Leia um trecho do livro

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Vencendo
a
DEPRESSÃO
Vencendo
a
DEPRESSÃO
O que a terapia não lhe ensina
e
os medicamentos não podem lhe dar.
PRIMEIRA EDIÇÃO
RICHARD O’CONNOR, PhD
Título Original: Undoing Depression
Copyright © 1997, 2010 by Richard O’Connor, MSW, PhD.
Todos os direitos reservados pela Editora Nossa Cultura Ltda, 2011.
Editores
Paulo Fernando Ferrari Lago
Claudio Kobachuk
Renata Sklaski
TradutoresJeanne Rangel
Revisoras
Adriana Gallego Mateos e Tania Growoski
DiagramaçãoExpression SGI
Nota: a edição desta obra contou com o trabalho, dedicação e empenho de vários profissionais. Porém podem ocorrer erros de digitação e impressão. Pede-se que seja comunicado à editora no caso
de existir qualquer das hipóteses acima mencionadas para melhoras futuras.
EDITORA NOSSA CULTURA LTDA
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Mossunguê
Curitiba - PR – Brasil
Tel: (41) 3019-0108 - Fax: (41) 3019-0108
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Dados internacionais de catalogação na publicação
Bibliotecária responsável: Mara Rejane Vicente Teixeira
O’Connor, Richard.
Vencendo a depressão / Richard O’Connor ; tradução: Jeanne
Rangel. - Curitiba, PR : Editora Nossa Cultura, 2011.
374 p. ; 22 cm.
Tradução de: Undoing Depression
ISBN 978-85-80660-10-4
1. Depressão mental – Tratamento. 2. Autoestima. I. Rangel,
Jeanne. II. Título.
CDD ( 22.ª ed.)
616.8527
Nota: a edição desta obra contou com o trabalho, dedicação e empenho de vários profissionais.
Porém podem ocorrer erros de digitação e impressão. Pede-se que seja comunicado à editora no caso de existir
qualquer das hipóteses acima.
iv
Índice
Observações do autor
vii
Prefácio à segunda edição
ix
Introdução3
Parte 1 O que Sabemos sobre Depressão
11
1. Entendendo a depressão
13
2. A Experiência da Depressão
27
3. Diagnosticando a Depressão
38
4. Explicando a Depressão
59
Parte 2 Aprendendo Novas Competências
73
5. O Mundo da Depressão
75
6. Emoções
82
7. Comportamento
100
8. Pensamento
121
9. Stress e depressão
134
10. Relacionamentos
152
11. O corpo
166
12. O self180
13. Tratando a Depressão com Medicamentos
192
14. Psicoterapia, Autoajuda e outros
Meios de Recuperação
214
v
Parte 3 Colocando as Competências para Funcionar 227
15. Trabalho e um Senso de Propósito
229
16. Vivendo Juntos ou Separados
246
17. Crianças e Adolescentes
267
18. Comunidade
288
Parte 4 Uma Nova Síntese
297
19. O Resto da História
299
20. Um Programa de Recuperação
304
21. Além da Recuperação
316
Apêndice329
Referências Bibliográficas
330
Leituras Recomendadas
348
Reconhecimentos354
Índice Remissivo
356
vi
Observações do autor
Ocorrem dois problemas específicos com a linguagem em todo este
livro. Um é a dificuldade de como chamar a pessoa com depressão. Em
contextos diferentes, essa pessoa pode ser chamada de paciente, cliente, vítima, sofredor, ou consumidor. Cada termo diz mais sobre as suposições a respeito da pessoa a quem se aplica o rótulo, do que sobre o
referenciado. O único termo descritivo que conheço, qual seja, chamar
alguém com depressão de “depressivo”, sugerirá a alguns o conceito de
“caráter depressivo”, que é um conceito carregado, sugerindo que há
algo na personalidade que causa depressão. Eu discordo da implicação
de que haja um caráter depressivo e ainda questiono que a depressão
afete o caráter e a personalidade de alguém. Então eu opto pelo termo
“depressivo” como descritivo daquilo que se torna um modo de vida.
Já que estou dentro dessa estatística, posso reivindicar o direito de usar
o termo sem seu implícito julgamento de valor.
O segundo problema é o uso de “ele” ou “ela” para se referir a uma
pessoa quando o gênero não importa. Neste livro, em particular, já que
a depressão é muito mais diagnosticada entre mulheres e, já que esse
fenômeno é assunto para alguns debates quentes na política dos gêneros, a questão se torna delicada. Para um escritor do sexo masculino se
referir a indivíduos depressivos como “ela” pode parecer perpetuar o
que, para alguns, é um artefato da ciência e da cultura dominada pelo
sexo masculino.
vii
Referir-me a indivíduos deprimidos como “ele” exclusivamente, porém, pode parecer encobrir o sofrimento maior das mulheres. Para eu
escrever “ele” ou “ela” e “ele mesmo/ela mesmo” cada vez, só se torna incômodo. Decidi, portanto, tentar entremear pronomes masculinos
e femininos em exemplos onde o gênero realmente importa, mas há
momentos em que isso se torna trabalhoso e assim, eu reverto usando
“ele” para indivíduos de ambos os sexos.
Todo o esforço foi feito para garantir que a informação contida
neste livro seja completa e precisa. Porém, nem o editor nem o autor
estão envolvidos com a prestação de aconselhamento ou serviços
profissionais ao leitor individual. As ideias, procedimentos e sugestões contidas neste livro não pretendem substituir a consulta com seu
médico. Todos os assuntos a respeito de sua saúde requerem supervisão médica. Nem o autor nem o editor serão legalmente responsáveis por qualquer perda ou dano alegadamente surgidos de qualquer
informação ou sugestão deste livro.
viii
Prefácio à segunda edição
Como estou escrevendo em 2009, vi-me alternadamente alegre e desanimado por descobrir que boa parte de Vencendo a Depressão permanece tão relevante, onze anos depois de ter sido escrito pela primeira
vez. Alegre por ter me colocado à disposição para aconselhamento útil
que passou no teste do tempo; porém desanimado porque houve tão
pouco progresso na aquisição de melhor conhecimento ou desenvolvimento de tratamento mais eficaz para essa condição devastadora. De
fato, parece, às vezes, que o tratamento andou somente para trás. Os
medicamentos são agora considerados menos eficazes do que esperávamos. A suposição que a depressão seja causada por uma deficiência
de serotonina no cérebro se provou falsa. E a depressão continua crescendo em proporções epidêmicas. O Banco Mundial e a Organização
Mundial de Saúde estimam que a depressão logo se torne a doença mais
cara existente, mais dispendiosa que AIDS, câncer ou tuberculose.
Mas há notícias esperançosas para esta segunda edição. Antes eu
estava num limbo científico, questionando se as “competências da depressão” – os hábitos que a tornam tão difícil de vencer – são essencialmente roteiros neurais que possam ser substituídos por modos de vida
mais eficazes. Agora, a nova neurociência tem confirmado que é, de
fato, o que acontece com o cérebro; os velhos métodos perdem o vigor
quando paramos nossos hábitos e são substituídos por novas conexões
que são aprendidas através das mudanças em nosso comportamento.
ix
Prefácio à segunda edição
Podemos mudar nosso cérebro através de atenção focalizada e prática.
