Gestão dos resíduos sólidos hospitalares: estudo de casos em

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Gestão dos resíduos sólidos hospitalares: estudo de casos em
Gestão dos resíduos sólidos hospitalares:
estudo de casos em hospitais
do Rio de Janeiro e de São Paulo
Mariana de Paula Kopp1
Claudia Affonso Silva Araujo2
Kleber Fossati Figueiredo3
Resumo
O tratamento inadequado dos resíduos hospitalares pode provocar acidentes, transmissão de
doenças e a contaminação do solo e de lençóis freáticos. Tendo em vista a relevância do tema, o presente trabalho visa analisar o processo de gestão dos resíduos sólidos por hospitais
do Rio de Janeiro e de São Paulo. De maneira mais específica, este artigo busca descrever as
práticas de gerenciamento de resíduos sólidos nos hospitais, identificar as principais dificuldades deste gerenciamento e identificar potenciais benefícios percebidos pelos gestores de
um programa de gestão bem estruturado. Como embasamento conceitual, adotou-se o processo proposto por Pruss et al. (1999), composto por oito etapas: minimização de resíduos,
geração, segregação e embalagem, armazenamento intermediário, transporte interno, armazenamento centralizado, transporte externo, tratamento e disposição final. Com base na literatura foram acrescentadas outras duas etapas: treinamento das pessoas envolvidas no processo e auditoria dos resíduos. Como o conhecimento acumulado sobre a gestão de resíduos
hospitalares no Brasil é incipiente, o método de pesquisa escolhido foi o estudo de casos,
analisando-se, em três hospitais, as etapas dos fluxos integrados desde a geração de resíduos
até seu descarte. Os resultados revelam grandes dificuldades no correto gerenciamento do
processo e a falta de consciência dos gestores quanto aos impactos ambientais de suas ações,
enxergando os recursos despendidos no processo de gestão dos resíduos como custos e não
como investimento.
Palavras-chave: Resíduos sólidos. Hospitais. Meio ambiente.
Hospital solid waste management: a case study in hospitals in Rio de Janeiro and São Paulo
Abstract
Inadequate management of hospital waste can lead to accidents, disease transmission
and contamination of soil and groundwater. Given the importance of the topic, this paper
1
2
3
Mestre em Administração pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Email:
[email protected].
Doutora em Administração pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Mestre em
Administração pela mesma Universidade. Professora Adjunta da Universidade Federal do Rio
de Janeiro – UFRJ.
Doutor em Administração pelo Instituto de Estúdios Superiores de la Empresa – Espanha.
Mestre em Administração pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Professor
Associado da mesma Universidade.
Gestão Contemporânea, Porto Alegre, ano 10, n. 13, p. 71-95, jan./jun. 2013
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aims to analyze the process of solid waste management by hospitals of Rio de Janeiro
and São Paulo. More specifically, this paper aims to describe the practices of solid waste
management in hospitals, identify the main difficulties of management and the potential
benefits perceived by managers of a well-structured management program. As a conceptual
basis, the procedure proposed by Pruss et al. (1999) was adopted. It consists of eight steps:
minimization of waste generation, segregation and packaging, intermediate storage, internal
transportation, centralized storage, external transport, treatment and disposal end. Based
on the literature, two steps were added: training of the people involved in the process, and
audit waste. As the accumulated knowledge on the management of hospital waste in Brazil
is incipient, a case study method was chosen with the intent of analyzing the process from
waste generation to disposal in three hospitals. The results indicate that managers face great
difficulty in following the correct management process. They also suggest a lack of awareness
on the part of managers about the environmental impacts of their actions. Managers tend to see
the money spent on the improvement of the process as costs, instead of investment.
Keywords: Solid waste. Hospitals. Environment.
Introdução
A conscientização da sociedade atual em relação aos impactos ambientais vem crescendo a cada ano e, neste contexto, a gestão de resíduos
tem sido amplamente discutida na sociedade, na mídia, e no poder legislativo. Os resíduos são percebidos como um problema, em função do esgotamento de aterros sanitários, da necessidade de altos investimentos
para soluções equivalentes, da carência de novas propostas para evitar
sua geração e da necessidade de estímulo para a prática da reciclagem.
Mais especificamente, os resíduos hospitalares são de alta criticidade pelos riscos ainda maiores que podem oferecer ao meio ambiente e à sociedade. O tratamento inadequado destes materiais pode provocar acidentes
com materiais perfurocortantes, transmissão de doenças, contaminação
do solo e de lençóis freáticos, dentre outros.
Assim, considerando a relevância e atualidade do tema, e seu impacto na saúde da população e no meio ambiente, o objetivo desta pesquisa é investigar e analisar como são gerenciados os resíduos sólidos de
serviços de saúde (RSSS) por hospitais localizados no Rio de Janeiro e em
São Paulo. Desse modo, a pergunta geral que rege este estudo é: Como
são gerenciados os resíduos sólidos de serviços de saúde nos hospitais
no Rio de Janeiro e em São Paulo, e quais são as principais características de suas práticas? De maneira mais específica, este trabalho busca
descrever as práticas de gerenciamento de resíduos sólidos nos hospitais; identificar as principais dificuldades deste gerenciamento, tanto no
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nível estrutural quanto gerencial; e identificar potenciais benefícios percebidos pelos hospitais de um programa de gestão bem estruturado.
Tendo em vista que para responder a perguntas do tipo como e por
que, o método mais adequado é o estudo de casos (YIN, 2010), foi realizado um estudo de três casos (dois no Rio de Janeiro e um em São Paulo).
Em cada um dos hospitais, foram realizadas entrevistas em profundidade
com os gestores responsáveis pelo processo de gestão dos resíduos, tomando-se o cuidado de realizar a triangulação de fontes.
Assim, este estudo é útil para os gestores, por revelar as práticas
adotadas, assim como os benefícios e dificuldades enfrentados pelos dirigentes de hospitais do Rio de Janeiro e de São Paulo, na gestão dos
resíduos. De acordo com pesquisa da Associação Brasileira de Empresas
de Limpeza Pública e Resíduos Especiais [ABRELPE] (2010), que mostra
diferentes padrões de geração de resíduos nas regiões brasileiras, a região Sudeste, onde estão situadas as duas principais metrópoles brasileiras, é responsável por quase 70% de todo o volume gerado no país, o que
reforça a importância de se revelar as práticas adotadas pelos hospitais
desta região. Do ponto de vista teórico, a análise dos casos ajuda no desenvolvimento de teoria sobre um assunto relevante para a sociedade e o
meio ambiente.
O artigo está estruturado em sete itens. Após esta introdução (item
1), o item 2 apresenta a revisão de literatura, que serviu de embasamento
para a formulação do esquema conceitual, que é apresentado no item 3.
O item 4 é dedicado à metodologia da pesquisa, seguido pela análise dos
resultados (item 5), conclusões (item 6) e, por último, as limitações da
pesquisa e sugestões para pesquisas futuras, que constituem o item 7.
1
Revisão de literatura
Como o foco de análise deste estudo são os materiais descartados,
na revisão de literatura são apresentadas práticas relacionadas ao tratamento de resíduos, em especial os resíduos dos serviços de saúde.
