baixa da vila. Mulheres levantando suas
saias para facilitar na fuga, homens caindo no chão cobertos de sangue, crianças
choravam e gritando por suas mães, e velhos eram pisoteados... Os demônios do
Código estavam matando e destruindo tudo e todos.
O dono do Código atracou em terra. Respirou fundo, levando o úmido cheiro
de terra molhada aos pulmões. “Senhor Baal, quero vivos os senhores de tal local e o
casal Hamburgo.”
Uma leve garoa começou a cair.
Os três amigos calaram-se ao ouvirem tiros de canhão.
-Fogos de artifício. –declarou Mercy descendo as escadas que levavam ao
patamar superior à porta, correndo à rua. –Vão começar o julgamento.
-Isso não são fogos de artifício. –afirmou Margot olhando ao longe, tentando
distinguir o que estava acontecendo.
Criaturas voadoras começaram a tomar os céus da vila tacando tochas de fogo
sobre os telhados das casas e lojas.
301
-Eu conheço esse barulho. -afirmou Rafael para si mesmo aproximando-se da
janela de sua cela para então confirmar o que imaginava. – Canhões... Os canhões do
Código.
Maria Aparecida sentiu como se agulhas entrassem no seu coração. O
julgamento de Rafael estava sendo anunciado, imaginou ela.
-Não é possível. –afirmou Augustus com medo e surpresa nas palavras.
-Demônios do Código? –Margot trocou olhares interrogativos com o amigo.
-Demônios? –indagou Mercy sem entender, e assustando-se ao ver a figura de
um leão com asas saltar de uma das janelas dos quartos de Margot e atacar uma
criatura com aparência de cobra que surgiu como num passe de mágica as suas costas.
Margot e Augustus verificaram e recnheceram a criatura morta no chão.
Sangue da ferida feita pelas grandes unhas de Liron escorria. Era sangue de cor azul.
-Ele voltou. – falou Liron que então viu surgir milhares de outros monstros,
cheios de maldade e desejo de destruição. –Subam em minhas costas, os três.
Precisamos sair daqui.
A francesa foi auxiliada a levantar em estado de choque do chão por Augustus.
Tinha os olhos arregalados e estava impressionada com o que via. Ela deveria estar
sonhando, aquelas criaturas não existiam.
No alto acima dos telhados, voando Margot e Augustus nas costas de Liron,
questionaram-se: - O que está havendo? Como ele voltou?
Apesar da música, os tiros de canhões e os gritos começaram a invadir os
tímpanos dos senhores que no hotel se encontravam.
-Mas o que seria isso?
-Que barulho é esse?
-Estão gritando?
-São tiros?
Dois guardas entraram ofegantes e suados no local de festejo e aos pés do
atual Coronel Adrian postaram-se recolhendo oxigênio e recompondo energias.
Tentando evitar um caos, informaram sobre a invasão aos sussurros para o seu
superior.
-O que? Piratas? Revoltaram-se então contra as ordens do Embaixador? –
Adrian sentiu medo, e um gelado frio subiu-lhe pela espinha. Ele não sabia o que fazer.
Quais atitudes tomar?
-Algum problema, caro Coronel?- questionou o Representante desviando a
atenção de todos os senhores para Adrian.
E de repente, um tiro de canhão entrou pelo ambiente, fazendo um furo no
teto do estabelecimento destruindo uma mesa cheia de quitutes, taças e iguarias.
302
-Estamos sendo invadidos senhores, invasão pirata. –expressou com temor o
jovem e inexperiente Coronel.
-Invasão? –perguntou o prefeito atemorizado.
-Pirata. –respondeu um dos guardas.
-Tome atitudes. Faça algo, Coronel, esse é o seu trabalho. - exigiu Heitor.
Todos estavam paralisados, esperando pelo momento que então pudessem
correr e gritar. A música cessou-se e assim a gritaria e os tiros que se davam pela vila
foram ouvidos perfeitamente.
Adrian voltou-se aos dois guardas, gaguejou algumas palavras sem significado,
pois ele não tinha ideia do que ser feito. Samuel então o empurrou, foi tomado por um
espírito de luta, estavam em guerra, tal senhor sempre sonhou em liderar uma Guarda
num confronto, tal momento chegara: - Saía daqui seu imprestável... Homens reúnam
o batalhão, peguem em suas armas e vamos combater esses ladrões e criaturas
abomináveis.
Todos de olhos arregalados voltaram a atenção para o ex-Coronel que
continuo a ditar ordens, entusiasmado: -Vocês nobres senhores levem suas esposas e
filhas para os fundos de tal estabelecimento, tranquem-se e só saíam de lá quando um
dos meus homens for avisá-los que a situação tornou-se pacífica... VAMOS À GUERRA.
Samuel Fernandes arrancou a espada da algibeira e saiu porta a fora para a
batalha. Corajoso.
A correria e gritaria então se deu início. Senhoras, senhores, rapazotes e
donzelas começaram a se empurrar e correr para os fundos do hotel obedecendo
conforme as ordens de Samuel.
-Tenho certeza que isso é armação daquele desgraçado do Rafael. Maldito
seja!- Heitor tomou-se de ódio, seguindo aos empurrões a fim de se salvar.
Gritaria e mais tiros. Corpos começavam a ficar estirados pelo chão da vila,
mulheres correriam com cabelos pegando fogo, e escravos aproveitavam a ocasião e
fugiam para as matas. O desespero e caos tomaram Santos.
A Guarda postou-se a combater os inimigos ao ritmo das ordens de Samuel
que lutava bravamente de arma em punho, duelando e liquidando várias criaturas.
-Senhor o que são essas criaturas? –indagou um dos homens, sem
compreender com que seres afinal estavam guerreando.
-Nunca imaginei tais piratas. -Samuel Fernandes voltou-se para a frota. - Quero
ação pela direita, vamos seguir pela direita.
