Belo Horizonte, 2005
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Belo Horizonte, 2005
II Simpósio Mineiro de Buiatria 06 a 08 de outubro de 2005 II Minas Gerais Buiatrics Symposium October 6th to 8th, 2005 Belo Horizonte, Minas Gerais – Brasil Intoxicações com Manifestações Neurológicas em Ruminantes Prof. José Diomedes Barbosa Prof. Carlos Magno Chaves Oliveira Prof. Marcos Dutra Duarte Tatiane Teles Albernaz Escola de Medicina Veterinária da UFPA INTRODUÇÃO As enfermidades que acometem o sistema nervoso (SN) vêm se tornando cada vez mais importantes na clínica médica de grandes animais. Diferentes grupos de agentes são responsáveis por tais manifestações como vírus, príons, bactérias, protozoários, distúrbios metabólicos e agentes tóxicos entre outros. Doença como a Encefalite Espongiforme Bovina (BSE), que afeta o Sistema Nervoso Central (SNC), causou e vem causando prejuízos incalculáveis à pecuária bovina do continente europeu, assim como, em outras partes do mundo. A proibição da exportação de carne bovina dos países que diagnosticaram a BSE forçou, de certa forma, os países livres desta enfermidade a monitorarem melhor seus rebanhos com relação às doenças que acometem o SN, melhorando a qualidade do diagnóstico. No Brasil, a doença que causa maiores perdas econômicas é a raiva transmitida por morcego hematófago, constituindo-se na principal causa de morte em bovinos. Outras enfermidades causadas por plantas tóxicas, metais pesados, medicamentos e toxinas vêm aumentando à lista das doenças que acometem o SN. Portanto, o diagnóstico correto destas enfermidades passou a ser importante para o estabelecimento de medidas profiláticas adequadas. O objetivo deste trabalho e relatar as principais intoxicações com manifestações neurológicas em ruminantes. Ipomoea fistulosa A intoxicação por Ipomoea fistulosa (sin: I. carnea) (Convolvulaceae) ocorre em bovinos, ovinos e caprinos na região Nordeste. Essa planta conhecida popularmente como manjorana, canudo, algodão bravo, mata cabra e capa bode é encontrada em grupamentos densos em lugares inundados nas margens de rios e lagos, conservando-se verde todo o ano. Para que ocorra a intoxicação em bovinos é necessário que os animais tenham fome, quando em épocas de escassez de pastagem ingerem a planta e, que esteja presente em grandes quantidades, já que é preciso ingeri-la quase como alimento exclusivo durante semanas (TOKARNIA et al. 1979). Os animais apresentam ataxia, hipermetria, tremores musculares, sonolência e emagrecimento progressivo. Em ovinos e caprinos a evolução da intoxicação é subaguda ou crônica. Os caprinos após apresentarem sinais clínicos, quase todos morrem, mesmo deixando de ingerir a planta. Nos ovinos os sinais continuam durante alguns dias após cessar a ingestão da planta e somente morrem os que continuam a ingerir a planta após apresentarem os sinais clínicos. This manuscript is reproduced in the IVIS website with the permission of Associação de Buiatria de Minas Gerais (ABMG). II Simpósio Mineiro de Buiatria 06 a 08 de outubro de 2005 II Minas Gerais Buiatrics Symposium October 6th to 8th, 2005 Belo Horizonte, Minas Gerais – Brasil Não se observam alterações macroscópicas. As alterações histológicas caracterizam-se por vacuolização de neurônios e ocasionalmente células da glia e formação de esferóides axonais. Vacuolização citoplasmática pode ser observada, também, em hepatócitos, células acinares do pâncreas e macrófagos do baço e gânglios linfáticos (RIET et al. 2003). Tem sido demonstrado que I. fistulosa contem como princípio tóxico suainsonina, calistegina B2 e calistegina C1. A suainsonina é um inibidor da-manosidase lisossomal e as calisteginas B1 e C2 são inibidores de glicosidases. A inibição dessas enzimas causa acúmulo de oligossacarídeos