Documentario Álvares Machado - Prefeitura Municipal de Álvares

Transcrição

Documentario Álvares Machado - Prefeitura Municipal de Álvares
ÁLVARES MACHADO
DE OUTRORA
UMA GRANDE MULTIDÃO DE
ROSTOS E PAISAGENS
Fotos: comunidade do Bairro Guaiçara, 1938
Avenida das Américas, em 2006
Prefeito municipal: Luiz Takashi Katsutani.
Vice-prefeito: Athos Boigues.
Secretário Municipal de Educação: Antônio Pereira da Silva.
Presidente da Câmara Municipal: Cecília Setsuko Suzuki Katsutani.
Este livro eletrônico é uma contribuição ao resgate e a preservação da memória
de Álvares Machado, assentada em vestígios que falam das suas diversas
etapas. O que a cidade guarda de si mesma para caracterizar sua personalidade,
afirmar sua identidade e o conhecimento do seu EU como um todo.
Coletar e armazenar informações sobre a história da cidade, e deixá-las disponíveis, significa também produzir fontes para futuras pesquisas. A história da
cidade é parte direta da história do país.
NO TEMPO LONGÍNQUO
A CIDADE NOS SEUS PRIMEIROS PASSOS
Uma cidade erguida no sertão, pelo impulso da vinda da ferrovia e
composta por gente modesta, de origem em toda parte. Era no princípio, e
em suas primeiras décadas, cidade dependente da roça, dos pequenos
sítios de agricultura de subsistência, acessíveis por um emaranhado de
caminhos estreitos e pequenas estradas que iriam ter um importante papel
na expansão sócio-econômica local. Tudo chegava da roça, desde
mantimentos à lenha dos fogões, e por vezes, a própria água de beber.
Por muitos anos Álvares Machado esteve ligada dire- tamente à
lavoura. Isto condicionou o seu povo que custou a perder o caipirismo.
Mas, desde o princípio da fundação do antigo povoado de São Luiz, em
1916, de origem na construção da Estrada de Ferro Sorocabana já se
assistia ali uma grande efervescência.
Eram os trabalhadores da derrubada da floresta, os proprietários de
pequenas glebas, operários que ajudavam o núcleo a nascer do nada,
colocando tijolo sobre tijolo, tábua ao lado de tábua. Os maquinistas de
café, caixeiros-viajantes que em cada visita encontravam mais gente, mais
entusiasmo e mais negócios. Estrangeiros que chegavam dispostos a
eleger o solo na fase embrionária de desbrava-mento sua nova pátria.
Foram necessários muitos anos para a cidade começar a se
modernizar. O fogão aceso a carvão vegetal, por exem- plo, quando surgiu,
substituindo o fogão à lenha causou verdadeira revolução que limpou as
cozinhas da fumaça e da fuligem. Para serem abastecidos vieram as
carvoarias. Depois, a vez dos fabricantes de fogões portáteis de ferro, de
fácil locomoção de um lugar a outro. As primeiras ruas tinham os espaços
divididos pelos burricos carregando os feixes de lenha que ia ser
queimada.
Eram soluções corriqueiras desembarcadas junto com os imigrantes
e se transformavam em novidades incríveis. Em 1924 o comércio
machadense, que apenas emergia, foi saqueado pela tropa revolucionária
do General Isidoro Dias Lopes, mais tarde renascendo das cinzas e
reiniciando a jornada.
Quase nenhuma comida doméstica podia ser guardada sem o risco
de azedar, porque geladeira era coisa restrita dos coronéis, dos seus
principais correligionários e dos fazendeiros que foram surgindo no
percurso. Em meio a tudo isso havia os proprietários de glebas, umas
pequenas, outras maiores, adquiridas dos sucessores de José Theodo-ro
de Souza, primeiro desbravador do Oeste de São Paulo.
A jardineira do precursor Antônio Prado: ligava a cidadezinha à zona rural
A exemplo dos coronéis, os fazendeiros tinham banheiro dentro de
casa, e contíguos, quartos de dormir e de vestir, dotados de grandes
guarda-roupas feitos de marcenaria fina. E mais os gabinetes, uma mistura
de biblioteca com escritório particular, o dormitório de empregada, salas de
jantar, de almoço, de engomar a roupa, copa, ante-sala da cozinha.
Os pobres continuaram pobres, sem ter oportunidade de evoluírem
para uma vida ao menos um pouco melhor. Ao revolvermos a História
encontramos edições de jornais (matérias geralmente pagas) destacando
as mansões dos fazendeiros e dos coronéis. Eram casas funcionando com
a ajuda de criados bem treinados, dentro dos meandros da etiqueta.
Moradias confortáveis em todo o sentido da palavra. Possuíam
cômodos corretamente agenciados. Ia-se de uma área de serviço, de estar
ou repouso, a outra sem invadir a terceira, um perfeito esquema de
corredores e oportunas escadas de serviço. As cozinhas espaçosas e
organizadas racionalmente, por indivíduos especializados nesse ramo.
O táxi pé-de-bode : luxo para a época
Mas não significava uma novidade, pois ricos sempre moraram bem,
dentro da modernidade de cada época, por- que esta sempre se traduz
pelo uso sistemático de tudo que há de bom e de novo.
Às vezes, na mesma região das casas modernas, ficavam as
habitações do povo comum, geralmente construídas com tábuas e de paua-pique. A periferia não tinha denominação correta. E nem podia ser
chamado de cidade aquele lençol de casinholas, uma espécie de
acampamento arranhando o fundo dos terrenos erodidos.
Desde seu princípio Álvares Machado recepcionou uma expressiva
parcela de população pobre, mesmo no auge do café, outra fonte de
riqueza que gerou uma nova leva de milionários. Desde o começo da
formação urbana existia aqui uma gente refinada que se dava ao luxo de
comprar roupa nas grandes capitais.
No entanto, como acontecia no lado paupérrimo também se
confrontava com a ameaça de ter a comida azedada. O refrigerador
elétrico, importado de fabricantes norte-americanos só entrou nas casas a
partir de 1932. E só nas residências ricas, nas casas pobres apenas se
ouvia falar da chegada do lindo aparelho, que possuía o compressor
exposto no alto, fazendo barulho, acordando os velhos de sono leve, toda
vez que o dono o colocava para funcionar.
Mais tarde veio a enceradeira elétrica que substituiu o pesado
escovão feito de ferro fundido que era esfregada comprimindo-a sobre o
assoalho, usando ora um chumaço de palha de aço para raspar e limpar,
ou uma flanela para polir a cera esfregada com a pessoa de joelhos.
Depois surgiu o aspirador de pó, uma novidade do tempo da guerra.
Tudo manipulado pela empregada doméstica, já passando a dormir na
edícula, a novidade essencialmente brasileira. Os habitantes pobres
compravam no armazém ou na quitanda pelo sistema de cadernetas, onde,
no fim do mês, as despesas eram somadas, e na ocasião do recebimen- to,
o comerciante costumava oferecer de brinde uma lata de conserva ou uma
garrafa de vinho.
O açougueiro mandava o menino de bicicleta percorrer a freguesia e
ir anotando a encomenda a ser entregue nas casas no dia seguinte bem
cedinho. Deixou-se de torrar e de moer café em casa, porque apareceram
as torrefadoras que já vendem o café moído. A princípio a idéia não pegou
fácil e torrefadores precisaram mergulhar no saquinho de papel,
escondidos no meio do pó, brindes, como cálices, miniaturas, bibelôs e
pequenas xícaras.
Isso tudo ainda acontecia em meado da década de 30, a época em que
o aparelho receptor de rádio já era usado em uma parte das casas de
Rancharia. Na década anterior o rádio começara a funcionar timidamente
com o emprego de uma pedra galena onde, com duas agulhas e fones nas
ore- lhas, o ouvinte procurava o ponto exato da sintonia.
Nos anos 30 as famílias escutavam empolgadas e em conjunto os
programas musicais e peças teatrais com uma perfeita sonoplastia e já
podia andar nos primeiros táxis, os suntuosos pé-de-bode.
POBRES CONTINUARAM MORANDO MAL. Na casa pobre quase
tudo se realizava em dois, no máximo três cômodos. Ficava-se à vontade
na cozinha, tocava-se viola na cozinha, ouvia-se o radinho na cozinha,
costurava-se na cozinha, as crianças faziam a lição escolar na mesa da
cozinha, toda a família se reunia aos domingos na cozinha para a refeição
e ouvir o jogo de futebol.
Estação de trem em construção: inaugurada em 1919
Aqueles da faixa acima da linha vermelha da pobreza moravam em
cortiços, que se compõem de quartos escuros, divididos por um corredor
descoberto. Registros mostram
porões altos, onde os moradores
cozinhavam e guardavam coisas, inclusive as ferramentas de trabalho.
As vendas em várias prestações melhoraram o quadro, em que se
misturavam promiscuidade e sujeira. Facilitaram a compra de muitas
coisas, permitindo também aos pobres levar para casa o que antes só os
ricos possuíam. Hoje são comuns moradias dotadas de modernos
aparelhos de som, televisão, geladeira, de forno microondas, misturados
aos outros eletrodomésticos. O que, porém, não significa que o proletariado
esteja vivendo de maneira confortável nas suas mal construídas casinhas
de periferia.
E se percebe outra diferença entre o agora e o passado nesses
recantos da cidade. Os vizinhos não são mais do tipo comunitário. Antes,
todos se conheciam, se saudavam, se visitavam, se ajudavam
mutuamente, as ruas eram espaço de lazer muito utilizados. Nelas se
jogava futebol, peteca, rodava pião, pulava corda, amarelinha, soltava
papagaio, namorava, a vizinhança sentava na frente das casas para
conversar, fazia cabanas de galhos na poda das árvores.
Os testemunhos falam do cinema dominical, pois havia o Cine Jardim,
onde está hoje a Praça Getúlio Vargas. O cé-lebre footing na Avenida das
Américas. Havia os bailes públicos, com os salões de madeira abertos
durante o ano todo, a cidade apresentava ao país a Zona do Meretrício
onde geralmente os rapazes se iniciavam sexualmente sem o risco de a
AIDs atacar.
Aliás, não existia AIDS, só o perigo de pegar uma doença venérea, mas
bastava uma injeção cavalar de antibiótico aplicada pelo farmacêutico
amigo, que não contava isso pra ninguém e a moléstia sumia de um dia
para o outro.
As moças de bem raramente saiam de suas casas sem estarem
acompanhadas de um parente, entretanto, havia igualmente as moças de
cabaré, que rapazes e os senhores chamavam de prostitutas de luxo. Ao
contrário do que se assiste atualmente elas não ficavam a garimpar
parceiros pelas ruas. Preferiam o confinamento no bordel.
Essas personagens zelosas Assumiam na sociedade um papel
importantíssimo de entretenimento, ao lado do cine- ma mudo, saudoso
Cine Progresso, que ficava onde está hoje a igreja matriz, com um locutor
narrando o que a fita mostrava e o som levado ao público por um
gramofone. Era uma casa de madeira, onde seu Luiz Bacco, gerente,
cuida-va também de apresentações teatrais, por grupos locais e de fora e
os bailes de sábado à noite. Mais tarde veio o Cine Jardim, instalado na
Praça Getúlio Vargas.
Cine Jardim, em 1942
Com a cachaça ao lado o homem toca viola na cozinha do cortiço
As moças de família não freqüentavam o footing, festa domingueira na
rua principal, porque os pais diziam que aquilo não era coisa de senhoritas
de bem. Mas quando terminava a sessão no cinema, sorrateiramente
passavam no local com aquele jeito de quem nada quer e se deixavam
ambicionar pelos rapazes, que nas idas e vindas rua acima, rua abaixo,
tentavam arrumar namorada.
O alto-falante no alto de um prédio, operado por um orgulhoso locutor
aumentava o encanto da rua, tocando canções românticas e anunciando a
oferta de músicas aos moços e moças desse ambiente que também
acabou.
OS RICOS IAM COMER NO RESTAURANTE ITALIANO, de Luiz
Bacco, que na década de 30, estreou nova atividade, a do cinema, em
Álvares Machado e Rancharia. A prática do lazer estava indissoluvelmente
ligada ao conceito de co- municação humana, sociabilidade, e tinha um
fundamental papel na vida das pessoas.
Avenida das Américas (hoje centro comercial) em 1936
O divertimento era feito em comum, sempre partilhado com outras
pessoas. A conversa nas portas das casas era uma instituição de lazer da
maior importância, sobretudo nos bairros populares e de classe média mais
modesta.
Se o tempo estivesse bom, era só arrastar a cadeira e puxar o
assunto com os vizinhos, sobre o clima, a política, o futebol. A conversa
podia durar até horas, reforçava os laços de vizinhança comunitária. A
informação estava na rua. Só entrou para dentro de casa com a vinda do
rádio e a televisão. Era comum fazer visitas depois do jantar, com as
mulheres ganhando dos homens. Ia-se ver um compadre, um amigo, o
irmão.
Cada moradia tinha os seus habitues que muitas vezes apareciam
quando a família ainda estava em volta da mesa de jantar. Era só arrastar
a cadeira e juntar-se à prosa, se inteirar das novidades. Nas calçadas, nas
ruas, existiam as rodas de conversa, que freqüentadores mais assíduos da
área central identificavam de longe.
Eram rodas de dentistas, comerciantes, proprietários de pequenas
glebas, de estudantes, amigos que se reuniam para um drinque no Bar do
Espiga, ou na casa de um deles.
O cabaré também viveu sua gloriosa época de ouro em Rancharia,
com ênfase maior nos anos 40. Compunha-se de mulheres cheirando talco,
os braços cheios de jóias que ninguém roubava, porque bandido era uma
figura incomum. Orquestras tocando ao vivo e existiam até os cabaretiers
procedentes de Buenos Ayres, na Argentina.
Era uma mistura bem dosada de bar e pista de dança, os homens
compareciam sozinhos, as senhoras e as moças de família nunca
freqüentavam. A dama do cabaré era mulher semi-prostituída cuja função
principal constituía de atiçar o clima para o consumo de cervejas pelos
cavalheiros, ao lado das mariposas. Essa dama, que era dona da casa, só
eventualmente acertava um programa sensual.
Já o bordel também chamado zona do meretrício e onde se podia
chegar viajando em charrete ou no táxi pé-de-bode, consistia de verdadeiro
colégio de mulheres da vida. Elas permaneciam o dia todo ali, sob o olhar
vigilante da cafetina e o controle dos rufiões. Havia casas de todos os
preços e a partir de certa categoria, tinham como batismo o nome da
proprietária: Casa da Sandra, Casa da Débora, Casa da Marta, Casa da
Selma e por aí afora.
O cartaz na calçada... À noite o povo lotava o cinema
O CARNAVAL FOI A UMA ATRAÇÃO ANUAL DA CIDADE no seu
passado longínquo, levando a juntarem-se diferen-tes classes sociais. A
maior expressão concentrava-se na hoje Avenida das Américas. Era o
áureo tempo de escolas de samba e de blocos.
Era uma coisa finíssima. Os carros abertos circulavam lentamente,
moças sentadas na capota, rapazes de pé no estribo, caixas de serpentina
e saquinhos de confete amon- toados no chão do veículo, tudo movido por
um entusiasmo extraordinário e a disciplina que funcionava como marca
registrada da festa.
O chão da rua parecia um enorme lençol de serpentina. As famílias se
cumprimentavam, os mocinhos iam invadir o carro das mocinhas
conhecidas, tudo isso com muito riso, com muitas brincadeiras e blocos
fantasiados.
Os ricos aproveitavam para exibir os seus carrões de luxo, o povo
comum levava banquinhos e cadeiras para colocar nas calçadas,
transportando-os suspensos acima da cabeça. Da mesma forma as festas
familiares tiveram um papel importantíssimo no lazer e na sociabilidade.
Durante dias, vizinhos preparavam croquetes, doces, empadas,
pastéis, para serem consumidos em tais ocasiões. Os adolescentes
organizavam brincadeiras com músicas na sala da frente da casa e todos
se juntavam para dançar.
Ao movimento se associavam as quermesses, que já no fim da
década de 20, ganhavam preferência dos moradores. Eram para arrecadar
dinheiro, a ser usado na construção da igreja matriz.
Podia-se sair de casa, a pé, percorrer grande distância e voltar a pé,
durante a madrugada, sem risco da presença de bandido no roteiro. Era a
Álvares Machado antiga, provinciana, porém, ela foi perdendo a velha
fisionomia. Chegaram os malfeitores, o povo se trancou em casa, ficou com
medo de ir cumprimentar a rua, ao escurecer.
Ao lado dessas metamorfoses vieram as plásticas
urbanas, e os cirurgiões encarregados de operá-las, com a
recomendação de melhorar as aparências também foram longe demais. A
cidade ainda possui as praças históricas, mas os bancos não são os
mesmos, os primitivos se foram, e nada se sabe dessas relíquias que se
mantidas, hoje seriam um repositório notável do acervo histórico-cultural.
O entretenimento começou a se estender ao futebol, com a criação,
em 1943, do Paulista Futebol Clube, e sua escalação imbatível, com Roca,
Cocada, Gordinho, Tico, Jô, Amarílio, Aparecido, Leco, Antenor, Mineiro e
Pedro Maz- zaro, como mostra a foto abaixo.
Paulista Futebol Clube em 1943
O carnaval encantava o povo nas ruas
Registros muito desgastados pelo tempo mostram uma cidadezinha
rodeada pela floresta a perder de vista no
Sertão do Vale do
Paranapanema. Córregos e ribeirões seguiam, nos seus cursos solitários,
as águas engolindo as sinuosas veredas, sumindo na vastidão da floresta.
Além dos índios, ninguém ousava acompanhar-lhes as pegadas, pois
iria deparar-se com a flecha dos índios, ou as garras dos grandes felinos.
A terra, um precioso bem, era tesouro que os milênios guardavam e a
vegetação protegia contra a chegada da civilização. Um dia, porém,
surgiram alguns homens auda- zes para iniciar a ocupação do território
longínquo. Os índios reagiram, mas o grupo fincou no solo rústico dessas
terras sua baliza demarcatória.
Aqueles homens precursores abriram a primeira picada na floresta, e
Logo, caíam os primeiros cedros, perobas, marfins, jaquiris, paudálhos,
ipês, jabuticabeiras, mognos, figueiras jacarandás, timbaúvas, bálsamos,
um mundo de árvores recobertas de cipós e epífitas, ultrapassando 30
metros de altura.
