Clique aqui para baixar o Documento de Trabalho Básico
Transcrição
Clique aqui para baixar o Documento de Trabalho Básico
Documento de Trabalho Economia Social e Solidária Autores: Bénédicte Fonteneau, Pesquisadora sênior no Centro de Pesquisa/Universidade de Lovaina – HIVA, Bélgica Nancy Neamtan, Diretora-Geral, Pelouro de Economia Social, Canadá Fredrick Wanyama, Diretor, Escola de Desenvolvimento e Estudos Estratégicos, Universidade de Maseno, Quênia Leandro Pereira Morais, Professor da Faculdades de Campinas e da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Brasil Mathieu de Poorter, Consultor Internacional, Suíça Copyright © Centro Internacional de Formação da Organização Internacional do Trabalho 2014 Primeira edição 2014 Esta publicação goza da proteção dos direitos de autor em virtude do Protocolo n.º 2, anexo à Convenção Universal sobre o Direito de Autor. Os pedidos de autorização para a reprodução, tradução ou adaptação parcial ou total do seu conteúdo deverão ser dirigidos ao Centro Internacional de Formação da OIT. Os pedidos serão bem acolhidos pelo Centro. Contudo, poderão ser reproduzidos sem autorização breves excertos, mediante indicação da fonte. DOCUMENTO DE TRABALHO: ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA ISBN 978-92-9049-669-4 As denominações utilizadas nas publicações do Centro Internacional de Formação da OIT, que estão em conformidade com a prática seguida nas Nações Unidas, bem como a apresentação dos dados que nelas figuram, não implicam a manifestação de qualquer opinião da parte do Centro sobre, nomeadamente, o estatuto jurídico de qualquer país, área ou território, sobre as suas autoridades ou a delimitação das suas fronteiras. As opiniões expressas em artigos, estudos e outros documentos são da exclusiva responsabilidade dos seus autores, e a publicação dos mesmos não vincula o Centro às opiniões neles expressas. As publicações do Centro, bem como um catálogo ou lista de novas publicações, podem ser obtidas no seguinte endereço: Publicações, Centro Internacional de Formação da OIT Viale Maestri del Lavoro, 10 10127 Turim, Itália Tel.: +39 - 011 - 6936.693 Fax: +39 - 011 - 6936.352 Correio eletrônico: [email protected] Concepção gráfica e impressão: Centro Internacional de Formação da OIT, Turim, Itália ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Agradecimentos A OIT e os autores deste documento de trabalho desejam manifestar a sua gratidão aos seguintes peritos e instituições pelos seus valiosos comentários: Prof. Carlo Borzaga, Universidade de Trento, Departamento de Economia; Francis Sanzouango, Consultor Sênior da OIT para África, Departamento para as Atividades dos Empregadores (ACT/EMP), Genebra; Thierry JEANTET (EURESA); Karine Pflüger (Economia Social, Europa); Jürgen Schwettmann, Diretor Regional Adjunto. Escritório Regional da OIT para África, Adis Abeba; CIRIEC (vários peritos); Monica Lisa (Departamento de Aplicações Tecnológicas Didáticas do CIT da OIT). Tom Fox, Desenvolvimento da Empresa Social, OIT Pretória; Carlien Van Empel (OIT COOP, Genebra); Joni Simpson (OIT, Genebra); Jan Olsson (Comitê Econômico e Social Europeu) DOCUMENTO DE TRABALHO iii ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Prefácio Após a crise financeira de 2007-2008, alguns países e regiões, nomeadamente na Ásia e na América Latina, não tardaram em testemunhar sinais de recuperação encorajadores na sua economia real, em termos de redução do emprego e da pobreza. Porém, com a crise da dívida soberana na Europa, que teve início na Grécia em meados de 2010, e a continuada recessão orçamental dos Estados Unidos, o mundo entrou numa nova fase de crise financeira, econômica e social global. Num contexto de graves desequilíbrios sociais e econômicos e de instabilidade crescente, a OIT, com o apoio de muitas outras partes interessadas, pugna por uma globalização mais justa e equitativa, com o trabalho decente no centro das políticas públicas. A Declaração sobre Justiça Social para uma Globalização Equitativa, adotada pela Conferência Internacional do Trabalho da OIT em junho de 2008, reconheceu que “as empresas produtivas, rentáveis e sustentáveis, em conjunto com uma economia social forte e com um setor público viável, são essenciais para o desenvolvimento econômico sustentável e para a criação de oportunidades de emprego”. A economia social e solidária proporciona emprego, proteção social e outras vantagens econômicas e sociais, desempenhando efetivamente um papel importante e cada vez maior na economia real. Na mesma linha, o Pacto Global para o Emprego (2009) reconheceu que “as cooperativas proporcionam empregos nas nossas comunidades, desde as muito pequenas empresas até às grandes multinacionais”. As empresas e organizações da economia social e solidária, porque possuem características peculiares e vantagens comparativas, incluindo uma governança democrática e uma gestão autônoma, são promovidas por um número crescente de países. Em todo o mundo estão a ser estabelecidos enquadramentos políticos para o desenvolvimento da economia social e solidária a nível nacional e regional, baseados em parcerias celebradas entre governos, parceiros sociais e a sociedade civil. É o caso, também, na América Latina, onde se assiste, por exemplo, à implementação de reformas políticas e jurídicas na Bolívia, no Equador e no Peru, para reconhecer o papel desempenhado pelas cooperativas e por outras organizações de economia social e solidária na redução da pobreza e na promoção da inclusão social. Atualmente, a economia social e solidária é uma realidade na vida de muitos cidadãos, porque promove valores e princípios centrados nas necessidades das pessoas e nas suas comunidades. Num espírito de participação voluntária, autoajuda e autossuficiência, e através de empresas e organizações, procura equilibrar o sucesso econômico com equidade e justiça social, desde o nível local ao nível global. No Canadá, mais de 30% da população são membros de cooperativas. No Brasil, as cooperativas produzem três quartos do trigo e 40% do leite, e as exportações de cooperativas rendem mais de 1,3 bilhões de USD. Promover a economia social e solidária significa contribuir para cada uma das dimensões da Agenda de Trabalho Decente. As empresas e as organizações da economia social e solidária criam e sustentam empregos e meios de