nos lisossomos e a vacuolização citoplasmática observada nesta intoxicação deve-se ao acúmulo de oligossacarídeos (MEDEIROS et al. 2002). Não se conhece tratamento para esta intoxicação. Os animais devem ser retirados imediatamente do local onde tem a planta. A única medida profilática consiste em evitar a ingestão da planta. Ipomoea asarifolia A intoxicação por I. asarifolia (Convolvulaceae) ocorre naturalmente em bovinos, ovinos e caprinos. Essa planta é conhecida popularmente como salsa e batatarana e suas propriedades tóxicas são bem conhecidas no Nordeste (TOKARNIA et.al. 1979). É planta também encontrada na Região Amazônica. Ocorre nas margens dos rios e lagos e nas praias marítimas, em terrenos abandonados, nas margens de estradas e em lugares próximos de habitações. A maioria dos casos de intoxicação por I. asarifolia ocorrem em animais jovens. Os animais ingerem a planta quando estão com fome, normalmente ingerem as partes aéreas e têm que comê-las em grandes quantidades (TOKARNIA et al. 1979). Os sintomas de intoxicação por I. asarifolia são de ordem nervosa, porém, são diferentes em cada uma das três espécies animais. Os ovinos mostram tremores musculares e perturbações na locomoção; o apetite é igualmente mantido; interrompida a ingestão da planta, os sintomas perduram ainda por vários dias. Os caprinos intoxicados pela “salsa” apresentam sonolência, lerdeza, pouca vezes tremores musculares; o apetite é também mantido; porém uma vez tendo apresentado sintomas, quase todos morrem, mesmo suspendendo-se imediatamente a ingestão da planta (TOKARNIA et al. 1979). Em bovinos e búfalos os sintomas são bastantes semelhantes caracterizados por incoordenação, tremores musculares e balanço da cabeça, inclusive da parte anterior do corpo, em sentido horizontal (movimentos pendulares). Ainda foram observados sialorréia, diminuição do tônus da língua e diminuição dos reflexos do lábio superior e palatal. Quando a ingestão da planta é interrompida os sintomas desaparecem (TOKARNIA et al. 1979; BARBOSA et al. 2005) Tem sido demonstrado que I. asarifolia possui o mesmo princípio tóxico da Ipomoea fistulosa citado acima. Em relação ao tratamento de animais intoxicados é suficiente, no caso dos bovinos, búfalos e dos ovinos, retirá-los imediatamente do pasto com “salsa”. Não se conhece medidas para salvar os caprinos intoxicados. This manuscript is reproduced in the IVIS website with the permission of Associação de Buiatria de Minas Gerais (ABMG). II Simpósio Mineiro de Buiatria 06 a 08 de outubro de 2005 II Minas Gerais Buiatrics Symposium October 6th to 8th, 2005 Belo Horizonte, Minas Gerais – Brasil Prosopis juliflora Prosopis juliflora (Leguminosae, Mimosoideae, conhecida como algaroba, foi introduzida no Nordeste na década de 40. É uma árvore, xerófila, com rápido crescimento, de até 812m de altura, que produz frutos no segundo ou terceiro ano. Atualmente há aproximadamente 150.000 hectares plantados com esta árvore na região semi-árida. Os frutos são utilizados como forragem, e podem ser consumidos no campo ou coletados para produzir rações para bovinos, ovinos, caprinos, suínos, aves e coelhos. Têm sido utilizados, também, para o consumo humano. A intoxicação pelos frutos da algaroba tem sido descrita em bovinos nos Estados Unidos, Peru e Brasil, e em caprinos no Peru. A intoxicação foi descrita na Paraíba em 1981 e no Rio Grande do Norte em 1986. Depois de 1992 o número de surtos aumentou e a morbidade chegou até 50% em alguns rebanhos (FIGUEIREDO et al. 1995/1996 ; TABOSA et al. 2000). Os sinais clínicos, mais evidentes durante a ruminação, são característicos de uma insuficiência dos nervos cranianos. Observa-se relaxamento da mandíbula, torção da cabeça durante a mastigação e ruminação, movimentos involuntários