Sexualidade e Pessoas com Deficiência Física: Breves
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Sexualidade e Pessoas com Deficiência Física: Breves
“Culturas, Religi•es e Sexualidades nos Tempos Modernos” IV CONIEC 22-24 de setembro de 2009 Sexualidade e Pessoas com Defici€ncia F•sica: Breves considera‚ƒes a partir das “Mem…rias P…stumas de Br†s Cubas” sobre Eug€nia. (Comunica‚ˆo Individual) Francysco Pablo Feitosa Gon‚alves1 [email protected] RESUMO A forma como a sociedade trata as pessoas com deficiƒncia „ no m…nimo controversa; oficialmente tais pessoas possuem os mesmos direitos dos n•o-deficientes, em alguns casos chegando inclusive a receber prote€•o legal no aparente intuito de facilitar a sua inser€•o †til e digna na sociedade. A pr‡xis social, entretanto, parece caminhar em sentido contr‡rio, j‡ que tais pessoas aparentemente s•o postas em segundo plano, n•o lhe sendo dispensado um tratamento sequer idƒntico ao que se d‡ aos n•odeficientes; este processo de apartheid da pessoa com deficiƒncia se evidencia quando se pensa na quest•o da sexualidade da pessoa com deficiƒncia, notadamente na forma como as pessoas n•o-deficientes lidam com as pessoas com deficiƒncia e como isso se traduz, por exemplo, em manifesta€ˆes liter‡rias. Nesta perspectiva, o presente trabalho tem como objetivo realizar breves considera€ˆes sobre a quest•o da sexualidade da pessoa com deficiƒncia em di‡logo com a literatura, para tanto partiu-se de “MemŠrias PŠstumas de Br‡s Cubas”, cujo autor, ali‡s, era deficiente. Dentro da referida obra, procurou-se enfatizar a rela€•o entre a personagem principal e a personagem Eugƒnia bem como, tentando identificar as formas como a deficiƒncia desta †ltima repercutia na referida rela€•o. Considerando que a literatura „ meio h‡bil para revelar modelos variados de como se pode compreender a subjetividade social, a partir da an‡lise de excertos da referida obra se espera fornecer elementos para a compreens•o da rela€•o entre sociedade e deficiƒncia, negando a sexualidade das pessoas com deficiƒncia, e rotulando aqueles que se sentem atra…dos por tais pessoas como devotees, caracter…stica que inclusive „ considerada parafilia. Partindo da literatura, a pesquisa em quest•o visa estabelecer, numa perspectiva sistƒmica, um di‡logo com outras ‡reas do conhecimento. 1 Mestrando em Direito pela Universidade CatŠlica do Pernambuco – UNICAP, onde desenvolve pesquisa intitulada “Sociedade, Educa€•o e Pessoas com Deficiƒncia”, orientado pelo Prof. Dr. Jayme Benvenuto – Bolsista CAPES/PROSUP. Associa€•o Brasileira de Estudos Comparativos – ABRAEC MLI-Universidade Estadual da Paraiba “Culturas, Religi•es e Sexualidades nos Tempos Modernos” IV CONIEC 22-24 de setembro de 2009 Palavras-chave: Sexualidade – Literatura – Pessoas com Defici€ncia 1 INTRODUŠ‹O Como se sabe, em muitas das sociedades contemporŒneas existe um discurso no sentido da integra€•o das pessoas com deficiƒncia, que por vezes gozam de um status de igualdade pretensamente assegurado em argumentos oficiais, científicos (a concep€•o de deficiƒncia enquanto modelo social) e jurídicos, pense-se, neste sentido, na prote€•o constitucional das pessoas com deficiƒncia (Cf. ARA•JO, 2003; e, dentre outros artigos da CONSTITUIŽ•O DA REP•BLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988: art. 7•, XXXI; art. 23, II; art. 24, XIV; art. 37, VIII; art. 203, IV, etc.). Nem sempre, contudo, tais argumentos oficiais traduzem a materialidade das rela€ˆes sociais — pense-se, por exemplo, nas diversas formas de estigmatiza€•o e exclus•o ilegais que ainda existem em rela€•o a negros, mulheres, homossexuais, pessoas com deficiƒncia, etc. Nesta perspectiva „ que se escolheu a tem‡tica da sexualidade das pessoas com deficiƒncia, tomando sexualidade para al„m de uma concep€•o restrita, necessariamente ligada a busca imediata de prazer, ou de sexo propriamente dito, mas em uma acep€•o ampla, referindo-se as caracter…sticas mais …ntimas do ser humano, vinculada ’s no€ˆes e sentimentos de atra€•o, desejo, afeto, etc., bem como ao direito ou aptid•o de manifest‡-los. Para o presente estudo parte-se basicamente de dois pressupostos; o primeiro „ que a forma como a sociedade constrŠi modelos referentes a sexualidade (o que „ normal e anormal, desej‡vel e indesej‡vel, aceit‡vel e inaceit‡vel, etc.) „ capaz de revelar rela€ˆes subjetivas de apartheid e subalternização; o segundo „ que a literatura „ meio h‡bil para revelar modelos variados de como se pode compreender as rela€ˆes sociais. Com base em tais pressupostos e a partir da an‡lise