E nesse ritmo eufórico, um machado então pôs fim aos berros de Samuel, não
só aos berros como a vida. Tal objeto separou a cabeça do restante do corpo do exCoronel.
303
Na prisão a senhora Hamburgo tentava espremer sua cabeça entre as grades
da pequena janela para tentar ver o que tumultuava toda a vila. De repente foi
chamada atenção por criaturas do lado de fora de sua cela, de armas em punho em
sua direção.
De mãos para cima sem movimentos bruscos, tal senhora assustada em ver
tais assustadores demônios então pediu por clemência: - Senhores, creio que tal ação
não deveria por acontecer... Exijo falar com seu superior, afinal, sou Maria Aparecida
Goes Hamburgo, minha família tem brasão, tenho sangue azul...
-Como é o seu nome? –interrogou um dos demônios, com cara de javali, e um
forte bafo saindo pela boca e narinas.
-Maria... Maria Aparecida Goes Hamburgo. –respondeu ela, acreditando estar
com a morte certa. E fechando os olhos, tal senhora imaginou as balas entrando por
sua carne e seu corpo caindo ensanguentado no chão.
-A senhora poderia nos informar onde está o seu marido? –questionou mais
uma vez o cara de porco.
Liron começou a desviar dos ataques das criaturas que então os perseguiam.
Esmagou a cabeça de um demônio com a força de sua mandíbula.
Vários demônios voadores começaram o perseguir junto das três figuras
humanas, e Margot o auxiliava alertando sobre algumas criaturas.
-Rafael! – a senhora Hamburgo era arrastada, presa por cordas por um dos
demônios. E ao ver o marido sair da prisão e então surgir também preso, tentou seguir
ao seu encontro, pois queria abraçá-lo, afaga-lo. Contudo fora contida de tal carinho
pela corda que a prendia.
-Você está bem? – questionou o esposo preocupado com o estado de sua
mulher, após dias presos.
-Sim. O que está acontecendo? O que é tudo isso?
-O Código... O Código dos Piratas está de volta.
Os senhores da vila se amontoaram no porão do hotel, pois precisavam se
esconder de tais malfeitores. Corações acelerados, suores frios, e grande temor de
perderem a vida os tomaram.
Padre Inácio e mais algumas senhoras então juntaram as mãos e iniciaram uma
ave-maria. Tremiam e suavam.
No piso acima de suas cabeças ouviram passos. Parecia que diversos homens
invadiram o local... Objetos foram jogados ao chão, vidros quebrados, era muita
brutalidade. As atenções foram voltadas para o teto.
304
A maçaneta começou a balançar, tentavam invadir o porão. Uma arma fora
engatilhada e a fechadura espatifou-se. Baal dotado de uma tocha invadiu o porão.
Os senhores dominados de muito medo, soltaram gritinhos e deram um passo
para trás.
-Ora essa, então a Corte de tal local está reunida por aqui. Que gosto estranho
em querer festejar num lugar tão sujo e apertado. - satirizou o demônio de chifres.
Demônios então enfileiraram os senhores e suas senhoras e os obrigaram
seguir para fora rumo à praça onde se encontrava o dono do Código.
-Exijo explicações caro... – Heitor evitou encarar tal criatura. -... Senhor... O que
querem aqui em minha vila?
-Não sou eu quem responderá suas perguntas. Acalme-se e terá suas
respostas. –respondeu Baal que empurrou Heitor com um tapa na nuca.
O tal Representante da Coroa aproveitou-se de uma deixa disponível. Vendo
ainda não estar amarrado e uma janela aberta, ele saltou por ela. O Líder do batalhão
assim ordenou que um dos demônios seguisse o fugitivo: - Pegue-o e traga-o para
mim. Quero arrancar os fígados do infeliz.
-Para onde estamos sendo levados? –Rafael questionou o cara de porco a fim
de entender o que haveria de estar acontecendo. E o cara de porco não dera ouvidos a
tais questionamentos.
O senhor Hamburgo conteve-se calado e continuou a seguir andando
conforme obrigado. Até que observou a facilidade que obtinha em roubar a arma de
fogo do monstro com cara de porco que o puxava pela corda.
Após trocar alguns olhares com sua esposa, manipulou rapidamente um plano,
e em seguida mexeu os lábios sem fazer nenhum som, ditando que ela fugisse.
O ardiloso ex-Coronel Contra Assuntos Piratas roubou com maestria a arma do
inimigo e atacou o monstro que segurava sua mulher. “Corra.”
A senhora Hamburgo saiu em disparada, sem rumo. Não obtinha qualquer
ideal de um local seguro. Sentia-se completamente indefesa.
O cara de porco após o roubou, golpeou em seguida Rafael pelas costas que
assim desmaiou. A esposa deste após observar o marido cair ao chão, parou... E assim
um demônio voador com cara de águia, agarrando-a pelos cabelos com suas patas de
unhas afiadas, dominando a fugitiva. A fuga fora frustrada.
O leão voador pousou no centro da praça onde estava o suposto líder de tal
invasão, o dono do Código. Margot saltou das costas de seu animal surpresa:Theodoro, você é o dono do Código?
A francesa não conseguia tirar os olhos das asas do animal que a salvou da
morte. Quando teve a atenção desviada foi para encarar a criatura deformada que a
agarrou.
-Ordene a eles nos soltarem Theodoro. -Margot exigiu do afilhado.
305
-Como conseguiu pegar o Código? -Augustus estava surpreso, era impossível
roubar o Código que então estava seguro na Ilha do Diabo.
-Solte-os. –ordenou Theodoro aos seus servos, com sorriso em rosto. –Margot,
minha querida madrinha... Como vai?
-Por que tudo isso? E como conseguiu se salvar do sequestro? E o Código como
o roubou... Como tirou ele da Ilha?
-Theodoro, que história é essa de énigme, enigma?