da língua, salivação profusa, dificuldades para deglutir e atrofia dos masséteres. Mastigação continuada, hiperexcitabilidade e disfagia. Além disso, atonia ruminal, anemia, edema submandibular, e emagrecimento progressivo são, também, observados. Os caprinos apresentam salivação, emagrecimento e tremores dos lábios, da mandíbula e da cabeça, principalmente durante a mastigação, o que evidencia debilidade muscular dos músculos da mastigação. Nas necropsias observam-se diversos graus de desnutrição e atrofia dos músculos da mastigação. Em bovinos não têm sido descritas lesões histológicas que justifiquem os sinais clínicos. Um trabalho experimental em caprinos demonstrou severa vacuolização de neurônios no núcleo motor do nervo trigêmeo e no núcleo do oculomotor. Adicionalmente havia degeneração Walleriana do nervo trigêmio e atrofia por denervação dos músculos da mastigação. Os autores sugerem que lesões similares ocorrem em bovinos (TABOSA et al. 2000). As favas de Prosopis juliflora contêm alcalóides piperidínicos, mas desconhece-se se essas substâncias são responsáveis pela vacuolização neuronal, que é a lesão primária da intoxicação. Em bovinos a doença ocorre após a ingestão de ração contendo 50% de frutos de algaroba por um período de 3 meses (MENEZES 1998). Os caprinos são mais resistentes e têm que ingerir concentrações de 60%-90% de frutos na alimentação por um período de aproximadamente 210 dias para apresentar sinais clínicos (TABOSA et al. 2000). Para evitar a intoxicação é necessário administrar rações contendo não mais do que 40% de favas de algaroba, principalmente se o período de administração é superior aos 60 dias. INTOXICAÇÃO POR URÉIA A uréia é uma substância nitrogenada utilizada na agricultura como fertilizante para pastagens e lavouras. Em bovinos, é utilizada como aditivo alimentar para a obtenção de um substituto protéico de baixo custo. Surtos de intoxicação nesta espécie ocorrem após o acesso acidental seguido de ingestão de grandes quantidades, quando há erros de dosagem em mistura nas rações e, ainda, quando a uréia é administrada em doses recomendadas a This manuscript is reproduced in the IVIS website with the permission of Associação de Buiatria de Minas Gerais (ABMG). II Simpósio Mineiro de Buiatria 06 a 08 de outubro de 2005 II Minas Gerais Buiatrics Symposium October 6th to 8th, 2005 Belo Horizonte, Minas Gerais – Brasil animais que não foram adaptados previamente, principalmente em confinamentos (SMITH 1993). No Mato Grosso do Sul casos de intoxicação em bovinos ocorrem devido à adição de uréia em sal mineralizado, principalmente após as chuvas em propriedades onde os cochos de administração não são cobertos. Nestas situações é comum os animais serem encontrados doentes ou mortos nas proximidades dos cochos (NAKAZATO & BRUM 1998). A dose tóxica é variável dependendo da adaptação prévia do animal, o tipo de alimento fornecido com a uréia e o estado nutricional do animal. Geralmente, em rações para ruminantes, a uréia não deve exceder a 3% da ração concentrada. Doses de uréia superiores a 0,44g/kg de peso vivo em animais em jejum podem ocasionar sinais clínicos e doses de 1-1,5g/kg levam a morte. A administração contínua de uréia leva os animais a desenvolverem tolerância, que é perdida após uma interrupção de 3 dias na ingestão do produto e os animais tornam-se novamente suscetíveis (SMITH 1993). A uréia por si só não é tóxica. Em condições naturais é transformada no rúmen em amônia, a qual é prontamente absorvida e, quando ingerida em grandes quantidades exerce seus efeitos tóxicos. Os bovinos intoxicados apresentam dor abdominal intensa, tremores musculares, incoordenação, fraqueza, dispnéia, timpanismo e mugidos altos, debatem-se muito antes de morrer e normalmente são encontrados mortos