Ao mesmo tempo, novos desenvolvimentos na psicologia e medicina
comportamental nos deram métodos mais específicos e testados para
nos ajudar a fugir dos hábitos da depressão e aprender novos caminhos de saída de nossa miséria. Assim, é ainda mais imperativo que as
pessoas com depressão sejam encorajadas e capacitadas a empreender
uma ação eficaz para si mesmas – o que é o objetivo deste livro.
x
Vencendo
a
DEPRESSÃO
Introdução
A pergunta essencial que os pacientes e terapeutas fazem a si mesmos
tantas vezes é: por que é tão difícil melhorar? Quando entendemos as
motivações e mecanismos ocultos por trás de nosso comportamento
que nos impedem de nos sentirmos bem conosco e chegar aonde queremos na vida, por que simplesmente não paramos? Quando temos a
medicação certa para nos impedir de afundar de volta às profundezas
mais escuras, quando conseguimos começar a nos sentir mais otimistas
sobre o futuro e nós mesmos, por que permanecemos envergonhados,
passivos e desistentes? Por que as pessoas persistem num comportamento autodestrutivo, quando podem ver que ele não faz bem? Freud
tinha que inventar teorias elaboradas e arcanas como o instinto de morte para responder a essa questão – a ideia de que como uma contrapartida ao desejo de criar, se alegrar e viver, temos um desejo igualmente
forte de destruir, sofrer e morrer. Toda a minha experiência me diz que
há uma resposta muito mais simples. As pessoas persistem num comportamento autodestrutivo porque não sabem como fazer outra coisa;
de fato, todos esses padrões comportamentais depressivos se tornam
registrados no próprio cérebro. Como podemos desfazê-lo?
Estou convencido de que a razão principal pela qual as pessoas com
depressão permanecem deprimidas, apesar da terapia, da medicação
e suporte das pessoas amadas é que somos simplesmente incapazes
de imaginar uma alternativa. Sabemos como “fabricar” a depressão.
Somos especialistas nisso. Nossos sentimentos sobre nós mesmos e
3
Introdução
o modo como vemos o mundo nos forçaram ao longo dos anos a desenvolver um conjunto muito especial de competências. Tornamo-nos
como os cegos de nascença. Eles se tornam muito atentos a sons, cheiros e outros sentidos que as pessoas com visão têm como óbvios. Eles
podem ler Braille tão bem quanto qualquer um de nós pode ler páginas
impressas. Eles são muito bons em memorização. Mas pedir-lhes para
imaginar um pôr do sol ou uma flor ou um Van Gogh é inútil – eles não
têm referência; está além de sua experiência.
Esperar que paremos de estar deprimidos é como esperar que uma
pessoa cega de repente veja a luz do dia, com uma importante diferença: eventualmente, não conseguimos fazê-lo. Há também forças
inconscientes operando, basicamente o medo, que se opõem às mudanças. Desenvolvemos mecanismos de defesa que distorcem a realidade,
assim podemos construir a depressão ou manter a crença inconsciente
que não merecemos nos sentir melhor. As pessoas aprendem e crescem
através da experiência, mas a pessoa depressiva, além do medo, evita
a experiência curativa; penso que praticando, assumindo grandes desafios em pequenos passos, aprendendo gradualmente que os medos não
podem matá-la e impulsos não a oprimem, a pessoa depressiva aprende alternativas ao comportamento depressivo, e comportamentos não
depressivos suficientes significam que você não está mais deprimido.
A depressão se torna para nós um conjunto de hábitos, comportamentos, processos de pensamento, suposições e sentimentos que se
parecem muito com nosso ser essencial; você não pode desistir deles
sem algo para substituí-los e sem esperar alguma ansiedade ao longo
do caminho. Recuperar-se da depressão é como recuperar-se de doença
do coração ou do alcoolismo. O bom paciente cardíaco sabe que os medicamentos não são suficientes, que hábitos dietéticos para uma vida
longa e exercícios, e como lidar com o stress, devem mudar. O alcoólatra em recuperação sabe que a abstinência não é suficiente; os modos
de pensar em relação aos outros e de lidar com as emoções têm que
mudar. Nós, depressivos, nos modelamos também às nossas doenças;
as capacidades que desenvolvemos com a depressão, num vão esforço
de nos salvar da dor, capacidades como de engolir nossa raiva, de nos
isolarmos, colocando os outros à frente, ser super-responsáveis – impedem nossa recuperação. Temos que desistir dos hábitos depressivos
que nos mantêm para baixo e nos fazem vulneráveis à recaída.
4
Introdução
Nos últimos dez anos, desde a primeira edição deste livro ter sido
impressa, tem havido surpreendente evolução no que sabemos sobre a
depressão, graças à nova tecnologia que permite aos cientistas verem
dentro do cérebro, enquanto ele funciona. Primeiro, as más notícias:
a depressão causa dano ao cérebro. Agora, as boas notícias: podemos desfazer esse dano com prática e atenção focalizadas. De fato,
podemos ser capazes de ir além do que é normal para nós e nos sentir
melhores do que nunca. A ciência sabe agora que nosso cérebro não
armazena simplesmente nossas experiências. Cada experiência muda
o cérebro estruturalmente, eletricamente, quimicamente. O cérebro se
torna a experiência. Se formos cuidadosos com as experiências que
fornecemos ao nosso cérebro, podemos mudar o próprio cérebro.
Uma coisa que podemos concluir da nova ciência do cérebro: a
prática é essencial para a mudança. Podemos gastar anos em terapia
para termos um entendimento realmente bom sobre o que nos leva a
esse lugar escuro, mas se não sairmos da cama pela manhã, ainda nos
sentiremos depressivos. Os remédios, quando funcionam, só o fazem
parcialmente, dando-nos energia suficiente para pular da cama. Mas
é a prática que leva à mudança no cérebro. A prática de alguma coisa
nova desenvolve redes entre as células cerebrais que antes não estavam
conectadas entre si. As redes em seu cérebro, que dão suporte ao comportamento, são como caminhos muito usados; eles são como o sistema de autoestradas interestaduais. Você tem que sair da autoestrada e
explorar novos caminhos, mas com prática suficiente, seguir por esses
novos caminhos se torna automático para você, à medida que as novas
conexões se desenvolvem no seu cérebro.
Vencer a depressão requer de nós um novo conjunto de capacidades.
Mas agora estamos reconhecendo que a felicidade é uma competência,
a força de vontade é uma competência, a saúde é uma competência,
relacionamentos bem-sucedidos requerem competências, a inteligência
emocional é uma competência. Sabemos disso porque a prática não
apenas nos leva a melhorias, mas também a mudanças no cérebro. Esse
é um modo muito mais poderoso e adaptativo de entender a vida do que
supor que essas qualidades nos sejam distribuídas no nascimento em
quantidades determinadas e que não há nada que possamos fazer para
mudar nosso destino. As competências requeridas para eliminar a depressão permearão toda a nossa vida e se você se mantém praticando,
você pode ir bem além da mera recuperação.
