“Espaço de Criação” como Alternativa Educacional para Alunos
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“Espaço de Criação” como Alternativa Educacional para Alunos
“Espaço de Criação” como Alternativa Educacional para Alunos Jovens e Adultos em Situação de Pouca Escolarização com Necessidades Especiais: possibilidades e limites. Nilce da Silva Professora Doutora da Faculdade de Educação da USP Coordenadora do Projeto Acolhendo Sandra de Andrade Domingues Graciano Professora do CIEJA (Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos) Membro do Projeto Acolhendo – FEUSP “Parei e pensei: quem é que precisa ser incluído, o professor ou o aluno?” Depoimento de professora do CIEJA Freguesia do Ó/ Brasilândia Introdução Este artigo é resultado de prática reflexiva desenvolvida no CIEJA Freguesia do Ó/ Brasilândia. A referida instituição de ensino, até o final do ano passado, recebia jovens e adultos que não tiveram condições de estudar na idade regular. A partir de 2005, por uma série de fatores que serão explicitados adiante, este equipamento escolar abre suas portas para alunos com as mais diversas necessidades especiais. E assim, os professores do local, cada qual à sua maneira, vêemse compelidos a procurar atender, da melhor maneira possível, este novo grupo de alunos. Um dos modos escolhidos por alguns dos docentes nesta instituição de ensino, constitui-se por fazer de uma das salas de atendimento a esta nova população uma “extensão” do Projeto Acolhendo Alunos em Situação de Exclusão Social e Escolar, ligado à Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, na medida em que, o mesmo atua neste CIEJA na perspectiva da inclusão/ exclusão do ponto de vista dos aspectos sócio-econômicos da sociedade paulistana desde o ano de 2004 e, conforme mostraremos adiante, há intersecções entre a prática já desenvolvida no CIEJA e a demanda que o mesmo apresenta agora. Dito de outro modo, o referido grupo de pesquisa, ensino e extensão da USP tomou para si mais este desafio e, paralelamente, lança a seguinte questão: seria o “espaço de criação”, trabalho pedagógico baseado na teoria de D. Winnicott, também uma possibilidade para jovens e adultos com necessidades especiais? Quais as possibilidades e os limites desta tentativa? Estudar a legislação a respeito da Educação Especial no Brasil foi a primeira necessidade que se fez presente para o Projeto Acolhendo ao aceitar este desafio. Em seguida, revistar a teoria de Winnicott e seus seguidores, assim como, refletir acerca das aproximações que precisariam ser feitas para conseguir êxito junto a esta população, transformou-se em tema de pauta das reflexões dos pesquisadores e professores do Projeto Acolhendo. Sendo assim, neste artigo, apresentaremos sinteticamente como a atual legislação trata as questões referentes à inclusão cotejando-a com a realidade educacional brasileira e, em seguida, explicitaremos as reflexões iniciais acerca das possibilidades e limites da tentativa de aproximação do “espaço de cri ação”, tal como ele tem sido desenvolvido, a uma “nova modalidade” de “espaço de criação” com a finalidade de atender jovens e adultos com necessidades especiais”. A LDB 9.394/96 e a Educação Especial e a Realidade Educacional: algumas considerações necessárias Mesmo antes da Lei de Diretrizes e Bases 9.394/ 96 entrar em vigor, percebe-se um movimento internacional e em âmbito do território nacional de se promover um “atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino”. Assim, inúmeras tentativas para a construção de uma escola inclusiva, implicando no reconhecimento da necessidade de viver concepções e paradigmas respeitando e valorizando a diversidade, têm sido empreendidas. Este processo de construção tem encontrado diferentes obstáculos. Dentre eles, uma questãochave pode ser colocada: Qual seria a prática pedagógica em sala de aula que tivesse como objetivo a inclusão? Ou dito de outro modo, quais as ações do professor mais eficazes nesta perspectiva quando o mesmo se depara com uma sala de aula composta por jovens e adultos migrantes em situação de pouca escolarização, que apresenta dificuldades de trabalho específicas, e ainda com dificuldades físicas, mentais, sensoriais diversas. Essa situação inovadora e desafiadora exige um novo posicionamento dos professores envolvidos com a prática educacional inclusiva, neste caso especificamente do CIEJA Freguesia do Ó/ Brasilândia, fato que para muitos foi uma opção e para outros, uma imposição constrangedora, não por seus princípios, mas pelas dificuldades advindas, sobretudo da formação dos professores não dirigida a este trabalho. Muitas escolas da rede pública passaram a adequar seu Projeto Político Pedagógico frente a esta realidade e uma intensa discussão acerca da necessária reorientação curricular destas instituições iniciou-se. O desafio desse processo, que exige