Kuduro, música eletrônica, juventude, estilos de vida
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Kuduro, música eletrônica, juventude, estilos de vida
SEMINÁRIO DE ESTUDOS CULTURAIS, IDENTIDADES E RELAÇÕES INTERÉTNICAS, GT 01: Estilos de vida, expressividades e Identidades. KUDURO: MÚSICA ELETRÔNICA, JUVENTUDE E ESTILOS DE VIDA ELY DAISY DE JESUS SANTOS KUDURO: MÚSICA ELETRÔNICA, JUVENTUDE E ESTILOS DE VIDA Ely Daisy de Jesus Santos Universidade Federal de Segipe [email protected] Resumo: Esse artigo analisa como o kuduro se propagou através da comunicação da juventude na internet e em locais festivos e como esta tem buscado outras formas de expressão através de práticas musicais, analisando seu processo de construção, principalmente questões de produção, consumo e circulação e a associação dos seus gostos musicais com estilos de vida, pensando um ritmo periférico que saiu de Angola para Portugal, chegou ao Brasil e é hoje conhecido no mundo. Isto foi possível através das mídias digitais enlaçadas à conceitos fundamentados de bases teóricas sobre juventude, música eletrônica, estilos de vida, e mais especificamente sobre o Kuduro, a fim de entendermos como esse ritmo se propagou através dos jovens dos três países envolvidos. Palavras-chave: Kuduro, música eletrônica, juventude, estilos de vida, produção, consumo 1 - INTRODUÇÃO A proposta é estender os prováveis estereótipos, comportamentos, contribuições e formas de protagonismos que os jovens de Angola, Brasil e Portugal vêm adquirindo, a partir do consumo do kuduro. Descobrir as relações dos jovens com o estilo musical, além dos estilos de vida e suas contribuições para o contexto histórico através de suas produções, práticas de comunicação, consumo e circulação. Analisar de que forma a música eletrônica e o kuduro é tratada no Brasil a fim de descobrir se esses ritmo fez surgir novos estilos de vida ou novas formas de comunicação, produção e até mesmo desvendar se ele conseguiu se impor como uma nova afirmação cultural . Este artigo está dividido em quatro capítulos. A introdução trata-se do surgimento do kuduro em Angola dentro de seu contexto histórico e suas conquistas de espaço dentro da sociedade. O segundo capítulo fala um pouco da trajetória do ritmo pelo Brasil, através de práticas de produção, consumo e circulação. O terceiro mostra a trajetória do ritmo dentro dos bailes, através de entrevistas com Djs que espalham o ritmo pelo Brasil. E por último fazemos as considerações finais de acordo com os resultados obtidos da pesquisa. Nas últimas décadas os jovens têm buscado novas formas de expressão, principalmente através de práticas musicais. Em linhas gerais, o presente artigo aborda a propagação do kuduro e da música eletrônica através da juventude, analisando seu processo de construção, principalmente questões que envolvem a produção, o consumo e a circulação, pensando nos estilos de vida e atentando-se aos discursos de identificação e diferença que circulam nas falas, nas músicas e nas práticas juvenis. Essa discussão sobre quem criou o kuduro, se Tony Amado1 ou Sebem2, não muda o fato de ter inspirado novos músicos na cadeia produtiva. O kuduro é um ritmo que mistura elementos da música eletrônica com estilos de músicas tradicionais do país africano. No documentário “I Love Kuduro”, como mostra no site do Festival do Rio, consegue deixar mais claro esse argumento: “O kuduro Tem como base rítmica uma mistura de ritmos essencialmente angolanos como o Merengue, a Semba (ou umbigada), o Zouk congolês, além de influências estrangeiras como a Techno e o Hip hop. As letras misturam idiomas presentes no país como o português, inglês, lingala e kimbundu.” 1 Auto-proclamado criador do Kuduro e conhecido entre o povo como o "Rei do Kuduro". 2 Cantor angolano veterano de kuduro. 2 Segundo Tony Amado3, a dança foi criada inspirada em movimentos realizados em um filme de luta norte-americano feitos por Jean Claude Van Damme. “Era um desejo meu fazer uma coisa por causa das influências que tínhamos das músicas estrangeiras, do funk, do house music, eu dançava o ritmo africano em cima dessas batidas internacionais, então eu criei o meu próprio estilo.” De acordo com os dados que coletei econtextualizei, o ritmo esteve envolvido em um movimento de resistência e força nascido em Luanda ainda no período da Guerra Civil Angolana, mais precisamente no final da década de 80. Nesta época, Luanda passava por um momento em que as pessoas procuravam maneiras positivas para enfrentar as dificuldades em que se encontravam. A música ergueu-se então como modo de reivindicação e escape entre os jovens e espalhou-se por toda a África, tornando-se um gênero musical nos anos 90 - período em que houve uma explosão no mercado musical angolano e mundial - onde aos poucos foi ganhando as ruas, conquistando a população e atualmente representa a música da juventude angolana. Desta forma, o gênero acabou sofrendo por um bom tempo por ter sido associado a práticas criminosas, mas ao enfrentar esses preconceitos e barreiras, acabou por tornar-se símbolo de resistência dos jovens angolanos diante de um mundo globalizado. Além disso, é um escape para a juventude que esta em busca de novas possibilidades para obter poder, prestígios, ganhar seu próprio dinheiro fazendo o que gostam, ao mesmo tempo em que podem se expressar utilizando suas próprias gírias e ideias através de suas melodias. Essa inserção em um mundo globalizado4, principalmente nas telecomunicações e na informática, explica os efeitos de deslocamento e difusão da música para outros nichos ligando os mercados do mundo. Um exemplo disso é quando se deu chegada das novas mídias, as chamadas mídias digitais e junto as possibilidades que a internet trouxe consigo. Na década de 90 houve a expansão da internet e a criação do World Wide Web, por engenheiros da Centre Eoropéen por La Reachercher Nucléaire, transformando-a em um sistema mundial público e destruindo barreiras de espaço e tempo, onde todos começam a conectar-se entre si. (CASTELLS, 2005) Foi neste processo de comunicação que essas relações globais tornaram-se cada vez mais práticas e a partir dessa interação pôde-se perceber um crescimento no surgimento de 3 Origem do kuduro – Tony Amado, 2008 < http://www.dailymotion.com/video/x5z49o_origem-do-kudurotony-amado_music > Acesso em 26/02/2014. 