de excertos de MemŠrias PŠstumas de Br‡s Cubas, espera-se fornecer elementos para a compreens•o da forma Associa€•o Brasileira de Estudos Comparativos – ABRAEC MLI-Universidade Estadual da Paraiba “Culturas, Religi•es e Sexualidades nos Tempos Modernos” IV CONIEC 22-24 de setembro de 2009 com a sociedade encara a quest•o da sexualidade da pessoa com deficiƒncia e daqueles que se sentem atra…dos por tais pessoas. Para a consecu€•o dos objetivos tra€ados, a obra em quest•o ser‡ analisada com base no cânone da autonomia do objeto, vale dizer, intenciona-se a propositura de uma reflex•o que n•o estar ‡ necessariamente presa ’ eventual preocupa€•o do autor em foment‡-la. Parte-se do pressuposto que toda interpreta€•o capaz de identificar o que est‡ nas linhas ou entrelinhas „ um esfor€o v‡lido. 2 MACHADO DE ASSIS E O MOTE DO PRESENTE TRABALHO Dentre as v‡rias razˆes que justificariam a escolha do autor e da obra em quest•o como ponto de partida, est‡ o fato de que Machado de Assis, certamente um dos mais expressivos autores da literatura universal, tinha uma deficiƒncia f…sica que certamente influiu na constitui€•o de sua personalidade e que talvez tenha se refletido em seus escritos. Segundo revelam seus biŠgrafos, ele era epil„tico, condi€•o que remontava a sua infŒncia e de que muito se envergonhava, a qual ele se referia apenas como “umas coisas esquisitas”, (MACHADO, 1996, p. 13) e que escondeu at„ mesmo de sua esposa: “Logo nos primeiros tempos de casado, sofreria Machado um ataque do mal que seria a maior tortura de sua vida: a epilepsia — doen€a que jamais confessara ’ mulher sofrer.” (IBIDEM, p. 28) Ademais, a obra MemŠrias PŠstumas de Br‡s Cubas, especificamente, conv„m lembrar que se trata um marco do notŠrio pessimismo machadiano, seu tom cr…tico — ‡cido — se presta a justamente tra€ar um panorama dos v…cios da sociedade da „poca, um panorama, que como se ver‡, em alguns pontos se mostra bem atual. N•o por acaso Jos„ Guilherme Merquior encerra seu estudo ’ guisa de pref‡cio, afirmando categoricamente que “Br‡s Cubas é um livro no qual o aspecto fortemente retórico do estilo reforça a energia mimética da linguagem, o seu poder de imitar e fingir (ficção) a Associa€•o Brasileira de Estudos Comparativos – ABRAEC MLI-Universidade Estadual da Paraiba “Culturas, Religi•es e Sexualidades nos Tempos Modernos” IV CONIEC 22-24 de setembro de 2009 variedade concreta da vida.”(1994, p. 7) E „ justamente nesta perspectiva que se propˆe uma leitura da obra em quest•o, notadamente no que diz respeito ’ personagem Eugƒnia, em breve paralelo com trabalhos espec…ficos sobre a sexualidade da pessoa com deficiƒncia, a fim de identificar algumas nuances da forma como a sociedade trata a sexualidade das pessoas com deficiƒncia. 3 BRÁS CUBAS: UM DEVOTEE EM SUA FUGAZ RELAÇÃO EUGÊNIA? A personagem principal e que d‡ t…tulo a obra que „ o mote do presente trabalho pode ser definido como algu„m extremamente comodista e de escr†pulos question‡veis, ou, melhor dizendo e nas suas próprias palavras: N•o se conclua daqui que eu levasse todo o resto da minha vida a quebrar a cabe€a dos outros nem a esconder-lhes os chap„us; mas opini‡tico, ego…sta e algo contemptor dos homens, isso fui; se n•o passei o tempo a esconder-lhes os chap„us, alguma vez lhes puxei pelo rabicho das cabeleiras. (MACHADO DE ASSIS,1994, p. 33) Dentre as passagens em que ego…smo de Br‡s fica especialmente evidente, uma merece destaque, trata-se da vingan€a praticada contra o “Dr. Vila€a, glosador insigne,” que apŠs um jantar desatou a pedir motes, davam-lho, e ele os glosava, provocando grande admira€•o entre os presentes. Enquanto isso Br‡s, ainda crian€a, “solit‡rio e deslembrado, a namorar certa compota” de sua paix•o. Como as glosas n•o acabavam e a sobremesa n•o era servida, Br‡s viria a pedi-la, inicialmente em voz baixa, depois aos gritos e batendo os p„s, no que, ao contr‡rio de suas prŠprias expectativas, n•o foi atendido: Meu pai, que seria capaz de me dar o sol, se eu lho exigisse, chamou um escravo para me servir o doce; mas era tarde. A tia Emerenciana arrancarame da cadeira e entregara-me a uma escrava, n•o obstante os meus gritos e repelˆes. (MACHADO DE ASSIS,1994, p. 37) Associa€•o Brasileira de Estudos Comparativos – ABRAEC MLI-Universidade Estadual da Paraiba “Culturas, Religi•es e Sexualidades nos Tempos Modernos” IV CONIEC 22-24 de setembro de 2009 O atraso na sobremesa e a repreens•o seriam suficientes para que Br‡s arquitetasse uma vingan€a, a pior que p“de conceber, contra o glosador: N•o foi outro o delito do glosador: retardara a compota e dera causa ’ minha exclus•o. Tanto bastou para que eu cogitasse uma vingan€a, qualquer que fosse, mas grande e exemplar, coisa que de alguma maneira o tornasse rid…culo. Que ele era um homem grave o Dr. Vila€a, medido e lento, quarenta e sete anos, casado e pai. N•o me contentava o rabo de papel nem o rabicho da cabeleira; havia de ser coisa pior. Entrei a espreit‡-lo, durante o resto da tarde, a segui-lo, na ch‡cara, aonde todos desceram a passear. Vi-o conversar com D. Eus„bia, irm• do sargento-mor Domingues, uma robusta donzelona, que se n•o era bonita, tamb„m n•o era feia. (...) puxou-a para si; ela resistiu um pouco, mas deixou-se ir; uniram os rostos, e eu ouvi estalar, muito ao de leve, um beijo, o mais medroso dos beijos. — O Dr. Vila€a deu um beijo em D. Eus„bia! bradei eu correndo pela ch‡cara. Foi um estouro esta minha palavra; a estupefa€•o imobilizou a todos; os olhos espraiavam-se a uma e outra banda; trocavam-se sorrisos, segredos, ’ socapa, as m•es arrastavam as filhas, pretextando o sereno. (IBIDEM,1994, p. 37-38) A passagem „ especialmente reveladora do car‡ter de Br‡s por pelo menos duas razˆes; a primeira „ que este ato de vingança, descabido e desproporcional, foi praticado quando o mesmo contava apenas nove anos; a segunda „ que anos mais tarde, como se ver‡, Br‡s intencionaria aplicar a filha de D . Eus„bia o mesmo mote que lhe aplicara o Dr. Vila€a. Tendo se vingado, Br‡s cresceu e mais tarde foi conduzido a Portugal a fim de bacharelar-se e de onde voltaria, relutante, apenas em virtude da doen€a da m•e, que viria a falecer na manh• seguinte a sua chegada. Br‡s, que se assumia como “um fiel compƒndio de trivialidade e presun€•o”, ficaria prostrado em virtude da perda da m•e (MACHADO DE ASSIS, 1994, p. 46-56). Em meio ao seu desŒnimo, Br ‡s faria duas descobertas interessantes sobre D. Eus„bia; a primeira era que ela havia tido uma filha Associa€•o Brasileira de Estudos Comparativos – ABRAEC MLI-Universidade Estadual da Paraiba “Culturas, Religi•es e Sexualidades nos Tempos Modernos” IV CONIEC 22-24 de setembro de 2009 com Dr. Vila€a, e que este lhe “deixara um bom legado”; a segunda que D. Eus„bia havia vestido a sua m•e defunta, e em agradecimento a este ato, mesmo recordando sua vingan€a de anos atr‡s, Br‡s achou por bem fazer-lhe uma visita. (IBIDEM) ” quando conhece Eugƒnia, a quem ele intimamente denomina de flor da moita: Eugƒnia, a flor da moita, mal respondeu ao gesto de cortesia que lhe fiz; olhou-me admirada e acanhada, e lentamente se aproximou da cadeira da m•e. A m•e arranjou-lhe uma das tran€as do cabelo, cuja ponta se desmanchara. — Ah! travessa! dizia. N•o imagina, doutor, o que isto „... E beijou-a com t•o expansiva ternura que me comoveu um pouco; lembrou-me minha m•e, e, — direi tudo, — tive umas cŠcegas de ser pai. — Travessa? disse eu. Pois j‡ n•o est‡ em idade prŠpria, ao que parece. — Quantos lhe d‡? — Dezessete. — Menos um. — Dezesseis. Pois ent•o! „ uma mo€a. N•o p“de Eugƒnia encobrir a satisfa€•o que sentia com esta minha palavra, mas emendou-se logo, e ficou como dantes, ereta, fria e muda. Em verdade, parecia ainda mais mulher do que era; seria crian€a nos seus folgares de mo€a; mas assim quieta, impass…vel, tinha a compostura da mulher casada. (IBIDEM, p. 65) Tendo conservado esta boa primeira impress•o de Eugƒnia, Br‡s a reencontra, „ quando denuncia sua atra€•o; Seja de forma sutil, ao reparar na falta de atavios, registrando, por„m, a beleza de suas orelhas: “duas orelhas finamente recortadas numa cabe€a de ninfa” (MACHADO DE ASSIS,1994, p. 64); Seja de forma mais evidente e quase lasciva: Era isso no corpo; n•o era outra coisa no esp…rito. Id„ias claras, maneiras ch•s, certa gra€a natural, um ar de senhora, e n•o sei se alguma outra coisa; sim, a boca, exatamente a boca da m•e, a qual me lembrava o episódio de 1814, e então dava-me ímpetos de glosar o mesmo mote à filha... (MACHADO DE ASSIS, p. 64, grifos nossos) Colocado nessas palavras, quando se pensa na forma como anteriormente Associa€•o Brasileira de Estudos Comparativos – ABRAEC MLI-Universidade Estadual da Paraiba “Culturas, Religi•es e Sexualidades nos Tempos Modernos” IV CONIEC 22-24 de setembro de 2009 Br‡s havia se referido ao episŠdio e ao relacionamento dos pais de Eugƒnia — “Na verdade, fora imposs…vel evitar as rela€ˆes …ntimas do Vila€a com a irm• do sargentomor” (IBIDEM, 1994, p. 57) — conquanto n•o se possa afirmar que Br‡s estivesse apaixonado, fica claro que se sente fisicamente atra…do por Eugƒnia. Logo em seguida, vem o momento em que Br‡s