1.1
Resíduos Sólidos dos Serviços de Saúde (RSSS)
De acordo com a Organização Mundial de Saúde [OMS], os resíduos
sólidos dos serviços de saúde (RSSS) incluem todos os resíduos gerados
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pelos estabelecimentos de saúde, centros de pesquisa e laboratórios. Para a
Agência Nacional de Vigilância Sanitária [ANVISA] (2006), são aqueles
que se originam de qualquer atividade de natureza médico-assistencial humana ou animal, farmacologia e saúde, medicamentos vencidos, necrotérios, funerárias, medicina legal e barreiras sanitárias.
Como estes resíduos apresentam uma natureza heterogênea, a classificação adequada dos resíduos gerados em um estabelecimento de saúde
permite que seu manuseio seja mais eficiente, econômico e seguro, de
acordo com a Organização Pan-Americana de Saúde [OPAS] (1997). Os
RSSS podem ser classificados em resíduos infectantes – cultura, vacina
vencida, sangue e hemoderivados, tecidos, materiais resultantes de cirurgia, agulhas, animais contaminados, resíduos que entraram em contato
com pacientes (secreções, refeições etc.); resíduos especiais – rejeitos
radioativos, medicamento vencido, contaminado, interditado, resíduos
químicos perigosos; e resíduos comuns – não entram em contato com
pacientes (material de escritório, restos de alimentos etc.).
Os resíduos gerados especificamente em hospitais são reconhecidos como um problema grave, que pode ter efeitos prejudiciais para o
ambiente e para a saúde dos seres humanos, pelo contato direto ou indireto. Assim, a coleta, o transporte e a eliminação destes resíduos precisam
ser regidos por normas claramente formuladas e definidas (ASKARIAN;
VAKILI; KABIR, 2004). Além disso, adotar uma forma de classificação
clara e bem disseminada no estabelecimento dos RSSS é imprescindível
para que estes possam ser separados adequadamente de acordo com essa
classificação, evitando prejuízos à sociedade e ao meio ambiente e custos desnecessários relativos ao tratamento e descarte dos RSSS (LEE,
ELLENBECKER; MOURE-ERSASO, 2004; MARTINS, 2004).
Na literatura, não foram encontradas muitas referências à atribuição
de responsabilidades organizacionais referentes aos resíduos em hospitais.
No entendimento da OPAS (1997), o diretor do estabelecimento de saúde é quem tem a máxima responsabilidade pelo manuseio interno dos resíduos sólidos gerados em seu estabelecimento.
1.2 Etapas da gestão do fluxo dos resíduos sólidos
de serviços hospitalares
Para Pruss, Giroult e Rushbrook (1999), o processo integral do gerenciamento dos RSSS compreende oito etapas principais: minimização
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de resíduos, geração, segregação e embalagem, armazenamento intermediário, transporte interno, armazenamento centralizado, transporte externo,
tratamento e disposição final. Alguns autores consideram ainda o treinamento de todas as pessoas envolvidas no processo dos RSSS, direta ou
indiretamente, como parte essencial do gerenciamento, englobando médicos, enfermeiras, responsáveis pela limpeza e transporte dos resíduos,
dentre outros (LEE; ELLENBECKER; MOURE-ERSASO, 2004,
SAWALEM; SELIC; HERBELL, 2009; NEMATHAGA; MARINGA;
CHIMUKA, 2008; SILVA et al., 2005; ALMUNEEF; MEMISH, 2003).
Além disso, Almuneef e Memish (2003) observaram, em estudo na Arábia Saudita, que a auditoria dos resíduos também pode levar a significativas reduções no volume de resíduos infecciosos.
Devido à importância de cada etapa do processo para um gerenciamento eficaz e correto de todo o fluxo dos RSSS, cada uma destas etapas
será desenvolvida a seguir.
Minimização de resíduos: Este primeiro passo vem antes da produção de resíduos e visa a reduzir o máximo possível a quantidade de RSSS
que serão produzidos. A minimização pode ser alcançada através de modificações nos procedimentos adotados ou pela busca de uma maior eficácia, substituindo materiais, adotando políticas eficazes de aquisição
e um bom gerenciamento de estoques (ANDRADE; SCHALCH, 1996,
PRUSS et al., 1999). Shaner e McRae (2002) afirmam, por exemplo,
que a gestão de resíduos hospitalares se beneficiaria se os hospitais eliminassem produtos e tecnologias baseadas na utilização de mercúrio,
já que existem tecnologias (digital e eletrônica) que tornam possível a
substituição destas ferramentas de diagnóstico. Além disso, desde que
haja uma segregação adequada dos resíduos, parte dos RSSS, como embalagens e materiais de escritório, pode ser reciclada, trazendo de volta ao
ciclo produtivo materiais que, de outra forma, seriam descartados (PRUSS
et al., 1999; GARCIA; ZANETTI-RAMOS, 2004).
Geração, segregação e acondicionamento: Trata-se da etapa na qual
os resíduos são produzidos. A rotulagem clara, a descrição das características de cada tipo de resíduo e o despejo separado dos mesmos, de
acordo com a classificação escolhida, podem contribuir para a redução
de custos com tratamento e descarte de RSSS (PRUSS et al., 1999; LEE;
ELLENBECKER; MOURE-ERSASO, 2004). Para incentivar a segregação na origem, recipientes específicos devem ser colocados o mais próximo
possível do ponto de geração (PRUSS et al., 1999). Para o Centro Pan-Americano de Engenharia Sanitária e Ciências do Ambiente [CEPIS]
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(1997), o correto acondicionamento dos resíduos possui as funções de
isolá-los do meio externo para evitar contaminações, identificá-los e mantê-los agrupados, para que seja facilitado o seu fluxo. As legislações municipais determinam cores, de maneira geral baseadas em uma codificação
global, para o arranjo dos resíduos. Em estudo realizado no Zimbábue,
Taru e Kuvarega (2005) observaram falhas na separação de resíduos
infectantes daqueles que não oferecem riscos, levando à incineração
de materiais que não necessitavam deste tipo de tratamento e, portanto,
encarecendo o processo. De acordo com pesquisa desenvolvida por Silva et al. (2005), os hospitais do Rio Grande do Sul utilizavam unidades
de medidas diferentes para calcular a quantidade de resíduos gerada,
dificultando a comparação dos resultados.
