um plano muito audacioso

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um plano muito audacioso
UM PLANO MUITO AUDACIOSO
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EGBERTO B. SPERLING
UM PLANO MUITO AUDACIOSO
2011
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ÍNDICE
Prólogo............................................................................................ 5
Capítulo 1 – O Planejamento........................................................ 8
Capítulo 2 – A Execução................................................................30
Capítulo 3 – O Prêmio e a Punição.................................................57
Conclusão.........................................................................................98
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PRÓLOGO
agosto de 2008 a janeiro de 2009
Em agosto de 2008, Michael (Mike) Sullivan, um homem que, nos
anos 30, poder-se-ia chamar de “gangster”, consegue, após o cumprimento
de pena por 5 anos na prisão federal de Attica, no estado de New York,
nos EUA, a liberdade condicional por bom comportamento. Mike havia
sido condenado por estelionato. Ele contava, na data de sua saída da
prisão, com 40 anos. Durante o período em que esteve preso, Mike, longe
de se arrepender de seu crime, sonhava em se tornar, algum dia, o chefe
de uma poderosa quadrilha, que pudesse executar, por assim dizer, um
“golpe de mestre”. Comportava-se bem, cumpria todas as exigências e
regulamentos prisionais, não provocava nem aceitava provocações ou
envolvimento com outros presos (alguns de alta periculosidade), mas seu
cérebro não parava de funcionar. Fez, todavia, três amigos na prisão: John
Ashley (um ex-Suboficial submarinista da US Navy – condenado por
assalto a banco, após sua passagem para a reserva); Morgan Simpson (exSargento mergulhador da US Navy, seu companheiro no mesmo assalto a
banco); e Thomas Smith (ex-segurança de uma empresa, condenado por
assassinato culposo). Estes três, assim como Mike, mantinham boa
conduta e aguardavam suas audiências periódicas, após dez anos de
prisão, para conseguirem, também, suas liberdades condicionais. Os
quatro, que constituíam um grupo isolado dos demais presos,
conversavam muito, sempre reservadamente, quando Mike (já assumindo
sua postura de “chefe”) lhes confidenciava suas idéias para o futuro, seus
planos ainda embrionários para o tal “golpe de mestre”. Assim, graças à
sua boa conduta, Mike ganhou primeiro o direito de sair em liberdade
condicional. Deixou um endereço com seus companheiros para que estes,
ao saírem da prisão, o encontrassem.
Ele era nascido em Chicago. Entretanto, levara sua vida em New
York, mais especificamente no bairro de Brooklyn. Para lá se dirigiu e,
quando chegou, alugou um pequeno quarto em uma pensão. Logo, saiu e
foi até Manhattan procurar seu amigo Phillip Duncan, seu parceiro no
estelionato que o condenou à prisão, mas que escapou incólume graças ao
silêncio de Mike. Portanto, devia muito a este, principalmente sua
liberdade e sua ficha limpa. Phillip guardava, nas Islas Caimán, um
paraíso fiscal, os US$ 5.000.000,00 (Cinco Milhões de Dólares) que o
golpe por eles aplicado em diversas pessoas (um tipo de “pirâmide”, via
Internet, no qual as pessoas enviavam dinheiro, mas nunca recebiam suas
quotas), há sete anos atrás, lhes havia rendido. Mike esboçou, em
rápidas pinceladas, para Phillip, seu projeto, que contou com a
aprovação deste. A partir deste encontro, no restante de 2008, eles
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se reuniram diversas vezes. No final de 2008, Mike, que até então
permanecera na pensão para não chamar a atenção, mudou-se para o
apartamento de Phillip, na E 77th Street, em Manhattan. Começaram a
viver com relativo conforto, sempre evitando gastos supérfluos, como
“cortina de fumaça” para a fortuna que possuíam. Mike cumpria
rigorosamente seus compromissos com a Justiça (Jurisdição de
Condicional) e era, inclusive, elogiado por sua assiduidade e pontualidade.
Em dezembro de 2008, John Ashley e Morgan Simpson também
obtiveram suas liberdades condicionais e foram ao encontro de Mike no
apartamento de Phillip, endereço deixado com eles por Mike, quando de
sua saída da prisão. Mike alojou-os em um hotel barato, nas
proximidades. Os dois estavam na casa dos quarenta e poucos anos de
idade e, para satisfação de Mike, simpatizaram com Phillip, e este com
eles.
Mike era alto, forte, cabelos e olhos castanhos, vestia-se com ternos
sóbrios, com elegância e discrição e possuía uma “cara de anjo”, o que lhe
garantia sempre a confiança de todos com quem tratava. Ninguém poderia,
ao vê-lo, saber que se tratava de um ex-presidiário ou de um criminoso.
Phillip, por sua vez, era baixo, magro, louro com olhos azuis e
possuía feições finas, parecendo ser um gerente de empresa, para
exemplificar. John e Morgan, todavia, por suas atividades prévias, eram
ambos fortes e queimados de sol. Eram baixos e atarracados e possuíam
feições duras. Poderiam, a um observador desavisado, passarem por
irmãos ou primos próximos, por serem assemelhados fisicamente.
O plano estava sendo delineado e alguma coisa já estava no papel,
através de constantes reuniões do grupo.
Mike, antes de ser preso, tinha-se enamorado com uma mulher
inglesa, Elizabeth (Liz) Huntington, que vivia em Capetown, na África do
Sul. Eles se conheceram durante uma viagem de negócios de Liz a New
York. Durante o período de sua prisão, o amor entre Mike e Liz não
diminuiu. Eles se correspondiam e, por cinco vezes, das diversas em que
Liz veio aos Estados Unidos, ela foi à prisão visitá-lo. Como todos sabem, a
África do Sul é uma grande produtora de diamantes e Liz era gerente de
um escritório, da empresa South Africa Mining and Exporting (S.A.M.E.),
onde processava a exportação de diamantes para outras partes do mundo.
Ela, em diversas conversas com Mike, antes da prisão deste, e em cartas,
durante a mesma, confidenciou, inocentemente, porém sem detalhes, os
procedimentos de exportação periódica de grandes partidas de diamantes.
A idéia ficou remoendo a mente de Mike, durante cinco anos. Agora, era a
hora de pôr em prática um plano para se apoderar de uma dessas
remessas.
Mike telefonou para Liz, em Capetown, e, para júbilo desta,
informou sobre sua liberdade condicional. Liz, imediatamente, disse a
Mike que iria visitá-lo em New York, pois estava por demais saudosa e
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tinha se guardado para ele durante os cinco anos de sua prisão. Mike
podia se considerar um felizardo, pois poucas mulheres seriam fiéis a seus
amados a esse ponto: manter-se casta dos vinte e oito até os trinta e três
anos, por paixão a um homem, com quem ela não podia ter contato físico
pois ele estava em uma penitenciária. . .
Finalmente, em 27 de janeiro de 2009, Liz chegou, em vôo da
British Airways, a New York. Mike foi recebê-la no Kennedy International
Airport. Liz era alta, loura, muito bonita de rosto, de olhos azuis e pele
clara e possuía um corpo escultural. Trajava um belo vestido azul marinho
e, como fazia muito frio, trazia um casaco de pele bem grosso, além de
luvas e um cachecol. Ao se encontrarem, à saída da Alfândega, trocaram
um demorado e apaixonado beijo. Mike, rapidamente, pegou sua mala do
carrinho e foram tomar um táxi que os levou para o New York Hilton. Após
o check-in, subiram para o quarto e, apaixonadamente, foram para a cama,
matar uma saudade de cinco anos!
O plano de Mike estava apenas começando. . .
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Capítulo 1
O Planejamento
28 de janeiro a 10 de junho de 2009
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Após uma ardente noite de amor, Mike e Liz acordaram no
confortável quarto em que haviam dormido no New York Hilton. Da janela,
podia-se avistar o Central Park, naquela época do ano totalmente coberto
de neve e com seus lagos congelados. Via-se, também, trechos da 5th
Avenue, além da Avenue of the Americas e a E 53th. Street (esquina onde
se situa o hotel). O tempo apresentava-se bom, com um céu claro e azul,
apesar da temperatura lá fora estar apenas um grau acima de zero. No
quarto, entretanto, com a calefação, a temperatura estava confortável,
razão pela qual os dois, que haviam dormido completamente nus, após as
várias sessões de sexo que tinham vivido, estavam à vontade. Mike
levantou-se, após beijar carinhosamente Liz, e telefonou solicitando o
breakfast no quarto. Em seguida, deitou-se novamente, virou-se para Liz e
disse:
- Liz, meu amor: não pretendo mais deixá-la. Esta noite foi muito
importante para mim, pois entendi o quanto a amo!
- Eu também, meu querido. Te amo muito. Esses cinco anos em que vivi
longe de você me deram a certeza de meu amor. Vivi cada momento
antevendo este dia e também não quero mais perdê-lo! – respondeu
Liz.
Mike, que, premeditadamente, já havia pensado nesse diálogo muitas
vezes antes, fez a colocação que pretendia na hora certa:
- Liz, querida: é meu desejo tê-la como minha esposa, como minha
mulher. Mas, como você bem sabe, sou um ex-presidiário e, pelas leis
americanas, um homem em liberdade condicional não pode se ausentar
da cidade que escolheu para morar.
Liz respondeu exatamente o que ele desejava ouvir:
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- Minha vida: que felicidade ouvir isso de você! Casar com você é o sonho
de uma existência. Não se acanhe, eu não vou deixá-lo neste momento
difícil que você está vivendo. Meu emprego não se constitui
em
problema – posso largá-lo se quiser ou, para unir o útil ao agradável,
pedir transferência para nosso escritório em New York e, assim,
poderemos nos casar e viver juntos, sem a separação de um oceano
entre nós!
Mike tinha atingido seu objetivo. Ele manipulava as pessoas quando
queria e, naquele momento, levou a doce e inocente Liz a fazer o que ele
havia planejado, noite após noite, em sua cela no presídio – queria Liz
trabalhando perto dele para poder saber, com certeza, quando e por qual
meio de transporte sua firma remeteria os diamantes para os EUA.
Respondeu, pois, a ela, rapidamente:
- Muito bem, meu amor – agora, só falta marcarmos a data de nosso
casamento!
- Hoje mesmo, vou ao escritório da S.A.M.E., na Madison Avenue,
para resolver o que vim fazer aqui e vou pedir ao nosso diretor em New
York uma vaga. Depois, regresso a Capetown e solicito ao presidente da
empresa, que é um pai para mim, para me transferir para cá. Deve
levar cerca de um mês. Aí, eu me mudo para New York e nos casamos
– respondeu Liz, deixando Mike ainda mais feliz. . .
Este disse a ela:
- Não podemos perder um só instante de sua estada aqui. Vamos comer
o breakfast e eu, depois, a levo até seu escritório. Você me telefona
quando terminar e vamos gozar a vida – vamos jantar fora, vamos a
um show na Broadway e viremos para o hotel para outra noite de
amor. . .
- Vou amar este dia! – respondeu Liz.
Comeram, se vestiram e foram de táxi para o escritório. Mike deixou-a
e foi para o apartamento de Phillip. Lá chegando, informou a ele que o
plano já estava em andamento e que seu casamento era coisa de um ou
dois meses e que, com o tempo, saberia a rota dos diamantes e,
dependendo do meio de transporte, escolheriam a opção adequada para
um ataque que os tornaria milionários.
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À tarde, por volta das 17:00hs, Liz regressou ao quarto do hotel. Mike
estava sentado, assistindo TV e bebericando um scotch. Beijaram-se
ternamente e Liz serviu-se, também, da mesma bebida que Mike estava
bebendo. Afinal, Liz declarou:
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- Amor, está tudo resolvido. Acertei com Douglas, nosso diretor em New
York, a próxima chegada de remessa de diamantes. Será em Miami, e
chegará de navio, como sempre. Esta informação é ultra secreta. Eu
não poderia revelá-la nem a você. Mas, não importa. Você faz parte de
minha vida. Quanto à minha transferência para cá, ele aceitou me
receber aqui. Só falta a autorização do presidente da S.A.M.E., Mr.
Wainwright, em Capetown. Mas, Douglas disse que, por um motivo
importante, como é o nosso casamento, ele não recusará. Que bom, não
é?
- Claro, minha querida. Quanto antes você vier, melhor será. Agora,
quando você pretende voltar para Capetown a fim de tratar de tudo?
- Amor: de acordo com nossos procedimentos, tão logo eu divulgo ao
diretor em New York, tenho que regressar no dia seguinte. São normas
da empresa, para garantir a segurança. Sempre que o gerente de
Capetown vem a New York, pode-se saber que uma remessa está
prestes a ser despachada por um navio de carreira.
- Ah! Que interessante! E quando virá a próxima remessa?
- Desculpe-me, amor. Não posso dizer nem para você.
- Não importa. Era só curiosidade.
Entretanto, Mike, realmente, estava exultante. Tinha descoberto como
saber que as remessas vêm para os EUA – quando o gerente em Capetown
vem a New York é a confirmação de que uma partida de diamantes será
despachada. Soube, também, que o meio de transporte é por via marítima.
Só faltava descobrir o calendário das remessas. Mas, isso ele descobriria
após seu casamento com Liz. Era questão de tempo. Ele nunca imaginou
que seria tão fácil e tão rápido obter as informações que ele havia
conseguido em apenas um dia. . .
Após a conversa que tiveram, Liz e Mike começaram a se preparar para
a noite que iriam desfrutar. Ambos tomaram banho e se vestiram. Mike,
como sempre, vestiu um de seus ternos com aspecto sóbrio e Liz trajou um
vestido de noite. Os dois vestiram, ele seu sobretudo e ela seu casaco de
peles, e desceram. Embarcaram em um táxi e foram para a E 53th St, bem
próximo do hotel, para um restaurante denominado Devil’s Steak. Fazia
muito frio à noite. A temperatura estava por volta dos dez graus abaixo de
zero. Após um lauto jantar, regado a vinho, quando brindaram diversas
vezes pelo amor que tinham um pelo outro, pediram outro táxi, que os
levou à Broadway, onde foram a um teatro assistir “O Fantasma da
Ópera”, musical de grande sucesso e há muitos anos em cartaz. Ao final,
regressaram para o hotel e mergulharam na cama para mais uma longa
noite de amor. . .
No dia seguinte, 29 de janeiro, após acordarem e tomarem o breakfast,
foram para a rua fazer compras. Liz passou na loja da British Airways e
confirmou sua passagem para a tarde. Seria um longo vôo entre New York
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e Capetown. Voltaram para o hotel, Liz fez sua mala, fizeram o check-out,
almoçaram e foram para o aeroporto, onde Mike se despediu
apaixonadamente de Liz, que embarcou e, pouco tempo após, seu avião
decolou para Capetown, via Londres. Seriam, ao todo, 31 horas de viagem
até o destino final. Liz só chegaria ao aeroporto de sua cidade no dia 31.
Mike regressou para o apartamento de Phillip, encontrando-o ansioso
por notícias. Foi logo dizendo:
- Phillip: reúna todos; já tenho algumas das informações que
precisamos. Vou revelá-las para o grupo.
Phillip telefonou para o hotel e disse a Morgan que viesse com John
para o apartamento para uma reunião. Em seguida, informou a Mike que
Thomas Smith tinha telefonado informando ter obtido liberdade
condicional e que estava a caminho também. Mike ficou satisfeito, pois
teria o seu grupo completo e, a partir de agora, poderiam tomar as
providências necessárias, tendo em vista que a linha de ação já havia sido
decidida.
À noite, todos já reunidos, Mike tomou a palavra e disse:
- Boas vindas ao nosso amigo Thomas, que acaba de se reunir a nós.
Quero informar a todos que consegui unir o útil ao agradável. Vou me
casar com Elizabeth. Não que a ame tanto assim para isto. Todavia,
ela é bonita, tem um corpo maravilhoso e é ótima de cama. . .
Com esta afirmativa, Mike desanuviou o ambiente e provocou boas
risadas entre todos. A seguir, prosseguiu:
- Já consegui saber que os diamantes que desejamos roubar são
transportados por via marítima. Após o casamento, com a intimidade
maior entre nós, ela, certamente, me revelará o cronograma das
remessas e, aí, poderemos confirmar a data precisa para um ataque.
Enquanto isso, temos que prover a logística para esse acontecimento.
Precisamos saber os meios de que disporemos para podermos tomar
um navio no mar. Também, temos que saber a rota desse navio e o
ponto para atacá-lo. Para isto, deveremos ter uma base de apoio, o
mais perto possível do ponto de ataque. Peço que vocês pensem no
assunto. Quanto mais idéias, melhor será. John e Morgan: como
vocês foram da Marinha, podem ter idéias melhores
pois
conhecem melhor o assunto e o mar. Aguardo sugestões. Quero
informar que temos bastante dinheiro em uma conta no exterior e,
se nosso plano der certo, o investimento desse dinheiro nos tornará
a todos milionários para o restante de nossas vidas. Alguém tem
alguma coisa para acrescentar?
John respondeu:
- Já tinha uma idéia há algum tempo, na eventualidade, agora
confirmada, dos diamantes virem pelo mar. Preciso refletir melhor a
respeito, pois preciso avaliar os riscos envolvidos. Depois apresentarei
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a sugestão.
- Mais alguma coisa? – acrescentou Mike.
À falta de respostas, Mike deu a reunião por encerrada e perguntou se
Thomas já estava alojado. Este informou que sim, no mesmo hotel de John
e Morgan. Todos brindaram à ocasião com fartas doses de bourbon, se
despediram e saíram. Mike e Phillip ficaram a sós no apartamento. Phillip,
então, perguntou:
- Mike – você vai mesmo se casar? E depois, quando nós executarmos o
assalto, como ficará esse casamento? Já pensou nisso?
Mike olhou para seu copo, com algum gelo e bastante bourbon, girou-o
entre os dedos, olhou para o teto ao se reclinar na poltrona e respondeu ao
cúmplice e amigo:
- Phillip: apesar de minha vida torta, apesar de minha idéia fixa nesses
diamantes, eu realmente gosto muito de Liz, principalmente após tê-la
na cama comigo. Não estava brincando quando disse que ela é muito
boa de cama. . . Entretanto, os diamantes estão em primeiro lugar em
minha lista de opções. Depois do assalto, veremos como ficam as coisas.
Phillip olhou diretamente nos olhos de Mike e respondeu, de maneira
muito séria e premonitória:
- Mike: tenha muito cuidado com uma mulher apaixonada. Se ela se
sentir traída, sua vingança pode ser terrível!
Mike engoliu em seco, virou seu copo na boca até a última gota e não
soube o que responder. . .
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No dia 31 de janeiro, Liz telefonou para Mike, dizendo ter chegado bem
a Capetown.
No dia seguinte, Liz foi à matriz da S.A.M.E., onde trabalhava, e deu
conta do que tinha ido fazer em New York. A seguir, teve uma conversa
muito emotiva com o presidente da empresa, Mr. Wainwright. Disse-lhe
que gostava muito da S.A.M.E., trabalhava na mesma há 10 anos (galgara
vários degraus por sua competência, até o cargo de gerente) e não gostaria
nem poderia perder seu emprego, sua única fonte de renda. Apesar da
estima que sentia por todos na empresa em Capetown, teria que se casar
com o amor de sua vida e, para isso, precisaria mudar-se para New York.
Pedia, pois, transferência para lá, mesmo para um cargo inferior. Além do
mais, Mr. Douglas, gerente em New York, já tinha aberto as portas de sua
filial para ela. Por outro lado, seu futuro marido, pelo que parecia a ela,
estava desempregado e ela precisava, mais do que nunca, dar seu apoio a
ele. Ao fim de suas palavras, caiu em prantos.
Mr. Wainwright, que a estimava como a uma filha, abraçou-a e disse,
comovido:
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- Minha querida Elizabeth: vou sentir muita falta de você, de sua
competência à frente de nossa gerência de exportações, mas,
principalmente, de sua meiguice, de sua educação e do carinho com
que trata a todos na empresa. Mas, não posso impedi-la de ser feliz.
Vá com Deus e que New York seja para você tão acolhedora como foi
Capetown, desde quando você aqui chegou, vinda de Londres. Meu
coração vai com você!
E chorou também. . .
Liz estava liberada de seu trabalho em Capetown. Novos encargos a
aguardavam em New York. As mesmas responsabilidades, a mesma
empresa, porém, agora, ela iria para o outro lado da linha – para o
recebimento dos diamantes e, portanto, ainda com o conhecimento de tudo
o que se referia às remessas. As duas coisas que a incomodavam eram: se
afastar definitivamente de Mr. Wainwright, que sempre havia sido seu
protetor e conselheiro; e deixar Capetown, cidade à qual ela tinha se
afeiçoado, onde vivera por cerca de 10 anos e cujas paisagens eram lindas
(de sua casa, tinha deslumbrante vista para o mar). Era uma pena, mas o
amor vence todas as barreiras. . .
Liz tomou todas as providências concernentes à sua mudança para
New York: chamou a transportadora que providenciou a embalagem e o
transporte de seus pertences para New York (Soube que sua mudança
estaria no destino final por volta de 15 de março); transferiu o dinheiro de
sua conta corrente no Bank of England para a agência desse banco em
New York; durante o mês de fevereiro, passou todos os seus encargos
para o novo gerente de exportações e tomou algumas lições sobre
importação nos EUA (suas novas funções); vendeu a casa; e, finalmente,
já residindo em um apart hotel, comprou a passagem e fez a reserva no vôo
para New York em 15 de março. Constantemente, telefonava para Mike,
morta de saudades e de desejo. . .
Liz não imaginava o que estava por acontecer num futuro não muito
distante. . .
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Nesse ínterim, Mike passara o mês de fevereiro traçando planos e se
reunindo com seu grupo. Foi em uma dessas reuniões, em mais um
daqueles gélidos dias de inverno em New York, que John Ashley, Suboficial
submarinista da reserva, pediu a palavra e apresentou a Mike e aos
demais as idéias que vinha arquitetando em sua mente. Assim é que disse:
- Mike e demais amigos: pelo fato de eu ter servido todo o meu tempo de
Marinha em diversos submarinos, eu penso que nosso ataque contra o
navio que trouxer os diamantes tem que ser desfechado por um desses
submersíveis, pelas seguintes razões: a) como Suboficial, eu cheguei a
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ser o Chief Petty Officer mais antigo, o graduado de maior patente a
bordo e cujo posto é no compartimento de manobra. Assim, eu aprendi,
pelos cursos que fiz e por observar o Comandante e os Oficiais de
Quarto, como manobrar um submarino, como efetuar imersões e
vindas à superfície, como disparar torpedos, como manobrar o
computador para cálculos de tiros torpédicos, etc.; b) o submarino, por
suas características, é o melhor veículo para se aproximar do navio
mercante sem ser avistado e, com o fator surpresa, obter o que nós
queremos; c) após o assalto, poderemos submergir e partir para um
destino à nossa escolha, sem sermos detectados por aeronaves ou
satélites espiões. O que temos a fazer é obter um submarino, que será,
também, nossa base e efetuarmos o ataque.
Todos, a princípio, permaneceram calados. Finalmente, Phillip, o mais
atrevido deles, argumentou:
- John: tudo está ótimo. Mas, como vamos roubar um submarino da US
Navy? Será que você ficou louco?
Nesse momento, estabeleceu-se uma discussão, onde todos falavam ao
mesmo tempo. Cada um queria dar sua opinião e John, no meio deles,
tentava responder à pergunta, bastante irônica, feita por Phillip. O tumulto
levou alguns minutos, até que Mike, levantando a voz, aos gritos, ordenou
silêncio. Todos se calaram e Mike disse:
- Cada um fale de uma vez! Assim, não é possível, pô! Prossiga, John.
Você nos deve uma resposta.
- Exato, disse John. Pessoal: é claro que nós não somos loucos e não
podemos nem vamos nos apropriar de um submarino que esteja no
serviço ativo da US Navy. Entretanto, existem alguns submarinos que
deram baixa do serviço ativo e estão atracados nos portos de
determinadas cidades, como museus. Um desses pode ser roubado com
mais facilidade. Eu entrei na Internet e listei alguns submarinos nessa
situação. Caso vocês aprovem minha idéia, poderemos fazer uma
seleção e uma escolha final.
Mike interveio e disse:
- Por mim, acho a idéia boa. E quanto a vocês? Vamos votar. Quem
aprovar, levante a mão.
A aprovação foi unânime.
- Bem, já que todos aprovaram, vamos adotar a idéia do submarino.
John pediu a palavra novamente e disse:
- Mike: com a idéia do submarino aprovada, vou pedir para você colocar
em votação mais um item: para operar o submarino, vamos precisar de
mais gente. Pelo menos, mais dez. Dois para a praça de torpedos
avante, três para o compartimento de manobra, três para a praça de
máquinas e dois para os serviços gerais (cozinha, etc). Outros serviços
eu ensino a vocês, tais como manobra de válvulas, etc.
- Com esses homens, nosso efetivo aumentará e, em c onseqüência,
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teremos de pagar-lhes o serviço, de preferência de forma antecipada. O
que vocês acham? Por mim está bem – nosso botim é muito valioso e,
mesmo com mais gente, sobrará uma fortuna para nós cinco – disse
Mike, e acrescentou:
- Votação!
Mais uma vez, não houve discordâncias.
John finalizou:
- Vou me encarregar de recrutar esses homens. Conheço diversos
submarinistas
da
reserva – Suboficiais, Sargentos, Cabos e
Marinheiros que, na ativa, eram conhecidos como “bolas sete”, ou seja,
eram indisciplinados, cometiam muitas faltas, tinham as folhas sujas e,
por isso, foram afastados da Marinha. Tenho a certeza de que, com
uma gorda gratificação, cerca de trinta mil dólares para cada um, eles
aceitarão participar de nosso plano.
Mike agradeceu a John pelas boas idéias e acrescentou:
- Pela análise do que a Liz me disse, deduzi que um navio que vem da
África do Sul para os Estados Unidos tem que passar perto do nordeste
do Brasil. Sugiro que nessa área se concentre o foco do nosso ataque.
Terei que descobrir a rota do navio. Votação para o ataque no nordeste
do Brasil!
Phillip aparteou:
- Em princípio, concordo. Todavia, o oceano é muito grande. Não
poderemos ficar como “baratas tontas” à procura de um navio. Temos
que saber, com exatidão, por onde passará o navio, bem como a época
em que isso acontecerá.
Todos concordaram tanto com a proposta inicial como com o aparte de
Phillip. Mike, então, concluiu:
- Muito bem. Passemos, então, à segunda fase do planejamento. John
vai recrutar o pessoal. Tenho certeza de que conhece “gente fina” e que
servirá ao nosso propósito. O mesmo John vai apresentar sua lista para
a escolha do submarino. Morgan vai ser o auxiliar do John. Thomas:
consiga-me mais um homem do seu ramo – segurança. Penso que
vamos precisar de, pelo menos dois homens que conheçam armas
portáteis. Um deles já é você. Phillip continuará a nos fornecer a verba
que necessitarmos para obtermos as coisas de que precisarmos. Para
começar, adiante trezentos mil dólares a John para o pagamento dos
submarinistas recrutados. A propósito, Phillip: quando a Liz chegar,
vou precisar enganá-la dizendo-lhe que já tenho um emprego, até para
que consiga um “alibi” para me ausentar de casa o dia todo ou até para
viajar.
Phillip disse:
- Não se preocupe. Tenho uma firma de consultoria no ramo de
informática que está desativada. Vou reativá-la no papel e você será
meu sócio. Que tal?
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- Ótimo, amigo. Já que tudo está acertado, mãos à obra. Vocês têm o que
fazer. Até a próxima reunião.
Todos começaram a se retirar e Mike pegou John pelo braço e lhe disse,
em tom bem cordial:
- Não sabia que você era tão inteligente assim. Suas idéias foram
excelentes!
- Não sou inteligente, Mike. Sou “safo”. Aprendi na Marinha que a gente
tem que ser esperto para poder escapar das “rasteiras” que armam para
nós. Cansei de me safar de meus superiores, que queriam me acertar,
utilizando truques que ninguém poderia pensar. Graças a isso, tenho
raciocínio rápido e claro. É só isso. Se eu fosse inteligente, não teria
sido preso. Pode contar comigo. Nosso plano vai dar certo. É só você
conseguir com sua mulher o que nós precisamos saber.
- Deixe comigo, respondeu Mike, e deu um abraço em John.
Mike começava a respeitá-lo por suas brilhantes idéias.
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Nos primeiros dias de março, Mike, ao telefone com Liz, informoulhe de seu “emprego” como sócio de Phillip e que, como estava
ganhando bem, tinha alugado um apartamento na E 85th Street para
eles morarem após o casamento. Liz adorou a idéia e disse que, quando
chegasse, marcariam a data do casório e se mudariam. Fez questão,
entretanto, de dividir as despesas com Mike, pois não achava justo que
ele, com um emprego novo, pagasse tudo. Mike, é claro, concordou.
Afinal de contas, ele, apesar de tudo, gostava de Liz.
Afinal, em 15 de março, um maravilhoso dia de sol em Capetown,
Liz embarcou no avião da British Airways para a longa viagem para
New York, com escala em Londres. No trajeto Capetown-London, Liz
tentou ler um livro mas, após o almoço, dormiu quase até a escala. Em
Londres, saltaram todos e foram para o setor internacional do aeroporto
de Heathrow para aguardar a chamada para o trecho London-New York.
Liz, animada pela perspectiva de rever seu amado Mike, a cada hora
mais próxima, foi até o bar e pediu um Martini. Não percebeu, mas, a
seu lado, um homem bem vestido, alto, forte, com bigode, olhos e
cabelos negros, a observava com interesse.
Após o drinque, o alto-falante do aeroporto chamou os passageiros
para seu vôo. Ela embarcou, o homem seguiu-a e, no avião, sentou-se
ao seu lado. Cumprimentou-a. Ela respondeu ao cumprimento sem
muita atenção. Depois que o avião decolou, passado algum tempo, a
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comissária de bordo passou com o carrinho trazendo as bebidas que
serviriam de aperitivo para o jantar. Ela pediu outro Martini e o homem
um scotch. Após serem servidos, ele levantou seu copo propondo a Liz
um brinde. Ela, educadamente, aceitou, e ele lhe disse:
- Muito prazer, sou Robert Brandon. Vim a Londres a serviço e estou
voltando para os Estados Unidos. Trabalho em Washington, DC.
- Encantada - respondeu Liz – meu nome é Elizabeth Huntington.
Sou inglesa, trabalhava em Capetown e fui transferida para New
York.
- Muito bom – disse Robert – assim, quando eu for a New York, posso
vê-la. Isso se você me der seu telefone – acrescentou com um sorriso
galanteador.
- Seria muito bom, se eu tivesse um telefone ou, até mesmo, um
endereço. Estou me mudando agora. Se eu os tivesse seria
bom, pois assim você poderia conhecer meu noivo. Vou me casar
ainda este ano – respondeu Liz, para desencorajá-lo, pois sentiu um
tom de “cantada” na conversa de Robert.
- Desculpe-me, não quis ser inconveniente. Só quis conhecê-la e
tentar tornar nossa viagem mais agradável.
Liz, de certa forma, simpatizou com o estranho e aceitou a conversa
por um tempo, até que chegou o jantar. Jantaram, conversando
amenidades, e, após o término, ia começar o filme. Liz pediu desculpas,
acomodou-se junto à janela com um travesseiro e com a manta e
adormeceu. Estava ansiosa por rever seu Mike que, com certeza, estaria
à sua espera no Kennedy International Airport.
Pela manhã, após o breakfast, o avião iniciou o procedimento de
descida para o pouso e, após algum tempo, tocou as rodas em solo
americano. Após a parada total da aeronave, junto ao tubo de
desembarque, enquanto apanhavam os pertences no bagageiro acima
de suas poltronas, Robert, gentilmente, se despediu de Liz:
- Tive muito prazer em sua companhia e na sua conversa educada e
agradável. Se, algum dia, precisar de mim, entre em contato comigo
– e, ato contínuo, estendeu-lhe um cartão e, após apertar a mão de Liz,
dirigiu-se à porta de desembarque da aeronave.
Liz deu uma olhada no cartão, onde se lia – ROBERT
S.