O córrego Brejão, meandro furando o sertão, ora em linha reta, ora em
curvas, umas fortes, outras suaves, possuía nos seus pântanos vastos
arrozais nativos, aonde as anhumas, ararunas, outras aves galináceas e os
patos selvagens iam se alimentar. O sertão ainda causava medo,
provocava arrepios.
Ouviam-se notícias sobre a presença, na beira daquelas águas, de
sucuris medindo 12, 15 e até 20 metros de cum-primento. Vivia-se com
receio das investidas dos selvagens, à espreita no intrincado da floresta e
solidão dos campos que se estendiam para além. Doenças epidêmicas
também eram comuns ali. Há referências às psicoses causadas por elas,
cuja terapêutica consistia de medicamentos heróicos, como a pimenta
malagueta, gengibre, pólvora, raspas dos esporões das anhumas e tabaco
de fumo.
Havia também o flagelo dos mosquitos borrachudos que atacavam dia
e noite, não dando trégua aos pioneiros. E se do alto das árvores caia
sobre alguém um dos bolos de carrapatos, impunha-se à vítima livrar-se da
roupa, para que outra pessoa lhe corresse pelo corpo uma bola de cera,
arrancando os terríveis insetos. Aplicava-se sumo de fumo de corda nas
feridas, na tentativa de aliviar a dor.
Avistavam-se por toda parte as grandes ararunas e as anhumas.
Quando essas aves se punham a gritar é que havia onça ou gente pela
vizinhança. Num velho escrito sobre o tema, lemos:
A floresta ia buscar na grotesca desordem orgânica, seu
fascinante atrativo. Depois da chuva, freqüente em todas as estações do
ano, o sertão tonalizava-se de verde melancólico e úmido. Dos galhos
dobrados ao peso do or-valho, desprendiam trepadeiras parasitárias,
luxuriantes e floridas, rojando-se ao solo tapeçado de folhas moles e
cheirosas.
Num emaranhado de moitas sombrias e compactas, um frêmito
apavorante vinha denunciar a multidão dos seres que as povoavam.
Pássaros maiores formavam vôos rastei-ros, enxugando as asas, e dos
ninhos metidos na ramagem estufada e escura, os cochichos vinham
orquestrar-se aos gemidos fundos dos ipês que se abraçavam como
gigantes em luta livre.
Álvares Machado ainda guarda reminiscências do áureo tempo do
cinema, quando as produções brasileiras eram as mais exibidas, para um
público fanático pela arte. Ao povo da cidade, se juntava o aglomerado nos
sítios e fazendas. Era comum o tilintar de esporas na sala de projeção, pois
ali estavam também expectadores que desceram do lombo de seus
cavalos e muares, agora amarrados lá na rua em frente, depois da viagem
com seus donos da roça ao cinema.
As fitas não tinham voz original, um orgulhoso cidadão da cidade,
narrava as cenas, enquanto o som procedia de um gramofone, aquele
aparelho esquisito, que já em 1878, Tomás Edison lutava para aperfeiçoálo entre suas, depois da tentativa feita em 1856, por Leão Scott. O salão do
cinema servia igualmente de ambiente para apresentações teatrais e
bailes.
Mesmo ociosa, a estação férrea mantém a sua pose, onde começa a Estrada da Amizade
A FUNDAÇÃO E OS PRIMEIROS ANOS DE ÁLVARES MACHADO
foi uma jornada extraordinária. Ainda que já surgissem as primeiras casas
de moradia e de comércio, e pressionados pela pressa da civilização, os
remanescentes dos índios tivessem desaparecido, no aglomerado recémformado, as peripécias se iam repetindo, diante das dificul- dades num
lugarejo ainda desprovido até mesmo de infra-estrutura elementar.
O ano de 1919 amanheceu para o lugarejo que se erguia, sem sorrisos
e sem promessas. E foi assim, até os alvores de 1920. O lugarejo resumiase a poucas casas espalhadas na galharia em desordem que as roças
ostentavam. Não havia água potável, nem muitos amores e casamento,
pois no meio daquele inferno verde (a floresta nativa) existia uma mulher
para cada 15 homens.
As doenças endêmicas grassavam com inusitado índice de óbitos. A
terrível úlcera de Bauru não perdoava os que penetravam na floresta, cuja
sombra invadiu os telhados rarefeitos da povoação, se ressaltando a
malignidade dos casos que chegavam a 50 feridas na pele de uma só
pessoa.
E no meio da sociedade ainda rodeada pela vegetação nativa , as
pouquíssimas mulheres que o desprendimento e a coragem iam recrutando
para a futura cidade nos dias melancólicos e sombrios, todas as tardes
assentavam-se na haste seca caída de enorme figueira de uma roça. Ali
elas escutavam o barulho dos felinos, vindos dos fundos das grutas
próximas de onde estavam.
As roças de milho circundantes não chegavam ainda ao ponto das
ruas que viriam no rumo da atual estação ferroviária. Sob outra figueira de
dois metros de diâmetro foram encontradas as ossadas de animais que
uma enorme onça, morando ali desde muito tempo, tinha devorado.
Um dia, o sol a pino, quatro homens voltaram da mata em que
penetraram seis quilômetros, com as roupas em tiras, lanhados de
espinhos, sangrando por todo o corpo. Contaram que foram atacados por
três índios xavantes hercúleos e seminus armados de tacape.
Os índios dessa tribo eram destacados da maioria dos outros, pela
facilidade de varar o mato em carreira só comparada a da jaguatirica. O
pavor dos caboclos se sustentava numa razão forte. Soube-se mais tarde
que os xavantes que os atacaram, eram três gigantes chamados Alecrim,
Ariri e Penduráh, de coragem e argúcia guerreira a qualquer prova.
Os caçadores desprezaram os avisos recebidos dos primeiros
machadenses para não entrarem na floresta, porque lá estavam os
xavantes agigantados. Acossados por eles, se danaram a correr.
Retornaram ao lugarejo, todos nus como vieram ao mundo, com a
diferença de não terem mais toda a pele que antes carregavam no corpo.
As lavadeiras iam aos córregos, onde também se toma- va banho. E
quantas delas não tiveram que abandonar a trouxa de roupa por abrir e
voltar ofegantes para casa, contando histórias de assobios de macacos
imensos, de gargalhadas lúgubres.
Terminada a primeira guerra mundial, o café entrou no solo local a
pedir mais espaços, empurrando o povoado para a marcha triunfal que o
esperava. Os desbravadores arriaram suas matulas. Começava a nascer
para São Paulo uma cidade e para essa cidade uma história que foi sendo
escrita em derrubadas e roças, afogadas na grande rede de galhos e
troncos que o fogo poupara.
Depois os primeiros ranchos foram sucedidos pelas casas de madeira
rarefeitas a se misturar sem plano de conjunto, metrificação e sem ordem.
Comunidade de moradores do Bairro Guaiçara em 1938
...Leva-nos a acreditar, do fundo dos nossos corações, que o homem pode
parar no seu tempo e, ao encarar a verdade, exemplifi- cá-la através da ação.
Leva-nos a acreditar ainda mais que, na verdade, nada menos que isto jamais
satisfará o homem. E acredito ser este o significado da jornada que estamos
todos fazendo.
-Henry Miller, historiador.
NO COMEÇO DE 1916, NO LOCAL ONDE SE FUNDOU A CIDADE
DE ÁLVARES MACHADO, a Estrada de Ferro Soro- cabana já surgia
como ousada desbravadora dos sertões do Estado de São Paulo,
compreendidos entre os rios Paranapanema e Peixe. No trajeto eram
construídos os acampamentos de ranchos para os operários que abriam os
picadões, faziam aterros e cortes, aplainavam o terreno, realizavam tarefas
necessárias à construção da ferrovia.
Cercado pela floresta bravia, tendo como única saída o rasgo na
vegetação primitiva aonde mais tarde, chegariam os trilhos, um desses
acampamentos vivia como se abando- nado durante o dia, enchendo-se de
movimento ao cair da tarde, quando os braçais voltavam do trabalho
trazendo suas ferramentas, para a refeição final do dia e o repouso.
Os feitores desse serviço distinguiam o acampamento dos demais
pela designação de Brejão, ou seja, diversos ranchos juntos e uma
reverência ao primitivo ribeirão que cortava as terras. Álvares Machado
estava começando a nascer, com o nome primitivo de Patrimônio São Luiz.
O INICIADOR DE TUDO ISSO FOI O MINEIRO MANOEL
FRANCISCO DE OLIVEIRA, que em 1916, residindo na cidade de São
Paulo, viajou de trem, até o povoado de Indiana, e dali, em lombo de mula,
às margens da água do Brejão, para a escolha de uma gleba que
compraria da viúva Militânia Cândida Marques. A seleção do local para
fechar o negó-cio, veio da informação obtida, de que naquele canto do
sertão, a Estrada de Ferro Sorocabana construiria uma de suas estações.
Portanto, Álvares Machado foi ponta de trilhos. O seu traçado urbano
acompanhou o de outros núcleos abertos no percurso da ferrovia, um plano
geométrico conhecido na época como tabuleiro de xadrez. Com as ruas
cortando-se em ângulos retos, era o que se adaptava melhor às con-dições
topográficas e sociais urbanas. Segundo a História o povoado viveu
intensamente a presença de levas migrató-rias, que procuravam as zonas
em desbravamento da Alta Sorocabana.
Aos brasileiros juntavam-se imigrantes de alguns países, caso dos
japoneses que começaram a chegar em 1918, após desembarcarem do
épico navio Kassato-Maru, no Porto de Santos. Outros, do terminal, foram
trabalhar em fazendas de café do Interior do Estado. Mais tarde seguiram o
exem-plo dos patrícios se fixando na gleba de Manoel Francisco de
Oliveira. Ergueram uma colônia, contribuindo com seus braços fortes, e o
talento oriental, com a expansão social e econômica do Povoado São Luiz,
depois Álvares Machado.
Sho-Kon-Sai: tradição mantida desde 1918
Em 1918 os japoneses fundaram o cemitério Sho-Kon-Sai aonde
sepultaram os seus mortos até 1935. Nesse ano o presidente Getúlio
Vargas entendeu a prática como sendo discriminatória. Determinou que os
enterros fossem feitos no Cemitério Municipal de Álvares Machado,
necrópole dos corpos de todas as raças. Mantiveram o Sho-Kon-Sai,
definitivamente integrado ao seu acervo.
A primitiva Maria-fumaça
EM 1916 QUASE TUDO ALI AINDA ERA SERTÃO BRUTO.
Os rios e ribeirões seguiam nos seus cursos solitários, com suas
águas engolindo a sinuosa vereda, sumindo na mataria a perder
de vista. Exceto os silvícolas, ninguém ousava acompanhar-lhes
as pegadas, pois iria deparar-se com as flechas das tribos, ou as
garras das onças e outros grandes felinos.
A terra, um precioso bem, era um tesouro que os milênios
guardavam, e a floresta protegia contra a entrada da civilização.
Mas, guiados apenas pelas estrelas, alguns sertanistas audazes já
chegavam ao território para fincar nele sua baliza demarcatória.
Em 1916, a mata ainda permanecia exuberante e compacta.
A floresta causava medo, provocava arrepios. A História refere-se
à presença, na beira de pântanos ribeirinhos, de sucuris de 12, 15
e até 20 metros de comprimento. Enormes bandos de galináceos,
patos selvagens, e outras espécies de uma avifauna extraordinária, iam se alimentar nos arrozais nativos daqueles alagados.
Existiam, mais, os tuiuiús, gaviões-caramujeiros, as grandes
araras, carcarás, marrecos-bico-de-colher. Avistavam-se também,
por toda parte, as araraunas e anhumas, que quando se punham a
gritar, é que havia gente ou onça pela vizinhança.
No entanto, já caiam os primeiros jacarandás, os paudálhos,
canelas, faveiros, perobas, cedros, timbaúvas, jequitibás, caviúnas,
ipês, figueiras-brancas, aroeiras, árvores recobertas por cipós e
epífitas, muitas ultrapassando 30 metros de altura. Os silvícolas
reagiram, porém, aqueles homens que chegavam, se encontrando
por acaso, no mesmo local, não detiveram sua marcha.
Sabia-se do extermínio, pelas tribos, de expedições inteiras
que tentaram se estabelecer no território ermo e longínquo. “Viviase ainda com receio das investidas dos selvagens, à espreita no
intrincado da floresta e da solidão dos campos que se estendiam
para além”, escreveu Amador Nogueira Cobra, em 1923.
Doenças epidêmicas eram comuns ali. Em Relatos Monçoeiros, Taunay se refere a psicoses causadas por elas, e nas tentativas de reduzir os seus efeitos, usavam-se “remédios heróicos”,
como pimenta malagueta, gengibre, pólvora, raspas dos esporões
das anhumas e fumo de corda. E quando do alto das árvores caia
sobre alguém um dos bolos de carrapatos, impunha-se à vítima
livrar-se da roupa, para que outra pessoa lhe corresse pelo corpo,
uma bola de cera, arrancando os terríveis insetos.
Num velho escrito encontramos este testemunho: A floresta
vai buscar na grotesca desordem orgânica o seu fascinante atrativo. Depois da chuva que era freqüente em todas as estações do
ano, o sertão tonalizava-se de um verde úmido e melancólico. Dos
galhos dobrados ao peso do orvalho desprendiam-se trepadeiras
parasitárias, luxuriantes e floridas, indo rojar-se ao solo tapeçado
de folhas moles e cheirosas.
No emaranhado das moitas sombrias e compactas um frêmito
apavorante denuncia a multidão dos seres que as povoam. Os
pássaros maiores formavam vôos rasteiros, enxugando as asas, e
dos ninhos metidos na ramagem estufada e escura, os cochichos
vinham orquestrar-se aos gemidos fundos dos faveiros que se
abraçavam como gigantes em luta livre.
Avenida das Américas em 1949: calçada com paralelepípedos
A MAIOR ESSÊNCIA HISTÓRICA DA CIDADE É A ESTRADA DE
FERRO. Foi em decorrência dela que Álvares Machado nas- ceu. Como foi
explicado, no início, um acampamento, para refúgio dos trabalhadores
braçais, um aglomerado de ranchos, a migração para o local, trazida pela
certeza da vinda dos trens. Surgiu um povoado e dele, a cidade, ainda no
meio da floresta e os picadões abertos para o trânsito da franja pioneira.
Os bichos e os índios se assustaram, reagiram, atacaram, registrando-se
baixas nos dois lados, mas os desbravadores continuaram resistindo e
venceram.
Durante o dia os ranchos precursores ficavam vazios. Os operários
estavam na floresta, fazendo os aterros e os cortes, por onde o leito da
ferrovia iria passar. Quando a noite chegava todos voltavam a esses
pousos, que a exten- são dos trilhos esvaziaria definitivamente, entretanto,
agora havia mais casas, as do povoado de São Luiz, obra do migrante de
Minas, Manoel Francisco de Oliveira, iniciada em 19 de março de 1916.
Uma medida inicial sua foi construir uma hospedaria, para servir de
apoio aos que desciam do trem, dos carros-de-boi e lombo de eqüinos em
que viajavam, a procura de se tornarem colonos ou de glebas para
comprar. Havia ainda os que apareciam, após dominarem longas
distâncias a pé, se juntando aos que já estavam ali.
As fontes históricas descrevem o Patrimônio São Luiz, em 1922, como
um disperso aglomerado de 15 a 20 casas, erguidas com madeira e barro.
Uma estreita abertura na mata, a quem davam o nome de picadão,
terminava no luga-rejo e conforme o progresso foi chegando se
transformou numa rua, hoje a Avenida das Américas. Era de chão batido,
com troncos de árvores derrubadas, nas laterais. Depois vieram a farmácia,
a quitanda, a casa de tecidos, o cruzeiro no ponto da floresta onde surgiria
a primeira igreja.
Há, contudo, uma ressalva. Se a História aponta 19 de março de 1916
como o dia da chegada de Manoel Francisco de Oliveira, para fundação do
povoado, as mesmas fontes observam que só em 1921 ele abriu o primeiro
loteamento urbano. Ali o Povoado São Luiz começava efetivamente a
nascer. Inaugurada em 1919, a estação da Estrada de Ferro Sorocabana já
operava precariamente, com o trem de lastro e o nome de Brejão.
Também em 1921 o Governo do Estado substituiu aquela designação
pelo nome de Álvares Machado. Foi homenagem a Francisco de Álvares
Machado e Vasconcelos, notável personagem do Brasil, conforme resumo
de sua biografia, abaixo:
Nascido na cidade de São Paulo, em 1791, era filho do cirurgião-mor
Joaquim Theobaldo Machado e Vasconcelos e Maria Álvares da Silva
Bueno. Ela, neta na sexta gera-ção, de Amador Bueno, personagem de
expressiva atuação, na política e na ciência no Governo do Império, que
deu-lhe a insígnia de “O Aclamado”.
Francisco de Álvares Machado e Vasconcelos era mé-dico-cirurgião.
Foi pioneiro da oftalmologia, no Brasil. Se destacou também na política,
elegendo-se deputado geral, em várias legislaturas, no período de 1834 a
1846. Em 1840 assumiu a presidência da Província do Rio Grande do Sul,
onde seria substituído pelo Duque de Caxias. No auge de sua atividade
parlamentar, morreu em 4 de julho de 1846.
A abertura na mata: tarefa inicial para fundação do núcleo urbano
O POVOADO DE SÃO LUIZ AGORA ERA A EMERGENTE CIDADEZINHA DE
ÁLVARES MACHADO, ao lado da ferrovia e das águas do Brejão. Veio 1927.
Apenas oito anos, desde a chegada de Manoel Francisco de Oliveira
àquele trecho do Sertão do Vale do Paranapanema. Agora os moradores
defendiam a ascensão do lugar a Distrito de Paz, no Município de Presidente Prudente a quem seu território pertencia.
Nessa campanha os novos líderes locais se juntaram a Manoel
Francisco, o audaz mineiro de Alfenas e o Governo do Estado efetuou a
promoção, através da Lei 2.242, de 26 de dezembro de 1927. Anos depois
as mesmas lideranças e o apoio de outros destaques que surgiram,
iniciaram o movi-mento, para elevar o distrito à casta de município. O êxito
se repetiu. O Município de Álvares Machado foi instituído pelo Decreto-Lei
Estadual, 13.334, de 30 de novembro de 1944, reunindo os distritos de
Coronel Goulart e Alfredo Marcondes, separando-se de Presidente
Prudente.