4 Uma de suas características principais é a “compreensão espaço-tempo”, a aceleração dos processos globais, e forma que se sente que o mundo é menor e as distâncias mais curtas, que os eventos em um determinado lugar têm um impacto imediato sobre pessoas e lugares situados a uma grande distância. (HALL, 2011, p.69) 3 novos grupos, colocando o kuduro em cena. Possibilitou também sua inclusão no mercado global, o que antes era divulgado através dos candongueiros, discos ou de pen drives, hoje, a qualquer momento podemos acessar diversos conteúdos sobre o kuduro, fazer download de discos, ou buscar vídeos, mixtapes, tudo graças a Internet. Isso explica também a maneira rápida e eficiente que esses jovens, vêm tomando a frente da sociedade, de maneira independente e em busca do sucesso, ou seja: Quanto mais a vida social se torna mediada pelo mercado global de estilos, lugares e imagens, pelas viagens internacionais, pelas imagens da mídia e pelos sistemas de comunicação globalmente interligados, mais as identidades se tornam desvinculadas – desalojadas – de tempos, lugares, histórias e tradições específicos e parecem “flutuar livremente”. (HALL, 2011, p.75) Esse momento de novas influências e novas tecnologias colaborou para desmistificar os preconceitos que existiam com a música periférica e ajudou o kuduro adquirir um novo status de valor artístico. Um exemplo, é que existe a ideia de que muitos gêneros periféricos acabam perpassando por diversos lugares do mundo de maneira efêmera e depois consequentemente retornam às suas origens locais. No entanto, no momento em que a internet começa a se popularizar permite que a comunicação possa ser cada vez mais rápida e eficiente, rompendo diversas barreiras. Segundo o jornalista angolano Nok Nogueira (2008), o kuduro está dividido em três momentos: O primeiro grande momento é o da explosão do ritmo, que vai de 1993 a 1995. Nesse momento o kuduro estava influenciado e cadenciado por batidas tecno. Destaca-se nesta etapa Bruno de Castro, Luck Gomes, BMAX, Tony Amado, Necax Brothers e Sebem. Um segundo momento começou em 1995 e seguiu até 2003, é o chamado período de afirmação. A vertente aqui está mais voltada para a criação instrumental cada vez mais diferenciadas do tecno, ou da house music tribal. É um período de desdobramento tanto dos intérpretes, quanto dos Dj’s. Pode ser denominado como a fase de ouro da história do kuduro. Destacam-se nesta fase Tony Amado, Sebem, Necax Brothers, Bruno de castro, Viriato Victor, Tortulhos, MGM Zangado, Ângelo bross, Camilo Travassos, Os radicais, Dj Billabong, entre outros. O ultimo período, Nogueira define como de crise e viragem. É o período mais polêmico da história do kuduro, que vai de 2003 aos tempos atuais. É um momento que denomina a resistência do estilo, um momento onde se percebe que apesar das crises, conseguiu-se impor uma nova dinâmica ao gênero musical. Destacam-se aí, Sebem, Tony 4 Amado, Kome Todas, Smal do Arraso, Pai Diesel, Máquina do Inferno, Nocobeta e Puto Sabarosa, Puto Prata, Noite e Dia, Bobany King, Nayo Crazy, Dog Murras, Os lambas, Dj Bula, Dj Francisco Paulo, Zoca Zoca, Bruto M, Puto Bayó, Os PPs, Agres, Os vagabanda, entre outros. Tratando-se do estilo musical, foi necessário fazer uma análise através da coleta de dados que obtive sobre que é o kuduro, quem consome o ritmo musical e como podemos reconhecê-lo através de suas batidas. Apesar de ter uma base comum, trazendo misturas de expressões tradicionais e étnicas, o kuduro é uma dança que pode ser executada individualmente ou em grupo. Por se tratar de um estilo autoral, seus toques sofrem influências de diversos ritmos musicais, sejam eles angolanos ou não, suas letras mesclam português com dialetos locais e falam sobre o aspecto lúdico da vida, do cotidiano pobre, da sexualidade e alguns focam em mensagens de intervenção social. Diz-se também que é frequente que os artistas incluam nas letras das suas músicas provocações a outros cantores, dando assim início a duelos vocais que alimentam o universo do kuduro, sendo que a repercussão do refrão5 e do beat6 são os elementos que definem o sucesso de cada música. Em algumas aulas que tive com o orientador desta pesquisa e também estudioso em kuduro, Frank Marcon, pude notar que essa música advinda da juventude, é marcada por um ciclo etário. Segundo Frank, os kuduristas geralmente têm aproximadamente até 25 anos e as roupas são um fator importante que revigora seu estilo. Sabendo disso, fui em busca de elementos visuais utilizados por kuduristas, para ajudá-los a entender melhor esses fatores marcantes de quem vive o kuduro. Os cantores, por exemplo, preocupam-se mais em trazer roupas coloridas e extravagantes, como as que Sebem, Bruno M, os rapazes do The Game Walla ou os de Buraka Som do Sistema usam, devem ser bem leves e flexíveis para dançarinos, como os grupos BWG, Noite e Dia ou como as que a cantora Titica usa. Além disso eles aderem a acessórios como bonés, correntes, óculos escuros, cintos e brincos sendo bastante particulares de cada artista. Os cortes de cabelo não são convencionais e tudo isso é montado pensando na busca de passar uma imagem visual única e especificamente sua. Já se tratando do processo de mixagem da música, suas batidas podem atingir entre 130 e 150 BPMs (batidas por minuto). Com isso, o ritmo torna-se apto à uma dança mais 5 6 Verso ou versos que se repetem no fim de cada estrofe. Movimento eficaz. Energia que deve acompanhar o ritmo. 5 rápida através de seus toques fortes. Essas produções se dão através de programas digitais de produção de música em computadores pessoais e podem ser acopladas, ou não, cantorias e agradecimentos dos DJs por cima das batidas. (MARCON, 2012, p.80) Por fim, pude perceber que esses músicos estiveram presentes no cotidiano da população de diversos bairros angolanos. Tal repertório possibilitou a socialização de jovens, novas experiências coletivas, produzindo novos sons, com novas linguagens, dançando e buscando novas ideias que constroem valores sociais e pessoais sobre o continente africano e espalhando-se para o mundo. Fazer Kuduro representa, para muitos dos jovens kuduristas, a possibilidade de acessar determinados recursos da vida social, ou seja, prestígio, sucesso, poder, dinheiro, educação, entre outros (recursos estes distribuídos de maneira tão desigual na sociedade angolana). (NETTO, 2009, p.3) Trabalhar com a música é um meio bastante eficiente para compreender as práticas sociais que possibilitam a interação entre os agentes, como cada grupo social possui suas regras, com o kuduro não seria diferente. À medida que a música torna-se um meio de interação social, encontramos um universo em suas formas melódicas que diz respeito a seus valores, suas identidades, suas regras, padrões de comportamento, além de sua própria linguagem. De acordo com Marcon e Tomás, (2012, p.165) foi dessa forma que os jovens viveram esse rompimento e começaram a agir perante a sociedade de maneira autêntica, criativa e lúdica através da música feita por eles mesmos. 