BRANDON – AGENTE. No canto superior direito, o inconfundível sinete
do Federal Bureau of Investigation (FBI). Na parte inferior direita, três ou
quatro telefones. Liz achou graça, mas guardou o cartão, sem dar muita
importância, em sua carteira de documentos.
Um dia, ela iria necessitar desse cartão. . .
À sua espera, após sua passagem pela imigração, onde ela exibiu
seu novo Visto americano de “residente a trabalho”, e pela Alfândega,
= 22 =
16
onde ela, com apenas duas malas, passou sem que elas fossem
abertas, estava Mike. Beijaram-se com paixão e, porque não dizer, com
bastante desejo, tomaram um táxi e Mike fez-lhe uma surpresa,
levando-a ao futuro lar deles, o apartamento alugado na E 85th. St.,
onde estava uma cama de casal no quarto. Ali mesmo se despiram e
fizeram amor para matar as saudades. . .
7
No restante de março e no mês de abril, Mike e Liz fizeram os
preparativos para o casamento, já marcado por Mike, que havia
conseguido a licença, para 2 de maio. A mudança de Liz já havia
chegado da África do Sul e sido levada pela empresa de mudanças
internacionais para o novo apartamento do casal. Com as compras de
vários itens adicionais, que estavam faltando, o novo lar dos Sullivan
estava pronto.
Liz já estava exercendo suas novas funções e levou Mike ao escritório
para apresentá-lo a seus colegas de trabalho, inclusive Mr. Douglas,
que gostou muito de Mike. Este, por sua vez, levou Liz ao escritório da
“firma de informática”, tendo-a apresentado a Phillip. Este pensou, mas
não disse, que Liz era uma inglesinha “muito gostosa”. . .
Pelo que Mike pôde depreender, Liz tinha um “notebook”, que levava
e trazia do trabalho. Ali, talvez, estivesse o “mapa da mina”. Mas, não
quis se precipitar, tendo em vista que os preparativos ainda estavam
em andamento, e, ao que parecia, a hora ainda não havia chegado.
Liz e Mike saiam constantemente para passear por New York. Liz,
que costumava vir algumas vezes a New York, já conhecia muitas
coisas, porém Mike se constituía em um perfeito cicerone, levando-a a
lugares pouco freqüentados pelos turistas, como, por exemplo, o
Brooklyn, onde ele havia vivido por bastante tempo.
Afinal, depois de muita espera, chegou o dia 2 de maio, dia do
casamento de Mike e Liz. Em uma pequena igreja do Brooklyn, onde
Mike havia feito sua primeira comunhão, o pároco celebrou a cerimônia
do casamento. Liz estava muito bonita em seu vestido de noiva e Mike,
em seu traje a rigor, parecia um verdadeiro empresário. . . Liz estava
felicíssima. Mr. Douglas e sua esposa foram seus padrinhos, enquanto
Phillip e Susan, uma velha amiga deste, freqüentadora assídua de sua
cama (. . .), foram os padrinhos de Mike. Após a cerimônia, Mike e Liz
voltaram ao apartamento, pegaram as malas e foram, no carro que
Mike havia alugado, passar a lua-de-mel em Niagara Falls. Seria uma
semana de amor e de contemplação das belezas do lugar.
= 23 =
17
8
Enquanto Mike desfrutava de sua lua-de-mel, John agia.
Conseguiu fazer contato com dez antigos companheiros de submarinos,
quase todos “flores que não se cheiram. . .” Com o aceno de uma
grande propina, algo como trinta mil dólares para cada um, conseguiu
aliciá-los. Diga-se de passagem que, no julgamento de John, apesar de
terem sido maus elementos na Marinha, conheciam sua profissão e
podiam tripular um submarino com eficiência.
Quanto ao submarino propriamente dito, John, após pesquisa
intensa, já tinha um preferido, principalmente pela localização e pela
idade e curto tempo em que estava no museu. Mas, preferia aguardar a
volta de Mike. Já tinha, também, listadas as necessidades logísticas
para a operação. De verdade, John estava se tornando o braço direito
de Mike. A parte mais importante do plano estava em suas mãos e dele
dependia, diretamente, para sua efetivação.
Thomas, também, conseguiu, a um custo bem menor, recrutar um
antigo companheiro de empresa de segurança, Paul “Flintstone” Adams,
um “troglodita”, como seu apelido indicava – um homem capaz de
matar a um simples estalar de dedos, excelente atirador e conhecedor
de armas de fogo.
Desta forma, as coisas corriam bem.
No dia 10 de maio, afinal, Mike e Liz regressaram da lua de mel. No
dia da chegada, ainda bem amorosos e “melosos”, após uma semana de
amor, gastaram o tempo em arrumação, na organização do
apartamento e nas compras de supermercado para abastecer o lar. Os
dias 11 e 12 foram um sábado e um domingo. Aproveitaram para
passar o tempo todo juntinhos, “se curtindo” e fazendo amor ainda
mais vezes. Mike e Liz estavam completamente apaixonados, um pelo
outro. Mas, entretanto, o plano continuava firme e à frente de tudo no
cérebro de Mike.
Na segunda-feira, 13 de maio, foram trabalhar. Mike, ao chegar ao
apartamento de Phillip, saudou-o e este, sarcástico como sempre, disselhe:
- Mike: você está mais magro! Deve ter “transado” dia e noite. Afinal,
com aquela “gata”, qualquer um fica louco. . .
Mike não gostou nada da piadinha de mau gosto, mas preferiu
ignorá-la. Seu principal propósito era o plano. Pediu a Phillip que
reunisse o pessoal. Phillip fez o telefonema para John, Morgan e
Thomas e informou a Mike que John tinha trabalhado muito e tinha
boas notícias.
Quando chegaram ao apartamento, John foi logo falando e relatou
a Mike seus progressos no recrutamento da tripulação do submarino, a
= 24 =
18
um custo relativamente baixo, tendo em vista o que se esperava lucrar
da operação. Mike concordou e pediu a opinião dos demais. Todos
concordaram, muito embora Phillip tenha reclamado de ter pago trinta
mil dólares a cada um, ou seja, trezentos mil dólares. . . Mike
argumentou que, dentre eles, somente John entendia de submarinos e
que, para fazer o que eles se propunham, precisavam de mais gente e,
nas circunstâncias, para agir totalmente na ilegalidade, o custo tinha
que ser alto. Phillip não disse mais nada.
Quanto à escolha do submarino, John disse:
- Entrei na Internet e selecionei os submarinos museu da costa
leste. Todos eles, menos um, estão nos “memorials” há muito
tempo, a maioria desde alguns anos após a II Guerra Mundial (II
GM). Incluí, também, um da costa oeste. Sobraram dois com
baixa da US Navy há relativamente pouco tempo. Um deles está
muito longe, em Portland, Oregon, no Rio Columbia, na costa
oeste. É o USS Blueshark, da última classe de submarinos
convencionais e que está no museu desde 1994. O grande
inconveniente é a enorme distância, que obrigaria a passagem
pelo Canal do Panamá, o que inviabiliza sua escolha.
- E o outro, o da costa leste? – disse Mike.
- Este é o meu preferido. É o USS Grayfish. Foi para o museu em
dezembro de 2006. Era, até então, o submarino onde se efetuava
a parte prática dos cursos de submarino, até que foi substituído
por um submarino nuclear. Mas, o “filet mignon” da coisa é que
ele está atracado aqui em New York, no Intrepid Sea-Air Space
Museum, no píer 86, no fim da W 46th Street, esquina com a 12th
Avenue. Tem 100 metros de comprimento, 10m de
boca
(largura), um calado de 6m e desloca 2.800 toneladas. Está muito
perto de nós. Já fui lá de dia e à noite. É um píer onde está
atracado o Porta-Aviões Intrepid, da II GM. Durante o dia, é
intensa a visitação pública. À noite, o píer é fechado com um
portão na cabeceira do mesmo, junto à 12th Avenue. Fica apenas
um vigia para todo o complexo. Podemos, bem tarde da noite, vir
pelo mar, dominar o vigia, guarnecer o submarino, sair com ele,
completamente às escuras, e navegar pelo Rio Hudson até o
oceano.
- A idéia é ótima – disse Mike – mas será que ele está funcionando?
- Já fui visitar o navio. Um desses dias, fui ao píer como um
visitante e entrei no submarino. Percorri o navio de proa à
popa. Parece-me em excelente estado. Estava em atividade há
menos de dois anos e tem sido conservado. Há coisas
que escapam à observação daqueles que não entendem do
assunto. Fui inspecionar um dos tanques de combustível,
utilizando uma sonda existente no local, aproveitando alguns
= 25 =
19
minutos em que não havia ninguém na praça de máquinas.
Acreditem ou não, o tanque está a meio de óleo diesel. Podemos
usá-lo para dar partida e desatracar e, depois, providenciaremos
o reabastecimento total do submarino. Vai ser uma questão de
sorte. Vamos nos apoderar do submarino e tentar sair com ele. O
resto só depende de sorte. Se tivermos azar, tudo vai por água
abaixo. . .
- A idéia parece boa – disse Mike. Que acham vocês?
- Eu acho boa – respondeu Phillip – mas arriscada. E se formos
apanhados?
- Aí – disse Mike – vamos todos para a penitenciária de novo. Mas,
temos que ser confiantes. Nosso empreendimento é muito ousado
e arriscado. Além de enfrentarmos a polícia de New York (NYPD),
estaremos desafiando o FBI e a US Navy (USN). Entretanto, o
plano de John parece-me perfeito. Faltam-nos os detalhes de Liz
para definirmos a época.
- Sim – respondeu Phillip – quando é que você vai apertar aquela
“gostosa” para que ela diga o que sabe?
- Veja bem como fala, pô! Ela é minha mulher! Eu exijo respeito!
Os detalhes serão conhecidos quando for conveniente e quando
eu tiver acesso a eles. Mais uma observação dessas e vou cobrir
você de “porrada”! – respondeu, furioso, Mike, provocando uma
cara de fúria em Phillip, que já estava prestes a partir para a
briga.
- Calma! – gritou John, enquanto que os demais (a turma do “deixa
disso”) chegavam para separar os dois – Temos que
nos
concentrar em nosso plano. Não podemos deixar que briguinhas
atrapalhem o que estamos fazendo!
- Mike, me desculpe – disse Phillip, arrependido, estendendo a mão
para Mike – Isto não vai mais acontecer. Eu bebi um pouco
demais, antes de nossa reunião, e me excedi. Afinal, nós sempre
fomos amigos. E eu sou ou não sou seu padrinho de casamento?
- Claro, Phillip. Está desculpado – respondeu Mike, apertando a mão
de Phillip e abraçando-o em seguida.
Afinal, todos concordaram com essa parte do plano e a reunião
terminou por ali com uma boa dose de bourbon para cada um e um
brinde para comemorar mais um passo dado em direção aos diamantes
e para selar a amizade de todos, um pouco abalada pelo incidente de há
pouco.
9
A nova vida de Liz e Mike corria às mil maravilhas. Mike era muito
= 26 =
20
atencioso e Liz nunca tinha sido tão bem tratada e “paparicada”. Os
cinco anos de castidade de Liz estavam sendo muito bem compensados,
pois Mike era o que se podia chamar de “garanhão” e, às vezes, faziam
amor mais de uma vez por dia. . .
Uma determinada noite, no final de maio, Mike pediu a Liz para
convidar o pessoal de seu “escritório” para um jantar no apartamento
deles. Liz concordou e preparou um prato especial. No dia, uma linda
noite primaveril de luar, com a temperatura bem agradável, chegaram
os convidados: Phillip e Susan, que Liz já conhecia por terem sido
padrinhos de casamento de Mike (para Liz, Phillip era o “sócio” de Mike
na “empresa”); John, Morgan e Thomas, apresentados, respectivamente
como “vendedores” (os dois primeiros) e “secretário” (Thomas). O jantar
foi muito agradável, tendo os “convidados” se portado muito bem, com
muita educação. Phillip, como sempre, se excedeu nos drinques e teve
alguns momentos em que poderia ter causado constrangimento, como
quando colocou Susan sentada em seu colo, no sofá da sala. Liz salvou
a situação chamando Susan para ver seu quarto.
Enquanto elas se ausentaram da sala, Mike mostrou a todos o
“notebook” de Liz, sobre a escrivaninha no escritório, e que podia ser
avistado dali, dizendo ali estar a chave para os diamantes, pois,
provavelmente, as informações desejadas lá se encontravam. Phillip
sugeriu que eles roubassem o “notebook” e levassem com eles. Mike
recusou de pronto e disse que, de hoje para amanhã, tentaria acessar
os dados.
Liz e Susan voltaram para a sala, quando Liz serviu o café e o licor,
tendo Phillip bebido três doses. Susan percebeu e, discretamente, pediu
sua bolsa a Liz e disse a Phillip um lacônico “vamos, amor!”. Todos se
levantaram, despediram-se de Liz e Mike, que os levaram até a porta.
Após a saída de todos, Liz comentou:
- Gostei muito de todos. Seus vendedores e seu secretário, apesar de
Serem pessoas simples, são muito educados. Phillip, seu sócio, me
parece ter problemas com álcool e Susan é muito engraçada e gentil,
apesar de ser bastante “assanhada” e, até mesmo, atrevida.
Imagine que ela perguntou a mim quantas vezes nós dois fazíamos
sexo por semana e se eu topava ir para a cama com ela, algum
dia desses. . .
- É, realmente. Phillip me conta que ela é um tanto ou quanto
ninfomaníaca e, também, tem tendências ao lesbianismo. . .
- Mas isto é problema deles – disse Liz. Amor: por falar nisso, hoje
você vai me desculpar, mas não vamos fazer amor. Eu vou tomar um
comprimido para dormir e vou apagar. Hoje, à noite, está chegando o
gerente de Capetown e temos reunião bem cedo amanhã.
O alarme tocou na cabeça de Mike! A chegada do gerente de
exportação, como era no tempo de Liz, significava a vinda de uma
= 27 =
21
remessa de diamantes. Ele tinha que agir com rapidez. Levou Liz até a
cama, trouxe-lhe um copo d’água e o entregou a Liz, que colocou um
comprimido do sedativo na boca e engoliu-o com a água. Mike beijou-a
carinhosamente e se afastou. Foi para a sala e ligou a TV. Alguns
minutos após, voltou ao quarto. Liz dormia pesadamente e ele pôde ver
que o despertador estava ajustado para as 07:00hs da manhã. Apagou
o abajur, saiu do quarto e fechou a porta ao passar.
Dirigiu-se ao escritório e abriu o “notebook”. Ligou-o e esperou
aparecer a área de trabalho. O computador pediu a senha. E agora?
Qual seria a senha? Tentou a data do nascimento de Liz: “ACESSO
NEGADO”. Tentou a data do casamento deles: “ACESSO NEGADO”.
Tentou o sobrenome de solteira dela (Huntigton): “ACESSO NEGADO”.
Tentou várias outras senhas, sem sucesso. Já havia perdido uma hora
em suas tentativas. Já eram 02:00hs da madrugada. Afinal, cansado,
lembrou-se de digitar seu nome – Mike: “ACESSO NEGADO”. Já ia
desistir, quando passou pela sua cabeça uma frase que Liz lhe havia
dito, quando veio aos EUA, por ocasião da liberdade condicional dele.
Ela havia dito: “ quando eu ficava com muita saudade de você, eu
pensava – Mike, meu amor”. Não custava tentar. Mike digitou, então, no
local reservado à senha: MIKE MEU AMOR. O
ACESSO FOI
LIBERADO!
Avidamente, Mike acessou os “meus documentos” e foi, de pasta em
pasta, procurando o que queria. De repente, achou uma pasta que era
denominada REMESSAS. Abriu-a. Para seu êxtase, era o que
procurava! Havia uma tabela. Ele desceu por ela até encontrar uma
linha que mostrava:
NAVIO/PORTO/ ESCALA/PORTO DATA
DATA
DE DE CHEGADA
SAÍDA
CARGA
----
-----
-------
SEA TRADER / Recife
Capetown /
Miami
23/06/09
----
01/07/09 200 kg
08/07/09 (10 cilindros)
Container
da
PANOCEAN
TRANSPORTER
----------------(as demais linhas existentes no computador não estão aqui exibidas –
têm traços em seu lugar – só a linha que interessa está mostrada)
Mike não cabia em si de contentamento! Apanhou uma folha de
papel na escrivaninha e copiou a linha com todo o cuidado para não
= 28 =
22
omitir nada. Agora era só fixar datas e finalizar os preparativos.
10
No dia seguinte, logo após a saída de Liz para o trabalho, Mike
telefonou para Phillip e disse que já tinha os dados necessários.
Convocou uma reunião para daqui a uma hora e partiu para lá. Aos
poucos, foram todos chegando e Mike disse:
- A hora chegou. O navio chegará a Recife, no Brasil, em 1° de julho.
Pessoal: são 200 kg. de diamantes! Temos que interceptá-lo e
efetuar o assalto antes que ele chegue ao porto. Isso nos dá
aproximadamente um mês para preparar tudo, sair daqui e chegar
na costa nordeste do Brasil com tudo em cima. John, com a palavra.
Diga o que nós precisamos.
John levantou-se, pigarreou e disse:
- Em primeiro lugar, vamos planejar o seqüestro do submarino. Será
feito, é claro, à noite. Sugiro marcar a data para 10 de junho. Vamos
precisar do seguinte material:
a) quinze trajes de neoprene para mergulhadores;
b) duas balsas de borracha infláveis para nos transportar pelo
Rio Hudson até o submarino;
c) pistolas automáticas para, pelo menos, três de nós;
d) Um vidro de éter e um pano para fazer adormecer o vigia;
e) vamos alugar um rebocador que levará uma chata contendo
100.000 galões de óleo diesel (combustível para o submarino)
e
Outra com gêneros para a viagem. Não esquecer de muita água
engarrafada. Os tanques de aguada devem estar vazios e
não vamos ter outra fonte de água para beber por 20 dias.
Assim que desatracarmos, vamos pairar na escuridão do rio
enquanto abastecermos e, aí, demandaremos o alto-mar. Serão
cerca de 20 dias de mar entre o roubo do submarino, o assalto ao
navio mercante e a chegada a um porto (preferencialmente do
do Brasil) para desembarcar os diamantes para posterior venda;
f) equipamento de Mergulho Técnico utilizando ar comprimido nos
cilindros com uma mistura de 20% de oxigênio e 80% de
nitrogênio, para, pelo menos, três mergulhadores;
e, agora, o mais importante: temos que contatar, com urgência,
um “Mercador da Morte” (vendedor de armamento) e conseguir,
com urgência, dois fuzis automáticos do tipo AK-47 e dois
torpedos, de preferência, os russos VA-111 Shkval, a serem
levados no rebocador ou na chata. Em minha opinião, o navio
mercante tem que ser parado com o disparo de um torpedo a
meio navio. Vou, também, adquirir as cartas náuticas que nos
= 29 =
23
permitam sair de New York, navegar até o nordeste do Brasil e
chegar às cercanias de Recife.
Quanto ao sequestro propriamente dito, vamos desembarcar das
balsas para o submarino. Enquanto dois de nós (Thomas e
“Flintstone”) vão imobilizar o vigia e fazê-lo adormecer, os
submarinistas penetram no submarino para ligar os motores e
prepará-lo para desatracar (quanto a isso, eu designarei os
homens para os postos devidos) . Acho melhor que Mike e Phillip
fiquem no rebocador, pois o mestre do mesmo precisará ser
adormecido também. Tudo deve ser providenciado em 15 dias, no
máximo, até o dia 10. E, finalmente, apesar do comando da
operação ser de Mike e Phillip, penso que eu deva ser o
comandante do submarino. De acordo, Mike?
- Meus amigos: eu achei o plano perfeito. Alguém tem algo em
contrário? – disse Mike, cada vez mais admirado com a eficiência
de John.
Todos ficaram em silêncio, sinalizando concordância. Mike,
então, passou a dar tarefas:
- John vai chamar os homens que recrutou e lhes dar instruções.
Marcará o ponto de encontro para que, no dia 10 de junho, no
horário que ele determinar, todos os submarinistas mais Thomas
e “Flintstone” embarquem nas balsas infláveis, com destino ao
rebocador. Ele é o dono do submarino e das providências
internas ligadas a ele.
Morgan, por ser mergulhador, vai adquirir o equipamento de
mergulho.
Eu e Phillip vamos providenciar o armamento, o combustível e os
gêneros. Phillip vai liberar para nós a verba necessária.
Todos de acordo? Então, vamos trabalhar.
11
A partir desse dia, 25 de maio, todos, diariamente, atuavam no
sentido de tomar as providências necessárias. Thomas adquiriu, no
comércio, as balsas infláveis com seus acessórios (remos, facões,
lanternas, etc), bem como todo o material de mergulho necessário e as
pistolas automáticas.
Phillip, com seus conhecimentos, entrou em contato com um russo
que negociava armas e, a peso de ouro, conseguiu os fuzis e os
torpedos. Os torpedos foram o mais difícil dos itens a adquirir, pois não
existiam no estoque do negociante de armas nos EUA. Tiveram que vir
= 30 =
24
da Rússia, em avião particular, que pousou em um aeroporto
clandestino, nas cercanias de New Jersey. Não é preciso dizer que
custaram cerca de um milhão de dólares, transferidos, de imediato, da
conta de Phillip para a de Sergei Ivanovitch, o “mercador da morte”.
Mike alugou um rebocador por 10 dias, para o qual foram
transferidos os torpedos, os fuzís, as pistolas, as balsas e o
equipamento de mergulho. O rebocador passou a ser a base do grupo.
O rebocador ficaria, a partir da data em que tudo estivesse pronto,
fundeado nas proximidades do píer 86, sempre com um dos
submarinistas, já apresentados ao grupo, a bordo, se revezando e
tomando conta do equipamento e, também, do mestre do rebocador,
para que este não “desse com a língua nos dentes.” Ao mesmo tempo,
adquiriu os 100.000 galões de óleo diesel, que foram transferidos para
uma chata, e gêneros suficientes para alimentar 15 homens por um
mês, que ficaram em outra chata. Ambas as chatas foram trazidas pelo
rebocador até o seu ponto de fundeio. A preocupação principal passou a
ser com a Coast Guard (USCG), que poderia, com um de seus navios,
parar junto ao rebocador, ali fundeado por cerca de 5 dias, para
inspecioná-lo e, aí, tudo estaria perdido.
Mike teve, ainda, em companhia de Phillip, um importantíssimo
compromisso. Foram, no dia 2 de junho, ao escritório de um
comerciante internacional de valores (título de fachada), que Phillip
conhecia de nome, graças a seus negócios escusos, na 5th Avenue, no
87° andar do Rockefeller Building. Tiveram, antes, que telefonar,
solicitando audiência. Lá chegando, foram levados ao gabinete de Ivan
Gregorievitch, um bilionário russo, supostamente em alto cargo na
máfia russa, que cresceu assustadoramente após a queda da União
Soviética. Entrando na sala, foram recebidos por Ivan, um homem de
cabelos, bigode e barba ruivos, forte, baixo e trajando um terno preto e
camisa da mesma cor, sem gravata. Este, apertou-lhes as mãos e
convidou-os a sentarem-se em um sofá, ladeado por poltronas, onde ele
se sentou em uma delas. Em uma mesinha de centro, em frente ao
conjunto de sofá e poltronas, havia uma bandeja com uma garrafa de
vodka Stolichnaya russa e três copos. Ivan serviu os três copos,
entregou um a cada de seus convidados e tomou do outro. Ergueu seu
copo, no que foi acompanhado por Mike e Phillip, e disse, em russo: Na
zdorovie! (saúde!) A seguir, bebeu todo o conteúdo de seu copo de uma
só vez e aguardou que suas visitas fizessem o mesmo. Após estes
também “virarem os copos”, disse, com forte sotaque russo:
- Primeiro a hospitalidade, a tradição russa. Depois os negócios! Em
que posso serví-los?
Apanhados de surpresa pela objetividade de Ivan, Mike e Phillip
titubearam, a princípio. Mas, refeito da surpresa, Mike iniciou:
= 31 =
25
- Tovarich (“companheiro” ou “camarada”, em russo) Ivan: vou
diretamente ao ponto, pois vejo que o senhor é um homem prático.
- Gostei do tovarich – aparteou Ivan, com um largo sorriso – o senhor
fala russo?
- Não – respondeu Mike – mas certas palavras são internacionais e
eu quis lhe fazer um agrado, antes do assunto principal, que é o
seguinte: gosta de diamantes?
- Quem não gosta deles? – respondeu Ivan sorrindo– Eles têm vários
usos, sendo um deles o de tornar um homem rico.
- E quando o homem já é bem rico, assim como o senhor? –
acrescentou Mike.
- Nesse caso, o homem fica ainda mais rico – respondeu Ivan, dando
uma gargalhada. Mas, por que não me diz o que quer de verdade?
- Mr. Ivan: estamos para tomar posse de uma grande quantidade de
diamantes de boa procedência, de qualidade garantida, mas de
difícil venda no comércio normal.
- Já entendi aonde querem chegar. Não foram comprados
regularmente. . . O que eu posso entende r como uma grande
quantidade?
- 200 kg – respondeu Mike.
- Мой бог! (Meu Deus!, em russo) Isso é muito bom! E quanto
querem por essa partida?
- Bem, considerando o risco que vamos correr; a grande quantia que
estamos desembolsando para montar a operação e conseguir tomar
posse deles; a distância que vamos percorrer até eles e a
impossibilidade de trazê-los aos Estados Unidos por vias normais,
nosso preço é cinco milhões de dólares.
- Vocês estão pedindo muito alto. Aonde, exatamente, pretenderiam
me entregar essa preciosidade?
- Em princípio, em uma praia do nordeste brasileiro.
- Bem, agora é minha vez de propor. Eu ofereço três milhões de
dólares, que transferirei no ato de entrega para a conta corrente
que os senhores determinarem e receberei os diamantes de vocês
em um iate transoceânico de minha propriedade, em alto mar, que
os trará para os EUA. Aceitam?
Mike e Phillip se entreolharam e, após alguns segundos, abriram
um largo sorriso e estenderam a mão para Ivan. Este também riu,
apertou as mãos de ambos e disse:
- Ya saglássin! (estou de acordo!, em russo). Negócio fechado!
Vamos celebrar!
Ato contínuo, apertou uma tecla em um telefone e falou com a
secretária, em russo:
- Natasha – chame Andrei e faça-o entrar. Mande trazer uma garrafa
de champagne francês e quatro taças.
= 32 =
26
Mike e Phillip nada entenderam, mas, ficaram frente a frente com
um Ivan super sorridente e viram, minutos depois, um garçon
entrar com uma bandeja contendo um balde com gelo e uma garrafa
de champagne Veuve Cliquot e quatro taças. Atrás deles, um homem
de seus trinta anos de idade, louro, de olhos verdes e cabelo cortado
militarmente. Ivan ordenou ao garçon que servisse o champagne a
todos e, após o brinde, apresentou-os ao homem que havia entrado.
- Senhores – este é Andrei Valentin Berkov, meu executivo e meu
braço direito. Vamos discutir com ele os detalhes da operação.
Em seguida, informou a Andrei o que tinha combinado com os
dois. Andrei pensou um pouco e disse a Mike e Phillip:
- Não nos interessa saber como obterão os diamantes. Quero apenas
saber onde os senhores estarão no momento da entrega.
- A bordo de um submarino, na costa do estado de Pernambuco, no
nordeste do Brasil – disse Mike.
- Quando?
- Nos últimos dois dias deste mês de junho.
- Kanéchna! (Está claro!, em russo) Peço que me aguardem – e
retirou-se da sala.
Regressou cerca de 10 minutos após, com um rolo de papel. Abriuo sobre uma mesa. Era uma carta náutica das proximidades do
porto de Recife, no Brasil. Tomou de um lápis e marcou um ponto
na carta, distante cerca de 20 milhas a leste da entrada do porto de
Recife, e disse:
- Senhores – anotem as coordenadas deste ponto. Estaremos nele
exatamente às 05:00hs da manhã do dia 1° de julho.
Atracaremos ao lado de seu submarino, vocês passarão os
diamantes para nós, faremos a transferência do pagamento on-line
para a conta que vocês indicarem e iremos embora. Nosso iate é
este aqui – e entregou-lhes uma fotografia de um belo iate, grande
como um contratorpedeiro, de cor branca – e seu nome é Mikhail
Gorbachev. Fácil, não é? Está bom para vocês?
Após alguns instantes de perplexidade pela eficiência de Andrei,
Mike e Phillip responderam, quase que ao mesmo tempo:
- Ótimo!
- Para nós não poderia ser melhor. Deixem-me anotar as
coordenadas para fornecê-las ao comandante de nosso submarino
– disse Mike.
Andrei consultou a carta e disse para eles:
- Anotem aí – latitude 08° 00’ S e longitude 034° 50’ W.
Mike anotou as coordenadas e disse:
- Nesse dia e nessa hora, estaremos na superfície para aguardá-los,
mesmo em caso de fracasso de nossa operação, o que, espero, não
acontecerá!
= 33 =
27
Ivan acrescentou:
- Eu e Andrei estaremos a bordo do iate e, também espero,
estaremos efetuando nossa transação.
Mike e Phillip cumprimentaram os dois e se retiraram, num clima
de euforia e cordialidade. Desceram para a rua e, lá chegando,
abraçaram-se e deram pulos de alegria, para surpresa dos transeuntes
da 5th Avenue. Era mais do que eles esperavam. Tinham pedido demais
e obtiveram, assim mesmo, mais do que esperavam. E ainda não
tinham mais que se preocupar com o transporte dos diamantes e sua
entrada em algum país. Só faltava o plano ter sucesso. . .
O mês de junho começou, para Liz e Mike, de forma especial. Eles
estavam completando um mês de casamento. Mike estava muito
ocupado. Para Liz, ele dizia que um cliente muito especial estava
comprando muitos equipamentos de informática e eles precisavam fazer
as encomendas, recebê-los do fabricante, entregá-los ao cliente e testálos. Enquanto, com essa conversa, ele enganava Liz, a verdade era
outra – Mike estava envolvido, até o pescoço, nos preparativos para o
golpe que iam realizar. Estávamos em pleno verão novaiorquino e os
dias eram quentes e claros, com bastante sol. As noites eram um pouco
mais frescas. Mike tomou o cuidado de verificar em uma agenda e ficou
muito feliz ao verificar que a noite de 10 de junho seria de Lua Nova e,
portanto, escura, sem luar. Por outro lado, foi a uma biblioteca e
consultou o Jane’s Merchant Ships, onde verificou as características do
Sea Trader, o navio que traria os diamantes. Era um navio mercante de
bandeira inglesa, de casco preto e superestrutura branca. Era um
porta-container. Os containers eram, pois, transportados no convés.
Providenciou, na própria biblioteca, uma cópia xerox da página que
trazia o navio, inclusive sua fotografia, para possibilitar sua
identificação exata através do periscópio. Outra providência preciosa
adotada por Mike foi dar uma passada em um depósito de containers,
nas proximidades do porto, onde procurou e acabou encontrando, com
o auxílio de um operador de guindaste, a quem Mike pediu ajuda, um
container da PANOCEAN TRANSPORTER. Era de cor azul com o nome
da companhia escrito em grandes letras brancas. Isso facilitaria a
identificação do mesmo para a retirada dos cilindros com os diamantes.
Estas providências, tomadas por Mike, em conjunto com as dos
demais participantes do grupo, cada um fazendo a sua parte, levaram a
fase de planejamento às proximidades de seu final, no dia 6 de junho,
quando, finalmente, todo o material já se encontrava a bordo do
rebocador que, à noite, fundeou, junto com as chatas, nas
proximidades do pier 86. Ficou tudo combinado para que, às 15:00hs
do dia 10, todos estivessem a bordo do rebocador para se prepararem
para o sequestro do submarino, nessa data, à meia-noite.