rápidas tomadas de decisão, tem levado o professor, de um modo geral, a busca intensa por alternativas que minimizem a sua falta de formação, a inadequação de diferentes equipamentos escolares, em suma, a exclusão do docente “despreparado” em uma escola “inadequada” para um corpo discente excluído duplamente – por ser jovem ou adulto sem escolarização e ainda por ser portador de necessidades especiais. Nosso ponto de vista, a prática pedagógica do professor visando ao processo de inclusão de alunos com necessidades especiais nas escolas de Ensino Fundamental, inclusive neste CIEJA, constitui-se como tentativas bem intencionadas dos professores, diretores, coordenadores envolvidos, porém, como é marca do sistema de educação brasileiro e das políticas públicas nacionais, independentemente do nível e da modalidade de ensino, poucas são as condições de trabalho oferecidas a estes profissionais e, conseqüentemente, aos alunos atendidos. Finalmente, é neste contexto de “descompasso” entre o avanço em termos da legislação nacional e a realidade pouco preparada das escolas públicas, que o Projeto Acolhendo, do ponto de vista prático e teórico, legitima-se, mais uma vez, enquanto interlocutor e parceiro do CIEJA Freguesia do Ó/ Brasilândia conforme explicitaremos ao longo deste artigo. Antes, porém, faremos uma breve descrição da sala de aula parceira do Projeto Acolhendo. Breve descrição de uma sala de aula do CIEJA Freguesia do Ó/ Brasilândia A diversidade é o ponto comum entre os alunos do CIEJA. A sala de aula citada anteriormente possui no máximo vinte e cinco alunos, com faixa etária entre 14 e 81 anos. Desses vinte e cinco alunos três são especiais, sendo dois deficientes visuais e um deficiente mental (Paralisia Cerebral). “Espaço de Criação”: alguns conceitos necessários "Espaço de Criação" é um conceito desenvolvido pelo psicanalista inglês D. W. Winnicott que explica a relação estabelecida entre uma pessoa e a realidade exterior, como por exemplo: a relação estabelecida entre um professor e o conteúdo do seu ensino, e na mesma direção, a relação entre aluno de EJA e conteúdo de aprendizagem. Para este teórico, quando a criança é apenas um bebê, a primeira relação que ela estabelece com a realidade exterior a ele, é com a sua mãe e constitui-se em torno da amamentação. Nas primeiras semanas deste ato, o bebê pensa que ele é o próprio seio da mãe, pois quando mama a sua satisfação é total, é uterina, ou seja, é de completude e satisfação. Aos poucos, com o distanciamento da mãe e todo o processo de desenvolvimento neurológico sofrido pelo bebê, ele começa a perceber que o seio materno não está sempre à disposição dele e que, portanto, o seio da mãe não é ele, bebê. E distância entre mãe (realidade externa) e bebê (eu interior) foi definida por Winnicott com o conceito de "espaço de criação" ou "espaço potencial”. Na medida em que o bebê percebe que ele não é a mãe e que, entre ele e a mãe, existe um "espaço" - físico e temporal - ou ainda que a mãe é realidade exterior a ele - o bebê faz inúmeras tentativas para preencher este "espaço" e diminuir a sua angústia pela espera do seio materno. Para preencher este espaço, o bebê precisa "inventar" algo, colocar algum "substituto" da mãe enquanto a aguarda, ou seja, ele precisa CRIAR para não sofrer. E assim, o bebê, enquanto a mãe não vem, contenta-se com uma mamadeira, com uma chupeta, com um paninho ou mesmo com o seu dedo. Estes "objetos" que se encontram entre a espera do bebê pela mãe e a chegada da mãe, objetos que minimizam a angústia foram chamados por Winnicott de "objetos transicionais", e o despertar da criatividade para a solução da angústia da separação, foram conceituados como "fenômenos transicionais". Há que se entender que os "objetos transicionais" não pertencem totalmente à realidade interior do bebê, porém nela influenciam diretamente; nem ao mundo externo, propriamente dito, pois são substitutos da mãe que o bebê ainda crê que faz parte de si. Segundo Winnicott, esta situação de "ilusão" - quando o bebê pensa que o seio da mãe é ele mesmo e a situação de "desilusão" - quando a criança percebe que o seio da mãe não está sempre à disposição, repete-se na relação que o ser humano estabelece ao longo da vida entre "ele" e a realidade exterior a ele. E sendo assim, para que este ser humano torne-se saudável, faz-se mister "criar", produzir "fenômenos de transição". Só assim, um diálogo interno poderá ocorrer o que fará cada ser humano tranqüilizar-se frente à eterna questão que nos acompanha: Quem sou eu? Nesta perspectiva teórico-prática, desde o ano de 2002, “espaços de criação” têm ido implantados em diferentes escolas, públicas e particulares na cidade de São Paulo1, e têm atendido crianças, jovens e adultos em situação de pouca escolarização. Assim, por meio de metodologia específica, procura-se instaurar “espaços potenciais” virtuais, sob