2- PROPAGAÇÃO DO KUDURO E CHEGADA AO BRASIL Para poder responder à perguntas que me fiz desde o início da pesquisa, foi necessário recorrer à imprensa. A maneira mais prática encontrada foi tabular notícias de três jornais digitais que circulam em São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia, para assim fazer uma análise processual das ligações que as práticas de produção, consumo e circulação que o kuduro poderia acabar exercendo sob os estilos de vida e modos de comunicação da juventude no Brasil e uni-las às demais informações coletadas, tanto bibliográficas quanto através das redes sociais. Enquanto existiam movimentos cotidianos de resistência, a juventude angolana começava a se sobressair. Não foi a ausência de estúdios profissionais em vários de seus países até o início dos anos 2000, que os impediram a produzir suas músicas; pelo contrário, isso acabou por influenciar os jovens artistas de lá e nesse processo o kuduro pôde se expandir. Então, desde seu surgimento e com o aumento da venda de computadores na 6 década de 90, o acesso a softwares de edição de som e vídeo tornaram-se mais acessíveis. Jovens passaram a dedicar boa parte de seu tempo para expressarem-se através da música e da dança, onde eles mesmos se mobilizam para produzir e fazer circular com maior facilidade e em maior escala suas músicas, suas ideias e suas ações através do espaço colaborativo que a Internet se tornou. As Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTICs) baratearam o custo de pré-produção e produção, acoplando instrumentos eletrônicos a computadores e softwares de edição. Estúdios caseiros simplificaram o registro do trabalho de artistas, embora a masterização permaneça um gasto elevado, acima das possibilidades financeiras da maioria, formando na prática uma barreira à entrada no mercado de novos músicos. (HERSCHMANN, KISCHINHEVSKY, 2011, p.4) Ou seja, sua lógica de reprodução é diferente do mercado: é regida por ela mesma, tornando-se a partir daí um estilo de repercussão através de diversos ambientes e principalmente o virtual. Isso faz gerar um maior consumo dos conteúdos disponibilizados em diferentes plataformas digitais como redes sociais, sites, blogs e etc, permitindo a troca de conteúdos e informação entre eles mesmos e para o mundo. São os jovens pela primeira vez em muito tempo os verdadeiros protagonistas de uma transformação comunicacional múltipla nas formas de conhecer, ser e estar e, consequentemente, nos usos da informação e na incorporação e criação de códigos, formatos e linguagens diversos que superam, pelos diferentes sentidos corporais, os cânomes tradicionais de nomear, narrar, argumentar, desfrutar. (BORELLI, FILHO: 2008, p.) A prova desse processo é a ferramenta de postagens de vídeos do youtube,7 além da interação que encontramos em redes sociais, para organização e divulgação de festas ou festivais especificamente para a música angolana, como blogs, facebook, twitter ou em sites, que tornaram-se responsáveis pela propagação do kuduro de Angola para o globo, e que vem possibilitando novas resignificações do ritmo, formando novos artistas musicais que trabalham em seus clipes, trazendo a música que aliada às imagens acabam por expressar um grupo e o território que habitam. 7 Site que permite que seus usuários carreguem e compartilhem vídeos em formato digital. Foi fundado em fevereiro de 2005 por três pioneiros do PayPal, um famoso site da internet ligado a gerenciamento de transferência de fundos. 7 Não deixei de notar que essa pluralidade sonora que influencia muitos produtores passou a ser apelidada no Brasil de World Music 2.0 8 (ou Música do mundo 2.0) como uma versão para o século XXI da globalização musical. Ou seja, Kuduro torna-se o resultado de um encontro entre culturas locais e a globalização, tornando-se uma nova afirmação na era digital, a qual seus artistas não mais dependem de grandes produtoras para fazer e distribuir suas canções, basta apenas ter conhecimento dos softwares que utilizam, para mixarem suas músicas, compartilharem na web e quem sabe virar o novo hit do momento. Essas novas características temporais e espaciais, que resultam na compreensão de distancias e de escalas temporais, estão entre os aspectos mais importantes da globalização a ter efeitos sobre as identidades culturais. (HALL, 2011, p.68) Neste processo se encaixa o que Lévy (1999) trata em Cibercultura, o autor afirma que a sociedade reconecta com ela mesma, havendo uma inteligência coletiva por meio da internet. As relações passam a ser agora ciberespaciais. “O ciberespaço, dispositivo de comunicação interativo e comunitário, apresenta-se justamente como um dos instrumentos privilegiados da inteligência coletiva.” (LÉVY, 1999, p.29). Dá-se início ao desenvolvimento do conhecimento através da conexão, da interação, da inteligência coletiva, onde todos interagem entre si sobre vários assuntos hiperlinkados que são bastante explorados pela juventude contemporânea no espaço virtual. Interando-me um pouco nas reflexões de Lèvy, comecei a notar que a música vêm tomando diversos rumos em seus modos de circulação. Os processos que antes era necessário possuir um disco, uma fita ou um cd, para conhecer cantores e suas músicas arqueou-se com a chegada da Internet tornando essa difusão mais fácil. O sistema comercial que gira em torno da música eletrônica e do kuduro, como se percebe, está inteiramente adequado ao momento tecnológico de perda de valor da música gravada e de maior significação simbólica e financeira da experiência musical. Com isso, tomei a liberdade de criar dois novos conceitos para classificar esse processo de circulação da música, seja através das táticas de corpo presente ou pelo meio virtual. O primeiro termo denomino de “música festiva”, ajuda-nos a tratar das “músicas das festas”, sobre o modo que o kuduro vem se propagando através de reuniões de determinados 8 O termo “World Music” foi cunhado por Robert E. Brown na década de 60, referente à música tradicional ou música folclórica de uma cultura, criada e tocada por músicos também relacionados a esta cultura, a fim de promover uma harmonia e um entendimento entre culturas. Nessa nova era da globalização, da música digital, o termo foi evoluído em sua terminologia, a qual obtém um vasto espectro de artistas independentes baseados na web, possibilitando a expansão e a proliferação da música e do público de música do mundo, por isso passou a ser agregado o 2.0. 