ou sobrevivem por um período de até 4 horas após a ingestão excessiva da uréia. A letalidade é próxima de 100% e não são observadas lesões macroscópicas características. Acredita-se que a causa da morte seja a parada respiratória devida ao excesso de amônia (SMITH 1993). No Pará a doença foi diagnosticada em um rebanho de bovinos leiteiros que recebiam uréia como suplementação. Neste surto morreram três animais, e um animal foi encontrado vivo apresentando-se em decúbito esternal, com tentativas para manter-se em estação, tremores musculares e hiperexcitabilidade, vindo a morrer horas depois (BARBOSA Comunicação pessoal). Como tratamento pode ser realizada a administração de ácido acético a 5% por via oral (4 litros por animal), pois este impede a absorção de mais amônia. A utilização de ácido acético a 5% serve como antídoto, entretanto pode ocorrer a recidiva dos sinais clínicos 30 minutos após o tratamento, sendo necessário um novo tratamento. O tratamento mais eficaz é a rumenotomia para o esvaziamento imediato e completo do rúmen, porém, quando a intoxicação atinge grande número de animais este tratamento torna-se inviável devido ao rápido curso da enfermidade (SMITH 1993). INTOXICAÇÃO POR ORGANOFOSFORADOS E CARBAMATOS Organofosforados e carbamatos são compostos orgânicos usados tanto na agricultura como na pecuária, principalmente como inseticidas e antiparasitários. Os mais freqüentemente usados são os organofosforados (metaminofós, dimixion, fenitrotion, fention, fosfomet, triclorfon, clorfenvinfos, ethion e diazinon), e com menor freqüência os carbamatos (carbaril, aldicarb, carbofuran, methomyl, propoxur, oxamil, pirimidicarb e dioxacarb). Esses compostos podem ser absorvidos pelo organismo animal pela via digestiva, por inalação ou por contato com a pele ou mucosas. Os animais se intoxicam através da ingestão direta do produto ou indiretamente, através da água e alimentos contaminados, ou ainda, quando são usados como antiparasitários, por erro de dosagem em aspersões ou This manuscript is reproduced in the IVIS website with the permission of Associação de Buiatria de Minas Gerais (ABMG). II Simpósio Mineiro de Buiatria 06 a 08 de outubro de 2005 II Minas Gerais Buiatrics Symposium October 6th to 8th, 2005 Belo Horizonte, Minas Gerais – Brasil injeções. A dose tóxica varia de 1-20 mg/kg, dependendo do produto, espécie e sexo dos animais envolvidos (OSWELEIR 1998). Há indícios de que os Bos indicus são mais sensíveis que os Bos taurus (OSWELEIR 19983; RADOSTITS 1994). A intoxicação pode ser aguda, subaguda e crônica. Algumas substâncias como a succinilcolina, tranqüilizantes fenotiazínicos, levamisole, nicotina, curare e antibióticos aminoglicosídeos potencializam a ação dos organofosforados (OSWELEIR 1998). Os compostos organofosforados e carbamatos inibem a colinesterase e, em conseqüência, aumentam o nível de acetilcolina nos tecidos, a qual é responsável pela manifestação de sinais clínicos muscarínicos (resposta visceral) e nicotínicos (resposta neuromuscular) (OSWELEIR 1998; RADOSTITS 1994; ROSENBERGER 1975). Os efeitos muscarínicos caracterizam-se por salivação, diarréia, protrusão da língua, dispnéia estertorosa, miose, cianose e timpanismo (RADOSTITS 1994; ROSENBERGER 1975). Os efeitos nicotínicos manifestam-se por tremores musculares, tetanias, rigidez muscular, apatia, e paralisia flácida (RADOSTITS 1994; ROSENBERGER 1975). Nos casos agudos as primeiras alterações clínicas surgem 1-2 horas após o contato com o produto. Alguns compostos, principalmente os carbamatos, podem produzir sinais de intoxicação mais tardios, entre 848 horas (ROSENBERGER 1975). Nos casos não letais a recuperação em geral ocorre em até 48 horas (JUBB et al. 1993; ROSENBERGER 1975). A intoxicação subaguda pode ocorrer com o uso