subsistência, proporcionam proteção social, estabelecem e reforçam o diálogo social com todos os trabalhadores e promovem a aplicação e o cumprimento de normas para todos. Nesta era de crise e de instabilidade, a promoção da economia social e solidária, no quadro da Agenda de Trabalho Decente, é uma forma eficaz de promover a justiça social e a inclusão social em todas as regiões. A OIT foi pioneira na promoção da economia social e solidária. Em 1920, o Diretor-Geral da OIT, Albert Thomas, criou um Departamento de Cooperativas, o atual Programa de Cooperativas da OIT. Na década de 1980, a OIT desenvolveu o conceito de “finanças sociais”, e no final da década de 1990 tornara-se pioneira no apoio ao desenvolvimento de mutualidades para a prestação de proteção social. Em 2001, a CIT alcançou um “Novo Consenso” em matéria de seguridade social que deu máxima prioridade à concessão de cobertura iv DOCUMENTO DE TRABALHO ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA a quem não tinha e, em consequência, levou a OIT a reforçar o seu apoio a planos de proteção comunitários e mutualidades. Em 2002, após a adoção da Recomendação 193 relativa à promoção das cooperativas, o Diretor-Geral da OIT, Juan Somavia, chamou às cooperativas uma das ferramentas mais poderosas para a criação de empregos decentes. Mais recentemente, a OIT iniciou a promoção de “empresas sociais” e do “empreendedorismo social”, tendo lançado, em 2009, o Plano de Ação para a promoção de empresas e organizações de economia social em resultado da Conferência Internacional realizada em Joanesburgo. As Nações Unidas proclamaram 2012 o Ano Internacional das Cooperativas. Atualmente, o conceito da economia social e solidária figura num elevado número de ações da OIT, como os programas de trabalho intensivo, a promoção do ecoturismo e do comércio justo, o apoio aos povos indígenas, os projetos de desenvolvimento econômico local, as iniciativas comunitárias sobre o HIV/ AIDS, os “empregos verdes”, as empresas sustentáveis e o “piso de proteção social”. A OIT desenvolveu conhecimentos especializados profundos no domínio da economia social e solidária, em conjugação com um conjunto abrangente de estratégias e de ferramentas ao serviço das pessoas na sua procura de justiça social através do trabalho decente. Na África, a OIT gere diretamente projetos de promoção das cooperativas, mutualidades e empresas sociais. Na América Latina, a OIT apoia a pesquisa, a reforma das políticas e o reforço de capacidades no âmbito da economia social e solidária. Patricia O’DONOVAN Diretora Centro Internacional de Formação da OIT Charles DAN Diretor Regional da OIT para África Assane DIOP Diretor Executivo Setor da Proteção Social (ED/ PROTECT) da OIT José Manuel SALAZAR-XIRINACHS Diretor Executivo Setor do Emprego (ED/EMP) da OIT Elizabeth TINOCO ACEVEDO Diretora Regional da OIT para a América Latina e o Caribe DOCUMENTO DE TRABALHO v ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Índice Agradecimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . iii Prefácio. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . iv Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . viii A OIT e a iniciativa da economia social e solidária. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . viii Atividades de promoção da ESS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . xi Atividades Regionais da OIT. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . xii Atividades dos parceiros da OIT. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . xv Conteúdo do Documento de Trabalho. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . xvii Acrônimos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . xviii Capítulo 1: Compreender a economia social e solidária. . . 1 1.1 Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 1.2 O Levantamento da ESS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 1.3 Características comuns das organizações de ESS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 1.4 Conceitos conexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10 1.5 Vantagens comparativas da ESS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 1.6 Conclusões principais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18 Capítulo 2: Governança e gestão de OESS . . . . . . . . . . . 19 2.1 Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 2.2 Governança e gestão de OESS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 2.3 Gestão de recursos nas OESS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28 2.4 Mecanismos de financiamento das OESS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30 2.5 Para uma gestão eficiente das OESS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32 2.6 Conclusões principais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 vi DOCUMENTO DE TRABALHO ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Capítulo 3: Elaboração de políticas públicas para o desenvolvimento da ESS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37 3.1 Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37 3.2 Políticas públicas para a ESS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37 3.3 Construção da base para o topo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41 3.4 Ações transversais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42 3.5 Possibilidades de “emancipação”?. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43 3.6 A ESS em países selecionados. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44 3.7 Conclusões principais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 Capítulo 4: Criar a ESS através de parcerias e redes. . . . 55 4.1 Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 4.2 A importância das parcerias e redes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56 4.3 Formas de colaboração. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59 4.4 Partes interessadas fundamentais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60 4.5 Diferentes tipos de redes e parcerias. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65 4.6 Os papéis e as funções das redes no apoio à ESS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66 4.7 Elaboração de um plano de ação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70 4.8 Estruturas internacionais da ESS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71 4.9 Conclusões principais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74 Capítulo 5: Contribuição da ESS para a Agenda de Trabalho Decente da OIT. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81 5.1 Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81 5.2 Promoção e realização das normas do trabalho e dos direitos no trabalho . . . . . . 82 5.3 Garantir emprego decente e renda. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85 5.4 Reforço e ampliação da proteção social . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88 5.5 Reforço e ampliação do diálogo social. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92 5.6 Conclusões principais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93 Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94 Sites de internet:. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98 DOCUMENTO DE TRABALHO vii ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Introdução A OIT e a iniciativa da economia social e solidária A economia social e solidária (ESS) é um conceito aplicado a empresas e organizações, em particular a cooperativas, mutualidades, associações, fundações e empresas sociais, que produzem especificamente bens, serviços e conhecimento com objetivos econômicos e sociais e de promoção da solidariedade. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) construiu uma longa tradição e desenvolveu profundos conhecimentos especializados no domínio das empresas e organizações de economia social solidária (OESS). No seu primeiro ano (1920), a OIT criou um Departamento de Cooperativas, que ainda hoje existe (o Programa de Cooperativas, EMP/COOP). O primeiro documento oficial da OIT a fazer referência à economia social remonta a janeiro de 1922, data da ata da 11.ª Sessão do Conselho de Gestão (GB). Na década de 1980, a OIT desenvolveu o conceito de “finanças sociais”, que abrange uma ampla variedade de instituições e serviços de microfinanciamento. Na década de 1990, a OIT começou a desenvolver planos de proteção comunitários e mutualidades no domínio da proteção social. Mais recentemente, a OIT envolveu-se na promoção de “empresas sociais” e do “empreendedorismo social”. A OIT desenvolveu vários instrumentos normativos relevantes para a promoção de OESS, como a Recomendação 193 relativa à Promoção das Cooperativas (R.193, 2002)1 e a Recomendação 189 relativa à Criação de Empregos em Pequenas e Médias Empresas (1998). Além do mais, a cooperativa é o único tipo de empresa OESS universal e juridicamente reconhecido a nível global através da R.193, o único instrumento governamental internacional em matéria de cooperativas. No domínio da cooperação multilateral, a OIT é também a única agência da ONU que dispõe de uma unidade dedicada a todas as formas de cooperativas. Os conhecimentos especializados da Secretaria Internacional do Trabalho foram adquiridos graças à prestação de assistência técnica a países (p. ex., através da concepção de estratégias, políticas e legislações nacionais) e a organizações (p. ex., através da melhoria da governança e da produtividade) numa multiplicidade de situações (p. ex., na economia formal e informal, em comunidades rurais e urbanas), cooperando com as pessoas das bases até uma gama alargada de partes interessadas, incluindo todos os constituintes da OIT. Esta assistência técnica é concedida ainda sob a forma de capacitação (p. ex., desenvolvimento de competências), de pesquisa e estudos, de promoção de redes e de mecanismos de partilha de conhecimentos e de sensibilização em fóruns nacionais e internacionais. A OIT também estabeleceu fortes parcerias internacionais com representantes-chave globais de partes interessadas em ESS, como o Comitê para a Promoção e o Progresso das Cooperativas (COPAC), a Associação Internacional das Mutualidades (AIM), o Grupo Consultivo de Assistência aos Pobres (CGAP), 1 A anterior Recomendação 127 relativa ao Papel das Cooperativas no Desenvolvimento Econômico e Social dos Países em Desenvolvimento (1966) foi revista e substituída pela Recomendação 193. viii DOCUMENTO DE TRABALHO ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA o Comitê Econômico e Social Europeu (CESE) e o Centro Internacional de Pesquisa e Informação sobre Economia Pública, Social e Cooperativa (CIRIEC).2 A OIT estabeleceu, em particular, uma parceria duradoura com a Aliança Cooperativa Internacional (ICA)3, tendo ambas as organizações subscrito um Memorando de Entendimento em 2003. A ICA possui estatuto de observador no Conselho de Administração da OIT e na Conferência Internacional do Trabalho.4 A cooperação entre a OIT e a ICA é mutuamente vantajosa: através da ICA, a OIT consegue chegar a mil milhões de membros e, por seu lado, a ICA pode beneficiar da estrutura tripartite e do mandato da OIT.5 O interesse da OIT na ESS foi recentemente renovado com a Declaração sobre Justiça Social para uma Globalização Equitativa (2008) da OIT, que apela à promoção de Organizações de Economia Social no seio de uma economia pluralista. Em 2010, os Constituintes da OIT solicitaram o reforço do apoio à promoção da Economia Social, bem como uma clarificação do conceito de Economia Social.6 Atualmente, os conceitos de ESS e de OESS integram os seguintes domínios: iniciativas e programas da OIT (p. ex., a Iniciativa Piso de Proteção Social); programas de mão de obra intensiva; promoção do ecoturismo e do comércio justo; apoio a minorias indígenas; projetos de desenvolvimento econômico local; combate ao HIV/AIDS; promoção dos empregos verdes; e, de modo mais geral, as empresas sustentáveis. No âmbito das regiões, a Conferência Regional “A economia social – A resposta da África à crise” (Joanesburgo, 19-21 de outubro de 2009) resultou na adoção do “Plano de ação para a promoção de empresas e organizações de economia social em África”.7 2 O COPAC é um comitê que integra a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), a Aliança Cooperativa Internacional (ICA), a OIT e a Organização das Nações Unidas (ONU). Os membros cooperam em pé de igualdade na promoção e na coordenação do desenvolvimento cooperativo sustentável, através da promoção e sensibilização para as cooperativas, de diálogos sobre políticas e da defesa de políticas que viabilizem o sucesso das cooperativas, da colaboração em atividades de cooperação técnica e da partilha de informação