Ao vasculharmos a História, podemos dar este resumo para a
fundação da cidade, conforme também o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE):
-Álvares Machado surgiu de uma porção de terras, da antiga Fazenda
Pirapó-Santo Anastácio, comprada em 1916, por Manoel Francisco de
Oliveira. Essa gleba ficava no lugar denominado Brejão. Aquele
colonizador chegou ali, procedente do Povoado de Indiana, onde era
lavrador numa fazenda de café. Como não havia estrada e a ferrovia em
construção ainda estava distante, ele foi em lombo de muar até o Brejão,
se desviando da agressão da tribo dos índios Coroados.
Formalizada a compra da gleba junto a viúva Militânia Cândida
Marques, mulher de Manoel Pereira Goulart, pai de Francisco de Paula
Goulart, fundador de Presidente Prudente, Manoel Francisco de Oliveira
transferiu-se com sua família para o Brejão. Derrubou a mata, numa área
de dois alqueires, construiu residência e um estabelecimento comercial.
Isto levou outros imigrantes a se instalarem no lugar, se iniciando a
formação de um povoado, que ganhou impulso em 1919, com a construção
e entrada em operação da estação da Estrada de Ferro Sorocabana.
Em 1921, Manoel Francisco de Oliveira abriu um lotea-mento, vendeu
diversas parcelas e deu ao lugar o nome de Patrimônio São Luiz. Nesse
mesmo ano o Governo do Estado de São Paulo conferiu à estação o nome
Álvares Machado, que daí em diante passou a ser também o da localidade
de São Luiz.
A Lei Estadual 2.242, de 26 de dezembro de 1927, criou o Distrito de
Paz de Álvares Machado, que foi promovido a município pelo Decreto-Lei
14.334, de 30 de novembro de 1944, tendo como distritos, Alfredo
Marcondes e Coronel Goulart, separando-se de Presidente Prudente.
Há uns grandes pássaros chamados de emas e que correndo não
os apanha um cavalo, por mais veloz que corra, porque na carreira
levantam esses ditos pássaros uma de suas asas que de longe parece
uma embarcação à vela que corre com bom vento. Seus ovos são do
tamanho de um punho. - Antônio José Juzart.
ÁLVARES MACHADO DE OUTRORA
Tropeiros despontam no povoado ao amanhecer
Registros históricos esclarecem que já em 1916, o ano da vinda de
Manoel Francisco de Oliveira, para o Brejão, chegaram também outras
famílias, incluindo algumas de imigrantes japoneses, que estavam no Brasil
desde 1908. O precursor Itiro Hoshino foi o puxador desse êxodo e logo se
entusiasmou com a qualidade das terras. Comprou tam-bém da viúva
Militânia Cândida Marques, 3.000 alqueires, posteriormente, mais 2.000
alqueires, ocupando o solo com agricultura, sobressaindo-se os cafezais.
Nos passos de Hoshino vieram ainda em 1916, Issotaro Ide, Saoko
Aoki, Tomozo Aoki, Sanzo Hirata. Eles iniciariam a formação da Colônia
Japonesa de Álvares Machado, que se desponta como uma das mais
influentes do País. Daí em diante mais levas de imigrantes do Japão e
outros países foram desembarcando no Brejão. O êxodo cresceu, depois
de aportar, em Santos, dia 10 de junho de 1918, o célebre navio KassatoMaru, transportando 752 pessoas.
Na seqüência dessa jornada, Issotaro Ide comprou 50 alqueires, mais
tarde aumentou o tamanho da gleba e foi buscar 15 famílias de
conterrâneos nas fazendas de café do Interior de São Paulo. As fontes
mostram que em 1925, existiam 30 famílias no Brejão, se deparando com
sérias dificuldades. Uma, estava na necessidade de vencer a flo-resta até a
povoação de Indiana, para comprar alimentos não produzidos nas terras e
equipamentos de trabalho. A viagem demorava de dois a três dias, sob o
olhar dos índios.
As famílias levavam os mortos para serem enterrados no cemitério de
Presidente Prudente, que ficava onde está atualmente a estação
rodoviária, na Avenida Brasil. Uma grande proeza. Os corpos eram
transportados em lombo de eqüinos, carro-de-boi e a pé. Aí desenvolveuse o plano de abrir um cemitério próprio, obtendo-se autorização do
Município de Conceição de Monte Alegre, distante cerca de 200
quilômetros do Brejão. Surgiu, então, em 1918, o Sho-Kon-Sai, fechado
pelo presidente Getúlio Vargas em 1935.
Templo budista: símbolo dos japoneses em Álvares Machado
Colônia japonesa recepciona o governador Adhemar de Barros em 9 de dezembro de 1950
Igreja de São José de Álvares Machado em 1942
As primeiras viagens dos japoneses ao Brasil e sua con-centração
também no Brejão, em Álvares Machado, se deu por meio de um acordo
assinado entre o Governo do Estado de São Paulo e a Kôkoku. Companhia
de Imigração Japonesa, de Tókio. O segundo embarque oficial, em 1918, no
Kassato-Maru, foi no Porto de Kobe, capital da Prefeitura de Hyogo, na
época a quinta cidade mais populosa daquele país.
De Santos os imigrantes foram trabalhar nas fazendas de café, e mais
tarde, decidiram mudar de atividade. Uma das escolhas consistiu de formar
as colônias. Integrados aos brasileiros e outras raças, ajudaram a
impulsionar a econo-mia da região. Logo estavam lançando na terra as
sementes trazidas do Japão, melhorando a qualidade da agricultura regional.
Isso aumentava, paralelamente, o entusiasmo de Manoel Francisco de
Oliveira, que ia divulgando a fertilida-de do solo recém-desbravado e
vendendo glebas.
O BAIRRO DO BREJÃO, CERNE DE ÁLVARES MACHADO, recebeu
a primeira escola, de nível particular, criada pelo professor Ferraz, em 1921.
A um quilômetro, em 1923, foi fundada uma escola pública, mista, e nela
matriculados 30 alunos, dirigidos pelo professor Merissani Mello Camargo.
Tudo começaria a se consolidar, com a instituição do muni- cípio, conforme
está em parte anterior, pelo Decreto-Lei 14.434, de 30 de novembro de
1944.
Essa separação de território, se conferindo a Machado autonomia
político-administrativa, veio da fixação do novo quadro da Divisão Territorial,
Administrativa e Judiciária do Estado de São Paulo. O então administrador
do Distrito de Álvares Machado, Oscar Figueiredo e Silva passou a acumular a função de dirigir o município, como seu prefeito, por nomeação do
Interventor no Estado, Fernando Costa. Ficou no cargo até março de 1947.
Naquela data o novo Interventor Estadual, Adhemar de Barros
substituiu Silva, na missão de prefeito, por Onofre Pereira de Mendonça. O
entusiasmo no lugar trouxe mais uma campanha, dessa vez para escolha do
prefeito por voto popular. Isto se deu em 9 de novembro de 1947, e o eleito
foi Milton Pinto de Almeida Castro, sucedido no fim do mandato por Antônio
Miro Mazzaro.
Desenvolvia-se uma jornada colossal de pós-desbrava-mento e
seqüência da colonização, nesse trecho do Sertão do Vale do
Paranapanema. A infra-estrutura melhorava e dela fazia parte a construção
de novos estabelecimentos de ensino. A educação tinha primazia no
governo. Em 1957 havia no município 3 grupos escolares, 1 com 22 salas de
aula, outro com 8 e o terceiro com 5 salas, e uma escola no Distrito de
Coronel Goulart.
Eram, no geral, 16 escolas estaduais, 14 municipais, 3 cursos de
alfabetização de adultos e 1 curso popular do Sesi (Serviço Social da
Indústria). Também em 1957 o criou-se o Ginásio Estadual de Álvares
Machado.
REFORÇANDO A HISTÓRIA: a iniciativa de alterar o nome de Brejão,
veio de uma herma ao extraordinário vulto nacio-nal, Francisco de Álvares
Machado e Vasconcelos, dada ao povo local pelo Instituto Histórico e
Geográfico de São Paulo. O busto de bronzo, apresentando ombros, costas
e peito do homenageado, foi colocado na Praça Getúlio Var-gas, dia 4 de
julho de 1946, com a inscrição:
Nasceu a 21/X1/1791. Morreu a 4/VII/1846. O Instituto Histórico e
Geográfico de São Paulo rememora o insigne paulista e entrega este
bronze ao povo de Álvares Macha-do – 4/VII/1946.
Foi igualmente numa reverência a francisco de Álvares Machado e
Vasconcelos que o presidente do Estado de São Paulo, Washington Luiz
batizou com seu nome a estação da Estrada de Ferro Sorocabana,
construída no Patrimônio de São Luiz, fundado pelo migrante de Alfenas,
Minas Gerais, Manoel Francisco de Oliveira.
Caboclinha da roça: um tipo comum no ciclo do povoamento
CARACTERÍSTICAS DA CIDADE
Álvares Machado é uma cidade de porte pequeno, mas dotada
de características extraordinárias. Fica na margem de uma rodovia
que compõe o mapa das mais influentes do País, Raposo TavaresSP-270, de ligação fácil também com todo o Estado do Paraná, os
países Argentina, Paraguai, Uruguai e que associados ao Brasil e
Venezuela, formam o pacto econômico Mercosul (Mercado Comum
do Sul).
No seu itinerário a Raposo Tavares se articula em Santa Cruz
do Rio Pardo Prudente com a Castello Branco, leva a Grande São
Paulo. Em sentido contrário, conduz à margem do rio Paraná e pela
Ponte Maurício Joppert sobre aquelas águas chega ao Mato Grosso
do Sul, no lado oposto.
Além disso, a cidade fica no trajeto da Hidrovia Tietê-Paraná,
uma imensidão navegável de 2.400 quilômetros, com uma área de
influência de 70 milhões de hectares, nos Estados de São Paulo,
Paraná, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Goiás.
Uma situação especial, que a maioria das cidades não possui.
Esta distinção singular sugere que investir em Álvares Machado
posiciona o empreendedor num vasto horizonte, o que seu eixo
rodoviário já é suficiente para assegurar.
As terras locais são de desbravamento recente. Estão numa das
últimas fronteiras de colonização do Estado de São Paulo, o antigo
Sertão do Vale do Paranapanema, área que primitivamente media
109.000 quilômetros quadrados, 27.400, no território paulista.
Da mesma forma a história da cidade tem um acervo bastante
rico, vinculando-se a ele, a célebre jornada dos bandeirantes e dos
padres jesuítas, membros da Companhia de Jesus, nos tempos de
doutrinação dos índios selvagens.
Um braço da Rodovia Raposo Tavares, desde Presidente Prudente, dá acesso ao rio Paranapanema e transpondo-o, chega-se
ao Norte-Noroeste do Estado do Paraná. Esse rio e seu vizinho rio
Paraná, ostentam quatro usinas hidrelétricas: Taquaruçu, Capivara,
Porto Primavera e Rosana. O rio Paraná, em outro sentido ostenta
também a Hidrovia Tietê-Paraná, de 2.400 quilômetros iniciais.
A cidade é todo um mundo. Através dela e seu eixo rodoviário,
chega-se facilmente ao restante do País. Afora a malha oficial, há e
uma rede de estradas vicinais, que cortam a região, se entrelaçando
com a Noroeste, Alta Paulista, Alta Sorocabana e Pontal do Paranapanema.
Em nível de Estado de São Paulo, Álvares Machado compõe o
Sudoeste, no plano regional a Alta Sorocabana, Zona Fisiográfica
Pioneira e possui dois vizinhos deveras especiais: um, é o Marcado
Comum do Sul (Mercosul), o outro, a Hidrovia Tietê-Paraná, já em
fase adiantada de elaboração. Situa-se também na abrangência da
10ª Região Administrativa, grupo formado por 51 municípios.
EM NÍVEL DE BRASIL A CIDADE FICA NO SUDESTE, região
que ocupa somente 11% do território brasileiro, com menos de 1
milhão de quilômetros quadrados de área total, compreendendo os
Estados de São Paulo, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Minas.
Região brasileira mais populosa – Com uma população fixa
de 55 milhões de habitantes, o Sudeste absorve 44 em cada cem
brasileiros e reúne os três primeiros estados do país em número de
moradores. A densidade demográfica brasileira é pequena, já que
não chega a 16 habitantes por quilômetro quadrado, no entanto, a
Região Sudeste alcança a marca de 59 habitantes por quilômetro
quadrado. O equivalente a duas vezes a densidade de um país
desenvolvido, como os Estados Unidos da América.
Região mais industrializada – Além de região brasileira onde
fica a agricultura mais desenvolvida, o Sudeste se destaca pela sua
notável expansão industrial. Cerca de 80% dos capitais aplicados
nas indústrias de transformação e três quartos dos operários em
atividade estão nesta região. Com um parque concentrado nas três
cidades mais populosas, que são Belo Horizonte, São Paulo, Rio de
Janeiro a industrialização assemelha-se à dos países desenvolvidos
do Hemisfério Norte.
Região economicamente desenvolvida – Como nenhuma
outra região brasileira, o Sudeste exerce uma forte atração sobre as
populações de áreas de progresso inferior. Isto vem provocando a
superpopulação dos grandes complexos industriais do Sudeste, e,
em conseqüência existe disseminação das favelas, reunindo todos
os problemas sociais que as caracterizam.
Necessário mencionar também, um aspecto problemático local:
o padrão de desenvolvimento não é uniforme em todas as partes da
região, havendo desigualdades entre estados e porções internas.
Mas, o Sudeste é a região brasileira que possui maior índice de
escolas, de melhor atendimento médico-hospitalar e com melhores
condições para a pesquisa tecnológica. E possui a maior frota de
meios de transporte e sistema de comunicações mais aperfeiçoado.
Como a industrialização o segmento econômico oferece maior
número de vagas de emprego e 84% dos habitantes vivem nas
cidades. É uma circunstância que facilita o seu atendimento físico e
cultural.
ÁLVARES MACHADO DE OUTRORA – ÁLVARES MACHADO DE HOJE
O município fica numa região de grandes hidrelétricas
EM NÍVEL DE REGIÃO LOCAL Álvares Machado apresenta
quatro tipos mais importantes de solos, descritos assim pelo Serviço
Nacional de Pesquisas Agronômicas:
LR – Latosol roxo (terra roxa). Solos bastante profundos, com
até 20 metros, argilosos, bem drenados, com porosidade da ordem
de 65% a 70%, constituídos a partir de rochas eruptivas básicas,
contando com grande quantidade de metais pesados. No Oeste
Paulista, ocupam uma larga faixa junto ao rio Paranapanema.
Esses solos têm relevo ondulado, declives longos e altitudes de
450 e 900 metros acima do nível do mar. Pouco resta da vegetação
original, a mata latifoliada tropical que se compunha do cerradão e
cerrado. Ela foi substituída por lavouras, incluindo o café, algodão,
arroz e milho, e grandes extensões de pastagens e criação de gado.
LEa – Latosol vermelho escuro (fase arenosa). Solos originados
do arenito de Bauru, profundos, arenosos, permeáveis, possuindo
fraca resistência à erosão. Ocorrem no planalto ocidental em três
manchas separadas, na parte noroeste, norte e central do Estado,
com uma área de 47.800 quilômetros quadrados, 20% do território
paulista.
PMI e PIN – Este é um grupamento formado de solos arenosos,
desenvolvidos a partir de arenitos, cimento calcário e podzolização
acentuada com alta saturação de bases.
PIN – Solos podzolizados de Lins e Marília, variação Lins. São
bem drenados e arenosos com profundidades variáveis de dois a
três metros, ocupando uma área de 26.300 quilômetros quadrados.
Revelam manchas contínuas, associadas com a variação Marília e o
LEa, ocorrendo em 151 municípios, em áreas de 300 a 600 metros
de altitude.
Como predominantes, contém culturas de algodão e amendoim.
Em tais solos verifica-se a transformação de zonas de cultivo de
pastagens, pelo seu empobrecimento gradativo e pouca renovação
da fertilidade. Eram solos originalmente cobertos pela floresta do
tipo latifoliada tropical semi-decídua, agora praticamente inexistente
como reservas.
PMI – Solos podzolizados de Lins e Marília, variação Marília,
que são pouco mais rasos que a variação Lins. Registram-se em
141 municípios, em manchas contínuas entre a variação Lins e o
Latosol. Cobrem área de 21.000 quilômetros quadrados. Originamse de arenitos de formação Bauru, com cimento calcário, constituído
em relevo ondulado, com altitudes variando de 300 a 900 metros.
Solo do município ocupado por cafezal, no auge dessa cultura, na década de 20
DOIS VIZINHOS ESPECIAIS
MERCADO COMUM DO SUL, um notável pacto econômico
formado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai.
HIDROVIA TIETÊ-PARANÁ, um traçado navegável de 2.400
quilômetros, com área de influência de 70 milhões de hectares, nos
Estados de São Paulo, Mato Grosso do Sul, Paraná, Goiás e Minas
Gerais. Complexo enorme que integra também ao Sul, as províncias
de Buenos Aires, Neuquem, Córdoba, Mendonza e Bahia Blanca e
as imensas regiões do Brasil Central, uma soma de 80 milhões de
habitantes.
A relação direta da região, com a Hidrovia decorre da presença
na área de ação do rio Paraná. Estudos oficiais indicam que, em
breve, aquele rio estará para a América do Sul, como o Reno e o
Danúbio, recém-ligados pelo Canal do Meno, estão para a Europa.
A INFLUÊNCIA DA HIDROVIA NA REGIÃO
A Hidrovia Tietê-Paraná é todo um mundo, gigante de 2.400
quilômetros, que quando concluída, vai ligar o Estado de São Paulo
com as regiões Centro Oeste e o Sul do Brasil, Argentina, Paraguai
e Uruguai. Será uma rota privilegiada de integração do Estado com
o Mercosul.
A nova e moderna definição geo-política-econômica jurisdiciona
uma população de 200 milhões de habitantes e um PIB (Produto
Interno Bruto) próximo de US$ 1 trilhão. Criado pelo Tratado de
Assunção, em 26 de março de 1991, o Mercosul é considerado das
mais importantes uniões do mundo contemporâneo.
A partir de 1º de janeiro de 1995, o Mercosul (Mercado Comum
do Sul) começou a funcionar como zona de livre comércio e união
aduaneira, visando a globalização das economias. O primeiro ponto
positivo está diretamente relacionado ao crescimento comercial,
pois o bloco troca entre si cerca de 10 bilhões de dólares.