5
Introdução
Meu objetivo é apresentar um “programa” para a depressão. As pessoas nos Alcoólicos Anônimos sabem por experiência: não beber não
é suficiente; eles têm que “viver o programa”. Como o alcoolismo, a
depressão é uma condição para a vida toda que só pode ser curada com
um esforço deliberado de mudar a nós mesmos. Os últimos capítulos
explicam como, nos elementos-chave de nossa personalidade, os sentimentos, os pensamentos, o comportamento, os relacionamentos, como
tratamos nossos corpos e como lidamos com o stress – a depressão nos
tem ensinado certos hábitos que passaram a ser naturais, uma parte de
quem somos. Mas não percebemos que esses hábitos só reforçam a depressão. Temos que desaprender esses hábitos e substituí-los por novas
competências – que explicarei em detalhes – para que uma recuperação
real possa acontecer. Praticar os exercícios descritos mais tarde pode
ser um modo de as pessoas com depressão “viverem o programa” – e
viverem novamente uma existência vital e rica.
Acredito muito fortemente que as pessoas podem se recuperar da
depressão, mas que os medicamentos e a psicoterapia convencional
não fazem o suficiente – e agora a pesquisa me apoia. A terrível ironia
da depressão é que nos culpamos por nossa própria doença. Espero
mostrar que essa crença é um sintoma da doença, não um fato em si.
As pessoas precisam de novas ferramentas e a prática para usá-las para
produzir uma recuperação completa. Reunindo essas técnicas, tenho
tido o benefício de conseguir levar adiante a ampla pesquisa desenvolvida nos últimos trinta anos, que tem sugerido novas maneiras de
pensar, agir e sentir, para substituir os velhos modos de ser que nunca
funcionaram e muitas vezes pioraram as coisas. Também tenho tido
o benefício de trabalhar em clínicas no mundo real para me ajudar a
entender como esses métodos podem ser aplicados à vida diária. Além
disso, minha própria experiência com a depressão e recuperação tem
me ajudado a aprender em primeira mão o que é útil e o que não é.
Quando tinha quinze anos, um dia fui da escola para casa para
descobrir que minha mãe tinha cometido suicídio no porão. Ela tinha
trancado as portas e colado um bilhete na janela dizendo que saíra
para as compras e eu deveria esperar na casa da vizinha. Eu sabia que
havia algo errado e estava trepando numa janela quando meu pai chegou de carro depois do trabalho. Descobrimos o corpo dela juntos. Ela
tinha colocado na cabeça um saco plástico e sentou-se à mesa onde eu
6
Introdução
brincava com minha aparelhagem de química. Ela ligou o gás do meu
queimador de Bunsen dentro do saco e também tomou uma dose letal
de pílulas para dormir, que meu pai vendia como representante farmacêutico. Seu corpo estava frio, portanto ela deve ter começado a preparar as coisas logo depois que saímos de casa naquela manhã. Esse
não era um grito de socorro. Ela enfrentou muitos problemas para ter
certeza de que conseguiria por fim à sua vida.
Até dois anos antes, minha mãe parecia feliz, confiante e empreendedora. Lembro de sua alegria se arrumando para ir a uma festa
ou cantando músicas dos anos quarenta com meu pai em passeios de
carro à noite. Quando olho para trás, ao curso da minha vida, percebo
agora quanto fui moldado pela minha necessidade de entender o que
aconteceu a ela.
Para entender também o que estava acontecendo comigo, porque
eu tinha tido minha própria depressão para lutar contra. Eu não a
reconheci por muito tempo, pois sou um psicoterapeuta razoavelmente
bem treinado e experiente. Eu mesmo fui um paciente várias vezes, mas
nunca coloquei um rótulo nos meus problemas. Eu sempre disse a mim
mesmo para procurar ajuda visando meu crescimento pessoal. Isso, a
despeito do fato de que houve longos períodos em minha vida quando
bebi muito, quando afastei todas as pessoas mais próximas de mim,
quando mal conseguia ir para o trabalho, quando acordava a cada
manhã odiando o pensamento de ter que enfrentar o dia e a minha
vida. Houve muitas vezes em que pensei em suicídio, mas se eu nunca
pude perdoar minha mãe, eu também não poderia me perdoar. E eu
tinha filhos e família, pacientes e colegas que, da mesma forma, eu não
suportaria que fizessem isso. Mas, por muitos longos períodos, a vida
parecia tão miserável, sem esperança e sem alegria que eu desejava
uma fuga. Qualquer um que já foi depressivo sabe que é impossível ter
certeza, mas acho que aqueles dias foram finalmente deixados para
trás. Não cheguei ao fundo do poço, mas vivo com os efeitos posteriores. Ainda luto contra os hábitos emocionais da depressão. Mas aceitar o fato de que vai ser uma luta longa me tornou mais capaz de lidar
com os altos e baixos de curto prazo. E eu vi o progresso.
Tenho trabalhado com saúde mental há trinta anos como terapeuta
supervisor e diretor de consultório. Estudei sistemas familiares psicanalíticos, modos bioquímicos, cognitivos, baseados em atenção, o
7
Introdução
nome que se queira dar, de entender pessoas. Trabalhei com professores maravilhosos, tive alguns maravilhosos pacientes. Eu não fingirei
ter todas as respostas sobre depressão, mas você não encontrará muita
gente com mais experiência, pessoal e profissional.
Acredito agora que a depressão nunca pode ser totalmente compreendida pelos profissionais de saúde mental que não a experimentaram.
Tenho visto, repetidas vezes, teorias “abrangentes” de personalidade
se desenvolverem, florescerem e dominarem o campo por certo tempo,
para serem depois rejeitadas porque novas evidências contraditórias
foram encontradas. Muitos psicólogos e psiquiatras parecem preferir
a construção de teorias – ajustarem suas observações a alguma teoria
pré-existente ou desenvolverem uma nova teoria que explicará tudo
isso – a tentar descobrir modos práticos de ajudar seus pacientes. Eles
vão muito além da experiência. Percebo agora que nenhuma teoria simples ou de fator único sobre depressão funcionará. A depressão está
parcialmente em nossos genes, parcialmente na nossa experiência de
infância, parcialmente no nosso modo de pensar, parcialmente em nossos cérebros, parcialmente nas nossas maneiras de pensar a vida. Ela
afeta todo o nosso ser.
Imagine se nosso conhecimento médico fosse tal que pudéssemos
fidedignamente diagnosticar doença cardíaca, mas não soubéssemos
nada sobre os efeitos dos exercícios, do colesterol, do sal e gordura,
stress e fadiga. Os pacientes que foram diagnosticados estariam se
agarrando a qualquer ninharia que pudesse ajudá-los a se recuperar.
Alguns parariam de se exercitar, alguns passariam a se exercitar furiosamente. Alguns fugiriam de situações estressantes. Alguns tomariam
medicamentos para reduzir a pressão sanguínea sem saber que sua dieta pouco saudável desfaz qualquer efeito benéfico dos medicamentos.
Muitos morreriam prematuramente. Alguns melhorariam por acaso.
Sem bons estudos científicos controlados, os médicos nunca aprenderiam o que estaria provocando a morte ou a recuperação.
É aí que estamos quanto à depressão. Recebemos todo o tipo de conselhos, alguns úteis, alguns não, a maioria deles não testados. Alguns
deles simplesmente desenvolvidos para vender um produto. O paciente
depressivo está no escuro sobre aquilo que exatamente precisa fazer
para ajudar a recuperação. Mas, de fato, muito já se sabe sobre como as
pessoas se recuperam da depressão. Nem todos se ajustam a esmerados
8
Introdução
pacotes teóricos, então é difícil colocar todos juntos, mas o conhecimento está lá para ser usado.
A depressão é uma condição complexa que obscurece nossos limites
ocidentais entre mente e corpo, natureza e educação, o ser e os outros.