-Código, cara senhorita. O Código dos Piratas, a arma mais poderosa do
mundo. Capaz de tudo, capaz de fazer o possível e impossível. -interpôs Augustus,
extremamente feliz. – Os velhos tempos estão de volta.
Os demônios encarregados de capturar os senhores da vila e o casal Hamburgo
começaram a surgir por todos os lados, puxando suas capturas conforme ordenado.
-Ora vejam só, não é mesmo que são bons servos. Fazem o serviço conforme
lhes é ordenado. –afirmou Theodoro ao ver os grupos se aproximarem.
Rafael foi jogado aos pés do jovem Castro, desacordado e sujo. “Aqui está ele.”
-E cadê a sua esposa?
Os gritos de Maria Aparecida vindos dos céus desviou a atenção de todos. Tal
senhora então foi jogada e caiu próxima ao marido, e então o agarrou. A senhora
Hamburgo não tinha a capacidade de encarar o vilão nos olhos.
-Coloque o casal na forca. -ordenou o dono do Código.
-Theodoro, o porquê de tudo isso? Qual o propósito dessa invasão? –Margot
não entendia as atitudes do afilhado.
-Tudo em nome de Emanuel Zacarias Castro. –Theodoro profanou com
voracidade e com os olhos marejados lembrando-se do pai.
Liron então saltou sobre os demônios que tendiam pendurar Rafael na forca.
“Matem essa besta-fera.”, ordenou o dono do Código.
-Não, não ele é meu animal sagrado, por favor Theodoro. –interveio a senhora
Reghine aos gritos.
-Deixo-o em paz, Theodoro. –também pediu Rafael, tendo a corda enrolada já
no pescoço, agora consciente.
-Segurem-no. Suponho que ele seja o motivo de suas idas à caverna do velho
Jones, Margot?!
-Sim. –Margot temia pela morte de seu animal sagrado. Um absurdo vê-lo
morto, apesar da distancia que há anos viviam, com ele isolado na caverna, ela amava
seu protetor. –Poupe a vida dele, eu suplico.
Malvina que acompanhava a elite dominada, observou Escobar ser arrastado
por uma criatura com cara de búfalo. Seu amado vinha preso junto a um pequeno
grupo, e ao vê-la olharam-se interrogativos. Como a todos ele não entendiam o que
estava acontecendo.
-Seu forasteiro imprestável. O que está fazendo com minha vila? Quero rápidas
explicações. –Heitor começou a berrar contra Theodoro ao ver que ele era o chefe de
tal invasão.
-Ora vejam só, então se tornou o dono de tal local? Sim, as coisas mudaram
mesmo pelo o que vejo. –Theodoro então endireitou o elegante chapéu que do chão
achou.
-Não me venha com palavras de boa conduta, quero...
306
-Cale-se. - o dono do Código encheu-se de raiva, não admitiria ser afrontado. –
Theodoro darei as devidas explicações, a fim que todos ouçam e assim evitemos mais
perguntas.
-Liron acalme-se, sabe que contra o Código não há como lutar. Ele é invencível,
por favor, contenha-se. –Margot postou-se do lado de seu selvagem animal, agarrada
a juba do leão.
-Eu me apossei do Código dos Piratas. –Theodoro então tirou o livro que estava
entre sua pele e o elástico da calça. –Tal livro, que é a maior e mais poderosa arma já
existente. E venho por fazer tal destruição em nome de meu pai, em honra dele... Que
alguns anos atrás fora trapaceado, traído, roubado, perseguido por aquele homem... indicou Rafael que se tornou branco como a neve -... E perseguido por todos vocês,
que apoiaram o desgraçado. E hoje, pagarão caro por tal posição.
Maria Aparecida pensava que sempre tivera razão de não gostar daquele
forasteiro. Este rapaz sempre transpareceu mal intencionado, se Rafael tivesse seguido
seus desejos e o afastado de perto deles antes, sua filha estaria ali e sua família não
acabaria. Onde estaria Daniele? Será que a jovem havia morrido? Dor.
Mais alguns minutos passaram-se, minutos de árduas explicações e insolentes
questionamentos.
-E o que pretende fazer conosco?- interrogou a senhora Hamburgo, com a
corda no pescoço sobre a forca.
Theodoro então caminhou devagar, engolindo calmamente sua saliva,
trabalhando o diafragma com uma serena respiração. “Pretendo... Dar o devido fim ao
nobre casal.”
-Eu não traí o seu pai, ele me traiu primeiro. Sou amaldiçoado por Poseidon
por culpa dele... Apossei-me de todo ouro sim, mas ouro pelo qual fui condenado. Rafael tentou se explicar.
-Além de pirata, ele é um ladrão. –falou Heitor, relembrando seu ódio
profundo por Rafael.
-Ele tem razão. - completou Liron, sendo segurado com força pelos demônios
do Código. –Seu pai traiu Rafael primeiro.
Theodoro voltou-se para Margot, um tanto surpreso. Tal senhora afirmou com
um gesto que tais declarações eram verdadeiras.
A vingança de tal vilão então teve uma mudança de curso e julgamento. Apesar
de tais declarações, seu pai seria vingado... Era preciso como ele acreditava.
-Pois bem, se meu pai é o mentiroso dessa novela, não os julgarei com a
intenção de vingá-lo. Se meu pai fora o culpado desde o início, não sou eu quem dará o
veredito final. Deixo o destino do casal nas mãos de... minha querida Mercy.
Mercy que até o momento conteve-se calada observando tudo com surpresa e
medo, assustou-se ao ter o nome citado. “Je?”
-Sim, o que me diz do destino do casal Hamburgo? A vida deles está em suas
mãos... Esperamos pelo veredito senhorita... Juíza.
