as dimensões básicas do aconselhamento
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as dimensões básicas do aconselhamento
AS DIMENSÕES BÁSICAS DO ACONSELHAMENTO Alessandro Alves Terapeuta leigo, Conselheiro, Aconselhador ou Consultor em Dependência Química Em muitas clinicas de tratamento para alcoolismo e dependência de outras drogas, estas denominações indicam aqueles profissionais que são portadores da doença, mas estão em recuperação e livre de seus sintomas, embora não tendo formação específica acadêmica para tratar da patologia, foram selecionados por seus conhecimentos e suas qualidades para ajudar, através de sua experiência, no tratamento terapêutico de outros doentes. Na década de 50, nos Estados Unidos, existia um índice de alcoolismo muito grande e o modelo de saúde tradicional não estava sendo eficaz. A abolição da Lei Seca e o transtorno da Segunda Guerra Mundial, contribuíram para uma epidemia de alcoolismo, sem que houvesse qualquer previsão para tratamento institucional a não ser o encaminhamento para manicômios.Realizavam muitas tentativas de internação, tratamentos variados e desintoxicação, mas a pessoa saía, recaía e voltava. Existiam médicos clínicos e psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais, enfim, uma enorme equipe tentando ajudar sem obter êxito. Assim, com o término da guerra em 1945, o sistema de saúde mental estava sobrecarregado, sem pessoal e verba. Por exemplo, 80% dos internos do manicômio estadual em Minnesota, (um estado dos EUA) foram diagnosticados como alcoólicos (ou ébrios, como eram chamados naquela época). Contudo, lá havia um pequeno grupo de alcoólicos em recuperação, que já estava em abstinência e freqüentava o A.A. Era comum que esses indivíduos, muitos deles ex-pacientes do hospital, acabassem levando outros alcoólicos que precisassem de desintoxicação. Dr. Nelson Bradley, e o jovem psicólogo de sua equipe, Dr. Daniel Anderson, diante da falta de pessoal e de uma metodologia eficaz, tomaram uma medida inédita para diminuir essa população. Eles convidaram leigos, membros de Alcoólicos Anônimos, alcoólicos em recuperação, para tentar administrar essa população. Os resultados foram tão expressivos que alguns desses leigos foram contratados como os primeiros conselheiros ou consultores em alcoolismo. Há controvérsias? Muitos anos se passaram e muitas vezes surgem dúvidas? É bom que alcoólicos ou dependentes químicos se tornem Conselheiros? Estaria o Conselheiro ferindo as Tradições do AA? Quem responde essa pergunta que às vezes gera discussões é a própria Irmandade de Alcoólicos Anônimos, através do guia “Para membros de AA empregados no campo do alcoolismo”. Vejamos a seguir: “Por muitos anos, muitos membros de A.A. trabalharam profissionalmente no campo do alcoolismo. Em 1944, Marty M., uma das primeiras mulheres em A.A., começou a educar o público a respeito do alcoolismo com o apoio total do Dr. Bob, Bill W. e outros AAs daquela época. Perceberam que angariar fundos para a educação sobre o alcoolismo não fazia parte da competência nem do objetivo primordial de A.A. Já, em 1957, como conta Bill W. em “A.A. Atinge a Maioridade”, havia muitos AAs empregados em organizações não-A.A. que trabalhavam no campo do alcoolismo na qualidade de assistentes sociais, pesquisadores, educadores, enfermagem, conselheiros e outras profissões. “Não temos o direito nem a necessidade de sugerir aos AAs que tenham o desejo de trabalhar em diferentes campos de atuação para os que se considerem habilitados, que não o façam”, disse também Bill no mesmo livro. “Seriamos anti-sociais se assim o fizermos. Muitos AAs têm feito extraordinárias contribuições ao conhecimento e à compreensão do alcoolismo, agindo de acordo com o espírito e a letra das Tradições de A.A. Pode ser feito e foi feito.” Segue abaixo o link para o guia citado ser lido na íntegra http://www.aa.org/assets/en_US/mg-10_foraamembers.pdf Por que Terapeutas? No dicionário Aurélio encontra-se uma definição exata de terapêutica: “Parte da medicina que estuda e põe em prática os meios adequados para aliviar ou curar os doentes”. Assim também no Dicionário de termos técnicos de medicina e saúde, de Luis Rey: "Ramo da medicina que se ocupa do tratamento das doenças". Todavia, ambos registram, como segunda acepção, a sinonímia com terapia. Não rejeitamos nenhum dos nomes supracitados, mas preferirmos chamar os profissionais dessa área de Terapeutas por entendermos que valoriza seu saber único e os aproxima do objetivo da promoção de saúde. Como funciona nos EUA Nos EUA, existe a