= 34 =
28
Enquanto isso, Liz, que de nada suspeitava, estava muito feliz, com o
fato de ter completado um mês de casamento com seu Mike. Todos os
dias, Mike, ao chegar em casa, a beijava apaixonadamente. Após o
jantar, assistia TV com ela e, ao se deitarem, faziam amor, sempre com
muita paixão. Na noite do dia 8, Mike informou a Liz que, no dia 10,
viajaria para o interior dos EUA e que se demoraria por alguns dias,
pois os clientes estavam apertando a ele e a Phillip quanto às entregas e
quanto aos testes dos equipamentos. Mas, que ela não se preocupasse
pois ele logo regressaria, quando ela menos esperasse, e que eles iriam,
pelo resto de suas vidas, compensar sua ausência com muito amor e
com muito conforto. Liz estranhou aquelas palavras ditas por Mike,
mas interpretou-as como estresse pelo trabalho árduo que ele dizia
efetuar. Abraçou-o na cama, se acariciaram e se amaram longamente.
As preocupações ficariam para depois, pensou ela. Mike, por seu turno,
apesar de estar concentrado no lindo corpo de Liz, estava imaginando
que, depois de amanhã, a essas mesmas horas, estaria sendo iniciada a
fase de execução do seu “golpe de mestre”.
Na véspera do início da execução do plano, dia 9, Mike chegou em
casa, no início da noite, e encontrou Liz com cara de tristeza. Beijou-a,
abraçou-a com força e perguntou-lhe:
- Que houve meu amor? É por causa de minha viagem, amanhã?
- É claro, querido. Um mês após nosso casamento, você tem que viajar
para um lugar que eu não sei onde é e nem quando vai voltar. O que
está, de verdade, acontecendo?
- Não se preocupe, querida. Eu, simplesmente, vou a diversos lugares, a
várias filiais da empresa que nos comprou equipamentos de
informática, em diversas cidades do interior e, enquanto tudo não
estiver funcionando como um relógio, eu não poderei voltar – mentiu
Mike.
- Eu vou sentir muito a sua falta. . .
- E eu também – disse Mike, desta vez falando a verdade. . .
Jantaram, sentaram-se juntinhos no sofá da sala e, depois, Mike a
levou nos braços até a cama, onde fizeram amor com muita paixão.
= 35 =
29
Capítulo 2
A Execução
10 de junho a 1° de julho de 2009
12
Na manhã seguinte, dia 10, o dia “D” da operação, quando Mike
acordou, Liz já havia saído. Não quis se despedir de Mike, pois sabia que ia
chorar muito. Era melhor esperar que ele regressasse e, então, tudo
voltaria ao normal. Ela ia fazer de conta que aquela viagem não estava
acontecendo. Pena é que uma grande decepção estava a caminho. . .
Mike tomou seu breakfast com muita calma, tomou seu banho, vestiuse e saiu. Levava uma maleta com alguma roupa. Dirigiu-se ao escritório,
onde tinha marcado com Phillip. Iriam juntos para o rebocador. Chegou ao
escritório e encontrou-o sentado sorvendo seu costumeiro bourbon. À
chegada de Mike, Phillip disse:
- Cara: é hoje!
- Sim, hoje é o “tudo ou nada”. Se nós conseguirmos tomar o submarino,
fazê-lo funcionar, abastecê-lo e conseguirmos deixar o porto de New
York, teremos meio caminho andado. Mas, tenho certeza – tudo vai dar
certo!
- Vamos cruzar os dedos para que tudo funcione como deve funcionar!
E, após todas essas divagações, deixaram o tempo correr, almoçaram
bem (um bom bife com fritas. . .) e, por volta das 13:30hs, tomaram um
táxi, que os levou ao píer 85, bem próximo ao ponto de fundeio do
rebocador. Lá estava um dos submarinistas, com uma das balsas infláveis,
que os conduziu remando até que embarcaram no rebocador. De onde
estavam, podiam ver, relativamente próximo deles, a uns 200 metros, o
píer 86 com o Porta-Aviões USS Intrepid , do lado direito do píer, e o
objetivo deles, o USS Grayfish, do outro lado do píer, atracado diretamente
ao cais.
Durante algum tempo, até as 15:00hs, todos os participantes da
operação foram chegando de terra. O pôr do sol estava previsto para as
20:03hs, pois estávamos no verão do hemisfério norte e cumprindo o
horário de verão, com os relógios adiantados de uma hora, o que tornava o
horário de escurecer mais atrasado. Cada um que chegava, de acordo com
= 37 =
30
o combinado por John, verificava o material sob sua responsabilidade.
Eles estavam se comportando, quando no convés do rebocador, da
maneira mais natural possível, como se fossem membros da tripulação do
mesmo. As duas chatas estavam uma de cada bordo do rebocador, uma
cheia de óleo diesel e a outra com gêneros alimentícios (a maioria
enlatados ou empacotados) e muitas caixas com garrafas plásticas de água
mineral. O suficiente, aproximadamente, para 20 a 25 dias.
O tempo passou. Por volta das 19:30hs, um Navio Patrulha (NPa) da
USCG passou pelo meio do canal, diminuiu a velocidade e eles puderam
perceber que um oficial, no passadiço, estava olhando na direção do
rebocador, com um binóculo. Após alguns minutos, que causaram grande
tensão entre eles, o Navio Patrulha retomou sua velocidade anterior e
afastou-se, para alívio geral. O mestre do rebocador comentou que, por
diversas vezes, aquilo havia ocorrido e que o susto era sempre o mesmo.
Ele só não sabia era até quando eles conteriam a curiosidade e viriam
inspecionar o rebocador, há quatro dias fundeado naquele local. Ele
também não sabia que a operação seria naquela noite, nem mesmo o que
eles fariam. Só estava intrigado era com a presença, pela primeira vez, de
quinze estranhos a bordo de seu rebocador. . .
Afinal, chegou a noite. Havia sido um dia de verão, bem quente. O
crepúsculo começava com uma leve brisa que passava no sentido
longitudinal do Rio Hudson. Entre os que estavam no rebocador, a tensão
crescia gradativamente. Mike e Phillip chamaram John e perguntaram-lhe
se tudo estava pronto, tendo este respondido afirmativamente. Pelo que
eles todos puderam observar, desde as 19:00hs, quando terminou a
visitação pública aos navios, os visitantes começaram a evacuar o píer e,
por volta das 19:30hs, não se via movimento no mesmo. Pelo binóculo,
puderam confirmar que a iluminação do píer não era intensa, havendo
somente alguns postes de luz ao longo do mesmo. Na seção final do píer,
exatamente onde estava atracado o Grayfish, a iluminação era fraca,
havendo, até, uma certa penumbra. Por outro lado, Mike se fixou no
acompanhamento do vigia, tendo confirmado que era apenas um e que sua
passagem pelo cais na altura do submarino se dava, aproximadamente, a
cada 20 minutos.
Para diminuir a tensão, Mike e Phillip liberaram uma garrafa de
bourbon Jack Daniel’s, que foi eqüitativamente distribuída pelos quinze –
um gole pelo gargalo para cada um. Por volta de 23:00hs, foi passada a
ordem e todos vestiram seus trajes de neoprene negros de mergulhador.
Nesse momento, o mestre do rebocador perguntou o que estava havendo e
o por quê daqueles trajes. Mike fez um sinal para Thomas que trouxe um
pano embebido em éter e colocou-o, por trás, no nariz do homem do mar.
Este, em questão de segundos, desfaleceu. Thomas usou um cabo do
próprio rebocador e amarrou-o, sem apertar demasiadamente, conforme
= 38 =
31
determinação de Mike. Thomas colocou o corpo inconsciente do mestre em
um canto do passadiço do rebocador. Às 23:30hs, foi determinado que sete
submarinistas – Peter, Larry, Steve, Gary, Clive, Herman e John –
guarnecessem uma das balsas e que Morgan, Thomas, “Flintstone” e mais
três submarinistas – Anthony, Lucas e Alfred – embarcassem na outra.
Pelo planejamento, desde que o submarino estava atracado ao lado do píer
com a popa para o rio, estava determinado que a primeira balsa atracaria
na popa do mesmo. A segunda balsa atracaria ao cais na proa do
submarino. Às 23:45hs, Mike e Phillip, que ficariam no rebocador, deram,
finalmente, a ordem para que as balsas iniciassem seu deslocamento na
direção do píer. Assim foi feito e as balsas se afastaram do rebocador
fundeado, com dois homens remando em cada uma delas. Começava a
operação de seqüestro. A tensão e a ansiedade daqueles quinze homens
aumentava a cada remada. A noite era, como sabemos, escura e sem luar.
Assim mesmo, a sensação deles, à medida que as balsas se aproximavam
do píer era a de que estavam sendo vistos por toda a população de New
York. . .
13
Quase que pontualmente, passando alguns minutos das 00:00hs do
dia 11, a primeira balsa atracou na popa do submarino e John e os outros
seis submarinistas passaram, rapidamente, para o convés e se dirigiram à
escotilha mais de ré. Abriram-na e começaram a entrar no submarino.
Poucos minutos após, a segunda balsa, que havia percorrido pelo mar todo
o comprimento do submarino, atracou ao cais. Thomas e “Flintstone”,
sorrateiramente, subiram para o cais e começaram a se esgueirar de poste
em poste na direção do vigia. Thomas portava o pano e o vidro de éter. Os
três submarinistas restantes subiram a bordo do submarino e entraram
no mesmo pela escotilha de vante.
Enquanto isso, Thomas e “Flintstone” avistaram o vigia, um homem
negro que, calmamente, fazia sua ronda, fumando um cigarro. Thomas fez
sinal para que “Flintstone” fosse pela esquerda, enquanto ele atacaria pela
direita. Assim foi feito – enquanto “Flintstone” se aproximava do vigia,
Thomas embebeu o pano com o éter e se aproximou do vigia pelo outro
lado. De repente, o vigia avistou “Flintstone”, a cinco metros dele.
Imediatamente, sacou de um apito para levá-lo à boca e dar o alarme.
“Flintstone” se precipitou e, antes que Thomas chegasse com seu pano
com éter, ele sacou de seu cinturão uma faca que trazia e, pulando sobre o
vigia, antes que este trilasse seu apito, cravou-a na garganta do mesmo e o
segurou firme. O vigia estrebuchou e morreu ali mesmo, seguro por
“Flintstone”. Thomas, que já estava a um passo do vigia, largou o pano e
= 39 =
32
deu um “espôrro” em “Flintstone”:
- Seu cretino! Seu F. da P. . . irresponsável! Não era para matar ninguém!
E agora?
- Pô! Thomas! O que eu podia fazer? Ele ia apitar e eu, aí. . .
- Agora é tarde! Vamos esconder esse corpo!
Thomas e “Flintstone” arrastaram o corpo até um ponto mais escuro, por
trás de umas latas de lixo, nas proximidades do Porta-Aviões, do outro
lado do píer e o deixaram lá. A seguir, conforme determinado por Mike,
foram para perto do submarino. A função dos dois, agora, seria largar as
espias, quando fosse mandado por John.
Enquanto esse evento se desenrolava, John e seus dez homens, cada
um deles especialista em um setor do submarino, já estavam no interior do
mesmo e, ainda com a energia de terra, iluminaram todo o navio
internamente. Os três que foram para a praça de máquinas, Peter, Larry e
Steve, fizeram um rápido reconhecimento. Peter, ainda utilizando a energia
de terra, deu partida no motor elétrico do compressor para dar pressão de
ar comprimido nas ampolas. Cerca de 20 minutos após, o que pareceu
para todos uma eternidade, os maquinistas concordaram que já havia
pressão suficiente nas ampolas para a partida dos Motores de Combustão
Principal (MCP). Larry e Steve se dirigiram às manetes de partida dos
grandes motores diesel, com 16 cilindros cada, e, acionando-as,
comunicaram ar comprimido nos motores. Com isto, foram acionadas as
bombas dependentes de combustível. Steve já havia virado os motores
elétricos das bombas de circulação de água de resfriamento dos MCP.
Ouviu-se um chiado inicial, pela passagem do ar em direção aos cilindros
dos MCP e, em seguida, para vibração de todos a bordo, ouviu-se o ruído
compassado dos MCP entrando em funcionamento. Com isto, foram
acionados os Geradores Elétricos Principais (GEP). O navio havia sido
ressuscitado!
John foi avisado no compartimento de manobra, ao mesmo tempo em
que um dos maquinistas se dirigiu ao quadro elétrico e desligou a chave de
energia de terra e passou a receber energia de bordo, através dos
geradores. John subiu à torreta, pela escotilha superior da mesma e, do
convés de manobra, no topo da torreta, avisou a Thomas e “Flintstone” que
recolhessem o cabo de energia de terra. Em seguida, mandou que eles
largassem todas as espias e que subissem para o convés. Mandou os dois
submarinistas do compartimento de torpedos avante, Anthony e Alfred,
para o convés para ajudarem a recolher as espias. Todos já estavam a
bordo e o submarino estava pronto para desatracar. Assim que as espias
estavam recolhidas no convés, John, pela primeira vez na vida
manobrando um submarino, pediu, pelo inter-comunicador (MC):
- Máquina-Comando: máquina de boreste atrás 1/3 e máquina de
bombordo adiante 1/3!
= 40 =
33
Os maquinistas acionaram os reostatos dos Motores Elétricos Principais
(MEP), que recebiam energia dos GEP. Por incrível como possa parecer, um
submarino, imobilizado em um cais há dois anos, estava atendendo a tudo
o que era acionado. Os MEP viraram os eixos de propulsão e estes os
hélices. John percebeu a popa abrindo do cais. O navio estava se
movimentando! A seguir, com a popa já aberta do cais, John pediu:
- Máquina-Comando: pára BB! Ambas as máquinas atrás 1/3!
O navio parou de se afastar do cais e começou a se deslocar para ré.
Tudo estava correndo de acordo com o “figurino”. A próxima etapa seria
atracar a uma das chatas para reabastecer. John manobrou o submarino
e, após algumas tentativas, conseguiu atracar o submarino à chata de
gêneros, à 01:15hs. O tempo urgia! Thomas, “Flintstone”, Anthony e Alfred
amarraram o submarino à chata e ao rebocador. A seguir, enquanto Peter
ficava na praça de máquinas, Larry e Steve levaram o mangote de
combustível até o convés, acoplaram-no à tomada de combustível de bordo
e a outra extremidade do mesmo no bocal da chata de combustível. Em
seguida, Peter dava partida no motor elétrico que acionava a bomba de
recebimento de combustível. O navio começava a receber o óleo diesel!
Todos os demais se concentraram na chata de gêneros e começaram a
passar, através de todas as escotilhas, para o interior do submarino, os
gêneros, os trajes de mergulho, o armamento portátil, as cartas de
navegação, enfim, tudo o que haviam comprado para o abastecimento do
submarino para a viagem. Tudo foi sendo acumulado no corredor interno.
A arrumação ficaria para depois.
Às 03:00hs, tudo havia sido embarcado, exceto os torpedos.
Normalmente, os torpedos são içados por um aparelho de força e
embarcam pela escotilha para esse fim existente a bordo. Na falta do
aparelho de força, todos os quinze homens pegaram os torpedos nos
braços e, com muito esforço, conseguiram embarcá-los, um de cada vez,
pela referida escotilha. Essa faina levou uma hora e meia. Já eram
04:30hs. Todos estavam exaustos pelo esforço despendido com o
embarque dos torpedos. Nesse momento, Peter avisou que o
reabastecimento de combustível estava completo. O mangote de
combustível foi recolhido. Todos embarcaram e desceram. Thomas,
“Flintstone”, Anthony e Alfred largaram as espias. John pediu:
- Máquina-Comando: Atenção às Máquinas!
- Máquinas prontas! – respondeu Peter.
- Máquina-Comando: Máquinas adiante 2/3! 30° de leme a bombordo!
O submarino começou a se afastar do rebocador e das chatas, que
permaneceram fundeados, com o mestre do rebocador amarrado a bordo.
John navegou um pouco mais, até atingir o canal. A partir daí, foi só
seguir as bóias de demarcação e, às 05:15hs, ao passar pela Estátua da
Liberdade, o crepúsculo matutino se iniciava. Em aproximadamente 45
= 41 =
34
minutos, o sol nasceria. Estavam saindo bem a tempo e não tinham,
aparentemente, sido notados, pois nenhum navio ou aeronave estava no
encalço deles. Mike e Phillip cumprimentaram efusivamente John por seu
planejamento; por sua confiança no empreendimento; por sua
competência, na escolha do pessoal e sobejamente demonstrada no
comando do submarino; e, finalmente, pelo sucesso da operação, até
aquele momento. John estava orgulhoso de si mesmo e muito feliz por
estar comandando um submarino, onde por tantos anos serviu como um
subalterno. Ele era um subalterno graduado, mas, assim mesmo, não era
um oficial. . .
Mais 30 minutos passados, com o sol querendo aparecer, o Grayfish já
havia deixado definitivamente o porto de New York, tendo atingido águas
suficientemente profundas para imergir. John determinou a Anthony,
Lucas e Alfred que fossem para o compartimento de controle para ajudar
nas manobras de válvulas necessárias à imersão. Gary, Clive e Herman já
estavam nesse compartimento, guarnecendo o leme vertical e os lemes
horizontais (profundores). Quando recebeu a notícia de que todos estavam
a postos no compartimento de manobra, determinou pelo MC – Dive! Dive!
Dive! (Imersão! Imersão! Imersão!) e apertou a busina de imersão por três
vezes. Ato contínuo, desceu pela escotilha superior da torreta, fechando o
volante da tampa com força após a passagem por ela, enquanto no
compartimento de manobra eram abertas as válvulas correspondentes
para o alagamento de água do mar nos tanques necessários à imersão e os
lemes horizontais de ré eram inclinados para baixo. Como um grande peixe
negro, o Grayfish iniciou a imersão, tendo sido determinado por John
imergir inicialmente até a cota (profundidade) periscópica (cerca de 20
metros). Ao ser atingida essa cota, foram tomadas as ações necessárias
para nivelar o navio. John solicitou “up periscope” (Içar periscópio!). O
periscópio foi, hidraulicamente, levantado e John o guarneceu. Fez uma
varredura visual de 360°, tendo observado, pela popa, a majestosa cidade
de New York, com seus imponentes edifícios. No restante da varredura,
alguns navios mercantes, entrando ou saindo do porto, mas nenhum navio
de guerra. Tinham conseguido sair do porto sem serem detectados! O
sucesso da operação era, até o momento, total!
Agora, era a vez de se dedicar à longa travessia oceânica que os levaria
de New York até as proximidades do porto de Recife, ou seja, uma
diferença de cerca de 52° de latitude ou, em distância a percorrer,
aproximadamente 4.200 milhas náuticas. Determinou uma mudança de
rumo para sudeste – 125°, um aumento na cota de imersão para 40m e a
adoção de um regime de máquinas econômico, mantendo a velocidade em
9 nós. Pelos seus cálculos, com essa velocidade, chegariam em frente a
Recife em 18 dias, a tempo de aguardar pacientemente o Sea Trader. . .
= 42 =
35
14
Com a imersão, iniciava-se um longo período de ociosidade para
alguns, como era o caso de Mike e Phillip, que nada tinham para fazer a
bordo. Dentre os demais, os submarinistas, num total de onze, foram
colocados por John em um regime de serviço de quartos, havendo sempre
dois homens de serviço no compartimento de manobra e um homem na
máquina. Assim, eram sempre três de serviço e oito descansando. Com
essa medida, eram quatro horas de serviço e oito horas de descanso,
alternadamente. Quanto a Thomas e “Flintstone”, coube-lhes o serviço de
cozinha, com a atenuante de não ser preciso cozinhar, pois a maioria dos
gêneros era de enlatados (salsicha, sardinha, atum, patê, presuntada, etc).
O resto era muito pão de fôrma, queijo, biscoitos, sopas de pacote, café,
etc. Com esses artigos, os dois faziam muitos sanduíches e, quando muito,
ferviam água para fazer um panelão de sopa em pacote, ou café,
consumidos em canecas. Para beber, centenas de garrafas de água
mineral. Esse era o regime de comida e bebida para o período no mar. Os
dois também eram encarregados de recolher o lixo, que era colocado em
sacos plásticos com um tijolo (também levados por eles) e, uma vez por
dia, disparados por um dos tubos de torpedo, com uma descarga de ar
comprimido.
Mike, Phillip e John se reuniram na Praça d’Armas (Refeitório dos
Oficiais), logo após o nivelamento a 40m e a adoção do rumo inicial e da
velocidade de cruzeiro. John informou-lhes:
- Efetuei os cálculos e, nessa velocidade, bastante econômica, nós
percorreremos as cerca de 4.200 milhas em mais ou menos 18 dias,
chegando às proximidades de Recife, no dia 28 de junho. O Sea Trader
chegará ao porto de Recife no dia 30. Teremos dois dias para esperá-lo,
vigiando pelo periscópio para identificá-lo, interceptá-lo e efetuar o
ataque. Por outro lado, pretendo fazer a travessia totalmente em
imersão, utilizando o “snorkel” (mastro que é içado até a superfície, tal e
qual um periscópio, permitindo que o ar para os MCP seja aspirado e,
assim, que eles possam funcionar com o submarino imerso), por
algumas horas, durante o dia, para carregar as baterias, e com
propulsão por baterias durante toda a noite. Vocês vão me perguntar o
por quê dessa atitude. Eu respondo que, daqui a pouco, deverão dar
por falta do submarino no píer. A USN será acionada e, provavelmente,
haverá navios de guerra e aeronaves no nosso encalço. Por esse motivo,
adotei um rumo abrindo da costa, pois eles devem
pensar que
navegaremos paralelos à costa, para o norte ou para o sul, já que eles
não sabem para onde vamos. A esta hora, o vigia do píer e o mestre do
rebocador já acordaram e devem ter chamado a polícia, que, por sua
vez, deve ter avisado ao FBI e à Navy.
= 43 =
36
- É verdade, disse Phillip.
Mike fez um comentário:
- John: você fez tudo certo, da melhor maneira possível e está nos
conduzindo na direção de nosso objetivo. Concordo com tudo o que
você disse e vou mais além – você tem liberdade de ação para agir da
maneira que achar melhor no que se refere à operação do submarino,
na escalação de qualquer um para as tarefas que você decidir atribuir.
Isto inclui a mim e ao Phillip. Penso estar falando por nós dois; não é
Phillip?
- Exatamente, Mike – respondeu Phillip.
Nesse momento, Mike viu Thomas passando pelo corredor e chamouo. Thomas parou, enfiou a cabeça pela abertura da porta da Praça d’Armas
e esperou o que Mike tinha a dizer:
- Thomas: quanto tempo o vigia e o mestre do rebocador devem ter levado
para acordar?
- Bem, o mestre do rebocador já estava acordado quando
nós
desatracamos. Quanto ao vigia, nunca mais vai acordar. . .
- O que, exatamente, você está tentando me dizer? – perguntou Mike.
- Eu estou lhe dizendo que o “Flintstone” matou o vigia!
- O que???? Que espécie de imbecil é esse cara? Será que ele não
percebeu que, a essa hora, a Polícia de New York em peso está tentando
identificar o assassino? Que vão ligar o homicídio ao seqüestro do
submarino? – disse Mike, indignado – Chame esse idiota aqui!
Passados alguns minutos, “Flintstone” apareceu. Antes que ele
pudesse dizer alguma coisa, Mike deu-lhe um soco de direita no estômago
e um de esquerda no queixo, fazendo com que ele caísse pesadamente no
chão. Mike não lhe deu tempo para mais nada: começou a ofendê-lo pelo
que ele tinha feito:
- Seu F. da P....! Assassino de merda! Você não tinha nada que matar
ninguém! A Polícia de NY deve estar inteira à procura de quem matou o
vigia e eles, quando procuram, acabam achando. Só que, desta vez, você
está conosco. Se, algum dia, por azar, nós formos presos, eu juro que o
mato assim que chegarmos na penitenciária, seu verme!
“Flintstone” não respondeu nada, mas a cara de ódio que ele fez para
Mike, pelos socos e pela descompostura que levou, era para que este
“pusesse as barbas de molho”. A primeira desavença estava aparecendo a
bordo, ainda no primeiro dia de travessia. . .
15
Enquanto os meliantes aventureiros singravam o Atlântico Norte,
em demanda das proximidades de Recife, o dia 11 amanheceu agitado
= 44 =
37
no píer 86, em New York . Por volta de 07:00hs da manhã, os garis da
Companhia do Lixo de New York chegavam ao portão do píer, na 12th
Avenue. Ao contrário do que acontecia diariamente, o portão estava
fechado e o vigia não estava junto ao mesmo para abri-lo. Eles gritaram
e nada aconteceu, ninguém chegou. Após 15 minutos de espera, o
motorista do caminhão chamou, pelo rádio, a central para solicitar
instruções. Da central chegou a determinação para aguardarem a
chegada de um carro da NYPD, o que ocorreu menos de 10 minutos
depois. Um dos policiais decidiu, após algumas opiniões ouvidas,
arrombar o cadeado, o que foi feito com facilidade. Os garis penetraram
no píer, acompanhados pelos dois policiais. Percorreram-no a pé até a
extremidade do mesmo, sem encontrarem o vigia. Foi quando os dois
garis, que foram recolher as latas de lixo junto ao Porta-Aviões Intrepid,
se depararam com o corpo sem vida do vigia. Um deles, aos gritos, foi
até a extremidade do píer e avisou aos policiais. Estes vieram
rapidamente até a proximidade das latas de lixo, onde viram o vigia
morto. No mesmo momento, um deles foi até o carro, manobrou-o e
entrou pelo píer. Parou junto ao local onde se encontrava o corpo e
avisou seu Precinct (Delegacia de Polícia). O comissário de plantão
passou a ligação para o Setor de Homicídios que, imediatamente,
mandou dois investigadores e dois peritos para lá. Quando chegaram
ao local, isolaram a área e iniciaram a perícia da cena do crime.
Constataram que o vigia havia sofrido uma perfuração à faca na laringe
o que, provavelmente, havia causado sua morte.
Coincidentemente, o NPa da USCG, mais uma vez, passou pelo
canal e o mesmo oficial avistou o rebocador, ainda fundeado nas
proximidades do píer 86. Desta feita, o Comandante do NPa decidiu se
aproximar para verificar o que estava acontecendo e, talvez, aplicar
uma multa ao mestre daquele rebocador que, já há alguns dias, estava
por ali, área de manobra de navios que demandavam os píeres. Fez a
aproximação e, após constatar que havia uma chata em cada bordo do
rebocador, largou o ferro, nas proximidades do conjunto rebocadorchatas, e enviou um bote a motor com um grupo de inspeção.
Chegando ao lado de uma das chatas, o grupo, devidamente armado,
subiu para a chata e atravessou-a até o rebocador. Inicialmente,
acharam que o rebocador estivesse abandonado. Todavia, o oficial do
grupo ao checar o passadiço, encontrou, a um canto, o mestre,
amarrado e amordaçado. O oficial foi até o mestre, desamarrou-o e
tirou-lhe a mordaça. Este, sedento, pediu, inicialmente, água. Foi-lhe
trazida água e ele, após sorver o líquido avidamente, contou ao oficial
da USCG o que tinha acontecido nos dias anteriores, quando seu
rebocador foi alugado por dois homens, que pagaram por antecipação;
ele teve que ir buscar duas chatas com o rebocador, uma de
= 45 =
38
combustível e a outra repleta de gêneros; houve o embarque de alguns
trajes de mergulho e várias caixas; os homens fizeram-no, no dia 6,
trazer o rebocador com as chatas até este ponto e fundear, e;
finalmente, no dia de ontem, à tarde, muitos homens desconhecidos
embarcaram e ele, quando todos os homens, à noite, vestiram os trajes
de mergulho, perguntou o que estava havendo. Nesse momento, foi
agarrado por trás e lhe deram para cheirar um pano com algo com
cheiro muito forte, o que fez com que ele perdesse os sentidos. Relatou,
finalmente, que quando acordou, mais tarde, ele estava amarrado e
amordaçado. Rolou até a porta e viu que eles estavam transportando
material para um submarino, que estava atracado a contra-bordo da
chata de bombordo e que, após terminarem o carregamento, o
submarino desatracou e se foi, tendo ele permanecido amarrado até ser
encontrado pelo pessoal da USCG alguns minutos atrás.
O oficial da USCG no rebocador se comunicou por um transceptor
portátil com o Comandante do NPa, um Lieutenant (Capitão-Tenente) da
USCG, e relatou o ocorrido. Este, por sua vez, informou à sua base tudo
o que tinha sido narrado pelo mestre do rebocador. Foi-lhe determinado
tomar o depoimento por escrito do mestre do rebocador, para abertura
de inquérito, e aguardar uma equipe que seria enviada, em uma lancha,
para periciar o rebocador e as chatas.
Enquanto isso, no píer, por volta das 08:00hs da manhã, os
funcionários do Intrepid Sea-Air Space Museum chegavam ao píer para
mais um dia de trabalho, recebendo visitantes do complexo. Alguns se
dirigiram ao Porta-Aviões e, ao chegarem, encontraram aquele aparato
policial no cais. Outros poucos rumaram para o submarino e, ao se
aproximarem do cais onde ele deveria estar, verificaram que o
submarino havia desaparecido. . .
- Será que ele afundou junto ao cais? – perguntou um deles, ao
mesmo tempo em que corria até a borda do cais para tentar ver alguma
coisa.
Logo, todos se deram conta de que o submarino, por incrível como
pudesse parecer, havia sido levado. Mas, como? E por quem? Para
onde? Com que finalidade? O tumulto tomou conta de todos os que
haviam se aproximado do cais do submarino. E, rapidamente, a notícia
se espalhou por todo o restante do píer, chegando aos policiais que
estavam periciando o corpo do vigia assassinado e o rastro de sangue
no chão do píer, que mostrava, claramente, que ele havia sido
esfaqueado em outro ponto do píer e arrastado até a área das latas de
lixo junto ao Intrepid. O policial que liderava o grupo avisou acerca do
roubo do submarino, pelo rádio do carro, à sua Delegacia e recebeu a
notícia que, por se tratar o roubo do submarino de um crime federal,
= 46 =
39
seria solicitada a presença do FBI, e por ter havido delito na área
marítima, seria comunicado à USCG.
Pronto! O circuito havia sido fechado. Logo que a USCG foi avisada
do roubo do submarino do píer 86, fez-se a ligação entre o evento e o
ocorrido no rebocador de porto. Muito provavelmente, as mesmas
pessoas que haviam alugado o rebocador tinham sido as que
seqüestraram o Grayfish do píer 86, seu local de exibição. A USCG fez,
de imediato, contato com o XV Naval District (15° Distrito Naval) da
USN em New York, narrando o ocorrido. A informação fluiu pelos canais
competentes, chegando, após algum tempo, ao Chief of Naval
Operations (CNO) , Comandante de Operações Navais da USN. Este, de
imediato, telefonou pessoalmente para o Comandante Naval do
Atlântico (US Navy Commander in Chief, Atlantic Fleet - CINCLANT),
relatando o ocorrido e determinando a este a efetivação de um
esclarecimento (busca aérea por setores), com aviões de patrulha
marítima da USN, a partir de New York, e de um acompanhamento do
tráfego marítimo do Atlântico Norte por satélite, para a localização do
submarino seqüestrado.
Por outro lado, as emissoras de rádio e TV, bem como os jornais,
mantêm plantão nas principais Delegacias Policiais. Tão logo as
informações policiais sobre os delitos cometidos no píer 86 começaram
a circular no âmbito das Delegacias de New York, os repórteres de TV,
rádio e jornais correram como um enxame de abelhas para o píer 86.
Em um instante, todos os meios de comunicação de New York, dos EUA
e, por que não dizer, de todo o mundo, estavam divulgando o
acontecimento. O píer ficaria intransitável, não fosse a ação enérgica
dos policiais que, para reforçar o efetivo, tinham sido enviados para lá e
mantiveram a imprensa isolada em uma área de onde podiam fazer a
cobertura dos acontecimentos.
Um helicóptero da USCG , trazendo vários oficiais para investigarem
o acontecido, pousou no convés de vôo do Intrepid. Rapidamente, eles
desceram para o cais e se juntaram aos policiais da NYPD que já
estavam no local desde o descobrimento do vigia morto.
