Tres Esqueletos PORT

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Tres Esqueletos PORT
Tres esqueletos y medio Gustavo Ott: www.gustavoott.com.ar
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Primeira finalista no prêmio nacional de dramaturgia José Ignácio Cabrujas – 1998
Três esqueletos e meio
GUSTAVO OTT
Tradução: Luciana Fins
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“Sonhar com ossos que saem da terra,
anuncia uma traição que está sendo preparada contra você”.
Dicionário dos sonhos
“Assim diz o Senhor a esses ossos:
Vou fazer o espírito chegar em vós e viverás.
Colocarei nervos e pelo sobre vós
e lhes darei espírito e viverás...”.
Personagens:
Santiago
Clarisa
Nicolas
Wendy
Doutor Rosas
50 anos
34 anos
24 anos
28 anos
49 anos
Jornalista, mulher de 20 anos.
Homem: funcionário da aduana\ Pedreiro\
Sorveteiro \ Detetive
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1/
APARECE DOUTOR ROSAS, SOZINHO. BACKOUT TOTAL AO
SEU REDOR.
ROSAS: (DANDO UMA AULA). Mesmo que a morte aconteça hoje
ou há três mil anos, as vozes dos mortos darão lugar ao silêncio e
voltarão para responder as perguntas feitas pelos cientistas. Às
vezes, a voz dos mortos aparece para pedir justiça. É que para os
cientistas, a morte não é o fim da história, senão o começo.
MÚSICA. SALSA TÍPICA. AEROPORTO. ANUNCIAM A CHEGADA
DO VÔO 732 DE NOVA IORQUE. CLARISA E WENDY ESTÃO EM
CENA. LUZ BAIXA.
ROSAS: Clarisa está completamente enganada, absolutamente
contra, totalmente no oposto aonde deveria ir, veio para este país
em busca de praia, boa salsa e estrelas. (SOBE LUZ. CLARISA E
WENDY APARECEM).
CLARISA: Eu gosto deste calor, destas nuvens raquíticas, da luz e
dessas pessoas que vivem como se a vida não tivesse nenhuma
importância.
ROSAS: Chegou no país completamente enganada, absolutamente
contra, totalmente oposta aonde uma arqueóloga bonita deveria ir.
ROSAS DESAPARECE.
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LETREIRO:
SEXTA 10 DE FEVEREIRO, DUAS E MEIA DA TARDE.
AEROPORTO DE BARQUISIMETO, ESTADO LARA,
VENEZUELA.
MÚSICA: TÍPICA SALSA DOS ANOS 70. LUZ BRILHANTE.
WENDY E CLARISA ESPERAM A VEZ NA IMIGRAÇÃO.
WENDY:O cara estava lendo na cama nu. Eu estava ao seu lado,
nua, com a cabeça no peito dele. Estávamos muito felizes, mas eu
me sentia um pouco nervosa.
CLARISA: Nervosa por quê?
WENDY: Não deveríamos ter transado.
CLARISA: Com Antônio Banderas? Não poderia ter transado com
Antônio Banderas. Não me diga que foi culpa dele?
WENDY: Não, claro que não. Era eu. Eu me sentia horrível.
CLARISA: Não acredito.
WENDY (FURIOSA) Imagine, sonhar que está nua com Antônio
Banderas na cama e ficar sem ação.
CLARISA: Você não vai acreditar, mas eu também sonhei com
Antonio Banderas.
WENDY: Não acredito!
CLARISA: Deve ter sido pelo filme do avião.
WENDY: E a viagem para a América do sul.
CLARISA: Banderas não é da América do sul.
WENDY: De onde ele é?
CLARISA: Sei lá. Espanhol, acho.
WENDY: Sempre faz papel de latino-americano.
CLARISA: O mais engraçado é que sonhei que estava na cama com
ele.
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WENDY: Clarisa, por favor.
CLARISA: E transávamos que era uma delícia.
WENDY: Não diga isto, por favor, Clarissa, você me machuca.
CLARISA: É sério. Eu juro por Santiago.
WENDY: Não meta o seu marido em um juramento de infidelidade.
CLARISA: Não fui infiel.
WENDY: Com Antonio Banderas na cama?
CLARISA: Era um sonho.
WENDY: Com o meu Antonio Banderas.
CLARISA: Sabe quanto dura um sonho? Sete minutos.
WENDY: É mais do que dura qualquer dos meus amantes. Meus
maridos não duram nem a metade...
CLARISA: Foi somente...Antonio foi...Instantes.
WENDY: Instantes! Como se atreve. “Instantes”. Que coisa mais
repugnante e pornográfica. E você sabia que eu o amava, que
havíamos estado juntos minutos antes.
CLARISA: Eu não sabia!
WENDY: (DRAMÁTICA) Dá na mesma. De noite eu dormia e ele me
sussurrava ao ouvido. Supõe-se que você é minha melhor amiga!
CLARISA: No meu sonho ele me falava de você.
CLARISA: Não seja filha da puta. O que ele lhe dizia, falsa?
CLARISA: Que você é boa de cama.
WENDY: (FURIOSA) Eu vou lhe matar, maldita, cadela.
(CONTENTE) Disse isso? De verdade? (FURIOSA) Você quer
roubar o meu amante. Baixa. Ladra de homens. Víbora. Não sei o
que Santiago vai dizer quando ficar sabendo.
CLARISA: Ninguém vai contar pra ele.
WNEDY: Sou sua melhor amiga.
CLARISA: Por isso mesmo.
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WENDY: As melhores amigas existem para contar para os maridos
as sujeiras da mulher.
CLARISA (EM DIREÇÃO À ALFÂNDEGA) Vem, já vai ser a nossa
vez.
WENDY: Era Banderas mesmo?
CLARISA: Me molhei toda.
WENDY: Maldita. Vai me pagar caro.
O OFICIAL DA ALFÂNDEGA LHES ORDENA ABRIR AS MALAS
WENDY: Você vai ver. Esta noite eu vou sonhar que Antonio está
me utilizando para tirar dinheiro de você.
CLARISA: Mas eu não tenho nem um centavo.
WENDY: Nos meus sonhos sempre somos milionárias e famosas.
AGENTE: Tem algo para declarar?
WENDY: Meu nome é Wendy Hauger e sou cidadã americana. Ela é
Clarisa Sánchez de Garnier e também é americana.
AGENTE (DEBOCHANDO) É o que diz aqui. Você tem algo para
declarar?
WENDY: Sou divorciada três vezes e ela casada uma vez, sou do
tipo perigosa.
AGENTE: Eu gosto de mulheres perigosas. O que vocês fazem?
CLARISA: Somos arqueólogas.
AGENTE: “Arque” o quê?
WENDY: Buscamos o que os homens e as mulheres deixaram. Mas
prefiro os homens, são mais sujos.
AGENTES: Acho bom me explicarem melhor.
CLARISA: Buscamos restos, lixo. Nosso trabalho é remover as
ruínas, recolher vestígios e tentar imaginar o mundo antigo sobre pó
e escombros.
AGENTE: Então estão no lugar correto. Neste país só existe lixo.
(TIRA DA MALA DE CLARISA UM FRASCO COM ÁGUA COM
OSSOS DENTRO) O que é isto?
CLARISA: Restos ósseos de Glossotherium e Haplomastodóm.
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AGENTE: Parece frango velho. (O COLOCA NA MALA COM
DESPREZO) Adiante. Não se metam em problemas.
WENDY: Tchau, querido.
CLARISA: (AFASTANDO-SE) Não deveria ter falado tanto.
WENDY: Você viu aquele sorriso? Não é a cara do Antonio
Banderas? Ai, que bom que seu marido me convidou! Eu acho que
o Antonio Banderas é latino-americano.
CLARISA: E pensar que por você eu durmo pouco, viajo em classe
econômica e traio o meu marido com Antonio Banderas.
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2/
LETREIRO:
QUINTA 9 DE FEVEREIRO,
QUATRO HORAS E TRÊS MINUTOS.
EXCAVAÇÕES NO CEMITÉRIO PIGMEU,
CIDADE DE QUIBOR, VENEZUELA.
MÚSICA TRISTE. LUZ AVERMELHADA. CREPÚCULO. APARECE
UMA LUZ MAIS FORTE. LUGAR DAS EXCAVAÇÕES. ROSAS
ESTÁ A PARTE.
ROSAS: (PARA O PÚBLICO) Já bem tarde alguém disse que todos
têm um Santiago na vida. Um cara que desejamos imitar e que
exerce poder sobre nós. Na faculdade, ele chamava a atenção de
professores e alunas. Eu sempre dizia que era seu melhor amigo,
mas ele me desprezava. Casou-se com Clarisa, aquela estudante
que eu tanto amava, completamente errada, absolutamente ao
contrário. (MUDA DE TOM) É claro que eu o odeio! Você também o
odiaria! É por esse ódio magnífico que eu gosto de pensar no seu
fracasso. Eu gosto de pensar que ele e Clarisa não estão bem, que
não conseguiu nada na vida, que tem 50 anos de nada. Eu? Eu
sempre quis ser como ele e não consegui. Depois quis ser outro e
também fracassei. Eu passei a vida tentando ser alguém. Hoje já
tenho muito tempo sem fazer nada: ser como ele. (DESAPARECE)
SANTIAGO APARECE COM SUA CÂMERA PORTÁTIL NA MÃO E
DÁ ENTREVISTA PARA A JORNALISTA. ELA GRAVA TUDO O
QUE ELE DIZ. A JORNALISTA DEMONSTRA INDIFERENÇA.
ALGUNS TRABALHADORES APARECEM ESCAVANDO AO
LONGE.
SANTIAGO: Encontramos até agora três esqueletos. Pigmeus.
Anões. Gente que media entre um metro e trinta a um e quarenta no
máximo.
JORNALISTA: E os restos?
SANTIAGO: Cerâmica decorada de vermelho e branca, com
desenhos que ocupam toda a superfície dos recipientes. São
comuns as patas ocas e bulbosas.
JORNALISTA: Eles são importantes porque são anões ou porque
são velhos?
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SANTIAGO: Pelas duas coisas. O primeiro relato histórico sobre a
existência dos pigmeus foi feito por um alemão chamado Federman
no século XVI. Ele disse que um cacique entrou no seu
acampamento levando indivíduos de pequena estatura e chamou o
lugar de “Nação dos Ayamanes”, quer dizer, Cidade dos anões.
Dizem que encontrou até 300 pigmeus.
JORNALISTA: E esses são os mesmos que agora estão aqui
mortos.
SANTIAGO: São restos.
JORNALISTAS: Mortos.
SANTIAGO: Bem, claro. Têm 500 anos.
JORNALISTA: Isso é o que eu queria saber. Mortos.
TRABALHADOR: Doutor Garnier! Doutor Garnier venha ver uma
coisa.
JORNALISTA: E não acha que já existem muitos mortos nos
cemitérios da área para estar encontrando mais, Doutor Garnier?
SANTIAGO: (PARA O TRABALHADOR) O que foi?
TRABALHADOR: Encontramos algo.
SANTIAGO: Deixa-me ver. Não, não toque nele. Toma este saco.
(OS TRABALHADORES COLOCAM A CAVEIRA NO SACO).
JORNALISTA: Que coisa horrível!
