Alguns fatos interessantes sobre os reais - IME-USP
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Alguns fatos interessantes sobre os reais - IME-USP
Alguns fatos interessantes sobre os reais 1 Mostraremos também uma maneira não intuitiva de decompor R3 . As demonstrações requerem apenas fatos básicos sobre números ordinais, cardinais, o teorema da recursão transnita e o princípio da indução transnita. Gabriel Zanetti Nunes Fernandes 1 e Lúcia Renato Junqueira (Orientadora) 2 1 (Aluno) Universidade de São Paulo (USP), Brasil [email protected] 2 Universidade de São Paulo (USP), Brasil [email protected] 1. 2. Introdução O conjunto dos números reais é utilizado em muitos cursos, principalmente nos de exatas. Nossa noção intuitiva do que seja uma reta, que é uma das representações do conjunto dos números reais, parece bastante clara. No entanto a construção e formalização deste conjunto foi feita pela primeira vez apenas em 1858 por Richard Dedekind. Muitas coisas foram desenvolvidas na matemática para se estudar o conjunto dos números reais, como por exemplo: dado um conjunto fechado F ⊆ R, tomando sussecivamente o derivado (i.e o conjunto dos pontos de acumulção do conjunto dado) dos derivados de F , seria possível obter em alguma etapa, um conjunto fechado e sem pontos isolados ou um conjunto vazio? Essa foi a motivação original de George Cantor para o desenvolvimento de sua teoria de números ordinais. Se A0 denota o derivado de um conjunto A tomamos : F (0) = F , F α+1 = (F (α) )0 , T F (α) = ξ<α (A(ξ) )0 (α um ordinal limite ). É possível mostrar que para se obter um conjunto fechado sem pontos isolados ou um conjunto vazio, basta repetir este processo de tomar o derivado do conjunto uma quantidade no máximo enumerável de vezes. Apresentaremos neste trabalho alguns resultados sobre a cardinalidade de conjuntos relacionados ao conjuto dos números reais, como por exemplo a cardinalidade do conjunto das funções contínuas de R em R e a cardinalidade dos conjuntos fechados de R. Apresentaremos também um enunciado equivalente à Hipótese do Contínuo. Para mostrar um pouco da complexidade do contínuo construiremos alguns subconjuntos interessantes de R, R2 e R3 , dentre eles alguns com propriedades aparentemente paradoxais. 1 Este trabalho foi orientado pela Profa. Dra. Lúcia Renato Junqueira e teve o apoio nanceiro do CNPQ. Preliminares Aqui apresentaremos algumas das denições princiapais para a compreensão do texto, juntamente com alguns teoremas que serão usados com frequência nas demonstrações. Denição 2.1. Uma relação ≺ é uma ordem parcial sobre um conjunto A quando satisfaz : (i) x≺y e y≺z (ii) x ≺ y ⇒ x ≺ z, ⇒ y 6≺ x. Denição 2.2. Uma ordem parcial ≺ é uma ordem linear em um conjunto A se e somente se para todo x, y ∈ A temos : x ≺ y ou y ≺ x ou x = y . Denição 2.3. Uma relação ≺ é uma boa ordem em um conjunto A se e somente se ≺ é uma ordem linear e para todo conjunto S ⊆ A existe m ∈ S tal que para todo y ∈ S\{m} temos m ≺ y . Denição 2.4. Um conjunto T é transitivo se e somente se para todo t ∈ T temos t ⊆ T . Denição 2.5. Um conjunto α é um ordinal se e somente se α é bem ordenado por ∈ e α é transitivo. Teorema 2.6 (Princípio da Indução Transnita ). Dado um conjunto A bem ordenado e uma propriedade P tal que : P (µ) vale, onde µ = minA , para α ∈ A, se vale P (β) para todo β ≺ α então vale P (α) . Então para todo α ∈ A temos que vale P (α). Demonstração. Considere um conjunto A bem ordenado. Dada uma propriedade P como na hipótese do teorema, vamos mostrar que P (α) vale para todo α ∈ A. Para isso suponha que B = {α ∈ A | ¬P (α)} = 6 ∅ e tome η = minB . Como para todo α ≺ η temos que P (α) vale, então por hipótese temos que vale P (η), uma contradição. Portanto para todo α ∈ A vale P (α). 