e conhecimento (www.copac.coop). A Associação Internacional das Mutualidades (AIM) proporciona cobertura a mais de 170 milhões de pessoas em 26 países de todo o mundo. A AIM, instituída na década de 1950, reúne 40 federações ou associações de mutualidades autônomas no domínio da saúde e da proteção social. As filiadas na AIM funcionam de acordo com os princípios da solidariedade e do não lucro. O secretariado da AIM está sediado em Bruxelas (www.aimmutual.org). O Grupo Consultivo de Assistência aos Pobres (CGAP) é apoiado por mais de 30 agências de desenvolvimento e fundações privadas, que partilham a missão comum de reduzir a pobreza. O CGAP é um centro de pesquisa e de desenvolvimento de políticas independente, dedicado a promover o acesso a financiamento para os pobres de todo o mundo. Sediado no Banco Mundial, o CGAP fornece informações sobre os mercados, promove normas, desenvolve soluções inovadoras e presta serviços de consultoria a governos, fornecedores de microfinanciamento, doadores e investidores (www.cgap. org). O CIRIEC (Centro Internacional de Pesquisa e Informação sobre Economia Pública, Social e Cooperativa) lidera uma rede científica internacional que reúne mais de 150 peritos no domínio da economia pública, social e cooperativa. Está representado em 15 países nos continentes americano, asiático e europeu. 3 A Aliança Cooperativa Internacional foi fundada em 1895 em Londres. Integra 248 organizações filiadas, de 92 países. Representa cooperativas nacionais e internacionais presentes em todos os setores de atividade, em particular na agricultura, seguros, banca, defesa do consumidor, habitação, indústria, pesca, saúde e turismo. Possui mais de mil milhões de membros em todo o mundo. A ICA promove ativamente a identidade cooperativa e garante a existência dum ambiente político favorável à evolução e ao progresso das cooperativas. Presta informações aos seus membros e fomenta a partilha de boas práticas. A Aliança também gere um programa de desenvolvimento que presta assistência técnica a cooperativas de todo o mundo. A sede da ICA está situada em Genebra (http://www.ica.coop/). 4 Cf. Constituição da OIT, artigo 12.º, n.º 3. 5 A OIT tem uma longa tradição de colaboração com o movimento cooperativo. A Constituição da OIT (artigo 12.º, n.º 3) refere o movimento cooperativo em conjunto com as organizações internacionais de empregadores, de trabalhadores e de agricultores. Incentiva em particular a OIT a cooperar com estas organizações; o que inclui cooperativas como organizações representativas dos seus membros. 6 Através, respectivamente, da Resolução Relativa ao Debate Recorrente sobre o Emprego (Conferência Geral, 99.ª Sessão da CIT, 16 de junho de 2010) e do Comitê para o Debate Recorrente sobre o Emprego (99.ª Sessão da CIT). 7 Disponível em inglês, francês, português, espanhol e árabe em www.ilo.org/public/english/region/afpro/addisababa/events/ socialeconomyoct12_09.htm (agosto de 2011). DOCUMENTO DE TRABALHO ix ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Conferência Regional da OIT sobre economia social (Joanesburgo, 19-21 de outubro de 2009) Mais de 200 partes interessadas e promotores da economia social de África, representantes de governos de 25 países africanos, organizações de empregadores e de trabalhadores, OESS de outras partes do mundo e especialistas de unidades da sede da OIT e no terreno participaram na conferência. Em conjunto, adotaram um Plano de Ação destinado a mobilizar a ESS em África, em resposta à crise, a nível local, regional e nacional. Além de liderar um consenso tripartite sobre uma definição inclusiva de ESS, os participantes prestaram vários contributos para o Plano de Ação, entre outros: o reconhecimento do papel da ESS e das suas empresas e organizações na sociedade africana, e o seu papel na resposta à crise multifacetada que afeta os países africanos e as suas populações; a convicção de que a ESS proporciona vias complementares de desenvolvimento, que conjugam de forma coerente as preocupações de sustentabilidade económica, justiça social, equilíbrio ecológico, estabilidade política, resolução de conflitos e igualdade de gênero; o reconhecimento do contributo das OESS para a satisfação das necessidades e aspirações de homens e mulheres, na medida em que contribuem para a Agenda de Trabalho Decente, lhes dão mais voz e poderes de representação, combatem a crise alimentar e enfrentam os desafios ambientais e pandêmicos do HIV/AIDS. Em 2010, o Centro Internacional de Formação (CIF) da OIT lançou a sua primeira Academia Inter-regional sobre Economia Social e Solidária, um passo decisivo para a construção de um consenso global sobre as características fundamentais e os princípios universais da ESS e das suas organizações e empresas. A primeira edição da Academia foi organizada em parceria com o Comitê Econômico e Social Europeu (CESE) e em colaboração com o CIRIEC. A Academia reuniu cerca de 67 gestores públicos e profissionais (27 mulheres e 40 homens) de 43 países diferentes. Os participantes provinham de várias instituições: cerca de 30% trabalhavam em instituições governamentais/públicas, 14% em organizações de parceiros sociais, 12% em Organizações Não Governamentais (ONG) e 17% em instituições acadêmicas. Os restantes participantes vinham da ONU, de outras organizações intergovernamentais e do setor privado. A Academia combinou sessões plenárias teóricas e workshops práticos. Os participantes na Academia de 2010 estavam familiarizados com o conceito de ESS. Além da experiência de formação, tiveram a oportunidade de se interligar e trocar as suas experiências e ideias. Usando a primeira versão do Documento de Trabalho, os participantes na Academia de 2010 destacaram algumas questões para um debate mais aprofundado na edição de 2011 da Academia (setor informal, proteção social, financiamento da ESS, a ESS e grupos vulneráveis específicos, como pessoas com deficiência ou com HIV, prisioneiros e migrantes) e sugeriram temas adicionais (empregos verdes, desenvolvimento econômico local, apoio a empresas sociais) para inclusão na edição seguinte do Documento de Trabalho. Os participantes também se mostraram muito preocupados com a necessidade de reconhecimento global da ESS enquanto nicho situado entre os setores público e privado. A ESS não pretende substituir o setor privado, mas oferecer