Muitas pessoas com depressão parecem ter sido apresentadas a ela por
trauma, privações ou perdas na infância. Muitas pessoas com depressão descrevem dificuldades em sua infância ou mais tarde na vida, que
contribuíram para a baixa autoestima e uma sensibilidade à rejeição,
uma incerteza a respeito do ser e a incapacidade para aproveitar a vida.
Mas essas observações não são verdadeiras para todas as pessoas com
depressão: algumas pessoas que não têm história de stress, que parecem muito estáveis e bem integradas, a desenvolvem repentinamente,
sem esperar, em resposta a uma mudança de vida. Há claramente um
componente bioquímico da depressão e a medicação pode ser útil para
muitas pessoas, mas só a medicação não é um tratamento suficiente
para a maioria. A verdade é: estejam as raízes da depressão no passado,
na infância, ou no presente, no cérebro, a recuperação só pode ocorrer
através de um ato contínuo da vontade, uma autodisciplina aplicada às
emoções, ao comportamento e aos relacionamentos no aqui e agora.
Essa é uma verdade árdua, porque ninguém merece se sentir assim e
não parece justo que os inocentes tenham que trabalhar tão duro para
ajudar a si mesmos. Além disso, os depressivos estão sempre ouvindo
que precisam pular fora disso, se juntar às pessoas, não dar espaço à
fraqueza e esse é o conselho mais cruel e sem sentimento que podem
receber. O que quero fazer aqui é dar direção e suporte, junto com o
conselho, para ajudar o depressivo a encontrar os recursos que precisa
para sua recuperação.
As pessoas depressivas estão mergulhadas dentro de suas cabeças
e não sabem nadar. Elas trabalham duro na vida para tentar resolver
seus problemas, mas seus esforços são inúteis por causa da falta das
competências necessárias para dar-lhes apoio nas águas profundas. A
real batalha da depressão está entre partes do ser. Pessoas depressivas
são puxadas para baixo pelas sombras, fantasmas, partes de si mesmas que não podem integrar, nem deixá-las ir embora. Quanto mais
duro trabalham, quanto mais fazem o que sabem fazer, piores as coisas
ficam. Quando seus amados tentam ajudar dos modos habituais, dos
modos de senso comum que só parecem expressões naturais de carinho
9
Introdução
e interesse, são rejeitados. As pessoas depressivas então se sentem mais
culpadas e fora de controle. As pessoas com depressão têm que aprender novos modos de viver consigo mesmas e com os outros – novas
competências emocionais. Essas competências demandam prática, coordenação e flexibilidade. Ao invés de pular dentro d’água em pânico,
elas têm que aprender hábitos emocionais que são muito mais como
nadar: aprender a flutuar de modo constante, ritmado, aprender a ficar
confortável na água. As pessoas depressivas são grandes lutadoras, mas
lutar é se afogar. É melhor aprender a deixar a água manter você à tona.
Obviamente este é um livro intensamente pessoal para mim. Eu quero manter vivos os suicidas potenciais. Quero poupar as pessoas da
dor inútil da depressão. Há agora muito mais que pode ser feito do que
havia para minha mãe ou para mim mesmo, quando eu era mais jovem.
A psicoterapia e os medicamentos oferecem esperança para todos.
Técnicas aprendidas de autocontrole, competências de comunicação e
autoexpressão, e o desafio às suposições sobre o ser e o mundo, podem
dar às pessoas, que literalmente não conhecem nada além da depressão,
a chance de compensar a vida.
Algo que me tocou profundamente quando trabalhava em nossa clínica comunitária de saúde mental foi o grande número de pessoas que
não sabiam que eram depressivas. As pessoas normalmente se dispõem
a pedir ajuda não simplesmente por se sentirem derrotadas, mas porque algo está errado em suas vidas, seus filhos não lhes ouvem, há
um problema conjugal, estão tendo problemas no trabalho. Mas, com
frequência, não preciso cavar muito para descobrir que o paciente tem
estado deprimido já há algum tempo; o conflito familiar, o problema no
trabalho, são manifestações, e não causas da depressão. Se conseguíssemos ajudá-los mais cedo, suas vidas não seriam o desastre que são
agora. Essas são pessoas que quase não sentem alegria de viver, que
não têm esperança, nenhuma ambição, que se sentem emperradas, sem
força e perenemente tristes – e que pensam ser esse o modo normal de
sentir. Não é.
10
Parte 1
O que Sabemos sobre Depressão
1
Entendendo a depressão
Estamos vivendo uma epidemia de depressão. Cada indicação sugere
que mais pessoas estão depressivas, por mais tempo, com mais gravidade e começando mais cedo em suas vidas do que nunca. A depressão
não vai embora, não importa quanto a ignoremos, a desprezemos ou
a negligenciemos. Precisamos dar-lhe importância como um problema importante de saúde pública. Mas isso é difícil de fazer porque a
ideia da depressão nos apavora a todos – pensamos em uma chegada
à loucura – e assim evitamos o assunto. Temos um desejo natural de
esquecer a depressão com a esperança de sermos imunes a ela. Você
pode se lembrar da sensação de dor? Muitas pessoas reagem à pergunta
encolhendo-se, mas realmente não conseguem descrever a dor ou evocar a sensação em suas memórias. Nós a reprimimos, a empurramos
para fora da memória, então, na maior parte do tempo, não pensamos
nela e assim podemos continuar a vida. Mas quando ouvimos a broca
do dentista, de repente lembramos exatamente o que poderemos sentir.
Fazemos o mesmo truque com a depressão. Todos já nos sentimos assim, mas acreditamos termos que calar a memória. Queremos pensar
sobre a depressão como algo que acontece aos outros.
Mas ela começa a se aproximar de nós cada vez mais, porque a incidência está aumentando. Para cada geração nascida desde 1990, a depressão chega cada vez mais cedo e o risco de encurtar a vida aumentou1. De
acordo com a maior parte das estimativas oficiais, conservadoras, aproximadamente 6 a 7 por cento dos americanos experimentará um episódio
13
Entendendo a depressão
de depressão grave em suas vidas. Quando você acrescenta as chamadas
formas brandas de depressão, acredito que o índice suba para 25 por cento.
De cada quatro pessoas que você encontra, uma tem probabilidade
séria de se encontrar com a depressão em algum momento de sua vida2.
E a quinta pessoa já é depressiva: os pesquisadores estimam que quase
20 por cento da população se encaixe no critério de alguma forma de
depressão a qualquer momento – e isso não significa quem está temporariamente sentindo tristeza e estará melhor na próxima semana, mas as
pessoas que estão tendo dificuldade real de tocar a vida3.
Essa epidemia não é simplesmente um resultado da crescente percepção da depressão, mas um crescimento verdadeiro nos números
brutos4. Nem é apenas um fenômeno da cultura americana ou mesmo
ocidental. Um estudo recente, comparando a incidência da depressão
em Taiwan, Porto Rico e Líbano, entre outros países, concluiu que para
cada geração sucessiva, a depressão provavelmente comece em idades
mais tenras, e ao longo do curso da vida o risco da depressão se manteve crescente5. De todas as pessoas com depressões graves, 15 por cento
terminarão suas vidas por suicídio.