de pequenas quantidades por vários dias, sendo observadas manifestações moderadas de toxicidade (OSWELEIR 1998). A intoxicação crônica ocorre quando houver uso prolongado de organofosforados. Nesse caso ocorre axonopatia distal dos neurônios longos da medula oblonga, levando a paralisia flácida. A intoxicação crônica por carbamatos raramente ocorre (OSWELEIR 1998). Não há lesões macroscópicas significativas. Podem ocorrer hemorragias na subserosa e submucosa do intestino e bexiga, congestão e edema pulmonares (JUBB et. al 1993; ROSENBERGER 1975). A principal lesão histológica é degeneração axonal principalmente da parte distal dos axônios nos nervos periféricos e tratos espinhais, caracterizada por edema e perda de mielina (JONES & HUNT 1983 . JUBB et. al 1993). Pode ocorrer, também, degeneração hepática e renal (JUBB et. al 1993). Nos casos de intoxicação crônica, observados em Santa Catarina, foram encontradas apenas lesões microscópicas caracterizadas por edema axonal e necrose de neurônios da medula oblonga. Os sinais clínicos, principalmente, salivação, tremores musculares, miose e respiração ruidosa, são sugestivos de intoxicação por organofosforados e carbamatos. A averiguação do uso desses produtos na propriedade é fundamental. A avaliação da colinesterase presente no sangue e tecidos pode ser útil para o diagnóstico, embora, oscile de acordo com o tempo e quantidade do produto ingerido. Um aumento da concentração de fosfotionato 0,0-dietil (DEPT) na urina é de extrema importância para confirmação do diagnóstico. No município de Castanhal estado do Pará foi diagnosticado um surto de intoxicação por um produto à base de 60% de organofosforado (DDVP) e 5% de cipermetrina diluído com óleo vegetal comestível na proporção de 1:2, aplicando-se 20ml dessa mistura por cabeça na região dorso-lombar (pour on). O aparecimento dos sintomas foi evidenciado durante a aplicação da mistura, caracterizados por diversas alterações posturais, tais como; decúbito esternal com a cabeça voltada para o flanco em postura de auto–auscultação, decúbito esternal com os membros posteriores estendidos para trás, decúbito esternal com pescoço em S, decúbito esternal com o pescoço estendido para frente e com o queixo apoiado no solo e decúbito lateral. Todos os animais apresentavam sintomas de hiperexcitabilidade, This manuscript is reproduced in the IVIS website with the permission of Associação de Buiatria de Minas Gerais (ABMG). II Simpósio Mineiro de Buiatria 06 a 08 de outubro de 2005 II Minas Gerais Buiatrics Symposium October 6th to 8th, 2005 Belo Horizonte, Minas Gerais – Brasil inclusive com agressividade, tinham tremores musculares principalmente na região escapular, do flanco e das coxas, balançavam desordenadamente a cabeça, lambiam o solo com movimentos rápidos e bruscos da língua, tinham salivação abundante, eliminavam líquido espumoso pelas narinas e tinham miose. À necropsia foi observado edema pulmonar, e, congestão do pulmão e da mucosa do intestino delgado (BARBOSA 2004). Em caso de exposição dérmica com organofosforados e carbamatos, o animal deve ser lavado com água e sabão. A administração de atropina na dosagem de 0,1-0,5mg/kg é eficaz para os sinais muscarínicos, mas não reverte sinais nicotínicos (OSWELEIR 1998; ROSENBERGER 1975). Essa dosagem pode ser repetida a cada 6 horas caso os sinais muscarínicos retornem (OSWELEIR 1998). Em casos graves é recomendado usar metade da dose de atropina por via endovenosa lenta e a outra parte por via intramuscular (ROSENBERGER 1975). Fármacos do grupo oximas são indicados, também, para regeneração da colinesterase (reversão dos sinais nicotínicos). O metiodeto de aldoxima 2piridina (2-PAM) na dose de 50-100mg/kg e/ou de brometo de trimedoxina (DAM) na dosagem de 10-20mg/kg por via