131 Teorema 2.7 (Teorema da Recursão Transnita). Seja Z um conjunto, α um ordinal e F a família de todas as ξ -sequências para ξ < α com valores em Z , S ou seja F = ξ<α Z ξ . Então para cada função h : F → Z existe precisamente uma função f : α → Z tal que : f (ξ) = h(f ξ ) para todo ξ < α. Vamos agora dar algumas denições relacionadas a cardinalidade de conjuntos. Denição 2.8. Dados A, B conjuntos, dizemos que A tem a mesma cardinalidade que B se e somente se existir uma função f : A −→ B bijetora e escrevemos | A | = | B |. Quando não existir tal função dizemos que a cardinalidade de A é diferente da cardinalidade de B e escrevemos | A | = 6 | B |. Denição 2.9. Sejam A e B conjuntos. Dizemos que a cardinalidade de A é menor ou igual a cardinalidade de B se e seomente se existir f : A −→ B injetora. Escrevemos | A | ≤ | B |. Denição 2.10. Seja α um ordinal. Dizemos que α é um cardinal se e somente se para todo β < α, temos | β | = 6 | α |. Os seguintes teoremas serão usados muito frequentemente nas demonstrações presentes neste texto. Teorema 2.11 (Bernstein-Cantor). Sejam A e B conjuntos. Então se |A| ≤ |B| e |B| ≤ |A| então |A| = |B| . Teorema 2.12. Seja A um conjunto innito. Então |A| = |A × A|. 3. Demonstração. Considere hpn | n ∈ Ni uma enumeração dos elementos de P e hqn | n ∈ Ni uma enumeração dos elementos de Q. Dizemos que uma função h de um subconjunto P em Q é um isomorsmo parcial de P em Q se vale p ≺ p0 se e somente se h(p) < h(p0 ), para todo p, p0 ∈ domh. Precisamos do seguinte fato : Se h é um isomorsmo parcial de P em Q tal que domh é nito, dados p ∈ P e q ∈ Q, existe um isomorsmo parcial hp,q tal que h ⊆ hp,q e p ∈ domhp,q e q ∈ Imhp,q . Prova da armação: Seja h = {(pi1 , qi1 ), ..., (pik , qik )} onde pi1 ≺ pi2 ≺ pik e qi1 < qi2 < qik . Se p ∈ / domh , temos então p ≺ pi1 ou pie ≺ p ≺ pie+1 para algum 1 ≤ e ≤ k, ou pik ≺ p. Tome então o menor número natural n tal que qn esteja na mesma relação com qi1 , qi2 , ..., qik . Podemos tomar tal qn pois < é uma ordem linear densa em Q e Q é não limitado. Assim h0 = h ∪ {(p, qn )} é um ismorsmo parcial. Se q ∈ / Imh nós repetimos o processo porém agora no conjunto P onde obteremos pm tal que h(p,q) = h0 ∪ {(pm , q)}. Assim a armação está provada. Podemos agora construir uma sequência de isomorsmos por recursão tal que : h0 = ∅, hn+1 = (hn )pn ,qn , onde (hn )pn ,qn é como na armção acima. S Então h = n∈N hn será um isomorsmo entre (P, ≺) e (Q, <) Existem diversas maneiras de provar que o conjunto dos números reais é não enumerável, além da que vamos apresentar abaixo. Teorema 3.4. O conjunto A cardinalidade do contínuo não enumerável. Vamos precisar das seguintes denições : R dos números reais é (A, ≺), sendo ≺ uma ordem linear em A, dizemos que ≺ é uma ordem linear densa em