A depressão clínica é uma doença séria, muitas vezes fatal, tão comum quanto difícil de ser reconhecida. Mas os economistas da saúde
a consideram tão incapacitante quanto a cegueira ou a paraplegia6. Em
termos do peso econômico geral para nossa sociedade, a depressão é
a segunda doença mais cara que há. Essa notícia surpreendente vem
do Banco Mundial e da Organização Mundial de Saúde, que mediu os
anos perdidos de uma vida saudável com a doença7. O custo, em termos
de tratamento direto, cuidados médicos desnecessários, perda de produtividade e período de vida encurtado, foi estimado em 83 bilhões de
dólares por ano, só nos Estados Unidos no ano 20008. A depressão está
em segundo lugar em relação ao câncer em termos de impacto econômico e tem custo aproximadamente idêntico ao da doença cardíaca e
da AIDS. O número de mortes por suicídio nos Estados Unidos a cada
ano (33.000) é aproximadamente duas vezes o número de mortes por
AIDS9 e não mostra sinais de declínio. E o impacto só vai piorar: se a
tendência atual continuar, as crianças de hoje desenvolverão depressão
com a idade média de 20 anos, ao invés de 30 ou mais, como estávamos
acostumados10. Só um terço de pessoas com depressão de longo prazo
já foram tratadas com antidepressivos e só um pequeno número delas
14
Entendendo a depressão
já receberam tratamento adequado11.
Se tudo isso for verdade, se a depressão é tão perigosa e prevalecente como digo, você pode perguntar: onde está a grande fundação
nacional que lidera a batalha contra a depressão? Onde estão a Jerry
Lewis Telethon e a Corrida Anual contra a Depressão? As pequenas
fitas pretas para todos usarem?* A resposta óbvia é o estigma associado
com a doença. Boa parte do público ainda vê a depressão como uma
fraqueza ou falha de caráter e pensa que deveríamos nos jogar para
cima com um pontapé em nós mesmos. E todo o alvoroço sobre novos
medicamentos antidepressivos só torna as coisas piores, sugerindo que
a recuperação é uma simples questão de tomar pílulas. Muitas pessoas
com depressão têm a mesma atitude: sentimos vergonha e embaraço
por ter depressão. Essa é a parte mais cruel da doença: culpamo-nos por
sermos fracos ou termos falha de caráter, ao invés de aceitar que temos
uma doença, ao invés de perceber que nossa autoacusação é um sintoma da doença. E sentindo dessa forma, não nos erguemos e desafiamos
as pessoas insensíveis que reforçam os estereótipos negativos. Assim,
ficamos apartados, sentindo-nos miseráveis e acusando-nos por nossa
própria miséria emocional.
Esse é um pequeno segredo sujo da economia da saúde mental: se
você está depressivo, você não pensa que vale o custo do tratamento.
Você se sente culpado o bastante sobre ser improdutivo e inconfiável;
muito provavelmente os membros de sua família têm-lhe dito para
romper com isso e você acredita que poderia. Você não quer desembolsar cem dólares por hora para consultar um psicoterapeuta e, se seu
seguro não paga, você não vai brigar por isso. Seu terapeuta precisa do
seu ganho e os operadores do seguro saúde sempre exigem que você
seja muito determinado, antes de pagarem a parte que lhes cabe. Eles
usarão sua própria culpa para tornar difícil você conseguir mais que o
tratamento absolutamente mínimo. Eles contam com a possibilidade
de desencorajá-lo a buscar seus direitos, para poderem economizar e,
fazendo assim, eles reforçam sua depressão. Há sinais esperançosos sobre “paridade” em serviços de saúde mental mas, até que as leis sejam
mudadas e novos regulamentos sejam publicados, os planos de saúde
* Uma evolução encorajadora são as caminhadas “Fora da Escuridão” da Fundação
Americana para a Prevenção do Suicídio, que parecem estar atraindo mais atenção,
pouco a pouco.
15
Entendendo a depressão
gerenciados ainda encontrarão modos de restringir drasticamente a cobertura para cuidados com pacientes ambulatoriais.
A década de 1987 a 1997 trouxe mudanças extraordinárias sobre
como a depressão era tratada nos Estados Unidos, tendências que muito provavelmente continuaram desde então. O percentual de pessoas
sendo tratadas por depressão triplicou naquele período, de menos de
um por cento a 21-3 por cento (enquanto o número de pessoas recebendo tratamento de qualquer outro tipo realmente diminuiu levemente).
Mas, todo esse crescimento foi devido ao aparecimento de novas drogas no mercado. Em 1987, 37 por cento das pessoas em tratamento
contra a depressão estava tomando antidepressivos; em 1997, o percentual subiu para 75 por cento. Nesse meio tempo, a proporção que
recebia também psicoterapia diminuiu de 70 para 60 por cento e o número médio de sessões de terapia também diminuiu12. Os SSRI (a nova
classe de antidepressivos – Prozac, Zoloft, Paxil, Celexa, Lexapro) não
estavam, em geral, disponíveis em 1987, mas dentro de dez anos eles
estavam sendo prescritos para quase 60 por cento dos pacientes. Por
volta de 1988, mais de 130 milhões de prescrições de antidepressivos
foram feitas a cada ano nos Estados Unidos e o Prozac, Paxil e Zoloft
estavam entre as seis drogas de qualquer tipo mais vendidas13. Por volta
de 2004, um terço das consultas de mulheres aos médicos resultou na
prescrição de um antidepressivo14. Em 2005, 10 por cento da população americana estava tomando um antidepressivo15. Aqui você tem a
intercessão de dois fatores: a propaganda direta ao consumidor (e todo
o alvoroço da mídia a respeito) sobre os novos antidepressivos e o advento da assistência administrada, que muitas vezes requer tratamento
por um médico (não um psiquiatra) e reembolsa menos a psicoterapia.
Muitos especialistas concordam que o tratamento com a medicação e a
psicoterapia combinados é melhor, mas muito pouca pesquisa está sendo conduzida sobre tratamento combinado porque, nos Estados Unidos, as empresas farmacêuticas financiam a pesquisa e elas não estão
interessadas em dar apoio a essa conclusão. Então, a psicoterapia para
depressão se tornou a exceção e uma prescrição do seu médico clínico
se tornou a norma. A depressão se tornou química e não houve necessidade de examinar o stress em sua vida.
Então, começaram a pingar notícias de que os medicamentos não
eram tão eficazes, afinal. Aprendemos que em seus testes, eles se mos16
Entendendo a depressão
travam levemente melhores que pílulas de açúcar, que os testes usavam
medidas designadas para exagerar o sucesso dos medicamentos e no
geral, ao longo do tempo, muitas pessoas recaíam. Aprendemos que os
efeitos colaterais eram muito mais pervasivos e graves do que fomos
levados a acreditar e subsequentemente percebi que a depressão não
pode ser combatida como um desequilíbrio químico.