A francesa analisou a situação, havia finalmente conseguido sua devida
vingança. Olhou profundamente nos olhos de Rafael... Retirando sua máscara em
seguida... “Você me tirou a coisa mais preciosa que eu tinha Rafael...”.
-Não é possível que tenha tanto ódio assim em seu peito, depois de tudo o que
lhe dei, fiz... –o senhor Hamburgo tentou usar da emoção, sendo persuasivo.
A francesa sorriu meia boca.
307
Maria Aparecida ao ver seu destino nas mãos de tal mulher viu-se perdida,
lembrou-se da filha, e que possivelmente ela estaria morta... A morte para ela seria
mais que cabível, não teria mais porque viver... Viver sem as duas coisas mais
importantes de sua vida, o que seria bem pior que a morte.
As pupilas de Mercy dilataram-se, ela relembrou a dor que sentiu do encontro
do ferro quente com sua pele, e do cheiro de carne queimada que se espalhou pelo
cômodo. Mas, dor maior foi quando olhou para o espelho e metade de seu rosto não
continha mais a beleza que Deus havia lhe concebido, uma beleza divina, uma beleza
olimpiana.
“... Se a mim cabe o destination do lastimável casal... Acho la mort a melhor
maneira de castigar-vos”.
-Estão vendo, não somente eu os odeio. O incrível casal é dotado de diversos
inimigos, pois suas condutas e ações nunca foram boas com o próximo. Sempre tão
egoístas...
-Eu a perdoo, Mercy. Se assim quer, faça-nos seguirmos para o mundo dos
mortos. Condene-me à morte. – Rafael sabia o seu fim. Uma rápida passagem de sua
vida passou diante dos seus olhos, ele estava arrependido de várias atitudes, contudo
tinha orgulho em morrer de tal forma, pois morria como o célebre e saudoso, Rafael
Nunes Hamburgo, um dos homens mais ricos e bem sucedidos da Colônia Portuguesa.
Ele havia superado todas as expectativas, nasceu pirata e morria senhor.
-Pois se assim tal senhorita decidiu, que assim se faça... Mate-os. -ordenou
Theodoro sem piedade para o demônio que segurava a manivela do alçapão.
O casal então se observou pela última vez. Somente os olhares foram precisos
para dizer que ambos se amavam e esperavam se viver junto do outro lado da vida. A
eternidade.
O carrasco então puxou a alavanca. O baque fora capaz de quebrar os
pescoços de ambos e o som do destroncamento ser ouvido por todos ali presentes.
Mortes rápidas, sem dores.
Liron fechou os olhos, perdendo as forças aos poucos, até que foi solto pelos
demônios e consolado por Margot. A fera chorou.
Augustus apesar do espanto como a todos, via-se vingando pela morte do
irmão. Alguém haveria de fazer aquilo, então que fosse alguém que sofrera das más
atitudes de Rafael.
Os senhores, todos se surpreenderam, estavam espantados. “Vocês...”,
Theodoro voltou-se à elite.
-Nós?- a Corte se assustou, e Heitor fraquejou nas duas pernas.
-Então quer dizer que Heitor Martins é o dono...
-Embaixador... –interpôs Adrian.
-Embaixador? Surpreendente. Sempre acreditei que o capitão afundasse com o
seu navio, logo acredito que o embaixador afunde com sua vila. Tragam-me tal
poderoso homem e sua esposa.
Heitor e Malvina foram postos ajoelhados diante de Theodoro. Mal tendiam se
encarar.
-Nunca fiz mal algum para você, não tem porque me matar. –interpôs Heitor.
-Evidente. Por isso, vou dar-lhes uma chance. Sua respectiva senhora origina-se
de uma vida mundana, não é mesmo? E tal relação do apaixonado casal causou o
suicídio de sua ex-esposa... Portanto, quero que me prove o quanto ama sua esposa,
308
pois se assim deixou a vida de outra pessoa terminar por tal amor, quero presenciar tal
épica paixão.
-O que está querendo dizer? –Heitor não entendeu a proposta. Em seguida,
olhou para Malvina que tentou dizer algo, mas fora interrompida por Theodoro e
tapada a boca por um demônio: - Heitor, eu estou...
-Tape a boca dela... Você minha adorável senhora não deve influenciar na
escolha dele. Deixe-o agir conforme o seu coração mandar. –o dono do Código voltouse ao Embaixador- Heitor Martins deve escolher entre sua vida e a de sua esposa... Por
qual delas opta?
-Deixe-a. Ela é inocente, nunca fez mal algum para ninguém. – Escobar tentou
interceder por sua amada, não poderia vê-la morrer diante de seus olhos.
-Não é mesmo impressionante o que a hora da morte é capaz de fazer. Nesse
momento perdões são pedidos... Amores são declarados e ovacionados... A morte é
algo capaz de transformar o ser humano! –exclamou Theodoro. Ele sentia-se o dono
do mundo.
Malvina grunhia, trocava olhares de piedades com Heitor, querendo lhe
informar sobre sua gravidez.
O senhor Martins não poderia perder sua vida em prol de uma imprestável
mulher, ele pensou. Alguns segundos... Até que Heitor foi exigido em dar o veredito...
“Não posso morrer...”, ele fechou os olhos, “... Opto por viver. Por mim”.
-Sempre soube o covarde que era. –Theodoro aproximou e sussurrou no
ouvido de tal homem. Depois se voltou para Baal. –Faça, caro general.
Malvina observou Escobar que gritou em seu nome, despedindo-se. E um tiro
no meio de sua testa a fez seguir para o mundo dos mortos.
Mercy assistiu tudo calada, esperava que Heitor escolhe-se pela esposa...
Contudo viu diante de seus olhos a morte da querida amiga, e ficara calada. Pois, ela
temia Theodoro e intercedesse por Malvina poderia ser morta também, ela imaginou.
A francesa renegou a amizade.