A conclusão da eclusa de Três Irmãos interligando os rios Tietê
e Paraná, possibilita a sua navegabilidade desde Conchas até o
lago de Itaipu,e na direção de Minas Gerais pelo Rio Grande do Sul
e Goiás, através do rio Parnaíba, chegando a São Simão - Água
Vermelha, respectivamente, com uma malha de 2.400 quilômetros.
É um sistema de navegação, formado a partir de conjunto de
eclusas, unindo rios e reservatórios, estes estabelecidos nos rios
Tietê, Paraná e trechos do Parnaíba, Grande e do Paranapanema,
também afluentes do Paraná e Tietê.
Será efetuada a conexão com outros modos de transporte, o
que vai possibilitar ainda a ligação com São Paulo, o Porto de
Santos e no outro extremo, com a Hidrovia Paraná-Paraguai onde, à
curto prazo, estarão navegáveis mais de 5.500 quilômetros. Já são
transportados cerca de 5 milhões de toneladas anuais, destas, 1,2
milhão de toneladas de cargas de longo curso, incluindo farelo, soja,
outros grãos em geral, os fertilizantes e calcário agrícola, usando-se
uma frota de 30 empurradores, 120 chatas com 85 toneladas de
capacidade, através de 190 terminais hidroviários instalados.
A região que compõe o Mercosul é servida pelo sistema de
navegação fluvial dos rios Paraná e Paraguai. Ao Sul, compreende,
as províncias de Buenos Aires, Neuquem, Bahia Blanca, Mendonza,
Rosário, Córdoba, na Argentina, além de todo o Uruguai, e ao norte,
as vastas regiões do Brasil Central, Triângulo Mineiro, Mato Grosso
do Sul, Goiás, Mato Grosso, e os Estados do Paraná e São Paulo.
A área de influência do Mercosul ultrapassa a soma de 500
milhões de hectares, com mais de 60% dos solos agricultáveis.
Nessa região deve ser fomentado o chamado “agrobusiness”, o que
elevará substancialmente o valor agregado da produção. Breve o rio
Paraná estará para a América do Sul, como o Reno e o Danúbio,
recém-ligados pelo Canal do Meno, estão para a Europa.
E é aí na presença do rio Paraná servindo a região que Álvares
Machado e sua área de influência aparecem nesse enorme complexo de navegação e perspectivas de amplo desenvolvimento
econômico e social. Há outro vizinho nobre, o rio Paranapanema e
nos dois, como se explicou estão as hidrelétricas Porto Primavera,
Rosana, Taquaruçu e Capivara, parte do sistema hidroviário TietêParaná.
Ao lado de tudo isso existe um macro-zoneamento indicativo
elaborado recentemente pelo Centro de Estudos e Pesquisas em
Administração Municipal (Cepam), da Fundação Prefeito Faria Lima,
por solicitação do Consórcio Intermunicipal Tietê-Paraná, para os
municípios lindeiros da Hidrovia.
No estudo “Pontal do Paranapanema – Zoneamento EcológicoEconômico” está escrito que o referido macro-zoneamento sugeriu
áreas específicas a agropecuária, ao manejo controlado, e áreas
especiais de preservação. Segundo a mesma fonte, com relação
aos municípios da área de estudo as propostas são as seguintes:
-Incremento e reequipamento dos assentamentos existentes.
(Os núcleos da reforma agrária).
-Incentivo ao turismo ecológico pelas atividades monitoradas e
implantação de áreas de lazer.
-Instalação de um terminal intermodal, incentivos à instalação
de indústrias e agroindústrias e criação de cooperativas agrícolas.
-Um centro de tecnologia de apoio a pequenos proprietários,
assentados, melhora de estradas vicinais e infra-estrutura turística.
Sobre os benefícios para a Área de Estudo, o trabalho cita que
dentro do Estado de São Paulo serão beneficiados diretamente 108
municípios afastados até 150 quilômetros da Hidrovia Tietê-Paraná,
e a facilidade de acesso através de vários meios de transporte.
A Companhia Energética de São Paulo (Cesp) elaborou um
Plano de Fomento integrador do sistema de navegação dirigido às
regiões em que esses municípios estão. São principais objetivos:
-Estimular a criação de pólos industriais e turísticos, com ênfase
maior nos aeroportos.
-Facilitar a inserção do Interior na rota do Mercosul.
Hidrovia: uma característica da região
-Proporcionar aumento da produtividade agrícola por meio da
melhoria do acesso aos insumos agrícolas e a irrigação.
-Incentivar produção de pescado e o reflorestamento.
O plano menciona atividades e oportunidades de investimentos
relacionados à Hidrovia nos setores de transportes, de apoio, de
infra-estrutura de indústrias mais diretamente relacionadas aos tipos
de cargas transportadas e ao turismo. E prevê a instalação de 27
pólos industriais, 21 pólos de insumos agrícolas e 6 regiões de
irrigação. A Área de Estudo está contemplada com pólos industriais,
turísticos e de insumo agrícola.
Tem uma característica física marcante, que é o arenito-caiuá,
cujas formas de relevo se assemelham às procedentes do arenitobauru. O geógrafo José Ferrari Leite explica que a monotonia só é
quebrada pelo Morro do Diabo, 415 metros de altitude e o Morro
Santa Ida, 360 metros, os dois no município de Teodoro Sampaio.
ESTRADAS DE FERRO
A região polarizada de Álvares Machado é servida por quatro
ferrovias que a partir de um traçado aproximadamente paralelo,
convergem para a região da Grande São Paulo. Existem, então,
quatro estradas ocupando faixas paralelas de cerca de 90 quilômetros e dirigidas também para o Estado do Mato Grosso do Sul.
Corre entre o rio do Peixe e o rio Paranapanema, a Estrada de
Ferro Sorocabana, seguindo desde a fronteira do rio Paraná até São
Paulo. Em Ourinhos, início da chamada Alta Sorocabana, um ramal
penetra no Norte do Paraná e outro se liga com a Rede de Viação
Paraná-Santa Catarina.
Acima da Estrada de Ferro Sorocabana, entre os rios Peixe e
Aguapeí, existe um ramal da Estrada de Ferro Paulista, que partindo
de Bauru, atinge a barranca do rio Paraná, servindo as cidades de
Adamantina, Marília, Tupã e Dracena. Entre os rios Aguapeí e Tietê,
passa a Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, que nascendo em
Bauru, serve as cidades de Lins, Birigui, Araçatuba e Andradina,
para depois cruzar o rio Paraná, cortar o Estado do Mato Grosso do
Sul e terminar em Corumbá, onde se interliga com a Brasil-Bolívia
que segue até Santa Cruz de La Sierra.
Na zona setentrional do Oeste de São Paulo, que é a sede de
Machado aparece finalmente a Estrada de Ferro Araraquarense se
interligando à Estrada de Ferro Paulista, na região de Araraquara,
servindo Catanduva, São José do Rio Preto e Votuporanga.
ESTRADAS DE RODAGEM
As rodovias dessa região seguem paralelamente às estradas de
ferro. A Washington Luiz caminha paralelamente a Estrada de Ferro
Araraquarense. A Marechal Rondon, marcha ao lado da Estrada de
Ferro Noroeste, a Raposo Tavares acompanha o trajeto da Estrada
de Ferro Sorocabana.
As transversais mais influentes são as de ligação com o Norte
do Paraná, através de Presidente Prudente, estendendo-se a São
José do Rio Preto. A ligação Assis-Marília e a do Paraná ao centro
do Estado de São Paulo, pela transversal Ourinhos-Bauru, seguindo
depois para Jaú e Araraquara.
Extrapolando o âmbito estadual existem mais duas importantes
ligações. De um lado, aquela pelo interior do país, de Porto Alegre a
Brasília e a Belém, que no trecho paulista, passa por Presidente
Prudente e São José do Rio Preto e, de outro lado, a que leva ao
Mato Grosso do Sul.
A densa rede ferroviária do Sudeste, desenvolvida sobretudo
pela expansão do café, representa mais da metade de todas as
estradas de ferro do Brasil. O Sudeste conta ainda com cerca de
40% das rodovias do país. Exemplos: Rodovia dos Imigrantes e
Rodovia Castelo Branco, entre outras, são compatíveis com as
melhores e mais seguras da América. O seu incremento industrial,
associado a uma política francamente exportadora do instituída pelo
governo federal, vem operando como alavanca da grande expansão
portuária.
Outras rodovias de acesso a Álvares Machado: Comandante
João Ribeiro de Barros (SP-294) – Liga entre si os municípios da
Alta Paulista, cidades de Tupã, Bauru e Marília, conseqüentemente,
a capital de São Paulo.
Assis Chateaubriand (SP-425) - Liga vários municípios a Álvares Machado. Exemplos: Iepê, Rancharia, Indiana, Martinópolis,
Caiabu, Osvaldo Cruz, Araçatuba, indiretamente São José do Rio
Preto e Minas Gerais. E,mais, as cidades da coligação Pontal do
Paranapanema.
Raposo Tavares (SP-270) – É a rodovia principal, unindo entre
si os municípios da Alta Sorocabana, nos sentidos capital do Estado
e Mato Grosso do Sul.
Integração (SP-563) – Vai de Teodoro Sampaio a Andradina e
no seu percurso, passa nas cidades de Marabá Paulista, Presidente
Venceslau e Tupi Paulista.
Homero Severo Lins (SP-284) – Liga a Assis Chateaubriand
(SP-425) aos municípios Rancharia, Paraguaçu Paulista, Quatá e
João Ramalho. Termina na Raposo Tavares (SP-270), em Assis.
Júlio Budisk (SP-501 – Une a Assis Chateaubriand (SP-425) à
Comandante João Ribeiro de Barros (SP-294), na região da Alta
Paulista). Passa em Álvares Machado, Alfredo Marcondes, Santo
Expedito, Flora Rica e Irapuru.
Outro complemento interessante está nas rodovias SP-272 e
SP-613. A última corta a Reserva Florestal do Morro do Diabo e
termina em Rosana, na margem do rio Paranapanema, divisa com o
Estado do Paraná.
ESTUDO ESPECIAL DA COMISSÃO INTERESTADUAL DA
BACIA PARANÁ-URUGUAI (CIBPU) descreve o Oeste do Estado,
como um território que embora já sendo desenvolvido, apresenta
características de região de desbravamento recente, possuindo toda
a vitalidade das zonas onde nem todos os fatores naturais foram
explorados.
Para a CIBPU, a colonização relativamente recente, imprime
taxas de crescimento do produto considerável, entretanto, já houve
modificações no setor agrícola, com a introdução de técnicas e
culturas que empregam menos mão-de-obra. E deu-se um êxodo de
população que ultrapassou as fronteiras estaduais em busca de
novas frentes agrícolas, no Norte do Paraná e Mato Grosso do Sul.
A ação do governo introduzindo incentivos capazes de atrair
indústrias para a região, não só contribuirá para estabelecer um
maior equilíbrio na ocupação territorial, como poderá manter ou
elevar a taxa de crescimento regional com efeitos diretamente sobre
toda a economia.
Segundo aquela fonte, a região constitui importante mercado
consumidor. É rica em matéria-prima de origem agrícola e que tem
uma infra-estrutura necessária para o sucesso de um ou de muitos
programas que visem a industrialização regional. A agricultura é
desenvolvida com uma elevada produção em importantes matériasprimas para a indústria. A pecuária é o esteio da economia local.
Frigoríficos localizados na área industrializam esta matéria-prima,
que é consumida em todo o Estado, e parte dela, exportada.
A CIBPU refere-se ainda a uma infra-estrutura consolidada em
ferrovias que demandam ao grande centro consumidor da capital de
São Paulo.Rodovias possibilitam a ligação dos principais centros
urbanos, facilitando o contato de alguns Estados com a capital e o
Porto de Santos, ampliando sobremaneira a área de influência de
toda a região.
Nesta região polarizada de Machado, centros influentes como
Presidente Prudente, Bauru, Araçatuba, Marília, São José do Rio
Preto, atingiram alto nível de evolução, com atividades próprias de
localidades em estágio superior na hierarquia de cidades.
Hidrelétrica de Porto Primavera: uma das quatro da região polarizada de Álvares Machado
Um programa de industrialização orientada encontrará amplas
possibilidades de sucesso, não só em relação ao aproveitamento
das economias externas existentes, que surgiram para atender a
expansão urbana, como devido a existência de fatores de produção
em abundância (capital, mão-de-obra e matérias-primas), e também
pelas facilidades de colocação do produto no amplo mercado local.
O mesmo estudo informa que na análise comparativa, realizada
entre diferentes áreas que compõem o Oeste Paulista, foi adotado o
critério de evolução dinâmica, no qual a região administrativa de
Presidente Prudente (Rancharia é um elo) destacou-se claramente.
Os setores produtivos têm crescido rapidamente e existe uma
clara liderança nos segmentos mercantil e bancário, com referência
às demais regiões. Centro de um vasto território que ultrapassa as
fronteiras paulistas irradia influência sobre áreas de colonização
ainda recente e de rápido crescimento como o Norte do Paraná e
Sul de Mato Grosso.
Acrescente-se também, o fato de estar próxima das passagens
sobre os rios Paraná e Paranapanema, para as quais convergem as
comunicações com o Mato Grosso do Sul.
OUTROS HORIZONTES VIA BR-369
Álvares Machado é mesmo bem servida de comunicações
fáceis com o restante do Brasil. Um acesso está na Rodovia BR369, que corta uma vasta região do Estado do Paraná e chega-se a
ela, por vários caminhos, um, como foi explicado, a Rodovia Raposo
Tavares que passa ao lado da cidade e leva à beira do rio Paraná e
à Rodovia Castello Branco.
No lado oposto está o Norte do Paraná e, adiante, aparece a
BR-369, uma linha direta com a região de Foz do Iguaçu. No seu
percurso vão surgindo cidades de muita expressão, como Londrina,
Maringá, Campo Mourão, Cascavel, e outras de portes menores,
porém, de grande influência como Ubiratã, Medianeira, Apucarana,
Cornélio Procópio e Cambará.
A estrada se liga com a Raposo Tavares (SP-270), dentro do
território paulista, a partir de Ourinhos, alcançando, à frente, Piraju,
Itapetininga, Sorocaba, Grande São Paulo e o Oceano Atlântico.
De Foz do Iguaçu a Assunção, no Paraguai, o trajeto é pequeno,
e no caminho está Ciudade Del Este, um complexo de mercadorias
estrangeiras, reduto de compra dos célebres sacoleiros de São
Paulo. Também pela BR-369, chega-se a Porto Iguaçu, as cataratas
e a Hidrelétrica de Itaipu, no rio Paraná, notáveis pólos turísticos.
Viajando de Campo Mourão até a cidade de Apucarana, um
percurso de 140 quilômetros, usando a BR-369, se atinge a Rodovia
do Café, que leva a Ponta Grossa, no complexo turístico de Vila
Velha e depois vem Curitiba, seguindo pela BR-376. Um enorme
corredor agrícola, com grande parte das safras exportadas via Porto
de Paranaguá, margem do Atlântico, em direção a Matinhos, Caiobá
e Guaratuba.Do lado de lá está o Balneário de Camboriú.
Um ramal da BR-369 é a centenária Estrada Boiadeira, ainda
sem asfalto, mas através dela, pode-se ir facilmente às cidades de
Tuneiras do Oeste, Cruzeiro do Oeste, Icaraíma, Porto Camargo e
transpondo o rio Paraná, se chega a Naviraí, beira do rio Amambaí
e Dourados, no Estado do Mato Grosso do Sul. Nesse território está
um imenso celeiro de grãos.
É uma região marcada por grandes latifúndios, produtores de
cereais e gado se destacando fazendas como Pato Bonito, Cabureí,
Brasília do Sul,Corcovado, Caarapozinho, Santa Tereza do Boicará.
Outra vantagem da BR-369: em Maringá ela se junta à PR-323, que
serve as cidades de Cianorte, Umuarama e Guaíra, a última, na
fronteira com Salto Del Guairá, em território do Paraguai.
E ainda em Ourinhos, no Estado de São Paulo, tomando-se o
lado esquerdo da Raposo Tavares, se alcança o entroncamento de
acesso a Machado. A 10 quilômetros dali está Presidente Prudente,
e com mais 90, chega-se a Presidente Epitácio, na margem do rio
Paraná, cuja travessia, que conduz ao Mato Grosso do Sul, é feita
pela Ponte Maurício Joppert. Na sua cabeceira paulista termina a
Raposo Tavares e começa o lago da Usina de Porto Primavera.
Na outra cabeceira daquela ponte, em terras mato-grossenses,
surge a Rodovia Manoel da Costa Lima, de acesso a Dourados, e
no percurso, a diversas cidades menores. Por ela, depois a Raposo
Tavares, indústrias de transformação paulistas recebem produções
daquele celeiro agrícola, que já na década de 50, interessou ao expresidente Jânio Quadros. Disposto a aumentar o intercâmbio com
as produções, ele planejou buscá-las usando a ferrovia, mas houve
uma frustração.
Um ramal que partindo de Presidente Prudente deveria transpor
o rio Paraná e chegar a Dourados, no Mato Grosso do Sul, em outra
etapa, a Ponta-Porã, fronteira do Paraguai, teve suas obras paradas
no antigo Porto Euclides da Cunha, atual cidade de Euclides da
Cunha Paulista, depois de percorrer 147 quilômetros.
Em 1978 a circulação de trens pelo ramal foi suspensa, com o
Governo do Estado alegando queda de arrecadação, por causa da
concorrência das rodovias.
Já a Estrada de Ferro Sorocabana, que também suspendeu os
trens, no trajeto Presidente Prudente a São Paulo, vem retomando o
percurso da primeira cidade até Presidente Epitácio, na margem do
rio Paraná. As composições de carga voltaram a circular e existe
plano de reinstalar o transporte de passageiros. A medida significa a
afinidade das relações dessa região com a grande Hidrovia TietêParaná,um trajeto navegável, que quando concluído, medirá 2.400
quilômetros de extensão.
Segundo o engenheiro Joaquim Carlos Teixeira Riva a hidrovia
lembra enormes projetos desbravadores, como as rodovias Dutra e
Belém-Brasília. Paralelamente ao empreendimento, existem outros,
pequenos e médios, ao longo do trajeto navegável. Uma viabilidade
é a construção de três ou quatro termoelétricas, utilizando o gás a
circular pelo gasoduto Bolívia-Brasil.