Apesar de maior consciência e todas as pílulas descritas, a depressão
permanece espantosamente subdiagnosticada. Aquele mesmo estudo
mostrando a notável expansão no tratamento ainda observa que muitas
pessoas com depressão não recebem nenhum tratamento. Muitas pessoas não percebem que têm depressão. Quando eu trabalhava em nosso
centro comunitário de saúde mental na parte rural de Connecticut, nós
atendíamos duas ou três pessoas a cada semana com problemas de insônia e outros sintomas físicos, sentindo-se ansiosas e sobrecarregadas,
que tinham perdido a ambição e a esperança, se sentiam sozinhas e
alienadas, eram atormentadas por culpa ou pensamentos obsessivos,
que podiam até ter tido pensamentos de suicídio – mas não chamavam
tudo isso de depressão. Elas só concluíam que a vida cheirava mal e
não havia nada que pudessem fazer a respeito. Elas iam aos seus médicos por dor e sofrimentos, falta de sono, perda de energia e conseguiam
uma prescrição inútil ou procedimento médico ou eram dispensadas
como hipocondríacas. Elas podiam medicar a si mesmas com álcool
e drogas. Suas famílias não sabiam como ajudar; nem simpatia nem
moralização pareciam ter qualquer efeito. Dessa forma, a pessoa depressiva era pega por um círculo vicioso de onde não parecia haver
saída. Vida como essa cheirava mal, especialmente quando você acusa
a si mesmo e não percebe ter uma doença.
A depressão não tratada danificará o curso da sua vida. Somente a
metade dos homens com depressão grave estabelecida cedo (antes dos
vinte e dois anos) provavelmente se casarão e formarão relacionamentos íntimos, comparados a homens que têm a depressão instalada mais
tarde (ou não a tiveram). Só metade das mulheres com a depressão
instalada cedo provavelmente se formarão em faculdade, comparadas
às suas contrapartidas femininas, e seus ganhos anuais futuros serão
substancialmente mais baixos16.
A tragédia real é que na saúde mental, onde há tão pouco que podemos fazer para ajudar, a depressão é uma coisa que pode ser trata17
Entendendo a depressão
da eficiente e eficazmente. Muitos estudos e pesquisas não distorcidas
mostraram que o tratamento funciona. Muitas pessoas melhoram rapidamente; porém, embora a recuperação total seja um processo lento e
desafiador, está bem dentro de nosso domínio.
Janet foi internada num hospital psiquiátrico num estado agudo
de depressão. Ela estava extremamente perturbada e confusa, não
conseguia organizar seus pensamentos, não conseguia dirigir até o
armazém ou tomar conta dos seus filhos. Estava obcecada por pensamentos e impulsos suicidas, embora não desejasse conscientemente
matar-se. Não conseguia dormir, sentia-se sem esperança e sem ajuda
e tinha perdido todo interesse nas atividades comuns. Estava convencida de estar perdendo sua consciência. Isso parecia ter começado
recentemente quando Janet descobriu que seu marido tinha tido um
caso extraconjugal. Embora ele estivesse envergonhado de si mesmo
e garantisse a ela que isso nunca ocorreria novamente, o mundo dela
parecia que entraria em colapso. Em algumas semanas, sua capacidade de funcionar tinha se deteriorado dramaticamente. Seu marido a
levou ao médico da família e juntos conseguiram uma internação na
emergência. Após uma semana na área psiquiátrica, Janet se sentia
muito melhor. Pouco antes de ela estar pronta para a alta, ela foi para
casa para passar um fim de semana. Sua visita foi tranquila até que
Janet descobriu uma carta que a amante do seu marido tinha escrito
enquanto estava no hospital. Novamente ele tentou afirmar que o caso
tinha terminado. Mas a sua condição piorou dramaticamente e ela ficou muitas semanas a mais no hospital.
A depressão é uma condição fascinante. Vale bastante a pena pensar
nela como uma doença. A química das pessoas com depressão é diferente das outras pessoas e é possível encontrar as mesmas diferenças
bioquímicas nos cérebros dos animais que parecem “depressivos”. Em
longo prazo, a depressão parece resultar em perda de células cerebrais
e o encolhimento de certas partes do cérebro (ver Capítulo 4). No nível
humano, ajudar as pessoas a entender que elas têm uma doença pode
libertá-las de boa parte da culpa e autoacusação que acompanham a
depressão. Elas podem aprender modos diferentes de reagir ao stress e
aprender a tomar medidas de forma que o perigo de futuros episódios
18
Entendendo a depressão
possa ser grandemente reduzido.
Mas, se é uma doença, como nós podemos perceber isso? Se o marido de Janet não tivesse tido um caso, ela teria tido depressão? Não
havia nada nela que sugerisse suscetibilidade à depressão antes dela
ficar doente. Agora Janet pensa ter tido um colapso; agora ela pensa
sobre si mesma como uma paciente mental – mas isso não foi por que
seu marido era um canalha? A depressão estava em Janet ou no seu casamento? Se estava no seu casamento, como as pílulas que Janet tomou
a ajudaram a se sentir mais competente e capaz? Se estava em Janet, a
depressão é a parte dela mesma que vê a verdade mais claramente do
que Janet e seu marido poderiam admitir?
Muitas pessoas que tiveram uma experiência verdadeira com a depressão não tiveram nenhum problema em acreditar que algo de natureza bioquímica teria acontecido a elas. A mudança de humor, o modo
como o ser e o mundo são percebidos parece tão profundo e esmagador
que parece que a pessoa foi invadida por um ser alienígena. Não nos
sentimos como nós mesmos. Algo muito poderoso, algo vindo de fora
nos invadiu e nos mudou.
Mas, muitas pessoas que estão enfrentando sua primeira experiência
com a depressão também reconhecem que esse sentimento que parece
tão estranho também é audivelmente familiar. Elas se lembram de muitos momentos de sua infância e adolescência, quando se sentiram do
mesmo jeito: sós, desamparadas e sem amigos. Elas podem se lembrar
de seus pais como gentis e amorosos, mas imaginam porque não se sentiam amadas. Elas podem ter acreditado que tinham que ser perfeitas
e podem ter tentado arduamente, mas falharam e sentiram novamente
a inutilidade de seus esforços. Como adultos, elas podem ter pensado
que se livraram dela, mas ei-la aí novamente. Winston Churchill se referia a essa depressão como o “cachorro negro” – a besta familiar que
silenciosamente se encolhe aos nossos pés, à noite.
A depressão é uma doença na mente e no corpo, no presente e no
passado. Agora, na psiquiatria, enfrentamos batalhas contínuas entre
campos opostos, os que querem tratar o cérebro e os que querem tratar
a mente – e os interessados na mente estão perdendo a batalha17. O lado
que quer tratar o cérebro tem todo o suporte da Big Pharma, da medicina tradicional e da mídia mirabolante. Mas sua pesquisa é quase sempre superficial. Infelizmente o paciente é pego no meio do caminho. O
19
Entendendo a depressão
médico da família, apoiado pela indústria farmacêutica, tende a dizer:
“tome esta pílula” – mas quando ela não funciona, o paciente tem outra
à disposição, numa longa fileira de falhas para acrescentar à sua bagagem. O profissional de saúde mental tende a dizer: “vamos falar sobre
isso” – e o paciente tende a se sentir desamparado, mal entendido, por
que simplesmente falar alivia um sofrimento tão terrível?
Isso não é uma questão disso ou daquilo. Ambos os modos de pensar são verdadeiros. A psicoterapia e os medicamentos produzem mudanças semelhantes no funcionamento do cérebro18. Há um processo
bioquímico na depressão, mas o indivíduo tem se tornado suscetível à
depressão através das experiências da vida. O episódio atual pode ser
precipitado por um evento externo, mas o evento colocou em movimento uma mudança no modo com que o cérebro funciona.
Quando tinha seus trinta anos Robert ficou na cama por catorze meses. Ele estava profundamente depressivo, embora não o percebesse.