Armazenamento intermediário: A área de armazenamento intermediário, onde os recipientes maiores são mantidos antes da remoção para a área de armazenamento central, deve estar próxima às enfermarias
e não deve ser acessível a pessoas não autorizadas, tais como pacientes e
visitantes. Além disso, para evitar o acúmulo e decomposição dos resíduos,
os RSSS devem ser recolhidos em uma base diária regular (PRUSS et al.,
1999). A OPAS (1997) determina que as áreas de armazenamento intermediário possuam as seguintes características: acessibilidade – acesso
rápido e seguro aos carros de coleta interna; exclusividade – utilizado
apenas para o armazenamento temporário dos resíduos; segurança –
reunir condições físicas estruturais que evitem que a ação do clima (sol,
chuva, ventos, etc.) cause danos ou acidentes e que pessoas não autorizadas, crianças ou animais ingressem facilmente no local; higiene e
segurança – ter boa iluminação e ventilação, andares e paredes lisas e
pintadas com cores claras, sistema de abastecimento de água fria e quente, com pressão apropriada para executar operações de limpeza rápidas e
eficientes, e um sistema de esgoto apropriado. No Irã, apenas quatro dos
quinze hospitais pesquisados por Askarian, Vakili e Kabir (2004) possuíam uma área de abrigo temporário de resíduos que fosse segura e
limpa e três hospitais sequer apresentavam uma área de abrigo temporário para os RSSS, sendo os resíduos depositados em uma parte do quintal até o momento da coleta. Na África do Sul, Nemathaga et al. (2008)
observaram que a maioria das enfermarias dos hospitais estudados possuía um cômodo de armazenamento temporário para resíduos infectantes,
sendo utilizados contêineres.
Transporte interno: O transporte para a zona central de armazenamento é geralmente realizado através de contêineres, que devem ser fáceis
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de carregar, descarregar e limpar, e não devem possuir arestas que possam danificar os invólucros. Além disso, devem ser totalmente fechados
para evitar qualquer derramamento durante o transporte. Idealmente, devem ser marcados com a cor correspondente à sua codificação (PRUSS et
al., 1999). O transporte de resíduos comuns deve ser realizado separadamente da coleta de resíduos infectantes para evitar a contaminação cruzada potencial ou a mistura dos mesmos (GARCIA; ZANETTI-RAMOS,
2004) e a coleta deve seguir rotas específicas através do estabelecimento
de saúde para reduzir a passagem de contêineres carregados por alas
ou áreas limpas. Shinee, Gombojav, Nishimura, Hamajima e Ito (2008)
alertam que práticas inadequadas de empacotamento de resíduos perfurocortantes e de resíduos químicos e infecciosos em hospitais podem aumentar muito os riscos ocupacionais e ambientais dos profissionais que
manuseiam estes materiais.
Armazenamento centralizado: A área central de armazenamento
e a frequência da coleta devem ser dimensionadas de acordo com o volume de resíduos gerados. A instalação não deve estar situada perto de
restaurantes ou áreas de preparação de alimentos e seu acesso deve ser
sempre limitado a pessoas autorizadas; deve ser fácil de limpar, ter boa
iluminação e ventilação, e deve ser idealizada para evitar a entrada de
roedores, insetos ou pássaros. Além disso, deve ser claramente separada da área central de armazenamento utilizada para os resíduos comuns,
a fim de evitar a contaminação cruzada. O tempo de armazenamento
não deve exceder 24 horas, ou 48 horas em locais refrigerados, especialmente em países que apresentam um clima quente e úmido, como é o
caso do Brasil (PRUSS et al., 1999; GARCIA; ZANETTI-RAMOS,
2004). Taru e Kuvarega (2005) afirmam que, no hospital estudado no
Zimbábue, não havia instalações adequadas de armazenamento de resíduos, gerando uma epidemia de ratos e insetos, com risco de transmissão de doenças.
Transporte externo: O transporte externo dos RSSS deve ser realizado através de veículos dedicados unicamente a esta tarefa e deve ser
sempre devidamente documentado, com todos os veículos levando um
documento de acompanhamento do ponto de coleta à estação de tratamento (PRUSS et al., 1999). Askarian, Vakili e Kabir (2004) relatam
que, no Irã, em treze dos quinze hospitais pesquisados, esse transporte
era executado por caminhões especiais, enquanto em dois era utilizado
um caminhão convencional.
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Tratamento: Em geral, o problema da gestão dos resíduos hospitalares não tem uma solução única e alguns métodos são utilizados em
conjunto, considerando suas vantagens para cada tipo de resíduo (DIAZ;
SAVAGE; EGGERTH, 2005; NEMATHAGA et al., 2008). No método
de autoclaves, a desinfecção de materiais é realizada através do vapor
d’água e acontece em ciclos. Após a desinfecção através deste método,
não são esperadas mudanças significativas na morfologia dos objetos,
mas, em função da utilização de vapor d’água no processo, pode ocorrer
um aumento de massa. Para provocar uma redução do volume, alguns
fabricantes de autoclave incorporam dispositivos mecânicos de compressão. Além de tratar os resíduos sólidos, as autoclaves produzem também
resíduos líquidos e gasosos que devem ser adequadamente tratados antes
de serem lançados no meio ambiente O forno de micro-ondas também
pode ser utilizado, já que o vapor produzido pela exposição do material
promove a destruição dos organismos patogênicos. Assim sendo, o tratamento do lixo hospitalar por micro-ondas também requer a adição de
água. Este método é economicamente melhor, se comparado com a incineração, mas possui uma aplicabilidade limitada e uma capacidade inadequada de esterilização (LEE; ELLENBECKER; MOURE-ERSASO,
2004). O tratamento por desinfetantes químicos baseia-se nas propriedades particulares dos agentes químicos para tornar inativos os agentes
patológicos. A eficácia de um determinado agente químico depende da
temperatura, pH e da possível presença de outros agentes, que podem
produzir um efeito negativo ou positivo. A esterilização é obtida através
da utilização de diversos compostos químicos na forma gasosa, que podem ser altamente tóxicos. A incineração é outro processo empregado na
desinfecção hospitalar, que possui várias formas, e utiliza a combustão
como método de desinfecção. De acordo com Lee, Ellenbecker; MoureErsaso, (2004), cerca de 60% dos RSSS são tratados através de incineração. Qualquer que seja o método empregado na incineração de resíduos
sólidos, são produzidos três tipos de descargas: sólidas, líquidas e gasosas. As grandes vantagens deste método são: uma considerável redução
da massa e do volume dos resíduos; a não-identificação do resíduo após
a incineração; ser aplicável para o tratamento de todos os tipos de resíduos; ter potencial de recuperação energética; e não apresentar odores.
Em contrapartida, emite partículas poluidoras e requer o tratamento dessas emissões, como alerta a Federação das Indústrias do Estado de São
Paulo (FIESP) (2010).
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Disposição final: A disposição final dos resíduos em terra pode ser
realizada através de três métodos: lixões, aterros controlados e aterros
sanitários. Os lixões são os mais comuns em países em desenvolvimento, mas são os que apresentam os maiores riscos para a saúde e o meio
ambiente, devendo deste modo ser prontamente rejeitados e transformados em aterros controlados, ou ainda em aterros sanitários (DIAZ
et al., 2005). Além destes métodos de descarte, há ainda a queima de
resíduos hospitalares em fossas especiais, que é recomendada em unidades de saúde localizadas em áreas rurais, com características apropriadas
e com baixa densidade populacional. Essas fossas devem ter dimensões
específicas e ser revestidas de argila, cimento ou outro material impermeável. Este método não deve ser utilizado quando a composição dos
resíduos contiver um alto teor de agulhas e seringas. Por último, o encapsulamento é um procedimento amplamente empregado na gestão de
resíduos nocivos e pode ser utilizado no tratamento de materiais perfurocortantes. Neste processo, os materiais são colocados em caixas de
papelão ou metal, que podem variar de 1 a 100 litros e, quando as caixas
estão preenchidas até determinado nível, um material imobilizante,
como cimento, argila, resina ou revestimento plástico, é adicionado ao
recipiente. Assim que o imobilizante enrijecer, este recipiente deve ser
selado e o material pode ser depositado em um aterro, ou incinerado. De
acordo com pesquisa da ABRELPE (2010), 32% dos municípios brasileiros que, total ou parcialmente, prestam serviços de coleta de RSSS,
incineram os resíduos; 28% utilizam aterros; 15%, lixão; 15%, autoclaves; 8%, micro-ondas; e 2%, vala séptica. Ainda de acordo com esta
pesquisa, as normas federais aplicáveis aos RSSS estabelecem que determinadas classes de resíduos precisam de tratamento antes da sua destinação final. Entretanto, alguns municípios encaminham tais resíduos para
os locais de destinação sem mencionar a existência de tratamento prévio
dado aos mesmos.