Paranapanema, rio de influência nacional, um vizinho nobre
A Hidrovia Tietê-Paraná está nas regiões Centro e Sudeste do
Brasil. Ela Influencia diretamente os Estados de São Paulo, Paraná,
Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Goiás. Mas, sua área de ação
chega à República do Paraguai, sobre quem a hidrovia representa
forte estímulo à expansão econômica, por favorecer o acesso aos
mercados do hemisfério norte em condições bastante propícias.
Há um papel de veículo de integração continental reservado ao
sistema hidroviário, que segundo Teixeira Riva, será alcançado plenamente com futuras obras de transposição de níveis da Usina de
Itaipu. Todo o trecho abaixo da barragem já é navegável, assim,
começando a transformar a hidrovia num caminho natural entre São
Paulo, de um lado, Buenos Aires e Montevidéu, Argentina, de outro.
É sempre importante reiterar que a hidrovia representa uma
perfeita integração física, econômica, política e cultural do Mercosul,
de quem a região de Rancharia é rota direta, passando por cidades
argentinas, por regiões do Oeste Paulista e a Grande São Paulo. Os
técnicos a situam em uma das áreas mais importantes do Brasil,
influindo em aproximadamente 70 milhões de hectares.
PERÍODOS ECONÔMICOS
Os cafezais exerceram um papel básico na colonização e na
expansão da economia regional. No período 1920-1930 a lavoura
se estendeu no sentido dos rios Paranapanema e Peixe, chegou a
Assis e se infiltrou por toda região da Alta Sorocabana. E tudo isso
de maneira bastante apressada.
A construção da Estrada de Ferro Sorocabana valorizou as
terras, aumentando, em conseqüência, a disputa por sua posse,
até com utilização da violência. Entre 1931 e 1932, as colônias
formadas por imigrantes da Itália, Portugal, Espanha e do Japão,
outros em menor número ocupavam 99.839 hectares, dos 163.924
que primitivamente (na época da fundação, em 1921), formavam o
município de Presidente Prudente, de quem foram desmembrados
vários distritos de paz.
A lavoura de café superava todas as outras atividades agrícolas
regionais. Na medida em que entrou em decadência a partir de
1929 vieram outras alternativas de utilização das terras, sendo as
principais, o amendoim, o algodão, a cana-de-açúcar e o cultivo de
forrageiras para o gado.
Cereais como o milho, o feijão e o arroz que se cultivava no
meio das ruas dos cafezais, também tiveram plantios reduzidos,
acompanhando a diminuição dessa cultura. Entre 1936 e 1938,
foram erradicadas somente na Alta Sorocabana 1,9 milhão de pés
de café. O arroz caiu 76%, o feijão 84% e o milho 25%, em relação
aos anos de 1931 e 1932.
Afetado pelo flagelo econômico de 1929, o café não sumiu
totalmente, continuou sendo plantado, mas em pequenas glebas.
Encerrado o ápice do seu ciclo, apareceram os da policultura e da
pecuária, com predomínio do algodão semeado nos solos de onde
saíram os cafezais e naqueles ainda não explorados, de derrubadas recentes.
O café foi derrotado pelas pressões da crise mundial de 1929
O algodão foi ganhando projeção, substituindo o café
Os cultivos de cereais, cresceram, ficando com o milho, o feijão
e o arroz o destaque maior. Ao lado dessas lavouras apareciam as
primeiras semeaduras de gramíneas forrageiras, inicialmente para
engorda do gado de corte. Interessante lembrar que havia muitos
anos, se desenvolvia a extração da madeira, seguindo o roteiro
dos desmatamentos, provocando a instalação de muitas serrarias.
Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, depois de 1940,
a região foi estimulada a plantar produtos para atender o consumo
pelo conflito. Os principais foram a hortelã-menta, Mamona, rami,
amoreira, mandioca, a laranja. Essas opções deram novo golpe na
cafeicultura, cujas áreas de plantação sofreram novas reduções,
para a liberação do solo.
Como está explicado quando terminou a guerra, também se
extinguiram as lavouras de menta, amoreira e rami, e no lugar
delas, vieram as primeiras semeaduras de amendoim. A partir de
1950 instalaram-se na região os primeiros frigoríficos, incentivando
daí em diante, a expansão das pastagens. Findou o estoque de
madeira e apareceu o cancro cítrico, ocorrendo a erradicação dos
laranjais.
Ao mesmo tempo o amendoim superava o algodão em espaço
cultivado, começando uma fase econômica de longa duração na
Alta Sorocabana.
Nos sucessivos períodos econômicos a extração da madeira
esteve presente, sem interrupção. Cada árvore caída significava
uma tora a mais para transporte às serrarias e ser industrializada.
Entre os produtos extintos nenhum deixou marca tão profunda nas
paisagens urbana e rural, como a da madeira.
José Ferrari Leite diz: Efetivamente, no estabelecimento do
café, foi a extração madeireira um ponto relevante da economia
regional, como acontece com demais frentes pioneiras nas áreas
florestais, se existia a possibilidade de seu transporte aos centros
consumidores.
A Estrada de Ferro Sorocabana ajudou de maneira especial
na vazão da madeira à São Paulo. Eram raras as composições de
carga que não transportavam troncos naturais ou madeiras aparelhadas.
Em muitas glebas, o capital gerado pela venda das toras brutas
era suficiente para pagar os trabalhadores então ocupados nas
derrubadas e limpeza do solo. Por vezes ainda sobrava dinheiro.
As tábuas de peroba era matéria-prima inicial para construir as
primeiras casas urbanas e rurais.
O aproveitamento da madeira bruta trouxe como conseqüência
a abertura de diversas estradas, o acesso às toras nas florestas.
Essas estradas eram ligadas diretamente às serrarias e estações
ferroviárias, onde proprietários das terras deixavam as toras para
transporte.
Por serem um material de peso elevado, os proprietários as
conduziam aos locais de depósito em carretas dotadas de 4 rodas,
puxadas por quatro pares de bois. Eram madeireiras instaladas
nas bocas de sertão, transformando os troncos de ipê, peroba,
marfim, jatobá, mognos e outras espécies em vigas levadas pela
estrada de ferro aos centros consumidores.
Sobre essas indústrias, José Ferrari Leite escreve que em sua
maioria, as serrarias eram movidas por caldeiras que consumiam
as sobras dos vegetais já trabalhados. A energia produzida fazia
girar o dínamo criador da eletricidade que movimentava as serras,
além de ser usada nas casas da administração, nas dos operários
e ao patrimônio, que nascia ao lado da serraria.
Os prédios do povoado eram construídos com madeira: a
padaria, a farmácia, a pensão, a igreja, o cruzeiro da frente da
igreja, as casas de moradia. Da mesma forma surgiam da madeira
as sedes das fazendas, sítios e casas dos colonos. As construções
de material apareceram só depois da sedimentação definitiva do
núcleo urbano.
Faz pouco tempo que o território hoje ocupado por Rancharia
perdeu esse comportamento. Os testemunhos a respeito falam do
controle da vida dos habitantes exercido pelas serrarias. Seu apito
característico às 6 horas, era o anúncio do início do trabalho. Às
11 horas indicava o período do almoço. Às 18 horas o sinal do
término do expediente. Às 21 ou 22 horas, um pouco mais, um
pouco menos, era retirado o combustível da caldeira e o gerador
de energia parava de operar, apagando-se as luzes.
O fim do ciclo das madeireiras foi apressado pela derrubada
indiscriminada da floresta. Também os indígenas, antecessores da
civilização perderam os espaços no território. Com a força que a
princípio parecia indomável, resistiram à presença avassaladora
dos homens brancos, porém, foram derrotados.
ÁLVARES MACHADO DE OUTRORA – ÁLVARES MACHADO DE HOJE
Grandes complexos madeireiros foram instalados no território
A MADEIRA ABRIU AS FASES DA ECONOMIA LOCAL. Isto
começou ainda na década de 20, quando o povoado apenas
emergia. A mata, derrubada indiscriminadamente, para limpar o
solo e nele surgir a cidade e as grandes produções rurais fornecia
toras brutas em alta escala, para beneficiamento nas serrarias do
povoa-do, desde sua fase embrionária.
Além dos grandes complexos madeireiros, outros pequenos e
médios entraram na disputa das toras, que na década de 50, ainda
mantinha um forte acervo, porém, numa conseqüência natural do
avanço das derrubadas, a oferta foi diminuindo. A ascensão da cotonicultura seduziu vários tipos de empreendedores.
Afetadas pela ausência de fomento governamental ao setor e
as quebras na produção de algodão, decorrente da exaustão do
solo, as fiações foram sendo fechadas.
Rancharia manteve sua vocação industrial. O maior daqueles
complexos, a Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo, também
encerrou os trabalhos na cidade. No seu lugar veio outro complexo
expressivo, a Máquina Steves, a princípio industrializando algodão
e hoje produzindo derivados da soja, para consumo interno e exportação. Uma tradição é mantida: a Algodoeira Paranaense S.A.,
(APSA) instalada na década de 50, continua operando, entretanto,
em ritmo inferior ao do passado, justamente pela insuficiência de
matéria-prima. As duas atuam no Distrito Industrial de Rancharia,
ao lado de um aglomerado de outras empresas.
Cargas de algodão chegam à cidade para beneficiamento
A RELIGIÃO EM ÁLVARES MACHADO começou nos passos da
fundação do Povoado de São Luiz. A História mostra que já em meado de
1917, o fundador Manoel Francisco de Oliveira ergueu uma grande cruz,
no local escolhido para construir a igreja. Os poucos habitantes rezavam
ao re-dor da cruz e, mais tarde, no acanhado espaço do primeiro templo,
também edificado por Oliveira. Em 1929 a segunda igreja foi edificada no
Bairro Guaiçara, conforme a repro-dução, abaixo, pintada pelo artista
plástico Jocame.
A igreja do Guaiçara, de 1929, segundo a reprodução de Jocame
Em 1937 a comunidade iniciou a edificação da Igreja de São José, o
Padroeiro de Álvares Machado. A madeira usa-da nos templos anteriores
foi substituída pelo tijolo. Era um mutirão liderado pelo padre Vicente
Fontanet, que foi para servir na cidade, dia 8 de agosto de 1937, pelo bispo
da Diocese de Assis, Dom Antônio José dos Santos. Às 10 horas daquele
dia o bispo rezou uma missa ainda na antiga capelinha, na presença de
uma grande multidão.
Anterior a isto, em 1923, o que se estenderia até 1940, o padre
japonês, Domingos Chohati Nakamura ministrava o cristianismo aos
imigrantes de seu país e seus descenden-tes. Sua área polarizada era o
Bairro Guaiçara, na zona rural onde foi construído um templo budista.
Padre Vicen-te Fontanet trabalhou na Paróquia de Machado até 1955, um
período de 18 anos e junto com o bispo Dom Antônio José dos Santos
inaugurou com missa solene, a Igreja de São José dia 19 de março de
1943.
Posteriormente foram designados para a cidade os sa-cerdotes Luiz
Othao Washlevigan, Orlando Luiz Gazola, Isidro Caldeira Vale e Antônio
Otero Soares. Todos eles defendiam a instalação de um relógio especial
na Igreja Matriz de São José. E, finalmente, isto ocorreu no dia 28 de
outubro de 1959. Em 1960 a paróquia trocou novamente de padre. O eleito
foi Francisco Wittner, seguido de Ladislau Obora, Jaime Altomar, José
Holanda do Vale, Pedro Paulo Mifsude, Jorge Bornemann, Maurício Grotto
de Camargo e Sérgio Antônio Bonini.
O número de igrejas cresceu. Hoje estão nos bairros Ouro Verde,
Floresta, Santa Luzia, Limoeiro, Cruzeiro, Quilômetro 4, Córrego do
Macaco, Santa Luzia, Bela Vista, Quilômetro 17, Quilômetro 27,Guaiçara,
Coronel Goulart, Parque dos Pinheiros e Jardim Panorama. A capela do
Guaiçara é servida pelo padre Miki Hasegawa, da Pastoral Nipo-Brasileira,
demais, pelo padre Sérgio Antônio Bonini. Outros templos da cidade:
Assembléia de Deus, Amor e Caridade, Metodista; Fé, Amor e Caridade,
Ambaju-ko Bo Gi, Congregação Cristã do Brasil, Igreja Batista, Evangélica
Avivamento Bíblico, Independente, Casa de Oração para Todos os Povos.
Monsenhor Nakamura (segundo da esquerda) e auxiliares do Guaiçara em 1938
Igreja de São José na fase de construção em 1942
Igreja de São José em 2006
A Segunda guerra Mundial, foi, está claro, catástrofe para o mundo.
Mas, em Álvares Machado, o conflito trouxe um benefício: a produção de
hortelã menta. De repente, as terras então ocupadas com algodão e
amendoim, depois do cume formidável do café, que perdeu seu reinado, a
horte-lã entrou, com força, transformada no próprio município em óleo
combustível. Era exportado aos países em guerra e sua ênfase maior foi de
1941 a 1945.
Os registros apontam os Estados Unidos como principal comprador do
óleo, que contribuiu decisivamente para a ascensão da economia
machadense. Em nível de produção o município só perdia para a China. A
guerra acabou e as aqui-sições foram suspensas. O algodão e o amendoim
voltaram a reinar e a cidade recebeu grandes complexos industriais:
Brasco, Sanbra (Sociedade Algodoeira do Nordeste Brasi- leiro S.A.),
Anderson Clayton, e ao lado delas a oriental Yokana, celebrizada como
uma das maiores exportadoras de amendoim do mundo.
Ainda conforme as fontes, também a mamona, o rami e a amoreira,
geradora do bicho-da-seda, ganharam expressivo destaque no município,
decorrente do alto consumo pela Segunda Guerra. Os alambiques de
menta despontavam em várias propriedades rurais. O cheiro da hortelã
beneficia-da era muito forte, chegando a fazer arder os olhos das pessoas.
O produto formou levas de milionários. Seguia de trem ao Porto de Santos
e continuava a viagem em navios até as regiões estrangeiras de consumo.
Um dos setores da Sanbra e seu grupo de operários
HOJE NO MUNICÍPIO SE PRATICA UMA AGRICULTURA
DIVERSIFICADA. Uma ênfase é a uva de mesa, cultivada por pequenos
lavradores. No ramo sobressaem-se imigrantes japoneses e seus
descendentes, que elegeram as qualida- des Rubi, Itália, Bentaca e
Niagara. Os latifúndios ali são poucos. Os minifúndios ainda imperam,
mesmo que cercados de uma série de problemas comuns nos campos
brasileiros.
Já no princípio da formação da cidade, a zona rural se apresentou
como sustento maior da atividade comercial. No começo, umas poucas
lojas. Takashima, Adib Sian, Casas Karazawa, Alfredo Nahas Tecidos,
Gabriel Maluly, Súniga, Cerealista Kimura Kotaro, Os Matsuda, com seu
armazém de secos e molhados.
No ramo da indústria, os grandes complexos fecharam, apontando
como causa essencial, a falta de matéria-prima, no caso, algodão,
amendoim, mamona, principalmente. Hoje este tipo de coligação não existe
na cidade. Mas, há outros, de menor expressão e um de sucesso nacional,
a Sementes Matsuda. Foi fundada há mais de 50 anos, por Shichiro
Matsuda e Skio Sammi, atualmente com sua indústria pau-lista na margem
da Rodovia Raposo Tavares (SP-270).
Foi um início nos alicerces do comércio de cereais, que se
consolidaria no ramo, inclusive com a exportação de seus produtos, para
semeadura de pastagens e, aliados, a eles, os suplementos minerais. A
década de 80 registrou um ciclo notável de expressão do grupo, que saiu
com sucesso em busca do controle de qualidade. Nesses passos, veio o
setor de nutrição animal. Quando a década de 90 chegou, a Matsuda
entrou na competição incisiva dos mercados do Brasil e do Exterior,
abrindo novos trajetos.
Hoje os frutos desse empreendimento se estendem às regiões
Nordeste e centro-Oeste. Isto foi possível devido, também, a instalação de
fábricas em Cuiabá, Mato Grosso e São Sebastião do Paraíso, em Minas
Gerais. Sua presença é vista, mais, em países da América do Sul e
América Central. A formidável ascensão nascida da saga extraordinária de
Shichiro Matsuda e Skio Sammi, confere ao grupo Matsuda, mais uma
insígnia: líder mundial na produção de sementes forrajeiras tropicais.
E não pára aí. Há um investimento imutável em pesquisas, em
convênios com instituições de expressão internacional. Na lista estão o
Instituto Agronômico do Paraná (Iapar), Universidade de Viçosa (Minas
Gerais), Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias (Embrapa),
Instituto de Zoo-tecnia (IZ) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), de
Jaboticabal; Instituto Agronômico de Campinas (IAC), Uni-versidade
Federal de Uberlândia (Minas Gerais), Centro Internacional de Agricultura
Tropical (CIAT) da Universi-dade Estadual Paulista (Unesp) de Botucatu.
Um Guru do mercado brasileiro com ramificação no exterior
Shichiro Matsuda: o iniciador da grande jornada, deixou as melhores lições
HISTÓRIA FOTOGRÁFICA DE
ÁLVARES MACHADO
A FAUNA E A FLORA DO TERRITÓRIO
Galo-da-serra. Ave muito procurada, por causa de seu alto valor
no comércio clandestino, também já é uma espécie rara.
Beija-flor: se alimenta do néctar das flores das matas, ajudando a polinizá-las
Você vai conhecer um mundo de cores. As cores de um
formidável mundo selvagem que o homem extinguiu ou afetou
bastante. São fotos da antiga fauna e flora que habitaram este
território. As alterações na vegetação primária foram bastante
intensas. Com a chegada e a expansão das atividades humanas, surgiram um novo mundo, as plantações de lavouras e as
pastagens, substituindo a floresta, então criadouro natural de
uma fauna que era muito rica.
Segundo a História registra a atuação do homem na região
começou em 1917 e o primeiro levantamento aerofotogramé-
trico para identificar a dilatação dos desmatamentos deu-se só
em 1962. O atraso dificultou o acompanhamento detalhado das
mudanças na vegetação primária.
A primeira ação antrópica foi registrada em 1907, com a
construção da Estrada Boiadeira, ligando o Sudoeste Paulista,
ao Sul de Mato Grosso, paralelamente aos vales próximos ao
rio Santo Anastácio.
Efetivamente em Presidente Prudente, a derrubada inicial
da floresta foi realizada em 1917, pelos serviçais do fundador
dessa cidade, Coronel Francisco de Paula Goulart, nas proximidades de onde seria erguida a estação da estrada de ferro.
Sugere-se que em Álvares Machado, a primeira ação pesada de
desmatamento de sua floresta teria sido em 1916, no setor do
Brejão, por Manoel Francisco de Oliveira.