Um homem altamente intelectualizado, sua mente se preocupava com
questões sobre o significado da vida. Incapaz de encontrar uma razão
para viver, ele não via nenhuma razão para se levantar. Ele não se
sentia conscientemente deprimido, ele só se sentia vazio. Sua esposa
fez tudo que podia para tirá-lo da cama – trouxe médicos, membros
da família, apelou para seus deveres com os filhos. Isso se tornou uma
disputa amarga entre eles. Finalmente, um dia depois de sua esposa ter
desistido, Robert decidiu se levantar e voltar ao trabalho.
Eu conheci Robert quinze anos mais tarde. Ele tinha tido outros episódios em que ele ia para a cama por semanas, mas nunca por tanto
tempo. Ele e sua esposa tinham estado separados por alguns anos,
quando ela finalmente cansou de sua frieza.
Robert veio para tratamento porque temia ter uma recaída para seus
velhos hábitos. Ele vivia sozinho então, numa casa literalmente abarrotada com velharias. Havia dias em que ele não conseguia sair da
cama. Quando o fazia, ele adiava tudo e não conseguia realizar nada.
Ele tinha problemas com sua esposa, que parecia resolvida a promover
uma desagradável batalha pelo divórcio. Ele ainda não via absolutamente nenhum propósito para viver, mas queria resolver o divórcio.
Ele era decididamente contra medicamentos de qualquer tipo e já que
nunca entrou num episódio depressivo grave enquanto trabalhamos
20
Entendendo a depressão
juntos, eu não o pressionei.
Robert tinha exatamente a base familiar tão comum entre homens
depressivos: um pai crítico, distante, hostil e uma mãe superficial e
narcisista. Ele sentia que nunca poderia satisfazer seu pai ou interessar sua mãe. Porque os filhos nunca conseguem ver seus pais objetivamente; eles tornam o modo de seus pais os tratarem, parte de si
mesmos; se você é tratado como poeira por muito tempo, você começa
a se sentir como poeira. Ao invés de entender que o pai é muito crítico,
a criança vivencia a si mesma como inadequada; ao invés de entender
que a mãe é fria, a criança vivencia a si mesma como não amável.
Esses sentimentos persistem na fase adulta como a base da depressão
caracteriológica, uma existência sem esperança ou alegria.
Eu decidi tentar trabalhar com as partes fortes de Robert: sua inteligência, sua intelectualizada curiosidade sobre o significado da vida
e seu reconhecimento que o mundo dos sentimentos era um território
estrangeiro. Sugeri que ele fizesse algumas leituras para que pudesse
entender melhor sua própria condição. Robert ficou fascinado com o
livro de Alice Miller, Prisioneiras da Infância19, entendendo que ela
descrevia seus pais e sua infância com precisão perfeita. Ele aprendeu
que a depressão não é um sentimento, mas a incapacidade de sentir.
Ele começou a aprender que quando sentia vontade de ir para a cama,
isso era a resposta a algum evento interpessoal. Ele queria aprender
melhores modos de responder.
Eventualmente Robert começou um relacionamento com Betty. Com
a permissão de Robert, Betty veio ver-me; sua devoção a ele era óbvia,
mas tive especial prazer de ver sua abordagem de “amor resistente”.
Ela ajudou a educar Robert a respeito de sentimentos. Quando ele se
tornava agressivo, ela não o deixava recuar. Ela arreliava e brincava
com ele para tirá-lo de sua frieza. Por seu lado, ele estava tão comovido pelo evidente amor dela que não se permitia agir como um iceberg
indiferente, autoabsorvido, que costumava ser. Ao invés de ruminar
sobre o significado da vida, pela primeira vez ele começou a aproveitar a vida.
A crise na terapia veio após alguns meses. Betty decidiu ir embora de
nossa pequena cidade, onde não havia trabalho disponível. Ela tinha
família em outro estado que a ajudaria a produzir um novo começo.
Robert poderia ir também. Mas ele foi pego num pensamento obsessi21
Entendendo a depressão
vo. Ele ficou apavorado de que sua mulher pudesse romper e roubar
algo que ele não queria que ela tivesse. Mas Robert sabia intelectualmente que essas preocupações eram realmente triviais, em proporção
com a oportunidade que ele tinha. Com essa nova compreensão sobre
a depressão, ele pôde ver que estava deslocando sua ansiedade sobre
mudança e comprometimento para coisas aparentemente mais simples.
Ainda era muito difícil para ele deixar fluir. Eu tive que fazê-lo imaginar em detalhes o que seria sua vida sem Betty.
Vi Robert novamente três anos depois. Ele estava na cidade para outra audiência do seu divórcio, que continuava a se arrastar. Ele e Betty
estavam vivendo juntos e ele estava trabalhando e feliz. Por no mínimo
três anos, não houve nenhum sinal de sua depressão.
O que ajudou tanto Robert? Foi a terapia, seu relacionamento com
Betty ou algo mais? Quão destrutivo foi seu casamento? Sua retirada
para a cama era, no mínimo parcialmente, um esconderijo das reclamações de sua mulher. Os medicamentos o teriam ajudado mais cedo, ou
ajudado de modo ainda mais eficaz?
Para entender a depressão, deveríamos nos perguntar o que ocorreu
com Robert e Janet que os fez responder ao stress da vida do modo que
fizeram? Isso é o que os diferencia de outras pessoas.
Muitas esposas na situação de Janet teriam questionado seu casamento, não a si mesmas. Outras poderiam ter ignorado o caso de seu
marido. O que tornou Janet tão vulnerável? Como Robert pôde ficar tão
imobilizado por tanto tempo e então, um dia, ter pulado fora disso? Até
que ponto sua frieza, sua incapacidade de sentir, que parecia tanto uma
parte dele, contribuiu para sua depressão?
William Styron, autor de Escolha de Sofia e ganhador do Prêmio
Livro Nacional, escreveu Escuridão Visível para descrever sua própria
crise depressiva. Ele se referiu à sua experiência como “loucura”, sentindo que a palavra “depressão” é simplesmente uma expressão inadequada da experiência – “uma verdadeira mixaria de palavra para uma
doença tão importante...”. Ele disse que “quando o desequilíbrio de humor de alguém evolui para uma tempestade – uma verdadeira e enorme
tempestade no cérebro, que é de fato o que a depressão clínica parece
mais que tudo – mesmo o leigo desinformado pode mostrar simpatia,
ao invés da reação padrão que ‘depressão’ evoca, algo como ‘E então?’
22
Entendendo a depressão
ou ‘Você vai sair dessa’ ou ‘Todos temos dias melhores’20.”
Styron estava certo. As pessoas sentem vergonha de estarem depressivas, sentem que podiam “sair dessa”, sentem-se fracas e inadequadas.
Claro, esses sentimentos são sintomas da doença. A depressão é uma
doença grave com risco de vida, muito mais comum do que reconhecemos. Já que os depressivos são fracos e inadequados, deixe-me listar
os nomes de alguns depressivos famosos: Abraham Lincoln, Winston
Churchill, Eleanor Roosevelt, Sigmund Freud, Terry Bradshaw, Drew
Carey, Billy Joel, T. Boone Pickens, J. K. Rowling, Brooke Shields,
Mike Wallace, Charles Dickens, Joseph Conrad, Graham Greene, Ernest Hemingway, Herman Melville e Mark Twain.