Treinamento: Em países em desenvolvimento, geralmente poucos
indivíduos no quadro de pessoal das unidades de saúde estão familiarizados com os procedimentos necessários para um programa de gestão
adequada de resíduos. Além disso, a gestão de resíduos normalmente
é delegada aos trabalhadores com baixa escolaridade, que executam a
maioria das atividades sem a devida orientação ou com proteção insuficiente (DIAZ et al., 2005). Assim, educação e treinamento adequados
devem ser oferecidos a todos os trabalhadores, dos médicos aos assistentes, funcionários e catadores, para assegurar a compreensão dos riscos
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intrínsecos aos resíduos, ensinar como se proteger e como gerenciar
resíduos e, em especial, como minimizar os resíduos e realizar a segregação corretamente (SHANER; McRAE, 2002; DIAZ et al., 2005). A
ANVISA (2006) estabelece que é necessário comprovar a realização de
treinamentos anuais dos funcionários da limpeza, em função dos riscos a
que estão submetidos. Programas de educação e formação devem ser desenvolvidos para promover mudança no comportamento das pessoas
(SHANER; McRAE, 2002). Garcia e Zanetti-Ramos (2004) afirmam
que o treinamento dos funcionários para a correta segregação dos resíduos
é bastante compensador, pois resulta no encaminhamento para coleta, tratamento e disposição final especial apenas os resíduos que realmente
necessitam desses procedimentos, reduzindo as despesas com o tratamento. Silva et al. (2005) mencionam que, para assegurar melhorias e
continuidade nas práticas de gerenciamento dos resíduos, as instituições
de saúde devem desenvolver planos e procedimentos, sendo necessário,
portanto, realizar treinamentos de rotina e processos de educação continuada para os funcionários.
Auditoria: Hussein, Mavalankar, Sharma e D’Ambruoso (2011)
afirmam que o gerenciamento inadequado dos resíduos é evidente, desde
o ponto de coleta inicial até o descarte final. Um dos motivos apontados
pelos autores é a falta de um efetivo controle do processo. A atividade
de auditoria interna tem se destacado como um instrumento de gestão
e fiscalização adequado às necessidades de gerenciamento das informações no ambiente hospitalar e pode ser utilizada tanto para reduzir
custos como para fornecer subsídios para decisões e planos de ações,
melhorando os procedimentos utilizados na instituição (BRITO; FERREIRA, 2006). A auditoria interna também é considerada pelo Manual
Brasileiro de Acreditação Hospitalar (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002)
como um dos requisitos necessários para a obtenção da acreditação. Os
resultados da pesquisa desenvolvida na Arábia Saudita por Almuneef e
Memish (2003) indicam que, depois da introdução de um plano de gerenciamento de resíduos que incluía educação, treinamento obrigatório
e auditoria do tipo e do volume de lixo gerado em cada departamento,
houve uma redução de mais de 58% do volume de resíduos infectantes.
Inicialmente, as auditorias revelavam que mais de 50% do conteúdo dos
sacos de resíduos infectantes na realidade não eram infectantes, com
base na classificação adotada; ao final, houve uma economia de mais de
50% com combustível para o incinerador, mão de obra e manutenção.
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Esquema conceitual proposto
A partir da literatura revisada, é possível afirmar que, para o correto gerenciamento dos RSSS, é preciso controlar de forma eficiente oito
etapas que fazem parte do processo: minimização de resíduos (ANDRADE; SCHALCH, 1996; PRUSS et al., 1999; SHANER; McRAE, 2002;
GARCIA; ZANETTI-RAMOS, 2004); geração, segregação e embalagem
(CEPIS, 1997, PRUSS et al., 1999, LEE; ELLENBECKER; MOURE-ERSASO, 2004, TARU; KUVAREGA, 2005); armazenamento intermediário (OPAS, 1997; PRUSS et al., 1999, ASKARIAN; VAKILI; KABIR,
2004, NEMATHAGA et al., 2008); transporte interno (PRUSS et al.,
1999; GARCIA; ZANETTI-RAMOS, 2004; SHINEE et al., 2008); armazenamento centralizado (PRUSS et al., 1999, GARCIA; ZANETTI-RAMOS, 2004; TARU; KUVAREGA, 2005); transporte externo
(PRUSS et al., 1999; ASKARIAN; VAKILI; KABIR, 2004); tratamento
(LEE; ELLENBECKER; MOURE-ERSASO, 2004; DIAZ et al., 2005;
NEMATHAGA et al., 2008; FIESP, 2010); e disposição final (DIAZ et
al., 2005, ABRELPE , 2010). Além disso, é importante dar treinamento
e educação continuada a todos, em relação a todas as atividades que são
atribuições dos funcionários do hospital (SHANER; McRAE, 2002;
GARCIA; ZANETTI-RAMOS, 2004; SILVA et al., 2005; DIAZ et al.,
2005; ANVISA, 2006). O processo se completa com a auditoria interna
do processo como um todo, que tem se mostrado eficiente na redução do
volume de resíduos infectantes e para fornecer subsídios para decisões e
planos de ações (ALMUNEEF; MEMISH, 2003, BRITO; FERREIRA,
2006; HUSSEIN et al., 2011). Assim, a literatura revisada dá subsídio para
propor o esquema conceitual apresentado na Figura 1 e que serviu de base
para a análise dos casos.
Figura 1 – Esquema conceitual proposto
Auditoria Interna
Treinamento e educação continuada
Minimização
de resíduos
Armaz.
Intermediário
Geração
Segregação
e Embalagem
Armaz.
Centralizado
Transporte
Interno
Tratamento
Transporte
Externo
Disposição
Final
Fonte: Elaborada pelos autores.
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Metodologia
A pesquisa que gerou este trabalho teve como objetivo responder à
seguinte pergunta: Como são gerenciados os resíduos sólidos de serviços de saúde nos hospitais do Rio de Janeiro e de São Paulo e quais são
as principais características de suas práticas? De maneira mais específica, este trabalho descreve as práticas de gerenciamento de resíduos
sólidos nos hospitais; identifica as principais dificuldades deste gerenciamento, tanto no nível estrutural quanto gerencial; e identifica potenciais
benefícios percebidos pelos hospitais de um programa de gestão bem
estruturado.