As derrubadas aumentaram rapidamente e atingiram um
caráter econômico, com ênfase ao comércio de madeiras. Uma
parte das toras era transportada pelos trilhos da Estrada de
Ferro Sorocabana, para a cidade de São Paulo, e utilizada nas
indústrias ligadas ao segmento madeireiro, principalmente de
imóveis.
Ao abordar o processo de exploração da madeira na Alta
Sorocabana, o pesquisador Lecocq (1944), ressalta a utilidade
das melhores espécies primitivas extraídas da floresta nativa.
Empregava-se a peroba para fabricar parquetes, móveis, nas
construções, vigotamento e esquadrias. O cedro era usado em
móveis e esquadrias de luxo. O ipê-amarelo para dormentes,
esteios, estacas, obras navais, parquetes e na produção de
carrocerias de caminhões. O canelão na fabricação de móveis.
Pau-marfim na mobília de luxo, tacos de bilhar e parquetes. Por
fim, o jatobá para a produção de carrocerias de caminhões.
A floresta ainda livre da ação humana
A floresta afetada pela ação humana
A derrubada dos vegetais tinha como finalidade básica a
limpeza do solo para o cultivo de lavouras predatórias. Foi um
sistema realizado com excesso de pressa. Tanto assim que os
ocupantes das posses de terras vendiam as árvores ainda em
pé, com a recomendação ao comprador para retirá-las logo. Na
extinção da floresta usavam-se o machado, a foice, o serrador
e também a arrasadora caixa de fósforos.
Não se ligava para o dilaceramento do habitat dos bichos
e dos pássaros, que sem o ambiente selvagem para continuar
sobrevivendo, desapareceram ou migraram para regiões ainda
com florestas naturais. Uma Lei Estadual, assinada em 1942,
impôs a manutenção de uma parte da Reserva do Morro do
Diabo, no bico do Pontal do Paranapanema. São menos de 34
mil hectares. Outros mais de 300 mil hectares, foram transformados em fazendas de criação de gado, ocorrendo a matança
quase generalizada da fauna e flora dessa região.
Um trabalho criterioso, demorado e paciente, permitiu ao
editor desta obra reunir as principais espécies, paisagens e
espécimes primitivos que o território abrigava, formando um
documento singular a respeito do tema. Veja, leia, reflita. Você
é nosso convidado.
Tucano. Símbolo da antiga fauna local. Essa ave alimenta-se de frutas e
bagos e ainda é vista nos remanescentes de floresta.
Beija-flor: se alimenta do néctar das flores das matas, ajudando a polinizá-las
Rios e florestas se fundem no território nativo
Tiê-sangue
Esquilo-caxinguelê
Tuiú-tuiú
Tucano-açu
Mico-leão-de-cara-dourada
Mico-leão-de-cara-dourada
A antiga floresta
A derrubada da floresta
Mico-leão-dourado
Sucuri – Essa cobra gigante habitava na margem de ribeirões locais
A onça a espreita no intrincado da floresta
O massacre das árvores
Bromélia silvestre
Anhuma
Papagaio-de-cara-roxa
Tigre – desconfiado e ameaçador
Barbado
Rã
Biguatinga
Mocho-de-orelha
Onça parda, também conhecida como puma ou suçuarana
Ninho – a luta para manutenção da espécie
Jaguatirica
Manacá-da-serra
Pequenos botões da bromélia selvagem
Floresta do Morro do Diabo – dos cerca de 300 mil hectares de matas restam menos de 34 mil
Golpe mortal
Borboleta
Morcego
Coruja
Tartaruga
Beija-flor
Cobra – sua presença foi numerosa no território local. Quando se sente ameaçado, a
cobra levanta a parte dianteira de seu corpo e estende suas costelas. Às vezes lança
veneno em direção ao seu agressor, normalmente apontando para os seus olhos, a
menos de três metros. O veneno é muito dolorido, capaz de provocar, inclusive, a
cegueira.
Anta
Anfíbio – Esse bicho também era abundante no território local, encontrado em todo nível de
floresta. Muitos deles são especialmente adaptados para viver em árvores. Esta perereca
arborícola põe seus ovos em folhas.
Essa falsa-coral está conseguindo sobreviver à ação do homem. Seu habitat é o chão. O
colorido imita o da espécie venenosa, mecanismo que tem por finalidade afastar potenciais
predadores.
Canário-da-terra
Derrubada da floresta para ocupar o solo com a cidade e os campos de produção
UMA VELHA PEROBA SE DEBRUÇA em cima de um monte de
folhas douradas. Em seguida, outra peroba cai vencida pelos golpes
impiedosos da foice e do machado. Depois é a vez de um ipê, cujas
flores se arredemoinham na voragem da sua queda. A derrubada está
concluída, esses gigantes do sertão se amontoam como se fossem
gravetos para acender o fogo da manhã. Secam, despem suas folhas,
murcham de volume, de tudo o que atrai os sentidos, resta a coivara,
lambida pelas chamas, ralada de carvão, amortalhada de cinza e pó.
Pôr-do-sol na cidade
Pintor-verdadedeiro
Pomba-de-espelho
Jaú
Jacutinga
Jacuguaçu
Uiraçu
Gavião-pega-macaco
Lontra
Muriqui
Veado-campeiro
Lontra
PATRIMÔNIO SÃO LUIZ
FLAGRANTES DA VIDA REAL
ÁLVARES MACHADO COMEÇAVA A NASCER
Pela leitura de registros históricos, como jornais das décadas de 20 e 30,
publicados em Presidente Prudente (veja em fontes con-sultadas) é possível
delinear a silhueta do Patrimônio São Luiz, que o migrante de Minas, Manoel
Francisco de Oliveira fundou a partir de sua chegada a este canto do antigo
sertão paulista, em 1916.
As fotos dizem tudo. Como avaliamos em jornalismo, uma boa ilustração
vale por mil palavras. Nesse desenho formado do velho povoado, se deduz que
este não era diferente da maioria dos luga-rejos nascidos no sertão. Era um
pequeno centro de coronelismo, de empreendedorismo nato, de gatas bravas,
as mulheres que até pagavam para encarar uma briga no punhal ou no tabefe.
A jagunçada também tinha a sua marca aguerrida, fato comum naquele
passado já muito longínquo da região. Questões de terras compunham os
flagrantes da vida real no lugar, onde quase tudo se resolvia na bala. Mas, havia,
igualmente, a parcela de cidadãos e cidadãs pacatos, carregando o hábito de se
reunir para um dedo de prosa, nos botecos, nas calçadas, na casa de um ou de
outro.
Os anos se foram passando, inexoráveis, tudo ali foi mudando, Patrimônio
São Luiz virou Álvares Machado, virou cidade, raramen-te, agora, dava-se uma
briga, ou um tiro, mesmo para caçar animais selvagens. Findava-se o tempo de
se levar a arma para onde se ia, de exibir como um troféu a jaguatirica
capturada.
Veio então a nova fase, a contemporânea, a da civilização plena, a vida
como se lê no começo deste documentário, a cidade nos seus primeiros
passos. As fotos inseridas a seguir ajudam a contar essa história anômala,
ilustrações que ainda não havia sido publicadas. Veja que acervo extraordinário,
nos foi possível reunir, juntando para isso, paciência, perseverança e algum
talento. Veja, leia, medi-te, você é nosso convidado.
Um povo simples como era bucólico o patrimônio
O cruzeiro, símbolo da fé cristã no lugarejo
O homem com seu clarinete leva música pelas ruas
Um dedo de prosa na calçada
O velho justiceiro
Lampião a gás: iluminação noturna do povoado
A anciã e suas flores na porta do templo
Bairro Guaiçara em 1929: inauguração da capela
TERRITÓRIO
Álvares Machado em 2006: Avenida das Américas
OS ÍNDIOS DO
TERRITÓRIO
EXTINÇÃO DE UMA RAÇA
Os Coroado, também com a denominação Caingangue, a partir
do século XVIII, se disseminavam por todo o Planalto de São
Paulo. Em 1890, o expedicionário Theodoro Sampaio já se referia
aos seus primeiros sinais de enfraquecimento, duramente afetados
pelas frentes de desbravamento do sertão. Tanto assim, que no
fim do século XIX, se tinha notícia da presença de somente cinco
pequenos grupos deles, na região dos rios Peixe e Aguapey.
A fama dessa tribo alastrou-se no sertão, a ponto de serem
abandonados os acampamentos pelos derrubadores da floresta,
na fuga aos ataques, pois estariam em desvantagem. Era comum
os pioneiros encontrar, na floresta, pedaços de animais e peixes,
deixados pelos índios, ao se mudarem de um a outro extrato da
vegetação, que aprenderam a queimar para a limpeza do terreno.
As tribos dos Caiuá, Xavante, Tupiniquim e Caiapó completavam a feroz adversidade aos homens civilizados, que para
continuar avançando no território, respondiam às suas investidas
com igual brutalidade, recorrendo à formação de expedições, as
dadas ou bugreiros. Eram os grupos especializados na caça e
morte dos índios, circulando de um outro desbravamento, oferecendo seus serviços.
Os silvícolas cediam, mas heroicamente à força dos brancos,
invasores do território primitivo. Enquanto o número deles diminuía
em decorrência do extermínio indiscriminado, a superioridade da
marcha pioneira aumentava com a vinda de novos conquistadores
do sertão. As frentes contemporâneas de exploração, já os
encontraram em estado de decadência, e encerraram a operação
de destruí-los ou expulsá-los da região.
A História reafirma a supremacia dos Coroado. Em segundo
lugar, na escala de poderio estavam os Caiuá e os Xavante, esta,
a primeira a colocar-se em retirada, mudando-se para as regiões
de caça e pesca das margens mato-grossenses do rio Paraná. A
tribo dos Caiuá foi a seguinte a abandonar o habitat primitivo.
Dispersos, sem meios para sobreviver, os últimos indivíduos foram
recolhidos pela Fundação Nacional do Índio (Funai), num posto da
cidade de Dourados, no Mato Grosso do Sul.
A fome foi o pior drama dos remanescentes, agora andando
errantes pelo território intensamente desmatado, para dar lugar às
cidades e campos de produção. O derradeiro grupo foi encontrado
vagando sem destino certo, na beira do rio do Peixe. Os que se
salvaram, a Funai refugiou-os numa reserva, em Tupã, na região
da Alta Paulista. Embora considerados por historiadores do nível
de Pierre Monbeig, como sendo os verdadeiros pioneiros do
sertão, quase nada ficou de sua cultura na região, tão rápido e
avassalador foi o domínio do homem civilizado sobre eles.
Num velho escrito, lê-se que premido pela fome, pois a área
de caça diminuía a cada ano, e sem meios de competir com as
armas dos brancos, o índio tornava-se cada vez mais arredio e em
fuga constante para o sertão do Mato Grosso. Não obstante, os
ataques que opôs aos desbravadores, ao findar-se o século XX, já
eram assaltos sem preparo, acanhados, sem os inteligentes ardis
traiçoeiros dos antepassados.
Nota do editor: A grafia das tribos indígenas usada neste livro segue as normas da
Associação Brasileira de Antropologia, daí se lê, por exemplo: Os Coroado, Os Caiuá, Os
Xavante, Os Tupiniquim.
Índio primitivo: habitante nato do antigo sertão local
A história social do Brasil começa com o contato do homem
civilizado com o silvícola, o habitante primitivo da terra recémdescoberta. Foi um contato marcado por lutas violentas, episódios
de muita crueldade, como se lê em capítulo à frente.
Esses nativos que os portugueses encontraram aqui, eram de
origem discutida e viviam na idade da pedra polida. Mas, eles não
usavam a pedra como material de construção, por exemplo. Os
primeiros povoadores os chamaram de índio, e os consideravam
divididos em dois grupos: tupis, que habitavam o litoral e tapuias,
residentes no interior.
Entre eles percebia-se uma grande diferença de cultura, com a
presença de tribos mais atrasadas que outras, entretanto, em
todas elas, existiam traços comuns: ignorância da escrita e dos
metais e a falta de animais domésticos. Muitas tribos se iniciaram
na agricultura da mandioca, do milho e do tabaco, atividade
realizada pelas mulheres, reservando-se aos homens, a tarefa da
caça, de caráter mais violento. Andavam nus, porém, existiam
grupos já estreando na tecelagem e vestindo tanga de algodão.
Pintavam o corpo e o rosto, muitos furavam as orelhas, o nariz e
no lábio inferior penduravam botoques de osso ou pedra.
Possuíam canoas feitas com troncos de árvores escavados ou
de cascas de árvores, tinham sentidos muito apurados e memória
notável. A religião era fetichista, (veneração excessiva por objetos
materiais, a que se atribui poderes sobrenaturais) tementes de um
deus bom, Tupã, e um espírito maligno, tenebroso e vingativo, o
Anhang. Praticavam a antropofagia ritual.
Muitas tribos incineravam os seus mortos, outras os comiam.
Várias, entretanto, costumavam enterrá-los em covas redondas, e
sepulturas alongadas. Levavam vida livre, moral completamente
diferente da nossa. Agiam naturalmente, mesmo nos costumes
chocantes para nós. Em algumas tribos o adultério era livre, mas
outras aplicavam penas severas ao culpado.
Como em todas as sociedades primitivas, a família era em
muitas casas de base patriarcal. Em diversos grupos, o parentesco
só se transmitia do lado paterno. A mulher era simples instrumento
de procriação. Ligação de tio paterno com uma sobrinha consistia
um tabu. Porém, nessas tribos, muitas vezes, ocorriam ligações
mais íntimas entre mãe e filho e entre irmãos.
O chefe supremo da tribo era o tuxaua, morubixaba, existindo
também a figura do pajé, que curava os doentes, dava ou tirava a
saúde, roubava e escondia a alma de quem o ofendesse,
Os membros da tribo uniam-se por laços bastante estreitos.
Quem ofendia um, ofendia a todos. Essa política de clã, fechada e
intransigente, passou para o homem branco, no seu contato com
os nativos.
É verdade que outros fatores contribuíam para o aparecimento
dessa política de clã entre os homens brancos, um deles a própria
organização patriarcal. Dispensavam pouca atenção à casa, talvez
pelo fato de serem nômades, mudando de lugar nas florestas e
campos sempre que faltavam meios de subsistência. Adotavam o
hábito de cuidar com muito capricho, da ornamentação do corpo.
Além de cocares de plumas, de tangas de penas em cores
variadas, usavam no corpo muitas pinturas, sendo as mulheres
que faziam tal decoração. Para isto, empregavam tintas de urucum
e suco de jenipapo. A cerâmica, muito desenvolvida, era representada por vasilhames de argila cozida, quase sempre pintada e
com desenhos lineares em vermelho e preto. E havia, mais, a
representação da figura humana.
É nos índios, que encontramos as origens da arte brasileira. Foi
o elemento que se cruzou inicialmente com o português. Tenta-se
ainda identificar até que ponto eles se sobrepuseram ao homem
branco, lhe influenciando a cultura. Na língua, música, na própria
vida familiar, o símbolo indígena chegou até nós e permanece. Só
que quase nada existe dessa cultura nesta região, formada pela
Alta Sorocabana e o Pontal do Paranapanema, o que torna difícil o
trabalho de coleta e pesquisa, até pelas escolas de níveis mais
adiantados.
Lembrando: ao chegar, os sertanistas depararam-se logo com
os indígenas, precursores natos do território, encontrando reação
imediata. Decidiram que os tratariam como inimigos e os capturados transformariam em escravos. Não agiriam como os jesuítas
fizeram, tentando catequizá-los. Na previsão de Amador Cobra, se
os sertanistas tivessem agindo assim, talvez encontrassem nos
índios bons ajudantes no povoamento do sertão.
Enquanto iam conquistando suas terras à força, os brancos
usavam contra eles todas as armas que possuíam: espingardas,
carabinas, trabucos, e até venenos, também incendiando as áreas
da floresta onde moravam. Sozinhas, as tribos dominavam toda a
extensão da bacia dos rios Peixe, Capivara e outros. Exerceram tal
predomínio até o fim do século XIX e começo do século XX, depois
sumiram, milhares deles exterminados pelo avanço inexorável dos
colonos.
Outros povoadores que vieram nos passos de José Theodoro
de Souza, primeiro sertanista do território, adotaram com as tribos
um sistema de defesa, mais que ofensiva. Os que vieram depois,
usaram sistema diferente, travando com eles intensos combates,
para expulsá-los da região.
A fase mais aguda das lutas, foi quando os desbravadores
entenderam que se não atuassem com violência, eles teriam de ir
embora, abandonando os lugares onde só os bárbaros poderiam
viver. Muitos desanimaram, ensaiando voltar para as localidades
de origem. No meio deles surgiu um homem, especialista na caça
às tribos, o Coronel Francisco Sanches de Figueiredo, que se pôs
à frente da campanha para o extermínio.
Amador Nogueira Cobra refere-se a Figueiredo no seu livro Em
um recanto do sertão paulista:
Coronel Francisco Sanches de Figueiredo, homem famoso pela
campanha sistemática que administrou contra os indígenas, por
longo período de anos, conseguindo varrê-los das florestas da
margem direita do Paranapanema e de grande parte da bacia do
Peixe.
Ele teve ao seu lado, bons auxiliares, entre os quais os seus
próprios parentes e João José Martins, Domiciano Luiz Rosa, João
Hypólito Alves de Barros, Francisco Lourenço da Silva, Manoel
Costa, Manoel Ferreira de Paula, João Ferreira de Paula, Vicente
Lourenço Ferreira, Leonel Joaquim Teixeira, Modesto Pedro Claro,
Manoel Monjolo, Frutuoso Moraes Dutra e o filho Jocelyn Sanches
de Figueiredo.
O coronel não tinha a menor consideração com os selvagens.
Amador Cobra relata: Muita gente dedicou-se no terrível serviço de
matar índios e muitos indivíduos se vangloriavam das façanhas
praticadas e dos montes de cadáveres que fizeram.
Na jornada de eliminar os bugres, mais do que quaisquer
outros, se distinguiam os falsos proprietários de terras, indivíduos
impiedosos. Nas margens do rio Capivara foram travados os mais
renhidos combates. À medida que a ambição pela posse das
terras aumentava no sertanejo, crescia também o desafio de
empurrar para mais longe os silvícolas, daí nasceu a guerra, e
dela, a morte de numerosos combatentes dos dois lados.