Padre Inácio via tais crueldades, abismado. Até que seus olhos viram Escobar
lutar com seu dominador e sair correndo contra o rumo oposto que todos se
encontravam presos.
-Atirem nele. -ordenou Theodoro ao ver Escobar fugir.
Escobar teve sorte, nenhuma bala o dominou. Virou em um beco e lá ficou,
contendo-se para não fazer barulho. O choro e a raiva em ter perdido sua amada eram
duros demais, parecia que estava tão perto em viver tal amor, mas tudo estava
perdido. Rangia os dentes e esmurrava o chão. Até que se assustou:
-Graças a Deus, alguém de verdade. –disse o representante Acácio caindo aos
pés do ex-capataz. –Salve-me, ajude-me se puder, e darei tudo o que quiser.
-Ah, o infeliz conseguiu escapar. Deixe-o, é preciso sobreviventes para anunciar
ao mundo que o Código está de volta... Levem Heitor para o navio. –ordenou
Theodoro rumando para o grupo dos senhores de Santos.
-Ei espere, você me disse que eu viveria. -Heitor mal conseguia olhar para o
corpo de Malvina estendido, escorrendo sangue no chão.
-E irá viver. Só não prometi sua liberdade... Afinal, precisarei de alguém para
limpar o assoalho de meu navio.
O exército de monstros caiu em gargalhada e Heitor foi levado à força para o
navio do Código.
309
Quando Padre Inácio viu Theodoro rumar para ao seu encontro, agarrou em
todos os terços e cruzes que tinha disponível pendurados em volta do pescoço.
-Padre Inácio... Sua fé me comove. O senhor acredita nos Deuses Gregos?
-Não, senhor. -respondeu o Padre com cuidado e delicadeza. Ele não poderia
renegar sua Igreja e Deus, tinha as pernas bambas, e medo da morte. –São deuses
pagãos, que não existem.
-Sim. E foram eles que cederam os poderes que cá neste livro estão. –
Theodoro guardou o Código novamente. –Espero que o senhor aceite meu convite
para trabalhar no meu navio, suponho que seria bom ter um beneditino na
tripulação... Mostrar-lhe-ei que nem tudo que aprendeu é verdade, que o que parecia
mentira existe... Mas, se não quiser aceitar meu convite, acredito que meus servos não
hesitarão em dar-te um rápido e indolor destino...
O padre aceitou a proposta de viver e seguiu ao navio do Código sem
pestanejar. Tinha medo da morte... Preferia a servidão de que a morte. Seguiu então
arrastado por uma das criaturas para conforme destino escolhido.
-Largue de choro leãozinho... Margot, senhor Augustus, o que me dizem de
reviverem os tempos de aventura que no passado os fizeram famosos?
-Temos escolhas? –indagou Augustus querendo saber se um não fosse dito,
decepariam sua cabeça.
-Permanecer aqui em Santos como dois velhos imprestáveis e caquéticos ou
reviver grandes aventuras e ganharem postos ao fim da dominação de todas as nações
que eu farei. O que me dizem, seguidores do Código?... E você bela francesa... observou a deformação de Mercy. Em seguida abriu seu livro e passou sua mão na face
castigada da francesa. -O que me diz de ser a rainha de todos os povos? A mais bela
mulher do mundo.
Mercy que então analisava o corpo da amiga estendido no chão, sentindo-se
culpada por não ter interferido, ganhara brilhos nos olhos. Revitalizou-se com tal
proposta e pensou em ter sua forma bela de volta: “Queen, rainha?”.
-E nós? Como ficaremos? –questionou o prefeito.
Theodoro então virou para o grupo que tinha o desespero e medo no
semblante.
-General, decida o que devemos fazer com eles... E então? O que me diz de ser
minha rainha?
-Acceptés, aceito. –respondeu Mercy que mal teve tempo para raciocinar e
fora tragada pelos lábios de Theodoro.
Uma mistura de sensualidade e ares sepulcrais tomou a vila.
-O que fará? –Liron indagou sua dona, tinha a tristeza nos olhos, cabisbaixo.
-Suponho melhor ficarmos ao lado de Theodoro, acredito que as coisas hão de
piorar. –Margot já imaginava o mundo tomado pelo exército do Código, então se
afixaria do lado campeão.
Os cinco seguiram para o navio do Código. Sentimentos diversos dominavam
cada coração da mais nova legião.
E Baal coordenou o destino dos quais restaram, tanto tempo adormecido
dentro do Código, trancafiado na Ilha do Diabo, poderia fazer jus ao que propósito de
sua criação: matar e destruir.
- Vamos amarrar todos juntos. E depois... Hasteiem fogo.
310
Capítulo 31: Dar-se início uma grande desventura.
O Minerva navegava tranquilamente, e após verificar a proximidade da vila a
tripulação acelerou a navegação.
Salete e Daniele sonhavam em chegar o mais breve possível em terra, há meses
estavam fora. Esta porque fora sequestrada, aquela porque decidiu ajudar no resgate
da jovem. Então, desejavam abraçar suas queridas famílias, amigos e conhecidos.
Já o restante da tripulação estava preocupado com o destino do planeta e de
todos os povos. Era necessário acelerar o curso da viagem e assim avisarem o mundo
para se erguerem e lutarem contra o Código dos Piratas que havia voltado.
-Não vejo o momento de abraçar minha filha e postar-me finalmente ao lado
dela. Quero compensar o tempo perdido que ficamos distante uma da outra. –afirmou
Salete com os olhos brilhantes e sonhando com um destino feliz.
-Estou com muita saudade de meus pais. Quero muito revê-los. –declarou a
jovem Daniela tão mal vestida e fraca. Ela necessitava de um banho, de descanso.
Precisava de uma banheira cheia de espuma para por os pensamentos no lugar e
decidir o que faria da vida dali em diante.
-Vamos com cuidado Bartolomeu, pois podemos ser recebidos com balas de
canhões pela origem pirata de meu navio. –afirmou Giulia que guiava todo o curso da
navegação.