Trata-se, portanto, de uma pesquisa qualitativa de caráter exploratório, já que o conhecimento acumulado sobre a gestão de resíduos hospitalares no Brasil é ainda incipiente. A busca dos artigos que compõem
a revisão de literatura deste estudo foi feita nas bases de dados Emerald,
Proquest, Ebsco, Google Acadêmico e Science Direct, através das seguintes palavras-chave em inglês: “resíduo hospitalar”, “resíduo sólido”,
“gerenciamento de resíduos hospitalares” e “saúde pública”. Foram considerados apenas os artigos publicados a partir de 1990.
O método de pesquisa escolhido foi o estudo de casos, por permitir
a investigação empírica de algo contemporâneo, dentro do seu contexto, e
por ser a mais adequada para estudos que buscam responder questões do
tipo “como” ou “por que” (YIN, 2010). Foram analisados três hospitais:
dois localizados no Rio de Janeiro e um em São Paulo. A pedido dos gestores, os nomes dos hospitais e dos entrevistados foram preservados. Como
neste método deve haver seleção criteriosa dos objetos de estudo (YIN,
2010; WOODSIDE, 2010), foram escolhidos hospitais que atendessem aos
seguintes critérios:
a) elevado número de atendimento, para que gerassem um volume de
resíduos significativo;
b) fizessem parte de grupos hospitalares distintos, para que adotassem
políticas diferentes;
c) atribuíssem diferentes níveis de importância ao tratamento dos resíduos, para que a diversidade dos casos trouxesse riqueza para o estudo;
d) fossem localizados em cidades distintas, pois precisam obedecer a
legislações municipais distintas. Além disso, levou-se em consideração a abertura para realizar entrevistas, verificar documentos e fazer observações de campo.
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Como a entrevista em profundidade é uma das principais fontes de
informação quando se utiliza o método de estudo de casos (YIN, 2010),
foram realizadas entrevistas com os responsáveis pela gestão de resíduos, tendo em vista a maior familiaridade dos mesmos com a operação.
Além disso, considerou-se importante que os entrevistados possuíssem
registro da memória institucional, de modo a resgatar as mudanças
ocorridas ao longo do tempo. No hospital A (HA), foi entrevistado apenas o Engenheiro de Manutenção, que atua na instituição há oito anos;
no B (HB), foram entrevistadas a Diretora Geral e a Coordenadora da
comissão responsável por administrar os RSSS gerados; no hospital C
(HC), os entrevistados foram a Gerente de Hospedagem e o Coordenador de Sustentabilidade. No caso do hospital A, apenas o Engenheiro de
Manutenção foi entrevistado, por ter sido considerado o único empregado do hospital capaz de comentar as mudanças ocorridas ao longo do
tempo na instituição. As entrevistas foram orientadas por um roteiro,
composto de perguntas abertas sobre o tema, baseadas nas etapas do processo integral do gerenciamento dos RSSS, conforme esquema conceitual proposto no item 3 deste artigo. Durante os encontros, procurou-se
estimular os entrevistados a contribuir livremente com informações relativas ao tema, para que fosse possível compreender a ótica do informante (WOODSIDE, 2010).
Cada entrevista durou cerca de uma hora e todas foram gravadas e
posteriormente transcritas, de modo a manter a fidelidade do que foi declarado pelo entrevistado. Para realizar as triangulações propostas na literatura (YIN, 2010; WOODSIDE, 2010) foram analisadas informações
de jornais, websites das empresas e de fontes idôneas. Adicionalmente,
visitas às instalações foram realizadas com o intuito de coletar e complementar as informações fornecidas pelos entrevistados. As principais
características dos hospitais pesquisados estão resumidas na Figura 2.
Figura 2 – Principais características dos hospitais pesquisados
Atributos
Hospital A (HA)
Hospital B (HB)
Hospital C (HC)
Alta complexidade
Oncologia
Alta Complexidade
/ Diagnóstico
Privado
Público
Privado
Localização
Niterói, RJ
Rio de Janeiro, RJ
São Paulo, SP
Área Construída
10.000 m2
33.000 m2
100.000 m2
Especialidade
Público ou Privado?
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Atributos
Ano Fundação
Func. (Próprios/Terceir.)
Número de Leitos
Hospital A (HA)
Hospital B (HB)
Hospital C (HC)
1953
1957
1965
950/300
1.500/500
3.600/800
186
208
330
Nº Médio de Atendim.
20.000/mês
14.500/mês
210.000/mês
Vol. Resíduos Gerados
12.000 litros/dia
24.000 litros/dia
7.900 kg/dia
Organização
Nacional de
Acreditação (ONA)
Joint Commission
International (JCI)
Joint Commission
International (JCI)
Acreditação
Fonte: Elaborada pelos autores.
3
Resultados e análises
O processo de logística de resíduos possui um fluxo definido nos
três hospitais. Neles, esses materiais passam pelas etapas básicas do processo sugeridas pela literatura. A responsabilidade do processo é atribuída
a diferentes áreas e estruturas dos hospitais pesquisados. No HA, a responsabilidade pelo gerenciamento de resíduos é do Gerente de Manutenção; no HB, de uma Comissão Multidisciplinar; já no HC, da Gerente
de Hospedagem. Nos três casos, percebe-se que a área responsável por
gerir os resíduos está relacionada com a importância atribuída pela
direção ao assunto e com o envolvimento dos diversos departamentos
dos hospitais. No HA, como os resíduos são responsabilidade do Gerente de Manutenção, este processo está mais afastado da assistência
ao paciente, que é o foco da instituição, e a importância atribuída pela
alta direção é secundária. Já no HB, onde a gestão do processo é de responsabilidade de uma Comissão Multidisciplinar, percebe-se um engajamento maior dos funcionários com o destino dado aos resíduos. São
feitas reuniões mensais, em que são levantados e discutidos problemas
relacionados a este processo e sugeridas formas para solucioná-los,
além de sugestões de oportunidades de melhorias. No HC, como os resíduos são gerenciados pela área de hospedagem, diretamente relacionada à
assistência, que é tida como prioridade pela instituição, a pessoa responsável pelo processo tem autonomia para tomar decisões e implementar
melhorias, e seu domínio abriga, além do gerenciamento de resíduos, a
parte de rouparia do hospital.
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A apresentação dos resultados e as análises serão feitas com base
nos dez itens que constituíram o roteiro das entrevistas e que foram
apresentados em detalhes no capítulo de Revisão de Literatura deste
trabalho.
Minimização de resíduos: A diminuição do volume de resíduos
gerados pode ser alcançada por modificações nos procedimentos ou
pela busca de uma maior eficácia na gestão do processo (ANDRADE;
SCHALCH, 1996; PRUSS et al., 1999). Observou-se que o HC adotou
alguns procedimentos para reduzir o consumo de recursos naturais,
como a mudança no kit de roupa de cama para acompanhantes, gerando
menor quantidade de roupas para lavar. De acordo com um dos gestores
do HC, “a revisão de todo o processo de geração de resíduos trouxe em
paralelo a revisão do consumo de insumos como água, gás e energia
elétrica. Limitadores de vazão na água das torneiras, dos chuveiros e das
descargas dos vasos sanitários, por exemplo, permitiu uma economia de
2900 m3 de água por dia”. Quanto a práticas mais eficazes de gestão,
observou-se que os hospitais adotam as mudanças impostas pelas legislações municipais e pela ANVISA (2006), que determina que os hospitais segreguem corretamente os resíduos e sejam responsáveis pelo seu
correto tratamento e descarte. De qualquer forma, as mudanças reduziram o volume de resíduos gerados, especialmente com a classificação
em comuns e infectantes. Conforme relata um dos gestores do HA, “antes [da mudança na legislação] tudo era considerado resíduo infectante.