TRABALHADOR: O que é isto, Doutor?
SANTIAGO: Uma cabeça.
TRABALHADOR: Bem estranha.
SANTIAGO: Sim, parece que está deformada.
JORNALISTA: Que nojo..
SANTIAGO: Onde exatamente a encontrou?
TRABALHADOR: Nesta área. É importante, Doutor?
SANTIAGO: Pode ser. Viu algo mais? Ossos? Pedras estranhas?
TRABALHADOR: Podemos continuar buscando. Por que eles têm a
cabeça assim, Doutor?
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SANTIAGO: Isto é bastante revelador. O que estas pessoas estão
fazendo lá?
TRABALHADOR: Estão construindo um bordel, Doutor.
SANTIAGO: Fala para eles desligarem as máquinas. Que parem
tudo, pois encontramos um tesouro.
TRABALHADOR: Sim, mas quanto me dará.
SANTIAGO:O que está dizendo?
TRABALHADOR: Quanto?
SANTIAGO: O que está dizendo? Estamos em cima de
um...Existem restos arqueológicos de...Podemos estar em cima de
um tesouro.
TRABALHADOR: Tesouro ou não, você deve nos dar algo, quem
sabe outro bordel.
SANTIAGO: Mais bordéis! Mas se já existem tantos! E aquele ali?
Aquele quarteirão deve ter pelo menos sete.
TRABALHADOR: Aquele terá um parque infantil, Doutor.
JORNALISTA (ENTREVISTANDO O TRABALHADOR) Estaria
disposto a aparecer no meu programa dedicado aos bordéis? Será
bem remunerado.
SANTIAGO: Senhorita, eu sou a notícia. (FURIOSO) Jornalista, eu
vou te dizer o que é jornalismo. (COM A CÂMERA, GRAVANDO A
SI MESMO) Oi, eu sou o Doutor Santiago Garnier, aqui da cidade
de Quibor na Venezuela. Não esqueçam este nome, Venezuela. Já
sei que não significa nada para ninguém, mas hoje encontramos
cabeças de pigmeus esmagadas em uma área que poderia
esconder tesouros importantes, mas que está a ponto de ser
destruída com a aprovação da Prefeitura e até da Igreja. Esta é a
melhor definição de Terceiro Mundo.
(SAI COM RAIVA. A JORNALISTA ENTREVISTA O
TRABALHADOR. O TRABALHADOR PASSA A MÃO NA BUNDA
DELA. A JORNALISTA PEDE PARA CORTAREM A GRAVAÇÃO).
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3/
LETREIRO:
SEXTA 10 DE FEVEREIRO,
SEIS E DEZ DA NOITE.
CIDADE DE QUIBOR, VENEZUELA.
ROSAS: A única frase que dizia era: “Para que viver se sabemos
que vamos morrer”. Ele a repetia sempre, com se estivesse dizendo
isto pela primeira vez. Porque esta era a frase dele, a mesma de
sempre. Depois, com o tempo, seu nome deixou de significar algo
no mundo da arqueologia. A faculdade esqueceu suas
investigações. Enquanto seus colegas menos qualificados faziam
suas primeiras escavações no Peru, Itália, África, o arrogante
Santiago foi...(RI)...Para a Venezuela. Isso mesmo, Venezuela.
“Para que vivemos se vamos morrer” Hoje, quando tudo já foi
descoberto, quando sabemos o que aconteceu no mundo, no meio
da dor, eu me pergunto: E daí?
NICOLAS PASSA COM TURISTAS TIRANDO FOTOS. ROSAS
DESAPARECE
WENDY: Senhor, você sabe onde fica o museu?
SORVETEIRO: O que?
WENDY: O museu?
SORVETEIRO: Ah, o museu. Eu posso lhe dizer onde fica, mas
sempre mudam ele de lugar. Um dia está aqui, outro dia está lá. Eu
não sei o que vão fazer com este museu, porque nunca está no
mesmo lugar.
CLARISA: É melhor não perguntar para qualquer pessoa.
NICOLAS: Precisam de ajuda?
CLARISA: Estamos procurando o Museu Arqueológico.
WENDY: Aqui ninguém sabe nada sobre o museu.
CLARISA: E parece que é o único da cidade.
NICOLAS: Desculpem, mas é que ninguém se preocupa com isso.
O que você chama de museu, para eles são os cemitérios, lugar de
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pessoas que morreram há muito tempo e que só têm valor para
professores velhos e arqueólogas bonitas.
WENDY: Você é a professora velha.
CLARISA: E você a bonita, não é?
WENDY: Sou a solteira.
CLARISA: E isso a faz ser a bonita?
WENDY: Não me dirija a palavra, traidora. Eu ainda não esqueci o
que você fez com o meu namorado. (PARA NICOLAS) Como você
se chama? Antonio Banderas?
NICOLAS: Nicolas. Eu moro aqui há muitos anos. Sou guia turístico.
WENDY: Não vai me dizer que eu pareço turista.
CLARISA: Estamos procurando o professor Garnier.
NICOLAS: O professor mora na pensão em frente ao museu.
CLARISA: Você o conhece?
NICOLAS: Já conversamos várias vezes. Ele quer que eu leve
turista para a escavação.
WENDY: Ele tem se comportado bem? Tem fama de sair com as
estudantes. Ela é a esposa dele. Vamos, conta, conta.
NICOLAS: Vocês vieram por causa das descobertas?
WENDY: Estamos de férias com todos os gastos pagos. Vimos em
busca de praia, boa salsa e estrelas.
NICOLAS: Estamos a 500 quilômetros da praia. Boa salsa somente
no bar. E estrelas, existem poucas, quinze. Mas eu conheço um
lugar bem interessante, onde existem aquedutos estilo romano
enterrados. Devem ter uns 300 anos.
WENDY: Sinto muito, são muito novos. Ela gosta de homens
maduros, não sai com menores de 3 anos.
CLARISA: Ela só diz besteiras, é claro que me interessa.
NICOLAS: Eu as levo amanhã. (TURISTAS PASSAM E INSISTEM
EM CONTINUAR O PERCORRIDO) Se quiserem podem vir comigo
e assim as deixo no hotel.
CLARISA: Não precisa se preocupar.
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NICOLAS: É que o hotel é um bordel.
CLARISA: Santiago mora num bordel?
NICOLAS: Não existem hotéis nesta cidade, somente bordéis. Os
turistas adoram, por isso estão aqui.
WENDY: Um prostíbulo vermelho de encontros indecentes! E nós
também vamos ficar nesse lugar? Ah não, isso nunca. O que a
minha tia Winalda vai dizer, meu Deus!
CLARISA: Sua tia Winalda era a mais puta das galinhas.
WENDY: Neste caso e dada a circunstância serei como a Santa
Winalda. Dá para ouvir tudo pelas paredes? (OS TURISTAS
FAZEM SINAL QUE DESEJAM IR EMBORA)
NICOLAS (PARA OS JAPONESES) American. Arqueologist.
TURISTAS: We want whores!
NICOLAS: But these are important people.
(OS TURISTAS SE EMOCIONAM E TOMAM FOTOS DAS DUAS.
WENDY FICA ENCANTADA COM A SITUAÇÃO)
CLARISA: Wendy, você é maluca.
WENDY: Eu acho que nasci para o estrelato. Nos bordéis eles
pagam por hora ou por dia?
CLARISA: Aqui pagamos com bobas, por isso a trouxemos aqui.
CONTINUA POSANDO PARA AS FOTOS COM ENTUSIASMO.
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4/
LETREIRO:
SÁBADO 11 DE FEVEREIRO,
UMA E 17 DA MANHÃ.
MOTEL QUIBOR INN.
MÚSICA TRISTE. QUARTO DE HOTEL. NEON. SANTIAGO E
CLARISA TRANSAM NA CAMA. FAZ FRIO. ROSAS APARECE.
ROSAS: Mesmo sendo o primeiro trabalho profissional dela, Wendy,
a aluna que os acompanhava, ficou várias horas vendo o lugar, as
pessoas, tudo o que tivesse a ver com o nada. “Somente por hoje,
dizia”.
WENDY: Somente por hoje.
ROSAS: Encontrei este bilhete nas coisas dela. Uma carta que
escreveu para mim e que nunca enviou.
WENDY: Vi o país como uma linha de terra, limitada por crateras.
Dizem que aqui existem piranhas, tarântulas, jibóias, jacarés,
tartarugas, cobras, víboras e polvos. Por que esta terra tão linda me
deixa triste? Esta é a terra que vejo. Uma massa de terra chamada
Venezuela e que está afundando, afundando atrás de mim. E sei
que é verdade porque daqui, longe do mar, posso sentir o cheiro do
grande movimento das águas do mar que se aproximam, as ondas
que voam, os barcos lançados nas nuvens. Aqui, no meio desta
terra vermelha, posso dizer que sinto o mar engolindo o país.
ROSAS (LENDO), WENDY (DIZENDO COM PAIXÃO): Afunda e eu
me afundo com ele. Os olhos de Clarisa. Seus olhos. Estes olhos
tão lindos.
ROSAS E WENDY DESAPARECEM. SANTIAGO CHEGA AO
ORGASMO. CLARISA LEVANTA DA CAMA E VAI AO BANHEIRO.
SANTIAGO: Eu lhe peço desculpas.
CLARISA: A culpa não foi sua.
SANTIAGO: Deve estar sendo ruim para você.
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CLARISA: Não tem problema.
SANTIAGO: Estive tanto tempo sozinho.
CLARISA: Não tem importância.
SANTIAGO: Não posso deixar de pensar nesta terra vermelha, com
essa corrosão diária que parece antiga e em tudo o que podemos
encontrar aqui.
CLARISA: Eu gosto deste país. Tenho uma boa primeira impressão.
(VOLTA AO BANHEIRO) Bem, me conte então o que não pôde
dizer por fax.
SANTIAGO: (LEVANTA DA CAMA E BUSCA UM MAPA) Primeiro é
que encontramos restos de Proboscídeos.
CLARISA: E a mostra de Glossotherium?
SANTIAGO: Esquece isso. Eu lhe pedi para despistar a Wendy.
CALRISA: Wendy pode ser despistada até com ossos de cachorro,
Santiago.
SANTIAGO: Ela fala muito e é amiga do idiota do Rosas, escreve
cartas para ele. Olha o que eu encontrei nas coisas dela.
CLARISA: Você esteve revistando as coisas dela?
SANTIAGO: Sempre busco vestígios. (LENDO A CARTA) “Aqui no
meio desta terra vermelha posso dizer que sinto o movimento do
mar engolindo o país”.
CLARISA: Isso não significa nada, Santiago.
SANTIAGO: Escreve em códigos.
CLARISA: Parece mais uma poesia.
SANTIAGO: O problema é que ela pode contar na Faculdade o que
eu descobri... E os outros urubus...Os que...Olha (MOSTRA O
MAPA) são Pigmeus.
CLARISA: Pigmeus?
SANTIAGO: Isso mesmo, pigmeus.
CLARISA: Todos sabem que existiram pigmeus nômades nestas
terras há muito tempo, Santiago.
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SANTIAGO: Mas pigmeus de que época? Porque segundo minha
teoria existe aqui um antigo cemitério de pigmeus.