descobre a deficiƒncia de Eugƒnia: Sa…mos ’ varanda, dali ’ ch‡cara, e foi ent•o que notei uma circunstŒncia. Eugƒnia coxeava um pouco, t•o pouco, que eu cheguei a perguntar-lhe se machucara o p„. A m•e calou-se; a filha respondeu sem titubear: — N•o, senhor, sou coxa de nascen€a. Mandei-me a todos os diabos; chamei-me desastrado, grosseir•o. Com efeito, a simples possibilidade de ser coxa era bastante para lhe n•o perguntar nada. Ent•o lembrou-me que da primeira vez que a vi — na v„spera — a mo€a chegara-se lentamente ’ cadeira da m•e, e que naquele dia j‡ a achei ’ mesa de jantar. Talvez fosse para encobrir o defeito; mas por que raz•o o confessava agora? Olhei para ela e reparei que ia triste. (MACHADO DE ASSIS,1994, p. 64-65) Interessante „ que esta descoberta, por si sŠ, n•o „ capaz de acabar com o desejo de Br‡s, que continua enamorado por Eugƒnia, mesmo revelando, num primeiro momento, alguma incapacidade de conciliar os conceitos de atra€•o e beleza ao de deficiƒncia: O pior é que era coxa. Uns olhos tão lúcidos, uma boca tão fresca, uma compostura tão senhoril; e coxa! Esse contraste faria suspeitar que a natureza é às vezes um imenso escárnio. Por que bonita, se coxa? por que coxa, se bonita? (IBIDEM, p. 65, grifos nossos) Para Patr…cia Aparecida de Azevedo, a constru€•o da personagem Eugƒnia se d‡ a partir do casamento entre o belo e o grotesco: “Nela, a id„ia do grotesco est‡ novamente associada ’ dualidade, composta a partir de opostos: Eugƒnia, apesar de bonita, „ coxa.” (2006, p. 34) Adiante, a mesma autora atenta para a forma como a Associa€•o Brasileira de Estudos Comparativos – ABRAEC MLI-Universidade Estadual da Paraiba “Culturas, Religi•es e Sexualidades nos Tempos Modernos” IV CONIEC 22-24 de setembro de 2009 escolha do nome da personagem n•o deixa de carregar uma certa ironia: Sabemos que, em muitos per…odos da histŠria da humanidade, as pessoas que apresentavam defeitos f…sicos como o de Eugƒnia, ou qualquer outra anomalia, deviam ser eliminadas. Al„m da forma grotesca como ela „ descrita, Machado utiliza um outro recurso para refor€ar a imagem da personagem: a ironia. Seu nome pode ser associado ’ eugenia, termo criado e definido por Francis Galton como “o estudo dos agentes sob controle social que podem melhorar ou empobrecer as qualidades raciais das futuras gera€ˆes seja f…sica ou mentalmente”. Segundo Schwarcz (2005), o termo eugenia come€ou a ser utilizado no Brasil por ocasi•o da implanta€•o das faculdades de medicinas. Para os m„dicos do s„culo XIX, “o cruzamento racial” era o grande mal da sociedade brasileira, e por isso deveria ser sanado com a escolha dos pares “perfeitos” para a melhoria da ra€a. Diante destes dados, podemos compreender melhor a condi€•o social em que Eugƒnia „ apresentada. (...) Por ser fruto desse relacionamento condenado aos “olhos” da sociedade, Eugƒnia, como ressaltou Schwarz, era vista com desprezo. E este desprezo „ ainda mais refor€ado pelo narrador por ela apresentar um defeito f…sico. De acordo com o pensamento vigente no s„culo XIX, ela deveria ser exclu…da da sociedade, pois sua “deformidade” poderia causar danos irrevers…veis ’ ra€a humana, visto que, se ela chegasse a casar com Br‡s Cubas, e o casal tivesse filhos, a humanidade estaria sujeita a conviver com pessoas deformadas. Tal fato nos permite compreender que a sociedade n•o via com bons “olhos” pessoas como Eugƒnia por impedir a constru€•o de uma ra€a apenas com pessoas “saud‡veis”, livres das imperfei€ˆes. N•o „ ’ toa que, ao relatar seu encontro com Eugƒnia e sua m•e pela primeira vez, Br‡s Cubas as visita no s…tio vizinho ao seu, localizado no bairro da Tijuca, que era um pouco afastado da Corte. (AZEVEDO, 2006, p. 40-41) Sobre a ambiguidade do nome, pode-se acrescentar que o nome da personagem Eugƒnia foi constru…do de forma duplamente irônica, posto que Eugênia pode sugerir tamb„m de bom nascimento, de nobre estirpe (Cf. BOAS, 2007, p. 127), enquanto que a personagem em quest•o „ fruto da união ilegítima entre Dr. Vila€a e D. Eus„bia. Ainda em rela€•o ao que diz Patr…cia Azevedo, „ interessante analisar ponderar Associa€•o Brasileira de Estudos Comparativos – ABRAEC MLI-Universidade Estadual da Paraiba “Culturas, Religi•es e Sexualidades nos Tempos Modernos” IV CONIEC 22-24 de setembro de 2009 que o conceito de deficiƒncia vigente ’ „poca era diretamente decorrente das doutrinas da eugenia, e como a Eugƒnia reside com a m•e num s…tio, como que em apartado da sociedade; isto era o que era permitido pelas prŠprias constru€ˆes cient…ficas do s„culo XIX, acentuadamente