-Creio que algo aconteceu em tal local. Vejam... –Luigi analisou o porto
destruído e as poucas residências que tinha a vista em farelos.
A imagem era de destruição, apesar de passado algumas semanas após a
invasão da vila, os sobreviventes do ataque ainda não tiveram tempo e capacidade
para reconstruir todo o estrago que o batalhão do Código havia causado. Dois dias
foram gastos para se enterrar os mortos e inocentes, que então sofreram do ataque;
assim ainda recolhiam os destroços.
-O que houve aqui? -Ottávio rodou admirado com o cenário de destruição. Um
infeliz cenário pós-guerra.
Daniele admirava tudo com cautela, os destroços, as manchas de sangue, a
tristeza estampado na cara das pessoas, o caos.
-Olá, senhor. Pode me dizer o que aconteceu aqui? –o português após
atracarem questionou um senhor que carregava uma leva de roupas sujas, parecendo
estarem sujas de sangue humano.
-Senhor Ottávio, é o senhor mesmo? –o velho reconheceu o famoso e honrado
navegador português. –Por onde andava?
-Diga-me senhor, o que houve em nossa vila? –Ottávio persistiu.
-Um rapaz, dotado de um livro... Controlando monstros... Mataram inocentes e
destruíram nossas casas e vidas.
Daniele foi tomada de desespero, pensou nos pais, pânico e medo tomaram
seu coração. “Mãe, pai.” A jovem ao ver um cavalo disponível saltou sobre o animal,
correndo em direção a sua casa. Em disparada subiu o inclinado caminho que dava à
mansão de sua família.
-Daniele espere. –Ottávio seguiu atrás de sua amada.
-Sigam-nos, irei procurar minha filha. Se é que ela está... Sigam os dois. –
declarou Salete arrepiando-se dos pés a cabeça, muito temorosa.
311
A jovem Hamburgo ao avistar sua moradia, acelerou. Estava com saudade
daquele local, daquelas terras, daquelas paredes...
Adentrou a mansão aos berros, gritando pelos seus pais. Correndo escada
acima, onde foi até o quarto de seus progenitores, e nada encontrou. Encontrou-se em
tal alvoroço com a velha escrava da família. “Sinhazinha!”
-Zilda, cadê meus pais? Onde eles estão? -questionou Daniele, com medo das
respostas.
Ottávio e os piratas chegaram ofegantes alguns instantes depois.
-Diga, cadê meus pais?
A escrava não disse nada, começou a caminhar em passos lentos e
acompanhada pelo grupo recém-chegado. E todos seguiram até os fundos da mansão.
Túmulos foram feitos no fundo da residência por Zilda e Chico os únicos
escravos que não haviam fugido. Entre o gramado aparado de uma tonalidade verde
tropical, tinham-se dois montes de terra erguidos, com duas cruzes afixadas na ponta
deles e escritos os nomes: Maria Aparecida Goes Hamburgo e Rafael Nunes Hamburgo.
Daniele entrou em pânico, não acreditava em toda a desgraça que havia se
transformado sua vida. Debulhou-se em lágrimas, uma dor incomparável tomou sua
alma e coração, e nada mais tinha significado. Atencioso leitor, a dor de nossa mocinha
fora tão única que palavras me faltam para expressar tal incomparável sofrimento.
Tristeza.
Ottávio mantinha-se firme, apesar da grande tristeza que sentia. Não
conseguia imaginar nas crueldades que Theodoro e o Código foram capazes de
provocar. Depois questionou a escrava do destino dos outros escravos e como o casal
Hamburgo fora morto.
-Os negros todos fugiram, só ficou eu e Chico, sinhozinho... E os nossos
senhores foram enforcados em praça pública pelo rapaz Theodoro. –respondeu Zilda,
tentando encontrar forças para aguentar toda a situação, até mesmo ela sofria com
tais perdas, apesar de tudo.
Ottávio agarrou Daniele nos seus braços, ela sofria. Dor sem comparação,
perdas irreparáveis.
O restante da tripulação do Minerva observavam tal cena calados, respeitando
as dores de tais sofredores. O Código começava agir com tal crueldade e fome de
destruição como da primeira vez quando tinha liberdade.
O hotel estava todo destruído, janelas quebradas, portas arrancadas. Os
móveis foram postos para fora e feito uma fogueira com tais objetos. A senhora
Jácome deparou-se com uma de suas amigas de trabalho, questionando-a sobre o
destino de todos.
-Oh, minha amiga... –tal senhora conteve as palavras, seria difícil encarar a
realidade.
312
-Minha filha... Sabe de minha filha? Cadê Malvina?–Salete que pouco se
emocionava, não conteve as lágrimas que já tendiam a escorrer pelos olhos marejados.
Os búzios haviam lhe mostrado o futuro, a morte de Malvina, a destruição de Santos...
-Heitor teve que escolher entre ele e sua filha... Agora, ele segue condenado a
servir o navio pirata que causou todo esse mal.
A mãe caiu ao chão, suas forças cessaram. Sua alma havia-se rompido, sentia
os feitos das maldades do Código. Desejava poder fazer o tempo voltar e ficar do lado
de sua filha, protegê-la. Ausência e perda.
A jovem Hamburgo, agora órfão de pai e mãe, seguiu arrastada para seu
quarto. O restante da tripulação fora bem recepcionados, ficariam na mansão de
Daniele até reporem suas energias e assim seguiriam para o Rio de Janeiro avisar Paolo
e depois a Ordem dos Piratas, alertando que o Código havia voltado.
-Nos alimentamos e descansamos um pouco e depois vamos ao porto repor as
mercadorias do nosso estoque, também precisamos encontramos uma tripulação e
assim seguiremos viagem. –declarou a capitão, agradecida da hospitalidade oferecida
por Ottávio.