CLARISA: Como os túmulos reais de Sipán?
SANTIAGO: Mais.
CLARISA: Não entendo, Santiago.
SANTIAGO: Acho que estas terras foram povoadas por pigmeus há
dois mil anos atrás.
CLARISA: O lugar inteiro?
SANTIAGO: Encontramos três esqueletos quase intactos.
(FURIOSO) E esses macacos querem fazê-los desaparecer com
bordéis! Mas vamos escavar até o centro da terra se for necessário,
Clarisa. Se conseguirmos encontrar recipientes ou túmulos
diferentes podemos até pensar que aqui existiram nômades. Uma
cidade. Então eles não se atreverão a construir mais nada.
CLARISA: Você conhece o guia turístico?
SANTIAGO: O que não consigo entender é porque aparecia uma
mancha preta no satélite? Ossos de pigmeu, terra vermelha. Mas
por que tudo preto, como se fosse algo grande?
CLARISA: Ele quer me mostrar um aqueduto colonial. Você quer ir?
SANTIAGO: Um aqueduto colonial? Estou falando de imortalidade,
não me venha com essa história de colonial.
CLARISA: Eu gostaria de conhecer.
TOCAM A PORTA. WENDY ENTRA CORRENDO. SANTIAGO
GUARDA SEUS MAPAS E PAPÉIS, ESCONDENDO-OS COMO
UMA CRIANÇA.
WENDY: Me ajudem, socorro! Clarisa, Santiago, vocês precisam me
ajudar!
SANTIAGO: O que está acontecendo?
WENDY: Um homem enorme me perguntou se eu trabalhava aqui!
SANTIAGO: E o que aconteceu? Fez uma poesia para ele?
WENDY: Não brinque com isso. Ele está me perseguindo com as
calças abaixadas.
CLARISA: E por quê?
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WENDY: Porque eu disse que aceitava, mas era de brincadeira.
CLARISA: Meu Deus, você só se mete em problemas por causa
desse seu jeito de tarada. (PAUSA) Ele é feio?
WENDY: Clarisa, por favor.
CLARISA: Desculpa.
WENDY: Se fosse bonito eu não estaria pedindo ajuda. Estaria com
ele.
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5/
LETREIRO:
SÁBADO 11 DE FEVEREIRO,
TRÊS E TRINTA E QUATRO DA NOITE.
ALGUM LUGAR NOS ARREDORES DE QUIBOR.
AQUEDUTO COLONIAL SEMIDESTRUÍDO. NICOLAS ESTÁ EM
CENA LIMPANDO O LUGAR AONDE IRÁ SE SENTAR. ROSAS
ESTÁ A UM LADO, PERTO DE UM BANQUINHO. LIVROS.
ROSAS: (LENDO CARTA ENVIADA POR WENDY) De noite,
enquanto eu dormia, escutava os gritos de angústia da nação
afogando, os gritos apagados pela água subterrânea, os fantasmas
arrastados pelas correntes marinhas, o céu molhado de Quibor, os
arranha céus desenterrados de Caracas, três esqueletos mordidos
por tubarões, destroçados pelos corais...Aqui, a milhares de
quilômetros do mar, sentia a oração diária da vida marinha. Talvez
porque começavam a sair de nós escamas, guelras e até o povo
parecia um bonito barco ancorado no mar da terra. PARA O
PÚBLICO. Estão vendo? Ela disse três esqueletos. Três esqueletos.
ROSAS DESAPARECE.
LUZ BRILHANTE. CLARISA E WENDY APARECEM EM CENA.
WENDY: Seria muito bom se construíssem dois shoppings e um
hotel cinco mil estrelas para melhorar este lugar.
CLARISA: Wendy?
WENDY: Sim, já sei.
NICOLAS: Eu mesmo desenterrei esta parte. E pode haver mais,
milhares. Existe de tudo neste país, só que ninguém sabe. Por que
você não foi com o seu marido?
CLARISA: As primeiras escavações são chatas. A minha
especialidade não é encontrar vestígios.
NICOLAS: O que você faz?
CLARISA: Patologia forense.
NICOLAS: Parece coisa de polícia.
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CLARISA: Antropologia forense.
NICOLAS: Parece chato. O que quer dizer?
WENDY: Buscamos ossos nojentos e fazemos testes de laboratório
como se fossem ratos.
NICOLAS: Tem ossos aqui?
WENDY: Tem ossos em toda parte, meu amor.
CLARISA: Tem ossos, ossos de gente que morreu há duzentos ou
150 anos atrás.
WENDY: Tem ossos de gente que desapareceu ontem.
NICOLAS: Ontem, gente que desapareceu ontem. Que interessante!
CLARISA: Ossos são o que deixamos. Isso é o que fica, transcende.
WENDY: E também ossos de crimes que não foram solucionados.
CLARISA: Sempre somos enterrados pelos vivos ou pela natureza.
Ninguém fica em cima da terra.
NICOLAS: “Em pó se transformará”.
CLARISA: Nas escavações muitas vezes encontramos ossos de
pessoas que morreram há poucos anos ou meses. Gente que
estava desaparecida, uma amante que fugiu com alguém, uma
adolescente arrependida, um inocente.
WENDY: Odeio quando encontramos desperdícios.
CLARISA: E a metade da nossa vida é isso, encontrar lixo sem
importância.
NICOLAS: Eles são desperdícios porque morreram há pouco tempo
, mas após 500 ou cinco mil anos serão carnes de museu.
CLARISA: Sim, mas outra arqueóloga terá a sorte de encontrá-los e
não eu.
NICOLAS: E o cemitério pigmeu? Ele não é importante?
WENDY: Santiago disse que nos darão uma bolsa de estudos por
estes três esqueletos.
CLARISA: Mas a verdade é que os três são literaturas.
NICOLAS: Não entendo.
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CLARISA: Material para acadêmicos, alimentos de bibliotecas e tese
que ninguém lerá. São como o asteróide do dinossauro.
NICOLAS: (PARA WENDY) O que está querendo dizer?
WENDY: Ela está se referindo à teoria dos Alvarez sobre a extinção
dos dinossauros. O asteróide cai na Terra e o impacto desenvolve
uma nuvem de pó que interrompe a fotossíntese, matando os
dinossauros.
NICOLAS: Parece interessante.
WENDY: Não para ela.
CLARISA: Fomos nós. Nós acabamos com eles. Destruímos todos.
Nosso aparecimento na Terra coincide com a extinção desses
animais. Foi nosso primeiro aviso.
WENDY: Mesmo que todos pensem diferente em todas as
Universidades do mundo, ela acha que são mentiras.
CLARISA: Querem avaliar a história. Os acontecimentos se baseiam
em mentiras. Como os pigmeus. Também são inventados. A mentira
tem que ser criada pelas pessoas e os motivos devem ser
concretos. As mentiras proporcionam indícios preciosos para serem
avaliados.
NICOLAS: Ou seja, não representam o fim do mundo.
CLARISA: (TRISTE) Nem o começo.
WENDY: O que foi?
CLARISA: O fracasso me deixa triste.
WENDY: Não é nenhum fracasso.
CLARISA: Santiago acha que está buscando algo sobrenatural. E
sabe o que é pior? Que ele só acredita quando fala no assunto.
Porque sabe e está treinado para saber que não conseguiu grande
coisa. E ele já está com 50 anos. Santiago já está na metade da
vida e acredita ser um mito imbecil. Sabe o que ele me disse? Que
não queria que você contasse para Rosas sobre os pigmeus e que a
universidade o inveja. Rosas e a universidade! A Universidade
espera que faraós sejam descobertos e não pigmeus. Todo mundo
descobre pigmeu. Ninguém ganha a glória com pigmeus.
WENDY: Clarisa quer abandonar a arqueologia para dançar
flamenco com Antonio Banderas.
Tres esqueletos y medio Gustavo Ott: www.gustavoott.com.ar 21
CLARISA: A arqueologia não serve para nada e não se opõe a
nada. Já não possui nada que representa a realidade. Está tudo nos
livros. Até a televisão é capaz de entender melhor o ser humano do
que nós. Não existe discussão, não tem emoção.
WENDY: Por isso nos dedicamos a dançar nuas nas mesas do
Bordel City Inn. Quanto você pagaria por me ver?
NICOLAS: Todo o dinheiro do mundo.
WENDY: E por vê-la?
NICOLAS: A vida.
WENDY: Ela está casada.
NICOLAS: Por isso ela é mais cara.
CLARISA: “Para que vivemos se sabemos que vamos morrer?”, ele
repete isso o tempo inteiro.
WENDY: Quando a melancolia fala em sânscrito.
CLARISA: Isto é o que Santiago sempre diz. Vivemos por algo e
porque sabemos que vamos morrer, mas continuamos vivendo.
Para que? Por que fazemos isto?
WENDY: Pelos bíceps do Antonio Banderas?
CLARISA: Deve ser. Encontrar pigmeus aos 50 anos! (DEIXA
ESCORRER UMA LÁGRIMA) Estou um pouco cansada de esperar
que algo aconteça.
WENDY: É a idade. Ela se deprime a cada 45 minutos nas quintas,
sábados e domingos pela manhã. Isto acontece desde quando viu
“O parque dos Dinossauros”.
NICOLAS: O cinqüentão é ele e não você.
CLARISA: Quando perdemos o entusiasmo por tudo o que está
escondido na terra, então somos um osso a mais. Você se
transforma em osso como a maioria dos seres humanos. Ossos,
206 ossos é o que resta de você após ter vivido tanto. Acho que
vivemos para esquecer que vamos ser ossos. (SAI)
WENDY: Já terminou o passeio?
CLARISA: Está fazendo calor. Talvez em outro planeta consiga algo
que me interesse debaixo da terra. Neste já não resta mais nada
para mim.
WENDY (PARA NICOLAS) Tudo por sua culpa!
Tres esqueletos y medio Gustavo Ott: www.gustavoott.com.ar 22
NICOLAS: E por que por minha culpa?
WENDY: Todos os homens são iguais.
NICOLAS: Por isso é que eu não gosto deles.
(ELA DÁ UM TAPINHA NAS COSTAS DELE. NICOLAS FICA
SOZINHO E PERCEBE QUE ELES NÃO SE SENTARAM NO
LUGAR ONDE ELE LIMPOU
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6/
LETREIRO:
DOMINGO 12 DE FEVEREIRO,
NOVE E TRINTA E TRÊS DA NOITE.
BAR JOSEFINA WILSON
ESCUTA-SE BOLERO. NICOLAS E SANTIAGO BEBEM. ROSAS
ESTÁ A UM LADO.
ROSAS: Koch dizia que os pigmeus, apesar de viverem em grupos,
não formam comunidades ordenadas e precisam de ciência, arte,
moral e vergonha; em outras palavras, não possuem cultura. São
como os habitantes atuais destas terras. Eles são pigmeus, só que
mais altos...(ELE VÊ SANTIAGO BEBENDO) Santiago chora
quando suas forças estão contidas. Chora quando o punho se fecha
e dói; chora pela fumaça do cigarro e quando está perdendo. Esta
noite pensava como justificar os pigmeus da América do Sul diante
da Universidade de Columbia. (RI) Situação complicada!