O chefe da expedição, Francisco Sanches de Figueiredo
mandava abater várias reses, após retalhá-las, salgar e assar os
pedaços levava-os ao moinho (monjolo) transformando a carne
numa paçoca muito nutritiva.
O alimento era distribuído aos grupos de caça aos nativos.
Abastecidos para um período geralmente de 15 a 20 dias, eles
pegavam as carabinas e munição, partindo em seguida para a
mata fechada. A disciplina na marcha era terrível.
Assim que entravam na zona perigosa, sabendo que os índios
estavam próximos, ninguém podia mais fumar, tossir, espirrar, falar
ou fazer qualquer ruído. Por viver de espreita, ora aos inimigos,
ora à caça de animais para alimento, os índios tinham um sentido
bastante apurado, nisto levando vantagem sobre os agressores
que viviam fora da mata, à luz do sol.
Caminhando em direção às choças dos índios, se no percurso
vinha a noite, o grupo armava as barracas para dormir - a do chefe
Figueiredo ficava no centro das outras. Os sentinelas ficavam
acordados. Umas no chão, ocultas atrás das árvores, outras nos
galhos mais altos, denunciando o menor movimento suspeito. Ao
amanhecer, a empreitada prosseguia ao encontro dos indígenas.
A certa distância, depois de uma longa e difícil caminhada, em
silêncio, o chefe fazia um sinal de parada. Ouviam-se assobios. Os
cães enraiveciam. Não havia dúvida. Os índios estavam próximos
e chegara o momento do ataque, investindo pesadamente contra
eles.
As contendas eram quase sempre desiguais. Homens brancos
usavam armas de fogo, superiores as que os selvagens possuíam.
As balas dizimavam os que vinham de arco e flecha para a luta.
Cada índio que caía, era socorrido por outro, tentando retirá-lo do
local vivo ou morto. Este acabava morrendo também, e assim dois
da tribo saiam da linha de combate.
Os sertanistas sabiam da exímia pontaria dos inimigos que
raramente erravam uma flechada, então Adotaram a tática de dar
saltos para os lados, da direita para a esquerda, e vice-versa, a fim
de desviar o alvo e atrapalhar a pontaria. Ao mesmo tempo eles
disparavam suas armas, enfraquecendo os adversários.
Adotavam ainda o sistema de atacar as aldeias, preferindo
fazer isso, quando os indígenas realizavam suas danças de guerra
e religiosas. Nessas ocasiões tomavam a bebida que fabricavam.
Depois de ingeri-la e dançar por várias horas, se cansavam, ou se
embriagavam e se entregavam ao sono profundo.
Nesse estado, alta madrugada, eles dormiam nas choças e os
homens das dadas, sempre a serviço das franjas desbravadoras
eram distribuídos ao redor, preparavam as armas e esperavam até
a luz do dia. O comandante dava a ordem de ataque. O barulho
acordava os índios e sonolentos, tontos, saiam e à medida que se
expunham, caiam feridos mortalmente a tiros.
Os índios viviam livres e isto mudou com a chegada do desbravador
Os vencedores entravam nas choças, e deparando-se com as
índias, as matavam, em outras vezes as aprisionavam, junto com
as crianças. Depois envenenavam os alimentos. Se os índios que
estavam fora durante o combate os comessem morreriam.
Notando a extensão indiscriminada do extermínio, a partir de
1904, cidadãos de destaque na cidade de São Paulo e outras
cidades criaram uma sociedade de proteção e civilização dos
índios, recebendo o auxílio dos padres capuchinhos, estes com a
missão também de tentar convencer os desbravadores a parar
com a matança dos primitivos.
Essas medidas quase nada valeram. O ódio entre as duas
partes, os colonos e os índios cresceu. Era impossível conter tanto
um como outro lado. Os nativos levaram a pior, debandando, ou
eliminados. O Coronel Francisco Sanches de Figueiredo se tornou
famoso em todo o sertão. Homem valente, destemido, ninguém se
atrevia levantar a voz contra ele. A rodeá-lo havia um efetivo de
homens fiéis a defendê-lo, mesmo com a própria vida.
Figueiredo criou táticas especiais de combate às tribos, no
tempo em que nenhuma lei os protegia. Uma das ações constituía
de contaminá-los com o vírus da malária, doença que remédios
silvestres não curavam. Segundo o mapa do desbravamento, a
região foi uma das últimas a perder sua característica de sertão no
Estado de São Paulo.
A RESISTÊNCIA DAS TRIBOS
Com arcos e flechas de ponta envenenada, os índios fizeram
de tudo para se livrar da presença dos pioneiros que não se deixaram abater. Resistiam aos ataques e contra-atacavam. Assim,
foram tornando as terras habitáveis pela civilização.
Característica geológica própria do território em referência é
o Morro do Diabo, elevação da beira da Rodovia SP-613, que leva
ao rio Paranapanema. A mata que circunda o morro foi habitada
por algumas tribos. A dos Coroado era a mais arredia, e no alto,
ficava um cemitério desses nativos. Eram os piores inimigos da
franja pioneira, que teve muitos de seus trabalhadores mortos nos
confrontos em que acampamentos inteiros viravam cinza.
Nasceu o ódio e veio a vingança entre os índios e brancos.
Amador Nogueira Cobra fala dos pioneiros como um punhado de
valentes.
Não sabiam, nem lhes convinha recuar, e por isso resolveram
enfrentar corajosamente os inimigos. Por bem julgaram impossível
conduzi-los, salvo por meio de catequese organizada, para cujo fim
eles não estavam ali, e para o qual não dispunham de gente nem
de meios adequados. Sua finalidade era se tornar realmente
senhores do que o registro (das terras) lhes atribuiu, consentissem
ou não os primitivos.
Os desbravadores tinham diante de si a entrada da mata de
onde a cada instante podiam desembocar os Coroado, os mais
terríveis, ou outras tribos, que, embora menos violentas, também
causavam estragos enormes nos invasores brancos durante os
combates. Os pioneiros precisavam vigiar noite e dia os arredores
de suas casas, atentos ao menor ruído vindo de fora.
É de Amador Nogueira Cobra a explicação:
O índio dissimula perfeitamente sua aproximação, desta só se
apercebendo a outra gente, no momento do ataque. Corre pela
mata com celeridade incrível e passa diante da sentinela inimiga,
como relâmpago, desaparecendo na espessura da floresta. Aquele
que supuser que ele vai longe dali, não está livre de vê-lo, para
logo, a dois passos, carrancudo, horrendo, com a flecha no arco
retesado, prestes a partir.
Nos campos ele esconde-se tão bem atrás de uma moita de
gabiroba, assim como atrás de um cupim, não se deixa perceber,
salvo quando se ergue. Trepado numa árvore, ele dissimula por
entre a folhagem, ficando invisível aos inimigos aos quais, entretanto, observa, à vontade, nos seus mínimos movimentos. Imita,
admiravelmente, o pio das aves, servindo o pio fingido ao mesmo
tempo, para iludir os contrários e dar o sinal aos companheiros que
aguardam perto o momento de investir.
Se ao invés do índio, é o homem branco que coloca no alto
das árvores alguma sentinela, ele a pressente, e quando esta, com
a boca, com qualquer meio perceptível – até com os olhos – dá
algum sinal aos seus, recebe uma flechada, sem saber de onde
partiu e cai morta. Em seguida vem o ataque.
O escritor Cobra repete a palavra “bravo” para qualificar os
pioneiros. E, de fato, eles eram assim. Para reduzir o poderio de
investida das tribos, trabalhavam nos capões de mato, evitando a
floresta. Na área aberta podiam notar a aproximação dos índios, e
se defenderem. Enquanto uns faziam o serviço no campo, outros
vigiavam nos ângulos das suas roçadas. À noite, tinham o sono
sobressaltado, dormiam vestidos e ao menor ruído estranho ou
sinal de um deles, levantavam-se portando suas armas.
Os vestígios são de que no território regional ocorreram as
mais sangrentas batalhas, extensivas aos rios Paranapanema e
Paraná. Quando os desbravadores saiam para o trabalho nas
roças, levavam a mulher, filhos e os animais domésticos. Sem os
homens na moradia os índios os dizimariam.
O animal mais precioso para as famílias era o cachorro que
ajudavam a identificar a proximidade dos índios. O cheiro dos
inimigos excitava os cães, que pelo faro, os percebiam de longa
distância.
Atribui-se ao forte odor, o consumo excessivo da carne de
anta e capivara. Ao sentir a catinga, o cão eriçava o pelo e latia,
chamando a atenção dos donos e evitando o ataque de surpresa.
Da mesma maneira o cavalo reagia, sempre que os índios
estavam por perto conforme Amador Nogueira Cobra descreve.
O cavalo, igualmente, dá um sinal. Levanta a crina e a cauda,
abre desmedidamente as ventas, assopra com violência e dispara,
como se tivesse, trepado pela anca, ou montado no pescoço, o
sacy, que a crendice popular criou para espantar animais e praticar
outras diabruras.
ESCRAVIZAÇÃO E EXTERMÍNIO
Está claro que a região de Regente Feijó tem raízes fincadas
numa sucessão de vultos e de fatos extraordinários do passado
remoto. Nasceu com esta marca esplêndida da História do Brasil.
O seu maior patrocinador foi Santo Inácio de Loyola, fundador da
Companhia de Jesus que no século XVI, enviou missionários para
doutrinar os índios do Brasil.
O território foi um pólo de ações catequistas dos padres e
aldeamentos (reduções) erguidos por eles. As ruínas permanecem
no subsolo. Outra parte exposta na margem do rio Paranapanema,
desapareceu sob as águas do reservatório da Usina Hidroelétrica
de Taquaruçu, construída pela Companhia Energética de São
Paulo (Cesp). Antecedendo a trajetória das reduções, tema deste
capítulo, abaixo descrevemos ligeira biografia de Santo Inácio de
Loyola.
O fundador da Companhia de Jesus foi canonizado pelo Papa
Gregório XII, em 1622. No famoso cerco de Pamplona, em 1521,
ele foi gravemente ferido e na convalescença, lendo a Vida de
Cristo resolveu dedicar-se ao seu serviço. No ano seguinte Loyola
consagrou-se em Montserrat. Para reflexão de sua vida religiosa,
ficou em penitência nas cavernas próximas de Manresa, onde
escreveu Os Exercícios Espirituais que exerceu grande influência
nos seus seguidores.
Por causa do desgosto da peregrinação à Terra Santa, em
1523 ele resolveu dedicar-se à vida intelectual, para melhor desenvolver os projetos. Em Barcelona, na Espanha, freqüentou o curso
de Latim e estudou Filosofia em Acalá, Salamanca e, em Paris.
Nesta cidade se aliou a mais seis companheiros que, concebendo
o projeto de nova ordem religiosa, se reuniram em irmandade, da
qual surgiria a Companhia de Jesus.
Em 1537, ano de sua ordenação, Inácio de Loyola e seus
companheiros foram incumbidos pelo Papa Paulo III de realizar
prédicas em igrejas de Roma. Finalmente, em 1540, conseguiu a
aprovação pontifícia das regras da ordem que foi reconhecida,
oficialmente, como Companhia de Jesus.
Os princípios da nova ordem, revistos por Santo Inácio de
Loyola foram extraídos das Constituições. Os jesuítas enviados
aos lugares mais distantes, realizaram uma obra catequética de
alto relevo e sua teoria de difundir a fé cristã para combater a
reforma foi um valioso instrumento da Igreja no movimento da
contra-reforma.
Seguindo bem de perto a missão religiosa, Inácio de Loyola
não se descuidou da obra social, velando pelos desprotegidos,
com atenção maior às mulheres e às crianças. Rapidamente, a
nova ordem difundiu-se no mundo todo, possuindo na ocasião da
morte de Santo Inácio, em 1556, 101 casas no Brasil, Espanha,
Índia, Itália, Portugal, Alemanha e no Japão.
Suas obras buscaram aperfeiçoar a vida espiritual através de
meditações e reflexões a respeito dos problemas religiosos.
Escreveu: Exercícios Espirituais, O Livro das Constituições da
Companhia de Jesus, O Canto da Perfeição, Acta P. Ignatio. Ele
Nasceu na Espanha, em 1491, morreu em Roma, em 1556.
Percorrendo os documentos históricos, eles nos revelam que
a região, começou sua expansão só em 1853, a partir do espaço
entre os rios Itararé e Tibagi. Inicialmente vieram para explorar o
território grupos de sertanistas mineiros, paulistas e fluminenses.
Registros indicam que no começo do século XX, a ascensão
deu-se através da bacia da margem esquerda do Paranapanema e
direita do Tibagi.
Apressada, a frente desbravadora atravessou os rios das
Cinzas, Laranjinhas e Antas e décadas depois, houve um rápido
progresso da chamada mesopotâmia do Tibagi, Paranapanema e
Paraná, a quem se juntam os rios Pirapó, Ivaí, Corumbataí, além
de muitos córregos e ribeirões.
Até o ano 1632 a história se compunha de dois capítulos do
domínio espanhol no sul do Continente. Para conhecer melhor os
fatos é necessário rememorar o avanço da Província Del Guairá,
que se estendia do Iguaçu ao Paranapanema e do rio Paraná ao
Tibagi. Se pretendia chegar ao Atlântico e construir um porto em
Cananéia, Santa Catarina ou Paranaguá.
Raposo Tavares no comando de uma expedição de caça ao índio
Autores descrevem como um “grande viveiro” o número de
índios da região paulista e a do lado oposto do Paranapanema,
hoje ocupada pelo Norte do Paraná. Eles continuavam dominandoa inteiramente, embora as terras já pertencessem aos espanhóis
por direito de conquista, lhes assegurava o Tratado de Tordesilhas.
A divisa entre as terras do Paraguai e Espanha era fixada pela
denominação Linha Alexandrina, ou o Meridiano de Tordesilhas. A
divergência criada entre portugueses e espanhóis existia apenas
sobre a fiel demarcação daquela linha. Ambos, porém, aceitavam
que aquele território pertencia à Espanha, por estar situado a
ocidente da linha demarcatória.
Os paulistas da antiga Capitania de São Vicente discordavam.
Isto os levou a organizar bandeiras que, partindo dali, ou de São
Paulo de Piratininga, fossem disputar todo o enorme território que
deveria ser integrado à comunhão nacional. As primeiras entradas
saíram da costa vicentina no século XVI. Taunay cita as bandeiras
de Aleixo Garcia, em 1526, e de Cabeza de Vacca, em 1541, que
mostraram a vitalidade da Costa do Atlântico com o Paraguai.
O historiador Romário Martins se refere a Cabeza de Vacca,
Nuflo de Chaves, Martinez de Irala, Rodrigo de Vergara e Ruy
Melgarejo. São mencionadas também as expedições que viajaram
no sentido oposto, levando a missão de conter as incursões dos
paulistas, colonizar Guairá e edificar o porto no Atlântico.
Entre as bandeiras do século XVII, são citadas a de Nicolau
Barreto, em 1602, que realizou ações no ocidente, pelo rio Piquiri e
voltou em 1604. A de Manuel Preto, em 1607. A de Pero Vaz de
Barros, 1611. Sebastião Preto, 1612, todas elas seguindo no rumo
do sertão de Guairá.
Em 1554 os espanhóis tentaram firmar-se no lado esquerdo
do rio Paraná, e Irala, governador do Paraguai, mandou Nuflo de
Chaves percorrer as regiões ao longo do rio Paranapanema e rio
Tibagi. Apossando-se do território, este fundou, naquele ano, o
núcleo pueblo de Ontiveros, descrito como uma efêmera povoação
situada junto à foz do rio Piquiri e a uma légua do Salto de Sete
Quedas. Dois anos depois, a povoação foi transferida para a
confluência do Piqueri, no rio Paraná e três léguas e meia a
montante do Salto de Ciudad Real Del Guairá (1556).
Vinte anos depois, em 1576, na margem esquerda do rio
Paraná, foi fundado o núcleo de Vila Rica Del Spírutu Santu, uma
cidade espanhola mais tarde transferida para a foz do Corumbataí,
no Ivaí, onde ela prosperou, e durante mais de meio século, 1576
a 1632 dominou o sertão. Transformou-se na sentinela avançada
da região, até que a bandeira paulista de Antônio Raposo Tavares
e Manuel Preto a dizimou.
Em 1532 o Rei Felipe III nomeou Hernando Arias de Saavedra
para governador das províncias platinas. Estava certo de que a
medida seria útil para ativar a colonização espanhola do território.
Reconhecendo os graves erros dos colonizadores espanhóis e o
fracasso da colonização de Guairá, Saavedra sugeriu ao Rei que
apressasse a consolidação da fortificação da Nova Província, e se
concedesse assistência aos jesuítas que evangelizavam os índios
nativos.
No decorrer dos anos, os jesuítas instituiriam 13 reduções,
sendo as primeiras, as de Nossa Senhora de Loreto e Santo Inácio
Menor (ou Mini), reunindo 4.000 índios em fase de doutrinação.
(As duas mais próximas de Regente Feijó). Todavia, as incursões
paulistas prosseguiam. E, em 1611, anunciava-se que a bandeira
de Pedro Vaz de Barros havia aprisionado 500 índios assistidos
pelos jesuítas.
As tropelias dos irmãos Manuel e Sebastião Preto continuavam com todo o tipo de violências. O próprio Saavedra, em maio
de 1616 prestou informações sobre as renovadas agressões dos
bandeirantes paulistas contra os padres e os indígenas. Em 4 de
setembro de 1627 o Provincial Nicolau Duran denunciava o perigo
iminente, depois de ouvir os relatos dos jesuítas, da Companhia de
Jesus, temerosos de um assalto maciço aos aldeamentos.
Na seqüência da história, voltemos a 1625 quando, ao ser
nomeado governador do Paraguai, D. Luís de Céspedes Chefia fez
uma viagem, chegando à Bahia em maio desse ano. Continuando
a incursão, em fevereiro de 1628, ele esteve no Rio de Janeiro,
onde se casou com Dona Vitória de Sá. Esta o convenceu a seguir
para São Paulo. De lá ele escreveu ao Rei Felipe IV, falando dos
horrores das crueldades, e traições dos bandeirantes paulistas.
Dia 16 D. Luís partiu de São Paulo para chegar a um porto no
rio Anhembi, percorrendo as águas durante 16 dias. Prosseguiu a
sua rota de navegação pelo Paranapanema e o Paraná, atingiu a
redução de Nossa Senhora de Loreto em 8 de setembro, e logo se
empossou no comando de Ciudad Real.