Quando ocorria a mistura de resíduos realmente infectantes com resíduos
comuns, no que chamamos de contaminação cruzada, tudo se tornava infectante. Não havia controle sobre os volumes gerados. A única preocupação era que tudo coubesse no abrigo”. Neste mesmo sentido, um
dos entrevistados do HB afirma que “não há como reduzir o lixo, sua
quantidade é constante. Ao se estimular a correta segregação, a classificação desses materiais pode transformar infectante em comum e o comum em reciclável”.
Políticas eficazes de aquisição e uma boa gestão de estoques também são medidas sugeridas pela literatura para reduzir a geração de resíduos (PRUSS et al., 1999). Com relação à seleção de fornecedores,
nenhum dos três hospitais estudados possui uma política de compras em
que a questão ambiental seja relevante. Já a gestão de estoques possui
características distintas nos três hospitais, mas as condições de armazenamento de produtos e medicamentos são analisadas durante as auditorias para evitar que sejam perdidos, por representarem altos custos para
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a instituição. Outra prática descrita na literatura é a reciclagem (PRUSS
et al., 1999; GARCIA; ZANETTI-RAMOS, 2004). Nos três hospitais,
observou-se o engajamento dos envolvidos para que os materiais que
possam ser reciclados sejam segregados corretamente e tenham seu destino adequado.
Geração, segregação e acondicionamento: O conhecimento da
quantidade de resíduos gerados pelos hospitais é uma informação importante para a gestão, uma vez que, quando não há controles, torna-se
mais difícil embasar decisões sobre o processo, como compras, contratação de funcionários, dimensionamento de abrigos e etc. No entanto, observou-se que, à exceção do HC, os hospitais pesquisados não valorizam
esta informação. A quantidade de resíduos gerada nos hospitais estudados é significativamente diferente, mesmo sendo ponderadas pelo número de leitos nos hospitais: o HA gera, por dia, 64 litros/leito; o HB, 115
litros/leito; e o HC, 24 kg/leito. No entanto, assim como no estudo de
Silva (2005), analisando hospitais no Rio Grande do Sul, as unidades
de medidas utilizadas são divergentes, o que dificulta as comparações.
Foi possível ainda notar diferenças no percentual de resíduos infectantes
gerados sobre o total: no HA, o percentual de resíduos infectantes é de
33%; no HB, é de 50%; e no HC, de 27%.
Todos os hospitais seguem as determinações de cores estabelecidas
pela legislação, embora no HB algumas vezes não tenham sido verificadas as identificações através de símbolos dos resíduos contidos nos contêineres utilizados para o acondicionamento primário. Diferentemente
do que propõe a literatura, HA e HB não utilizam materiais informativos
que sirvam como referência para a segregação dos resíduos no momento da geração, apesar de haver recipientes específicos para cada classificação, além da codificação por cores dos sacos plásticos utilizados
como invólucros. Já no HC são utilizados vários materiais nos depósitos
de equipamentos e itens de limpeza para que sirvam como reforço das
informações passadas nos treinamentos. Nestes informativos, são mostrados os fluxos de resíduos dentro da instituição, um resumo da classificação constante na legislação, bem como exemplos dos materiais
contidos em cada grupo. Conforme observa um dos entrevistados do
HC, “pequenas melhorias no processo de gestão dos resíduos permitiram reduzir o número de casos de cortes com agulhas esquecidas no
meio de compressas ou do número de entupimentos de vasos sanitários
por descarte indevido de determinados materiais, diminuindo o risco de
contaminação e o impacto no meio ambiente”.
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Armazenamento intermediário: As principais recomendações da
literatura para as práticas utilizadas nesta etapa do processo são:
a) proximidade dos locais de geração;
b) não ser acessíveis a pessoas não autorizadas;
c) utilização exclusiva para o armazenamento de resíduos;
d) condições físicas estruturais adequadas e sinalização;
e) local deve possuir condições higiênicas, tais como boa iluminação,
ventilação;
f) devem possuir fácil acesso aos carros utilizados nos transportes.
Avaliados sob tais perspectivas, os casos estudados possuem diferentes graus de atendimento a essas recomendações. Percebe-se
que, em função de os hospitais terem sido construídos antes das legislações e boas práticas de resíduos terem sido elaboradas, estas
áreas tiveram que ser adaptadas. No HA, o abrigo temporário de
resíduos está situado nos expurgos da instituição, área considerada
“suja”. Nela estão também armazenados outros tipos de materiais,
como ferramentas utilizadas nos cuidados com os pacientes (comadres, recipientes etc.) e roupas sujas. Tal prática contraria o princípio
da exclusividade, mas esta adaptação foi aprovada pela ANVISA.
Outro problema enfrentado pelo HA é o acúmulo de resíduos
mantidos nestes locais, aguardando a coleta. No HB, existe uma
área específica para o armazenamento de resíduos, separada dos
expurgos. Comparando-se os três casos, o HC é o que possui a
estrutura mais adequada, de acordo com o apontado pela revisão
de literatura. Nos andares estão localizadas duas estruturas distintas para acomodar os resíduos: uma para resíduos infectantes
e outra para os outros tipos de resíduos. Há ainda um andar com
uma sala especificamente preparada para armazenar os resíduos
radioterápicos, até que ocorra o decaimento. Todos estes espaços
são isolados por portas, onde se encontram a identificação do ambiente e a indicação de acesso não autorizado.
Transporte interno: As principais recomendações da literatura
tratam sobre as características dos carros utilizados para este transporte,
o estabelecimento de turnos, horários e a frequência de coleta, sinalização do itinerário, a diferenciação da coleta segundo o tipo de resíduo, e
a limpeza e desinfecção dos carros ao final de cada operação. HA e HC
realizam a troca de carros, já que os contêineres utilizados para armazenar os resíduos nos abrigos são substituídos por carrinhos maiores, para
que o transporte seja mais rápido e eficiente. No HB, os mesmos carros
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utilizados para o abrigo interno seguem para o transporte e são substituídos por outros limpos no momento da coleta. Nos hospitais B e C,
há nos abrigos um elevador exclusivo para o trânsito de resíduos. Em
relação às condições estruturais, a situação mais crítica é a do HA, que
tem apenas um elevador de serviço, que é utilizado para diversos fins,
como o transporte de resíduos, roupa e alimentação, exigindo mais desta
etapa em função da necessidade de limpeza e maiores riscos de contaminação. Observou-se que a frequência média de coleta utilizada nos
hospitais está diretamente relacionada com a geração de resíduos e
com o espaço dimensionado para a acomodação dos mesmos no abrigo
interno: no HC, a coleta é realizada duas vezes por turno; no HB, três
vezes por turno; e no HA, quatro vezes ao dia. Nos três hospitais, foi
percebida a utilização de Equipamentos de Proteção Individual (EPI)
adequados pelos funcionários que realizam este transporte. Assim como
o indicado por Shinee et al. (2008), esta etapa do processo está sujeita
aos riscos impostos por etapas anteriores, como mau empacotamento de
resíduos perfurocortantes, que podem representar riscos ocupacionais
para os profissionais responsáveis por esta tarefa.