(DESAPARECE)
SANTIAGO: Eu preciso que você traga alguns turistas para que ver
as escavações.
NICOLAS : Eles acham chato.
SANTIAGO: Conte para eles que existe uma grande descoberta. Os
japoneses não notarão a diferença. Tirarão fotos e pronto.
NICOLAS: O que eles querem é ver bordéis.
SANTIAGO: Mas já não existem bordéis nesta cidade. Só existe um
grande cemitério arqueológico. Uma grande descoberta. Anda,
traga-os.
NICOLAS: Dr. Santiago há alguns anos atrás ninguém vinha para
cá. Era uma cidade de passagem. Até que algum tempo atrás
fizeram um filme sobre “A cidade do bordel”. E aí ficamos famosos.
As pessoas vêm para cá por causa dos bordéis. Somos a cidade
com mais bordéis por pessoa no mundo.Temos o primeiro shopping
de bordéis, sete numa mesma construção, com cinema, McDonald,
Big Mac bordel, calçadão dos bordéis, restaurante com cardápio
bordeleiro. Isso sim é novidade!
SANTIAGO: Isso é indecência.
Tres esqueletos y medio Gustavo Ott: www.gustavoott.com.ar 24
NICOLAS: O que for. Mas chama turista. Vendemos camisetas com
bordel, jarras com bordel, bandeirinhas com bordel. As pessoas
vivem assim. E está tudo indo tão bem que as famílias daqui
deixaram seus trabalhos. Aqui entre nós, muitos bordéis são apenas
para turistas. A verdade é que eles nem estão mais trabalhando
direito.
SANTIAGO: Se as autoridades vissem os turistas tirando fotos das
escavações vão começar a me levar a sério.
NICOLAS: Eles não estão nem aí para você, doutor.
SANTIAGO: O sorveteiro tem mais poder do que eu.
NICOLAS: Porque sabe o que tem.
SANTIAGO: Conte para os adolescentes sobre a arqueologia.
NICOLAS: A arqueologia é muito chata, professor.
SANTIAGO: APAIXONADO. A arqueologia é como um filme, mostra
tudo o que aconteceu com o ser humano através da história. A
arqueologia joga e continuará jogando um papel importante para
que possamos entender a sociedade. Nada como o passado para
entender as pessoas e suas riquezas.
NICOLAS: Sim, mas aqui tudo é “cu”, Dr. Santiago. Ninguém dá
bolas para arqueologia. Não ligam nem para o que aconteceu
ontem. As pessoas querem até esquecer o que aconteceu pela
manhã ou o que viveram há alguns minutos. Querem esquecer o
que estão vivendo.
SANTIAGO: Por isso estamos nós, para que não esqueçam o
essencial.
NICOLAS: O que esses pigmeus que você encontrou podem nos
ensinar?
SANTIAGO: Muito.
NICOLAS: Mas seja prático, não me venha com teorias.
SANTIAGO: Há dois dias atrás encontramos três esqueletos de
pigmeus de setecentos anos.
NICOLAS: Ossos velhos de anões sinistros. O que esta merda vai
me ensinar?
SANTIAGO: As cabeças têm deformações. Três cabeças com
deformações diferentes. Os pigmeus se deformavam de propósito.
Quando crianças, eles acostumavam esmagar o crânio pelos lados.
E sabe porque faziam isso? Porque não queriam ser iguais. Eles
Tres esqueletos y medio Gustavo Ott: www.gustavoott.com.ar 25
achavam feio que fossem tão parecidos, por isso pensaram que era
melhor alterar a fisionomia. O que acha disso? O elemento cultural
mais importante deles é que queriam ser diferentes. Aí está o
ensinamento.
NICOLAS: Mas se todos esmagavam a cabeça então não eram
diferentes.
SANTIAGO: Você não entende.
NICOLAS: É lógico que eu entendo. Sabe qual é o problema com a
arqueologia? Que não tem movimento. Se ela mexesse, se estas
cabeças esmagadas mexessem, saltassem ou voassem, as
pessoas estariam fascinadas contigo. Você aparecia em todos os
canais de televisão. Poderia até transar com todas as estudantes e
jornalistas do mundo.
SANTIAGO: INCOMODADO COM O TEMA. Não quero transar com
ninguém!
NICOLAS: Se a arqueologia tivesse movimento, isso aqui seria a
Disneylândia. Bordéis e Mickey. Juntos e para toda a família. As
putas com suas orelhas de Mickey. OS DOIS RIEM.
SANTIAGO: Já não é a mesma coisa. Hoje pela manhã apareceu na
minha porta uma estudante de jornalismo. “Doutor, estou aqui para
terminar a entrevista”. E eu pensei, ela quer dormir comigo porque
acha que sou um gênio ou porque me admira. Então eu abro a
porta. ”Estou sozinho”, lhe disse. Mas ao mesmo tempo esperava
que ela tirasse a roupa como nos filmes. E sabe o que ela fez?
Pediu-me para ir ao banheiro. “Estou menstruando e não tenho
tampax”, disse ela. Nunca uma mulher me disse que estava
menstruando. Diziam que tinham dor de cabeça ou que não se
sentiam bem. Mas “mestruando”, isto é coisa que se diga!
NICOLAS: Como as cabeças esmagadas.
SANTIAGO: Ela me disse: “Será que estas cabeças não foram
esmagadas por um caminhão?” Um caminhão em cima dos
pigmeus! Deve ser por isso que eu quero transar com ela, por ser
tão cretina. BEBEM
NICOLAS: Está vendo? Transar é isso. Este é o segredo da cidade:
transar. Esta é nossa história, nossa identidade, o que somos. E
isso não vai mudar.
SANTIAGO: Se alguém estiver transando na rua como dizem que
fazem por aí, então não será comigo. Eu estou out. E acho que você
está in. Mas eu estou out! TERMINA DE TOMAR A BEBIDA.
HUMIILHADO. DÁ DINHEIRO PARA NICOLAS. Anda, me traz uns
japoneses. Quero que as autoridades vejam que estão eles estão
interessados em mim.
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NICOLAS:Vamos ver o que podemos fazer. BEBENDO. Talvez
porque...
SANTIAGO: Isso. Um caminhão. Que filha da puta!
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7/
LETREIRO:
SEGUNDA, 13 DE FEVEREIRO,
UMA E MEIA DA TARDE.
EM ALGUM LUGAR PERTO DE QUIBOR.
AQUEDUTO. NICOLAS ESTÁ DEITADO. APARECEM CLARISA E
ROSAS COM UM MAPA DA AMÉRICA LATINA DEPENDURADO.
ROSAS: Clarisa escreveu uma carta para mim antes da tragédia.
Mas parecia que estava escrevendo para ela mesma. Dizia: ”Rosas,
sou feliz...” BRAVO. Talvez esqueci que gostava dela. “Sou feliz”.
RI. Como se isto fosse grande coisa. PAUSA. Tenho ouvido essa
palavra um milhão de vezes. A escuto nas manhãs do fim de
semana, nas madrugadas chuvosas, nos corredores da faculdade,
nos lábios de Clarisa, nas paredes do apartamento. A escuto
sempre filtrada entre as paredes forradas de papel. A escuto de
noite, seguida de um soluço apagado, no apartamento doze, no
quinze, no três e até no meu, várias vezes.
CLARISA: Sou feliz nas ligações telefônicas que caem, com os cartões
anônimos colocados debaixo da minha porta, e entre as pessoas que
moram nos buracos e lixeiros. Quando escuto alguém que diz "Sou feliz",
sei que seus dias estão contados.
ROSAS: Chegam cedo em casa, sem fome. Assistem televisão e
pronunciam os nomes de suas mães e de seus filhos. Percebem que
uma lâmpada está queimada ou que o quadro está torto. Correm para a
varanda e pulam do nono andar direto no concreto, sem dizer nada,
somente aquelas palavras "sou feliz".
CLARISA: Eu sou feliz...
NICOLAS TENTA BEIJAR CLARISA. ELA O EVITA.
CLARISA: Você seduz todas as turistas.
NICOLAS: Só as arqueólogas bonitas.
TENTA BEIJÁ-LA NOVAMENTE, MAS NÃO CONSEGUE.
CLARISA: Esta manhã estive com o meu marido.
NICOLAS: Não me interessa.
CLARISA: Não quero nada hoje.
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NICOLAS: Não me importa.
CLARISA: Já sei que não lhe importa.
NICOLAS: Vem, anda, dá pra mim agora mesmo.
CLARISA: Solta! RI. "Dá pra mim". O que é isso?
NICOLAS: É a mesma coisa que dizer "Você está menstruando". Final do
século 20, my dear. Tudo é direto. Vem. Dá pra mim aqui mesmo.
CLARISA: Dá pra mim, que horror! Já não se diz mais "fazer amor?"
NICOLAS: Transar. Vai dar ou não?
CLARISA: IMITANDO-O. Aqui mesmo?
NICOLAS: Aqui mesmo.
CLARISA: RI. Nunca fiquei com alguém mais novo do que eu.
NICOLAS: Não sou tão novo.
CLARISA: Você é um garoto. "Dá pra mim" Você diz umas coisas!
ELES SE BEIJAM. NICOLAS COMEÇA A TIRAR A ROUPA DE
CLARISA, MAS ELA O IMPEDE.
CLARISA: Devagar, eu não tenho a sua idade e nem seu estilo de vida.
NICOLAS: Você não sabe nada da minha vida. Se eu lhe contar vai ficar
até tonta. Você nem imagina quem eu sou.
CLARISA: O que você conversou com Santiago?
NICOLAS: Cabeças esmagadas e caminhões sem freios.
CLARISA: O que contou para ele sobre você?
NICOLAS: Eu não falo de mim.
CLARISA: Faz o tipo misterioso.
NICOLAS: Se soubesse não ia acreditar.
CLARISA: Eu quero saber.
NICOLAS: Quando sabemos que somos perseguidos, que nos esperam
atrás de uma coluna para cortar nossos pescoços, quando pedimos para
sermos amados e recebemos seis tiros. Quem vive assim tem que morar
aqui. É preciso fechar as janelas, os trincos, sumir na escuridão. Ficar de
boca fechada e fazer de bobo. Escutar o tiro e morrer de medo.
Pirâmides? Pigmeus? Eternidade? Nesta terra? Não, aqui só nos resta
rezar para não sermos atingidos por uma bala ou tapar os olhos para não
ver o que está acontecendo.
TENTA BEIJÁ-LA, MAS ELA O RECHAÇA...
NICOLAS: Ainda gosta dele?
CLARISA: O admiro.
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NICOLAS: E você não me admira?
CLARISA: Tenho medo de você.
NICOLAS: Clarisa, eu tenho 24 anos.
CLARISA: Agora você joga na minha cara a diferença de idade. O que
aconteceu com "dá pra mim aqui mesmo?”.
NICOLAS: Espera. Tenho 24 anos e fiz tudo o que um homem não
consegue fazer em menos de 245 anos de vida. DISTANCIA-SE. Clarisa,
não vou lhe dizer "dá pra mim", mas também não vou dizer que estou
apaixonado por você. Faz anos que estou trancado aqui nesta cidade,
onde o vento não aparece, um lugar de bordéis incapaz de atrair até as
cabras. E eu quero uma mulher como você.