Para culminar, chegou ao píer um automóvel preto, de onde
saltaram quatro homens de terno e se dirigiram ao detetive da NYPD,
que estava liderando as investigações do assassinato, bem como ao
oficial mais antigo presente da USCG, que estava chefiando o pessoal
que fazia a perícia do cais e do rebocador com as chatas. Um deles se
destacou e disse que, por ser um crime federal, o FBI estava assumindo
a coordenação das investigações e que ele era o coordenador geral.
= 47 =
40
Disse, ainda:
- Sou o agente Robert S. Brandon.
Era o mesmo agente que havia viajado ao lado de Liz, no vôo
London-New York, quando de sua transferência da África do Sul para os
Estados Unidos. . .
O mistério estava começando a ser investigado. Conseguiria a
coligação de forças empregadas para a investigação resolver o
problema? Identificar e prender os responsáveis? Muita “água iria
correr, ainda, sob a ponte”. . .
16
A bordo do Grayfish, o inteligente rumo determinado por John, na
direção sudeste, o afastava cada vez mais da costa americana. Nesse
rumo (125°), o submarino estava se aproximando das Ilhas Bermudas
e, pelos cálculos de John, passaria a cerca de 220 milhas ao norte das
referidas ilhas. Nesse ponto, a ser atingido no dia 13 à noite, estava
prevista uma guinada para o sul, assumindo, então, o rumo de 160°,
que o levaria diretamente ao saliente nordestino brasileiro, a meia
distância entre Natal e o Arquipélago de Fernando de Noronha.
O rumo era inteligente pois, nesse instante, estava sendo iniciado
um esclarecimento (busca aérea por setores), cobrindo um leque de
aproximadamente 180°, a partir de New York, com um raio de ação dos
aviões estimado em 2.000 milhas (ou seja, 1.000 para ir e 1.000 para
voltar). O Grayfish estava navegando imerso e, portanto, invisível tanto
para observação visual quanto para os radares das aeronaves. A bordo,
ignorava-se que a USN estaria já a procura deles.
No primeiro dia, o Grayfish navegou utilizando o “snorkel” durante
quatro horas, o que foi suficiente para carregar as baterias. E, assim, ia
alternando, sempre submerso, a propulsão pelos MCP, com o uso do
“snorkel”, e a propulsão por baterias. No segundo e no terceiro dias,
repetiu-se a rotina acima e, às 22:00hs de 13 de junho, John
determinou uma guinada para boreste, quando passou a ser adotado o
rumo 160°, que vigoraria por cerca de 15 dias mais.
A bordo, o tempo passava muito devagar, pois, além dos quartos de
serviço, nada havia para ser feito. Já era esperado por John um
perigoso tédio, que poderia trazer os nervos de seus tripulantes “à flor
da pele”. Mas, nas circunstâncias, o fato era inevitável. Nada poderia
ser feito, pois eles tinham prazos a cumprir. Surpreendentemente, para
um submarino desativado há dois anos, tudo funcionava, até então,
= 48 =
41
perfeitamente. Sua manutenção pelo pessoal do museu, submarinistas
da reserva, era impecável.
17
Em New York, as investigações continuavam. O agente Robert
Brandon inquiriu pessoalmente o mestre do rebocador que informou os
nomes declinados pelos dois que alugaram seu rebocador. Só que os
nomes que Mike e Phillip deram eram falsos. O mestre, entretanto,
forneceu as características faciais de ambos, o que permitiu a confecção
de “retratos falados”, que foram disseminados para as Delegacias
Policiais. Robert também determinou que o passadiço do rebocador,
local onde, segundo o mestre, eles haviam ficado a maioria do tempo
naquela noite, fosse minuciosamente vasculhado em busca de
impressões digitais que facilitassem a identificação dos criminosos.
Muitas impressões digitais foram coletadas pelo perito.
Após três dias de busca, a USN tinha, por assim dizer, desistido
temporariamente da caça ao submarino seqüestrado, pois mesmo a
busca por satélite nada havia encontrado. Assim mesmo, a foto do
mesmo foi enviada por satélite para todos os navios da USN. Quem
sabe, algum deles poderia cruzar com o Grayfish, por acaso?
A USCG estava conduzindo o inquérito pertinente e estava chegando
às mesmas conclusões de Robert Brandon e seu time do FBI: os ladrões
do submarino eram as pessoas que tinham alugado o rebocador. Mas,
as dúvidas continuavam pairando no ar: quem, por quê e para onde?
18
Assim se passaram duas semanas. No submarino, a mesma rotina
todos os dias, sem que nada de diferente acontecesse, nem algum navio
de guerra houvesse sido avistado nas constantes “periscopadas”
efetuadas por John. No dia 25, quatorze dias após a partida do
Grayfish, a tediosa rotina estava, como John supunha, levando todos “à
beira de um ataque de nervos”. Discussões floresciam por toda a parte e
pelos menores motivos. Ou eram reclamações com a comida (diga-se de
passagem, bem repetitiva – sanduíche, sopa ou biscoitos) ou queixas de
mau cheiro nas pessoas (não havia água doce nos tanques e, portanto,
não se podia tomar banho), ou, ainda, implicâncias infantis por disputa
por espaço ocupado (um queria ficar sentado em um local que outro
também queria). Para tentar minimizar essas questões, John e Mike
= 49 =
42
reuniram, uma tarde, aqueles que não estavam de serviço, no
compartimento de torpedos avante. Mike fez uma preleção recordando
os objetivos daquela viagem e, da maneira a mais divertida que ele
podia encontrar, lembrando a todos que, se tudo desse certo, todos
sairiam dali lucrando, podendo até serem considerados ricos, cada um
dentro dos limites do que iria ganhar. . . Que, tivessem, portanto, um
pouco de paciência com os demais. Pelos cálculos de John, eles já
estavam perto da Linha do Equador, cerca de 270 milhas ao norte de
Fortaleza.
Faltavam só três dias para a chegada ao litoral
pernambucano, para esperar o Sea Trader.
Nessa noite, John, para minorar o problema da falta de banho, veio
à superfície e mandou que fosse passado um cabo num arganéu na
torreta e deixada livre a outra extremidade. Determinou que todos que
não estivessem de serviço no horário ficassem de cuecas e fossem para
o convés. Mandou, ainda, que se enrolassem no cabo, enquanto ele
trouxe uma mangueira da rede de incêndio por uma escotilha.
Determinou que fosse aberta a válvula correspondente e premiou a
todos com um “jato sólido” de água. Apesar do banho ter sido de água
salgada, os maus odores dos corpos diminuíram consideravelmente. . .
Tal procedimento foi repetido para aqueles que estavam de serviço e
foram, durante o período do banho, rendidos temporariamente, para
poderem também desfrutar do banho improvisado, refrescante e
desodorizante. . .
19
Em New York, Robert Brandon, com o auxílio dos “retratos falados”
e das impressões digitais, já tinha uma suspeita de alguns,
especialmente de John, Thomas e Morgan, ex-presidiários, que
guardavam semelhança com alguns “retratos falados” e tinham
impressões digitais que “batiam” com as fornecidas pela penitenciária
de Attica. Todavia, nem Mike nem Phillip estavam na mira de Robert.
Por acaso, apesar de seus “retratos falados” terem sido feitos, ninguém
encontrou impressões digitais dos dois no rebocador e só Mike era expresidiário. Quanto a Phillip, possuía ficha policial limpa e não era
conhecido.
Enquanto isto, Liz, em seu apartamento, estava aflita, pois Mike
não lhe tinha telefonado e ela estava muito zangada com essa falha, no
seu ponto de vista gravíssima para um homem casado há um mês. Ela,
em certas noites, perguntava a si mesma se Mike poderia tê-la
= 50 =
43
abandonado, apesar de suas juras de amor e da paixão demonstrada
na cama, quando estavam juntos. No dia 25, ela, além de zangada,
começou a ficar preocupada. E se algo tivesse acontecido com Mike e
ele não tivesse podido telefonar-lhe? Decidiu não ir trabalhar naquele
dia e tentar apurar o que pudesse. Ato contínuo, telefonou para o
escritório de Mike e Phillip. O telefone tocava, tocava e ninguém
atendia. Ela foi até o escritório. Lá chegando, encontrou-o fechado.
Procurou o zelador do prédio. Este informou a ela que há muitos dias
ninguém vinha abrir aquele escritório. Decepcionada e cada vez mais
apreensiva, Liz voltou para casa. Já estava começando a fazer
“beicinho” para chorar, quando alguém tocou a campainha da porta. Liz
limpou os olhos em seu lencinho e foi abrir a porta. Olhou pelo “olho
mágico” e viu um homem de terno e com uma boa aparência. Abriu a
porta. O homem lhe disse:
- Senhora, boa tarde! Sou o inspetor Jack Smith, do Departamento
de Justiça, Divisão Prisional, Jurisdição de Liberdade Condicional –
e exibiu-lhe um documento de identificação e um distintivo.
Liz examinou o distintivo e o documento do inspetor, convidou-o
para entrar e sentar-se e perguntou:
- Em que posso ajudar-lhe, inspetor Smith?
- Este não é o endereço de Michael Sullivan? Assim ele nos informou
quando se mudou para cá, há um mês e meio.
- É aqui mesmo – respondeu Liz – sou Elizabeth Sullivan, esposa de
Michael.
- Pois é – respondeu o inspetor – ele já passou dez dias da data
limite em que tinha que se apresentar a nós. A senhora sabe que
ele deve comparecer a nosso escritório de quinze em quinze dias,
não é?
- Sim, sei. Mas, ele deve ter se esquecido – disse Liz, para não
comprometer Mike.
- E ele? Está em casa? – perguntou o inspetor.
- Ñão. Ainda não chegou. – disse Liz, agora já ficando assustada.
- Muito bem, minha senhora, não vou mais ocupar seu tempo.
Quando Mr. Michael chegar em casa, diga-lhe, por favor, para se
apresentar o mais depressa possível – e levantou-se.
Liz o acompanhou até a porta e se despediu do inspetor.
Finalmente, fechou a porta e teve um acesso de choro. Devia, mesmo,
ser algo muito grave o que tinha acontecido a Mike. Logo ele, tão
disciplinado, ter-se esquecido de comparecer à Jurisdição da
Condicional. . . Desesperada, pegou sua bolsa e voltou para a rua.
Lembrou-se de algo. Procurou em seu celular o número do telefone de
Susan. Ligou para ela. Assim que Susan atendeu e reconheceu a voz e
o sotaque inglês de Liz, animou-se. Disse:
- Minha querida Liz! Resolveu aceitar meu convite? Venha até meu
= 51 =
44
apartamento e passaremos o resto da tarde bem juntinhas e bem
carinhosas em minha cama. . .
- Não se trata disso, sua depravada! Estou querendo saber se você
tem notícias de Phillip. Mike foi viajar com ele e, passados quinze
dias, não apareceu nem telefonou. Será que você sabe de alguma
coisa?
- Não, meu bem. Só sei é que Phillip, há uns vinte dias, esteve aqui em
casa, nós transamos muito e ele me disse que ia viajar e que antes de
um mês não estaria de volta. . .
Após essa notícia, Liz desligou o celular sem responder a Susan. Seus
olhos se encheram de lágrimas. Ela vagou pelas ruas por algum tempo,
até que se encontrou em frente ao Central Park. Atravessou a rua e
sentou-se em um banco do parque. Chorou muito, meditou bastante,
pesou os prós e os contras e, finalmente, tomou sua decisão. Levantouse e partiu resoluta, a passos largos. Ali próximo, na E 83th St., havia
uma Delegacia de Polícia. Para lá ela se dirigiu apressadamente.
Chegando à porta, hesitou um pouco, mas acabou entrando. Virou-se
para o policial que estava sentado a uma mesa na entrada e disse:
- Vim comunicar o desaparecimento de meu marido!
20
Liz foi encaminhada a um detetive para a lavratura do Boletim de
Ocorrência. O detetive Bill Ryan recebeu-a, ofereceu-lhe um café e,
depois, ouviu pacientemente a narrativa de Liz, enquanto o que ela
dizia era digitado por um policial no computador. Após a parte inicial de
identificação de Liz, esta falou sobre como tinha conhecido Mike; seu
envolvimento com ele; sobre a prisão de Mike e os contatos que tinha
mantido com ele durante sua prisão; sobre a libertação de Mike e sua
mudança de Capetown para New York; sobre o casamento dos dois;
sobre o emprego de Mike e; finalmente, sobre a viagem de Mike e seu
sócio, Phillip, sem que, após 15 dias, recebesse telefonemas ou notícias
dele. O detetive perguntou-lhe:
- Sra. Sullivan: pelo seu relato, seu marido Michael é um expresidiário. Como a Sra. descreveria seu comportamento após sua
libertação? Ele tem cumprido seus compromissos com a Jurisdição
da Condicional? Ele tem seguido as restrições determinadas quando
de sua soltura?
- Bem, ele tem sido uma pessoa totalmente normal. É muito educado,
tem um emprego e, comigo, sempre foi um gentleman e um
marido carinhoso e amoroso. Eu também o amo muito! Tem seus
amigos, todos os que trabalham com ele, e leva uma vida normal.
Praticamente todos os dias de casa para o trabalho e vice-versa.
= 52 =
45
Quanto à Jurisdição da Condicional, ele, até o começo deste mês,
seguia à risca suas apresentações e as determinações que recebeu
ao deixar a prisão. Por acaso, hoje, recebi a visita de um agente da
Jurisdição da Condicional dizendo que ele passou dez dias do limite
da última apresentação.
- Fale-me sobre os amigos de Michael. Por acaso, lembra dos nomes
deles? – perguntou o detetive Ryan, que teve um lampejo a respeito
de uma possível ligação com os suspeitos do roubo do submarino, já
de amplo conhecimento de todas as Delegacias Policiais. Afinal,
sabia-se que Mike, apesar de não constar da lista de suspeitos, teve
seu “retrato falado” reconhecido e foi colega de penitenciária dos
suspeitos já arrolados.
- Só os vi uma vez, em um jantar em que os recebemos.
Compareceram Phillip, o sócio de Mike; sua namorada Susan; John e
Morgan, os vendedores; e Thomas, o secretário. Estive com eles
algumas horas e não sei seus sobrenomes.
As suspeitas de Ryan estavam praticamente confirmadas. Ele sabia,
pelas informações disseminadas para todas as Delegacias Policiais, que
John Ashley, Morgan Simpson e Thomas Smith, todos ex-presidiários,
tinham tido seus “retratos falados “, preparados após as informações do
mestre do rebocador, e suas impressões digitais, encontradas no
rebocador, devidamente reconhecidos e, como tal, constavam como
principais suspeitos do seqüestro do submarino e, conseqüentemente,
do assassinato do vigia. A coincidência dos primeiros nomes era
significativa. O desaparecimento de Michael Sullivan, na mesma época
dos outros, sugeria um envolvimento deste na trama. Mas, ele ainda
não podia provar nada. Resolveu dispensar Elizabeth e, em seguida,
avisar seus superiores, que, quem sabe, poderiam fazer mais uma
jogada deste intrincado jogo de xadrez com a inclusão desta nova peça
no tabuleiro. Assim, disse para Liz:
- Sra. Sullivan: o desaparecimento de seu marido está devidamente
registrado conosco. Vamos procurá-lo exaustivamente. Nada prometo,
além de nosso esforço e de nossa dedicação. Peço que volte para sua
casa, procure ficar tranqüila e confiar na NYPD. Qualquer notícia lhe
será transmitida. Por favor – nada de desespero!
- Muito obrigado, detetive Ryan. Eu estava mesmo precisando falar com
alguém. Continuo preocupada, mas, agora, pelo menos, estou mais
tranquila. Até outro dia.
Liz saiu da Delegacia e, mais calma, regressou lentamente para seu
apartamento. Todavia, em sua cabeça, continuava martelando a idéia
de que Mike pudesse estar passando dificuldades e, por isso, não tinha
telefonado ou enviado notícias. Ao chegar em casa, resolveu telefonar
para seu escritório justificando-se por não ter ido trabalhar, tomou uma
= 53 =
46
boa dose de scotch e foi para a cama descansar e procurar dormir para
esquecer. . .
Enquanto isso, o detetive Ryan, autorizado por seu Delegado, passou
um e-mail para a Delegacia Policial da área do cais do porto, nas
proximidades do píer 86, onde estavam sendo centralizadas as
investigações da NYPD a respeito do caso. Lá, um detetive de plantão
retransmitiu-o para o FBI, pois existia ordem para informar-lhes de
qualquer novidade referente ao caso.
No FBI, esse e-mail chegou rapidamente à escrivaninha de Robert
Brandon que, ao lê-lo, disse:
- Eu acho que temos novas pistas no caso. Esse e-mail, envolve,
apesar da falta de provas, mais dois suspeitos no caso: este Michael
Sullivan e, de carona, seu amigo, cujo “retrato falado” não pudemos
identificar, mas imaginamos que seja esse Phillip, citado pela esposa de
Michael Sullivan. . .
21
Passados três dias, após uma correção de rumo para 200°, ao
passar pelo alinhamento Cabo Calcanhar-Arquipélago de Fernando de
Noronha, o Grayfish, finalmente, chegou , na noite do dia 28, em frente
ao porto de Recife. John veio à cota periscópica e avistou a bela cidade
do nordeste do Brasil. Imaginou o quão prazerosa e acolhedora aquela
cidade deveria estar, naquela época do ano, nas festas juninas, das
quais ele se recordava quando aportou em Recife, nessa época, durante
uma Operação Unitas, em conjunto com a Marinha do Brasil (MB), há
mais de dez anos. As luzes da cidade, avistadas daquela distância,
eram esplendorosas. John efetuou uma alteração de rumo e afastou-se
da cidade, em um rumo sudeste, a fim de chegar até uma área de
patrulha, dentro da qual ele ia se posicionar para, na cota periscópica,
ficar aguardando, no dia 30, bem cedo, a chegada do Sea Trader. Após
uma hora de navegação, efetuou, pelo periscópio, marcações dos faróis
em seu visual, e determinou a posição do submarino. Constatou já se
encontrar dentro da área de patrulha previamente planejada por ele.
Decidiu, após conversar com Mike e Phillip, dar um descanso à sua
tripulação, cansada e emocionalmente abalada após tantos dias
confinada no interior de um submarino. Fez a medição de profundidade
e constatou ter 20 metros abaixo de sua quilha. Veio à superfície e
largou o ferro, fundeando naquela posição e permanecendo às escuras.
Foi à torreta e verificou que se encontrava afastado do litoral o
suficiente para estar fora das rotas normais de navegação. Autorizou
seus homens a irem para o convés e, se desejassem, tomar um banho
= 54 =
47
de mar para relaxar. A escuridão reinante, com um céu maravilhoso,
recheado de estrelas das mais diferentes grandezas, todas visíveis a
olho nu, já se constituía por si só em um espetáculo digno de
admiração.
Assim foi feito, tendo alguns homens mergulhado e nadado, mesmo
no escuro, em redor do submarino fundeado, relaxando, desfrutando da
temperatura agradável daquelas águas do nordeste brasileiro e
praticando algum exercício, que lhes faltava há cerca de vinte dias.
Outros preferiram simplesmente deitarem-se no convés e ali mesmo
adormeceram, respirando ar fresco e sem a necessidade de fazer serviço
de quartos. Apenas um homem ficou de plantão, por turnos, na praça
de máquinas, mantendo a observação nos equipamentos em
funcionamento, mesmo com o navio parado. Assim passaram o restante
da noite e da madrugada, até às 05:30hs, quando o crepúsculo
matutino já deixava antever o nascimento do sol. Nesse momento, John
avisou a todos e eles desceram. O ferro foi içado e, uma vez livre do
fundo, John determinou nova imersão e, a partir daquele momento, o
submarino permaneceu percorrendo rumos aleatórios na cota
periscópica, mantendo-se, entretanto, no interior da área de patrulha.
Estavam, novamente, em total discrição, protegidos pela profundidade.
Entretanto, a permanência na superfície por tempo tão prolongado
havia se constituído em uma grave falha no planejamento de John. Nas
poucas horas em que se mantiveram fundeados, na superfície, um dos
satélites espiões dos Estados Unidos, a serviço da Central Inteligence
Agency (CIA), que tinha sido, quando do seqüestro do submarino,
solicitada a cooperar, fez uma passagem sobre o Atlântico Sul e com
seu poder de ampla discriminação da superfície, localizou um
submarino na altura do porto de Recife. A gravação do trecho contendo
a imagem do submarino (com seu indicativo visual “572” pintado na
torreta), suas coordenadas geográficas (latitude e longitude), data e
horário foi, imediatamente, encaminhada à USN, conforme solicitado.
Foi recebida no Comando de Operações Navais, em cuja Subchefia de
Informações a imagem foi analisada. Da análise, chegou-se à
confirmação de que se tratava do Grayfish. A informação foi levada ao
CNO, máxima autoridade operativa da USN. Este, de imediato, telefonou
pessoalmente para o CINCLANT, com a determinação de constituir um
Grupo-Tarefa (conjunto de navios de guerra para operarem, sob
comando unificado, com uma determinada missão) a fim de localizar e
tentar resgatar o Grayfish dos criminosos que o haviam seqüestrado.
Transmitiu, ainda, ao Almirante-de-Esquadra seu subordinado, mais
uma determinação:
- Em caso de reação, destruí-lo!
= 55 =
48
O CINCLANT convocou seu Estado-Maior e expôs a determinação
recebida há poucos minutos do CNO. Em rápida consulta a um
computador, o Oficial de Operações informou que o Grupo- Tarefa (GT)
da USN mais próximo das coordenadas correspondentes à localização
do Grayfish se encontrava no Caribe, nas proximidades de Trinidad e
Tobago, em deslocamento para uma operação conjunta com as Marinha
do México e da Colômbia. Era constituído por um Cruzador Nuclear
(USS Roosevelt), seis Contratorpedeiros (USS Truman, USS Eisenhower,
USS Kennedy, USS Johnson, USS Carter e USS Ford) e um Navio de
Apoio Logístico (USS Clinton). O CINCLANT determinou que o GT
alterasse o rumo e partisse, em velocidade máxima, para o nordeste do
Brasil a fim de cumprir as ordens recebidas do CNO. Este, ao receber a
notícia do envio do GT pelo CINCLANT, telefonou para o Comandante de
Operações Navais (CON) da MB, Almirante-de-Esquadra Fábio Sanctos,
comunicando-lhe a situação criada e o envio de um GT da USN para o
nordeste do Brasil. Como as operações poderiam se efetivar em águas
do mar territorial do Brasil, solicitava, ainda, à autoridade operativa da
MB, a permissão para operar na área e o envio para o local de navios de
guerra brasileiros para dar respaldo às operações navais da USN. O
CON brasileiro concedeu-lhe a devida autorização e prometeu enviar,
também, um GT brasileiro para apoiar o GT americano. A autoridade
naval brasileira fez contato com o Comandante-em-Chefe da Esquadra
(ComemCh), Vice-Almirante Edgar Macedo, determinando o envio de
um GT para dar apoio ao GT norte americano. Este, por sua vez, soube
que havia um GT constituído por três Fragatas e um Navio-Tanque, em
Vitória, regressando de uma operação para o Rio de Janeiro.
Determinou que suspendessem, de imediato, para Recife e se
encontrassem com o GT americano.
Poucas horas depois, o tempo necessário para que as tripulações
regressassem para bordo, o GT 135.2, constituído pelas Fragatas
Inconfidência, Generosa e Mello Baptista, além do Navio-Tanque
Almirante Façanha, sob o comando do Comandante da 1ª Divisão da
Esquadra, Contra-Almirante Lelio de Araújo, suspendeu às 23:00hs de
28 de junho, de Vitória com destino a Recife. Chegada estimada
prevista para a tarde do dia 1º de julho, à velocidade máxima prevista
para o deslocamento.
As forças legais estavam se deslocando para o local do confronto,
provavelmente o litoral de Pernambuco.
= 56 =
49
22
Logo após a imersão, a rotina foi retomada a bordo do Grayfish. Os
postos foram guarnecidos novamente, no compartimento de manobra e
na praça de máquinas. Como já estávamos no dia 29 de junho, véspera
da passagem prevista do Sea Trader, John mandou chamar os
componentes do compartimento de torpedos avante, Anthony, Lucas e
Alfred, e determinou a eles que preparassem para ser disparado um dos
dois torpedos russos que eles haviam embarcado e, em seguida, quando
pronto, municiassem o tubo de torpedos n° 1. Sabia que essa faina
duraria um longo tempo e já queria ter o tubo de torpedos municiado e
pronto para o instante do lançamento, no dia seguinte.
Assim se desenrolou todo o dia 29, com o Grayfish “passeando”
para lá e para cá no interior da área de patrulha e seus tripulantes, já
menos tensos, vivendo a vidinha diária. À noite, os que puderam foram
dormir e os outros fizeram seus serviços de quarto nos horários que
lhes haviam sido determinados.
O dia 30 amanheceu esplendoroso com um sol e um céu azul de
fazer inveja. Durante a manhã, John passou quase que o tempo todo no
periscópio, observando e vigiando os 360° Os outros, bastante ansiosos,
queriam saber, a todo instante, se ele havia avistado alguma coisa. No
fim da manhã, um NPa da MB passou por eles, procedente do sul e se
dirigiu à entrada do porto de Recife. John pensou uma segunda vez no
assunto e chamou Anthony. Determinou a ele que preparassem o
segundo torpedo e municiassem o tubo n° 2. Queria estar pronto caso
fosse atacado. A presença do NPa fez disparar um alarme em seu
cérebro.
Após o almoço, com os indefectíveis sanduíches, John retomou seu
posto de vigilância no periscópio. Já estava ficando cansado quando,
por volta de 14:15hs, avistou um navio de casco preto e superestrutura
branca, com um ângulo do alvo que denotava estar com um rumo
noroeste. Deixou passar o tempo e, à medida que o navio se aproximava
e ficava mais nítido no periscópio, aumentava sua ansiedade e sua
suspeita de que se tratava do Sea Trader. A foto que Mike tinha trazido
e que fazia parte da xerox que ele tinha tirado de uma das páginas do
Jane’s Merchant Ships não deixava margem a dúvidas. ERA O SEA
TRADER! John determinou que todos assumissem os postos de
combate e começou a manobrar o submarino de forma a colocá-lo em
uma posição favorável para o tiro torpédico. Após algumas manobras,
= 57 =
50
alterando rumos e velocidades, o Grayfish se postou de forma a que o
Sea Trader passasse em rumo perpendicular à sua proa, a uma
distância de 2.000 jardas (1.852 metros). Tinha chegado o momento
decisivo de toda a operação!
Às 14:40hs, quando o navio mercante estava quase atingindo o ponto
ideal para o disparo do torpedo, algumas ordens rápidas foram
transmitidas, a comporta do tubo n° 1 foi aberta e o tubo alagado; no
momento em que a distância ideal foi atingida, no compartimento de
manobra foi premida a chave de fogo relativa ao tubo n° 1 e o torpedo foi
disparado. O torpedo (um VA-111 Shkval, de fabricação russa) percorreu
a distância em aproximadamente três minutos e explodiu ao colidir com
o casco do navio mercante, abaixo da linha d’água, abrindo uma cratera
no mesmo e fazendo com que uma colossal coluna d’água se elevasse
acima da superfície do mar, junto ao navio. A bordo do navio mercante,
a surpresa e o pânico foram totais. O navio rapidamente começou a
afundar, causando a morte por afogamento a quase todos os que se
achavam cobertas abaixo, já que as portas estanques não puderam ser
fechadas a tempo pelo comando à distância no passadiço. O
Comandante ordenou o abandono do navio e uns poucos sobreviventes
se atiraram ao mar, tentando alcançar as balsas infláveis que se
desprenderam do navio. Este afundou em poucos minutos.
No Grayfish, apenas John estava assistindo à cena pelo periscópio.
Quando foi efetuado o acerto pelo torpedo, John exultou e chamou Mike
e Phillip que também tiveram a oportunidade de ver o Sea Trader já
afundando.
Nesse momento, inesperada e inexplicavelmente, “Flintstone” chega
ao compartimento de manobra e, portando um dos fuzis automáticos
AK-47, se adianta e diz, apontando o fuzil para John:
- Vamos à superfície! Temos que matar todos os sobreviventes!
Testemunhas vivas só servirão para nos acusar!
Todos os presentes no compartimento de manobra ficam surpresos
com a atitude de “Flintstone”, que repete, ao mesmo tempo em que
engatilha sua arma:
- Não vou repetir, John! Ou vai à superfície ou morre agora! – e mira no
peito de John, já levando o dedo ao gatilho.
Instantaneamente, Phillip se coloca entre “Flintstone” e John,
gritando:
- Não faça isso, “Flintstone”! Tudo está dando certo! Por que matar os
sobreviventes? Não seja burro!
“Flintstone” não perde tempo. Abre fogo contra Phillip, que cai ao
chão com um buraco no peito e sangrando profusamente. A revolta é
= 58 =
51
total. Todos se levantam e avançam na direção de “Flintstone”. Este,
fora de si, avisa:
- Mais um passo e eu mato todos! John, para a superfície! Agora!!!
Nesse ínterim, Mike, sorrateiramente e se aproveitando da situação,
tinha se esgueirado por detrás de todos e ido até onde estava Thomas.
Sacou a pistola automática que este trazia sempre em seu cinturão (pois
era o encarregado da segurança, desde a fase de planejamento). No
instante em que soa o tiro e Mike vê Phillip ser atingido e caindo ao
chão, não pestaneja: engatilha a pistola, dá dois passos na direção de
“Flintstone” e, antes que este consiga apontar o fuzil em sua direção,
descarrega a pistola sobre o corpo dele. “Flintstone” arregala os olhos,
sem dizer sequer um “ai” e cai para trás, pesadamente, com o peito já
coberto de seu próprio sangue. Mike corre na direção de Phillip, mas, ao
chegar, verifica, com pesar, que ele já está morto. A reação de Mike é de
dor e de desespero. Afinal, apesar dos pesares, ele sempre fora amigo de
Phillip. Só teve forças para, aos prantos, gritar:
- Meu amigo Phillip! Esse assassino desgraçado não teve piedade!
Matou você a sangue frio!
- O F. da P... do “Flintstone”mereceu o fim que você deu a ele – disse
John, chorando também e abraçando Mike, tentando consolá-lo.
A surpresa pelo fato, inesperada e subitamente ocorrido, e a
tristeza pela morte de Phillip se espalham por todos a bordo. O que teria
feito “Flintstone” agir daquela forma? Por que ele queria matar os
possíveis sobreviventes? Tais perguntas permaneceriam sem respostas
para todo o sempre. A verdade, naquele instante, era: o grande triunfo
do grupo tinha sido empanado pelo infausto acontecimento.
John, antes de qualquer outra coisa, determinou que os corpos
fossem embrulhados em sacos e estes costurados. Em seguida, mandou
que fossem conduzidos ao compartimento de torpedos avante. Chamou
todos ao local e, na qualidade de Comandante, fez uma prece pelas
almas dos dois infelizes. Então, mandou que, um de cada vez, os corpos
fossem colocados no tubo de torpedos n° 1, com um peso amarrado aos
pés. Após a colocação dos corpos no tubo, mandou que fosse aberta a
comporta do tubo e, em seguida, ele mesmo premiu a chave local de fogo
do referido tubo. Os corpos foram lançados, como torpedos, para o
exterior do submarino com um forte jato de ar comprimido. A tragédia
estava encerrada!
Tinham que passar para a fase seguinte – o objetivo principal. Mas, a
dor e a mágoa causada por aquele evento iria ficar gravada na mente de
todos. . .
Na superfície, os sobreviventes, incrédulos ainda, conseguem
alcançar duas das balsas infláveis que se desprenderam de seus berços
= 59 =
52
a bordo do Sea Trader, quando este chegou à profundidade de escape
das mesmas. Mal poderiam imaginar o que os tinha atingido e causado
aquela explosão e o afundamento de seu navio em poucos minutos, já
com Recife à vista. . . Muito menos que eles mesmos haviam sido salvos
de seu extermínio através de um terrível drama que havia se
desenrolado metros abaixo de onde se encontravam. . . Na situação
atual, só lhes restava aguardar socorro.