A se e somente se para todo x, y ∈ A existe z ∈ A tal que x ≺ z ≺ y . Demonstração. (R, <) onde < é a ordem usual de R é uma ordem densa linear tal que R é não limitado. Se R fosse enumerável , (R, <) seria isomorfo a (Q, <) pelo teorema anterior. Uma contradição pois R é completo e Q não é completo. Denição 3.2. Dados (A, ≺) e B ⊆ A, se para todo Teorema 3.5. Denição 3.1. Dado x, y ∈ A existe z ∈ B tal que x ≺ z ≺ y , dizemos então que B é denso em A. O próximo resultado nos dá uma caracterização para Q. Teorema 3.3. Sejam Demonstração. Para cada S ⊆ N dena a função carcterística de S , χS : N → {0, 1}, da seguinte maneira: (P, ≺) e (Q, <) conjuntos enumeráveis linearmente ordenados e não limitados, tais que ≺ e < sejam ordens lineares densas respectivamente em P e Q. Então (P, ≺) e (Q, <) são isomorfos. | P (N) | = | 2N | = | R | . χS (n) = 0 1 se n ∈ S se n ∈ /S É facil vericar que a correspondência entre os subconjuntos de N e as funções características é uma função injetora de P(N) em {0, 1}N . 132 Para completar a prova, nós mostraremos que |R| ≤ |P(N)| e também |2N | ≤ |R| e aplicaremos o teorema de Bernstein-Cantor. (a) Considere a construção dos números reais através dos cortes em Q. A função que leva cada número real r = (A, B) no conjunto A ⊆ Q é uma função injetora de R em P(Q). Assim |R| ≤ |P(Q)| e portanto |R| ≤ |P(N)|. (b) Para provar |2N | ≤ |R| nós usamos a representação decimal dos números reais (usando séries). A função que associa a cada sequência innita l ∈ 2N o único número real cuja expansão decimal corresponde a l é uma função injetora de 2N em R. Portanto |2N | ≤ |R|. O próximo teorema será usado várias vezes na demonstração de outros teoremas do texto. Teorema 3.6. Se A é um subconjunto enumerável de B e |B| = 2ℵ0 , então |B − A| = 2ℵ0 . Demonstração. Podemos assumir sem perda de generalidade que B = R × R. Seja P = {x ∈ R : (x, y) ∈ A para algum y ∈ R}. Como |A| = ℵ0 temos que |P | ≤ ℵ0 . Assim existe x0 ∈ R tal que x0 ∈ / P . Portanto X = {x0 }×R é disjunto de A e como |X| = |R| concluímos que 2ℵ0 ≤ |R − A|, logo |R − A| = 2ℵ0 . Teorema 3.7. (a) O conjunto de todos os números irracionais tem cardinalidade 2ℵ0 . (b) O conjunto de todos os conjuntos innitos de números naturais tem cardinalidade 2ℵ0 . (c) O conjunto de todas as bijeções de N em N tem cardinalidade 2ℵ0 . Demonstração. (a) É claro que |R\Q| ≤ 2ℵ0 . Pelo teorema anterior e de |Q| = ω , concluímos que 2ℵ0 ≤ |R − Q|. (b) P(N) tem cardinalidade 2ℵ0 e o conjunto de todos subconjuntos nitos de N é enumerável. Portanto, novamente pelo teorema anterior, temos o resultado. (c) Seja P o conjunto de todas as funções bijetoras de N em N. Como P ⊆ NN , claramente |P | ≤ 2ℵ0 Considere então E e O o conjunto dos números pares e o conjunto dos números ímpares, respectivamente. Se X ⊆ E for innito, dena : fX (2k) = o k-ésimo elemento de X (k ∈ N) fX (2k + 1) = o k-ésimo elemento N − X (k ∈ N). Note que O ⊆ N − X . Portanto N − X é innito e fX é uma bijeção de N em N. Como X1 6= X2 implica em fX1 6= fX2 , temos então uma função injetora do conjunto dos subconjuntos innitos de N em P . Do ítem (b) segue então que 2ℵ0 ≤ |P |. Teorema 3.8. (a) O conjunto de todas as funções contínuas de R em R tem cardinalidade 2ℵ0 . (b) O conjunto de todos os subconjuntos