CLARISA: Por isso você é guia de turistas incompreendidas?
NICOLAS: Não, por isso é que eu sou… ARREPENDE-SE DO QUE IA
DIZER. RELEMBRA. Trouxe um presente para você! BUSCA ALGO
ESCONDIDO PERTO DO AQUEDUTO. MOSTRA PARA ELA UMA
CABEÇA ESMAGADA MONTADA EM TRÊS PATAS.
CLARISA: O quê? O que é isso?
NICOLAS: A encontrei há dois anos atrás.
CLARISA: Meus Deus, ela está amassada...Como os esqueletos do...O
que é isso? De onde vêm? Ouro? Como é possível? Isto pertence a uma
cultura avançada. Deve ser um truque. Onde a encontrou?
NICOLAS: SEGURA CLARISA COM FORÇA. Em nenhum lugar.
CLARISA: O que está querendo?
NICOLAS: Me dá ela de volta.
CLARISA: Posso ficar com isto?
NICOLAS: Para mim isto é um papel dourado.
NICOLAS A BEIJA. COMEÇA A TIRAR A ROUPA DELA. ELA SE
DEIXA LEVAR POR ELE. WENDY APARECE EM CENA.
WENDY: Clarisa?
CLARISA: Me deixa!
NICOLAS: Eu estava no...
CLARISA: Nicolas estava me mostrando o aqueduto.
WENDY: E funciona?
CLARISA: O quê?
WENDY: O aqueduto. Funciona? NICOLAS SE AFASTA UM POUCO.
Clarisa, não me diga que é verdade.
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CLARISA: Não está acontecendo nada.
WENDY: Não estou acreditando.
CLARISA: Wendy é um momento muito difícil na minha vida e...
WENDY: Não falo por você, Clarisa. Cedo ou tarde você isso ia
acontecer. Estou surpresa é com ele. Ontem ele também quis me mostrar
o aqueduto. "Me dá aqui mesmo?"
CLARISA: "Dá para mim".
WENDY: Para sua informação é um aqueduto grande e cheio de água.
CLARISA: Como o do Antonio Banderas?
WENDY: Maior!
CLARISA: E você teve que aparecer justo agora!
WENDY: Já te disse, para isso estão as melhores amigas.
CLARISA: Cadela!
WENDY: Cobra!
CLARISA: Eu odeio você! AS DUAS ACHAM GRAÇA. CLARISA
MOSTRA COM ORGULHO A RELÍQUIA. WENDY A VÊ COM
DESPREZO.
WENDY: Que coisa mais feia!
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8/
LETREIRO:
SEGUNDA, 13 DE FEVEREIRO,
NOVE E TREZE DA NOITE.
BAR JOSEFINA WILSON.
ROSAS ESTÁ DE FRENTE PARA UM QUADRO NEGRO DANDO UMA
AULA
ROSAS: Algum tempo atrás, outro ser humano foi encontrado. Os
cientistas falaram muitas coisas sobre aqueles ossos negros, um garoto
rei enterrado rodeado de mitos. Ao examinar os dentes, descobriram que
havia morrido aos 18 anos, talvez por uma batida na cabeça. Segundo os
testes de DNA, ele poderia pertencer a uma família real egípcia. Desta
mesma maneira foram identificados os três esqueletos e meio, as
pessoas enterradas pelos soldados na praia e o sangue do americano
jogador de futebol que matou a esposa e a amante. Um rei, um
genocídio. Um crime passional e três esqueletos e meio. Trinta mil anos
de diferença ou dois dias, doze mil quilômetros de distância ou apenas
alguns centímetros abaixo da terra...E tudo continua igual. Os mesmos
corpos, os mesmos restos e a mesma técnica.
MÚSICA BAR. CLARISA, WENDY E SANTIAGO ESTÃO EM CENA.
SANTIAGO APARECE ÉBRIO EM UM VÍDEO COM A CABEÇA DE
OURO ESMAGADA NAS MÃOS. ROSAS O VÊ PELA TELEVISÃO.
SANTIAGO: (BRINCANDO CONSIGO MESMO) Serve para aplacar
espíritos, Dr. Rosas. Três patas. Três patas, cacau, algodão, milho e a
fumaça eram oferecidos à nova vida, às burrices e ao nada. E ficamos
deslumbrados com esta história. (RI, COLÉRICO. Felizes porque nosso
dever era buscar pistas. Pistas. Pensar no cotidiano? Você se lembra
Rosas? Sempre dizia: “É preciso estar concentrado nas louças, floreiros,
nos ursinhos e flautinhas”. RI).
CLARISA: ALEGRE. …Quero que você me diga duas coisas: primeiro se
é roubado e segundo de onde vem.
SANTIAGO:
DEIXA A CÂMERA. Que peça magnífica! Que maravilha!
Você viu os relevos? Olha o estado que eles estão!
WENDY: É do Egito?
CLARISA: É daqui.
Tres esqueletos y medio Gustavo Ott: www.gustavoott.com.ar 32
WENDY: Daqui? RI. Desta cidade bordel! Não, isso é impossível.
SANTIAGO: Nunca tinha visto algo assim na minha vida, nem em mil
escavações.Aposto que ninguém nunca viu nada como isto no mundo.
CLARISA: Cabeça esmagada... De ouro?
SANTIAGO: Pigmeu?
CLARISA: Pigmeus.
SANTIAGO:São eles, são os pigmeus. Será que existirão mais? É
preciso enviá-los imediatamente para os laboratórios. Qual civilização
poderia ter feito isto? Vamos precisar de especialistas. Chama Randalla
ou o Stewart. Chama o B.M, Rosas. Bem, ele é um pouco invejoso, mas
conhece do assunto. Ele só serve pra isso. SEM SABER O QUE FAZER.
…Vamos tirar uma foto... Acho que deveríamos levá-lo para o
laboratório... Não, acho melhor não contar nada para ninguém. Clarisa...
BRINDANDO. Se encontrarmos mais será a glória, a eternidade.
WENDY: Não entendo. O único que esses anões sabiam fazer era
acender uma fogueira, o vocabulário deles não chegava nem a 20
palavras, tinham um Q.I igual ao do macaco e agora só porque têm a
cabeça esmagada dizem que são filhos de Nefertiti.
CLARISA: Não é a cabeça, Wendy. É o material.
WENDY: Por isso acho impossível que estes pobres homens tem feito
esta caveira. Eu acho que eles nem tinham cabeça. Eram três esqueltos,
cabelos e pronto.
CLARISA: Como explica isto então...?
WENDY: É muito simples. A caveira é legítima, pelo menos parece.
Faltam fazer algumas análises. Mas talvez tenham vindo do Egito.
CLARISA: Nunca ouvi falar nada disso no Egito. E olha que eu conheço
profundamente o assunto.
WENDY: Acho que isto é caso de polícia.
CLARISA: Wendy, acho melhor você calar a boca.
WENDY: E se alguém a encontrou?
CLARISA:No Egito?
WENDY: Sim, no Egito. Talvez queria escondê-la e tirá-la do país. E aí
veio para cá e a enterrou. Depois morreu ou esqueceu do assunto.
CLARISA: Esta é uma teoria bem infantil.
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WENDY: Talvez tenha sido trazida na época de Colombo ou há duzentos
anos atrás quando construíram os aquedutos.
SANTIAGO: E a cabeça esmagada? E os três esqueletos que
encontramos aqui? Vieram com a colônia? Era um cortejo fúnebre? Será
que Colombo gostava de enterrar anões?
CLARISA: Wendy, os pigmeus vêm do Egito e são descendentes da
Sexta Dinastia. Eram utilizados como entretenimento. Bufões. Para fazer
as pessoas rirem.
WENDY: Não vejo nenhuma graça neles.
CLARISA: Tinham talento para a música e a dança. Eu já vi, existem
alguns no Zaire. Acho muito difícil encontrar pigmeus desta época nestas
terras. E muito menos de uma cultura tão avançada.
SANTIAGO: Olha o que está escrito nesta parte: Hieróglifo!
CLARISA: Você consegue ler?
SANTIAGO: Como se fosse um inglês barato. Como os egípcios.
LENDO. "Você que é a palavra divina... Doce fonte para o viajante
sedento do deserto...". Escuta isso: "Fonte cegada para o falador, que
emana naquele que sabe calar...”.
CLARISA: O que isto significa?
SANTIAGO: Que estão vivos.
WENDY: VENDO A CAVEIRA COM NOJO. Acho que estão é bem
mortos.
SANTIAGO: RI LENDO OS HIERÓGLIFOS COMO SE FOSSE ALGO
MUITO ENGRAÇADO. E a gente pensando em três esqueletos de merda
e uns pontinhos de três patas! Fomos nós, somos nós!
WENDY: Já não lhe importam os três esqueletos?
SANTIAGO: Você disse três esqueletos? Ha, ha, ha. Jogue-os no lixo.
Não significam nada. Nada. Como si fosse um cachorro de rua. Três
esqueletos? DELIRANDO. Olha: rolo de papiro, desenvolvimento da vida.
Como em Keops, tudo tem um significado. Neste momento me conformo
em saber que meu nome vai aparecer. Todos os livros de religião,
filosofia e ciência serão queimados. Eu me conformo em saber que a
civilização é uma merda cara. COLOCANDO UMA FAIXA NA CABEZA.
Vou esmagar minha cabeça porque agora serei um faraó. Quero que o
pessoal de Oxford se foda e que British chupe o meu pinto. Sou eu, eu.
Sou o único e imbatível! Brindemos! Vivemos para ver isto antes de
morrer. Rosas, você está me ouvindo aí em Nova Iorque?
ROSAS: Estou lhe ouvindo.
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SANTIAGO: Filho da puta!
ROSAS: Meus Deus Santiago, que boca suja!
CLARISA: Você nunca falou palavrão.
SANTIAGO: E daí? Nunca fui eu mesmo.
SALSA TÍPICA NO MÁXIMO VOLUME. SILÊNCIO. ESCUTA-SE
MÚSICA MAIS PESADA, ANUNCIANDO A QUEDA.
ROSAS FAZ UMA LIGAÇÃO. VEMOS FLASHES DE CÂMERAS.
BLECAUTE. A ESFÍNGE DOURADA APARECE ILUMINADA MONTADA
NAS TRÊS PATAS. BLECAUTE.
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9/
LETREIRO:
TERÇA, 14 DE FEVEREIRO, 7:02 DA MANHÃ.
UNIVERSIDADE DE COLUMBIA, NY.
ROSAS ESTÁ NO SEU ESCRITÓRIO. AGORA PELA PRIMEIRA VEZ
NO PRESENTE.
ROSAS: Estou tentando falar com Santiago Garnier no Hotel Quibor há
mais de sete dias. Um bordel? Bom, seja o que for. É urgente. Ele me
ligou daí. É uma ligação oficial do Departamento de Investigações
Arqueológicas de Columbia, Estados Unidos. Eu sou o Diretor General
para Assuntos latino americano. Meu nome é Rosas, professor Rosas.
Não parece sobrenome de americano? TAPA O TELEFONE. Meu Deus,
com quem estou falando! Não importa se sou americano ou não, senhor.
O que importa é que... Está bem, meu nome é Rosas, Steven Rosas.