racistas, “sustentavam a superioridade natural da ra€a branca sobre negros, …ndios e mesti€os” (FARACO, 1996. p. 4). Se „ poss…vel que isto tenha influ…do na constru€•o da personalidade do mulato Machado de Assis (Cf. MACHADO,1996, p. 4 e 10), tamb„m parece razo‡vel pressupor que isto se refletiria em sua obra. Ademais, se os ideais eugƒnicos e a cren€a da superioridade de determinadas ra€as, se era capaz de por em condi€•o de subalternidade negros, …ndios e mesti€os, que dir‡ deficientes. Assim „ que para a „poca o que seria de se esperar era que Br‡s n•o mais se sentisse atra…do por Eugƒnia, curiosamente, n•o „ isto o que ocorre, ele permanece interessado em Eugƒnia, e nada obstante a sua dificuldade inicial em conciliar beleza e deficiƒncia, num momento posterior, Br‡s parece se sentir atra…do pela deficiƒncia de Eugƒnia: Amanheceu chovendo, transferi a descida; mas no outro dia, a manh• era l…mpida e azul, e apesar disso deixei-me ficar, n•o menos que no terceiro dia, e no quarto, at„ o fim da semana. Manh•s bonitas, frescas, convidativas; l‡ embaixo a fam…lia a chamar-me, e a noiva, e o Parlamento, e eu sem acudir a coisa nenhuma, enlevado ao pé da minha Vênus Manca. Enlevado „ uma maneira de real€ar o estilo; não havia enlevo, mas gosto, uma certa satisfação física e moral. Queria-lhe, é verdade; ao pé dessa criatura tão singela, filha espúria e coxa, feita de amor e desprezo, ao pé dela sentiame bem, e ela creio que ainda se sentia melhor ao p„ de mim. (MACHADO DE ASSIS,1994, p. 65, grifos nossos) Esta atra€•o vem a ficar ainda mais evidente quando Br‡s tem um r‡pido affair com Eugƒnia, o que par a „poca poderia ser considerado um verdadeiro risco eugênico: Com efeito, foi no domingo esse primeiro beijo de Eugƒnia, — o Associa€•o Brasileira de Estudos Comparativos – ABRAEC MLI-Universidade Estadual da Paraiba “Culturas, Religi•es e Sexualidades nos Tempos Modernos” IV CONIEC 22-24 de setembro de 2009 primeiro que nenhum outro var•o jamais lhe tomara, e n•o furtado ou arrebatado, mas candidamente entregue, como um devedor honesto paga uma d…vida. Pobre Eugƒnia! Se tu soubesses que id„ias me vagavam pela mente fora naquela ocasi•o! Tu, trƒmula de como€•o, com os bra€os nos meus ombros, a contemplar em mim o teu bem-vindo esposo, e eu com os olhos de 1814, na moita, no Vila€a, e a suspeitar que n•o podias mentir ao teu sangue, ’ tua origem... (IBIDEM, p. 65-66) A referƒncia a quando o Dr. Vila€a e D. Eus„bia “tinham penetrado numa pequena moita” e aquele “levava nos olhos umas chispas de vinho e de vol†pia” (IBIDEM, p. 37), al„m de revelar a atra€•o de Br‡s por Eugƒnia, o faz com uma lasc…via — para os padrˆes da obra — que poucas vezes seria equiparada nas descri€ˆes dos encontros amorosos que Br‡s teria com Virg…lia, sua verdadeira amante. Em sentido an‡logo parece ser o entendimento de Lincoln Braga Villas Boas (2007, p. 129), ao classificar o relacionamento de Br‡s e Eugƒnia como uma “pe€a de dosada libertinagem” a qual vem emoldurada, com o que ele denomina “‘requinte perverso’ em sua vers•o s‡dica, pois o sadismo „ bem um dos feitios expressivos da pervers•o.” Nada obstante a atra€•o e o affair, logo se torna claro que Br‡s descarta qualquer possibilidade de uma vida comum com Eugƒnia — aparentemente menos em virtude de sua origem que de sua deficiƒncia — chegando a justificar perante o leitor, de forma ir“nica, o acabar (do relacionamento) com Eugƒnia (Cf. MACHADO DE ASSIS, 1994, p. 66). Interessante registrar que a obra parece autorizar uma interpreta€•o no sentido de que mais do que o fato de Eugƒnia ser “filha esp†ria” (MACHADO DE ASSIS,1994, p. 65), o que realmente aniquilou a atra€•o de Br‡s foi o fato dela ter uma deficiƒncia, o que a tornava apenas digna de “piedade”, nunca de amor. Se a atitude de Br‡s acaba sendo compreens…vel quando se considera a obra um retrato da „poca em que foi escrita, o mesmo se d‡ com a rea€•o de Eugƒnia, que alia o sofrimento ’ resigna€•o e demonstra que ela prŠpria parece se considerar indigna de ser amada em virtude de sua deficiƒncia. (Cf. MACHADO DE ASSIS, 1994, Associa€•o Brasileira de Estudos Comparativos – ABRAEC MLI-Universidade Estadual da Paraiba “Culturas, Religi•es e Sexualidades nos Tempos Modernos” IV CONIEC 22-24 de setembro de 2009 p. 67) Em resumo, „ poss…vel afirmar que para a personagem Br‡s, para a sociedade da „poca — e qui€‡ para a sociedade de hoje — o estigma da deficiƒncia „ tido como se fosse culpa da pessoa com deficiƒncia, como se a deficiƒncia fosse responsabilidade dela — e n•o da sociedade — seria culpa dela, Eugƒnia, ent•o, o