Num documento com data de 8 de novembro de 1628, D. Luís
de Céspedes Xeria denunciou o que chamou de lástimas sobre
Guairá acrescentando considerações a respeito de uma propalada
expedição de 900 homens brancos e 3 mil indígenas escravizados
para destruir Guairá.
Em História das Bandeiras Paulistas, Taunay se refere a essa
expedição, como dos mais notáveis episódios do bandeirantismo
paulista. Esta começou sua violenta ação em agosto de 1628,
usando uma coluna chefiada por Manuel Preto e Antônio Raposo
Tavares, este, o lugar-tenente do primeiro, e a alma da expedição.
Os padres jesuítas Simão Mazetta e Justo Mansilla van Surck
fazem referência àquela tropa, calculando que toda população de
São Paulo participou dela.
Dispostos a conseguir fortuna comercializando índios feitos
escravos, Manuel Preto e Raposo Tavares não perderam tempo.
Em 28 de setembro de 1928, ao transpor o Tibagi, aprisionaram
todos os índios da redução Encarnación e os sacerdotes jesuítas
protestaram.
Um entendimento entre as duas partes, levou os bandeirantes
a devolver os silvícolas, prometeram não atacar os aldeamentos e
capturar somente os de outras tribos e paragens, deixando ilesas
as reduções. Mas não cumpririam isso.
Em 30 de janeiro de 1629 Raposo Tavares ordenou o ataque
à redução de Santo Antônio, aprisionando centenas de índios,
ignorando o protesto veemente do padre jesuíta Pedro de Moia.
Continuando a guerra contra os aldeamentos, em 23 de março,
Antônio Bicudo Mendonça comandou a invasão do núcleo São
Miguel, e Manoel Mourato administrou a ocupação do núcleo de
Jesus Maria.
Num amplo trabalho jornalístico produzido em 1992, este
editor escreveu sobre as ruínas da antiga cidade espanhola de Vila
Ricca Del Spíritu Santu, para o jornal “O Estado de S. Paulo”. Nele
traduziu o massacre contra ela e outras reduções pelos algozes
bandeirantes de São Paulo.
Transcrição:
-As ruínas de Villa Ricca Del Spíritu Santu, cidade fundada
pelos espanhóis em 1576, resistem ao tempo sob a terra, em Fênix
e Nova Cantú. É um dos mais importantes acervos do país, que
ajuda a contar a história do século XVI. Em Fênix, as ruínas são
protegidas por ima lei estadual e em Nova Cantú a área de
propriedade de particular foi ocupada por lavouras e pastagens.
Estudiosos do Brasil e Exterior sonham realizar escavações
no local mas eles se deparam com obstáculos intransponíveis. Os
destroços dentro do município de Fênix, estão encravados numa
região de floresta e é proibido danificá-la. Já os donos do terreno
de Cantú dificultam o ingresso mesmo de estudiosos na área.
Caçadores de tesouro vasculharam aquele subsolo, se ignorando
a extensão de suas ações.
A presença de pequenos animais e o restante da antiga
floresta, a que mais atraiu o povoamento, fazem da reserva uma
área de grande interesse também de depredadores. Há alguns
anos, um guarda foi morto por tentar impedir a caça no lugar. A
última grande pesquisa em Villa Ricca Del Espíritu Santu foi realizada pela geóloga Cláudia Parellado, do Museu Paranaense, que
resgatou a história.
A cidade foi traçada obedecendo a primeira lei urbanística da
Idade Moderna, assinada pelo Rei da Espanha, Felipe II, em 1573.
O projeto era integrado por um porto construído no rio Ivaí, que
possuía entre suas finalidades, embarque da erva-mate extraída
da região, para os centros consumidores.
Mas a influência do remanescente de Villa Rica Del Spíritu
Santu, na História do Brasil, ainda não foi suficiente para conferirlhe a proteção necessária. Medida defendida e nunca empregada,
foi anunciada em 1865, quando os engenheiros civis e irmãos
Keller decidiram estudar aquelas ruínas. Sugeriram a instalação de
vigilância e a reconstrução da cidade, possível ainda na época. Os
órgãos a quem se dirigiram nunca deram importância aos apelos.
No final do século XVI a Espanha compunha o cume da lista
dos conquistadores de terras habitadas apenas pelos índios.
Dividiam-se entre aventureiros e homens de ação. Tanto uns como
outros, utilizavam filosofia ambiciosa: os índios eram obrigados a
lhes prestar serviços, o que mais tarde chamaria a atenção dos
jesuítas da Companhia de Jesus.
Conquistadores usavam a colheita da erva-mate (congonha)
silvestre como sua principal fonte econômica. A colheita somente
seria possível, com exploração da mão-de-obra indígena. Para
fortalecer as ações, fundaram 13 colônias abaixo e acima dos
saltos Sete Quedas, segundo o historiador Temístocles Linhares,
organizadas sob forma de mitas, além de três maiores, batizadas
com a denominação de Ontiveros.
Localizada perto da confluência do Iguaçu, com o rio Paraná,
ao surgir em 1554, Ontiveros foi a primeira povoação efetiva dos
europeus no território onde nasceria o Paraná. Em 1557 foi
construída Ciudad Real Del Guairá, nas proximidades da foz do rio
Piquiri. Villa Ricca Del Spíritu Santu foi edificada em 1576 e na
povoação os espanhóis estabeleceram 150 mil índios guaranis e
gualachos.
Villa Ricca teve duas fases. A primeira, na região cortada pelo
rio Ivaí, onde atualmente está o município de Nova Cantú. A fase
segunda aconteceu na foz do rio Corumbataí, no atual município
de Fênix. Conforme Temístocles Linhares, na parte ocidental do rio
Pirapó existiam outras mitas (encargo a que se prestavam os
indígenas por ocasião das atividades de mão-de-obra, decorrentes
da conquista da América por espanhóis).
Além da posse do território os conquistadores reuniram altos
lucros, abastecendo de erva-mate áreas litorâneas dos maiores
estuários. Segundo Linhares as operações chegaram às regiões
meridionais do Rio da Prata, que foi transformado num entreposto
de comércio de mate, estendido a Bolívia, Chile, Argentina e Peru.
O avanço dos espanhóis só foi contido com o aparecimento
dos bandeirantes paulistas, que também capturavam índios e os
tornavam escravos, vendendo-os às Capitanias do Norte. Os
paulistas destruíram seus núcleos, incluindo Villa Ricca del Spíritu
Santu. Depois da incursão dos Keller, que em 1865 sugeriram a
restauração da cidade, só na década de 60 houve a reconstituição,
porém superficial do lugar, pelos pesquisadores Igor Chamyz e
Oldemar Blasi.
Os bandeirantes de São Paulo queriam os índios aldeados em
Villa Ricca e tinham um trunfo: Antônio Raposo Tavares, figura
máscula, irrequieta, de corpo peludo, montado em seu cavalo
negro e comandando a tropa. Além de cobiçar a mão-de-obra dos
nativos, queriam expulsar os espanhóis do território e aumentava a
ameaça de ocorrer um genocídio.
O historiador Affonso de E. Taunay escreve no livro História
das Bandeiras Paulistas: Esta la villa muy apretada y atrincheirada
por teneria sercada los portugueses de San Pablo. Sitiados, os
habitantes não podiam se abastecer, enfrentando a fome e falta de
água. Os apelos de Frei Cristóvão foram desprezados. Raposo
Tavares liderou novo ataque descrito como ensurdecedor.
Espanhóis e indígenas procuraram fugir rumo à margem
direita do rio Paraná, mas segundo a História, 100 mil nativos
foram aprisionados. O destino de Villa Ricca alertou os moradores
restantes de Ciudad Real Del Guairá, que tentaram escapar. No
entanto, numerosos deles morreram ao procurar fugir por águas,
ou perdidos na floresta densa e atacados por animais ferozes.
Vazias as cidades espanholas foram destruídas pela tropa de
Raposo Tavares, persistindo ainda ruínas e desolação na extensa
área entremeada pelos rios Ivaí, Tibagi, Iguaçu, Paranapanema e
Paraná. Os espanhóis salvos do maciço ataque debandaram para
lugares diferentes e há registros sobre decisão de parte deles, de
se juntar aos paulistas.
Nesse grupo estava o vigário de Villa Ricca Del Spíritu Santu,
Juan d`Ocampo Y Medina, mais tarde assassinado. Taunay fala de
terríveis calamidades ao se referir aos ataques a Villa Ricca e
outras colônias jesuíticas. Descreve: Muita gente pereceu na
terrível marcha, extraviada na floresta, morta por moléstias ou nas
garras dos tigres. O notável historiador qualifica os bandeirantes,
de salteadores, latrocidas, infames e indignos do Cristianismo.
Cerca de 200 espanhóis moravam em Villa Ricca Del Spíritu
Santu. Segundo a pesquisadora do Museu Paranaense, Cláudia
Parellada, eram exploradores, vestiam-se mal e tinham aspecto de
desnutrição. No entanto, se orgulhavam de residir numa cidade de
arquitetura avançada para a época, dotada de casas de cerâmica
e argila, com quadras e muros altos. O traçado do lugar foi transformado numa maquete exposta no museu, na cidade de Fênix.
Com o cuidado de não maltratar o resto de mata, a equipe da
pesquisadora Parellada identificou os vestígios de 40 moradias. O
número exato delas ainda não foi descoberto. Outra constatação:
no centro da cidade foram construídos alguns prédios públicos,
uma igreja, edifícios reais e municipais. Tudo disposto de modo
funcional, favorecendo a vida no núcleo.
Os conquistadores chegaram com orientação para obedecer
todas as instruções da lei urbanística assinada pelo Rei Felipe II,
em 1573. Eles as seguiram plenamente. Na área edificada, com
300 mil metros quadrados, havia muros altos, poços artesianos e
um sistema de abastecimento de gêneros alimentícios, supondo-se
ter sido uma obra edificada por técnicos.
Os espanhóis usavam roupa de algodão, dando preferência à
cor preta. Num tempo em que o produto de cobertura dos prédios
era a palha, se davam ao luxo de usar telhas de cerâmica,
modernismo certamente chegado da Coroa de Espanha. Já
cultivavam frutas especiais como a laranja e a uva, ao lado do
milho e da mandioca que adicionavam à alimentação, porém sem
torná-la completa de calorias.
Os cem homens brancos não conseguiram desenvolver o projeto, em que a erva-mate se constituía na grande atração e razão
do empreendimento. Por isto o plano de sujeitar os índios aos seus
domínios era parte básica do projeto.
Testemunhos sugerem a presença de pelo menos 150 mil
índios nativos em Villa Ricca, todos da nação guarani. Grande
quantidade deles residia na cidade, na condição de escravos, o
restante, em aldeia ao redor do núcleo dos padres jesuítas.
Não havia discriminação com relação à mistura genética. Era,
por exemplo, permitido o casamento entre brancos e índios e o
homem podia ter mais de uma mulher. Uma bigamia autorizada. O
aspecto forte e saudável dos rapazes indígenas atraia senhoras
viúvas que chegavam para morar em Villa Ricca e arranjar um
casamento, com permissão da Coroa de Espanha.
A disciplina do rei não admitia a bigamia que se espalhou
entre os brancos, acompanhando o costume dos guaranis. Esses
índios instituíram a tradição de possuírem quantas mulheres
quisessem, desde que pudessem atender as necessidades suas e
delas. O homem branco gostou disso, mas sofria forte censura e
tinha que acabar a relação se o rei soubesse.
Em datas geralmente não anunciadas o rei mandava fiscalizar
a cidade e depois de receber os relatórios dos enviados, adotava
medidas punitivas. Sabe-se ainda que as mulheres se deparavam
com a insuficiência de homens capazes de se unirem a elas. Dos
200 espanhóis, pelo menos cem tinham 50 anos ou mais, eram
casados e ficavam com a execução do trabalho menos pesado e
os jovens com a exploração da terra bruta.
A Coroa supervisionava tudo, às vezes moderada em falhas
identificadas no núcleo. Precisava da erva-mate e o aldeamento de
Villa Ricca significava a certeza de grandes colheitas. O bispo D.
Frei Cristóvão de Aresti tinha papel deveras importante, pregando
o evangelho como forma de manter a disciplina.
Na obra Colonização e Desenvolvimento do Norte do Paraná,
(Companhia Melhoramentos), lê-se:
O Norte do Paraná que depois de 1500 continuou dominado
pelo indígena brasílico, embora, pelo Tratado de Tordesilhas, de
1494, pertencesse à Espanha, a partir de 1554 passou a ser colonizado pelos espanhóis, que fundaram as povoações de Ontiveros,
depois transferida e denominada Ciudad Real Del Guairá e Villa
Ricca Del Spíritu Santu.
No século XVII, por volta de 1610, a Companhia de Jesus foi
encarregada de promover a catequese dos índios e a colonização,
fundando essas 13 reduções: Nossa Senhora de Loreto e Santo
Ignácio Menor, à margem esquerda do rio Paranapanema, ao
norte da região. São José, São Francisco Xavier e Encarnación, à
esquerda do Tibagi, e à direita deste, São Miguel. No rio Ivaí, a
montante de Villa Ricca, São Thomaz, Los Angeles, São Paulo e
Jesus Maria. No rio Iguaçu, quase na sua foz no Paraná, Santa
Maria, e ao lado do rio Piquiri, Concepción e São Pedro.
A partir de 1632, no território que os bandeirantes acresceram,
nessa região, ao imenso interior do Brasil, reinaria uma longa
estagnação. Para os espanhóis impedirem novas incursões dos
bandeirantes, os quais se sobrepunham aos próprios interesses de
Portugal, seria indispensável a fixação dos limites ocidentais da
nação, nesse território ao longo dos rios Paraná e Paranapanema.
Para que isso ocorresse foi assinado o Tratado de Madrid de
1750, anulado em 1761. Somente depois da Guerra dos Quinze
Anos entre as nações ibéricas (1761-1777) e com a ascensão de
D. Maria I, se conclui o Tratado de Santo Idelfonso, que instituiu as
divisas assentadas em 1750. Outrossim, é importante recordar que
a fronteira pelo álveo do rio Paraná foi fixada pelo Tratado de 8 de
janeiro de 1873, depois de encerrada a guerra Brasil e Paraguai.
ANTÔNIO RAPOSO TAVARES – Explorador e bandeirante
português, naturalizado brasileiro, veio para o Brasil em 1622 com
seu pai. Tinha sido designado para o Governo da Capitania de São
Paulo, com a função de capitão-mor. Em 1628, organizou uma
bandeira composta por mais de 3 mil homens e partiu de São
Paulo, seguindo por terra, alcançando numa primeira etapa, as
nascentes do rio Paranapanema.
Nessa região, Raposo Tavares capturou cerca de 3 mil índios
e os enviou para serem vendidos nas capitanias do Norte, como
escravos. Em 1647, organizou a bandeira das fronteiras, ou dos
limites. Seguiu para o Oeste, subiu o rio Paraguai, lutou com os
índios Guaicurus, embrenhou-se pelos rios Guaporé e Madeira.
Depois seguiu o curso do Amazonas, se acreditando que ele tenha
chegado ao Oceano Pacífico.
Voltou a São Paulo, em 1650. Com sua bandeira expulsou os
espanhóis do Leste do Paraná e obteve para a Coroa de Portugal a
posse das terras de Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso e Rio
Grande do Sul. Antônio Raposo Tavares nasceu em São Miguel da
Beja, Portugal, em 1498 e morreu em São Paulo, em 1568, com 70
anos de idade.
PREFEITURA E CÂMARA MUNICIPAL - 2006
ÁLVARES MACHADO DE OUTRORA
MEMÓRIA FOTOGRÁFICA DA CIDADE
Editor:
Valdery Santos
Rua Perfeito Brasil Folino, 150
Presidente Prudente-SP
19 013 400
Fontes consultadas:
Jornal “O Momento” (Presidente Prudente, 1922)
Jornal “A Ordem” (Presidente Prudente, 1923)
Jornal “A Cidade” (Presidente Prudente, 1924)
Jornal “O Libertador” (Presidente Prudente, 1924)
Jornal “A Voz do Povo” (Presidente Prudente, 1926)
Jornal “O Progressista” (Presidente Prudente, 1927)
Jornal “O Amanhã do Brasil” (Presidente Prudente, 1930)
Jornal “Gazeta Quermesse” (Presidente Prudente, 1931)
Jornal “O Jequitibá” (presidente Prudente, 1936)
Jornal “Folha da Sorocabana” (Presidente Prudente, 1939)
Amador Nogueira Cobra
Em um recanto do sertão paulista
Bruno Giovannetti
Esboço Histórico da Alta Sorocabana
Afonso de E. Taunay
História das Bandeiras Paulistas
Airton Aparecido Anderson
Santo Anastácio, Economia, População e Relacionamento Regional
Afonso de E. Taunay
Relatos Monçoeiros
Valdery Santos
Cabeza de Vacca e Os Grandes Roteiros Históricos
Celso Jaloto Ávila Júnior
Santo Anastácio, História de Uma Cidade
Pierre Monbeig
Pioneiros e Fazendeiros de São Paulo
Célia de Carvalho Ferreira Penço
A “Evaporação das Terras Devolutas” do Vale Paranapanema
Teodoro Fernandes Sampaio
São Paulo no Século XX
Francisco de Paula Goulart
Bandeirante do século XX
João Carlos Fairbanks
Os primórdios da região Alta Sorocabana
Orlando Valverde
Geografia Agrária do Brasil
Lúcio Flávio Marim
O Sistema Viário do Pontal do Paranapanema
Dióres Santos Abreu
O Desbravamento da Alta Sorocabana por um
Bandeirante Moderno: Capitão Francisco Witaker
José Ferrari Leite
A Alta Sorocabana e a Região Polarizada de Presidente Prudente
Fernando Henrique Cardoso
Capitalismo e Escravidão
José Ferrari Leite
A Ocupação do Pontal do Paranapanema
Ary Figueiredo
A Marcha do Café e As Frentes Pioneiras
Governo do Estado de São Paulo
Pontal do Paranapanema – Zoneamento Ecológico-Econômico
Arquivos do jornal Folha da Manhã – São Paulo
Livro editado em sistema eletrônico próprio do autor.
Julho de 2006

Documentos relacionados

Livro Eletronico - Prefeitura Municipal de Álvares Machado

Livro Eletronico - Prefeitura Municipal de Álvares Machado vegetação protegia contra a chegada da civilização. Um dia, porém, surgiram alguns homens auda- zes para iniciar a ocupação do território longínquo. Os índios reagiram, mas o grupo fincou no solo r...

Leia mais