"Roses". Agora sim parece americano. Ainda bem! Por favor, eu preciso
muito falar com o Dr. Santiago Garnier. Como que não tem nenhum Dr.
Santiago Garnier nesse hotel? Bordel, ah sei. Ele está nas escavações
do cemitério...! DESLIGAM O TELEFONE. FALANDO COM ALGUÉM
QUE NÃO PODEMOS VER. Disseram-me que não existe nenhuma
escavação e que eu não sou americano. Estarão gozando da minha
cara? Você acha que eu deveria ir para lá? DESAPARECE. MÚSICA.
Letreiro:
QUARTA 15 DE FEVEREIRO,
11: 30 DA NOITE. Hotel Quibor Inn.
SANTIAGO E WENDY, RODEADOS POR MAPAS E OSSOS. CAIXAS.
WENDY ESCREVE UMA CARTA.
SANTIAGO: Encontramos outro cemitério perto do primeiro no final da
tarde. Nós o chamaremos de Clarisa.
WENDY: NERVOSA Que horas ele disse que vinha?
SANTIAGO:
Quando eu acordo, fico pensando como farei para que a
minha inteligência não desapareça e comece a se repetir. Isto me
preocupa. Nunca cuidei do meu corpo e muito menos do meu espírito.
Nunca pensei em ser decente. A única coisa que tenho é a minha
inteligência. APAIXONADO. Nós encontramos mais cabeças esmagadas.
Você sabia que as deformações eram propositais?
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WENDY: Até os pigmeus faziam o que queriam. Se quiser fazer o
mesmo, problema seu. Isso coloca sua cabeça no mesmo plano dos
pigmeus, completamente plana. O que está pensando em fazer,
Santiago?
SANTIAGO:
Em relação a que?
WENDY: Com Clarisa, sua esposa, minha melhor amiga.
SANTIAGO: Eu estou falando sobre as cabeças dos pigmeus e você vem
com esta história da minha mulher.
WENDY: Na verdade não me importa se eles tinham as cabeças
amassadas ou inchadas. O mais importante agora é a história de amor, a
traição.
SANTIAGO:
Os meus pensamentos estão ocupados com o que eu vi
debaixo da terra.
WENDY: PAUSA. Ela vai lhe abandonar.
SANTIAGO:
Com a extinção das idéias, talvez sejamos os únicos que
ainda enfrentaremos o pragmatismo, a superficialidade, a
transcendência.
WENDY: Sim, você tem razão. Hoje em dia é tão fácil sentir atração por
outros homens.
SANTIAGO:
Ela nunca me quis. A verdade é que isto nunca me
importou, como você que não se importa com que acontece aqui.
WENDY: E como sabe disso?
SANTIAGO: Que você não se importa?
WENDY: Não, que ela não lhe queria.
SANTIAGO:
Sou arqueólogo, sei ler pistas.
WENDY: E isto nunca lhe importou?
SANTIAGO:
O problema não é o amor, mas a solidão. Desejar alguém
ou preferir ficar só. É muito simples. Antigamente era mais fácil, os
pigmeus não tinham problema com isto, andavam sós ou acompanhados.
WENDY: DECEPCIONADA. Não existia televisão e eles não percebiam
que perdiam o tempo. DRAMÁTICA. Se você for matá-la, lhe informo que
não vale a pena!
SANTIAGO:
RINDO. Wendy, ninguém vai morrer aqui. Todo o mundo
sabe que não gosto mais dela. PAUSA. Faz tempo que não a quero mais.
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WENDY: Um triângulo amoroso, um drama passional em um bordel de
terceiro mundo. Ninguém grita, ninguém paga. Sem sangue, sem morte,
sem pranto. Somos tão chatos! Odeio os intelectuais!
SANTIAGO: Esqueça o amor, Wendy. Há mil anos atrás, o amor já não
era tema de conversa nestas terras. Não era importante. Acho que nem
existiu.
WENDY: DERROTADA. Isto acontece comigo por andar vendo
esqueletos no terceiro mundo e não corpaços em Amsterdam!
CLARISA CHEGA ALTERADA.
CLARISA: Santiago… precisamos conversar… Você precisa…!
SANTIAGO:
Não, não fale nada. Já sei de tudo.
CLARISA: O que você sabe?
SANTIAGO:
Eu sempre achei que você me abandonaria por algum
aluno. Sonhava com este momento em que você me diria: "Preciso falar
com você...". E então ficaria sabendo que você tinha encontrado alguém
mais jovem e mais apaixonado do que eu. CLARISA TENTA FALAR,
MAS SANTIAGO NÃO A DEIXA.
CLARISA: Santiago, cale a boca. Eu não venho falar sobre isso. Eu
quero que você veja algo importante. Estou aterrorizada. Você precisa
ver isto.
WENDY: O que é?
MOSTRA UMA CAIXA COBERTA DE TERRA.
CLARISA: Do outro cemitério.
WENDY: Daquele que levará seu nome.
CLARISA: Tomara que não. PARA SANTIAGO. Olha. MOSTRA-LHE
PEDAÇOS DE ROUPAS COBERTOS DE TERRA. Estavam com os
esqueletos. Três esqueletos e meio.
WENDY: Outros três esqueletos... Por que "e meio?”.
SANTIAGO: Não pode ser.
WENDY: O que é isso de “e meio?”
CLARISA: Tem um cortado pela metade, sem cabeça.
WENDY: Ou seja, não morreu de um ataque do coração.
Tres esqueletos y medio Gustavo Ott: www.gustavoott.com.ar 38
SANTIAGO: Wendy cala a boca. Estes não são restos arqueológicos,
Wendy. São de pessoas da nossa época, de há pouco tempo atrás. Isto
aqui é sangue. PARA CLARISA. O que você acha?
CLARISA: Acho que estamos no meio de um cemitério escondido. Um
poço da morte. Não sei. Não conheço este país e nem gosto mais dele.
Os tesouros estão escondidos porque aqui tem gente morta, enterram
pessoas aqui.
WENDY: O que vamos fazer, chamar a polícia?
CLARISA: A polícia? Sabe lá se é um cemitério da polícia? Não
sabemos se isto pertence a alguém poderoso. Por que nunca ninguém
denunciou? Talvez porque enterraram aqueles que quiseram denunciar.
Partidos pela metade, sem cabeça. Encontrei esqueletos partidos pela
metade, Santiago. É estranho, macabro.
WENDY: Nunca escutaram o barulho do mar à noite? Como podemos
escutar o mar se ele está a milhares de quilômetros daqui? Agora
entendo o porquê. Este país está afundando. Algo me diz que devemos
sair daqui hoje mesmo. Vamos fugir e deixar tudo como está.
SANTIAGO:
Você deve estar drogada. Eu nunca ouvi o mar nem
ondas e barco. Não existe oceano que vai me separar da glória.
Abandonar tudo, você está louca? Pode ser que alguém tenha matado
várias pessoas e as colocado ali. Podemos chamar a polícia a contar
tudo. Mas eu não vou deixar meu Egito por causa de um pouco de
sangue. Não posso sair correndo e abandonar tudo.
CLARISA: Eu vou. Posso ficar trabalhando em Nova Iorque no ADN,
carbono 14, com Rosas.
SANTIAGO: Esse filho da mãe!
CLARISA: Ele pode nos proteger!
SANTIAGO: Ele adorará ter o poder.
CLARISA: Não vamos falar nada para ninguém sobre o que aconteceu
aqui, você concorda Wendy?
WENDY: Concordo. NICOLAS A CHAMA DE LONGE COM UM
ASSOBIO.
SANTIAGO: O que é isso?
WENDY: É ele.
CLARISA: Veio me buscar. Eu disse para ele que ia deixar as coisas
claras com você. Ele não sabe de nada.
SANTIAGO:
Vai escapar com ele?
Tres esqueletos y medio Gustavo Ott: www.gustavoott.com.ar 39
CLARISA: Vou sozinha, mas se pudesse escaparia até com o diabo.
CLARISA SAI DO QUARTO. ATRAVÉS DA PENUMBRA A VEMOS
ENCONTRANDO COM NICOLAS. ELES CONVERSAM E DÃO UM
LONGO BEIJO. WENDY E SANTIAGO OS VÊEM PELA JANELA.
WENDY: Ela lhe disse: “Sou livre.”
SANTIAGO:
A verdade é que isto nem me importa.
NICOLAS LEVANTA CLARISA E A LEVA CARREGADA COMO UMA
NOIVA. ELES RIEM E SE BEIJAM. CLARISA LHE MOSTRA OS
RESTOS ENCONTRADOS. NICOLAS MUDA SUA ATITUDE EM
RELAÇÃO A ELA.
NICOLAS: VENDO OS PEDAÇOS DE ROUPAS ENCONTRADOS POR
CLARISA. Quando sabemos que somos perseguidos, que nos esperam
atrás de uma coluna para cortar nossos pescoços. Quando pedimos para
ser amado e recebemos três tiros... Senhores, aqui é como se vive.
AGARRA CLARISA COM FORÇA. Ao cruzar a esquina. É preciso fechar
as janelas, os trincos, desaparecer na escuridão. A APERTA COM
FORÇA, DESEJANDO-A COM CERTA VIOLÊNCIA. Ficar calado e fazer
de bobo. Escutar o tiro e o passo das sereias ao longe e ter medo ao
senti-las se aproximando. TIRA O REVÓLVER SEM ELA VER. Temos
que rezar para que as sereias não venham nos buscar ou tapar nossos
olhos.
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10/
LETREIRO:
QUINTA 16 DE FEVEREIRO, 9:00 DA MANHÃ.
BAR JOSEFINA WILSON –FECHADO.
MÚSICA. APARECE UN HIERÓGLIFO NO MEIO DA CENA, A CORUJA
E A CRUZ COM ASAS. APÓS UMA PAUSA, APARECE DOUTOR
ROSAS COM UMA MALA.
ROSAS: O hieróglifo significa "palavra de Deus" e pode ser desenhado
como um bastão. Sempre gostei disso: Palavra e Deus como um bastão.
Cada palavra é um ser vivo, uma realidade que tem poder e eficácia. As
imagens nos hieróglifos significam algo, mas conservam a força daquilo
que representam. CAMINHA EM DIREÇÃO AO CENTRO. Em alguns
textos, leão e serpente têm o mesmo significado: serpente é palavra e
leão dignidade. Mas numa frase, muitas vezes, havia que cortar em dois
o leão e a serpente ou colocá-los de costas um para o outro para que não
se ferissem. CRUZA COM ALGUMAS PESSOAS. A minha primeira
impressão deste país, deste continente, destas pessoas? Bem, nunca
poderei esquecer que ao chegar senti que todas tinham ido embora.
Como pigmeus, correndo sem deixar pistas. DE FRENTE PARA A CAIXA
COM OS RESTOS QUE CLARISA LHE MOSTROU. Digo que cheguei
muito tarde, que tudo já tinha acontecido e que não tive tempo para deter
o número crescente de vítimas.
MÚSICA. LUZ DE NEON. SANTIAGO E WENDY SENTADOS EM DUAS
CADEIRAS SEPARADAS. A BAGAGEM ESTÁ A UM LADO. NICOLAS E
UM HOMEM ESTÃO DE FRENTE PARA ELES.