No fundo, ainda sob o forte impacto das mortes havidas, disse John:
- Agora, nada mais se pode fazer. Só nos resta agora pousar no
fundo e resgatar os diamantes que estão no container.
- É verdade, disse Mike, ainda agoniado com a cena de que tinha
participado, totalmente impotente, e, de certa forma, aliviado por
ter matado tão cruel assassino.
No local, em plena plataforma continental, a profundidade é de
cerca de 40 metros. O submarino submergiu mais 20 metros, além da
cota periscópica e foi até o fundo do oceano, onde pousou suavemente
em um fundo de areia. A bordo, os mergulhadores que vão participar do
resgate dos diamantes – Morgan, Alfred e Gary (estes dois últimos
também habilitados para mergulho) vestem seus trajes de neoprene,
máscaras de mergulho, nadadeiras e os SCUBA (“Self Contained
Underwater Breathing Apparatus” = Equipamento Autônomo, constando
dos dois cilindros com o ar comprimido, um regulador e o bocal).
Sobem, um a um, para a guarita de salvamento. As pressões externa e
interna da guarita são igualadas e esta é alagada; a escotilha externa é
aberta pelo mergulhador, que sai do submarino e fecha a escotilha. A
seguir, a câmara é esgotada e outro mergulhador tem acesso a ela,
repetindo-se sucessivamente a seqüência de eventos até que os três
mergulhadores se encontrem no exterior do submarino.
De onde se encontram, começam a nadar na direção em que supõem
ter afundado o Sea Trader. Nadam por cerca de 10 minutos e, apesar da
luz solar que, filtrada pela camada de água do mar que os separa da
superfície, possibilita uma boa visibilidade, não conseguem avistar o
casco do navio recém-afundado. Por eles passa, de forma ameaçadora,
um tubarão-martelo, que não lhes dá importância e se afasta. Quando
eles já pensavam em regressar, eis que, de repente, avistam o navio,
que já havia pousado no fundo na posição normal. Ele se encontrava a
cerca de 50 metros do submarino. Com facilidade, nadam até o casco
soçobrado, avistam o enorme rombo no costado provocado pela explosão
do torpedo e, afinal, se dirigem para o convés principal. Procuram por
um determinado “container”, de cor azul e com a inscrição “PANOCEAN
TRANSPORTER” em letras brancas e grandes. Encontram-no na parte
= 60 =
53
inferior de uma pilha de seis containers a boreste, na seção mais
próxima da proa. Um dos mergulhadores (Morgan) retira de seu cinturão
de utilidades uma bisnaga contendo explosivo plástico, espalha-o em
volta do dispositivo de fechamento do “container”, instala um detonador
de tempo, os mergulhadores se afastam e se escondem por trás de
vários outros “containers”. Alguns segundos após, verifica-se uma
explosão e os mergulhadores retornam ao “container”, agora aberto.
Penetram no mesmo e de lá retiram dez cilindros de metal, cada um
deles pesando cerca de 30 kg. Em quatro viagens, os três mergulhadores
transportam, com um certo grau de dificuldade, os cilindros até o
submarino, onde são introduzidos, um a um, através da guarita de
salvamento. Ao final, por volta de 17:30hs, todos os cilindros já estão
colocados no piso do compartimento de torpedos avante, onde John,
Mike e os restantes onze tripulantes do submarino, fazem a abertura
dos mesmos e comemoram, abrindo três garrafas de champagne francês,
devidamente preparadas para a ocasião, a revelação de 20 kg de
diamantes lapidados em cada cilindro, num total geral de 200 kg dessas
pedras preciosas, num valor incalculável! Sucesso total!!! Só a lamentar
a triste ausência de Phillip, que tanto havia contribuído para que o
plano tivesse dado certo. . .
Após a comemoração, John ordena que todos reassumam seus
postos e resolve deixar o submarino pousado no fundo até a noite,
quando iria à superfície para dar uma folga à tripulação e aguardar a
chegada do Mikhail Gorbachev.
23
A explosão do Sea Trader não havia passado despercebida por
pessoas em terra. Afinal, o navio já estava sendo avistado das praias e
edifícios em locais ao sul da cidade, como, por exemplo, em Piedade. De
lá, da varanda de seu apartamento, Francisco Magalhães, o dono de um
jornal da terra, o Jornal do Comércio, avistou a explosão e, com o
auxílio de um binóculo, presenciou o afundamento do navio. Telefonou,
primeiro para seu jornal determinando uma edição extraordinária
noticiando o evento. Determinou, ainda, uma pesquisa, junto à
Administração do Porto e à Associação dos Práticos, para saber que
navios estavam sendo aguardados naquele dia. Em seguida, telefonou
para a Capitania dos Portos e para a Zona Aérea, informando o que
tinha avistado
Instantes após o recebimento do telefonema, dando conta do
afundamento de um mercante no litoral pernambucano, o Capitão dos
= 61 =
54
Portos determina ao Comandante do Navio-Patrulha Gaivota, chegado
na véspera ao porto (e avistado por John no periscópio), que suspenda
para o local presumível do naufrágio e procure por possíveis náufragos.
O navio suspende de Recife e, após cerca de duas horas de navegação,
por volta de 18:00hs, avista destroços flutuando na superfície e se
aproxima para investigar. Ao se aproximar, os tripulantes também
avistam algumas balsas infláveis, duas delas com pessoas acenando
para eles. As balsas traziam a inscrição “RMS Sea Trader – Liverpool”.
Em comunicação rádio com o 3° Distrito Naval, em Natal, o Comandante
do NPa informa ao Comandante do Grupamento Naval do Nordeste a
natureza de sua inesperada comissão e a identificação do navio
afundado, além do resgate de nove sobreviventes. Estes, apesar de
estarem ainda em grande choque emocional devido à súbita explosão,
causando o rápido afundamento de seu navio, estão em bom estado de
saúde, não necessitando de maiores cuidados. O NPa recolhe, além dos
náufragos, uma das balsas para servir de prova material do
afundamento. Após se certificar que não existem mais náufragos, apesar
da pouca luz no local, pois o sol já se havia posto no horizonte, o
Comandante do NPa determina o fim das buscas e o navio inicia seu
regresso ao porto de Recife.
O Comandante, um dos sobreviventes, relata ao Comandante do
NPa Gaivota, um Capitão-Tenente da MB, o que se passou, dizendo que
seu navio, o Sea Trader, de bandeira inglesa, procedente de Capetown,
estava se aproximando do porto, por volta das 14:00hs, quando foi
sacudido por uma tremenda explosão a boreste. Pensa que vinte e um
homens de sua tripulação de trinta, que deviam estar a essa hora
cobertas abaixo, tenham morrido por causa da explosão ou afogados
presos no interior do navio, que afundou em cerca de 10 minutos, se
tanto. Os que se encontravam no passadiço, como ele, ou no convés
pularam ao mar quando ele determinou o abandono do navio. Depois, só
se recorda de ter nadado até uma das balsas infláveis e de ter sido
recolhido horas depois, juntamente com os outros oito sobreviventes.
Lamentava imensamente ter perdido seu navio e, principalmente, tantos
tripulantes, mas não podia imaginar o que tinha causado tal explosão.
Em Recife, após a identificação do navio afundado e a comunicação
aos órgãos competentes, a Capitania dos Portos efetua a abertura de um
Inquérito Policial Militar para a tentativa de apuração dos fatos.
24
Enquanto isso, no submarino, John aguardou até às 20:00hs para
ter certeza da obscuridade total e, então, determinou a vinda à
superfície. Ao chegar à superfície, verificou sua posição, através das
= 62 =
55
marcações dos faróis visíveis, que não eram poucos, e do ponto em que
estava iniciou um deslocamento a baixíssima velocidade, cerca de 5 nós,
até o ponto combinado com Ivan (08° 00 ’S e 034° 50’ W), lá chegando às
20:50hs e fundeando. Como o horário do encontro seria às 05:00hs,
antes do nascer do sol, Mike e John decidiram permanecer na
superfície, fundeados, esperando que o Mikhail Gorbachev atracasse a
contrabordo.
A partir do horário do fundeio, foi dada autorização a todos para que
fossem ao convés, nadassem, ou seja, liberdade total para um
relaxamento tanto físico (como resultado dos últimos esforços físicos
desenvolvidos) quanto mental (em conseqüência dos desagradáveis fatos
que deram origem às duas mortes a bordo). Muitos, mais uma vez,
preferiram adormecer no convés, ao ar livre, avistando, à distância, as
luzes da grande Recife. De qualquer forma, o astral a bordo estava
baixo.
Com o início de um novo dia, às 00:00hs do dia 1° de julho, o GT
americano já estava dobrando o Cabo Calcanhar, no Rio Grande do
Norte, navegando em alta velocidade em demanda de Recife. Já o GT
brasileiro estava entre Salvador e Recife. A chegada dos dois coincidiria
quase que no mesmo horário, o início da tarde.
Em Recife, durante a noite de 30 de junho, o agente da Royal Ocean
Company, companhia de navegação a que pertencia o Sea Trader, Sr.
José de Albuquerque, não dormiu. Após receber os nove sobreviventes
do naufrágio e alojá-los em um hotel, em Boa Viagem, o Sr. José iniciou
uma série de telefonemas para a Royal Ocean para informar aos
interessados sobre o afundamento do navio. Assim, ligou para Londres,
sede da Royal Ocean Company; para a agência da companhia em
Miami, próximo porto de escala do navio; e para Capetown, porto de
origem do navio. Em todos os locais contatados, a notícia caiu como
uma bomba. Uma tragédia marítima como a que havia acontecido, com
a perda total do navio e sua carga, além, é claro, da importantíssima
perda de vinte e uma vidas humanas, não era um fato de pouca
relevância. Pelo contrário, causou um reboliço enorme. Tão logo o dia 1°
de julho raiou, os armadores do navio fizeram, imediatamente, contato
com o Lloyd’s Register, mundialmente renomada companhia de seguros,
que retinha o seguro dos seus navios. Da mesma forma, de posse do
manifesto de carga, redigido em Capetown, a Royal Ocean iniciou
contatos com os proprietários da carga, através de seu departamento
jurídico, para lhes assegurar que o naufrágio não havia sido provocado
pela Royal Ocean, a fim do recebimento do seguro. Isto ficaria provado
= 63 =
56
através do Inquérito a ser conduzido pelas autoridades navais
brasileiras. Desta forma, os proprietários dos containers afundados com
o navio poderiam reivindicar o pagamento de seguro das cargas, junto
às respectivas seguradoras.
= 64 =
57
Capítulo 3
O Prêmio e a Punição
1° a
10 de julho de 2009
25
No Grayfish, por volta de 04:30hs do dia 1° de julho, John,
debruçado sobre a borda da torreta, perscrutava a escuridão do mar.
Faltavam 30 minutos para o encontro com o Mikhail Gorbachev. Mike
subiu e veio se reunir a John. Ficaram algum tempo em silêncio.
Finalmente, Mike disse:
- John: mais uma vez, obrigado! Tudo correu de acordo com o
planejado. Estamos com os diamantes. Só resta a lamentar o dia de
ontem, que, apesar de nosso êxito no ataque e posterior resgate dos
diamantes, foi extremamente traumático devido à morte de Phillip.
Nunca poderíamos esperar que tal tragédia fosse acontecer, causada
por aquele demente, que só pensava em matar. . .
- É verdade, Mike. Eu também deploro. Todavia, aqui estamos,
aguardando, apenas, o iate russo chegar. Já deveríamos estar
avistando suas luzes.
Subitamente, como se tivesse se materializado do nada, um vulto
branco, totalmente apagado, surge da escuridão se aproximando do
Grayfish que, por razões de segurança, também não exibia as luzes
regulamentares de navio fundeado. A aproximação é efetuada com
perícia e, após alguns minutos, as espias do Mikhail Gorbachev são
lançadas para o Grayfish e encapeladas em seus cabeços no convés.
Enfim, os dois navios estavam atracados a contrabordo. Do iate russo é
arriada uma escada de portaló para o convés do submarino e, no topo
da escada aparece a figura de Andrei. Mike o reconhece e se adianta.
Sobe pela escada e aperta a mão deste. A recepção é calorosa e Andrei o
conduz a um salão, no convés principal, finamente decorado, onde se
encontra Ivan. Após um abraço, Ivan aponta um computador sobre a
mesa e diz:
- Mike: cumprimos nossa parte no trato e estamos prontos para
transferir o dinheiro para a conta que vocês informarem, em
qualquer banco e em qualquer parte do mundo. Onde estão meus
diamantes?
= 65 =
58
- Ivan: nós também temos palavra. Com licença, vou até o convés.
Andrei: vou precisar de alguns de seus homens para ajudar a trazêlos para o seu iate.
A esta altura, John já tinha providenciado a subida dos cilindros
para o convés do submarino. Cumprindo ordem de Andrei, seis homens
do iate desceram e, a um sinal de Mike desde o iate, levantando o
polegar da mão direita, John autorizou a entrega dos cilindros aos
homens de Andrei. Quando, cerca de 15 minutos após, todos estavam
no convés do iate, Andrei, pessoalmente, abriu cada um deles e
constatou que lá estavam os diamantes. Determinou a seus homens que
levassem os cilindros para um compartimento de segurança a bordo,
como se fosse um enorme cofre, com segredo na porta. Fez, então, uma
mesura para Mike, convidando-o a acompanhá-lo até o salão de Ivan.
Lá chegando, Andrei disse algo em russo para Ivan. Este convidou
Mike a sentar-se à mesa onde estava o computador. Disse, a seguir:
- Mike: vocês cumpriram sua parte no acordo. Pazdravlháyu!
(Parabéns!, em russo). Fico feliz por ter confiado em vocês. Pode
dizer o nome de um banco e um número de conta.
Mike, pelo planejamento inicial, ia efetuar o depósito na conta de
Phillip. Com a morte dele, Mike decidiu que o depósito seria feito em sua
conta. E forneceu o número de sua agência e de sua conta corrente no
Bank of America. Rapidamente, Andrei acessou o site do banco onde
Ivan tinha uma fortuna, em um paraíso fiscal, e digitou os dados do
banco e da conta de Mike. Digitou, então, a quantia – US$ 3.000.000,00
e clicou no “Enter”. O site indicou: TRANSFERÊNCIA EFETUADA.
Andrei imprimiu o comprovante da transferência e o entregou a Mike.
Ivan, então, disse:
- Assim é muito bom fazer negócio. Confiabilidade e honestidade de
parte a parte. Vamos comemorar. Apesar de ser ainda muito cedo,
vamos celebrar com champagne.
Apertou uma campainha e entrou um garçon, mais uma vez em
um encontro deles, trazendo uma Veuve Cliquot e quatro taças. Foi aí
que Ivan se lembrou:
- Onde está nosso amigo Phillip? Não vem a bordo celebrar também?
- Phillip morreu ontem – disse Mike com a voz embargada – foi
assassinado por um de nossos homens, que eu terminei por matá-lo
também.
- Muito triste. Que pena! Vamos, então, brindar pelo sucesso de nosso
negócio e pela memória de Phillip – disse Ivan.
Os três ergueram suas taças e tocaram-nas. Em seguida, beberam
seus conteúdos à uma, à moda russa. Mike, então, levantou-se e fez
menção de se despedir, dizendo que o sol iria nascer, a qualquer
momento, e que o submarino precisava mergulhar para se esconder.
= 66 =
59
Ivan, então, surpreendentemente, disse:
- Mike: Phillip morreu; o dinheiro já está em sua conta. Por que você
não vem conosco? Estamos regressando aos Estados Unidos, onde,
pouco a pouco, desembarcaremos os diamantes. Você viajará com
todo o conforto e ficará no porto em que atracarmos. Que acha?
Mike lhe respondeu que voltaria ao submarino para conversar com
John e que, em alguns minutos, lhe responderia. Voltou ao submarino,
chamou John, Morgan e Thomas e disse:
- O dinheiro já está em minha conta. Quando chegarmos aos
Estados Unidos, transferirei US$ 750.000,00 para as contas de
cada um de vocês, quando vocês me disserem os bancos e os
números das mesmas. Está bem assim?
Todos concordaram. Estavam felizes. Mike acrescentou:
- Ivan me convidou para voltar aos EUA no navio dele. Será que
vocês vão ficar aborrecidos se eu for? Tenho pressa de rever Liz!
- Penso falar por todos nós – disse John – Sei que nosso dinheiro
está garantido em sua conta. Você foi o idealizador deste plano.
Merece voltar antes e rever sua mulher. Nós vamos tentar alcançar
a costa americana, abandonar o submarino, abrindo suas válvulas
de fundo para que ele afunde e chegar até uma praia nas balsas.
Vá com Deus, Mike!
Mike abraçou com muito carinho e com muita força a John,
Morgan e Thomas, apanhou sua maleta e subiu a escada de portaló do
Mikhail Gorbachev, onde Ivan já o aguardava. Disse:
- Ivan, vou aceitar sua carona.
- Andrei: providencie um camarote para nosso hóspede!
Andrei levou-o até um confortável camarote, também com porta
para o convés principal, onde Mike deixou sua maleta e voltou para o
convés para assistir a desatracação. As espias do Mikhail Gorbachev já
haviam sido largadas a bordo do Grayfish. O belo iate oceânico
começava a se afastar do submarino. Mike acenou e todos os que
estavam no convés retribuíram o aceno. Mike sentiu uma profunda
agonia em seu íntimo, como se um mau pressentimento tivesse se
instalado em seu ser. À medida em que se afastavam, ele ainda pôde ver
que o sol já havia nascido no horizonte, a leste, na direção do alto mar.
Por outro lado, deu para ver todos os homens do convés do submarino
descendo pela escotilha de vante, após o que o Grayfish começava a
mergulhar com elegância para se ocultar sob as águas do litoral
pernambucano.
Nesse momento, já afastados cerca de uma milha do local onde
estavam, a torreta do Grayfish ainda estava acima da superfície, quando
um avião P-3AM – Orion da Força Aérea Brasileira (FAB) passou em vôo
rasante, bem perto da superfície do mar e do Grayfish. Mike,
= 67 =
60
imediatamente, compreendeu que o Grayfish tinha sido descoberto! Só
restava rezar para que não fossem mais encontrados.
Realmente. A MB e a FAB já tinham sido alertadas pelo Ministério
da Defesa da presença de um submarino americano seqüestrado,
provavelmente hostil, nas águas do litoral nordestino. O piloto, um
Capitão-Aviador, rapidamente, se comunicou com o II Comando Aéreo
Regional, em Recife, e deu a parte de contato do avistamento de um
submarino desconhecido submergindo nas coordenadas 08° 00’ S e 034°
50’ W. As ações subseqüentes foram a disseminação do contato para a
MB, que através de sua cadeia de comando, fez chegar ao Comandante
do GT 135.2 o conteúdo da parte de contato. Os GT brasileiro e
americano estavam a poucas horas daquelas coordenadas.
A bordo do Grayfish, John e seus homens desconheciam o fato de
terem sido avistados. . .
26
Pela manhã do dia 1° de julho, em Capetown, Mr. Wainwright já
havia recebido a notícia de que os 200 kg de diamantes lapidados, que
ele havia vendido para seu cliente em Miami e despachado pelo Sea
Trader repousavam, agora, no fundo do mar. Contrariando suas estritas
normas, telefonou pessoalmente para Mr. Douglas, em New York,
dando-lhe ciência do ocorrido. Este recebeu a notícia com certa frieza,
tendo em vista que os diamantes estavam segurados e o valor do seguro
era mais do que suficiente para ressarci-los da perda, muito embora ele,
no fundo de seu ser, soubesse e sentisse que diamantes são
insubstituíveis, até mesmo por uma polpuda quantia em dinheiro que a
seguradora pagaria à S.A.M.E.
Quando Liz chegou ao escritório da S.A.M.E. em New York, para dar
início ao seu expediente, podia-se notar que aquela mulher exuberante,
que todos admiravam por sua beleza e por seu entusiasmo, tinha
murchado como uma flor nas últimas duas semanas. Sua tristeza pelo
desaparecimento de Mike, sem receber notícias, a tinha afetado
profundamente. Ela estava abatida, com olheiras denotando falta de
sono. Seu humor já não era o mesmo. Todavia, sua refinada educação
não a deixava transparecer seu abatimento através de mau humor.
Continuava tratando a todos com toda a gentileza que lhe era peculiar.
Mr. Douglas mandou chamá-la e lhe disse, sem maiores rodeios,
que o Sea Trader, que trazia os diamantes de Capetown para Miami,
tinha sofrido uma explosão nas proximidades de Recife, afundando em
= 68 =
61
poucos minutos, com os diamantes a bordo. Quando Mr. Douglas
terminou sua narração dos fatos, Liz deu um grito e caiu desmaiada no
chão. Mr. Douglas socorreu-a, erguendo-a do chão em seus braços e
colocando-a deitada no sofá de seu gabinete. Foram buscar água para
ela e Mr. Douglas pediu que chamassem um médico. O médico demorou
cerca de 30 minutos para chegar, encontrando-a já acordada e chorando
muito. Ninguém podia atinar para as razões de tanto pranto. O que eles
não sabiam era que, na véspera, o detetive Ryan lhe telefonara
solicitando sua presença na Delegacia Policial. Ao chegar à Delegacia,
ela foi conduzida à sala do detetive que a fez sentar-se e foi logo dizendo:
- Sra. Sullivan, desde nosso último contato, temos procurado seu
marido incessantemente. Ele ainda não foi encontrado. Temos,
entretanto, após várias investigações, incluindo as efetuadas pelo
FBI, razões para supor que Michael Sullivan é suspeito de ter
participado do seqüestro do submarino Grayfish, do píer 86, no
último dia 10, à noite. Com um razoável grau de certeza, podemos
dizer que, a esta altura, eles estão navegando, no hemisfério sul, no
nordeste do Brasil, tramando alguma coisa, que nós não podemos
sequer imaginar. A Sra. tem conhecimento de algo? Seu marido,
antes de desaparecer lhe confidenciou algum plano?
- Não! Eu lhe disse que nada sabia! Eu vim aqui, há alguns dias,
para informar a vocês do desaparecimento de meu marido e pedirlhes uma providência no sentido de achá-lo e o Sr. me vem com essa
de que eu tenho conhecimento de um plano envolvendo Mike? O Sr.
está maluco? Acha que eu me meto em falcatruas? Com certeza lhe
digo: vocês estão enganados com relação a Mike. Ele não é mais
bandido! O Sr. tem alguma acusação contra mim? Se tiver, diga-me
pois eu terei de chamar um advogado!
Não, Sra. Sullivan. Nada temos contra a Sra. Apenas quis lhe dar
uma notícia concernente ao desaparecimento de seu marido. É só e
a Sra. está livre para se retirar quando o desejar.
Muito obrigado e com licença! – disse Liz, saindo furiosa.
No dia seguinte, ao saber por Mr. Douglas que o Sea Trader tinha
afundado no nordeste do Brasil e sabendo, desde a véspera, que Mike
era suspeito de ter participado do seqüestro de um submarino, Liz ligou,
imediatamente, os fatos. Mike estava no submarino, sabia da remessa
de diamantes (ela não podia saber como) e o SEA TRADER FORA
TORPEDEADO!!! Ora, ela tinha assistido filmes de Hollywood sobre
Marinha e sabia que a arma principal do submarino era o torpedo! Se o
Sea Trader tinha explodido e um submarino estava por perto e se, no
submarino, havia gente interessada nos diamantes, a conclusão era
lógica! Agora, ela tinha a certeza de que o detetive Ryan estava com a
razão! E o motivo disso tudo eram os 200 kg de diamantes! Ela
= 69 =
62
precisava fazer alguma coisa e com urgência! Parou de chorar, bebeu a
água que lhe tinham trazido, pediu desculpas ao médico que lhe fora
atender, pediu licença a Mr. Douglas e disse-lhe que não se sentia bem e
que, por isso, iria para casa. E saiu.
Precisava pensar muito. Mike a tinha traído! Ela tinha certeza disso.
O que fazer? A traição não iria ficar por isso mesmo! Ela tinha que se
vingar! Mas, como? Pensou, pensou e chegou à conclusão de que o
detetive Ryan era “fichinha” nessa investigação. Precisava alcançar
alguém em um degrau acima. Mas, quem? Afinal, após muita
meditação, ela, no começo da tarde, lembrou-se de sua chegada a New
York, em março. Seu companheiro no vôo tinha lhe dado um cartão. De
onde ele era? Ela se lembrou de que ele havia dito que trabalhava em
Washington, DC. Onde estava aquele cartão? Pegou sua bolsa e virou-a
de cabeça para baixo sobre a cama. Como toda bolsa de mulher, havia
de tudo na bolsa. Inclusive, sua carteira de documentos. . . Após
revirar tudo o que estava na cama, abriu sua carteira de documentos.
Finalmente, achou o bendito cartão! ROBERT S. BRANDON – Agente do
FBI. Não pensou duas vezes: fez a ligação para o primeiro dos telefones
impressos no cartão. Atendeu uma moça:
- FBI, Washington, DC – gabinete do agente Brandon. Posso ajudar?
- Sim, pode. Desejo falar com o agente Brandon.
- Posso saber com quem estou falando?
- Sim, sou Elizabeth Sullivan, de New York, e tenho uma informação
para transmitir para o agente Brandon.
- Você pode me dizer do que se trata? Sou a secretária pessoal dele. Meu
nome é Margareth Allison.
- Desculpe-me, mas a informação é confidencial e pessoal. Prefiro falar
diretamente com ele.
- Muito bem. O agente Brandon encontra-se aí em New York chefiando
uma investigação. Quer anotar o número de seu celular?
- Pode dizer.
- É (212) 886-0538.
- Obrigado, Miss Allison. Uma boa tarde. – e desligou.
Em seguida, fez a nova ligação para o celular de Brandon.
- Alô! Agente Robert Brandon.
- Boa tarde, agente Brandon. Meu nome é Elizabeth Sullivan. Você
viajou comigo de Londres para New York, em março. Quando nos
despedimos, você me deu seu cartão e me disse que, se eu precisasse
de você, lhe telefonasse. Eu agora preciso! – e começou a chorar ao
telefone.
- Elizabeth! Eu me lembro de você. Por que está chorando?
- Estou com um problema gravíssimo. Tenho que lhe contar uma coisa
muito importante. Preciso falar-lhe, ainda hoje! Por favor!
= 70 =
63
- Calma, Elizabeth. Onde você está?
- Estou em meu apartamento. Se puder, venha até aqui. Eu moro em
205 E 85th St. Apt. 802.
- Já anotei. Vou já para aí. Mas, por favor, seja o que for, fique calma!
Para tudo há uma solução.
- Obrigado, agente Brandon. Estou à sua espera.
Liz, ao desligar o telefone, caiu em outro pranto convulsivo. Dera
todo seu amor a Mike. Ficara, inclusive, sem transar por cinco anos
para ser fiel a ele durante sua prisão. Acreditou em suas palavras de
amor. Apaixonou-se de verdade por ele. Deixou sua vida em Capetown
para casar-se com ele. E tudo o que ele queria eram informações (que
ela nunca lhe dera. . .) para chegar aos diamantes (e ela nem sabia,
ainda, que, no torpedeamento do Sea Trader havia morrido tanta gente).
Tudo o que ela queria naquele momento era se vingar de Mike. Se
possível, levá-lo à prisão novamente. Ela não possuía provas materiais
do que estava imaginando. Todavia, as provas circunstanciais eram
muito fortes e evidentes.
Afinal, cerca de uma hora depois, por volta de 16:00hs, o interfone
tocou. Ela atendeu – era Robert Brandon. Ela apertou o botão junto ao
interfone, fazendo abrir o portão do prédio e o aguardou na sala. A
campainha tocou e ela abriu. Robert Brandon sorriu, apertaram as
mãos e ela o convidou para entrar. Sentaram-se nas poltronas da sala.
Liz perguntou se ele queria beber alguma coisa e ele aceitou um scotch.
Liz levantou-se, preparou dois com gelo, trouxe-os e entregou um a
Robert. Este, mais uma vez, fez um brinde, retribuído por Liz.
Finalmente, após tomarem o primeiro gole, Robert perguntou:
- Em que posso ajudá-la, Elizabeth?
- Agente Brandon . . .
- Trate-me por Bob, por favor.
- Está bem, Bob. Por favor, também prefiro que me trate por Liz.
- O.K., Liz. Prossiga.
- Bob: casei-me com um ex-presidiário, a quem eu dei todo o meu
amor. Quando você me conheceu, naquele vôo, eu estava trocando
uma vida de dez anos em Capetown e um emprego de gerente de
exportações, com um belo salário, por um casamento com o homem
que eu amava, aqui em New York, de onde ele não podia se ausentar,
por causa da condicional, vindo para um emprego, não menos
importante, mas no qual eu ganho menos e não estou junto ao
presidente da empresa, que é um pai para mim, como estava em
Capetown. Um mês após nosso casamento, ele me disse que precisava
viajar para o interior a fim de receber e montar equipamentos de
informática que sua empresa havia vendido para um cliente, que
tinha filiais em várias cidades. Já fazem três semanas que ele viajou e
= 71 =
64
não me deu notícias. Desesperada, fui à Delegacia de Polícia e falei
com o detetive Ryan, pedindo-lhe que achasse meu marido que estava
desaparecido. . .
- Um momento, Liz – interrompeu Robert – por acaso, seu marido
se chama Michael Sullivan?
- Como sabe disso, Bob?
- Liz: preste atenção! Eu estou chefiando uma enorme investigação,
aqui em New York, concernente ao roubo de um submarino museu do
píer 86. Nessa investigação, nós já indiciamos como autores do roubo
três dos colegas de Michael em Attica, John Ashley, Morgan Simpson
e Thomas Smith. O “retrato falado” de Michael Sullivan já foi feito e
ele foi identificado. Os quatro andavam sempre juntos na prisão. A
data de seu desaparecimento coincide com a do seqüestro do
submarino. Temos praticamente a certeza de que ele participou do
seqüestro e sabemos que o submarino está no nordeste do Brasil. Nós
só não sabemos é o que eles estão tramando por lá.
- Bob: foi exatamente para isso que eu o chamei aqui. Eu sei!
- O que, Liz? Você sabe? Como? Diga-me logo!!!
- Mike e seu amigo Phillip montaram uma firma de informática. Um
dia, esses três que você citou e mais o Phillip vieram jantar aqui em
casa. São eles mesmos. O envolvimento desses cinco está mais do que
claro. Eu sou gerente de importações da S.A.M.E., empresa de
Capetown que exporta diamantes, principalmente para os Estados
Unidos. Não sei como, mas eles souberam dos detalhes de uma
remessa de diamantes que saiu de Capetown no dia 23 de junho, a
bordo do RMS Sea Trader. Possivelmente Mike leu algum papel ou
acessou meu computador para saber dados dessa remessa. Daí, eles
roubaram o submarino, foram até o nordeste do Brasil e, no dia da
chegada do Sea Trader a Recife, ontem, dia 30, eles torpedearam o
Sea Trader e devem ter se apossado dos diamantes. Tudo é lógico, se
conecta e faz sentido.
- Liz, isso parece coisa de filme do James Bond! Não é possível! Eu nem
sabia do afundamento desse navio, muito menos que ele tinha sido
torpedeado. Tudo isso é novo para mim e talvez possa se encaixar no
quebra-cabeças. Mas, confesso, estou perdido e fiquei mais ainda com
o que você acabou de me contar. Você deve estar enganada ou muito
nervosa para imaginar uma coisa mirabolante dessas. . .
- Bob: eu fui traída! Meu instinto me assegura de que eu estou certa.
Raciocine um pouco e siga a minha explicação. Ela foi lógica. Procure
se informar e me diga depois se eu estava certa ou errada. Garanto a
você que o que eu disse representa a realidade dos fatos!
Robert pousou seu copo na mesinha a seu lado e fitou atentamente o
rosto de Liz, notando que ela estava determinada. Sua expressão, longe
de aparentar vingança, denotava confiança no que ela mesma havia
= 72 =
65
dito. Robert levantou-se e disse:
- Liz: vou-lhe pedir licença. Preciso ir-me. Vou diretamente para o
escritório para obter mais informações, me inteirar desse naufrágio e,
se possível, tentar juntar as peças. Só posso lhe prometer muito
trabalho. Confie em mim. Acredito no que você me disse e vou apurar.