-Disponibilizarei alimentos para que sigam viagem. -afirmou o jovem Mello.
Nada mais daquele luxo, conforto, trajes e mundo imaginário feliz e inocente
de donzela pertencia à Daniele. Junto com o casal Hamburgo foi-se a jovem inocente
que acreditava na bondade de todas as pessoas, que imaginava o mundo ser um local
sem crueldade e dor. Tal Daniele havia sido enterrada e agora diante do espelho, mal
arrumada, com os olhos inchados, cheirando mal, cansada e consciente de todas as
maldades e capacidades de traição que os seres humanos eram capazes de fazer
quando dotados de poder, uma nova pessoa nascia, com novos adjetivos, desejos,
sonhos e ações.
Ódio e vingança.
Ela lembrou-se dos bons momentos que ali naquela casa viveu, da elegante e
carinhosa mãe... De quando pequena quando ouvia os contos fadas ditos pela
progenitora até a jovem pegar no sono... E seu exigente pai... Lembrou-se de sua festa
de quinze anos, a valsa que dançaram juntos... Teria muitas saudades de ambos. Seu
coração apertava-se ao imaginar tais figuras. Eles nunca mais iriam estar ao seu lado
para ajudá-la se preciso, pois eles tinham morrido. Estavam mortos.
Com uma tesoura na mão, a nova Daniele tomaria seu lugar. “Eu prometo meus
pais, que hei de vingá-los. Theodoro não pensou que afetaria tantas pessoas com seu
desejo incontrolável de vingança por um pai de passado desonroso. Não vou descansar
enquanto não ver Theodoro e o Código dos Piratas destruídos e mortos.”
Tais palavras foram levadas pela brisa serena e acalentadora da tarde de verão.
O oceano mantinha-se tranquilo como que esperando as batalhas que nele estavam
por vir, novamente o mundo se dividiria em seguidores do Código e combatentes do
Código. O mal e o bem. Dar-se início uma grande desventura.
Algumas horas passadas, Giulia e seus homens já estavam recompostos.
Precisavam seguir viagem, precisavam ir ao Rio de Janeiro.
313
O jovem mercador transformado: limpo, cheiroso e bem vestido, estendeu a
mão para o capitão do Minerva, em forma de agradecimento dela tê-lo ajudado no
resgate de sua amada. “Agradeço.”
A capitão do Minerva que se sentia um tanto atraída por tal homem, retribuiulhe o aperto de mão. Ela pensou que possivelmente nunca mais veria tal belo
português, ele foi o primeiro homem capaz até então de encantá-la. Tal segredo
morreria com ela.
-Quais são as ordens, capitão?- interrogou Luigi.
-Seguirei com vocês, pretendo combater esse livro. - a senhora Jácome
reapareceu. Postava-se ao pé da porta da sala. Tinha-se recomposto, contido as
lágrimas. Trajava roupas limpas e tinha uma espada.
-Acredito que os conhecimentos dela seriam bem vindos em nossa desventura,
capitão. – Bartolomeu intercedeu pela corajosa senhora.
-Sim, acredito que sua presença será bem vinda. – Giulia consentiu.
Do alto das escadas, modificada, transformada em outra pessoa, a corajosa e
machucada na alma, Daniele declarou seguir junto do Minerva e de toda tripulação.
Ela tinha os cabelos curtos, trajava calça e camisa masculina, preenchida de ódio e
transbordando desejo de vingança.
-Não pode fazer isso. –interpôs Ottávio. -Que loucura está dizendo?
-Hei de seguir com vocês e não descansarei até ver o fim do Código e de
Theodoro. –Daniele afirmou com convicção, disposta e com energias para lutar.
-Não irá conosco, donzela. –contradisse Giulia – Não há espaço para moças
indefesas. Precisamos de pessoas que saibam lutar, corajosas e valentes.
-Sou corajosa e brava o suficiente. –ressaltou Daniele suas qualidades.
-A coragem de uma princesa indefesa... Nem ao menos sabe manejar uma
espada.
-Posso aprender. Estou disposta a aprender, só precisam me ensinar...
-Não temos tempo para ensinar. Esqueça.
-Ela tem razão Daniele, que ideia absurda. –Ottávio apoiou a controversa de
Giulia. O português imaginava que iria ficar junto com sua amada dali em diante,
conforme sempre sonhou, principalmente por Daniele estar fragilidade, precisando de
um homem de pulsos firmes para protegê-la. Mas mais uma vez Ottávio foi
surpreendido por sua amada.
-Se não seguir junto com vocês, só irei demorar mais para confrontar o inimigo.
Não irei desistir. –Daniele precisava convencer a jovem Matarazzo para seguir junto do
Minerva, entretanto Giulia parecia certa na negação.
-Vamos homens, todos de pé. Precisamos seguir para o Rio de Janeiro e avisar
Paolo Nutini. –depois se voltou à jovem aventureira. –Aproveite o glamour e luxo de
sua vida de princesa enquanto o mundo é um lugar bom e seguro para se viver.
-Não ficarei de braços cruzados se é isso que espera. –interpôs a jovem
Hamburgo.
Giulia agradeceu novamente a hospitalidade da casa dos Hamburgo e os bons
modos de Ottávio. Logo em seguida, acompanhada de seus piratas seguiram para o
porto.
-Que ideia absurda, Daniele. Seguir junto do Minerva para combater aquele
forasteiro e o Código. –Ottávio mal declarou tais palavras e Daniele deu-lhe as costas
seguindo para a sala exótica de cabeças de animais. –O que está fazendo? Daniele?...
314
A jovem Hamburgo entrou curiosa no ambiente, procurando algo. “O que está
procurando?”, indagou o português.
Assim ela achou a espada que Rafael Hamburgo havia se apoderado. Tal objeto
tinha vindo de lugares remotos e desconhecidos, tal como sua origem. Mistério. Ela
então se apossou da arma cortante, analisando-a.