SANTIAGO: Os tesouros que existem aqui são de grande valor. Não
entendo as razões para enterrar novamente as descobertas.
NICOLAS: Você não entende.
HOMEM: Qual parte não entende?
NICOLAS: Custará milhões. Quem vai pagar? Os impostos subirão,
acabarão com os programas sociais. Por que você pensa que as pessoas
de hoje em dia vão querer deixar de aproveitar a vida por um grupo de
mortos enterrados?
HOMEM: Além disso, isso não tem nada a ver conosco. Não somos
pigmeus. E depois todos vão dizer que nós também estamos esmagados.
Tres esqueletos y medio Gustavo Ott: www.gustavoott.com.ar 41
NICOLAS: E teríamos que declarar toda esta região como área não apta
para construção e o que nós queremos são hospitais, estradas e
escolas...
HOMEM: E locadoras de vídeo.
NICOLAS: Queremos progresso e não história.
HOMEM: Além disso, quantos segredos estariam guardados ali? Não me
importa se existe vida em Plutão. Quem se importa com isso? Pelo
menos enquanto os preços não subam...
NICOLAS: Santiago, o que você quer?
SANTIAGO: O que eu quero? Bem, acho que esta descoberta será um
orgulho para o país...
NICOLAS: Não, me refiro ao que você realmente quer.
WENDY: Um milhão de dólares. Cash.
HOMEM: Meio milhão?
SANTIAGO:
Não, isso não é o que eu pensava...
HOMEM: Algo ele vai querer para ficar calado.
SANTIAGO: Calado?
NICOLAS: Sem dizer nenhuma palavra. Calado. Sem divulgar nada para
a imprensa.
SANTIAGO:
Querem manter isto em segredo?
NICOLAS:
Não é "querem manter". A ordem é colocar terra em cima
e deixá-lo como está.
HOMEM: Um milhão. Cifra redonda. Aonde quer que o depositemos?
WENDY: Um milhão e um jatinho.
HOMEM: Um jatinho?
WENDY: Sempre quis ter um jatinho.
SANTIAGO: E os tesouros, o valor...
NICOLAS: Quanto custa a entrada em um museu?
HOMEM: Você sabe quanto custa um jatinho?
SANTIAGO:
Este não é o ponto.
Tres esqueletos y medio Gustavo Ott: www.gustavoott.com.ar 42
NICOLAS: Essa é a conta. O orçamento deste país em cinqüenta anos
não chega para pagar as contas e a comunidade internacional não está
interessada no passado, porra. Ninguém dá a mínima nem para o século
passado. Sejamos francos, ninguém se lembra que este país existe, nem
mesmo deste continente. América Latina? Ninguém nem sabe como é ou
o que comem.
HOMEM: Um milhão e meio e um jatinho.
WENDY: O jatinho no meu nome- Wendy Hauger.
SANTIAGO:
E as escavações, o rumores na cidade?
NICOLAS: Diremos às pessoas que você descobriu um cemitério pigmeu
não muito antigo. Construiremos um museu em uma casa abandonada e
eles ficarão felizes. As pessoas da cidade podem fazer utilitários de três
patas. Mas nem pensar em pirâmides ou civilizações perdidas.
SANTIAGO:
O passado é o melhor de nós mesmos, é o que nos faz
continuar vivendo.
NICOLAS: Isso é estupidez universitária. A maioria quer esquecer o
passado e fazer com que outros esqueçam também. Sentimos vergonha.
Somos sempre uma merda no passado, cheios de erros. Você acha que
essas pessoas miseráveis, acostumadas aos bordéis, desejam que lhes
digam que estão pisando em terra milenar?
HOMEM: Ninguém quer isso.
NICOLAS: Eles se sentiriam estrangeiros na sua própria pátria.
SANTIAGO: E Clarisa?
NICOLAS: Clarisa está de acordo e entende isso perfeitamente.
SANTIAGO: LEVANTANDO-SE. Eu Gostaria de lhe perguntar uma coisa.
NICOLAS: SENTA-O COM VIOLENCIA. Ela concorda e não quer falar
com você.
SANTIAGO:
É pelos mortos, não é?
NICOLAS: Que mortos?
SANTIAGO:
NERVOSO. Aqueles que estão ali!
NICOLAS: Não tem nada ali. . PAUSA. Quantos esqueletos do paleolítico
foram encontrados? Quantos desses esqueletos não pertencem aos
cidadãos que enganavam as pessoas? Um país comete erros e isso é
fácil de entender. Pode ser pelo momento, pela pressão ou o que for.
Mas quando se descobre que existe gente encarregada de esconder os
delitos, de apagar os pecados, de esconder a merda, então todos se
Tres esqueletos y medio Gustavo Ott: www.gustavoott.com.ar 43
preocupam. Não me olhe assim, não me olhe assim. TIRA O REVÓLVER
E DÁ UM TIRO NA TESTA DE SANTIAGO QUE CAI MORTO.
WENDY: Meu Deus! WENDY GRITA DURANTE OS SEGUINTES
DIÁLOGOS.
HOMEM: Merda, o que você fez!
NICOLAS: O tiro escapou!
HOMEM: Falaram para não matar! E agora?
NICOLAS: Foi um acidente!
HOMEM: Dois acidentes em dois dias?
NICOLAS: Com ela foi sem querer!
HOMEM: Se continuar assim vai terminar fazendo companhia aos
pigmeus!
WENDY: Meus Deus, socorro! Clarisa, onde você está?
HOMEM: Você manchou tudo de sangue.
NICOLAS: LIMPANDO. Isso se limpa, porra!
HOMEM: E ela?
NICOLAS: Bem, o de sempre.
HOMEM: IMITANDO-O. "Bem, o de sempre". Para você é sempre assim.
NICOLAS CARREGA SANTIAGO ENSANGUENTADO E O COLOCA EM
UM LADO. WENDY CONTINUA GRITANDO.
HOMEM: PARA WENDY. Sempre a mesma merda. Um morto nos leva a
outro. Um dia os lugares secretos vão acabar.
WENDY: Não, por favor!Meu Deus, não!
HOMEM: Primeiro cala a boca. WENDY SE CALA. Segundo: não é culpa
minha. Foi o galã que deixou o tiro escapar. Bom, isso foi o que ele disse.
NICOLAS: Estou dizendo que o tiro escapou, filho da puta. O que você
está insinuando?
HOMEM: O ponto A, ou seja, o Mr. difunto aqui, nos leva direto ao ponto
B que é você.
WENDY: Não me mate, por favor!
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HOMEM: Wendy, você ouviu bem quando você disse: "o de sempre".
Não se faça de besta.
NICOLAS: Foi você quem disse e não eu.
HOMEM: Agora eu sou o mal. PARA WENDY. Quem disse "o de
sempre", ele ou eu?
WENDY: ATERRORIZADA. Ninguém, ninguém.
HOMEM: Não quer dizer porque está assustada, mas sabe que foi ele.
APONTANDO PARA WENDY. Fecha os olhos.
WENDY: Espera um minuto, só um minuto.
HOMEM: Um minuto. O que você vai fazer em um minuto?
WENDY: Ver se Deus aparece.
HOMEM: Se Deus aparece.
WENDY: E muda a situação.
HOMEM: Em um minuto?
WENDY: Por favor, não me mate, não faça isso. Espera só um pouco,
um pouquinho.
HOMEM: Quanto tempo você quer?
WENDY: Um minuto para rezar. Ave Maria cheia de graça...
NICOLAS: Wendy, olha pra mim.
WENDY: O Senhor é convosco, bendita sois vós entre as mulheres...
NICOLAS: Wendy cala a boca e olha para mim.
WENDY: Bendito é o fruto do vosso ventre Jesus...
NICOLAS: Não é por mim, Wendy. Você já viu tudo, sabe de tudo.
WENDY: Não vou dizer nada, nada.
NICOLAS: Wendy, você tem que ir embora.
WENDY: Só mais um pouquinho, ainda não.
NICOLAS: Você tem que ir, não vai doer.
WENDY: Não, por favor, ainda não, só mais um pouquinho.
Tres esqueletos y medio Gustavo Ott: www.gustavoott.com.ar 45
NICOLAS: Você quer mais tempo para que?
WENDY: Para ver se Deus aparece...
HOMEM: "E muda a situação".
NICOLAS: Olha, escuta. Já passou o minuto faz tempo e Deus ainda não
apareceu.
WENDY: Ele pode chegar a qualquer momento.
NICOLAS: E nada vai mudar.
HOMEM: Isso mesmo, tudo continuará como está.
WENDY: Tudo pode mudar, espera, espera.
NICOLAS: Tudo bem.
HOMEM: Vamos esperar então. ELES ESPERAM ALGUNS SEGUNDOS
QUE PARECEM UMA ETERNIDADE. FICAM PARADOS, SEM SE
MEXER, ESPERANDO PARA VER SE ALGUÉM APARECE.
HOMEM: O minuto já passou.
NICOLAS: Tudo continua igual.
HOMEM: Você não queria um jatinho?
WENDY: Mais um minuto, um minuto.
HOMEM: SAINDO. Depois que terminar, você apaga a luz. NICOLAS
APONTA A ARMA PARA WENDY. ESCURO. ESCUTA-SE UM
DISPARO.
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11/
LETREIRO:
SEXTA 17 DE FEVEREIRO 11:55 DA NOITE.
EM ALGUM LUGAR PERTO DE QUIBOR.
NICOLAS DE FRENTE PARA O PÚBLICO.
NICOLAS: O que tem ali? Mais pigmeu? Pigmeus? Não me enche. Vou
contar para vocês. PAUSA. BEBE. ASSINALANDO UM ESPECTADOR.
Esta foi morta pelo marido, lançada num caldeirão fervendo de sopa de
frango. A mulher foi encontrada flutuando entre as batatas e os
condimentos. ASSINALA OUTRO ESPECTADOR. Aquele é um soldado
que acordou as três da manhã e disse: “Vou cagar”. Antes de entrar no
banheiro, passou pelo dormitório dos recrutas e, ao vê-los dormindo,
pensou que não eram felizes e que ao acordarem voltariam a ser os
mesmos porcos de sempre. “Eles estavam sonhando”, disse ele.
ASSINALA OUTRO ESPECTADOR. Este aqui é o deputado, um ex-páraquedista, boxeador, estuprador que foi comissário da polícia antes de se
tornar traficante. Ele trabalhou com o sindicato e depois com os
empresários. Ele também fundou um partido político, mas quando este
fracassou, pulou para outro de maior sucesso. Foi eleito para o
Congresso e para o Governo. No ano passado, foi encontrado no
aeroporto com vinte quilos de cocaína e condenado a passar meio século
na prisão. Trapaceou o juiz, comprou um ministro, negociou um jatinho e
veio parar aqui. Meio esqueleto. Os que cometem erros são enterrados
pela metade. ASSINALA OUTRO ESPECTADOR. Ali está o primo que
queria estuprar a lésbica e foi morto por um engradado de cerveja na
cabeça.ASSINALA OUTRO ESPECTADOR. Neste lado estão os
empregados que seqüestraram o filho mais querido do patrão, um
coronel esqueleto. APONTA OUTRO ESPECTADOR. Aquele é o filho de
um magnata de um vinhedo espanhol. Ao lado está o sobrinho do
embaixador. Os dois achavam que traficar era um jogo. APONTA
OUTRO ESPECTADOR. Este é o velho que foi rejeitado por uma
menina, deu três tiros nela, um no pai e outro na mãe. Depois ele se
matou na frente de uma cadela terrier, linda! Todos, incluindo a cadela
são esqueletos. TIRA OS SAPATOS. Eu juro que tinha a ordem de fazêlos desaparecer e deixar seu marido ir embora. O tiro escapou das
minhas mãos. Big Mistake, diria Arnold Swarzenegger. Porque o mais
provável é que o quarto esqueleto seja o meu. UM HOMEM APARECE E
COLOCA-SE POR TRÁS DELE. Dizem que deixei o tiro escapar, mas a
verdade é que eu queria atirar. Eu transformei uma descoberta científica
em um crime da página policial. O HOMEM COLOCA A ARMA NA
CABEÇA DELE. NICOLAS RI DE NERVOSO. ESCUTA-SE O TIRO.