abertos de números reais tem cardinalidade 2ℵ0 . Demonstração. (a) Usaremos o fato de que dadas funções contínuas f e h de R em R, temos que se fQ = hQ então f = h. Seja C o conjunto das funções contínuas de R em R, denia g : C → RQ por g(f ) = fQ . Temos então que a função g : C → RQ é uma função injetora. Assim |C| ≤ |RQ | = 2ℵ0 . Por outro lado se considerarmos apenas as funções constantes ca claro que 2ℵ0 ≤ |C|. (b) Este resultado segue do fato de que todo subconjunto aberto de R pode ser escrito como a união de uma família de intervalos abertos com extremos racionais. Como existem ℵ0 intervalos abertos com extremos racionais, concluímos que podem haver no máximo 2ℵ0 = |P(Q2 )| abertos. Por outro lado temos que se a, b ∈ R, a 6= b, então ]a, ∞[ 6= ]b, ∞[, ou seja, existem no mínimo 2ℵ0 conjuntos abertos. Teorema 3.9. A cardinalidade do conjunto das funções de R em R é 22 0 . ℵ Demonstração. A cardinalidade de RR é (2ℵ0 )2 ℵ0 ℵ0 2ℵ0 ·2 = 22 . 3.1 ℵ0 = A hipótese do contínuo (HC) Cantor foi o primeiro a trabalhar com questões sobre a cardinalidade dos conjuntos provando que o conjunto dos números naturais não é equipotente ao conjunto dos números reais. Após demonstrar este fato, ele levantou a seguinte hipótese: (HC): Todo subconjunto innito de R ou é enumerável ou é equipotente à R, ou seja 2ℵ0 = ℵ1 . Em 1939, HC foi demonstrada ser irrefutável, a partir de ZFC, por Kurt Gödel. Ou seja, ele mostrou que não seria possível, assumindo ZFC provar a negação da Hipótese do Contínuo. Em 1963 Paul Cohen provou que não é possível assumindo ZFC, provar HC. Uma questão intrigante é a possibilidade de se construir modelos de ZFC em que a cardinalidade de R seja tão grande quanto se queira. O estudo dos enunciados equivalentes a HC em alguns casos ajudam a avaliar quão intuitiva ou não é a hipótese. O seguinte resultado é uma equivalência de HC, que foi mostrada por Sierpinski em 1919. 133 Na demonstração a seguir denotaremos os seguintes conjuntos {x ∈ R : hx, yi ∈ R2 } e {y ∈ R : hx, yi ∈ / A} por Ay e (R\A)x , respectivamente. Teorema 3.10. HC é equivalente a existência de um conjunto A ⊆ R2 tal que |Ay | ≤ ω e |(R\A)x | ≤ ω para todo x, y ∈ R. Demonstração. Assuma HC e considere ≺ uma boa ordem de R tal que (R, ≺) ' (ω1 , ∈). Considere A = {(x, y) ∈ R2 : x ≺ y}. Temos que Ay = {x ∈ R : hx, yi ∈ R2 } = {x ∈ R : x ≺ y}. Assim para todo y, Ay é um segmento inicial de (R, ≺) e portanto |Ay | ≤ ω . Analogamente para todo x ∈ R, (R\A)x = {y ∈ R : hx, yi ∈ / A} = {y ∈ R : y ≺ x}, ou seja, (R\A)x é um segmento inicial de (R, ≺), logo |(R\A)x | ≤ ω . Para mostrar a outra implicação, suponha que ω1 < |R|. Seja A ⊆ R2 tal que |Ay | ≤ ω para todo y ∈ R. Vamos mostrar que existe x ∈ R tal que ω < |(R\A)x |. S Tome para isso Y ⊆ R tal que |Y | = ω1 . Seja X = y∈Y Ay . Assim |X| ≤ ω1 , pois X é uma reunião de ω1 conjuntos enumeráveis. Tomando x ∈ R\X temos hx, yi ∈ / A para todo y ∈ Y . Logo {x} × Y ⊆ R2 \A e portanto Y ⊆ (R2 \A)x , o que implica que ω < ω1 ≤ |(R2 \A)x |. Apresentaremos abaixo mais uma equivalência da Hipótese do Contínuo porém sem sua demonstração. Denição 3.11. Chamamos f : R → R2 de uma função de Peano se f [R] = R . 