Associação Nacional dos Conselheiros para Alcoolismo e o Abuso de Drogas (NAADAC). É a maior associação do país para profissionais da área de dependência química, valorizando esses profissionais focados que melhoram a saúde e recuperação de indivíduos, famílias e comunidades. O NAADAC tem como missão liderar, unir e capacitar profissionais de dependência para alcançar a excelência através da educação, conhecimento, padrões de prática, ética, desenvolvimento profissional e pesquisa. www.naadac.org. A maioria dos estados norte americanos possui ao menos uma das autarquias chamadas Conselhos Estaduais de Certificação e Licença para Conselheiros em Alcoolismo e Abuso de Substâncias, entidades que protegem, regulam e fiscalizam o exercício da profissão. No Brasil, no dia 18/04/1995 o então Deputado Federal Eduardo Mascarenhas (que era médico psiquiatra) apresentava na Câmara Federal, o Projeto de Lei nº 329 com o seguinte objetivo: "Dispõe sobre a designação e o exercício da profissão de Conselheiro em Dependência Química e determinam outras providencias." O Projeto de Lei tramitou durante três anos pelas diversas Comissões do Congresso Nacional e, em 21/05/1998 foi arquivado pela Mesa Diretora da Câmara, após parecer contrário do relator da Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Publico, e conseqüente rejeição. Atualmente tramita no Congresso Nacional um projeto de Lei apresentado em 2010 para regulamentar a profissão de Consultor em Dependência Química. Compreendendo as Técnicas O Conselheiro em Dependência Química não pode confiar apenas na sua própria experiência pessoal e intuição para que o seu trabalho com outros tenha resultados satisfatório. É importante na formação de um Conselheiro que ele domine algumas habilidades, que irão influir positivamente na sua relação de ajuda. A essas habilidades damos o nome de Dimensões Básicas do Aconselhamento. São elas: 1. SOLIDEZ: É a capacidade de decodificar a experiência do outro em elementos específicos, objetivos e concretos, a fim de que ele possa melhor compreender sua própria experiência. A solidez encoraja o Conselheiro a caminhar para um entendimento mais preciso do paciente, e poderá ser a contribuição mais efetiva para o tratamento. 1.1 - FACETAS: a) Implica na precisão de expressão. Não deixa espaço para suposições ou dúvidas; b) É amplamente controlada pelo Conselheiro: Quem? O Quê? Quando? Onde? Quantas Vezes? 1.2 - PROPÓSITO: a) Manter a concentração sobre a entrevista; b) Ajuda a evitar suposições, mal entendido. 2. RESPEITO: É a capacidade de acolher o outro integralmente, sem que lhe sejam colocadas quaisquer condições e sem julgá-lo pelo que sente, pensa ou faz. É a consideração e aceitação para com a liberdade de escolha (soberania pessoal) do paciente. 2.1- FACETAS: a) Implica na apreciação da dignidade e valor de uma outra pessoa. b) Inclui a convicção de que cada indivíduo tem um direito de escolha, uma vontade livre e pode tomar suas próprias decisões. 2.2 - PROPÓSITO: a) Penetrar no isolamento do indivíduo; b) Estabelecer uma área para a empatia. 2.3 - CONDUTAS QUE INDICAM AUSÊNCIA DE RESPEITO: a) Decidir pelo paciente ou induzi-lo a uma decisão; b) Hostilidade. Submeter o paciente a sentimentos de humilhação, alegando estar fazendo “confronto”. c) Superproteção. Não deixar o paciente tomar suas próprias decisões ou achar que ele não tem condições de lidar com uma situação de conflito, portanto o paciente “precisa” de “fórmulas” ou “receitas” que o Conselheiro “tem” que lhe dar. 3. - AUTENTICIDADE: É a capacidade do Conselheiro de ser verdadeiro consigo e com seus sentimentos, com equilíbrio, e de ser honesto com o paciente e com os objetivos da Terapia. Ela permite ao Conselheiro abrir-se com o paciente, a fim de criar uma aproximação maior e, em conseqüência, deixar o paciente mais a vontade, para que ele possa beneficiar-se ao máximo do tratamento. 3.1 - FACETAS: a) Implica no grau de honestidade do Conselheiro para consigo mesmo e, em decorrência, para o paciente. b) Habilidade pala qual palavras refletem convicções/sentimentos. 3.2 - PROPÓSITO: a) Chama a atenção para as metas da Terapia. b) Através da auto abertura, o Conselheiro pode “ensinar”, ser um exemplo. 3.3 - CUIDADOS PARA COM A AUTENTICIDADE: a) Lembre-se: a Terapia é para o paciente e não para o Conselheiro; b) Você poderá ter reações genuínas. Não as negue, porém não deixe que elas interfiram na relação de ajuda. EMPATIA ( COMPREENSÃO EMPÁTICA E PRECISA) Habilidade do Conselheiro em perceber e sentir o 4. - que se passa com o Paciente em relação ao intelecto e aos sentimentos, para a partir daí poder ajudá-lo a ter uma visão mais ampla de si mesmo. Implica em muita concentração no paciente e no que ele traz. De certo modo, combina todas as outras dimensões básicas. 