8 grupos de jovens presentes num mesmo espaço físico para se divertirem, daqueles que ainda sentem a necessidade de estar mais próximo à música e interagir com ela. O segundo termo, chamo de “música ciberespacial”, aplicando o conceito “ciberespaço” criado por William Gibson (1984), e desenvolvido por Lévy (1999) em Cibercultura à música. Trata-se de uma comunicação a qual não é necessária a presença física do cantor ou DJ para poder ouvilo.Basta navegar na Web para ter acesso às mais variadas músicas. Coversar ou relacionar-se com pessoas interessadas no kuduro também acaba tornando-se mais prático através das diversas redes de interação que a Internet proporciona. Trata-se de espaços disponibilizados pela Internet que possibilitam a interação de grupos, e para além a distribuição de suas produções e conteúdos sobre a música. Os novos artistas são, a partir de agora, reconstruídos de forma fracionada, desestabilizados por essas novas formas de consumo através dessa interação global e a música, por sua vez, é difundida por diversos meios, a partir do seu local de origem. A música vem se ampliando cada vez mais com surgimento de novos ritmos e sonoridades em diversas partes do mundo. Não apenas, a sonoridade, mas também nos modos de produção e de distribuição que têm se tornado alvo de mudanças significativas na última década. A partir daí, graças a um maior acesso às periferias dos países, conseguimos encontrar boa parte deles com fortes bases eletrônicas, geralmente com softwares piratas, cuja divulgação se efetua desde o boca a boca à sites, blogs ou pelos DJs “globalistas”9. Apesar da publicação da Revista IN (2012), a qual o professor da Companhia Athletica – Unidade Rio de Janeiro - Eduardo Neves, afirma: “os jovens imigrantes angolanos que vivem no Brasil são os grandes responsáveis pelo sucesso da dança. “Lembro que por volta de 1998 na Festa Soul que acontecia na Fundição Progresso, eles já dançavam de uma maneira diferente”, o kuduro foi se inserindo neste país de maneira gradual. Fui notando aos poucos que além dos imigrantes que lá estiveram, o ritmo espalhou-se também através de emigrantes brasileiros que foram a Angola em busca de oportunidades de trabalho e que retornavam, além disso, através de noticiários exibidos na mídia televisiva, pelos festivais de música e festas com temáticas africanas, também pelo mercado informal e pela internet, já que a nova geração está conseguindo aproveitar ao máximo a chamada revolução digital.. 9 Sobre os Dj’s globalistas, o colunista Camilo Rocha (2007) da Folha de São Paulo explica: nesta década começou a existir uma nova onda de Dj’s, que buscam viajar em suas roupagens musicais, ousando em diferentes ritmos e em várias partes do mundo. Esses Dj’s são denominados Dj’s globalistas. Eles buscam novas formas de apresentar ritmos musicais que vão do hip hop americano, passando pelo funk carioca e chegando ao kuduro angolano. É aí que esses estilos se espalham pelo mundo, sendo apresentado de diversas formas a fim de levar e misturar diferentes culturas. 9 Este momento de escrita dedica-se exclusivamente às informações que pude coletar, retiradas dos jornais de três localidades brasileiras – São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador10 para pensar na presença desse ritmo musical no Brasil e a inserção que ele vem adquirindo dentre grupos juvenis. Este ritmo periférico foi inserido na categoria dos “DJs globalistas”, sendo levado para diversos pontos do globo com diferentes roupagens. Antes de ganhar projeção internacional, chegar à abertura da novela Avenida Brasil11 fez aumentar ainda mais a curiosidade sobre esse ritmo que foi posteriormente cantado por diversos artistas brasileiros famosos, em uma versão adaptada, como a maioria conhece hoje-, o Kuduro cresceu e se desenvolveu na periferia de Luanda, capital da Angola. Porém, de acordo com a tabela de notícias que projetei, o ritmo já se manifestava pelo país por volta de 2005, invadindo diversas pistas de dança, através do músico Dog Murras, convidado para participar do carnaval da Bahia. A partir daí, o artista tornou-se grande referência para diversos músicos em Salvador, onde aos poucos foram surgindo bailes destinados a temáticas de ritmos africanos que começaram a se espalhar por regiões do Brasil. Logo o carnaval brasileiro já estava dividido entre o axé music, o ritmo angolano e a música eletrônica. Em 2010 mais festas começam a surgir sobre o tema africano que inclui o kuduro em seus ritmos, a “Festa Bafafá”, realizada em São Paulo é uma delas. O grupo Buraka Som do Sistema, vindo de Lisboa, também entra em cena ainda no mesmo ano, trazendo sua experiência progressista com estilo ao Brasil, encaixando-se nos festivais, mais especificamente no festival Perc Pan12 e vira notícia em jornais do Rio e de São Paulo. Em 2011, curiosamente o kuduro foi parar nos palcos do Rock in Rio, virando notícia por todo o Brasil e mais uma vez Buraka Som do Sistema estava no comando. Desta vez entrou em parceria com o grupo Mixhell (projeto do baterista Igor Cavalera e Laima Leyton) no palco secundário do festival, liberando o espaço para dançar. A reação do encontro foi imprevisível, e como noticiado nos jornais, a mistura teve uma força motriz no kuduro, 10 A histórica centralização da produção cultural massiva no Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia, provocou durante décadas a emigração de artistas de cidades periféricas para estes grandes centros. Ainda hoje, o Rio de Janeiro concentra 80% de toda a produção audiovisual nacional. Todas as gravadoras multinacionais (as majors) mantêm sedes apenas no Rio de Janeiro e em São Paulo, e mais de 80% das gravadoras nacionais (inclusive as independentes, popularmente chamadas de indies) estão sediadas na região Sudeste, com 49% em São Paulo e 28% no Rio de Janeiro; nota-se que nenhuma foi catalogada em toda a região Norte. (Marcello M. Gabbay, 2007, p.13) 11 Avenida Brasil é uma telenovela brasileira produzida pela Rede Globo e exibida no horário das 21 horas entre 26 de março a 19 de outubro de 2012. 