A depressão é responsável por grande parte do negócio na maioria
das práticas com pacientes ambulatoriais. Em nossa clínica, podíamos
ver uma grande diferença entre o autorrelatório e o diagnóstico; somente 12 por cento das pessoas nos contavam, quando nos procuravam pela
primeira vez, que a depressão era seu problema primário, mas 45 por
cento de nossos pacientes terminavam com um diagnóstico de alguma
forma de desequilíbrio por depressão. As pessoas não nos procuravam
por terem consciência de estarem depressivas, mas porque a depressão
alcançou o ponto de colocar suas vidas em crise – problemas conjugais,
problemas com drogas ou álcool, problemas no trabalho. Mas podíamos ver alguém que parecia triste, cansado e derrotado, não podia
dormir, era irritável, sem esperança e se acusava por essa situação. A
depressão muitas vezes vai crescendo em nós, tão lentamente, que nem
nós, nem as pessoas mais próximas de nós percebemos a mudança,
enquanto que um observador objetivo a detecta de imediato. Quando
pela primeira vez decidi tentar os medicamentos e consultei um psiquiatra que me conhecia socialmente, perguntei-lhe se ele pensava que
eu poderia ser depressivo. Ele se surpreendeu de que eu não soubesse.
A depressão na maioria das vezes derruba jovens adultos, mas 10
por cento de todas as crianças sofrem um episódio de depressão antes
dos doze anos e 20 por cento dos idosos relatam sintomas depressivos.
Tanto as crianças quanto os idosos são espantosamente subtratados.
Estima-se que seis milhões de idosos sofram de alguma forma de depressão, mas três quartos desses casos são mal diagnosticados e subtratados, apesar da rotina regular de cuidados médicos. A depressão
nos idosos tende a ser considerada como inevitável, mas de fato ela é
23
Entendendo a depressão
causada mais por saúde frágil e dificuldade de dormir do que tristeza,
perda e isolamento. Entre os idosos que cometem suicídio, quase três
quartos consultam um médico uma semana antes de morrer, mas só em
25 por cento desses casos o médico reconhece uma depressão21. Nas
instalações de cuidados crônicos de longo prazo, muitos dos pacientes
recebem alguma forma de antidepressivos, mas isso acontece por que
estão depressivos, ou os fariam menos sensíveis às suas condições de
vida? Nós os chamamos de depressivos se eles estiverem vendo corretamente que o mundo os trata como inúteis e esquecidos?
Vinte e cinco por cento de todas as mulheres e 11,5 por cento de
todos os homens terão um episódio de depressão alguma vez em suas
vidas. Mas essa incidência baixa relatada entre os homens pode ser
um erro que surge da forma como os diagnosticamos. Os homens são
socialmente proibidos de se expressar ou mesmo de vivenciar os sentimentos associados à depressão. Eles reagem através do abuso de substâncias, violência e comportamento autodestrutivo. Em todos os Estados Unidos, quatro homens cometem suicídio para cada mulher que
o faz, uma reversão dramática das diferenças na depressão relatada22.
Na cultura Amish, onde a reação do macho é malvista, a incidência de
depressão é a mesma em ambos os sexos. Veja o Capítulo 11 para uma
discussão mais detalhada sobre essas diferenças de sexo.
O suicídio, o “pior” resultado da depressão, é oficialmente a décima
maior causa de morte na América23. Há 33.000 suicídios documentados
anualmente, mas a verdadeira incidência é provavelmente o dobro disso (porque a polícia e os examinadores médicos preferem não rotular
as mortes ambíguas, solitárias, como suicídio). Uma de cada duzentas
pessoas eventualmente tirará sua vida. E, embora eu pessoalmente pense que o suicídio possa ser uma escolha racional para as pessoas que
estejam em sofrimento não tratado ou enfrentando uma grande incapacidade, a imprecisão das linhas fronteiriças significa que não temos
dados confiáveis sobre como muitos suicidas são pessoas que estejam
realmente depressivas, versus quantos são “racionais”. Minha experiência diz que muito, muito mais suicidas são realmente depressivos.
Entre os adolescentes, o índice de suicídios quadruplicou nos últimos
vinte e cinco anos. Há alguns anos, numa pequena cidade perto de onde
eu trabalho, houve oito suicídios entre jovens em um ano. Esses eram
normalmente jovens que acabaram de sair da escola, muitas vezes into24
Entendendo a depressão
xicados, normalmente sem “sinais de aviso” antecipados. Uma criança
zangada e amarga com um desapontamento não esperado fica bêbada e
com uma arma à mão é um desastre esperando para acontecer.
Quando eu ainda trabalhava em Chicago, eu conheci Jane, cujo filho de vinte anos atirou em si mesmo enquanto ela dormia no quarto
ao lado. Esse era um jovem que ninguém descreveria como depressivo,
embora fosse um fabricante de problemas. Com um histórico de prisões por pequenos delitos como menor de idade, ele foi enviado a uma
escola reformatória quando tinha quinze anos. Desde sua libertação,
ele tinha vivido dentro e fora da casa de Jane e com amigos. Ocasionalmente trabalhava, bebia muito e provocava brigas. Na noite em que
tirou sua vida, Jimmy teve dois momentos de má sorte que provavelmente o levaram ao limite. Primeiro, ele encontrou sua ex-namorada
numa moradia local; ela se desviou do seu caminho para irritá-lo.
Então ele correu até seu pai em outro bar. Um verdadeiro bêbado da
cidade, seu pai mal reconheceu o filho. Quando conseguiu foi para lhe
pedir dinheiro.
Jimmy voltou para casa por volta da meia-noite. Sua mãe acordou,
levantou-se e falou com ele, perguntando-lhe se precisava de algo. Ele
estava bebendo uma cerveja e lendo uma revista, e tanto quanto Jane
pôde ver, ele estava em sua consciência habitual. Ela voltou para a
cama. Jimmy foi para seu quarto e escreveu um bilhete, mais um testamento que um bilhete de suicida. Ele queria que seu irmão ficasse
com sua moto, sua cobra e seu rifle de caça. Então ele atirou com seu
rifle de caça.
Jane continuamente me pergunta por quê. Eu não poderia dizer-lhe
que o que pensava seria a verdadeira resposta a essa questão, porque
seria muito cruel, mas, em minha opinião, ela e seu filho eram igualmente vítimas da sorte, nada mais. Pegue qualquer amostra de jovens
impulsivos, alcoólatras, cujas vidas não vão a lugar algum, torne-os
bêbados, exponha-os à rejeição e os deixe sós com um revólver. Alguns
deles atirarão em si mesmos. Quais tirarão suas vidas numa certa noite é somente a lei das médias. Eles são depressivos? Certamente o são,
mas não podem admiti-lo ou mostrá-lo.
Jane é como muitas sobreviventes do suicídio que conheci. Você certamente não o vence, mas aprende a viver com ele. Ela mesma foi de25
pressiva durante um ano, tinha terríveis dores de cabeça (um sintoma
psicossomático mimetizando a ferida do seu filho), era incapaz de trabalhar, foi vencida pelo stress e saiu de médico em médico procurando
alívio para sua doença. Medicamentos antidepressivos não ajudaram;
tudo que eu pude fazer foi ouvi-la enquanto se queixava. Mais tarde
suas dores de cabeça se tornaram menos frequentes e ela começou
a ter um pouco mais de energia para organizar sua vida. Penso nela
cada vez que ouço sobre um adolescente suicida.
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