endovenosa, tem dado bons resultados. Essas drogas não são eficazes para a intoxicação pelos carbamatos (ROSENBERGER 1975). O carvão ativado é um bom adsorvente e pode ser usado, também, para diminuir a absorção de pesticidas (OSWELEIR 1998). Substâncias como a succinilcolina, tranqüilizantes fenotiazínicos, levamisole, nicotina, curare e antibióticos aminoglicosídeos, que potencializam a ação dos organofosforados (OSWELEIR 1998), não devem ser utilizados em casos de intoxicação por estes últimos. Para profilaxia devem ser seguidas rigorosamente as recomendações para cada produto. Animais tratados com organofosforados e/ou carbamatos devem ter acesso à água em abundância (RADOSTITS 1994; ROSENBERGER 1975) e alimentação fibrosa, pobre em proteína (ROSENBERGER 1975). INTOXICAÇÃO POR CLOSANTEL Closantel é um antiparasitário da classe dos salicilanilídeos, que atua desacoplando a fosforilação oxidativa. Pelas vias oral e intramuscular tem ação contra Haemonchus contortus, Fasciola hepatica e Oestrus ovis. O closantel e a rafoxanida, que são compostos similares, quando administrados em doses superiores às recomendadas, causam cegueira, com degeneração da retina e edema intramielínico do nervo óptico e outras áreas do sistema nervoso central (GILL et al. 1999). A intoxicação por closantel afeta ovinos e caprinos e ocorre com doses de, pelo menos, duas vezes as recomendadas (GILL et al. 1999); no entanto, casos de intoxicação podem ocorrer, também, em rebanhos tratados com as doses recomendadas, calculadas com base no animal mais pesado (GILL et al. 1999). Um surto de intoxicação foi diagnosticado, no Rio Grande do Sul, em um rebanho de 27 caprinos de 7-8 meses de idade que foram tratados com closantel com uma dose 10 vezes superior à recomendada. Sete animais morreram, 5 foram sacrificados e outros se recuperaram dos sinais clínicos agudos, mas ficaram cegos (ECCO et al. 1999). Com doses 2-5 vezes maiores que as recomendadas os sinais clínicos caracterizam-se por cegueira, dilatação da pupila e, ocasionalmente, andar em círculos. A cegueira é detectada 2 dias a 2 semanas após a administração (GILL et al. 1999). Com doses 10 vezes superiores This manuscript is reproduced in the IVIS website with the permission of Associação de Buiatria de Minas Gerais (ABMG). II Simpósio Mineiro de Buiatria 06 a 08 de outubro de 2005 II Minas Gerais Buiatrics Symposium October 6th to 8th, 2005 Belo Horizonte, Minas Gerais – Brasil às recomendadas podem observar-se, também, depressão acentuada, gemidos, perda da motilidade dos membros, decúbito lateral, dor abdominal, fraqueza dos membros, sensibilidade cutânea e nistagmo ocasional. Ao exame oftálmico há midríase bilateral, ausência de reflexo pupilar à luz e cegueira bilateral, com degeneração aguda da retina, edema e hemorragia da papila (ECCO et. al 1999). Geralmente, não há lesões macroscópicas exceto o estreitamento do segmento intracanalicular do nervo ótico (GILL et al. 1999). Edemas do tecido adiposo pericárdico e perirrenal e coloração amarelada do fígado, principalmente do lobo hepático medial esquerdo, ocorrem em caprinos intoxicados com altas doses (ECCO et. al 1999). As lesões histológicas caracterizam-se por degeneração da retina com degeneração das células da camada nuclear interna e das células fotorreceptoras, picnose e perda de células na camada nuclear externa e perda de neurônios da camada ganglionar (ECCO et. al 1999, GILL et al. 1999). Em casos crônicos as lesões degenerativas e a perda de células nas diferentes camadas são mais marcadas e encontram-se macrófagos repletos de pigmento no espaço sub-retinal (GILL et. al 1999). As lesões do nervo óptico caracterizam-se por edema intramielínico (ECCO et. al 1999, GILL et al. 1999). Posteriormente, em conseqüência da compressão, observa-se