12 Festival reconhecido internacionalmente como um dos principais e mais conceituados festivais de música percussiva do mundo. 10 oriundo dos guetos13 africanos, enquanto o Mixhell manteve seus ares do Daft Punk. É certo que o estilo angolano caiu no gosto de algumas regiões brasileiras. A confirmação disso é que em 2012, além de espalhar-se por diversas festas ocorridas por essas regiões, carnavais e festivais, a escola de samba Vila Isabel teve Angola como enredo e destacou o Kuduro como música tema e virou noticia no Brasil. A Vila Isabel teve a intenção de ver o público da Sapucaí dançando desde o início. A letra da música14 misturava o semba angolano com a origem do samba brasileiro, ajudando a explicar também como o kuduro e o funk carioca transitam tão facilmente entre os dois territórios separados pelo Atlântico nos dias de hoje e desafiando as passistas e musas da escola a dançar kuduro junto à bateria. A música foi feita especialmente para a ocasião, por Martinho da Vila. O kuduro conseguiu ainda ser derivado de dois novos estilos de música: o Passinho, do Brasil e o Tuki, da Venezuela. Atualmente o ritmo continua inserindo-se cada vez mais em festivais, promovendo encontros de músicos ou jovens interessados no ritmo, além de fazer surgir diversas festas sobre o tema. Essas novas versões do gênero oferecidas à população transpassam a cultura do povo angolano para o Brasil como produto de consumo em massa. É em casa, nas escolas ou na rua, que diferentes estilos de música se fazem presentes entre grupos de amigos. Nas redes sociais e em diversos sites de compartilhamento podemos encontrar diversos comentários de brasileiros demonstrando curiosidade em relação ao kuduro produzido em Angola, além da 13 Sobre gueto, segundo Loïc Wacquant: O gueto não só é o meio concreto de materialização da dominação etno-racial por meio de uma segmentação espacial da cidade, como também é uma máquina de identidade coletiva potente, pois ajuda a incrustar e a elaborar justamente a divisão da qual é expressão de duas formas complementares e associadas. Primeiramente, o gueto reafirma o limite entre a categoria marginalizada e a população que a circunda, uma vez que intensifica o abismo sócio-cultural entre elas: ele faz que seus residentes sejam objetiva e subjetivamente diferentes de outros residentes urbanos ao submetê-los a condições únicas, de maneira que os padrões de cognição e conduta sejam compreendidos como singulares, exóticos ou até aberrantes (WILSON, 1987, p. 7-8; SENNETT, 1994, p. 244). Isso só serve para alimentar as crenças preconceituosas já existentes. Em segundo lugar, o gueto é um motor de com- bustão cultural que derrete as divisões dentro do grupo confinado e alimenta o orgulho coletivo ao mesmo tempo em que fortifica o estigma que o assola. (2004, p.161) 14 Vibra óh minha vila /A sua alma tem negra vocação /Somos a pura raiz do samba / Bate meu peito à sua pulsação/ Incorpora outra vez kizomba e segue na missão /Tambor africano ecoando, solo feiticeiro /Na cor da pele, o negro/ Fogo aos olhos que invadem,/Pra quem é de lá /Forja o orgulho, chama pra lutar/ Reina ginga ê matamba vem ver a lua de luanda nos guiar/ Reina ginga ê matamba negra de zambi, sua terra é seu altar /Somos cultura que embarca /Navio negreiro, correntes da escravidão /Temos o sangue de angola /Correndo na veia, luta e libertação /A saga de ancestrais /Que por aqui perpetuou/ A fé, os rituais, um elo de amor /Pelos terreiros (dança, jongo, capoeira) /Nasci o samba (ao sabor de um chorinho)/ Tia ciata embalou /Com braços de violões e cavaquinhos a tocar /Nesse cortejo (a herança verdadeira) /A nossa vila (agradece com carinho) /Viva o povo de angola e o negro rei Martinho /Semba de lá, que eu sambo de cá/ Já clareou o dia de paz /Vai ressoar o canto livre /Nos meus tambores, o sonho vive. 11 produção de vídeos caseiros ou profissionais - de pessoas comuns - à divulgação e organização de festas e bailes de kuduro e música eletrônica, entrevistas e até mesmo em programas de TV trazendo quadros destinados à temáticas kuduristas como, por exemplo, no artigo de Cechin C. e Tomazetti T. (2013) que trata de uma reportagem veiculada no Jornal do Almoço da RBS TV, afiliada da Rede Globo15 de Televisão, que abordou o kuduro como produto musical. O telejornal utilizou-se das características do povo gaúcho (de ser alegre, que gosta de cantar e dançar), foram entrevistados e muitos ainda dançaram mostrando entrosamento com a música, além de demonstrar uma forte influência da mídia no conteúdo cultural fornecido e que certamente foi consumido pela população gaúcha. E por falar em festas, o Baile Socakuduro, não fica atrás. De acordo com sua página16 do Facebook17, o baile é realizado semanalmente num bairro de classe média-alta, na cidade de Salvador, onde um grupo de Dj’s reúnem diversos grupos de jovens para o contexto de experiência social da música, com o objetivo de incentivar a dança, seja em grupo, a dois ou solo. O baile também possibilita aos participantes aulas sobre ritmos africanos e da diáspora, passando não apenas pelo kuduro, mas seguindo pelo Zouk Bass, Ragga, Bahia Bass, Cumbia Eletrônica, Afro House, Soca Music, Coupé-Decalé, Azonto, Tecno Brega e Funk Tamborzão (consciente), Funana, Hip hop e etc. É o que eles chamam de “batida preta da diáspora”, termo que sintetiza os ritmos tocados pelos Dj’s e pelos convidados. Portanto, um conjunto de canções que contam com estratégias de sedução para jovens que reivindicam através da arte, que toquem em pontos bastante peculiares sobre a sociedade, além da sexualidade é o suficiente para reunir a juventude nesses eventos. A projeção nessas festas, eventos, shows de pequenos ou grandes portes nas regiões brasileiras e a praticidade da internet, além de divulgar e espalhar o kuduro, colocam-o como um novo ponto de acesso à grupos etários e tornam-nas tão eficientes quanto as multinacionais do disco no que diz respeito à divulgação dessa música eletrônica. Esses novos canais de venda redesenham as relações entre os produtores, os empresários e os artistas, da mesma forma que reestruturam a relação entre as companhias musicais e os consumidores. 