fato de que “manquejaria pela estrada da vida e do amor” (IBIDEM, p. 68). Na segunda, e †ltima vez que Eugƒnia „ lembrada, um Br‡s j‡ velho se encontra filiado a uma Ordem, e est‡ a distribuir esmolas e fazer caridade — o que n•o quer dizer, de forma alguma, que seu car‡ter se tornou melhor com a idade — e, por essa „poca, reencontra Eugƒnia “t•o coxa como a deixara, e ainda mais triste.” (MACHADO DE ASSIS,1994, p. 68) Neste relato de uma Eugƒnia que continuava coxa e triste, Br‡s acaba confirmando sua prŠpria previs•o de que ela seguiu “pela estrada da vida, manquejando da perna e do amor”(IBIDEM, p. 68), mais do que isso, vivia ainda • parte da sociedade, antes em um s…tio agora em um corti€o. (Este sutil apartheid tamb„m „ percebido por AZEVEDO, 2006, p. 34) Como se vƒ, a obra de Machado de Assis acaba denunciando o tratamento dado pela sociedade a pessoa com deficiƒncia no que concerne ’ possibilidade de construir relacionamentos baseados no afeto sincero e na atra€•o f…sica, que lhe possibilitem sequer ter uma vida sexual. 4 SOCIEDADE, DEFICIÊNCIA E SEXUALIDADE Como j‡ foi dito, a sociedade contemporŒnea „ marcada pela igualdade formal de direitos e oportunidades entre todas as pessoas, independentemente de credo, cor, orienta€•o sexual ou de possuir, ou n•o, alguma deficiƒncia. A pr‡tica, contudo, „ diversa e mesmo que o discurso oficial seja no sentido de n•o-discrimina€•o ’ pessoa Associa€•o Brasileira de Estudos Comparativos – ABRAEC MLI-Universidade Estadual da Paraiba “Culturas, Religi•es e Sexualidades nos Tempos Modernos” IV CONIEC 22-24 de setembro de 2009 com deficiƒncia, ainda existe uma memória coletiva — num sentido halbwachiano — a qual encerra a constru€•o social do apartheid da pessoa com deficiƒncia. Esta existƒncia em apartado da pessoa com deficiƒncia se revela, subjetivamente quando se pensa na sexualidade de tais pessoas, ou, mais especificamente, quando n•o se pensa nelas como pessoas capazes de sentir desejo. A este propŠsito esclarecedoras s•o as li€ˆes de Ana Rita de Paula, Mina Regen e Penha Lopes (2005, p.9): Crescer, apaixonar-se, namorar, transar. ” o que se espera de todas as pessoas. Ou quase todas. Quando nos deparamos com algu„m que se locomove em uma cadeira de rodas ou carrega as sequelas de uma paralisia cerebral, dificilmente imaginamos que este ser humano possa sentir desejo e se relacionar sexualmente. Erotismo e deficiƒncia s•o termos que parecem n•o combinar quando postos lado a lado. Se, por acaso, ele disser que mant„m rela€ˆes sexuais, em geral reagimos com desconfian€a ou pena. Primeiro, por duvidar que algu„m possa sentir atra€•o por uma pessoa deficiente: „ mais prov‡vel que esteja se aproveitando ou obtendo alguma vantagem. Segundo, por supor que o interlocutor esteja fantasiando ou mentindo. Lamentamos, ent•o, a impotƒncia humana diante das fatalidades que atravessam nossas vidas. Conv„m perceber que esta dissocia€•o de deficiƒncia e sexualidade, sutilmente presente na descri€•o da personagem Eugƒnia, digna de piedade e n•o de amor, „ lugar comum na sociedade contemporŒnea. Tal dissocia€•o,a exemplo da rela€•o entre Br‡s e Eugƒnia, acaba por conter algum requinte perverso (para usar a express•o de BOAS, 2007, p. 129), porquanto tais pessoas vivem em meio a uma constru€•o social onde h‡ a expectativa de envolvimentos f…sico-afetivos, sendo que para elas, o que a sociedade reserva „ uma existência assexuada — pense-se na Eugƒnia j‡ velha, aparentemente sozinha e infeliz num sub†rbio. Esta perspectiva de uma existƒncia assexuada atinge a pessoa com deficiƒncia, que passa a acreditar n•o ser mais merecedora de uma vida sexual ativa, o n•o-sexo aparece como um estigma decorrente da deficiƒncia, conforme revela —ngela Maria Associa€•o Brasileira de Estudos Comparativos – ABRAEC MLI-Universidade Estadual da Paraiba “Culturas, Religi•es e Sexualidades nos Tempos Modernos” IV CONIEC 22-24 de setembro de 2009 Teixeira, falando n•o apenas com a autoridade de quem dedicou uma disserta€•o de mestrado ao acontecer humano diante da deficiência adquirida na fase adulta, mas de quem „, ela mesma, deficiente: A meu ver, a primeira nega€•o da sexualidade nos deficientes f…sicos come€a pelo prŠprio deficiente. Nega-se o ato sexual, nega-se a car…cia pelo imagin‡rio da impotƒncia sexual ou da perda da beleza corporal. N•o se pratica, ou melhor, n•o se permite praticar. Num contexto em que os cuidados corporais prim‡rios dominam a cena, parece imposs…vel a continuidade de ser uma pessoa capaz de dar e receber prazer sexual. (TEIXEIRA, 2006, p. 48-49) O