soluções complementares e práticas inovadoras. A OIT tem um papel a desempenhar nesse reconhecimento, propondo, p. ex., uma definição que possa ser aprovada através de um processo tripartite. Os participantes insistem que a OIT deve manter um papel líder e pioneiro na defesa da ESS junto dos seus constituintes, parceiros de desenvolvimento e restante sistema da ONU. x DOCUMENTO DE TRABALHO ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Atividades de promoção da ESS A OIT e os seus parceiros estão comprometidos com a promoção da ESS através de múltiplas atividades a nível local e regional. As atividades descritas nesta secção não constituem uma lista exaustiva, devendo ser entendidas como exemplos daquilo que está em curso nas diferentes regiões do mundo e da forma como a OIT e os seus parceiros estão a promover a ESS. A nível global e em complemento da Academia sobre ESS da OIT, a Secretaria Internacional do Trabalho (o secretariado permanente da Organização Internacional do Trabalho) está a propor aos seus Constituintes um debate sobre a contribuição das empresas e organizações de ESS durante a Conferência Internacional do Trabalho, em cumprimento do acordado no Plano de Ação adotado em Joanesburgo. Recentemente, os Constituintes da OIT solicitaram clarificações sobre o conceito de ESS e apelaram a um maior apoio à ESS. Pedidos de clarificação e reforço do apoio à Economia Social apresentados pelos Constituintes da OIT “As prioridades da Secretaria devem incluir: (...) (viii) o reforço do seu trabalho sobre cooperativas e a economia social, enquanto áreas importantes de criação de emprego” (Conclusões do debate recorrente sobre o emprego, número 30 /viii)). Resolução relativa ao Debate Recorrente sobre o Emprego, adotada em 16 de junho de 2010 pela Conferência Geral da OIT reunida na sua 99.ª Sessão No âmbito do debate, o grupo dos Trabalhadores salientou que o conceito da economia social é “útil para enfrentar os enormes desafios da economia informal e da economia rural” (número 68). Na sessão de conclusão, quando se debateram as orientações a dar ao Conselho de Administração e à Secretaria Internacional do Trabalho relativamente às suas responsabilidades sobre o objetivo estratégico em matéria de emprego, o Vice-Presidente dos Empregadores defendeu a sugestão do grupo dos Trabalhadores e solicitou a “clarificação do termo «economia social»” (número 138). No domínio da melhoria da empregabilidade, produtividade, nível de vida e progresso social, o VicePresidente dos Trabalhadores apelou a um “apoio acrescido às cooperativas, à economia social (...) totalmente centrado numa abordagem do Trabalho Decente” (número 143). O Vice-Presidente dos Trabalhadores concluiu pela “necessidade de trabalhar melhor o conceito da economia social, concordando com o Vice-Presidente dos Empregadores que este tema deve ser debatido pelo Conselho de Administração para clarificar o conceito e as potenciais vantagens de um trabalho complementar sobre esta área” (número 146). Por último, o grupo de membros do Comitê do Grupo dos Países da América Latina e do Caribe salientou “a necessidade de aprofundar a investigação sobre a economia social nos países em desenvolvimento” (número 155). Comitê para o Debate Recorrente sobre o Emprego, 99.ª Sessão da CIT (junho de 2010)8 Enquanto membro constitutivo do COPAC, a OIT também esteve ativamente envolvida nos preparativos para o Ano Internacional das Cooperativas da ONU em 2012, em que o COPAC foi mandatado como Comitê de Coordenação. A OIT também participou na preparação para este ano internacional através do grupo de peritos da ONU. 8 OIT (2010), Debate sobre o objetivo estratégico do emprego, Cap. IV. Políticas de emprego e do mercado de trabalho para a promoção de empregos a tempo inteiro, decentes, produtivos e livremente escolhidos, número 30. (www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/—-ed_norm/—-relconf/documents/meetingdocument/wcms_142318.pdf - agosto de 2011). DOCUMENTO DE TRABALHO xi ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Atividades Regionais da OIT África O Escritório Regional da OIT para África lidera o desenvolvimento de um programa de apoio à ESS em África. Sob a orientação do “Plano de Ação para a Promoção das Empresas e Organizações de Economia Social em África”, adotado em Joanesburgo (outubro de 2009), este programa integra e baseia-se num conjunto de anteriores projetos e atividades da OIT já implementados no terreno em África. Em cooperação com governos, organizações de empregadores e sindicatos a nível nacional, a promoção da ESS já está implícita em múltiplos Programas de Trabalho Decente por País (Decent Work Country Programmes, DWCP) africanos. Os DCWP na África do Sul, Camarões, Lesoto e Suazilândia, por exemplo, fazem referência explícita ao termo “economia social”; nos DWCP de outros países africanos, o conceito de “economia social” está implícito, na medida em que mencionam o apoio a cooperativas e à criação de emprego através de pequenas e médias empresas, incluindo OESS. A promoção de OESS em África é uma parte integrante de muitos programas e iniciativas da OIT, como os dedicados a áreas que envolvem o trabalho intensivo, o ecoturismo e o comércio justo; os que apoiam minorias indígenas, o desenvolvimento econômico local, intervenções no domínio da AIDS e empregos verdes; e, mais genericamente, os que apoiam empresas sustentáveis e a criação de um piso de proteção social. O programa regional da OIT de promoção das OESS em África define intervenções a diferentes níveis (meta, macro e micro)9 nas seguintes categorias: sensibilização e defesa, pesquisa e conhecimento, ambiente político e jurídico, reforço de capacidades, ligações em rede e parcerias. Estas atividades podem ser aplicadas a diferentes níveis (global, regional, nacional e meso/micro), de acordo com o Plano de Ação adotado em Joanesburgo. As intervenções definidas no programa serão adaptadas em função das particularidades da ESS nos contextos nacionais ou sub-regionais. Por exemplo, os projetos serão implementados com um enfoque regional (p. ex., observatório regional sobre a ESS, redes regionais e partilha de conhecimento sobre a ESS) ou com um enfoque temático (p. ex., estimulando contratos públicos de ESS, certificação de empresas de ESS). O Escritório Regional da OIT para África também está empenhado em aprofundar o conhecimento sobre a promoção da ESS e o reforço das redes de ESS africanas. Refere-se, a título de exemplo, a participação da OIT em outubro de 2011 num painel técnico sobre ESS na 12.