Armazenamento centralizado: Nos três casos analisados, nota-se
que os abrigos utilizados como armazém central foram reestruturados
com as mudanças impostas pela Resolução da Diretoria Colegiada n.
306 (ANVISA, 2004), e reforçadas nas auditorias realizadas pela Vigilância Sanitária. Outra similaridade observada é a limitação do acesso
a esses abrigos, que estão fisicamente afastados dos locais de maior circulação de pessoas, em conformidade com a literatura (PRUSS et al.,
1999; GARCIA; ZANETTI-RAMOS, 2004). O HA conta com três ambientes distintos: um para resíduos comuns; outro para os infectantes;
e outro para os químicos. Os materiais recicláveis são dispostos em um
ambiente próximo destes abrigos, mas não conta com uma estrutura tão
preparada como a dos outros resíduos. O HB também conta com três
ambientes separados para a armazenagem de resíduos comuns, infectantes
e químicos. Outra similaridade encontrada entre estas duas instituições
é a restrição de capacidade de armazenagem: os espaços alocados para
este fim abrigam adequadamente os volumes gerados ao longo de um
dia. Caso haja atrasos ou problemas na coleta realizada pelos terceiros,
os hospitais enfrentarão dificuldades para contornar a situação, estando
mais suscetíveis a riscos. Já no HC, o espaço alocado para os resíduos é
significativamente maior e pode abrigar o volume gerado em até cinco
dias, sem que isso cause transtornos para o processo.
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Transporte externo: De acordo com a literatura, esta etapa do processo deve atentar para a adequação do método de transporte ao tipo de
resíduo, para a periodicidade e para a documentação do veículo. Os três
hospitais estudados passaram por modificações impostas pela legislação, especificamente municipal. Com as mudanças, os centros de saúde passaram a ser responsáveis pelos resíduos gerados, mesmo após
serem coletados, o que antes era atribuição da prefeitura. No HC, um
terceiro realiza esta coleta, mas é a prefeitura que determina que empresas podem realizar este serviço e o tratamento dos resíduos. HA e HB,
por sua vez, são responsáveis pela escolha dos terceiros, mas a responsabilidade das instituições não termina no momento da coleta, sendo
necessário acompanhar todo o processo, até que os resíduos sejam efetivamente descartados. Assim como nos resultados do estudo de Askarian,
Vakili e Kabir (2004), a coleta dos resíduos comuns e infectantes é
realizada diariamente pelos hospitais, em veículos dedicados, como determina a OMS (PRUSS et al., 1999). Os resíduos químicos, cujo volume gerado é significativamente menor, são coletados semanalmente.
Tratamento: Nos três casos, esta etapa do processo é realizada
fora dos hospitais devido à sua complexidade e dissociação com as atividades primárias dos hospitais. Assim como descrito na etapa de coleta,
os tratamentos de resíduos antes das mudanças nas legislações municipais eram executados pelas prefeituras. Nos três casos, a tecnologia
utilizada para o tratamento de infectantes era a incineração, sob condições inadequadas, método criticado pela emissão de gases tóxicos na
atmosfera (FIESP, 2010). Após os ajustes às novas regras, cada hospital
adotou um tipo de tratamento diferente para os resíduos infectantes,
como apontado na literatura (DIAZ et al., 2005, NEMATHAGA et al.,
2008). Em função da determinação municipal, o HC utiliza a desativação eletrotérmica, enquanto o HA adota a autoclavação e o HB o
descarte em células especiais para resíduos de saúde no aterro sanitário,
que dispensa o uso de tratamento. Para os resíduos químicos, o método
utilizado pelos três continua sendo a incineração, pelas características
desses resíduos. Para ressaltar a importância de acompanhar o processo
relacionado aos resíduos, mesmo quando não estão mais em suas posses, é ilustrado o ocorrido com o HB, que foi autuado pela Vigilância Sanitária em função da empresa contratada não estar efetivamente tratando
os resíduos, mantendo-os armazenados em um galpão, junto com os
resíduos de outros estabelecimentos.
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Mariana de Paula Kopp, Claudia Affonso Silva Araujo e Kleber Fossati Figueiredo
Disposição final: Nos casos estudados, os resíduos são corretamente descartados, com os documentos exigidos e assinados pelos
responsáveis pela recepção dos resíduos no Rio de Janeiro, e também
pelo controle da prefeitura em São Paulo. Como não é uma etapa realizada pelos funcionários dos hospitais, cabe aos responsáveis apenas controlar a exigência de requisitos e certidões ambientais. Os três hospitais,
por estarem localizados em regiões mais desenvolvidas, possuem recursos e/ou acesso a aterros sanitários, reduzindo a utilização de lixões que,
segundo Diaz et al. (2005), são comuns em países em desenvolvimento.
Treinamento: Dois dos três hospitais pesquisados não adotam os
procedimentos prescritos na literatura de oferecer treinamento na admissão, ou educação continuada através de treinamentos periódicos. O HA
não realiza treinamento na admissão e tampouco periódico; o HB, apesar
de não realizar treinamento na admissão, faz treinamentos periódicos
para os profissionais de enfermagem, que são terceirizados. Apenas o
HC oferece programas de treinamento na admissão, onde são passadas
noções sobre resíduos, e possui um programa de treinamento periódico para oferecer educação continuada a seus profissionais de hospedagem. Mesmo assim, o HC não está alinhado com a literatura, pois os
treinamentos deveriam ser oferecidos a todos os funcionários do hospital, para assegurar a compreensão dos riscos intrínsecos aos resíduos e
dos métodos adequados para manuseá-los (SHANER; McRAE; 2002,
DIAZ et al., 2005). Os gestores do HB acreditam que todos os colaboradores deveriam ser treinados, mas tal prática não é operacionalizada.
Para os entrevistados do HA, como a rotina dos profissionais, em especial
de enfermagem, é extremamente corrida, a disponibilidade para participar de treinamentos é significativamente limitada. Com isso, os hospitais
estudados não estão obtendo os benefícios advindos do treinamento da
equipe, citados por Garcia e Zanetti-Ramos (2004).
Auditorias: Todos os hospitais estudados são acreditados e a auditoria interna é uma prática necessária para os processos de certificação.
Assim, com o objetivo de acompanhar o fluxo e identificar falhas, os
gestores dos HA e HC fiscalizam com frequência as atividades nas diversas etapas do processo, incluindo a forma como está sendo realizada
a disposição final. No HB, contudo, não há um acompanhamento organizado que vise identificar as falhas no processo. A enfermeira responsável
pelos profissionais da limpeza faz orientações e verifica inconsistências,
mas só atua na instituição por 20 horas semanais. O HB, portanto, não
está aproveitando as oportunidades de melhoria dos processos e redução
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de custos, apontadas na literatura (ALMUNEEF; MEMISH, 2003; BRITO; FERREIRA, 2006, HOUSSAIN et al., 2011).