2 Teorema 3.12 (Morayane). [3] A Hipótese do Con- tínuo é equivalente à existência de uma função de Peano F = (f1 , f2 ) tal que, para todo x ∈ R, existe f10 (x) ou existe f20 (x).2 4. Alguns subconjuntos de R, R2 e R3 Nesta seção construiremos conjuntos com propriedades interessantes. O teorema abaixo prova a existência de um subconjunto A de R2 , tal que toda seção vertical A ∩ ({x} × R) possui só um elemento e toda seção horizontal Ay é um conjunto denso em R. Teorema 4.1. Existe um subconjunto A ⊆ R2 , tal que para todo x, y ∈ R temos que A = {x ∈ R : (x, y) ∈ A} é denso em R e |A ∩ ({x} × R)| = 1. y 2 Veja também uma demosntração em [4]. Demonstração. Vamos construir o conjunto com as propriedades desejadas usando recurção. Para isso vamos reduzir o problema de forma que que mais fácil para fazer esta construção. Como queremos que Ay seja denso em R precisamos que A ∩ ]a, b[ 6= ∅ para todo intervalo ]a, b[ na reta. Sendo assim tome F = { ]a, b[×{y} : (a, b, y ∈ R) ∧ (a < b)} e {Jδ : δ < 2ℵ0 } uma enumeração de F . Queremos construir A tal que: (i) A ∩ Jδ 6= ∅ para todo δ < 2ℵ0 ; (ii)|A ∩ [{x} × R] | = 1 para todo x ∈ R. Considere então uma sequência S = h(xδ , yδ ) : δ < ξi tal que Jδ ∩ S 6= ∅ para todo δ < ξ e |S ∩ ({x} ∩ R)| ≤ 1 para todo x ∈ R. Queremos provar que existe (xξ , yξ ) ∈ R2 tal que (S ∪(xξ , yξ ))∩Jξ 6= ∅ e |(S ∪ (xξ , yξ )) ∩ ({x} × R)| ≤h1 para todo x ∈ iR. S Para isso note que |Jξ ∩ {x } × R | ≤ δ δ<ξ ∗ ∗ |ξ| < então tomar (x , y ) ∈ hS|R| = |Jξ |. Podemos i Jξ \ δ<ξ {xδ } × R . Denimos (x∗ , y ∗ ) = (xξ , yξ ). Temos então, pelo teorema da recursão, que existe uma sequência A0 = h(xδ , yδ )iδ<2ℵ0 com A0 ∩ Jδ 6= ∅ para todo δ < 2ℵ0 e |A0 ∩ ({x} × R)| ≤ 1 para todo x ∈ R. Para nalizar a demonstração tomamos A = A0 ∪ A1 onde A1 = {(x, 0) ∈ R2 : A0 ∩ [{x} × R] = ∅}. Note que na demonstração do teorema acima listamos os objetos e supomos que havia uma sequência construída até certo ponto. Então indutivamente adicionamos um novo par ordenado à sequência de forma que ainda fossem preservadas as condiçõesconcluímos do enunciado. Esse tipo de técnica é chamada técnica de diagonalização. Nos próximos três teoremas daremos mais exemplos de como utilizar esta técnica. No próximo teorema construiremos um conjunto A ⊆ R que intersecta todas as linhas retas em exatemente dois pontos. Para isso iremos listar todas as linhas retas do espaço e a cada passo da construção do conjunto, garantir que a reta correspondente àquele passo tem exatemente dois pontos pertencentes a A de forma que não hajam três pontos colineares em A. Teorema 4.2. Existe um subconjunto A do plano R2 que intersecta toda linha reta do plano em exata- mente dois pontos. Demonstração. Seja {Lξ : δ < 2ℵ0 } uma enumeração de todas as linhas retas de R2 . Vamos construir por indução transnita uma sequência {Aξ : ξ < 2ℵ0 } satisfazendo: (I) ASξ tem no máximo dois pontos ; (P) δ≤ξ Aδ não tem 3 pontos colineares ; 134 (D) δ≤ξ Aδ contém S precisamente 2 pontos de Lξ . Note que A = ξ<2ℵ0 Aξ satisfaz o enunciado pois (P) nos dá que cada linha Lξ tem no máximo dois pontos em A e (D) nos dá que A tem ao menos 2 pontos de Lξ . Basta mostrar então que é possível construir Aξ para todo ξ < 2ℵ0 . Para isso assuma que a sequência {Aδ : δ < ξ} esteja construída e satisfaça (I), (P) e (D). S Temos por (I) que B = δ<ξ Aδ é tal que | B | < 2ℵ0 . Analogamente a