-O que pretende fazer?...- interrogou Ottávio que se afastou após Daniele
inferir um golpe certeiro nas velas no balaústre. –Daniele? Quais suas intenções?
-Vou combater o Código, vou seguir junto com o Minerva. –afirmou a moça,
postando a espada numa algibeira e amarrando-os a cintura.
-Mas o capitão deles não a quer como parte da tripulação. -relembrou o
português. Não conseguia acreditar nas palavras e postura de Daniele.
-Ottávio... Vou vingar meus pais, nem que eu morra tentando isto.
Ele então a agarrou, lábios próximos, olhar de apaixonado. “Esqueça isso tudo.
Eles hão de vencer aquele forasteiro, não necessitam de sua ajuda... Fique ao meu
lado. Case-se comigo... Percorri águas desconhecidas em nome do amor que sinto por
você. Fique ao meu lado”.
“Desculpe, mas não posso. Não o amo e não poderia ficar de braços cruzados
enquanto o assassino de meus pais navega pelo mundo matando inocentes e
destruindo cidades e povos”, Daniele via o semblante de desilusão do jovem mercador,
mas não podia retribuir tal amor sentido. “Agradeço por ter me salvado. Mas, não
posso te enganar e ir contra minhas promessas”.
A jovem Daniele então fora largada pelo seu admirador que cambaleou pelo
ambiente, de cabeça baixa, e dor de perda. “Boa... Boa sorte. Só... Não se esqueça que
a amo, mais que tudo nessa vida... E que vou esperar você voltar para enfim conquistar
seu amor e ficarmos juntos.”
Os dois trocaram um saudoso abraço. A velha escrava via mais uma vez sua
sinhazinha seguir embora, contudo agora para talvez nunca mais voltar.
Ação do destino.
No cais do porto, poucas partes mantinham-se de pé e aproveitáveis de tal
local. Homens transitavam de um lado ao outro carregando alimentos, água e muito
rum para dentro do Minerva. Sofredores da ação da invasão, perderam filhas,
mulheres, pais, alguns a família toda, aceitando então o chamado de Giulia em
seguirem para lutar contra o Código dos Piratas.
-Tem certeza que é isso que você quer? Se você considera sua vida preciosa,
alerto-a para ficar. -Bartolomeu se aproximou de Salete que pretendia subir a
passarela e flutuar no Minerva.
-Minha vida é tão importante quanto a vida dos outros. Pois contra o Código
batalharei e a perderei se preciso em tal desventura. –declarou a senhora dominada
com espírito de luta. Malvina iria se orgulhar se estivesse viva, pensou.
A jovem Matarazzo ditava ordens a sua mais nova tripulação, apressando a
todos, pois desejava em alguns minutos partir de Santos.
Luigi vistoriava a carga de rum que então era levada para dentro da
embarcação, quando de repente teve um pedregulho jogado contra a cabeça. Olhou
315
interrogativo para o céu: - Em tempos assim até pedras chovem sobre nossas
cabeças?!
-Psiu!- alguém estava escondido entre os sacos de batatas, jogando mais um
pedregulho na cabeça do pirata.
-Ei, isso dói sabia mocinha... Daniele? –Luigi admirou-se.
-Coloque-me no seu navio. Preciso seguir junto vocês. –Daniele olhava
apreensiva para os cantos evitando ser vista. –Ajude-me.
-Não viu o que minha irmã disse, não pode seguir junto de nós.
-Não pensei que tivesse medo dela. Afinal de contas o navio também é seu.
-Não tenho medo dela, ela é a capitão, preciso obedecer as ordens. É o preço
que se paga por não ser um bom capitão.
-E como um menininho medroso, não contradiz o que ela ordena, não é
mesmo? –Daniele tentava incitar o rapaz, usando da fraqueza dele. Ela precisava lutar
contra Theodoro. – Vamos me ajude, preciso seguir junto com vocês.
-Não sou um menininho, e não tenho medo dela.
-Luigi!–chamou Giulia o irmão. Ela o havia visto falando sozinho? Ou havia
alguém entre os sacos de batatas?O filho de Matarazzo quase sofrera de um ataque cardíaco. Assustou-se ao ser
interrogado pela capitão com quem ele conversava.
-Com ninguém. Estava... Estava... Verificando... Os... Os... Os mantimentos... explicou ele dando um soco sobre os sacos de batatas, e tal ação provocara dor em sua
mão. – Verificando os sacos da batata...
-O quê?
-Quero dizer, os sacos na batata... Não, os batatas de saco...
-Você é mesmo o meu irmão? Cara estranho! -Giulia impressionava-se com as
idiotices ditas por Luigi.
Ele tentava disfarçar a presença de Daniele ali entre os sacos, entretanto se
afobou todo nas palavras. Ao que a capitão o deixo sozinho ele voltou à Daniele, que
afirmou: - Morre de medo dela.
Ele então se mostrou capaz e valente: - Preparada para maior desventura de
sua vida? Passará por coisas que nunca imaginou, verá criaturas e seres assustadores...
O Minerva começou a navegar, seguindo o curso ditado por sua capitão. Dando
início ao combate contra o Código. Esperança, coragem, medo e armas de guerra eram
levados dentro do navio.
A nossa querida mocinha tinha o coração palpitante e a mente direcionada em
um único intuito. Espremida entre os mantimentos no convés, mal tinha ideia do que
iria por vir.
Desventura.
PRÓXIMA OBRA:
O Código dos Piratas e o Livro dos Mortos.
Todos os direitos dessa obra são reservados ao autor, material protegido por Direitos Autorais, pertencente a Cleiton S.
Leandro. A reprodução ou cópia da obra sem as ordens e/ou permissão do autor sujeitará os infratores às penas das leis
aplicáveis em matéria de direito autoral

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