Considerações finais
Tendo como base a análise dos casos, relacionando suas práticas
com as recomendações da literatura e com a legislação, é possível responder à pergunta geral formulada neste estudo: Como são gerenciados
os RSSS nos hospitais do Rio de Janeiro e de São Paulo e quais as
principais características de suas práticas?
Todas as instituições pesquisadas passaram por transformações no
processo, principalmente para se adaptarem e atenderem a legislações
que foram criadas ou modificadas. As novas legislações municipais, que
atribuem responsabilidade total ao gerador, inclusive das atividades anteriormente realizadas pelas prefeituras, como a coleta, tratamento e descarte dos resíduos, foram muito importantes para melhorar os resultados.
Como estas atividades passaram a representar custos para os hospitais,
o interesse em executá-las corretamente pode ser refletido em economia
de recursos. Todas as instituições relataram que, antes das modificações,
todos os resíduos eram considerados como infectantes e, em função das
novas regras, a segregação de resíduos passou efetivamente a acontecer.
Observou-se a preocupação dos gestores em reduzir desperdícios e
minimizar a utilização de materiais. No entanto, estes enfrentam grandes
dificuldades neste processo por dependerem das ações das pessoas envolvidas, já que segregar corretamente os materiais recicláveis, por
exemplo, exige mudanças de hábitos e comportamento, e pelo fato de a
gestão de resíduos em geral não ser encarada como prioridade pela direção, dificultando a liberação de recursos para investir em boas práticas.
Mesmo no que tange à segregação dos resíduos não aproveitáveis, como
comum ou infectante, os funcionários têm certa dificuldade de classificá-los. De acordo com a literatura, práticas como a colocação de lembretes posicionados próximos aos locais de geração e o treinamento de
todos os funcionários, e não apenas dos profissionais de limpeza, poderiam contribuir para uma segregação mais eficaz dos resíduos. No entanto,
os hospitais pesquisados, em geral, não adotam estas práticas. A etapa
de descarte de resíduos também é de grande relevância para os riscos ao
ambiente e à sociedade e, pelos casos analisados, não é ainda realizada
de forma satisfatória pelos hospitais.
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Cabe ressaltar que, ainda que a responsabilidade seja totalmente
atribuída às instituições de saúde, parte do processo é realizada por empresas terceirizadas. Por isso, os processos de seleção dessas empresas e
o acompanhamento dos serviços prestados são igualmente importantes
para um bom desempenho global do processo. Soma-se a isso a dependência de fatores externos às instituições, como os locais disponíveis
para o descarte de resíduos e suas condições, que algumas vezes mostram-se inadequados.
Importante notar que estas dificuldades não são exclusivas dos hospitais estudados neste trabalho, já que os casos apresentados na revisão
de literatura, sobretudo aqueles dos países em desenvolvimento, também
enfrentam restrições e falhas em seus processos.
Apesar das dificuldades, os três hospitais estudados percebem consequências positivas no gerenciamento eficaz de seus resíduos, como
os recursos advindos da venda de materiais recicláveis. Apesar de não
serem significativos diante das quantias despendidas no processo global,
tal retorno justifica seus esforços. Adicionalmente, a correta exequibilidade do processo permite reduzir custos resultantes de atividades incorretas, como a classificação de resíduos comuns como infectantes,
que aumenta o volume e o gasto com tratamento de materiais que não
apresentam tal necessidade. Por último, os gestores mencionaram que a
gestão eficiente dos resíduos pode diminuir os acidentes ocupacionais,
ligados a lesões com materiais perfurocortantes, os riscos de contaminação hospitalar e os danos ambientais.
Em suma, os resultados desta pesquisa contribuem para expansão
do conhecimento da área de Estratégia, Sustentabilidade Socioambiental
e Ética Corporativa por revelar que a gestão dos resíduos hospitalares
encontra-se ainda em fase embrionária, limitando-se, em geral, a atender o que determina a legislação. Dito de outra forma, os resultados demonstram a falta de consciência e/ou preocupação dos gestores quanto
aos impactos ambientais de suas ações. Em geral, os recursos despendidos no processo de gestão dos RSSS são interpretados pelos líderes
como custos e, como tais, devem ser minimizados. Ficou claro, também,
que o cargo ocupado pelo gestor dos RSSS traduz a importância atribuída pela alta liderança ao assunto: quanto mais afastado da assistência
ao paciente for o cargo, menor é a autonomia e o apoio recebido pelo
gestor. E como esse assunto permeia toda a organização e requer a
mudança de atitude e comprometimento de todos os envolvidos, a falta
de apoio institucional dificulta a implementação de boas práticas.
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Gestão dos resíduos sólidos hospitalares: estudo de casos em hospitais...
Importante frisar que este estudo focou em resíduos de serviços de
saúde, os quais são especialmente críticos para a saúde da sociedade e
do meio ambiente. Trata-se, em última análise, de um assunto de saúde
pública e, mesmo assim, foram revelados líderes pouco conscientes de
suas responsabilidades ambientais. Assim, abrindo o escopo de análise, os resultados desta pesquisa devem alertar a área de Estratégia, Sustentabilidade Socioambiental e Ética Corporativa para a necessidade de
conscientizar os gestores sobre a importância do tema.
O método do estudo de casos, apesar de ser o mais adequado para
os propósitos desta pesquisa, apresenta algumas restrições, como: não
permite generalizações dos resultados; existe a possibilidade de introdução de viés por parte do pesquisador, através da subjetividade da coleta
e análise das informações, e por parte dos entrevistados, em seus depoimentos. Para reduzir estas limitações, foram realizadas triangulações,
através da análise de fontes secundárias e de visitas às instalações pelos
pesquisadores. É importante salientar que os resultados aqui obtidos não
devem ser generalizados ou interpretados como regra para todo o setor
hospitalar brasileiro.
Por ser um tema relativamente recente, diversas são as oportunidades de estudos relacionados aos RSSS. Como sugestão, destacam-se
os seguintes temas:
a) Qual a visão do processo sob a ótica de outros atores da cadeia,
como os terceiros contratados para a realização do tratamento e
descarte dos RSSS?
b) Em função da diversidade econômica e social do Brasil, como o
processo é tratado em outras regiões do país, principalmente fora
do eixo econômico central?
c) Considera-se ainda o aprofundamento em determinadas etapas do
processo, como o acompanhamento da geração de resíduos, identificando como é feita a segregação dos resíduos e os principais motivos que justificam os erros cometidos nesta etapa;
d) Estaria o volume de resíduos gerados associado a alguma variável
como, por exemplo, o número de atendimentos e a especialidade
do hospital?
Recebido em setembro de 2012.
Aprovado em dezembro de 2012.
Gestão Contemporânea, Porto Alegre, ano 10, n. 13, p. 71-95, jan./jun. 2013
Disponível em: <http://seer2.fapa.com.br/index.php/arquivo>
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Mariana de Paula Kopp, Claudia Affonso Silva Araujo e Kleber Fossati Figueiredo
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