ª Reunião Regional Africana (Joanesburgo, África do Sul) e a adoção pela Confederação Sindical Internacional – África (CSI África) em Acra de uma resolução sobre sindicatos e a ESS. Estados Árabes Em novembro de 2010, a OIT organizou em Beirute (Líbano) o Workshop Sub-regional de Partilha de Conhecimento sobre Cooperativas em Estados Árabes. Este workshop tripartite reuniu representantes de 9 O nível meta refere-se a normas implícitas, valores e percepções sobre a ESS; o nível macro, ao quadro político, jurídico, institucional e regulamentar aplicável à ESS; e o nível micro, ao “mercado” onde as várias OESS interagem com os seus membros, clientes, beneficiários, prestadores de serviços e outras partes interessadas. xii DOCUMENTO DE TRABALHO ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Constituintes da OIT, cooperativas de seis países árabes (Iêmen, Iraque, Jordânia, Líbano, Síria e Territórios Palestinianos Ocupados) e doadores. Este workshop teve por objetivo refletir sobre o movimento cooperativo árabe no contexto da experiência global e examinar em maior detalhe o potencial papel das cooperativas na promoção da Agenda de Trabalho Decente nos Estados Árabes. Mais especificamente, o workshop procurou: fornecer uma visão geral do movimento das cooperativas na região dos Estados Árabes, bem como examinar as políticas regulamentares e os quadros legislativos, as necessidades e oportunidades, os desafios fundamentais, as melhores práticas e os ensinamentos retirados; sensibilizar os parceiros sociais para as cooperativas no contexto das ESS e para o papel das cooperativas, suas realizações e deficiências; acordar formas práticas de promover e reforçar a colaboração entre as cooperativas e os parceiros sociais; e fazer o balanço dos principais resultados, destacar as melhores práticas e analisar os ensinamentos retirados e as principais recomendações para um plano de ação participativo de desenvolvimento cooperativo na região dos Estados Árabes. Relativamente ao quadro político e regulamentar de desenvolvimento cooperativo, os participantes manifestaram a necessidade de: apoiar reformas legislativas nacionais e políticas nacionais para cooperativas, em linha com a R.193 da OIT; difundir materiais de recursos da OIT sobre cooperativas, para suprir lacunas de conhecimento e de formação; e unificar a representação regional e nacional mediante o estabelecimento de estruturas verticais e horizontais. No domínio da criação de emprego, competirá ao movimento cooperativo realizar ações de sensibilização para as cooperativas, incluindo em currículos nacionais e campanhas nos meios de comunicação social. Incentivos como o acesso a serviços sociais (p. ex., seguro social, fundo de seguridade social nacional) podem aumentar a filiação em cooperativas. Os organismos de cúpula das cooperativas também carecem de ser reforçados. É necessário tomar em consideração questões específicas das cooperativas no contexto nacional, em colaboração com partes interessadas fundamentais (p. ex., ministérios, parceiros sociais, federações de cooperativas). É ainda crucial que as partes interessadas se organizem melhor e participem em comitês nacionais. América do Sul A OIT apoia e promove o desenvolvimento de OESS, como cooperativas e associações, na América do Sul, por exemplo nos países andinos. A nível de políticas, a OIT colabora com o Governo do Peru e com o movimento cooperativo (Confederación Nacional de Cooperativas del Peru – CONFENACOOP) na reforma da política em matéria de cooperativas. Na Bolívia, a OIT presta apoio técnico ao movimento cooperativo a nível da legislação em matéria de cooperativas, de formação e de desenvolvimento de conhecimento. Em termos de formação, a OIT irá traduzir e difundir o próximo pacote de formação “My COOP”, dirigido especificamente a cooperativas agrícolas, que foi elaborado por organizações de vários países: Nigéria, Países Baixos, Quênia, Reino Unido, Tanzânia e Uganda. Estas organizações integraram organizações rurais, instituições de ensino cooperativas, governos, federações cooperativas, organizações internacionais (OIT, FAO, CIT da OIT) e uma rede internacional de universidades e organizações de pesquisa que trabalham no domínio da investigação agrícola, educação, formação e capacitação para o desenvolvimento. O pacote “My COOP” tem por objetivo consolidar a gestão das cooperativas agrícolas e permitir que ofereçam serviços de DOCUMENTO DE TRABALHO xiii ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA alta qualidade, eficazes e eficientes aos seus membros. Numa primeira fase, “My COOP” será adaptado e implementado na Bolívia e no Peru, em colaboração com universidades locais. Num plano mais vasto, a ICA Américas e a OIT estão a elaborar uma análise que faz o balanço do movimento cooperativo na América Latina. Esta análise baseia-se em estudos de caso nacionais realizados na Bolívia, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Paraguai e Peru, e numa análise global do movimento cooperativo na América Latina. Esta colaboração entre a OIT e a ICA Américas será formalizada em breve com a assinatura de um Memorando de Entendimento que definirá, entre outros aspetos, as atividades conjuntas OIT-ICA Américas em 2012, o Ano Internacional das Cooperativas. Europa Em 200910, o Parlamento Europeu adotou uma resolução sobre a economia social que reconhece as OESS na União Europeia. Elas estão representadas no EESC11 com a “Categoria Economia Social” (cooperativas, sociedades mútuas, associações, fundações e ONG sociais). O Conselho da União Europeia, o Comitê das Regiões e a Comissão Europeia lançaram uma iniciativa com o objetivo de reconhecer o potencial das OESS em termos de crescimento econômico, emprego e participação dos cidadãos.12 Em resultado, a Comissão Europeia reconheceu a importância da “Economia Social na União Europeia”.13 A OIT colaborou com o CESE em múltiplas ocasiões. O Plano de Ação adotado em Joanesburgo foi apresentado durante a audição do CESE sobre a ESS. Em julho de 2010, o CESE adotou um parecer14 que enuncia várias medidas para a promoção da ESS africana no âmbito da cooperação para o desenvolvimento, entre as quais: garantir o reconhecimento pela UE do papel da ESS e da sua contribuição para o desenvolvimento de África; envolver as OESS nos Acordos de Cotonou15; integrar a ESS na Parceria UEÁfrica; reconhecer o contributo da ESS para a criação de empregos decentes em África; incluir a ESS no Relatório Europeu sobre Desenvolvimento, de 2010; promover e criar um ambiente favorável para a ESS, e incluir a ESS nas parcerias estratégicas Comissão-OIT em curso. Na sequência da adoção deste parecer, a OIT apresentou o seu conceito de ESS e o Plano de Ação adotado em Joanesburgo no âmbito do workshop União Africana (UA) – UE sobre emprego e trabalho decente (Dacar, Senegal – julho de 2010). O conceito de ESS foi integrado neste plano de ação UA-UE. 10 Parlamento Europeu (2009), Relatório sobre Economia Social (www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-//EP//NONSGML+REPORT+A6-2009-0015+0+DOC+PDF+V0//EN – agosto de 2011). 