15 Rede Globo é uma rede de televisão brasileira com sede na cidade do Rio de Janeiro. 16 https://www.facebook.com/Socakuduro?fref=ts 17 O Facebook é uma rede social que reúne pessoas a seus amigos e àqueles com quem trabalham, estudam e convivem 12 Pensar em música e tecnologia na cena eletrônica vai muito além do uso dos softwares. Pelo que foi encontrado no levantamento bibliográfico, podemos dividir os aparatos tecnológicos em algumas categorias, tais como: softwares de edição, softwares de performance, aparelhagem de som (incluindo cdj, pickup, mixer, fone de ouvido e caixas de som), computadores (para compor e para performance), mídias (analógicas e digitais), sintetizadores e samplers. (VAZQUEZ, 2011, p.42) Foi entendido então que fazer música eletrônica requer além de certa ousadia, um grande conhecimento do público que está em volta, ao mesmo tempo em que é necessário ter grande conhecimento de cada aparato e abusar da sua criação artística para conseguir fazer o público levantar. Isso envolve muita pesquisa do ritmo, muita troca de ideias, compartilhamento de conteúdos que ajudem no processo de criação, para que fique mais fácil refinar seus critérios e conhecimentos e assim atingir o ápice da música desejada, só depois, fica visível a facilidade que a música tende a se espalhar seja por qual mídia for. Através das notícias transmitidas, reuni fragmentos que nos permitiram entender os modos de consumo e circulação do kuduro no Brasil. O fato de termos festivais que o incluem em suas categorias, festas destinadas à grupos que mantêm seus gostos pelo estilo, da presença de arquivos documentais de notícias em jornais sobre o kuduro no Brasil, além de trabalhos acadêmicos, pensando na repercussão do ritmo, tratando-se dessa busca através das mídias digitais, consegui perceber que existiu uma certa demanda de artefatos que se dedicassem particularmente ao consumo e a divulgação do kuduro e foi de grande importância para o meio cultural. No próximo capítulo vamos descobrir se esse ritmo conseguiu se inserir em grupos de jovens e gerar novos produtores e novas formas de comunicação através desse ritmo no Brasil, como fez gerar o kuduro em Angola e Portugal. 3- TRAGETÓRIAS DE PRODUTORES EM SALVADOR Neste momento da pesquisa, foi de grande importância tratar dos modos de produção do kuduro no Brasil, para então descobrir se o ritmo conseguiu se inserir nas produções culturais. Para isso foi necessário envolver-se de maneira mais próxima com esse ritmo musical através da pesquisa de campo e, consequentemente, ter uma aproximação mais íntima com o kuduro. O conteúdo aqui trata-se de dois espaços de Salvador que tem a música africana como tema, explorados por mim, através de dois DJs entendedores desse estilo. 13 DJ Fábio (Mais focado na música Africana em geral) e DJ Raíz (mais focado no kuduro, com o baile socakuduro) falam sobre as reações do seu público perante o ritmo e do esforço que fizeram para fazê-los entender o que vem a ser o kuduro. A música periférica da Angola veio à Salvador para ficar, o público que frequenta esses bailes não param de agitar. A maneira de dançar também impressiona e os DJs acabam caindo no ritmo. É assim que funciona o Baile africano e o Baile Socakuduro (Soca: um estilo musical do Caribe e kuduro: música dos jovens angolanos). Inspirado em seu pai, que desde cedo pesquisava sobre música, e em seu irmão mais velho, o DJ Pureza, que também seguira a mesma área de atuação, aos 15 anos DJ Raíz começa a tocar junto com seu irmão e se interessa pela profissão de DJ. Toda a pesquisa que faziam era de maneira autodidata e através da Internet, então, ao perceberem o prazer que aquilo lhes proporcionava, cada vez mais, participavam de oficinas de música, de projetos culturais e sociais, os quais, a partir da base que adquiriram, desenvolveram-se e começaram a tocar música brasileira e, um pouco mais adiante, interagiram com a música africana. Vasculhando as coisas do pai foi que DJ Raíz descobriu o que era Black Music18, a chamada “música negra”. A partir de então, passou a discotecá-las19 em seu bairro. De início tornaram-se DJs de rap, depois Dj Raiz partiu para a onda do Hip Hop, passando para uma pesquisa de vinil de reggae, a partir daí conheceu a cultura Sound System da Jamaica, em 2006, e por fim chegou ao Dance Hall que é o mais eletrônico e que também se aproxima mais do rap e do hip hop. Ao terminar o 2º grau, Dj Raiz fez um curso de técnico de áudio, entrou em um estúdio profissional, onde se deu o surgimento do axé, o Estúdio WR e começou a desenvolver-se fazendo gravações. E foi nesse processo de discotecagem com a Black Music que em 2008 chegou a suas mãos um CD de Kuduro do Dog Murras e o fez enlouquecer. Decidiu então tocá-las nas quintas Dancehall - uma festa que acontece todas as quintas-feiras, há mais de 7 anos, com sua equipe de som Ministereo Público20 - para ver como o público reagiria. 18 A música negra ou black music (também conhecida como música afro-brasileira no Brasil e música afroamericana nos Estados Unidos) 19 Termo pertencente à categoria nativa, utilizada pelos DJs, que tem a ver com a ação do DJ em selecionar músicas que serão tocadas, fazendo uma lista das que mais farão as pessoas dançarem. 