4.1 - FACETAS: a) Esforço para reagir aos desejos e experiências profundas do paciente, bem como aos sentimentos e experiências superficiais. b) Inclui alguma análise de pensamentos e sentimentos, evitando sempre entrar no julgamento, verificando a precisão com o paciente, parafraseando. 4.2 - PROPÓSITO: a) Dar assistência ao paciente na tomada de decisões frente às mudanças. b) Comunicar ao paciente compreensão para com ele e o problema, para que ele possa expandir sua auto compreensão. Facilitar os “INSIGHTS”, ou “despertares”. 5. - CONFRONTAÇÃO: É a capacidade de perceber e comunicar ao paciente certas discrepâncias ou incoerências entre o que ele fala e o que ele faz entre o que ele fala e o que é na realidade, entre o que ele fala e o que ele mostra. ATENÇÃO: Confronto em Aconselhamento não é briga ou discussão! O Conselheiro precisa saber recuar e esperar melhor momento para continuar a abordagem. 5.1 - PROPÓSITO: a) Ajuda a romper certas resistências, inconscientes/conscientes, que impedem o paciente de se beneficiar do processo de ajuda. b) Mostrar ao paciente sua parcela de responsabilidade no problema que está vivendo. c) Ajuda o paciente a ser mais honesto/verdadeiro consigo e com o que pensa e sente em conseqüência com os objetivos do tratamento. 6. - IMEDIATICIDADE: É a capacidade de trabalhar a própria relação Conselheiro-Paciente, abordando os sentimentos imediatos que um experimenta pelo outro durante o processo. 6.1 – PROPÓSITO: a) Amplia a intimidade b) Humaniza a relação (Horizontalidade) c) Favorece a confiança A OPERACIONALIZAÇÃO DAS DIMENSÕES BÁSICAS DO ACONSELHAMENTO E SEUS EFEITOS NO PACIENTE 1. - O CONSELHEIRO ATENDE: Comunica, de maneira não verbal, disponibilidade e interesse pelo paciente. 1. - O PACIENTE ENVOLVE-SE: Capacidade de se entregar ao processo de ajuda, iniciando expressão corporal e verbal de seus problemas. 2. - O CONSELHEIRO RESPONDE: Comunica corporal e verbalmente, compreensão pelo paciente. 2. - O PACIENTE EXPLORA: Avalia a situação real em que se encontra no momento do processo de ajuda – seus problemas, déficits, insatisfações e define com clareza onde está. 3. - O CONSELHEIRO PERSONALIZA: Mostra ao cliente sua parcela de responsabilidade no problema que está vivendo. 3. - O PACIENTE COMPREENDE: Estabelece ligações de causa e efeito entre os vários elementos presentes em sua vida, como se estivesse juntando as peças de um quebra cabeças, de modo a definir a sua meta, onde quer chegar. 4. - O CONSELHEIRO ORIENTA: Avalia com o paciente, as alternativas de ação possíveis e facilita a escolha de uma delas. 4. - O PACIENTE AGE: Movimenta-se do ponto onde está para onde quer chegar, escolhendo para isso melhor caminho ou programa de ação COMO CHEGAR LÁ. OS EFEITOS NO PACIENTE 1 - A transformação de crenças e valores que orientam o relacionamento do paciente consigo mesmo e com o mundo à sua volta. 2 - A proximidade da experiência: Habilidade do paciente de desenvolver autoconhecimento, através de um contato cada vez mais próximo com a sua própria experiência. 3 - Entrega ao relacionamento: Confiança do paciente em relação ao Conselheiro, de modo a se abrir livremente com ele no decorrer do processo. 4 - Mudança na expressão dos problemas: Movimento do paciente quanto ao conteúdo de suas verbalizações, no sentido de expressar cada vez mais conteúdo interno (sua própria pessoa) e menos conteúdo externo. Concluindo: Seria exatamente o somatório dessas mudanças que levaria o paciente a um crescimento emocional, através de desenvolvimento de habilidades com as quais pudesse lidar melhor com os seus problemas e viver uma plena e satisfatória vida. Obras consultadas Alcoólicos Anônimos. A história de como muitos milhares de homens e Mulheres se recuperaram do alcoolismo, Centro de Distribuição de literatura de A.A. para o Brasil, 1978. ANDERSON, D.J. Perspectives on Treatment: The Minnesota Experience, Hazelden Foundation, 1981 SPICER, J. The Minnesota Model, Hazelden Educational Materials, 1993. REY, L. Dicionário de termos técnicos de medicina e saúde. Rio de Janeiro. Guanabara Koogan S.A., 1999. JABER, J. e ANDRÉ, C. Alcoolismo. Revinter, 2002 HOLTZ,D. História de tratamento de dependência química e metodologia de Vila Serena. 2° Fórum Nacional sobre Dependência Química nas Empresas, 1994, “Relatos e Conferências”, página 150.