a coordenação de um "potencializador", e o convite à aventura do conhecimento e da criação é cuidadosamente lançado. Feitas estas considerações, em seguida, apresentaremos um início da reflexão da parceria Projeto Acolhendo e CIEJA Freguesia do Ó/ Brasilândia, relativa às possibilidades e limites desta proposta. Possibilidades e Limites desta Parceria Até o momento, o maior limite encontrado pelos componentes do Projeto Acolhendo e do CIEJA em questão tem sido a “novidade” da reflexão, na medida em que o Grupo em questão não se constituiu nem mesmo se preparou para enfrentar esta realidade. Sendo assim, um processo de revisitar as práticas docentes e discentes tem sido efetuado. Neste processo, profissionais com preparo específico para atuação com alunos com necessidades especiais têm sido solicitados a constituir esta nova e inesperada caminhada. Há que salientar também que ainda não encontramos apoio necessário (verbas, material bibliográfico, material didático...) por parte de nenhuma instituição, pública ou privada, para potencializar este trabalho. Ou seja, a demanda aumentou em proporção, podemos dizer que, inversa aos recursos conseguidos. Com relação às possibilidades da realização satisfatória da constituição e funcionamento deste novo “espaço de criação”, destacamos alguns aspectos: 1- A ênfase do Projeto Acolhendo inicial ao conceito prático-teórico de criatividade, de percepção criativa da realidade, algo cuja definição, segundo Winnicott, implica na consideração de um núcleo pessoal inato, e não apenas de informações obtidas primariamente através dos órgãos dos sentidos, é mais do que cabível como referência à prática pedagógica de professores que atuam com jovens e adultos migrantes em situação de pouca escolarização, na medida em que os mesmos experimentam na sua singularidade como indivíduos à totalidade da vida em sua intensidade. 1 Para maiores informações, visite o site www.projetoacolhendo.ubbi.com.br ou entre em contato com as autoras deste artigo: [email protected] e [email protected] 2- Na medida em que evidenciamos que o “espaço de criação” é local apropriado e privilegiado para as relações interpessoais, o mesmo pode ser recomendado para a clientela em debate já que defende as atividades pedagógicas realizadas em grupo que promovam o auto-conhecimento, que incentivem as atividades corporais e sinestésicas, que favoreçam o desenvolvimento do pensamento lógico e que, acima de tudo, permitam que cada aluno se expresse de acordo com suas possibilidades. 3- Conseqüência do aspecto destacado anteriormente e de acordo com a experiência do Grupo Acolhendo, neste ambiente “acolhedor” o desenvolvimento da criatividade ocorre necessariamente, possibilitando uma melhor relação destes alunos com as situações esperadas e inesperadas que o dia-a-dia lhes reserva. 4- Garantidas as condições mínimas explicitadas acima, no desenvolvimento desta parceria destacamos um dos nossos objetivos em médio prazo: a construção da consciência de cidadão em cada um dos alunos envolvidos neste trabalho. Em suma, até o momento, apesar das limitações encontradas e apontadas acima, defendemos que os “espaços de criação”, implantados e desenvolvidos pelo projeto Acolhendo, inclusive o mais novo deles, objeto deste artigo, podem promover e potencializar o necessário processo inclusivo, sempre se desenvolvendo paralelamente às práticas pedagógicas cotidianas, já que concebe todos os alunos como seres criativos e assim os trata como iguais, e respeita as suas diferenças e necessidades, pois incentiva diferentes manifestações em sala de aula, respeitando e garantindo que as respectivas diferenças individuais se constituam, manifestem-se e sejam respeitadas. Bibliografia básica recomendada BIARNÈS, Jean. O ser e as letras: da voz a letra, um caminho que construímos. todos. Revista da Faculdade de Educação. São Paulo. Jul/dez. 1998. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. SILVA, N. da. <<Falar, ler e escrever: um estudo sobre o processo de formação de adultos em situação de baixa escolarização>>. Tese de doutorado apresentada à Faculdade de educação da universidade de São Paulo, São Paulo, set.2001. ____<<Espaço transicional, história de vida e formação de adultos brasileiros em situação de pouca escolarização em São Paulo, Paris e Gotemburgo: condições teóricas para a compreensão do processo de formação de jovens e adultos>>.Relatório de pós-doutorado, Universitè Paris-Nord, jan. 2003, Paris. _____ Espaço de Criação: uma alternativa educacional. São Paulo, Ieditora, 2003. _____<<Exclusão social: espaço de criação como alternativa educacional WINNICOTT, W. D. A Natureza Humana. Rio de Janeiro, Imago, 1990. _____O Brincar e a Realidade. Coleção Psicológica Psicanalítica, Rio de Janeiro: imago editora Ltda. Sites recomendados www.mec.gov.br www.projetoacolhendo.ubbi.com.br www.aacd.com.br