20 Ministereo Público Sistema de Som, sob a inspiração de uma das mais sólidas tradições propagadas no mundo, surgida na Jamaica, aproximadamente nos anos 50, a Cultura dos Sound System, o Ministereo Público é a primeira equipe de som de Salvador especializada em reggae, dub, ragga, dancehall e jungle. A equipe vem 14 Logo Dj Raiz começa a estudar a música angolana e a planejar um baile que tocasse música africana para ter o kuduro em sua área profissional. É aqui que surge o baile Socakuduro, idealizado pelos DJs Raíz e Pureza e posteriormente faz conexão com DJ Fábio, que elevou mais ainda o nível do baile, se destacando por se tratar de um DJ da Angola, que toca música africana, trazendo maior impacto ao público em geral e principalmente o público africano que vai em busca da sensação de estar em casa. De novidade à atração na Bahia, o baile aos poucos começou a ser frequentado através de divulgações feitas pela Internet e jornais da cidade. Para frequentá-lo não precisa ter idade certa, basta ser curioso ou interesar-se pelo ritmo. Os angolanos que moram na região logo também começam a ser atraídos no momento em que resolveram incluir a música africana no repertório. A jornada iniciou-se e já vem recebendo esse público há 2 anos. O repertório começa então a expandir os limites africanos. Com as experiências adquiridas com o rap e o reggae, DJ Raíz começa a incluir novos ritmos, como o kizomba, o semba, o zonto, afrobeat e felacult. Até mesmo ritmos brasileiros semelhantes à temática periférica entram em cena, como o samba, o funk carioca e etc. Eis que surge o novo slogan para o socakuduro: “Batida preta da diáspora”, essa batida é notória desde o momento em que se tem essa ligação com a música africana, através da chamada música diaspórica ou periférica. Ou seja, “Batida preta da diáspora” e “música periférica” possuem praticamente o mesmo significado. E sobre o termo “preta”, ele diz o seguinte: “Eu entendo como no Brasil a galera acabou assumindo a palavra “negro”. Acho que é bom ter essa reeducação da expressão, de negro ser preto mesmo. Porque o nome é forte, é carregado.” (DJ Raíz, 2014) Com isso, ao se deparar em situações atuais como, por exemplo, a discussão que existe no Brasil sobre o movimento negro, essa expressão pode ainda não ser muito bem recebida para muitos. E apesar de não ter sofrido preconceitos sobre seu baile, DJ Raíz afirma que existe e que pode existir várias barreiras, principalmente por enfatizar no nome que deu ao seu baile: socakuduro. Para ele isso acaba tornando-se uma expressão agressiva, porém a ideia é pensar a música e fazer uma festa que misture músicas caribenhas com africanas, apesar da festa acabar sempre seguindo em direção à África. O público é sempre diversificado, de acordo com DJ Raíz, vai de universitários à pessoas com seus 50 anos, mas quem frequenta as festas do Ministereo Público certamente vão em busca de ouvir Dance Hall, e quem vai ao baile Socakuduro, vai para ouvir kuduro. O ocupando as ruas, praças, bairros e casas noturnas das cidades baianas, com o intuito de popularizar e fortalecer a Cultura de Sistema de Som. Membros da banda: Regivan Rasta, Fael Primeiro, DJ Pureza e DJ Raiz. 15 diferencial é que no Baile Socakuduro, a presença africana é muito maior, pois na divulgação do projeto do baile, ele fez pesquisas em busca de africanos que moram em Salvador, para mostrá-los essa novidade que os fariam sentir-se em casa. Então, segundo sua estimativa, atualmente, pelo menos 50% do público do Socakuduro são de africanos e muitos deles dançarinos de Zouk, quanto ao resto, são apenas pessoas comuns que estão admiradas com o ritmo. Logo, pude concluir que DJ Raíz pode sobreviver em um país aberto à essas novas culturas, tal qual é o Brasil, apenas de suas produções e da sua escolha em ser DJ em um lugar que já se imaginava perdurar um estilo como esse. Ele trouxe uma nova roupagem para os bailes, sempre arriscando e inovando, e há sete anos faz suas festas e “discoteca” em Salvador, em áreas próximas ao Rio Vermelho e em alguns lugares que já foram bem frequentados, como o centro histórico e a Barra. Dj Raíz conseguiu status que sempre quis em relação a música e é também muito procurado em diversos lugares do país, levando sempre a mesma música que toca na Bahia como sua marca, na linha das Quintas Dancehall ou do baile Socakuduro, não esquecendo de incrementar músicas baianas e, por fim, a música brasileira em suas festas. Já com DJ Fábio foi um pouco distinto, mas com a mesma seriedade e paixão trouxe a alegria desse ritmo para o Brasil. Vindo direto de Luanda para Salvador com mais nove angolanos, Fábio estava inicialmente interessado em seus estudos de arquitetura. Porém, depois de transitar por algumas festas brasileiras, ele sentiu a necessidade de trazer um ritmo diferente, para esse lugar tão festivo. Como já tinha algumas experiências sobre tocar em festas, e estava alojado próximo ao Rio Vermelho, onde acontecem as melhores festas africanas, resolveu então trazer o ritmo da angola para os bailes próximos e aos poucos foi aprendendo a mexer em equipamentos profissionais de edição em suas tocadas. Desta forma nunca deixou de fazer suas festas angolanas. Até mesmo, porque, segundo ele, nunca foi difícil encontrar outros angolanos por Salvador. Existe uma leva de angolanos, africanos, caboverdianos e guinenses pela Bahia sempre nessa procura por estudo e trabalho. O diretor da Casa da Angola21 é um deles. Sempre dando apoio, enviando convites para Dj Fábio em busca de sua música, até mesmo nos grandes eventos, tudo em prol da divulgação do estilo da Angola. 21 A Casa de Angola na Bahia objetiva consolidar os laços culturais entre Brasil e Angola, possibilitando à comunidade baiana o acesso à cultura angolana em especial, e africana, em geral. 16 A casa da Angola passou então a ser o ponto de encontro, onde os permitem fazer as próprias festas (essas festas não se restringem apenas a eles, mas estão sempre abertas para todo o Brasil). A predominância de estilos vai desde o kuduro, passando pelo semba, funaná, coladeira, afro house, afro dance, afro beat, e chegando ao kuasa, que é uma mistura de todos eles. Então, DJ Fábio acabou tornando-se motivo de inspiração para muitos desses angolanos, que também estão seguindo o mesmo rumo na área da música. Ele afirma que o kuduro é um ritmo que vem crescendo muito rápido. Atualmente todos já querem cantar esse ritmo que há um tempo era bastante criticado em Angola. Isso pelo mesmo motivo que expliquei nos capítulos anteriores, sobre o kuduro ser considerado música de marginal e de pessoas que não trabalham, mas que acabou desmistificando esses preconceitos e tornou-se uma representação de orgulho do jovem angolano. “Portanto, quando ouvimos um americano cantando o kuduro, um brasileiro cantando kuduro, um latino cantando kuduro é um grande motivo de alegria para nós que produzimos a música.” (DJ Fábio, 2014). Isso se deu pelo fato de