11 O CESE é um organismo consultivo que proporciona aos representantes de grupos de interesse socioprofissionais e outros da Europa uma plataforma formal para exprimir os seus pontos de vista sobre questões comunitárias. Os seus pareceres são reencaminhados para as principais instituições da UE, o Conselho, a Comissão e o Parlamento Europeu. Os membros do CESE são escolhidos de entre os grupos de interesse econômico e social da Europa (empregadores, trabalhadores e interesses diversos). A presença do grupo de interesses diversos, a par dos trabalhadores e empregadores, garante que o Comitê dá voz às preocupações das diferentes organizações sociais, profissionais, econômicas e culturais que constituem a sociedade civil. Este terceiro grupo é constituído por organizações de agricultores, pequenas empresas, empresas do setor das artes e ofícios, empresas profissionais, cooperativas e associações sem fins lucrativos, organizações de consumidores, organizações ambientais, associações representantes da família e de pessoas com deficiência, organizações da comunidade acadêmica e científica e organizações não governamentais. 12 www.socialeconomy.eu.org/spip.php?rubrique181 13 “Conjunto de empresas privadas, organizadas formalmente, com autonomia de decisão e liberdade de filiação, criadas para servir as necessidades dos seus associados através do mercado, fornecendo bens e serviços, incluindo seguros e financiamento, e em que a distribuição pelos sócios de eventuais lucros ou excedentes realizados, assim como a tomada de decisões, não estão diretamente ligadas ao capital ou às cotizações dos seus associados, correspondendo um voto a cada um deles. A economia social também inclui empresas privadas organizadas formalmente, com autonomia de decisão e liberdade de filiação, que prestam serviços de «não mercado» a agregados familiares e cujos eventuais excedentes realizados não podem ser apropriados pelos agentes econômicos que as criam, controlam ou financiam.” CESE (2006). 14 Cf. http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2011:044:0129:0135:EN:PDF (agosto de 2011). 15 O Acordo de Cotonou é um vasto acordo de parceria celebrado entre os países em desenvolvimento e a União Europeia. Tem sido, desde 2000, o quadro que regulamenta as relações entre os estados de África, do Caribe e do Pacífico e a Comunidade Europeia e os seus Estados-Membros. Para mais informações, acessar http://ec.europa.eu/europeaid/where/acp/overview/cotonou-agreement/index_en.htm xiv DOCUMENTO DE TRABALHO ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Atividades dos parceiros da OIT Redes regionais Existe na África uma multiplicidade de redes africanas específicas de um determinado modelo de OESS. A parceria criada pela OIT com a African Social Entrepreneurs Network (ASEN) – Rede de Empreendedores Sociais Africanos – é um exemplo. Esta plataforma tem por objetivo facilitar a troca de ideias, de capital intelectual e de outras informações relevantes que promovam de forma acrescida o desenvolvimento do espaço de empreendedorismo social em África. No seguimento direto da Conferência de Joanesburgo, 14 redes de economia social africanas (da Argélia, Benin, Burkina Faso, Camarões, Costa do Marfim, Gabão, Mali, Maurícia, Marrocos, Níger, República Democrática do Congo, Senegal, Togo e Tunísia) reuniram-se em Mehdia (Marrocos, outubro de 2010) com a finalidade de criar uma rede regional de ESS (Réseau Africain de l’Économie Sociale et Solidaire). Esta reunião, que teve o apoio do Escritório Regional da OIT para África, pode ser considerada um resultado do compromisso manifestado pelos participantes no Plano de Ação adotado em Joanesburgo. De fato, a declaração constitutiva desta rede regional (Déclaration Africaine de Kénitra sur l’Économie Sociale et Solidaire) apela à implementação da R.193 da OIT (2002) e do Plano de Ação adotado em Joanesburgo (2009). Os ensinamentos retirados de experiências anteriores no continente devem ser tidos em conta aquando da criação de redes para promover OESS. No passado, a criação destas redes parecia insustentável, não tendo passado de uma declaração de intenções perante a inexistência de recursos humanos e financeiros de longo prazo e das capacidades necessárias para gerir redes nacionais ou sub-regionais desta natureza. Aos níveis regional e global, a Rede Intercontinental para a Promoção da Economia Social e Solidária (Réseau Intercontinental de Promotion de l’Économie Social Solidaire – RIPESS) interliga redes de ESS em todo o mundo. A RIPESS é uma rede de redes que reúne redes continentais e que, por seu turno, reúne redes nacionais e setoriais.16 A RIPESS é composta por cinco redes regionais em cada continente (África, América do Norte, América Latina e Caribe, Ásia e Europa).17 A Nova Trajetória de Crescimento na África do Sul A par de outros países de África e de outras regiões do mundo, a República da África do Sul apoiou recentemente uma nova trajetória de crescimento que coloca o emprego no centro da política econômica do Governo. Em cooperação com os parceiros sociais, esta nova trajetória de crescimento econômico define como meta a criação de 5 milhões de empregos nos próximos dez anos, ou seja, por outras palavras, a redução do desemprego de 25 para 15%. Para atingir esta meta, cinco fatores impulsionadores do emprego foram identificados como as áreas suscetíveis de criar emprego em grande escala e de garantir um crescimento forte e sustentado na próxima década. O apoio à ESS e às suas empresas e organizações, mediante a alavancagem do capital social na economia social e nos serviços públicos, com vista a um crescimento mais intensivo do emprego, é um desses fatores. Estão previstas 260.000 novas oportunidades de emprego na ESS. O apoio do Governo a iniciativas de ESS será implementado mediante: (1) serviços de assistência (de marketing, contabilísticos, tecnológicos e financeiros); (2) atividades de formação; (3) desenvolvimento e reforço da ESS para estimular a aprendizagem e o apoio mútuo; (4) cooperação com sindicatos e empresas de 16 www.ripess.org/intercontinental.html (julho de 2011). 