Obrigado pelas informações e pelo drinque. Foi muito bom revê-la.
- Obrigado, Bob. Você foi a única pessoa a quem eu contei esse meu
encadeamento de raciocínio. Outras pessoas poderiam pensar que eu
estou maluca. . . Também foi muito bom revê-lo. Vá com Deus.
Liz levou Robert até a porta, apertaram as mãos mais uma vez e
Robert se despediu e desceu. Liz ficou em sua solidão naquele
apartamento onde, até bem pouco tempo atrás, reinava o amor e, agora,
imperava a desconfiança, o ódio e o desejo de vingança. . .
27
O Grayfish desfechou um rumo noroeste – 300° - e adotou uma
velocidade econômica – 9 nós – que iriam levá-lo, em cerca de 14 dias, à
costa americana. Era a mesma velocidade que tinham desenvolvido na
ida. Só que John tinha a intenção de abandonar o submarino (e afundálo) na costa da Flórida. Não havia a necessidade de ir até New York. Na
rápida ida à superfície em frente à costa pernambucana, John tinha
mandado verificar o nível dos tanques de óleo diesel e, pelas contas
efetuadas, o navio estava com o combustível a meio, ou seja, dava para
voltar. Quanto aos gêneros, eles eram críticos. Seria necessária uma
enorme economia no trajeto de volta para que a comida e a água dessem
para todos os dias, mesmo com três tripulantes a menos – Mike, Phillip
e “Flintstone”.
John tinha suspendido às 06:00hs, aproximadamente, e, no rumo
300° em que se encontrava, tinha águas seguras até chegar ao
alinhamento Cabo Calcanhar–Arquipélago de Fernando de Noronha,
quando efetuaria uma nova guinada para 295°, que os levaria à costa da
Florida, diretamente. Assim, em imersão, após as tensões que tinha
vivido, resolveu dormir um pouco, deixando a manobra com Gary.
Adormeceu e logo pegou no sono. Às 12:30, foi acordado por Clive, que
lhe disse:
- John: Gary o chama ao compartimento de manobra. É urgente!
John espreguiçou-se, mas, logo entendeu o porquê da chamada
urgente – ouviam-se nitidamente os “pings” emitidos por sonares de
navios de superfície. Determinou a ida à cota periscópica, mandou içar o
= 73 =
66
periscópio e fez uma varredura. Pela proa, avistou uma formatura de
contratorpedeiros em linha de frente, com rumo oposto ao seu. Pelo
barulho, todos estavam emitindo seus sonares em “ativo”.
Imediatamente, determinou aumentar a profundidade e foi para a cota
de 100 metros. A essa altura, já havia sido detectado, pois os ruídos dos
hélices, de vez em quando, eram ouvidos diretamente acima do
submarino, passando por ele como locomotivas. Iniciou, sem entender
muito do assunto, pois isso ele não tinha aprendido bem, uma série de
manobras evasivas.
Nesse momento, na superfície, o GT americano, que havia
detectado o submarino, estava efetuando diversas passagens com os
contratorpedeiros sobre o submarino, sempre emitindo com o sonar, não
só para mantê-lo detectado como, também, para atuar diretamente no
moral dos tripulantes do submarino. Não é fácil permanecer horas em
imersão sob o enervante ruído dos “pings” do sonar ativo. A intenção era
a de forçá-lo a ficar imerso, sem poder utilizar o “snorkel”, até que suas
baterias se esgotassem e, então, ele viria à superfície e seria capturado.
Já havia sido efetuado contato rádio com o GT 135.2 e eles já se
encontravam a poucas milhas da área onde havia sido efetuado o
contato sonar e onde o Grayfish estava cercado.
Cerca de uma hora depois, o GT brasileiro chegou ao local. De
comum acordo entre os Comandantes dos GT americano e brasileiro,
organizou-se um grupamento composto pelo Cruzador Roosevelt, o
Navio de Apoio Logístico Clinton e pelo Navio-Tanque Almirante Façanha
que, escoltados pelo Contratorpedeiro Truman e pela Fragata
Inconfidência, se afastaram da área de operações. Os demais navios,
todos com capacidade anti-submarino – os Contratorpedeiros
Eisenhower, Kennedy, Johnson, Carter e Ford (da USN) e as Fragatas
Generosa e Mello Baptista (da MB) – iniciaram um acompanhamento do
Grayfish, nesse instante já detectado e mantido plotado nos Centros de
Operações de Combate (COC) de todos os navios deste grupamento.
Assim se passaram dezoito horas de angústia para os tripulantes do
Grayfish e de paciência e perseguição do objetivo para os navios de
superfície. Por volta das 06:00 do dia seguinte, 2 de julho, a situação
permanecia inalterada. Os navios de superfície haviam fechado um
cerco de tal envergadura que toda manobra evasiva efetuada por John
era acompanhada pelos navios que, a cada instante, tinham a noção
exata do posicionamento do Grayfish. No fundo do mar, a cerca de 100
metros de profundidade, o submarino evoluía para lá e para cá como
uma fera acuada. O ar já estava ficando irrespirável. Os tripulantes
estavam amedrontados e profundamente estressados. John decidiu
subir e ir à cota periscópica para observar melhor a situação. Quando
atingiu os 20 metros e içou o periscópio, a primeira coisa que John
= 74 =
67
avistou foi um contratorpedeiro aproado a ele em alta velocidade. Não
titubeou. Pelo MC, avisou:
- Torpedos Avante-Comando: abrir a comporta do tubo n° 2.
- Comando-Torpedos Avante: Comporta aberta. Tubo alagado.
John pensou em sua esposa e em seus filhos. Orou rapidamente por
eles e, então, apertou a chave de fogo do tubo n° 2. O segundo e último
torpedo que possuíam deixou o tubo n° 2 e fez uma rápida corrida em
direção ao USS Truman, o contratorpedeiro que fechava sobre o
periscópio do Grayfish. Seria um autêntico “tiro de garganta” (torpedo
disparado contra a estreita silhueta de um navio aproado ao
submarino). Todavia, um dos vigias do contratorpedeiro avistou o
torpedo, bem como o operador de sonar escutou o ruído dos hélices do
torpedo na água. O Comando foi avisado, houve tempo de localizar a
esteira do torpedo se aproximando e o Comandante determinou uma
rápida guinada, tendo o torpedo passado a uma curtíssima distância do
Truman, sem entretanto atingi-lo.
Foi o suficiente. Na mensagem recebida do CINCLANT,
determinando a missão do GT, estava bem claro: “EM CASO DE
REAÇÃO POR PARTE DO SUBMARINO GRAYFISH, ELE DEVERÁ SER
DESTRUÍDO”. O Contra-Almirante (USN) Steve Donovan, Comandante
do GT americano, Oficial de Comando Tático (OCT), designou o USS
Kennedy e a Fragata Generosa para a destruição do Grayfish. O ContraAlmirante Lelio de Araújo, da MB, cedeu a primazia a seu colega
americano, tendo em vista se tratar de um ex-submarino da USN.
Assim, o USS Kennedy efetuou a aproximação, mantendo contato sonar
com o Grayfish e, ao chegar, praticamente, sobre o alvo, disparou um
torpedo anti-submarino MK-46. Este, ao atingir a água, mergulhou
alguns metros, iniciou um movimento circular até que detectou o ruído
produzido pelos hélices do Grayfish. Uma vez adquirido o alvo, o torpedo
partiu em linha reta em direção ao Grayfish.
A bordo do Grayfish, Herman, que estava guarnecendo o sonar de
escuta passiva, avisa:
- John: Ruido de hélice de alta velocidade. Torpedo na água na
marcação 270° !
John determinou uma alteração intempestiva e radical de rumo e de
profundidade. Todavia, era tarde. Não houve tempo nem para uma
última oração. O torpedo atingiu o Grayfish a meio navio e explodiu ao
colidir com o submarino. A explosão abriu um rombo no costado do
submarino e se propagou para seu interior, explodindo tudo. O
submarino se partiu em dois. Todos morreram instantaneamente. A
carcaça inerte do que sobrou do Grayfish afundou lentamente, até
pousar no fundo, túmulo dos doze remanescentes da aventura que
haviam vivido.
= 75 =
68
A odisséia do Grayfish tinha chegado ao fim de forma trágica. . .
Na superfície, a explosão do Grayfish foi evidente. Uma enorme
massa d’água se elevou da superfície do mar na posição aproximada do
contato sonar. Os operadores de sonar de todos os navios perderam o
contato sonar com o alvo. Afinal, um dos navios foi destacado para fazer
uma busca na área onde se dera a explosão. Alguns destroços foram
encontrados flutuando. Todavia, nenhum corpo. Uma enorme mancha
de óleo diesel marcava o ponto da explosão e começava a se expandir
pela superfície. Foi informado, pelo Comandante do GT americano, ao
CINCLANT o resultado da missão e foi determinado por este que o GT
regressasse para o encontro e operação com os navios mexicanos e
colombianos. Após as despedidas formais pela fonia e os agradecimentos
do Comandante do GT americano ao Comandante do GT brasileiro, cada
um seguiu seu rumo. Os americanos para o Golfo do México, via Caribe,
e os brasileiros diretamente de volta para o Rio de Janeiro.
As operações navais referentes ao “incidente Grayfish” estavam
terminadas! Dos quinze que haviam seqüestrado o submarino, quatorze
estavam mortos. Somente Mike continuava vivo, a bordo do Premier
Gorbachev.
28
A comunicação do afundamento do Grayfish foi recebida na USN
com um misto de satisfação e de tristeza. Satisfação pela justa punição
aplicada àqueles que ousaram seqüestrar um navio, veterano de guerra,
de um museu naval. Tristeza pela perda em definitivo de tal
monumento.
Tão logo a notícia alcançou o alto escalão naval americano, houve
uma preocupação ética de fazê-la chegar rapidamente aos diversos
órgãos que estavam, até aquele momento, despendendo tempo, dinheiro
e o esforço do pessoal, em suas respectivas instituições. Assim, foi
expedido um ofício do CNO para o Comandante da USCG, para o
Comissário da NYPD e para o Diretor-Geral do FBI, com cópia para o
Diretor-Geral do CIA, no qual era comunicado “o afundamento, em 2 de
julho, no Atlântico Sul, por navios da USN, do submarino Grayfish, que
havia sido seqüestrado do Intrepid Sea-Air Space Museum, no píer 86,
em New York, na noite de 10 de junho. Pela natureza do ataque
efetuado, provocando uma grande explosão, e pelas buscas intensivas,
= 76 =
69
posteriormente realizadas, não houve sobreviventes. A USN considera o
caso encerrado.”
As instituições, imediatamente, desmontaram seus dispositivos
empregados, até então, na investigação dos acontecimentos. É bem
verdade que a NYPD, ao encerrar o caso, ao final do inquérito policial,
fez, por escrito, uma recomendação ao presidente da instituição que
administra o museu, no píer 86, no sentido de que apenas um vigia não
era o suficiente para manter a segurança do complexo, recomendação
esta já adotada, no dia seguinte ao seqüestro do Grayfish, com o
aumento do número de vigias. A USCG já havia dado seu inquérito por
encerrado, tão logo foi sabido que a USN estava “nos calcanhares do
submarino”. A pedido do museu, a USN já estava providenciando, em
suas bases navais, em alguma mothball fleet (“esquadra da naftalina” –
nome dado ao conjunto de navios que deram baixa do serviço ativo e
que são conservados, em reserva), um submarino da mesma época para
substituir o Grayfish no museu do píer 86.
Quanto às agências de segurança nacional, a CIA tinha sido,
apenas, participante, pela utilização de um de seus satélites que acabou
por localizar o Grayfish. Foi, apenas, mais um caso, arquivado sem
maiores comentários. Já o FBI, coordenador geral das atividades
investigativas, fez, após a comunicação do afundamento, um seminário,
com vários agentes envolvidos, para que as lições do caso fossem
analisadas e novas ações pudessem ser implementadas para o futuro.
Robert Brandon, ao saber da notícia, experimentou duas
sensações distintas: a primeira, a de alívio, pelo encerramento do
incidente, com o sentimento do dever cumprido, como sempre acontecia
ao final de cada investigação; e a segunda, a de preocupação com Liz,
por quem ele começara a sentir um certo afeto, pela maneira como ela
receberia a notícia.
Os meios de comunicação, sempre sequiosos por notícias frescas, já
a haviam recebido e a estavam divulgando, seja pela TV ou pelo rádio,
interrompendo programas para divulgar o feito da USN, afundando o
Grayfish em outro oceano; seja pelos jornais que, no dia seguinte,
publicariam o fato com maiores detalhes.
Robert, em sua preocupação por Liz, procurou, tão logo soube do
fim do Grayfish, entrar em contato com ela, para que esta soubesse da
notícia por ele e não pela imprensa. Assim, telefonou para Liz, na
S.A.M.E., pois, no meio da tarde, com certeza, ela estaria trabalhando.
Assim o fez, digitando o número que ela havia deixado com ele, quando
= 77 =
70
de sua visita a ela, acima descrita, há poucos dias:
- Liz: é o Bob. Ainda se lembra de mim?
- Claro, Bob. Como vai você? Tem alguma informação sobre Mike?
- Eu estou bem, Liz. Sim, tenho uma informação para lhe dar.
Todavia, prefiro fazê-lo pessoalmente e não por telefone. Quando
e onde posso encontrá-la?
- Eu estou saindo, às 16:00hs, para o coffee break. Podemos nos
Encontrar na Starbuck, na esquina de Madison Av. com a E 34th
St.. Está bom para você?
- Sim, Liz. Por acaso eu estou bem perto e poderei encontrá-la.
Preciso muito falar-lhe.
- Até lá, então.
Robert não estava perto, mas precisava estar com ela antes que
ela, por acaso, visse algum noticiário de TV. Desceu, tomou um táxi e
disse ao motorista que “pusesse o pé na tábua” para chegar a seu
destino antes das 16:00hs. Mostrou seu distintivo do FBI, o que fez o
motorista pisar mais fundo no acelerador e chegar à esquina combinada
às 15:58hs. . . Robert pagou, adicionando uma boa gratificação, saltou
do táxi e entrou na Starbuck . Olhou, de relance, para todas as mesas.
Liz ainda não havia chegado. A garçonete, muito solícita, veio saber se
ele desejava uma mesa. Ele pediu-lhe uma mesa longe do aparelho de
TV que, no momento, exibia uma soap opera (novela, nos EUA). Após
alguns minutos, Liz chegava. Ela estava, como sempre, bem vestida,
trajando um vestido de seda, que destacava suas formosas curvas, e era
fresco, bem adequado ao calor do verão, bem intenso naqueles dias. Sua
fisionomia, entretanto, continuava sombria e abatida. A tristeza pela
traição de Mike pesava em seu semblante. Robert acenou para ela, que,
ao vê-lo, esboçou um sorriso e se dirigiu à mesa. Robert levantou-se,
apertou sua mão, sempre macia, e puxou a cadeira para ela, que se
sentou. Liz, após estarem ambos sentados, foi logo perguntando:
- Bob, por favor, acabe com minha curiosidade: que sabe você sobre
Mike?
- Liz: você precisa ser forte. Preste atenção no que lhe vou dizer – Mike
está morto!
Os olhos de Liz se encheram de lágrimas, ela começou a tremer como
se fosse chorar copiosamente, mas se controlou, respirou fundo e
respondeu, combalida pela dor que estava sentindo:
- Bob: eu estava querendo me vingar de Mike pela traição que ele me
havia feito, mas eu não queria isso para ele. Não, a morte foi um
castigo muito duro. O que eu queria era que ele fosse preso! Meu
Deus, eu ainda o amava um pouco, apesar do que ele fez! Como foi
que isso aconteceu?
- As estações de TV estão noticiando o fato com destaque. Por isso eu
= 78 =
71
quis lhe dar a notícia antes, para que você, por acaso, não fosse
informada da morte de Mike por outro meio. O submarino em que
eles estavam disparou um torpedo contra um grupo de navios de
guerra americanos que o estavam cercando e um dos navios o
afundou com uma arma anti-submarino. Morreram todos na
explosão do submarino. Você tinha toda a razão. Sua hipótese sobre
o torpedeamento do navio mercante resultou verdadeira. E eu, por
algum tempo, duvidei de você achando que seu encadeamento de
idéias era fantasioso. Como eu pude ser tão ingênuo? O instinto
feminino não falha, principalmente quando a mulher está “mordida”,
o que era o seu caso. . .
- Agora, eu estou sozinha. O que vai ser de mim? Eu não sei se
continuo aqui ou se volto para Capetown. Estou completamente
perdida. É como se o chão me faltasse. . .
- Liz: você não está só. Pode contar comigo. Não posso ser um
substituto para Mike, neste instante triste. Mas, você pode me
considerar um amigo de quem você pode ter todo o apoio que
precisar. Neste instante, você precisa de uma bebida forte e não é
aqui, nesta cafeteria que vai conseguir. Venha comigo!
Ato contínuo, levantaram-se e Liz, atordoada pela notícia recebida e
instintivamente, segurou a mão de Bob que, como um guia, a levou pela
mão até um bar nas proximidades. Entraram, sentaram-se a uma mesa
e Bob pediu à garçonete:
- Traga duas doses de scotch puro, sem gelo.
A garçonete não demorou a trazer os dois copos e Bob fez com que
Liz bebesse o seu, enquanto ele virava o copo à uma. Liz, após beber o
scotch forte, disse:
- Estou me sentindo melhor. A dor que eu sentia no peito já passou.
Resta-me um cansaço enorme, que eu não sei quando vai passar.
Bob: por favor, leve-me ao escritório. Tenho que contar isso que
aconteceu ao meu patrão e pedir-lhe uma licença. Preciso voltar para
casa, me deitar e tentar arrumar minha cabeça e decidir o que vai ser
de minha vida. . .
- Eu vou, Liz. Hoje, estou ao seu serviço.
Bob pagou as bebidas, levantaram-se e ele acompanhou Liz até o
escritório. Lá chegando, Liz pediu a Bob que aguardasse um pouco, foi
ao gabinete de Mr. Douglas e falou-lhe:
- Mr. Douglas: acabei de receber a notícia da morte de meu marido.
Não – não diga nada por enquanto, Mr. Douglas, preciso lhe contar
algo. Meu marido fez parte da quadrilha que roubou o submarino e,
no fim de tudo, torpedeou o navio mercante que trazia os diamantes
de Capetown, se apoderando deles. O submarino foi afundado pela
USN, tendo todos a bordo morrido. Ele deve ter obtido os dados da
remessa no meu computador ou lendo algum papel que eu possa ter
= 79 =
72
deixado à vista. Mr. Douglas – eu sou a responsável pelo que
aconteceu! Eu não sou digna de sua confiança, nem da de Mr.
Wainwright! Eu tenho que ser despedida!
Aí, Liz desabou de vez. Toda a sua fortaleza, toda a sua coragem,
toda sua postura, toda sua elegância desmoronaram e ela, caindo de
joelhos ao chão, na frente de Mr. Douglas, desatou num choro
incontrolável. Mr. Douglas ajudou-a a levantar-se do chão, colocou-a
sentada no sofá e abriu a porta do gabinete, pedindo a ajuda de sua
secretária. Bob, que estava sentado em uma poltrona, na ante-sala de
Mr. Douglas, disse a ele que estava com Liz e pediu para entrar também.
A secretária trouxe-lhe um copo de água com açúcar, Bob tentava
consolá-la e, afinal, a secretária conseguiu fazer com que ela bebesse
um pouco da água. Aos poucos, ela foi se acalmando e, quando parou
de chorar, ainda soluçando muito, Mr. Douglas falou:
- Liz: eu já tinha falado ao telefone com Mr. Wainwright e nós, que a
conhecemos muito bem, sabíamos que essa seria a sua reação. Nem
eu nem ele podemos culpá-la pelo roubo dos diamantes. Nunca
passou por nossas cabeças que você pudesse ser cúmplice de uma
coisa dessas ou, até mesmo, que você tivesse sido negligente ou
descuidada com o sigilo da remessa. Não! Você não vai ser demitida!
Com seus 10 anos de empresa, com sua competência e com sua
maneira responsável e gentil de ser, nós não podemos nos dar ao luxo
de perdê-la. Você perdeu seu marido e, apesar do que aconteceu,
sabemos que você deve estar sentindo muito. Você não é de pedra!
Você vai é ter uma licença de dez dias para descansar, curar as suas
feridas e a sua dor e, nesse período, vai se reciclar para voltar para
nós nova e refeita. Esta é a minha decisão, respaldada pelo big boss,
Mr. Wainwright!
- Muito obrigada, Mr. Douglas, isto é mais do que eu mereço. Vou para
casa. Você me leva, Bob? A propósito, Mr. Douglas, este é Robert
Brandon, agente do FBI, e estava investigando o roubo do submarino.
Através de mim ele chegou a Mike e à história toda. . .
- Prazer em conhecê-lo, Mr. Brandon.
- O prazer é todo meu, Mr. Douglas. Puxa, depois do que eu ouvi aqui,
cheguei a duas conclusões: a primeira é que Liz é uma funcionária
maravilhosa e a segunda é que o senhor é o patrão que qualquer
pessoa pediria a Deus!
- Bondade sua, Mr. Brandon, eu sou apenas justo. Liz é tratada dessa
forma porque o merece. Mas, por favor, deixemos de “rasgar seda”.
Mr. Brandon – leve Liz para a casa dela e, sempre que quiser, venha
tomar um café ou um drinque conosco, que eu, aliás, não ofereci. . .
- Fica para a próxima vez. Até a vista, Mr. Douglas e, em nome de Liz,
obrigado por tudo!
- Não por isso! A casa é sua. Até a próxima!
= 80 =
73
Despediram-se de Mr. Douglas e da secretária e desceram. Robert
chamou um táxi e levou Liz até o prédio dela. Bob, gentilmente, abriu a
bolsa de Liz, pegou o chaveiro e procurou a chave do portão do prédio,
abriu-o e levou-a até o elevador. Fez menção de se despedir ali, mas Liz
pediu que subisse. Subiram e Bob repetiu o que havia feito com relação,
agora, à chave da porta do apartamento. Abriu-a, entraram e Liz jogou a
bolsa sobre uma poltrona e atirou-se no sofá. Teve outra crise de choro.
Bob, pacientemente, foi até a cozinha, procurou pelas coisas, ferveu
água e fez um chá para Liz. Levou o chá até ela e a forçou a beber. Liz,
já mais calma, disse:
- Bob, obrigado por tudo. Nesses dez dias, eu devo ir melhorando aos
poucos. Só lhe peço um favor: tirando Mr. Douglas, você é o único
amigo que eu possuo nos Estados Unidos. Se você puder, venha me
ver todos os dias. Eu preciso conversar com alguém. Por favor!
- Liz: eu tenho 35 anos de idade e, desde que entrei para o FBI, tenho
me dedicado à minha carreira e não tenho tido tempo para fazer
amigos. Limito-me a sair com colegas de trabalho para beber ou,
ocasionalmente, com garotas, a maior parte delas colegas do FBI. Não
tenho namorada fixa. Mas, amigos de verdade, não tenho mesmo.
Quem sabe, agora, com você, eu consigo a primeira amiga em vários
anos? E tem mais: fui transferido para a agência do FBI daqui de New
York e também estou de licença por alguns dias. Então, por que não vir
vê-la diariamente?
- Muito obrigada, Bob. Venha mesmo!
- Virei, sim. Você precisa de alguma coisa?
- Só preciso dormir um pouco. Pode deixar que eu ficarei bem, mesmo
sozinha. Amanhã, nos veremos.
Bob despediu-se de Liz beijando sua mão e, levantando-se, deu-lhe
até amanhã e se retirou. Estava procurando apartamento para se mudar
e já tinha alguma coisa em vista. Precisava ver o imóvel. Liz ficou no
apartamento pensando em sua vida. Como ela tinha mudado
rapidamente, em coisa de poucos meses. Agora, ela estava sozinha, mas,
pensou que nem tanto. Por acaso, ela tinha conseguido um amigo. E
continuou pensando em Bob e como ele havia sido gentil com ela. . .
29
Logo após desatracar de contrabordo do Grayfish, no dia 1°, bem
cedo, o Mikhail Gorbachev desfechou um rumo de 350°, previsto para
durar até cruzar a Linha do Equador terrestre, quando o rumo seria
alterado na direção de Fort Lauderdale, destino final do iate oceânico
russo. A velocidade era de 18 nós, bem superior à que Mike havia
experimentado a bordo do submarino. Mas, a Mike nada disso
= 81 =
74
importava. Ele só pensava era em chegar o mais rápido possível a um
porto de seu país e tomar um avião para New York, a fim de rever sua
Liz. Da aventura, de acordo com a divisão previamente combinada, ele
sairia com US$ 750.000,00. Nada mau, segundo seus cálculos. O que o
incomodava, no momento, era aquele mau pressentimento que sentira
quando o avião militar fez um rasante sobre a torreta semi-submersa do
Grayfish. Será que eles informariam à Marinha? Será que eles, assim
mesmo, seriam capazes de localizar o submarino? Essas eram as
grandes preocupações de Mike.
Resolveu regressar ao camarote que lhe havia sido designado por
Andrei. Ao chegar, ele que não tinha prestado muita atenção quando de
sua chegada, pôde notar como era espaçoso e confortável. Possuía uma
porta e uma vigia voltada para o convés, a boreste. Era dotado de uma
cama quase de casal, com um colchão bem macio. Tinha, ainda, um
frigobar (que ele abriu e notou estar abarrotado de bebidas, chocolates e
outras guloseimas), um televisor com aparelho de DVD e um
computador com impressora. Em uma prateleira, diversos livros e
diversos filmes em DVD. Em anexo, um outro compartimento cuja porta
ele abriu. Era um banheiro com todo o conforto, dotado de banheira,
box com chuveiro, barbeador elétrico, além dos utensílios para higiene
pessoal, que iam desde a escova de dentes até os sais para banho. . .
Quanto conforto! Que diferença para o Grayfish. . .
Mike estava faminto. Afinal, passara os últimos 20 dias comendo
sanduíches ou tomando sopa. Ao lado de sua cama havia um botão com
uma plaqueta onde se lia “steward” (comissário de bordo, taifeiro).
Resolveu experimentar – apertou-o. Minutos após bateram à porta. Era
um membro da tripulação com roupa de garçon. Apresentou-se, falando
inglês, idioma de Mike:
- Meu nome é Dmitri, senhor. Sou o taifeiro à sua disposição, Mr.
Michael. Mr. Andrei determinou que nada lhe faltasse. Como posso
ajudá-lo?
- Bem, estou com alguma fome. O que você pode me oferecer?
- Caso o senhor deseje, posso lhe trazer um breakfast completo. Aliás,
Mr. Ivan e Mr. Andrei comem seus breakfasts em seus camarotes,
diariamente. Posso trazer o seu?
- Sim, Dmitri, por favor.
Mike estava impressionado com o tratamento que lhe estava sendo
dispensado. Aguardou cerca de 15 minutos, até que Dmitri chegou com
um carrinho, entrou no camarote e começou a colocar os utensílios à
mesa que havia em um canto do camarote. Do carrinho saíram frutas,
um bife mal-passado, ovos mexidos, pães diversos, manteiga, queijo,
presunto, suco de laranja, café e leite. Dmitri lhe disse:
- Seu breakfast está servido. Mais alguma coisa, Mr. Michael? Se não,
= 82 =
75
me retirarei. Mr. Ivan mandou lhe avisar que o almoço será servido
às 13:00hs e que o senhor é convidado dele para todas as refeições
em seu salão. Sabe aonde é?
- Sim, Dmitri. Fui levado até lá quando embarquei. Muito obrigado por
tudo.
- Às suas ordens, Mr. Michael. Com licença.
Depois que Dmitri fechou a porta às suas costas, Mike atirou-se
sobre as iguarias que compunham seu breakfast. Estava saudoso de
comida quente e a variedade fez sua festa! Em poucos minutos havia
devorado tudo. Já eram quase 09:30hs. Resolveu dar um passeio pelo
iate. Andou pelo convés, notando como tudo a bordo era de primeira
qualidade e muito bem cuidado. Os metais brilhavam, o piso de madeira
do convés era impecavelmente limpo, como se acabasse de ter sido
lavado, e o navio era todo branco, brilhante como em um anúncio de
sabão em pó. . .
Resolveu subir até o passadiço. Lá estava o
Comandante, que, ao vê-lo, saudou-o em seu elegante uniforme branco:
- Bom dia! O senhor deve ser Mr. Michael, nosso convidado. Sou o
Captain Hugh Lambert. Sou nascido na Inglaterra e, depois que
passei para a reserva da Marinha Britânica, presto serviços a Mr. Ivan
Gregorievitch, comandando este iate, que tem o porte de um
destroyer da Royal Navy. Posso lhe ser útil?
- Muito obrigado, Captain. Estou conhecendo o navio, já que
passaremos tantos dias juntos, e resolvi vir aqui em cima. Muito
prazer em conhecê-lo.
- O prazer é todo meu e o senhor é meu convidado para vir ao
passadiço sempre que o desejar. Todavia, devo dizer-lhe que nós não
vamos ficar tanto tempo juntos assim. . . Deveremos estar em Fort
Lauderdale, nosso destino, em 7 dias, ou seja, no dia 8 de julho pela
manhã. Estamos a 18 nós e, segundo Mr. Andrei, Mr. Ivan tem
pressa de chegar e eu estou aumentando a velocidade para 23 nós, o
que nos fará chegar no dia que eu lhe informei.
- Fico feliz em saber. Também tenho pressa de chegar. Com sua
licença, vou descer e tomar um banho, pois não tomo um banho de
água doce há muitos dias. Só de água salgada de uma mangueira no
convés do submarino. . .
- Ah! Submarinos! São elegantes, muito eficientes e altamente
perigosos e letais, mas, também, extremamente desconfortáveis. . .
– disse o Captain Lambert, arrematando com uma gargalhada sonora.
Mike se despediu dele e desceu as escadas de volta ao camarote,
onde, com muita satisfação, tirou a roupa, encheu a banheira com água
morna e desfrutou de um banho delicioso, como há muitos dias não o
fazia.
Por volta de 12:45hs, Mike, após seu banho e um bom cochilo,
deixou seu camarote e dirigiu-se ao salão de Ivan. Bateu à porta e ouviu
= 83 =
76
mandarem entrar. Quando entrou, deparou-se com Ivan e Andrei,
ambos com fisionomias felizes, que o saudaram. Ivan perguntou:
- Caro Michael, junte-se a nós. Vamos beber alguma coisa, antes do
almoço. Que deseja?
- Vou aceitar um scotch, obrigado.
Ivan olhou para Andrei que já o entendia, mesmo quando ele não
falava, e este foi preparar os scotchs no bar do salão. Trouxe três e eles,
mais uma vez brindaram. Ivan perguntou:
- E então, Michael, está gostando de meu iate? Estão lhe tratando
bem? Você é nosso convidado de honra. Saiba que os diamantes que
você nos vendeu já têm compradores nos Estados Unidos. E o valor
que eu vou obter é, aproximadamente, o quádruplo do que eu lhe
paguei. Se você não tivesse nos provido desses diamantes, eu não
estaria tendo esse lucro. Por isso, lhe sou muito grato e lhe dou
recepção de amigo nesta viagem. Brindemos à saúde de Michael! Na
zdorovie!
Mike agradeceu e disse:
- Caro Ivan: muito obrigado pela hospitalidade. Estou me sentindo em
um hotel de “seis estrelas”. . . Não poderia estar sendo tratado de
melhor forma e fico feliz de poder ter-lhe proporcionado esse lucro.
Afinal, todo o dinheiro dessa empreitada saiu de uma poupança que
eu e o finado Phillip tínhamos. Foi o fruto de um golpe que demos há
oito anos atrás e que me custou cinco anos na penitenciária de
Attica.
- Eu já sabia disso. Como você deve saber, nossa organização é muito
bem informada e eu não faria negócio com você se não tivesse colhido
informações seguras a seu respeito, antes de fechar o negócio. . .