conseguir encontrar melhores produtores no mercado, com músicas de alta qualidade, com mais equipamentos, trazendo inovações, tanto em relação ao áudio quanto visualmente, através de videoclipes, que antes tinham baixíssima qualidade. Segundo DJ Fábio, em Angola quando a música estoura é idêntico ao Brasil, começa a aparecer diversos músicos ouvindo e fazendo a música com a intenção de desenvolvê-la coletivamente e fazê-la crescer, nunca se esquecendo de evoluir a dança. E para acabar com todas as nossas dúvidas, segundo Fábio, já existem músicas de kuduro feitas no Brasil. Inclusive uma de sua autoria que se chama “Angola e Bahia”. “O intuito foi misturar sua relação com a Angola e a Bahia, já que se trata de um africano vivendo na Bahia” (DJ Fábio, 2014). Foi desta forma que idealizou um instrumental de kuduro, e no final da música foi colocou uma guitarra eletrônica para dar um impacto típico do Carnaval. O coro da música, transcrevendo suas palavras é mais ou menos assim: “Nossa Angola, puía, puía que puía a Bahia puía, puía, puía que puía isso é Angola e Bahia, Angola e Bahia, Isso é Angola e Bahia” (DJ Fábio, 2014) Nesta conversa com DJ Fábio, ajudou-me na afirmação sobre o processo de produção de kuduro no Brasil. De acordo com ele, em São Paulo e Rio de Janeiro, já existe uma leva de kuduristas e DJs que tocam, dançam e cantam o kuduro, em São Paulo tem mais de 3 DJs angolanos, no Rio tem mais de 5 e já existem vários deles focando na música africana, no zouk, no kizomba, semba, e até mesmo no kuduro. E ainda quando DJs interessam-se pelo kuduro, Fábio compromete-se a ensiná-los passo a passo e da melhor maneira possível. Já 17 que, para ele, quem toca kuduro tem que saber que o público precisa entender o que é o ritmo e para tanto, é necessário que saiba qual é sua história e como se desenvolveu. A levada desses DJs favorece não só a cultura de salvador, mas levam-na para diversos lugares do mundo através de seus projetos nacionais e internacionais. Como, por exemplo, a noite do kuduro que o DJ Fábio trará com foco no Kuduro, pretendendo levá-la a Espanha, passando por Veneza, com finalidade de fazer um baile internacional sobre o kuduro. Planeja também fazer um baile que acontecerá de 15 em 15 dias na Bahia, que poderá ser na Barra, na Quituba ou no Rio Vermelho, tudo através das conexões que existem entre os angolanos e brasileiros. Além disso, também já existe o projeto “I Love Kuduro”, um evento internacional que criaram e levaram para várias cidades do mundo, desde o Brasil, passando pelos Estados Unidos e também pela Angola, tendendo a acrescer em diversas cidades do globo, como a França e Portugal, já que lá houve uma grande abertura para cantores angolanos. Já o DJ Raíz também traz seus projetos através de suas pesquisas. Um deles tem a colaboração do seu grupo BembaTrio (Bemba vem de “bem bahiano” e trio vem de “três”), que vem pesquisando o sound system, fazendo músicas de dance hall e de raga, onde misturam o “gosto” da Bahia com o reggae e o dance hall para fazerem suas produções. Ou como a Festa Mixtape, encabeçada por ele e pelo DJ Leandro, esta divulgada no site da UOL, e que tem a intenção de lançar a cada sexta-feira uma mix tape, single, EP ou disco do artista. São projetos como estes, que colaboram para o fortalecimento da cultura africana no Brasil. Isso proporciona ao público a sensação de uma noite na África e assim conhecer outras culturas. Contudo, podemos perceber que o reconhecimento desses DJs não vem por acaso, vem do esforço, da qualidade e do trabalho que eles trazem. Quanto mais tocam, mais ganham público. É desta forma, que atualmente esses DJs servem de inspiração para diversos músicos, que conseguem o apoio do público e geral diversos convites para tocar em diferentes lugares, sobrevivendo assim da sua música. 4- CONSIDERAÇÕES FINAIS As pesquisas apresentadas nesse artigo não apenas demonstram como o kuduro chegou ao consumo no Brasil, mas também os modos de comunicação que conseguiu gerar entre o público que consome e produz, além dos modos de circulação da música eletrônica, fazendo uma relação entre os produtores (DJS, cantores e dançarinos), consumidores (jovens ou interessados no ritmo) e os locais de distribuição (Internet, Bailes e festivais de música e 18 etc). Também nos permitiu pensar, de uma maneira geral, nos porquês deste ritmo ter se manifestado por diversas regiões do país, já que não é segredo que Brasil e África sempre compartilharam imensos laços culturais, e assim conseguir inserir-se nos grupos de jovens, estabelecendo-se no meio cultural de algumas regiões, além de colaborar para o surgimento de novos artistas, DJs, cantores e dançarinos no Brasil. De estilo de dança e música à movimento cultural, é notório que a tecnologia atrelada à juventude foi o fator chave para a produção e circulação desse gênero musical. Diante das novas tecnologias digitais, a indústria fonográfica se reafirma. O kuduro e a música eletrônica vivem constantemente nesse processo dos novos modelos de negócio. O kuduro espalhou-se de maneira bem significativa no Brasil, Angola e Portugal, porém é importante resaltar que no Brasil, o estilo foi resignificado, como símbolo africano, símbolo angolano ou expressão da “World Music 2.0”. A manifestação que o kuduro gerou diante dessas regiões, mostrando devida importância ao se tratar do tema, levou-me a perceber que aos poucos o kuduro vem criando uma nova afirmação cultural no Brasil. A produção e o consumo tornou-se massificada à medida que colaborou para a indústria fonográfica, fazendo circular e inserir-se em diversos festivais destinados à música, gerar diversas festas com eventos que promovem a socialização e a reunião de jovens que partilham de gostos comuns baseados na música eletrônica e, por fim, chegar a tornar-se referência para a dança do Passinho criada na periferia do Rio de Janeiro. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRAMO, Helena Wendel. Considerações sobre a tematização social da juventude no Brasil. Revista Brasileira de Educação, Mai/Jun/Jul/Ago nº 5, 1997 Set/Out/Nov/Dez nº6, 1997. BORELLI, Sílvia H.S. e FREIRE FILHO, João (orgs.). Culturas juvenis no século XXI. São Paulo: Educ, 2008. CASTELLS, Manuel. A SOCIEDADE EM REDE. Volume I, 8ª edição. Ed. 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