família G de todas as retas contendo dois pontos de B é tal que |G| ≤ |B 2 | < 2ℵ0 . Note que, por (P), |B ∩ Lξ | ≤ 2. Assim se, |B ∩ Lξ | = 2 tomamos A Sξ = ∅. Se |B S ∩ Lξ | = 1 ou |B∩Lξ | = 0, temos que | G∩Lξ | = | L∈G Lξ ∩L| ≤ |G| < 2ℵ0 , pois L ∈ G implica S que | L ∩ Lξ |≤ 1. Assim, tomamos Aξ ⊆ Lξ \ G onde |Aξ | = 2 se |B ∩ Lξ | = 0 e |Aξ | = 1 se | B ∩ Lξ | = 1. A escolha de Aξ satisfaz (P) e (D) completando a construção. S O próximo teorema é mais um exemplo de um problema geométrico resolvido com a ajuda do teorema da recursão. Abaixo círculos signicam qualquer conjunto de pontos formando algum círculo não trivial em algum plano de R3 Teorema 4.3. tos. R é uma união de círculos disjun3 Demonstração. Seja {pξ : ξ < 2ℵ0 } uma enumeração dos elementos de R3 . Vamos construir uma sequência {Cξ : ξ <S2ℵ0 } de círculos tal que: (P) Gξ ∩ S ( δ<ξ Cδ ) = ∅ e (D) pξ ∈ δ≤ξ Cδ . Vamos supor que para algum ξ < 2ℵ0 a sequência {Cδ : δ < ξ}Sestá contsruída, satisfazendo (D) e (P). Se pξ ∈ / δ<ξ Cδ , dena p = pξ . Caso contrário S tome p ∈ R3 \ δ<ξ Cδ . Podemos tomar tal ponto p S pois para toda reta em R3 temos L ∩ ( δ<ξ Cδ ) = S ℵ0 δ<ξ (L ∩ C) que tem cardinalidade menor que 2 . Vamos escolher Cξ contendo p e satisfazendo (P). Para isso note que a cardinalidade do conjunto de planos que contém p é igual a 2ℵ0 e | ξ | < 2ℵ0 . Assim podemos tomar um plano h que não contenha nenhum Cδ com δ < ξ . Note que o plano h contém no máximo dois pontos de cada S círculo Cδ . Segue então que S = L ∩ ( δ<ξ Cδ ) tem cardinalidade menor que o contínuo. Fixe uma linha reta L ∈ h contendo p e seja C0 a família de todos os círculos em h contendo p e tangentes a L. Note que círculos diferentes de C0 se intersectam apenas no ponto p. Assim existe Cξ ∈ C0 disjunto de S , terminando a construção. Teorema 4.4. O plano de círculos. R2 não é a união disjunta Demonstração. Assuma que F S seja uma família de círculos disjuntos tal que R ⊆ F . Podemos construir, indução em n < ω , uma sequência {Cn : n < ω} de círculos de F da seguinte maneira : xe C0 ∈ F qualquer e dena Cn+1 tal que Cn+1 ∈ F e contém o centro cn de Cn . Como |cn+1 −cn | = rn+1 < r2n , onde rn+1 e rn são respectivamente os raios de Cn+1 e Cn , temos que hcn in<ω é uma sequência de Cauchy. Seja lim cn = n→∞ p. Temos que p ∈ Dn onde Dn = {(x, y) ∈ R : k (x, y)−cn k≤ rn } (i.e. Dn é o disco fechado limitado por Cn ). Então p não pode pertencer a nenhum Cn pois p ∈ Dn+1 que é disjunto de Cn . Seja C ∈ F tal que p ∈ C . Temos que C 6= Cn para todo n < ω . Mas se n < ω é tal que rn é menor que o raio de C então C ∩ Cn 6= ∅ contradizendo o que supomos para F. 5. Subconjuntos fechados de R Nesta seção demonstraremos que todo conjunto fechado F ⊆ R é enumerável (nito ou innito) ou |F | = 2ℵ0 . Teorema 5.1. Para todo F ⊆ R fechado não enumerável existe um subconjunto A ⊆ F tal que A é fechado e não tem pontos de acumulação. Demonstração. Seja F um conjunto fechado não enumerável de números reais. Chamaremos a ∈ R um ponto de condensamento de F se para todo δ > 0 o conjunto de todos os x ∈ F tal que |x − a| < δ é não enumerável. Fica claro que todo ponto de condensamento é um ponto de acumulação de F . Armação O conjunto F c cujos elementos são exatamente os pontos de condensamento de F é fechado