Soube, de fonte muito segura, que você e Phillip eram confiáveis e
leais, quando assumiam um compromisso. Portanto, considero-o
como um dos nossos! Mas, chega de “blá, blá, blá”. Vamos almoçar!
Sentaram-se os três a uma mesa, quando entrou o quarto
comensal, o Captain Lambert, que sempre fazia as refeições com a
dupla de russos. Este, ao sentar-se, pediu desculpas, pois estava
ocupado no passadiço e atrasara-se um pouco. A refeição foi, como tudo
a bordo, principesca. Comeram uma entrada composta de uma salada
de alface e tomates com caviar. Algo exótico, mas gostoso. Seguiu-se
uma lagosta ao thermidor com arroz e batatas cozidas na manteiga, tudo
regado a vinho branco francês. Como sobremesa, morangos com creme
chantilly. Café, licores e charutos fecharam a régia refeição. Este era o
navio de Ivan Gregorievitch! Após o almoço, depois que o Comandante
do navio retornou a seus afazeres, Mike perguntou:
- Ivan: eu soube que estamos nos dirigindo a Fort Lauderdale. Será que
você poderia me responder uma pergunta referente aos diamantes?
- Claro, Michael. Diga.
= 84 =
77
- Pelo que eu sei, quando um navio chega a um porto estrangeiro, as
autoridades do porto – Alfândega, Imigração e Saúde – visitam o navio
para inspecioná-lo antes de autorizarem o desembarque do pessoal.
Como você fará com relação aos diamantes?
Ivan deu uma gargalhada, virou-se para Andrei e mandou que ele
explicasse a Mike. Andrei disse:
- Prezado Michael: em primeiro lugar, este iate é baseado em uma
marina de Fort Lauderdale. Portanto, freqüentemente entra e sai de
lá. As autoridades nem vêm mais a bordo. Em segundo lugar, os
diamantes que você nos trouxe estão guardados em um
compartimento que é um cofre. Só que esse cofre tem uma antepara
corrediça que o oculta de qualquer observador externo. Se alguém
resolver inspecionar, não vai nem sequer saber que, por trás daquela
antepara, existe algum compartimento. Por outro lado, não pense que
vamos desembarcar aqueles diamantes todos ao mesmo tempo. Temos
vários homens de total confiança no iate que saem com maletas de
fundo falso onde vão os diamantes, contendo à vista roupa suja,
livros, etc. Os compradores já informaram os endereços de entrega e
nós iremos, paulatinamente, efetuar as entregas, até que toda a
remessa esteja desembarcada. Para isso, todos já efetuaram depósitos
parciais, percentuais sobre o valor total. Respondi à sua pergunta
satisfatoriamente?
- Sim, Andrei e Ivan. Estou satisfeito com a resposta. Agora, se me
derem licença, vou para o camarote dormir o resto da tarde. Estou
cansado da longa e desconfortável viagem no submarino e preciso
aproveitar este conforto e pôr o sono em dia. Até o jantar!
- Descanse em paz, Michael. Até a noite. O jantar é às 20:00hs – disse
Ivan.
E assim, Mike descansou por toda a tarde. Foi para o jantar, cheio
de pratos deliciosos. Ficou com Ivan, Andrei e o Comandante, após o
jantar, para uma partida de pôquer, que durou até a meia-noite, quando
Ivan, já com sono, resolveu dormir. Na manhã seguinte, dia 2, Mike
repetiu a rotina do dia anterior, inclusive com uma ida ao passadiço,
quando o Captain Lambert lhe informou que tinha acabado de desfechar
o rumo definitivo que os levaria á costa da Flórida. Após o almoço, Mike
foi até o camarote e ligou a TV. O navio dispunha de um receptor de
satélite e podia-se assistir a programas de TV ao vivo dos Estados
Unidos. Quando estava quase adormecendo, teve sua atenção voltada
para uma edição especial do CNN News. Na notícia, o repórter disse:
- E atenção! De acordo com um press release agora divulgado pela USN,
um grupamento de navios de guerra americanos detectou e afundou,
na costa nordeste do Brasil, o submarino Grayfish, que, no mês
= 85 =
78
passado, tinha sido seqüestrado do Intrepid Sea-Air Space Museum, no
píer 86, em New York. Tal submarino, ao que se sabe, tinha
torpedeado o navio mercante inglês Sea Trader, nas proximidades de
Recife, na costa do Brasil, para se apoderar de uma remessa de
diamantes transportada a bordo. Segundo nossa fonte na USN , não
houve sobreviventes. Os diamantes, se foram resgatados do Sea Trader
pelos assaltantes, devem ter virado poeira e não mais serão
recuperados.
De acordo com fonte credenciada no FBI, no
afundamento do Grayfish, ao que se sabe, morreram os ex-presidiários
que arquitetaram e efetuaram o ardiloso e audacioso plano que
culminou com o seqüestro do submarino e o torpedeamento do Sea
Trader, a saber: Michael Sullivan, John Ashley, Morgan Simpson e
Thomas Smith.
Mike ficou como em choque. Não era possível! Todos os seus amigos
estavam mortos! E agora? Para o mundo inteiro, ele também estava
morto. Lembrou-se que devia sua vida a Ivan, pelo convite que este lhe
havia feito para voltar aos Estados Unidos no iate. Caso contrário, ele
também teria sido feito em pedaços e estaria, nesse momento, no fundo
do Atlântico Sul. En passant, lembrou-se também que, com todos
mortos, os US$ 3.000.000,00 eram todos dele. . . Além disso, Phillip
tinha-lhe dado, ainda durante a fase de planejamento, a senha de sua
conta nas Islas Caimán (exatamente para poder ser movimentada, no
caso de algo acontecer com ele. . .) onde, apesar dos gastos na
preparação da operação, ainda restavam cerca de US$ 2.000.000,00.
Todo o dinheiro, a soma das duas quantias, era seu. Mas, a que preço!
Ele iria sentir muito a morte de seus amigos, de seus companheiros de
jornada, daqueles, enfim, que compartilharam com ele as agruras da
penitenciária, a alegria da liberdade e as emoções do planejamento do
seu “grande golpe”. Ele era o único sobrevivente. Só lhe restava, pensava
ele, o grande amor de sua vida – sua Liz. Se ele pudesse ler os
pensamentos de sua esposa, naquele momento, saberia o que ela estava
passando com a notícia de sua morte, com o conhecimento do fato de
que tinha sido traída por ele e, por fim, pela admiração que começava a
sentir por Robert Brandon, por uma das coincidências desta vida, o
agente que liderou as investigações sobre seu “grande golpe”. . .
30
Nos dias que se seguiram à noticia da morte de Mike, Liz,
licenciada de seu emprego, foi-se readaptando, pouco a pouco, à sua
vida de mulher sozinha. Bob ia visitá-la todos os dias. Ele já sentia algo
mais por ela. Admirava sua beleza, as formas de seu corpo, mas,
= 86 =
79
sobretudo, seu caráter, sua sensibilidade, sua maneira meiga de tratar
as outras pessoas e a sua determinação na perseguição de seus
objetivos. Mas, Bob sabia que tinha que respeitar a viuvez de poucos
dias de Liz. Ele sabia que ela, apesar da traição que tinha sofrido por
parte de Mike, ainda, bem no fundo de seu ser, o amava e lamentava a
sua morte.
Bob esteve com Liz nos dias 3, 4 e 5, sempre visitando-a em casa,
como quem faz uma visita a uma pessoa doente. Ficava algum tempo,
sentado em uma poltrona da sala, enquanto que Liz sempre ocupava o
sofá. Conversavam amenidades, tomavam uma dose de scotch e Bob,
sempre que Liz iniciava um assunto sobre Mike, procurava desviar a
conversa para outro tema. Gradativamente, Liz foi cancelando o nome
de Mike de suas conversas. No dia 6, Bob telefonou cedo para Liz e lhe
fez um convite:
- Liz: você é minha convidada para o almoço. Não vou aceitar um “não”
como resposta. Conheço um restaurante na 80th St. que você vai
adorar. Além do mais, o dia está esplendoroso e você não vai querer
ficar em casa. O que me diz?
- Bob: eu estou viúva há apenas cinco dias e vou almoçar fora com
outro homem. Do que me vão chamar – Viúva Alegre?
- Não se trata disso. É apenas um almoço. Vamos! O que a impede?
Olhe pela janela – veja como o sol e o céu estão lindos. . .
- Está bem, Bob. Você venceu. O que diria minha mãe, na velha Grã
Bretanha, se visse sua filha, viúva de poucos dias, “saracoteando” na
rua com um homem?
- Liz: passo aí para buscar você às 13:00hs. E veja bem: é proibido
vestir roupa preta!
- Acertado, Bob. Estarei esperando.
Às 13:00hs, Bob tocou o interfone e Liz desceu. Estava vestindo um
vestido verde e tinha uma aparência mais alegre. Quando ela abriu o
portão, Bob beijou sua mão direita e disse-lhe:
- Que bom, Liz. Pela primeira vez nesta semana, eu a vejo com as
feições desanuviadas.
- Hoje, ao desligar o telefone, após seu convite, eu parei para pensar
e cheguei a algumas conclusões. Eis as mais importantes:
1) A vida continua. Portanto, tenho que me convencer que Mike se foi
e eu devo tocar minha vida, profissional e pessoal, sem ele;
2) Mike, apesar do amor que eu sentia por ele, passou por minha
vida como um furacão. O tempo que nós passamos juntos,
realmente, foi muito pequeno e; finalmente,
3) Mike me usou
para atingir seus objetivos. Dessa forma, os
poucos sentimentos agradáveis que eu ainda poderia sentir por ele
= 87 =
80
foram se desvanecendo e, praticamente, estão extintos.
Em conclusão: resolvi começar nova vida e retirar Mike dela.
- Liz: você não sabe como esta sua declaração me tranqüiliza. Eu,
realmente, estava muito preocupado com você, pois sentia que
você não estava reagindo. Fico feliz de ter contribuído para que
você tomasse decisões tão importantes através de um simples
convite para almoçar.
- Então, vamos para esse almoço. Eu estou pronta!
Pela primeira vez, Liz deu o braço a Bob e, juntos, de braços dados,
caminharam até a próxima esquina para tomarem um táxi. Para Bob,
isso já representava muito. Era um bom começo. Bob sentia que
tinha conquistado a confiança e, principalmente, a amizade de Liz.
Foram almoçar e Liz adorou o restaurante, a comida, a conversa e a
companhia de Bob. Ela também já começava a demonstrar um
sentimento mais profundo com relação a Bob. Do almoço, Bob propôs
a ela esticarem o programa visitando algumas lojas. Ele precisava
distrair Liz. Ela concordou e foram passear na 5th Avenue, de braços
dados, parando nas vitrines das mais variadas lojas e, em algumas
delas, entrando. Liz comprou algumas roupas, como toda mulher o
faz, mesmo sem precisar. Ao final da tarde, Liz pediu a Bob que a
levasse para casa. Tomaram um taxi e, após algum tempo, chegaram
ao prédio de Liz. Esta chamou Bob para subir. No apartamento,
tomaram um scotch e, pela primeira vez, sentaram-se juntos no sofá.
O astral de Liz estava em cima. Houve momentos em que, rindo de
alguma coisa, ela inclinava a cabeça e a encostava no ombro de Bob.
Este resistiu muito para não beijá-la, coisa que ele ansiava por fazer.
Mas, o sentimento de respeito por ela foi mais forte e ele sabia que o
dia chegaria. Era, entretanto, muito cedo ainda para tal avanço e ele
não desejava atrapalhar o progresso miraculoso que se tinha
desenvolvido em Liz através de um gesto inopinado. Ficaria para
outro dia. . .
Passado algum tempo, pediu licença, apesar dos protestos de Liz
pedindo para que ele ficasse mais, alegou um compromisso e,
beijando o rosto de Liz (que progresso. . .), que retribuiu o beijo na
bochecha dele, retirou-se, pisando em nuvens. . .
31
A bordo do iate Mikhail Gorbachev, nos dias que se seguiram ao
recebimento por Mike da notícia do afundamento, muito pouca coisa
escapou da rotina. Ivan e Andrei também souberam do acontecimento
e, no jantar do dia 2, tudo fizeram para consolar Mike, que estava
muito triste. Ivan disse:
= 88 =
81
- Michael: apesar de conhecê-lo há pouco tempo, é como se nossa
amizade remontasse a muitos anos atrás. Por esse motivo, sinto-me
triste porque você o está. Sei que nada posso fazer para remediar o
que já está feito. O destino assim o quis. Todavia, gostaria de
convidá-lo a pertencer à nossa organização. Você é corajoso, leal e
honesto. Penso que posso lhe conseguir um cargo em nossa
hierarquia. O que me diz?
- Eu ficaria muito honrado. Mas, em primeiro lugar, tenho que viajar
a New York para rever minha mulher e retomar meu casamento. Em
seguida, estarei à sua disposição.
- Ótimo, Michael. Sabia que poderia contar com você! Você sabe onde
é nosso escritório em New York, no Rockefeller Building. Resolva sua
vida com sua esposa e, em duas semanas, vá até lá. Nessa época, eu
já terei desovado todos os diamantes e voltarei para lá. Combinado?
- O.K., Ivan. Obrigado pela chance que está me concedendo.
- Como você já sabe, devemos chegar a Fort Lauderdale no dia 8.
Nesse dia, algumas maletas estarão desembarcando levadas por
alguns dos nossos. Quero que você também leve uma delas com
você. Andrei lhe fornecerá o endereço de entrega e a pessoa a quem
deve ser entregue. Que tal?
- De pleno acordo. Já que vou trabalhar para sua organização, já
começarei cumprindo minha primeira tarefa.
- Excelente, Michael. Você é um dos nossos!
Até o dia 7, véspera da chegada, Mike continuou levando sua vida
principesca a bordo do iate de Ivan. Excelente comida em todas as
refeições, acomodações de primeira, enfim, todo o conforto possível.
E, principalmente, tinha agradado a Ivan, que se tornou seu amigo e
seu chefe. Agora, pensava ele, era um “mafioso” à moda russa.
Saberia, no momento em que começasse a desenvolver suas
atividades, agir de acordo com os ditames de Ivan para tentar, talvez,
mais tarde, galgar postos na organização. Por outro lado, era detentor
de cinco milhões de dólares, o suficiente para um resto de vida
extremamente confortável. Michael Sullivan estava, oficialmente,
morto. Ele iria adotar um novo nome, começar sua nova vida como
membro da máfia russa e aproveitar seu anonimato. Todavia, sua
principal preocupação, no momento, era com sua querida Liz. Sabia
que tinha “pisado na bola” ao se ausentar por tanto tempo sem enviar
notícias. Mas, tinha a certeza de que, ao vê-lo de volta, Liz o receberia
com todo o amor com que sempre o envolveu. Afinal, pensava ele, sua
falta não tinha sido assim tão grave e Liz, com facilidade, o perdoaria
e tudo voltaria ao normal. Dessa forma, com tais pensamentos, foi
dormir. No dia seguinte, chegariam aos Estados Unidos.
= 89 =
82
32
Enquanto isso, em New York, Robert e Liz já estavam muito
perto de uma ligação amorosa. Robert, com suas visitas diárias a Liz
e seus convites para almoços, jantares e passeios, estava começando
a conquistá-la. Ela, após sua decisão de iniciar uma nova vida,
estava, também, se deixando levar por Robert e, bem no seu íntimo,
já imaginava que, mais cedo ou mais tarde, teria um envolvimento
amoroso com ele. Afinal, pensava ela, era viúva. Não tinha que dar
satisfações a ninguém e, se quisesse, poderia amar um outro homem.
O “clic” para o início do amor dos dois era uma questão de muito
pouco tempo.
E foi exatamente no dia 8 (data da chegada de Mike aos Estados
Unidos) que o amor dos dois veio à tona. Pela manhã, por volta de
10:00hs, Robert telefonou para Liz dizendo a ela que, afinal, tinha
alugado o apartamento que estava buscando. Convidou-a para
almoçar e, após o almoço, conhecer seu apartamento. Liz topou e às
12:30hs, conforme haviam combinado, Robert a apanhou em seu
apartamento e foram almoçar. Após o almoço, foram a pé até a W
83th St e, na esquina dessa rua com Park Avenue, Robert parou e
tirou um chaveiro do bolso do paletó. Era um prédio baixo e um
pouco antigo, mas tinha sido recondicionado há pouco tempo e
parecia novo. Robert, de braço dado com Liz, subiu os três degraus
que levavam da calçada até o portão do prédio e o abriu. Foram até o
elevador, entraram e Robert apertou o botão do 3° andar. Ao
saltarem, no 3° andar, Robert tomou a frente e foi até a porta do 304.
Abriu-a e fez uma mesura convidando Liz a entrar. Ela entrou e se
deparou com uma sala de tamanho médio, totalmente mobiliada.
Robert mostrou os demais cômodos e voltaram para a sala. Liz
comentou:
- Bob: você está de parabéns. Que apartamento adorável! E está
bem decorado. Parece até que houve dedo de mulher. . .
- É que o proprietário é casado e sua mulher escolheu a mobília, as
cortinas e os quadros, antes de alugá-lo para o inquilino anterior.
Com ele aconteceu o contrário de mim. Ele ficou muito pouco
tempo em New York e, por ser funcionário do Departamento do
Tesouro, foi transferido para Washington. Deixou tudo da mesma
maneira que estava e viajou para lá com a esposa. A imobiliária, na
mesma hora, me telefonou. Eu vim ver e gostei muito. Trouxe você
aqui para dar sua opinião. Mas, você já se antecipou e, felizmente
= 90 =
83
para nós, gostou.
- Por que você disse “felizmente para nós”? - perguntou Liz.
Nesse momento, Robert percebeu que era “agora ou nunca”. A
pergunta de Liz tinha uma resposta que ele já sabia e ainda não
tivera coragem de pôr para fora. E respondeu:
- Liz: desde o dia em que eu a vi, no aeroporto de Londres, nasceu em
mim um sentimento muito bom. No avião, enquanto eu tentava ser
gentil, através de um brinde, você interpretou meu gesto como
“paquera”. . .
- Exatamente – interrompeu Liz exibindo um largo sorriso – você
estava me “cantando”. . .
- Liz: não era uma “cantada”. Eu estava sendo amável e, realmente,
queria me aproximar de você. Mas, quando você me disse que estava
viajando para New York para se casar, eu “retirei o time de campo”.
Eu não poderia mais pensar em procurá-la. Já estava conformado e
esquecendo de você. Até que, por obra do destino, eu fui designado
para coordenar a investigação que me levou ao conhecimento da
culpabilidade de seu marido e, para minha felicidade, você me
chamou para fazer uma revelação, que, no final, era a solução de
tudo, e, com isso, eu pude me aproximar e lhe consolar pela morte
de Michael, passar a viver mais perto de você, tornar-me seu amigo
e confidente e, finalmente, poder ter a oportunidade de lhe dizer o
que direi a seguir. . .
- Bob: aonde você quer chegar? – interrompeu novamente Liz.
- Quero lhe dizer, Liz, que nesses últimos dias, através de nossa
convivência, de nossos almoços, jantares e passeios, eu cheguei à
conclusão de que estou loucamente apaixonado por você e, quando
eu disse “felizmente para nós”, eu queria dizer “que bom que você
gostou do apartamento onde vai morar comigo, após nosso
casamento”!
Liz se levantou do sofá onde estava sentada e se jogou nos braços
de Bob, dizendo:
- Meu amor: eu também me apaixonei por você. Estava receosa de
que seu sentimento por mim fosse apenas de piedade. Mas, eu
estava ansiosa por ouvir essas palavras de você!
Ali mesmo, em pé, no meio da sala, aconteceu o primeiro beijo dos
dois. Um beijo cheio de amor, de paixão e de desejo. Bob tomou-a nos
braços e levou-a para seu quarto. Liz soltou os cabelos e, após
algumas carícias, um despiu o outro e fizeram amor de maneira
apaixonada e carinhosa, após o que, Liz repousou a cabeça no braço
de Bob e adormeceram, cansados que estavam após tanta energia
despendida. . .
Quando Bob acordou, Liz ainda estava adormecida. Bob olhou-a e
deu graças a Deus por tudo o que havia acontecido e que, por bem ou
= 91 =
84
por mal, para os dois, tinha contribuído para que eles se
aproximassem e se tornassem apaixonados. Daqui para frente,
pensou, tudo seria tranqüilo e eles se casariam e seriam felizes para
todo o sempre.
Frase de final feliz de filme de Hollywood, mas, que, muitas vezes,
não é bem assim. . .
Liz acordou, logo depois e disse:
- Amor: você já fez compras? Um café bem forte e quentinho faria
muito bem neste momento. E beijou novamente Bob. Este lhe
respondeu:
- Ainda não. Mas, café e açúcar nós temos na cozinha.
Liz levantou-se da cama e correu para a cozinha para fazer o café.
Quando, após alguns minutos, trouxe as duas xícaras com café fresco
e fumegante, Bob lhe disse:
- Minha querida: você poderia ter ficado deitada e eu faria o café.
- Não se esqueça que a cozinha será minha, eu serei a “dona da
casa” e, desde já, só eu mexo lá! – respondeu Liz, sorrindo e muito
feliz.
- Você ainda não me respondeu se quer se casar comigo – disse Bob,
após um gole de seu café.
- E você ainda acha que é preciso dizer mais alguma coisa depois do
que nós fizemos aqui nesta cama? – brincou Liz.
- É que eu sou da moda antiga em que a noiva tem de dizer o “sim”!
Liz tomou a xícara das mãos de Bob, colocou-a na mesa de
cabeceira, deitou-se sobre Bob e disse:
- Então: SIM!, SIM!, SIM! MIL VEZES SIM!
Não houve necessidade de segundo convite. Ali mesmo, naquele
momento, se enroscaram e fizeram amor mais uma vez. O amor
tinha-se instalado de vez naqueles dois. . .
33
Nesse mesmo dia, 8 de julho, o iate russo Mikhail Gorbachev
chegava a Fort Lauderdale, na Flórida, e entrava na enseada onde se
localiza a LXR Luxury Marinas, complexo de facilidades para iates e
embarcações de recreio, incluindo um hotel “cinco estrelas”. Após a
atracação, Ivan chamou a seu salão oito de seus funcionários e deu a
cada um deles uma maleta, de aspecto inocente, onde, se aberta por
alguém, revelaria apenas a presença de roupa suja e livros (para
justificar o peso). Em um fundo falso, 10 kg de diamantes. Para cada
um foi entregue, também, um envelope contendo um endereço. Eram
= 92 =
85
dois os compradores, um ali mesmo, em Fort Lauderdale, e o outro
em Miami, sendo que mais de um mensageiro iria para o mesmo
endereço. Os horários, todavia, eram escalonados, para não dar na
vista. Todos deveriam regressar ao iate, após a primeira entrega para
que, no dia seguinte, repetissem a manobra. Além desses oito,
Michael foi também agraciado com uma maleta com 10 kg de
diamantes, no mesmo esquema de roupa suja. Caber-lhe-ia um
daqueles compradores, em Miami, na Biscayne Boulevard. Ivan
desejou-lhe sorte, tanto na entrega dos diamantes, quanto em sua ida
a New York para um reencontro com sua esposa. Forneceu-lhe,
também, um endereço em Miami, dizendo-lhe:
- Como você está, oficialmente, morto, procure Martin Fields,
homem de minha total confiança e que faz esse serviço para mim
há muitos anos. Ele vai-lhe fornecer um novo nome, uma nova
identidade e um novo passaporte, todos falsos, é claro. . . Faça isso
após
a
entrega
dos diamantes, pois você não existe.
Desvencilhe-se deles e, aí, vai ser difícil você ser reconhecido com
seus novos documentos. Aqui estão quinhentos dólares para as
suas despesas e, neste envelope, estão mil dólares que são para
pagar o serviço de Martin Fields. Não se esqueça: daqui há uns dez
dias, eu o espero no escritório de New York. Spasiba! Udači!
(Obrigado! Boa sorte!, em russo).
- Da Svi daniya (até logo, em russo) – respondeu Mike, rindo.
- Querido Mike: você me surpreende sempre com suas citações em
russo. Muito obrigado!
- Dmitri me ensinou, antes de eu vir me despedir de vocês. . . – disse
Mike.
Todos os mensageiros de Ivan já haviam saído. Mike deixou o iate e
se dirigiu a uma área comercial, nas proximidades. Ali, chamou um
taxi e determinou ao motorista que o levasse até Miami. O motorista,
sabendo tratar-se de uma corrida com uma boa remuneração, nem
conversou. Partiu em direção a Miami, tomou a Highway 95 S e
adotou a velocidade máxima permitida – 65 milhas por hora. Assim,
em cerca de uma hora e meia, chegou ao endereço que lhe havia sido
fornecido na 11006 Biscayne Boulevard. Pagou a corrida do taxi,
setenta dólares, saltou e se dirigiu à casa correspondente ao
endereço. Tocou a campainha e foi atendido por um indivíduo
trajando camisa azul escura de mangas curtas e calça preta. Sua
expressão lembrava a de um cão bulldog e ele perguntou:
- O que deseja?
- Tenho uma encomenda para Tony Bellucci, de parte de Ivan
Gregorievich.
O nome proferido por Mike, valeu-lhe um sorriso no rosto do
truculento recepcionista e um convite para entrar. Foi conduzido até
= 93 =
86
a sala de estar da casa e convidado a sentar-se. Após alguns minutos,
surgiu na sala um homem alto e magro, vestido com apuro, bem
penteado, cabelos brilhosos aparentando o uso de brilhantina,
apresentando-se:
- Sou Tony Bellucci. O que tem para mim? – disse, com um
acentuado sotaque italiano.
- Venho de parte de Ivan Gregorievich, que me mandou entregar-lhe
o conteúdo desta maleta – respondeu Mike, colocando-a sobre a
mesa e retirando dela os livros e a roupa suja, até que o fundo da
maleta ficou á vista. Mike, então, calcou um botão do lado de fora da
maleta que fez abrir seu fundo falso, revelando os 10 kg de diamantes
lapidados que estavam ocultos. Tony Bellucci ficou extasiado. Pegou
um deles e mirou-o atentamente por algum tempo. Disse, então:
- São de primeira qualidade. É sempre um prazer negociar com Ivan.
Porém, há mais para receber. Onde estão?
- Segundo o que sei, há mais mensageiros vindo. O processo de
entrega é assim. Um pouco com cada um dos transportadores.
- Estou tranqüilo. Conheço Ivan e sei que meus 100 kg chegarão.
Mike não pôde deixar de pensar, naquele momento, que aqueles
diamantes ali sobre a mesa eram parte de uma remessa que eles
haviam roubado após muito planejamento e muito esforço e que
tinham custado a vida de muitos amigos seus. Lamentou em seu
íntimo, mas nada poderia dizer naquele local. Limitou-se a perguntar:
- Está tudo bem? Posso me retirar?
- Claro! – respondeu Bellucci – já cumpriu sua missão. Quando
estiver com Ivan, mande-lhe minhas saudações.
Em seguida estendeu a mão para Mike, que a apertou. Tony sorriu
e disse:
- Ciao, bambino!
- Com certeza! Transmitirei suas saudações a Ivan. Até a próxima! –
disse Mike, levantando-se e sendo escoltado pelo “bulldog” até o
portão e levando a maleta para posterior devolução a Andrei. Na
maleta estavam, também, as roupas que ele havia levado do
submarino para o iate.
Cabe aqui uma observação: muitas vezes o crime compensa. O
esquema armado por Ivan Gregorievich funcionaria até o final das
entregas. Os diamantes, cujo roubo deu tanto trabalho e causou
tantas mortes, tanto no píer 86, quanto no Sea Trader e, ainda, no
Grayfish, alcançariam seus destinatários. Estes efetuariam o
pagamento milionário a Ivan Gregorievitch, cujo “status” na máfia
russa aumentaria e cuja fortuna ficaria ainda maior. Não seria, ainda
= 94 =
87
dessa vez, que o império do mafioso russo desmoronaria nem que as
autoridades conseguiriam pôr as mãos nele. . .
Já na rua, Mike tirou do bolso o envelope destinado a Martin
Fields. No mesmo, estava o endereço dele. Chamou um táxi e ordenou
ao motorista:
- Por favor: leve-me á 385 E Flagler St., em Downtown Miami.
- O motorista, sem muita pressa, desceu a Biscaine Boulevard, em
direção a Downtown e, cerca de meia hora depois, estava à porta de
um edifício correspondente ao endereço fornecido por Mike. Este
pagou, saltou, entrou no prédio e tomou o elevador. Saltou no 10°
andar. Procurou a sala cujo número estava no envelope e bateu à
porta. Abriu-a um homem grisalho, com cabelo cortado militarmente,
rosto com feições finas e vestido de maneira simples. Identificou-se
como Martin Fields. Mike se apresentou a ele e entregou-lhe o
envelope. Dentro do mesmo estava um bilhete, escrito à mão por
Ivan, no qual ele pedia que fosse fornecido ao portador uma nova
identidade e um novo passaporte. Martin sorriu ao ver a letra e a
rubrica, por demais conhecidas dele, de Ivan, olhou para Mike e
disse:
- Vamos começar a trabalhar. Vou consultar meu fichário e ver os
nomes disponíveis para você.
Ato contínuo, abriu uma das gavetas de um arquivo de aço e
retirou de lá uma pasta. Após uma procura de alguns minutos, disse
a Mike:
- Que tal Henry Miller Clark? Gosta?
- Soa estranho, mas nada tenho contra – disse Mike.
- Você deve ter uns 35 anos de idade. Portanto, vamos colocar nos
documentos que você nasceu em 13 de fevereiro de 1973, na
cidade de. . . hum. . . Já sei! Providence, Rhode Island! Vamos
arranjar nomes para seu pai e sua mãe e, voilá! – teremos um
novo homem! Venha comigo: sente-se ali. Vou fotografá-lo.
Depois, se você quiser, desça, vá tomar um lanche. Ande um
pouco. São 15:00hs. Às 18:00hs, você volta aqui que seus
documentos estarão prontos.
- Tudo bem, Martin. Em três horas, estarei de volta.
Mike, então desceu, foi passear no centro da cidade, bem na área
comercial-administrativa de Miami. Tomou um lanche reforçado, pois
não tinha almoçado ainda. Foi de loja em loja, apenas olhando os
artigos. Entrou em uma loja de roupas e comprou um terno novo. Foi
a uma barbearia, onde lhe fizeram um corte de cabelo e lhe fizeram a
barba. Afinal, às 18:00hs, pontualmente, subiu de novo para o
escritório de Martin. Este lhe abriu a porta e pôs em suas mãos um
cartão de identidade, um cartão do Social Security e um passaporte
= 95 =
88
de cidadão americano, todos falsos, com sua foto nos mesmos e com
seu novo nome: Henry Miller Clark. Houvesse o que houvesse, Mike
era agora outra pessoa. Todavia, ainda mantinha no bolso o cartão do
Bank of America, onde estava depositada parte de sua fortuna, além
da senha da conta de Phillip nas Islas Cayman, com o restante do
dinheiro do estelionato, que sobrou dos gastos na operação.
Perguntou a Martin se ele possuía um computador com internet.
Martin apontou para um canto da sala e autorizou-o a usá-lo. Mike
acessou o banco onde Phillip possuía seu depósito, entrou com o
número da conta, digitou a senha, clicou em “transferência”, apontou
o número de sua conta no Bank of America, digitou a quantia (US$
2.000.000,00) e clicou “Enter”. O computador exibiu na tela:
TRANSFERÊNCIA EFETUADA”. Mike imprimiu o comprovante da
transferência e sorriu – Michael Sullivan possuía em sua conta US$
5.000.000,00! Ele poderia movimentar esse dinheiro à vontade e,
como Henry M. Clark, desfrutar dele á sua vontade. Agradeceu a
Martin, despediu-se dele, desceu e tomou um táxi. Pediu para ser
levado a um bom hotel em Downtown. O motorista conduziu-o ao
Hyatt Regency Miami, onde já se registrou com sua nova identidade.
Ele iria passar a noite confortavelmente e, no dia seguinte, viajar para
New York para, afinal, dirigir-se a seu apartamento na E 85th St. e
rever sua Liz, para obter seu perdão e retomar seu casamento.