necrose, infiltração de macrófagos espumosos e fibrose da porção intracanalicular do nervo; e, em conseqüência da perda de células ganglionares, há degeneração Walleriana (GILL et al. 1999). Edema intramielínico, preferentemente perivascular e perineuronal, é observado também no trato ótico e na substância branca de outras regiões do sistema nervoso, incluindo pedúnculos cerebelares, cerebelo e tronco encefálico (ECCO et. al 1999, GILL et al. 1999). Lesões hepáticas caracterizadas por degeneração e necrose de hepatócitos podem ocorrer (ECCO et al. 1999). O diagnóstico realiza-se pelos antecedentes de tratamento dos animais com closantel e pelos sinais clínicos e lesões histológicas característicos. Deve ser realizado o diagnóstico diferencial com a intoxicação por outras drogas que causam cegueira como a rafoxanida e o hexacloretano. Não há tratamento eficiente para os animais intoxicados e a cegueira é permanente; no entanto outros sinais nervosos podem ser parcialmente reversíveis. Para prevenir a intoxicação deve-se calcular corretamente de a dose closantel a ser aplicada. INTOXICAÇÃO POR CHUMBO A intoxicação por chumbo (Pb) ocorre quando os animais ingerem acidentalmente produtos que contêm chumbo (baterias, tintas, óleo ou graxa de motores de carros ou máquinas agrícolas, canos de Pb). Outra fonte de contaminação é a ingestão de pastagens em áreas próximas a indústrias que poluem por chumbo ou, a estradas com muito trânsito de veículos nos países onde continua sendo utilizada gasolina com Pb. Os animais mais afetados são os bovinos, principalmente jovens; isto por que o comportamento curioso e a tendência a lamber ou ingerir objetos estranhos os leva a ingerir esses produtos contendo chumbo. A intoxicação ocorre, também, em eqüinos, ovinos e caprinos. Além de ocorrer pela via oral, a intoxicação pode ocorrer, pela via respiratória devido à inalação de vapores de chumbo. No Uruguai um surto de intoxicação por chumbo foi causado pela presença, no campo, de isolantes para cerca elétrica, que estavam quebrados e continham chumbo (BLANC et al. 1999). This manuscript is reproduced in the IVIS website with the permission of Associação de Buiatria de Minas Gerais (ABMG). II Simpósio Mineiro de Buiatria 06 a 08 de outubro de 2005 II Minas Gerais Buiatrics Symposium October 6th to 8th, 2005 Belo Horizonte, Minas Gerais – Brasil No Brasil, a intoxicação foi descrita em eqüinos, no Vale do Paraíba, São Paulo, em uma propriedade situada próxima a uma indústria de processamento e recuperação de chumbo industrial. A doença aconteceu, provavelmente, devido a inalação prolongada de vapores de chumbo e pela ingestão prolongada de pastagens contaminadas. Em Santa Catarina a doença foi diagnosticada em bovinos que pastoreavam ao lado de um depósito de placas de baterias (GAVA et al. 1992). Mais recentemente, um outro surto ocorreu, também, em bovinos mantidos em uma pastagem de aveia próxima a uma fábrica de baterias, cujos resíduos da fumaça eram depositados nas redondezas. Uma lavoura de milho que havia nesse mesmo local foi utilizada para silagem e, posteriormente, ao ser usada para alimentação de bovinos, provocou intoxicação e morte em vários animais (Celso Pilati, dados não publicados). Outro surto de intoxicação por chumbo, proveniente de resíduos de bateria, foi observado no Paraná, em um grupo de 45 bovinos dos quais morreram 11 (RIBEIRO et al. 1999). Casos de intoxicação por chumbo têm sido diagnosticados, também, nos Estados do Rio de Janeiro, Pará e Maranhão (Diomedes Barbosa, comunicação pessoal). Os sinais clínicos em bovinos e outros ruminantes podem ser agudos ou subagudos. Na forma aguda alguns animais podem ser encontrados mortos e outros morrem em 12-24 horas. Na forma subaguda há uma sobrevivência de 4-5 