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12/
LETREIRO: 4 ANOS DEPOIS
IMAGENS DA CÂMERA DE SANTIAGO.
ELE FINGE DAR DECLARAÇÕES À IMPRENSA.
COMEÇA A GRAVAÇÃO.
SANTIAGO: Esta terra sempre foi predestinada. Sempre teve de tudo. E
agora este tudo faz sentido. Ela teve de tudo para ser sempre saqueada.
Será esta é a razão do desaparecimento dessas pessoas?Os pigmeus
foram saqueadores ou vítimas do saque, do roubo, da corrupção?
TERMINA A GRAVAÇÃO. A origem do homem moderno? Dizem que
vem da África ou talvez da Ásia, segundo descobertas recentes. O que
poderiam dizer se provamos que ele veio daqui, da América, desse
bordel?
COLETIVA DE IMPRENSA. APARECEM TRÊS CADEIRAS. ESTÃO EM
CENA O DETETIVE, ROSAS E UMA JORNALISTA. ELA ESTÁ
SENTADA.
DETETIVE: Estamos de volta para abrir a terra por pressão da
embaixada e dos familiares.
JORNALISTA: E o que vocês encontraram?
DETETIVE: Encontramos restos humanos.
JORNALISTA: Pigmeus?
DETETIVE: Dr. Rosas veio enviado pela embaixada de Nova Iorque para
explicar.
ROSAS: Não, não ram pigmeus. Os esqueletos são novos, têm pouco
tempo aqui.
JORNALISTA: Quanto tempo?
ROSAS: Uns quatro anos.
JORNALISTA: É pouco tempo!
ROSAS: Em termos arqueológicos, é claro.
DETETIVE: Criminalmente é uma eternidade.
ROSAS: Estão deteriorados, mas desde o primeiro momento soubemos
que eram esqueletos de duas mulheres e dois homens.
Tres esqueletos y medio Gustavo Ott: www.gustavoott.com.ar 48
DETETIVE: E pertencem a três arqueólogos estrangeiros desaparecidos
há quatro anos. CONVERSA DE OUTROS JORNALISTAS QUE NÃO
PODEMOS VER. O esqueleto que colocamos o número 1 foi identificado.
Ele pertence ao Dr. Santiago Garnier, arqueólogo norte-americano que
veio há quatro anos atrás para analisar o cemitério de pigmeus. Ele foi
declarado desaparecido após encontrar jarras e copos pré-colombianos.
SANTIAGO APARECE FALANDO ATRAVÉS DE IMAGENS GRAVADAS
PELA CÂMERA. Máscaras de ouro, cofres, caveiras talhadas. Você sabe
o que significa uma caveira talhada? É como um livro, um livro que relata
tudo. É como uma partitura.
DETETIVE: Nesta foto pode-se ver claramente que ele recebeu um tiro
na região occipital direita. Eu diria que foi um calibre 38. O segundo
esqueleto pertence a Wendy Hauger, uma norte-americana, estudante de
arqueologia. Achamos que morreu pela mesma razão, apesar te ser
levado dois tiros, ambos na occipital superior.
ROSAS: Eu prefiro pensar que ela já estava morta neste momento.
VOZES DE JORNALISTAS DIZENDO "ABOMINÁVEL", ETC.
JORNALISTA: E o terceiro esqueleto?
DETETIVE: O terceiro esqueleto é de Clarisa Sánchez de Garnier, 34
anos, natural de Cedar Rapids, Estados Unidos. Ela ingressou no país no
dia 10 de fevereiro de 1994. Uma arqueóloga envolvida nas descobertas
do cemitério arqueológico. Motivo da morte: seis tiros. Três visíveis nos
restos ósseos da cabeça e dois nas costelas superiores, ou seja, dois
tiros no coração. Os outros tiros devem ter alojado nos órgãos vitais,
tocando levemente os ossos.
SANTIAGO: FALANDO ATRAVÉS DAS IMAGENS DA CÂMERA. A
minha pergunta é: Por que agora? Por que depois de tantos anos estas
pessoas apareceram? Por que aparecer no meio desta grande
banalização? Por que exatamente no momento que somos tão triviais
eles aparecem rindo de nós, nos obrigando a estudar novamente.
Estudar não. Nos obrigando a escrever os livros que vamos estudar no
futuro! Então eu me pergunto: “Por que eu?” Por que serei eu quem vai
ter que colocar, humildemente, meu nome na Arqueologia Universal.
PAUSA. Não sei.
JORNALISTA: Ele falou sobre quatro esqueletos. Quem é o quarto?
DETETIVE: O quarto cadáver é ainda um mistério, trata-se de um
homem, mas não podemos identificá-lo. Pelo menos sabemos que foi
perfurado por balas, mas não sabemos se esta é a causa da morte dele.
JORNALISTA: Você não quer falar? RISADAS.
DETETIVE: Mais seriedade, por favor. Estamos falando de pessoas
importantes, estrangeiros, acadêmicos.
Tres esqueletos y medio Gustavo Ott: www.gustavoott.com.ar 49
ROSAS: Nós queríamos fazer mais escavações, mas o governador
declarou a área em quarentena.
JORNALISTA: Existem mais cadáveres enterrados aqui?
DETETIVE: Realmente não.
JORNALISTA: Então não podemos falar de poços da Morte?
DETETIVE: Isso não existe no nosso país. Talvez em outros, mas aqui
não. Nós temos somente quatro esqueletos.
JORNALISTA: Três esqueletos e meio.
DETETIVE: Tecnicamente sim, existe um partido pela metade.
JORNALISTA: Dizem que os cadáveres enterrados pelo narcotráfico
sempre estão cortados pela metade.
DETETIVE: Mitos da televisão. Aqui não existe narcotráfico.
JORNALISTA: E máfias?
DETETIVE: Menos ainda. Ao lado deste “meio esqueleto” foi encontrado
uma arma calibre 38. MOSTRA O REVÓLVER NA SACOLA. Esta é a
arma que poderia ter disparado Santiago Garnier, Clarisa Sánchez de
Garnier e Wendy Hauger. Estão sendo feitos exames de balística. Se
estas balas forem desta arma, então se pode dizer que o “meio
esqueleto” pode ser o assassino.
JORNALISTA: Deve ter sido uma história apaixonante. Por que ele
mataria os três? DETETIVE: Alguns pedreiros que estiveram nas
escavações falam de uma história passional, um triângulo amoroso. Ele
mata os três e depois se suicida.
ROSAS: Ele se mata?
DETETIVE: Exatamente.
ROSAS: Com dois tiros?
DETETIVE: Dois tiros? Eu disse dois tiros?
ROSAS: Sim.
JORNALISTA: É preciso muita força de vontade para se suicidar com
dois tiros!
DETETIVE: Temos as vítimas, o assassino e a arma do crime. Para mim
o caso está fechado.
ROSAS: E o motivo do crime?
Tres esqueletos y medio Gustavo Ott: www.gustavoott.com.ar 50
JORNALISTA: Passional. Com tanto tiros! Isso foi raiva, angústia,
desespero, paixão, medo, nervos. Uma história de lágrimas, uma vida
desgraçada, um homem perseguido, uma traição.
ROSAS: Uma última coisa: gostaria de saber se não encontram outras
coisas nas escavações.
DETETIVE: Nada, mais nada. Só havia alguns floreiros, potes de três
patas com cabeça achatada. O mesmo de sempre.
ROSAS: E ossos?
DETETIVE: De pigmeu, mas poucos.
ROSAS: O que vai acontecer com esta área?
DETETIVE: É área restringida.
ROSAS: E as descobertas?
DETETIVE: Quais descobertas?
ROSAS: Dr. Garnier relata nas suas cartas de um filme caseiro que
realizou, onde conta histórias surpreendentes sobre suas descobertas.
Caveiras de ouro montadas sobre...
JORNALISTA: Talvez estava se referindo à descoberta dos chifres da
sua esposa; RISADAS.
DETETIVE: Nós temos a gravação. DANDO UMA ORDEM. Mostre para
eles!
APARECE NA TELA UM VÍDEO APAGADO, CEHIO DE LINHAS E
SONS NÃO IDENTIFICÁVEIS.
DETETIVE: Não tem nada, para mim é caso encerrado. Os restos serão
repatriados. O meio esqueleto ficará no necrotério até ser identificado.
Senhores, boa tarde.
JORNALISTA: Detetive, você poderia aparecer no meu programa sobre
bordéis abandonados? Pagamos bem.
DETETIVE: Claro. Quanto paga por...
A JORNALISTA E O DETETIVE SAEM. ROSAS LEVANTA A CAVEIRA
DOURADA COM TRÊS PATAS E A OBSERVA COM CUIDADO.
SANTIAGO APARECE FALANDO NO VÍDEO.
SANTIAGO: Moravam nômades. Uma vida fácil na maioria dos lugares
que eles habitavam. Pensamos no homo sapiens, os humanos
modernos, pessoas com tecnologia sofisticada. Mesmo assim, com a
tecnologia que possuímos e a inteligência para inventar foram menos
Tres esqueletos y medio Gustavo Ott: www.gustavoott.com.ar 51
importantes para nossa sobrevivência e nossas conquistas que a
capacidade de viver juntos, em grupo, de cooperar uns com os outros. A
pergunta chave da civilização continua a mesma: Por que viver se
sabemos que vamos morrer?
ROSAS: Para não morrer.
SANTIAGO: Isso, para não morrer. Para transcender. Isso mesmo!
Vivemos para não morrer.
MÚSICA TEMA. ROSAS GUARDA, SIGILOSAMENTE, NO BOLSO A
ESFINGIE DOURADA DE TRÊS PATAS. A MÚSICA AUMENTA. ROSAS
CAMINHA EM DIREÇÃO AO LUGAR ONDE ESTAVA NO INÍCIO DA
PEÇA: QUADRO NEGRO, ESCRITÓRIO, LIVROS.
ROSAS: TERMINANDO SUA AULA – Mesmo que a morte aconteça hoje
ou há três mil anos, as vozes dos mortos darão lugar a um longo silêncio
e voltarão para responder as perguntas dos cientistas. Muitas vezes, a
voz do morto aparece para clamar justiça. Para o cientista, a morte não é
o final da história, é apenas o começo.
FIM