e não tem pontos isolados. Se a é ponto de acumulação de F c , então dado δ > 0 existe x ∈ F c tal que |a − x| < δ . Tome = δ − |a − x| > 0. Teremos então uma quantidade não enumerável de y ∈ F c tal que |y − a| ≤ |y − x| + |x − a| < + |x − a| = δ . Assim a ∈ F c e portanto F c é fechado. Considere C = F \F c vamos mostrar que C é no máximo enumerável. Note se a ∈ C , então existem r, s ∈ Q, tais Sque F ∩ ]r, s[ é no máximo enumerável. Como C ⊆ {F ∩ ]r, s[ : r, s ∈ Q, r < s} concluímos que C é no máximo enumerável. Resta mostrar que F c não tem pontos isolados. Suponha por absurdo que existe a ∈ F c tal que a 135 seja um ponto isolado de F c . Então existe δ tal que |x − a| < δ implica que x ∈ / F c se x 6= a. Assim c ]a−δ, a+δ[ ∩ (F \F ) é no máximo enumerável, uma contradição. Como F é fechado temos que F c ⊆ F . Concluímos então que F c é um subconjunto fechado não vazio sem pontos isolados de F . Então A = F c é o conjunto procurado. Teorema 5.2. Todo F ⊆ R fechado sem pontos isolados em R é equipotente a R. Demonstração. Suponha que exista H : {0, 1}<n → P ∗ (F ) sendo P ∗ (F ) = {x ∈ P (F ) : x é fechado } e H satisfaça: Considere uma função H : 2<n → P(F ) com as seguintes propriedades : i) H∅ = F e Hs = Vs ∩ F onde Vs é um aberto de R tal que Vs ∩ F 6= ∅, ii) Vs ⊆ Vt se t ⊆ s iii) Hs∧ 0 ∩ Hs∧ 1 = ∅. Vamos mostrar que exite uma função H + : <n+1 2 → P(F ) que satizfaça i), ii) e iii) e além disso Hs+ = Hs para todo s ∈ 2<n . Deniremos então Hs+ da seguinte maneira: se s ∈ 2<n , Hs+ = Hs . Se t ∈ 2n temos que t = s∧ 0 ou t = s∧ 1 com s ∈ 2n−1 . Como F não tem pontos isolados e Hs é aberto, existem x0 , x1 ∈ Vs ∩F com x0 6= x1 . A partir de x0 e x1 podemos obter V0 , V1 conjuntos abertos de R, com x0 ∈ V1 e x1 ∈ V1 , tais que V 0 ∩ V 1 = ∅, V0 ⊆ Vs e V1 ⊆ Vs . Então se t = s∧ 0 denimos Ht+ = V 0 ∩ F e se t = s∧ 1 denimos Hs+∧ 1 = V 1 ∩ F . Pelo teorema de recursão temos a existência de ω uma familia de conjuntos fechados {HT s : s ∈ 2 }. ω Dena t : {0, 1} → F onde t(f ) = n∈ω H(f n). Temos t(f ) ⊆ F , sabemos que uma familia de conjuntos fechados e limitados de R, tal que qualquer intersecção nita de seus elmentos é não vazia, tem como intersecção qualquer de seus elementos um conjunto não vazio. Concluímos assim que t(f ) ⊆ F e t(f ) 6= ∅ . Por (ii) conluimos que t(f ) 6= h(g) se f 6= g . Construímos assim uma função injetora de {0, 1}ω em F , logo |F | = |R|. Demonstração. Para todo ponto isolado p ∈ F existe δ tal que ]p − δ, p + δ[ ∩ F = ∅, logo existem r, s ∈ Q tais que p ∈ ]r, s[ e ]r, s[ ⊆ ]p − δ, p + δ[. Assim podemos ter no maximo uma quantidade enumerável de pontos isolados pois |Q2 | = ω . Referências [1] Krzysztof Ciesielski, Set Theory for the Working Mathematician, 1997. [2] Tomas Jech and Karel Hrbacek, Introduction to Set Theory, 1984. [3] M. Morayne, On dierentiability of Peano type functions (1987). [4] Leandro Fiorini Aurich, Sobre a hipótese do contínuo algumas aplicações e equivalências (2005). Corolrolario 5.3. Todo conjunto fechado é enumerável ou tem a mesma cardinalidade que R. Demonstração. Caso o conjunto fechado não seja enumerável basta aplicarmos o teorema 5.1 e em seguida o teorema 5.2. Teorema 5.4. Todo conjunto F ⊆ R tem uma quantidade no máximo enumerável de pontos isolados. 136