Só que, desde a tarde desse dia, como vimos, a história já era
outra. . .
34
No dia seguinte, 9 de julho, Liz e Bob acordaram na cama deste,
em seu apartamento, por volta das 09:00hs. Tinham, na véspera,
pedido uma pizza e continuado o reencontro de ambos com o amor.
Os dois estavam licenciados de seus empregos e poderiam ficar
juntos sem maiores preocupações. Amaram-se muito, dormiram tarde
e, nesta manhã, pareciam ter vidas novas. Bem dispostos, tomaram
banho, vestiram-se e Liz disse:
- Meu querido: vou para casa. Hoje é o último dia de minha licença.
Quero lhe preparar um jantar especial. Vou às compras e passarei
a tarde como uma boa futura esposa, arrumando uma mesa com
todo o capricho e cozinhando um jantar gostoso para poder
recepcioná-lo condignamente. Afinal, estarei a poucos dias de me
mudar daquele apartamento e quero efetuar uma despedida
condigna, para meu amor, como anfitriã. . .
- Querida: você não tem necessidade de fazer isso. Vamos celebrar o
= 96 =
89
último dia de sua licença em um restaurante bem “chic” e, assim,
você não terá trabalho. Não quero vê-la cansada de trabalhar o dia
inteiro em uma cozinha.
- Você não percebeu o “espírito da coisa”! Além de ser mais
romântico um jantar privado a dois, não teremos que tomar um
táxi para voltarmos para casa e nos amarmos. Já estaremos a
alguns passos do quarto e da cama. . .
- Ah! A coisa vista por este ângulo muda de figura! Não está mais
aqui quem falou. A que horas o convidado deve chegar?
- Penso que às 19:30hs será adequado. Tomaremos uns drinques e,
em seguida, jantaremos.
- Querida: parece até um jantar formal. . .
- Para mim é – disse Liz – é a comemoração oficial do começo de
nosso amor, do início de minha nova vida ao seu lado, meu
querido. Depois, nos meus dias de folga, vou preparar minhas
coisas para me mudar para o seu apartamento. Esse será o último
ato oficial de minha vida naquele apartamento.
- Por favor, corrija a sua colocação. Você vai se mudar para o “nosso”
apartamento e não para o “meu”. . .
- Está bem, meu amor. Tudo o que você quiser. A única coisa que eu
desejo, no momento, é que fiquemos juntos todo o tempo que
tivermos.
- Não se preocupe, meu amor. Ficaremos eternamente juntos. Você
vai sair agora? Eu, de minha parte, tenho que passar no escritório
do FBI e me apresentar. Minha licença terminaria no dia em que eu
estivesse alojado no novo apartamento. Como isso, oficialmente,
está se dando hoje, vou cumprir o combinado. Vou lá para
comunicar que estou, novamente, pronto para o serviço. Às
19:30hs, estarei em seu apartamento, sem atrasar um minuto
sequer.
Beijaram-se e saíram juntos. O dia estava maravilhoso, em pleno
verão de New York. Já na rua, Bob tomou um taxi e foi, alegre e
realizado, para o escritório. Estava felicíssimo por tudo ter se
resolvido da maneira que ele sonhava há meses. O fato de ter
conquistado Liz, dela ter-se mostrado tão apaixonada e de ter aceito
seu pedido de casamento era para ele a suprema felicidade!
Liz, que morava a dois quarteirões do apartamento de Bob, foi a pé
mesmo. Passou antes numa grocerie (mercadinho) na E 84th St, fez as
compras necessárias para o jantar e voltou para seu apartamento
carregada com sacos contendo os ingredientes do jantar. Quando
chegou, já eram 11:00hs. Colocou tudo na cozinha e foi trocar de
roupa, colocando algo mais confortável – um short e uma blusinha de
alças – pois estava muito quente e ela tinha que cozinhar, dar uma
limpeza e uma arrumação rápidas no apartamento e preparar a mesa
= 97 =
90
do jantar. Se possível, quando tudo estivesse pronto, daria um
cochilo. Afinal, dormira muito pouco a noite passada. . . Ela também,
em seus pensamentos, estava extremamente feliz. Bob era um sonho
de homem – educado, carinhoso, responsável e um excelente amante.
Ela nunca poderia imaginar, na semana anterior, que sete dias após
a morte de Mike, estivesse apaixonada e envolvida emocional e
amorosamente com outro homem. Tinha sido, realmente, um fato
surpreendente, miraculoso e meteórico. Nem ela mesma, tão
tradicional e contida em seu comportamento, acreditava que aquilo
poderia acontecer. Só mesmo um homem maravilhoso como Bob. Que
felicidade! Ela se sentia como se tivesse ganho na loteria. . .
Ela nunca poderia imaginar que, naquele momento, a cerca de
1.000 milhas ao sul de onde ela se encontrava, um pesadelo
denominado Henry M. Clark (seu marido Mike, que ela supunha
morto. . .) estava embarcando em um avião da American Airlines, no
aeroporto de Miami, com destino a New York, com a única finalidade
de revê-la e reiniciar seu casamento com ela. . .
35
Realmente, Mike tinha dormido muito bem, acordado tarde, já no
dia 9 de julho, e, após tomar um café da manhã bem frugal, foi para a
piscina para pegar um bronzeado e refrescar-se. Por volta de 12:30hs,
voltou para seu quarto, tomou uma chuveirada e desceu para
almoçar. Após o almoço, subiu, vestiu seu terno, fechou sua maleta e
telefonou para a portaria, mandando que fechassem sua conta. Fez o
check-out e tomou um taxi para o Aeroporto Internacional de Miami.
Lá chegando, por volta de 14:00hs, foi ao balcão da American Airlines,
onde adquiriu uma passagem para New York no vôo das 14:30hs.
Dirigiu-se ao portão de embarque, onde aguardou alguns minutos até
que o alto-falante do aeroporto anunciou seu vôo. Embarcou e, às
14:30hs, pontualmente, o avião decolou para New York, com escalas
em Atlanta e Washington. Mike estava ansioso por chegar. Sentia
saudades de Liz, principalmente de seu corpo perfeito. . . Durante
todo o vôo, sentia-se ansioso e apressado por chegar logo. O período
das escalas lhe pareceu demasiadamente longo. O tempo parecia não
passar. Finalmente, após três horas e meia de viagem (incluindo as
escalas), o Boeing 757 da American Airlines pousou no Aeroporto de
La Guardia. Eram 18:00hs. Mike correu para pegar um taxi e
determinou ao motorista que se dirigisse, o mais rapidamente
possível, para Manhattan. O motorista iniciou a viagem e avisou a
Mike que, àquela hora, o trânsito pela Triborough Bridge (que liga
= 98 =
91
Long Island – onde se situa o aeroporto – a Manhattan) deveria ser
lento, pois estávamos em pleno horário de “rush”, com trânsito
intenso de e para a Ilha de Manhattan. Mike respondeu-lhe que não
importava. O que ele queria era, no menor tempo possível, chegar à E
85th St., onde se situava seu apartamento. A essa altura, a ansiedade
de Mike estava chegando ao seu máximo nível. . .
Bob, ao chegar á agência do FBI em New York, apresentou-se a
seu chefe, o inspetor David Henderson, seu velho amigo desde que
Bob havia ingressado no serviço, há cerca de dez anos. Foi recebido
com um abraço e com novos cumprimentos pela maneira como havia
conduzido a investigação do seqüestro do submarino, apesar do
súbito e rápido final da mesma causada pelo seu afundamento e
morte de todos os criminosos envolvidos. Mas, de todas as formas, a
atuação de Bob tinha sido a de um profissional e seu prestígio, junto
a seu chefe e mesmo no conjunto de agentes, estava em alta. Bob lhe
disse que, conforme combinaram, ele havia alugado seu apartamento
e que, portanto, decidira encerrar a licença, pois julgava estar sendo
necessário no serviço. Confidenciou a seu amigo, David, que estava
apaixonado por uma mulher que havia conhecido meses atrás e que
tinha ficado viúva há poucos dias. Por isso, só agora ela tinha se
apaixonado por ele. Tinham, ainda, concordado em se casarem e ele
estava eufórico com esse fato. David ficou feliz com a alegria do amigo
e cumprimentou-o pelo sucesso no campo afetivo. Disse, então, que
Bob assumisse suas funções de fato. Este foi até a sala que havia
sido designada para ele e passou o restante do dia inteirando-se de
suas novas tarefas. Mas, a todo momento, lembrava-se de Liz, de sua
beleza, de sua meiguice, de sua maneira apaixonada ao se beijarem,
ao fazerem amor. Estava, de verdade, apaixonado. . . Às 17:30hs, ao
final do expediente, Bob despediu-se de David, desceu para a rua e
enfrentou a árdua tarefa de conseguir um taxi no centro de
Manhattan. Após alguma espera, conseguiu entrar em um taxi e
partiu para seu apartamento na E 83th St.. Ia tomar um banho e
vestir uma roupa mais confortável do que o terno com que estava
trajado e, depois, iria caminhando os dois quarteirões que o
separavam do prédio de Liz. Sua intenção era chegar na hora
marcada.
Liz, por sua vez, havia cumprido a programação que tinha
traçado para o dia – inicialmente, passou o aspirador na sala e no
quarto dela; e, depois, arrumou cuidadosamente a sala e o quarto,
tomando o cuidado de deixar a cama pronta para o uso, sem o
edredom e com o lençol dobrado a meio da mesma. . . Em seguida,
preparou a mesa para o jantar com todo o capricho, colocando sua
= 99 =
92
melhor toalha, sua melhor louça, seus melhores talheres, os
guardanapos de linho cuidadosamente dobrados no interior dos
copos maiores e, como arremate final, dois candelabros com velas
novas e, junto a eles, uma caixa de fósforos. Preparou uma bandeja,
deixando-a na mesinha de centro com dois copos para uísque, uma
garrafa de Buchanan’s e o balde de gelo. Comeu um sanduíche com
um refrigerante e partiu para a preparação do jantar. Inicialmente,
cozinhou os camarões e preparou o creme e, ao final, arrumou em
taças apropriadas os camarões já prontos e o creme. Estava pronta a
entrada – coquetel de camarões. Colocou as duas taças na geladeira.
Fez arroz; colocou a carne, devidamente temperada, no forno para
assar. Assou as batatas no forno de micro-ondas. Enquanto a carne
assava, preparou a sobremesa – uma torta de maçãs. Lá pelas
16:30hs, tudo estava pronto na cozinha. Quando estivesse próximo
da hora do jantar, era só esquentar a comida e receber seu Bob. Ela
estava exausta. Tomou uma chuveirada fria, enxugou-se, colocou
uma calcinha e um sutiã e deitou-se no sofá da sala, com o ar
condicionado ligado. Logo, o cansaço venceu-a e ela adormeceu.
Enquanto isso, Mike enfrentava problemas. A entrada em
Manhattan tinha sido difícil, com o trânsito intenso e a Triborough
Bridge congestionada. Atendendo à pressa alegada por Mike, o
motorista do taxi avançou um sinal vermelho logo após atravessar a
ponte, na entrada de Manhattan, já na E 125th St.. Um policial de
trânsito, numa motocicleta, o fez parar e, sem pestanejar, começou a
preencher o talão de multas, após pedir os documentos do motorista
e a licença do carro. O motorista, muito zangado, virou-se para trás e
disse a Mike:
- Está vendo no que deu a sua pressa? Vou ter esse prejuízo. Eu
devia fazer com que você pagasse a multa. Afinal, você passou o
tempo todo me “enchendo o saco” para eu andar depressa!
Mike, ficou furioso com o que o motorista havia dito e retrucou:
- Ora, vá à merda! Eu estou pagando e você tem que cumprir o que
eu mandar. Se precisar avançar sinal e ser multado, faça-o. O
problema de ser ou não multado é só seu!
O motorista, indignado, saltou do carro, abriu a porta traseira e
puxou Mike pelo paletó para tirá-lo do carro e dar-lhe uns tapas.
Mike voou em cima do motorista e deu-lhe um soco. A essa altura, o
guarda de trânsito puxou sua arma do coldre e disse, gritando e
apontando a arma para os dois:
- Muita calma! Os dois parados e voltados para mim com as mãos
sobre a cabeça. Você, que agrediu o motorista, me passe um
documento de identidade!
Mike tirou do bolso sua nova identidade com o nome de Henry
= 100 =
93
Clark e passou-a para o guarda. Este, ainda apontando a arma para
os dois, acessou o computador de sua moto para tentar ver se algum
dos dois tinha ficha policial. O motorista não tinha e Henry Clark
(que não existia) muito menos. O guarda guardou a arma, devolveu
os documentos aos dois, passou-lhes uma descompostura por seu
procedimento belicoso e disse que, além da multa ao motorista por
avanço de sinal, nada ia fazer a mais com eles por aquela vez. Que se
comportassem como cidadãos civilizados. . . Não é preciso dizer que o
motorista do taxi não quis mais conduzir Mike. Este estava, ainda, a
vários quarteirões ao norte de seu apartamento. Pegou sua maleta,
praguejou contra o motorista e começou a andar, procurando um
novo taxi. Já eram 18:50hs. Por sorte, por volta de 18:55hs, outro
táxi parou. Ele disse ao motorista, agora mais calmo:
- Por favor, vamos para E 85th St!
O táxi arrancou e, rapidamente, foi na direção solicitada por Mike.
Às 19:15hs, Bob tinha acabado de se vestir com uma camisa de
mangas compridas verde clara e uma calça bege com sapatos e meias
marrons e saiu para a casa de Liz. Não queria chegar antes da hora
marcada. Afinal, ela tinha dito que era um jantar formal. . . Foi
andando sem pressa para percorrer os dois quarteirões que o
separavam do prédio de Liz.
Enquanto isso, Liz, cansada pelas noites anteriores de pouco
sono, em virtude das várias sessões de amor com Bob e, ainda, pela
tarde agitada e trabalhosa que tinha vivido, limpando, arrumando e
cozinhando, não conseguiu acordar e, às 19:10hs, ainda dormia, no
sofá da sala, vestida apenas com calcinha e sutiã.
Às 19:15hs, o taxi de Mike chegou em frente ao prédio de Liz. Mike,
apressadamente, pagou ao motorista, abriu o portão com sua chave,
entrou, subiu pelo elevador até o 8° andar e, ainda com suas chaves,
abriu a porta do apartamento e entrou no mesmo. A sala estava na
penumbra, aparentando não haver ninguém em casa. Mike depositou
a maleta no chão, tirou o paletó, pendurando-o no cabide para
sobretudos e casacos junto à porta e, então, acendeu a luz da sala. A
primeira coisa que viu foi a mesa da sala, cuidadosamente arrumada
para duas pessoas e ficou cismado.
No momento em que acendeu as luzes da sala, Liz despertou no
sofá e, assustada, levantou-se rapidamente. Mike, ao vê-la, disse:
- Meu amor! Você continua linda, principalmente com pouca roupa!
Liz, ao ouvir a voz de Mike, virou-se rapidamente e, ao avistá-lo,
deu um longo grito de pavor e gritou:
- Não é possível! Você está morto!!! Voltou do túmulo para me
= 101 =
94
assombrar!!! Veio se vingar de mim!!!
Mike sorriu e disse:
- Eu não morri, meu amor. Escapei e estou aqui para
recomeçarmos. Tenho a certeza de que você vai me perdoar pelo
meu silêncio e por minha longa ausência. E você já está prontinha
para mim, assim de calcinha. Venha para cá com seu Mike. Vamos
tirar esse atraso. Eu estou louquinho de “tesão” por você!
E deu alguns passos na direção de Liz. Esta, já um pouco refeita
do susto, começou a recuar na direção da janela. Mike continuava
insistindo:
- Calma, meu docinho. Não tenha medo de mim. Eu já lhe disse que
não morri. Estou aqui, “vivinho da silva” e doido para transar.
Afinal, há cerca de um mês que eu não sei o que é o gostinho de
uma mulher e você sempre gostou do amor que eu lhe dei. Não é?
Não se lembra como você gostava? Vamos reiniciar tudo do
começo!
Liz gritou:
- Se você está vivo ou morto, não me interessa! Você me usou, você
traiu a minha confiança, quase perdi o emprego por sua causa,
você nunca me telefonou nem disse onde estava. Mas, eu sei! Eu
sei que você participou do roubo do submarino do museu e do
torpedeamento do navio mercante que trazia os diamantes de
Capetown. Como você descobriu tudo eu não sei.
Mas, chegue
para trás! Não me toque! Não quero vê-lo nunca mais! Vá embora!
Socorro!!!!!
Mike, surpreso pela reação hostil de Liz, ficou, inicialmente,
paralisado. Em seguida, olhou em volta e lembrou-se de sua primeira
visão ao acender as luzes – a mesa posta para dois com candelabros e
velas. Aí, ficou furioso e disse:
- Eu não acredito no que estou vendo! Você, de calcinha e sutiã, em
nossa sala com a mesa posta para um jantar a dois? Quem você
está esperando? Mal eu desapareço e você bota um homem aqui
dentro! Sua vagabunda!!!
E, ato contínuo, deu um passo na direção de Liz e lhe deu um
bofetão com as costas da mão direita, jogando-a ao chão. Liz, ao cair,
bateu com as costas em uma cadeira e gritou, ao mesmo tempo de
dor e de pavor, pedindo auxílio:
- Ai!!!! Ai!!!! Ai!!!! Alguém me ajude! Socorro!!!!
Nesse momento, os vizinhos de baixo, do 702, um casal de idosos,
ouviram o barulho vindo de cima, bem como os gritos de Liz,
especialmente o último, em que ela pedia ajuda e gritava por socorro.
A senhora não teve dúvidas, telefonou para a NYPD – telefone 911 –
= 102 =
95
e relatou para a telefonista o que estava ouvindo.
Nesse ínterim, Bob chegava ao prédio de Liz, poucos minutos após
Mike ter entrado. Quando ia apertar a campainha do apartamento
802, no interfone, chegou um morador e abriu o portão, convidando-o
a entrar também. Ele gostou porque faria surpresa a Liz. Subiu no
elevador junto com o morador que lhe havia aberto o portão e saltou
no 8° andar. Conforme foi se aproximando da porta do apartamento
dela, começou a ouvir a discussão. Reconheceu a voz de Liz quando
ela disse para Mike a primeira frase: “Se você está vivo ou morto, não
me interessa! Você me usou, .....................................................Não
me toque! Não quero vê-lo nunca mais! Vá embora! Socorro!!!”
Em seguida, ouviu uma voz de homem, não entendendo toda a
frase, mas, ao final, ouvindo nitidamente: “........ Sua vagabunda!”
Distinguiu, também, o ruído do bofetão aplicado em Liz. Perdeu a
serenidade e, inicialmente, pensou em meter o ombro na porta e
arrombá-la, mas lembrou-se das vezes em que tinha visitado Liz e de
ter percebido que a porta, das antigas, era de madeira maciça.
Raciocinou rápido e correu pelo corredor e alcançou a escada de
incêndio, saindo pela janela. Deu alguns passos pela plataforma que
unia as escadas entre os andares e chegou à janela da área de serviço
do apartamento de Liz. Forçou-a e entrou. Foi, sorrateiramente, até a
sala e viu Liz caída ao chão, perto da janela, do outro lado de onde ele
se encontrava, e um homem, de pé ao seu lado, com o dedo em riste
apontado para ela e dizendo uma série de impropérios. Pensou rápido
e lembrou-se de que não estava armado e que o homem poderia estar.
Mas, não importava. Sua Liz estava em perigo e ele poderia agredi-la
mais vezes. Não titubeou, saiu correndo através da sala, gritando alto
e, para surpresa de Mike, lançou-se sobre ele. Os dois se agarraram e
Bob, em primeiro lugar, deu um soco em Mike. Este foi, com o
impacto do soco, lançado na direção da mesa. Olhou de relance para
a mesma e viu o facão para cortar a carne. Apanhou-o e partiu na
direção de Bob. Este esquivou-se da facada e segurou o braço de
Mike, aplicando-lhe, ainda, uma rasteira. Mike foi cair perto de Liz.
Pensou rápido, puxou-a de onde estava no chão, colocou-a à sua
frente e colocou a faca em sua garganta, como se aplicasse uma
gravata nela. Disse:
- Seu F. da P....! É você quem está comendo minha mulher, não é?
Eu não sou corno!!! Vou matar os dois. Vou começar por ela e,
depois, acabo com você.
- Pelo amor de Deus! Não faça nada contra ela! Se for preciso, me
use como seu refém, mas não a machuque!
- Então, é verdade? Vocês estão mesmo tendo um caso. Eu sou o
= 103 =
96
marido dela! Ela é minha! De mais ninguém! Eu sou muito rico,
não preciso de vocês, por isso vou matar os dois!
Nesse instante, as sirenes dos carros da NYPD soavam na rua,
parando em frente ao prédio. Rapidamente, o casal do 702 apertou o
botão do interfone, liberando o portão e vários policiais entraram no
prédio. Foram orientados no sentido de que a suposta agressão a
uma mulher e o pedido de socorro tinham partido do 802. Subiram e
chegaram à porta do apartamento. Com um megafone, um dos
policiais gritou:
- O apartamento está cercado! Entregue-se ou vamos entrar à força!
É melhor não reagir!
Quando Mike ouviu as ordens dadas através do megafone por fora
do apartamento, no corredor, teve um instante de vacilo e olhou para
a porta, afrouxando o seu braço que estava na garganta de Liz.
Foi o suficiente para que Bob desse um pontapé em seu braço,
fazendo com que o facão fosse atirado longe. Bob, então, para
surpresa de Mike, agarrou-o pela camisa com a mão esquerda e
desferiu-lhe uma série de socos no rosto. Mike ficou tonto, cambaleou
e Bob, tal e qual um pugilista, aplicou-lhe o golpe de misericórdia –
um “uppercut” no queixo, de baixo para cima, levando-o a desabar no
chão em um autêntico nocaute. A seguir, pegou Liz nos braços e a
colocou no sofá. Foi, então, abrir a porta e os policiais entraram como
uma avalanche e um deles, um sargento, disse para Bob:
- De joelhos! Coloque as mãos para trás da cabeça! Está preso! E já
ia algemá-lo e ler seus direitos, quando Bob retrucou:
- Calma! Eu também sou policial! Sou do FBI. Pegue meu distintivo
no bolso de minha calça! O verdadeiro bandido é aquele ali no
chão.
O policial meteu a mão no bolso de Bob e tirou a carteira preta
com o distintivo dourado do FBI e o cartão de identificação que
provava ser ele o agente Robert Brandon. O policial disse:
- Desculpe, colega. Nós não poderíamos saber se você era “mocinho
ou bandido”. Na dúvida. . .
- Vocês agiram certo. Agora, tratem de levar esse criminoso bem
algemado e, por favor, chamem uma ambulância para a moça.
Ela deve estar precisando de cuidados médicos.
Ato contínuo, partiu para o sofá, onde se encontrava Liz. Ela já
estava desperta e chorando muito. Ela disse:
- Meu amor! Eu deitei aqui na sala, depois de fazer o jantar, e, de
repente, o maluco do Mike entrou aqui, me acordou e me agrediu.
Você imagine o meu susto! Inicialmente, pensei que ele fosse um
fantasma! Depois, ele provou que não estava morto, através das
ofensas e da pancada que me deu. . .
= 104 =
97
- O importante agora é saber como você está se sentindo.
Está bem? Eu
já mandei chamar uma ambulância para
levá-la para o hospital.
- Bob, não é preciso. Eu estou muito nervosa. Agora, que você está
aqui, eu estou mais tranqüila. Só levei um tapa no rosto. O tapa
está doendo mais do que devia porque atingiu também minha
moral. Por favor, vá até o quarto e pegue um roupão para mim,
porque senão eu vou sair na capa ou na página central do
próximo Playboy. . . Esse canalha! Traidor! Covarde! Agressor de
mulheres!
Enquanto Bob trazia seu roupão e, em seguida, o vestia em Liz,
esta, finalmente, “sentiu cair a ficha”, como se costuma dizer, e caiu
em um choro profundo nos braços de Bob, lembrando-se do perigo
que correu, das agressões que sofreu e do perigo que passou nas
mãos de seu ex-marido (ela assim o considerava), um assassino
impiedoso, cujas ações haviam, direta ou indiretamente, causado
tantas mortes. Bob a consolou, enquanto a NYPD algemava Mike,
ainda desacordado e o paramédico da ambulância chegava e
examinava Liz, chegando à conclusão de que o tapa que ela levara no
rosto causaria um leve hematoma Receitou, tendo em vista seu
estado emocional, um tranqüilizante e um anti-inflamatório para a
contusão causada pela agressão. Os policiais tinham revistado Mike e
encontrado seus documentos. Um deles dirigiu-se a Liz e pediu seu
depoimento na invasão de seu domicílio por Henry Clark. Ela
prontificou-se a prestá-lo de imediato e contou tudo que havia
acontecido, nos mínimos detalhes, esclarecendo, ainda, que o
agressor não era Henry Clark e sim seu marido, Michael Sullivan, que
tinha sido dado como morto e que “regressara do inferno para
perturbar sua felicidade”. O policial que chefiava a equipe levou o
depoimento gravado de Liz e lhe disse que ele seria passado para o
computador, convidando-a para, no dia seguinte, comparecer à
Delegacia Policial da E 83th St para assiná-lo. Em seguida, os
policiais se retiraram, levando Mike algemado. Ele seria indiciado por
invasão de domicílio e agressão física, além de responder por seus
crimes cometidos de assalto, roubo de propriedade pública, vários
crimes de homicídio doloso, dano a propriedade privada, falsidade
ideológica, desrespeito à condicional e tantos outros crimes que
seriam o bastante para uma pena maior do que seu restante de vida.
Os paramédicos da ambulância também se foram e, finalmente, a
porta foi fechada e restaram Bob e Liz no apartamento. Ela caiu no
choro, dizendo:
- Eu passei o dia todo cozinhando um jantar tão gostoso e tão
romântico para nós e tudo foi estragado por esse lunático covarde
que entrou aqui em casa e acabou com tudo! E agora, Bob? Como
= 105 =
98
vamos nos casar? Meu marido está vivo!
- Meu amor: eu não sei por você, mas eu, depois da surra que dei no
marginal de seu ex-marido, estou morto de fome. Então, vou-lhe
propor o seguinte: vamos inverter os papéis – você vai para o seu
quarto, vai se arrumar e ficar bem bonita, o que não é difícil!
Quanto a mim, vou para a cozinha esquentar o jantar. Vamos fazer
de conta que nada disso aconteceu e que eu estou chegando agora.
Quanto a seu casamento, para isto é que existe divórcio litigioso.
Você entrará com o processo e ele, após a sentença do juiz, terá
que aceitá-lo na cadeia, de onde, com certeza, nunca mais sairá.
Quanto a nós, não sei se você topa, consideremo-nos casados de
fato, até que possamos sê-lo, também, de direito. Você vai
empacotar tudo o que tem e vai se mudar para nosso apartamento.
Portanto, se você concordar, mais uma vez eu digo, somos casados
a partir deste momento. E vamos aproveitar o resto de nossa noite.
O que acha?
Liz se atirou nos braços de Bob e beijou-o apaixonadamente,
dizendo a seguir:
- Claro que eu topo, meu amor! Você já é meu marido de fato! Você
me ajuda a me aprontar? Ainda estou traumatizada e com um
pouco de medo. Depois, juntos, vamos tomar nosso uísque,
esquentar o jantar e comê-lo, como eu havia planejado, à luz de
velas. Depois, acontecerá o que queremos que aconteça, para
nossa alegria e felicidade. . .
E assim foi: os dois foram até o quarto de Liz. Esta tomou um
banho quente. Enxugou-se, enquanto Bob escolhia um vestido para
ela. Liz se vestiu, passou uma escova no cabelo e o prendeu em um
“rabo de cavalo”, se pintou ligeiramente, apenas uma base e o batom,
e foi com Bob para a sala. Lá, calma e apaixonadamente, após Bob
servir os scotchs, brindaram à felicidade dos dois. Em seguida, foram
à cozinha e, enquanto Bob esquentava o jantar, Liz tirou os coquetéis
de camarão da geladeira e levou-os para a sala. Eles foram para lá e
se deliciaram com a iguaria. Após isso, Liz, já bem mais tranqüila,
assumiu a cozinha e trouxe o restante do jantar, tudo já quentinho.
Bob, a pedido de Liz, foi buscar o vinho na geladeira, abriu-o e serviuo nos dois copos. Comeram calmamente e, no final, Liz foi buscar a
torta de maçã. Comeram-na e repetiram, de tão gostosa que estava.
Afinal, sentaram-se no sofá, se abraçaram e se beijaram. Liz ficou
séria, tomou a iniciativa e disse:
- Meu querido: eu tinha preparado esse jantar com outra finalidade –
era para ser o último ato oficial deste apartamento. Após os
acontecimentos desta noite e depois da decisão que tomamos
juntos, ele simbolizou o início de nosso casamento. Vou me levantar
e vou pedir a sua ajuda. Pretendo fazer as malas e me mudar agora
= 106 =
99
para nosso apartamento para passarmos, ainda hoje, a morarmos
juntos. Não quero mais voltar a este apartamento, a não ser para
efetuar a mudança e entregá-lo. Assim mesmo, além de minha
roupa, faltarão poucas coisas, pois a mobília, as panelas, a louça,
os talheres, os quadros e a maioria das outras coisas são do
proprietário do apartamento, e já estavam aqui quando me mudei.
Que você acha, Bob?
- Só tenho a dizer o seguinte: mãos á obra! É para já!
Partiram para o quarto, arrumaram toda a roupa de Liz em quatro
malas. Desceram-nas. Liz fechou o apartamento como moradora para
sempre e foram a pé, puxando as malas com rodinhas até o
apartamento de Bob. Este, após subir as malas para o apartamento,
tomou Liz nos braços no andar térreo e, assim, subiu com ela no
elevador e entrou no apartamento. E comentou:
- Essa é a maneira de um marido recém-casado iniciar sua vida com
sua esposa!
Apesar de todos os acontecimentos daquele dia, apesar de terem
ficado traumatizados com a aparição inesperada de Mike, apesar do
cansaço que estavam sentindo, apesar do fato de Liz e Bob terem de
trabalhar no dia seguinte, aquela foi uma autêntica noite de lua-demel, com muito amor, para ser contado às gerações que se
sucedessem.
No dia seguinte, 10 de julho, ambos foram aos seus empregos,
mas, por exigência da Delegacia Policial, lá compareceram. Liz
assinou seu depoimento, que carregava pesadamente contra Mike.
Bob prestou seu depoimento e também o assinou.
Quanto a Mike, voltou, após ser ouvido na Delegacia, para a prisão
federal de Attica, de onde nunca deveria ter saído, e onde,
provavelmente, ficaria pelo restante de seus dias. . .
= 107 =
100
CONCLUSÃO
Após alguns meses, concluído o processo de divórcio litigioso que
Liz moveu contra Mike, o Juiz proferiu a sentença decretando o referido
divórcio. Na partilha dos bens, pelo fato de Mike ter mantido a conta
corrente em seu nome, coube a Liz a quantia de US$ 2.000.000,00,
dinheiro que restava na conta de Phillip e que Mike transferiu para a sua,
conforme sua própria confissão. O restante do dinheiro foi confiscado pelo
governo para pagar indenizações às famílias do vigia assassinado no píer
86 e às dos tripulantes do Sea Trader , mortos no torpedeamento.
Já divorciada, Liz casou-se de direito com Bob. Passou a se
chamar Elizabeth Brandon. O amor dos dois era muito grande. Já viviam
felizes. Agora, estariam mais ainda. Estavam bem em seus empregos e já
pensavam com carinho na encomenda de um herdeiro.
Finalmente, o grande vilão desta história, que quis posar de big
shot e se deu mal – Michael Sullivan – após um julgamento dos mais
demorados, pois a lista dos crimes cometidos era enorme e cada um deles
comportou debates entre a Promotoria e a Defesa e foi analisado
separadamente pelo Corpo de Jurados, foi considerado culpado de todos
eles e recebeu do Juiz a sentença de prisão perpétua. Ficaria trancafiado
em Attica até o fim de seus dias. . .
= 109 =
101

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