dias. Os sinais são preferentemente nervosos, podendo observar-se tremores musculares, cegueira, incoordenação, agressividade ou depressão, pressão da cabeça contra obstáculos, sonolência, ranger de dentes, nistagmo espontâneo, opistótono e convulsões tônico-clônicas. Além da cegueira, um sinal clínico característico da intoxicação é a fasciculação dos músculos da face, pescoço e orelhas. Observam-se, ainda, anorexia, atonia ruminal e diarréia fétida (RADOSTITS et al. 1994; ROSENBERGER et al. 1975). Pode ocorrer, também, salivação, andar em círculo, mugidos e movimentos mastigatórios (GAVA et al. 1992). Na necropsia não são observadas lesões significativas. As lesões mais características localizam-se no córtex cerebral, principalmente na região occipital, onde podem ocorrer amolecimento, cavitação e coloração amarelada da substância cinzenta (RADOSTITS et al. 1994). Podem ocorrer abomasite e enterite, assim como coloração marron-acinzentada dos lábios e mucosas da cavidade oral, pré-estômagos e abomaso (ROSENBERGER et al. 1975). Na histologia pode ocorrer necrose do córtex cerebral, principalmente na parte superior das circunvoluções cerebrais. No rim, corpúsculos de inclusão podem ser encontrados nas células epiteliais dos túbulos. Esta lesão é considerada caraterística da intoxicação Deve suspeitar-se de intoxicação por chumbo em todos os casos nos quais se observam sinais nervosos incluindo cegueira. Nestes casos devem procurar-se possíveis fontes de intoxicação por chumbo. O diagnóstico deve ser confirmado através da determinação dos níveis deste elemento no sangue ou vísceras de animais afetados. Em bovinos e eqüinos normais podem ser encontrados níveis sangüíneos de 0,05 a 0,25ppm de chumbo por 100ml de sangue. Em animais intoxicados os níveis sangüíneos são superiores a 0,3ppm (RADOSTITS et al. 1994). Os níveis de chumbo podem ser determinados nos rins e fígado. Níveis renais superiores a 25ppm e hepáticos superiores a 10-20ppm demonstram a ocorrência da intoxicação (RADOSTITS et al.1994; ROSENBERGER et al. 1975). Em bovinos deve realizar-se o diagnóstico diferencial com a polioencefalomalacia, causada pelas intoxicações por enxofre ou cloreto de sódio ou pela carência de tiamina, da encefalite por herpesvírus bovino-5 e da forma nervosa da intoxicação por Phalaris spp.. This manuscript is reproduced in the IVIS website with the permission of Associação de Buiatria de Minas Gerais (ABMG). II Simpósio Mineiro de Buiatria 06 a 08 de outubro de 2005 II Minas Gerais Buiatrics Symposium October 6th to 8th, 2005 Belo Horizonte, Minas Gerais – Brasil O tratamento é pouco eficiente, mas recomenda-se a administração intravenosa de agentes quelantes como o versenato de cálcio e edetato dissódico de cálcio. Em bovinos pode ser realizada ruminotomia para retirar o alimento do rúmen junto com resíduos de chumbo. Para a profilaxia é importante evitar deixar ao alcance dos animais materiais que contenham chumbo, e não utilizar pastagens próximas a indústrias que utilizam este metal. REFERÊNCIAS Barbosa, J. D.; Oliveira, C. M. C.; Peixoto, P. V.; Tokarnia, C. H.. Intoxicação e Natural por Ipomoea asarifolia (Convolvulaceae) em Búfalos e Outros Ruminantes. Blanc J., Rivero R., Rampoldi O., Moraes J., Kutz S. 1999. Intoxicación por plomo en vacas Holando. Anais. Jornadas Uruguayas de Buiatría, 27, Paysndú, Uruguai. p. 43-45. Ecco R., Gava A., Graça D.L., Barros C.S.L. 1999. Intoxicação por closantel em caprinos. Anais. Encontro Nacional de Patologia Veterinária, 9, Belo Horizonte MG, p. 91. Figueiredo L.J.C., Távora J.P.F., Ferreira M.M., Simões S.D., Dantas J. 1995/96. Estudo clínico e anatomopatológico da doença “Cara Torta” em bovinos do nordeste brasileiro. Arq. Esc. Med. Vet. 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