apartheid entre as pessoas com deficiƒncia e as sem deficiƒncia, em rela€•o ’ sexualidade, se torna ainda mais evidente quando se desloca a an‡lise dos primeiros para os segundos, quando se pensa na possibilidade de um ser n•o-deficiente se sentir atra…do por um deficiente — pense-se novamente em Br‡s atra…do por Eugƒnia — por vezes, al„m do pensamento comum, de que o n•o-deficiente “esteja se aproveitando ou obtendo alguma vantagem” (PAULA; REGEN; LOPES, 2005, p.9) do deficiente, considera-se a possibilidade de que tal atra€•o seja, em si mesma, uma anormalidade. De fato, algumas concep€ˆes decorrentes da sociedade eugênica em que Machado de Assis viveu parecem chegar aos dias de hoje, notadamente quando se observa que a atra€•o do n•o-deficiente pelo deficiente „ tratada como uma parafilia. Parafilia proviene del griego para:junto a y filein: amar. A lo largo de la histŠria de la sexolog…a han intentado definir las parafilias como un trastorno bas‡ndose, generalmente, en los conceptos de normalidad e anormalidad de las conductas. De este modo, han existido sinŠnimos y conceptos afines a lo que hoy denominamos parafilias, como perversiones sexuales, anomal…as o alteraciones sexuales, conductas excepcionales, preferencias sexuales y variantes sexuales. (RODR˜GUEZ; S™NCHEZ; P”REZ, 2005, P. 57) A defini€•o citada „ dada em trabalho intitulado Las raras parafilias femininas, no qual os autores apontam, dentre tais parafilias a “Amelotasis: atracciŠn sexual por la Associa€•o Brasileira de Estudos Comparativos – ABRAEC MLI-Universidade Estadual da Paraiba “Culturas, Religi•es e Sexualidades nos Tempos Modernos” IV CONIEC 22-24 de setembro de 2009 ausencia de un miembro”; (2005, p. 64) e a “Dismorfofilia: atracciŠn a personas deformadas.”(2005, p.66) Conv„m perceber como a classifica€•o da atra€•o por deficiƒncias espec…ficas no rol das parafilias acaba revelando sendo sintom‡tico da forma como se trata a sexualidade das pessoas com deficiƒncia. Ainda mais sintom‡tico quando se pensa que a mesma lista cont„m condutas tidas como extremamente reprov‡veis em determinadas culturas, como „ o caso da “Pederastia (del griego paiderast…a)” — descrita pelos autores como sendo: — “excitaciŠn sexual com nišos”, ou, mais especificamente a “Pedofilia: sexo con menores”, (IBIDEM, p.71) que em muitas culturas „ considerada crime. Ou, ainda, parafilias que podem ser tidas como prejudiciais ’ sa†de, como „ o caso da “Apotemnofilia: excitaciŠn por la idea de ser amputado”, da “Coprofilia (coprolagnia): el uso de excremento en la pr‡tica sexual (Ibidem, p.66)” ou mesmo a “Zoofilia (bestialismo): uso de animales en la pr‡tica sexual.” (IBIDEM, p.73) Sem embargo do que se possa dizer a favor ou contra quaisquer destas ditas parafilias — ou qualquer outra — que parecer arbitr‡rio classificar a atra€•o por pessoas com deficiƒncia como parafilia, termo largamente associado a comportamentos de desvio. De fato, parece haver uma grande diferen€a entre sentir atra€•o por algu„m com deficiƒncia e se sentir excitado com a ideia de ser amputado. Esta associa€•o se torna ainda mais arbitr‡ria quando se considera que a Medicina fala no tratamento das parafilias, tratando-as, portanto, como doen€as e prescrevendo em certos casos “intervenciones psicoterap„uticas basadas principalmente en t„cnicas conductuales/cognitivas o reg…menes m„dicos basados en el uso de hormonas o de medicamentos psicotrŠpicos. ” — As palavras s•o de M. Muse e G. Frigola, que, a propŠsito, tamb„m incluem em sua lista de parafilias a Apotemnofilia. (La Evaluación y Tratamiento de Trastornos Parafílicos. In Cuadernos de Medicina Associa€•o Brasileira de Estudos Comparativos – ABRAEC MLI-Universidade Estadual da Paraiba “Culturas, Religi•es e Sexualidades nos Tempos Modernos” IV CONIEC 22-24 de setembro de 2009 Psicosomatica y Psiquiatria de Dispon…vel Enlace. on line em: <http://www.editorialmedica.com/archivos/cuadernos/Cuad%20N%C2%BA%2065Trabajo5.pdf>) Se o discurso m„dico ainda encontra espa€o para tratar a atra€•o por determinadas deficiƒncias desta forma, o mesmo se d‡ fora do meio acadƒmico, nos di‡logos coloquiais da vida social propriamente dita, onde se fala basicamente em trƒs categorias: devotees, pretenders e wannabes. Devotees „ como se denominam e s•o denominadas pessoas, independentemente da orienta€•o sexual, que se sentem sexualmente atra…das por pessoas com deficiƒncia, aproximam-se, portanto, do conceito de amelotasis. Pretenders s•o pessoas que sentem atra€•o sexual pela ideia de serem, elas mesmas, ser deficientes, podendo inclusive simular a deficiƒncia publicamente; Wannabes, por sua vez, s•o pessoas que desejam se tornar deficientes. Pretenders e wannabes, por sua vez aproximam-se do conceito Apotemnofilia. H‡ quem compreenda que os devotees s•o uma categoria maior que compreende tamb„m os pretenders e wannabes, „ o caso de Lia Crespo, que ali‡s faz um interessante relato dos preconceitos e mitos da atra€•o por pessoas com deficiƒncia (Cf. Devotees, Pretenders e Wannabes: atração por pessoas com deficiência preconceitos e mitos. Dispon…vel on line em <http://www.bengalalegal.com/devotee.php>) Diante do que se viu at„ agora sobre as defini€ˆes a respeito de quem se interessa sexualmente por pessoas com deficiƒncia, e voltando ao paralelo com MemŠrias PŠstumas de Br‡s Cubas, „ perfeitamente poss…vel afirmar que Br‡s teve seus momentos de devotee, ou, melhor dizendo, que esteve acometido de uma parafilia; o que era especialmente grave quando se considera os valores eugƒnicos vigentes ’ „poca, e que seria, ainda hoje, uma conduta pass…vel de reprova€•o. Associa€•o Brasileira de Estudos Comparativos – ABRAEC MLI-Universidade Estadual da Paraiba “Culturas, Religi•es e Sexualidades nos Tempos Modernos” IV CONIEC 22-24 de setembro de 2009 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Como se vƒ, sem embargo de n•o se ter realizado no presente trabalho uma abordagem completa de MemŠrias PŠstumas de Br‡s Cubas ou da rela€•o entre sociedade e deficiƒncia, „ poss…vel afirmar que Machado de Assis — talvez pelo fato de ele prŠprio ter sido, em seu tempo, uma pessoa com deficiƒncia — realizou uma descri€•o sutil e sobretudo fiel da forma como a sociedade lida com a sexualidade das pessoas com deficiƒncia, ou, melhor dizendo, com a constru€•o social de uma ausƒncia de sexualidade (no sentido amplo anteriormente descritos) inerente a tais pessoas. Tal constru€•o se traduzia e era justificada atrav„s do revestimento de cientificidade dos valores eugƒnicos que vigoravam a „poca, valores que talvez se traduzam ainda hoje, tanto no Œmbito pretensamente cient…fico da defini€•o de parafilia quanto na concep€•o popular de devotee, pois como se viu, existe uma proximidade entre os conceitos em quest•o. A forma como as parafilias s•o concebidas e a diversidade de com portamentos nela englobados, ali‡s, parece apontar no sentido de uma discrimina€•o, ao mesmo tempo arbitr‡ria e cientificamente aceita, porquanto enquadra numa mesma categoria t•o prŠxima a da id„ia de doen€a — ou pelo menos de patologia social — comportamentos aparentemente t•o d…spares, como a atra€•o por pessoas com alguma deficiƒncia f…sica (devotee, apotemnofilia) e condutas que em muitos lugares s•o tipificadas como criminosas (pedofilia) ou tidas como pass…veis de causar preju…zo a sa†de (coprofilia). Conquanto n•o seja objetivo da presente pesquisa subalternizar qualquer conduta ou preferƒncia sexual existente, quer parecer que existe uma diferen€a muito grande de grau entre as parafilias descritas. Tudo o que foi visto nas linhas anteriores parece sugerir, por fim, que sem embargo da existƒncia de um discurso em diversos planos — popular, científico, Associa€•o Brasileira de Estudos Comparativos – ABRAEC MLI-Universidade Estadual da Paraiba “Culturas, Religi•es e Sexualidades nos Tempos Modernos” IV CONIEC 22-24 de setembro de 2009 jurídico, etc. — no sentido da igualdade, isonomia e integra€•o das pessoas com deficiƒncia, tal discurso sucumbe ante a an‡lise da forma como a sociedade — da „poca de Machado de Assis e dos dias atuais — trata a sexualidade da pessoa com deficiƒncia. Tais pessoas ainda parecem estar colocadas em apartheid, da mesma forma como as Memórias de Br‡s n•o concebem a atra€•o normal pela deficiente Eugƒnia, a sociedade parece, ainda hoje, n•o compreender que uma pessoa com deficiƒncia se enquadre nas concep€ˆes referentes a sexualidade dos n•o-deficientes, vale dizer, quem tem uma deficiƒncia fica relegado a uma condi€•o de subalternidade e parece n•o ter o direito de crescer, apaixonar-se, namorar, transar. Por fim, supondo que esta hipŠtese seja verdadeira, o defeito ou deficiƒncia parece estar muito mais na sociedade que constrŠi os modelos de deficiƒncia, exclus•o e parafilia do que nas caracter…sticas de determinadas pessoas. 6. REFERÊNCIAS ARAUJO, Luiz Alberto David de. A Proteção Constitucional das Pessoas Portadoras de Deficiência. 3 ed. Bras…lia: CORDE, 2003. AZEVEDO, Patr…cia Aparecida de. O Belo e o Grotesco em Personagens Femininas de Memórias Póstumas de Brás Cubas. 2006. 123 p. 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