17 Mais informações sobre redes continentais RIPESS em www.ripesslac.net/home.php (julho de 2011). DOCUMENTO DE TRABALHO xv ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA investimento comunitárias com vista à elaboração de uma carta de compromissos para a criação de emprego; e (5) reforço da contratação pública e da prestação de serviços públicos envolvendo organizações de ESS. O pacote microeconômico envolve dez programas, incluindo um programa de política de desenvolvimento rural que permite às OESS contribuir para melhorar os meios de subsistência nas comunidades rurais e ajudar as famílias rurais a aumentar a sua produção. 18 O Fórum Internacional de Economia Social e Solidária O Fórum Internacional de ESS (Forum International de l’Économie Sociale et Solidaire – FIESS), realizado de 17–20 de outubro de 2011, foi organizado pelo Chantier de l’économie sociale de Montreal, Québec (Canadá). O FIESS terá por tema principal “a necessidade de diálogo entre o Estado e a sociedade civil para o desenvolvimento de políticas públicas facilitadoras da economia social e solidária”. Cinco subtemas foram definidos (territórios e desenvolvimento local, inovação e empreendedorismo coletivo, finanças e comércio solidários, trabalho e emprego e segurança alimentar e soberania). A OIT esteve ativamente envolvida nos preparativos deste evento. Elaborou um documento de base para o subtema sobre trabalho e emprego e financiou e supervisionou estudos de caso nacionais no Mali e na África do Sul. O FIESS reuniu cerca de 1.000 participantes (promotores, pesquisadores, financiadores, ONG, funcionários governamentais, organizações da sociedade civil e parceiros sociais) do Québec, Canadá, e de mais de 50 países dos continentes americano, africano, asiático e europeu. Os Encontros do Mont-Blanc (Les Rencontres du Mont Blanc) Organizados todos os anos por uma associação em França, os Encontros do Mont-Blanc reúnem partes interessadas que lideram a promoção da ESS, como CEO de mutualidades, cooperativas, organizações sem fins lucrativos, fundações, organizações não governamentais e organizações internacionais (p. ex., OIT, PNUD). Além de proporcionar um fórum internacional para os agentes de ESS, os Encontros do Mont-Blanc angariam fundos para apoiar e implementar projetos de ESS concretos. Desde 2004, mais de 30 projetos foram lançados em diversas áreas, incluindo formação, monitoramento internacional, proteção e reforço da ESS e criação de um observatório internacional sobre práticas de ESS.19 18 Fonte: The new growth path: the framework (www.info.gov.za/view/DownloadFileAction?id=135748 – julho de 2011). 19 Para mais informações, acessar: www.rencontres-montblanc.coop/?q=en (agosto de 2011). xvi DOCUMENTO DE TRABALHO ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Conteúdo do Documento de Trabalho O primeiro capítulo tem por objetivo proporcionar um entendimento comum do conceito de ESS. Começa por efetuar o levantamento da ESS através dos seus modelos de empresas e organizações mais comuns. Segue com a descrição das características comuns de organizações de ESS, demonstrando a coerência do conceito de ESS ao mesmo tempo que destaca as diversas manifestações que o conceito pode assumir. O capítulo também fornece uma visão geral de alguns conceitos e suas conexões no campo da ESS. O segundo capítulo aborda as questões de governança e de gestão das OESS. De fato, as OESS partilham a característica comum de se reger por uma governança e operações influenciadas por princípios de propriedade e participação coletiva. O capítulo também fornece informações sobre os pontos fortes e fracos da gestão de OESS e sobre as oportunidades de melhorar a sua eficiência, descrevendo várias ferramentas de gestão e governança no contexto da realidade diária das OESS. O desenvolvimento da ESS exige frequentemente políticas públicas que reconheçam as particularidades e o valor acrescentado da ESS em termos econômicos, sociais e societários (p. ex., formas de governança, trabalho social com grupos vulneráveis). O capítulo 3 apresenta algumas políticas públicas criadas para apoiar o desenvolvimento da ESS a nível local, nacional e internacional. Este capítulo também descreve algumas boas práticas na elaboração de políticas públicas. A ESS não pode ser desenvolvida ou sustentada por organizações e empresas isoladas. O capítulo 4 aborda as ligações em rede e as parcerias, fatores cruciais na construção de uma ESS forte, reconhecida e visível. As OESS precisam de se enraizar na comunidade, mobilizar várias partes interessadas e construir alianças fortes com parceiros sociais e autoridades públicas. As OESS necessitam ainda de se interligar em rede a nível local, nacional e internacional. A associação em federações e em redes permite-lhes reforçar as suas capacidades de representação e de colaboração. Em todo o mundo, as nossas sociedades enfrentam desafios sociais e econômicos enormes. A nível internacional foram criadas várias estruturas de desenvolvimento para abordar estes problemas. O capítulo 5 examina de que forma as OESS contribuem para uma destas estruturas de desenvolvimento internacional, a Agenda de Trabalho Decente da OIT. Analisa os quatro objetivos e pilares da Agenda de Trabalho Decente e propõe áreas de ação para as OESS. DOCUMENTO DE TRABALHO xvii ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Acrônimos AGA Assembleia Geral Anual ASCA Associação de poupança e crédito acumulado RSE Responsabilidade social empresarial ATD Agenda de Trabalho Decente UE União Europeia FBES Fórum Brasileiro de Economia Solidária CIT Conferência Internacional do Trabalho OIT Organização Internacional do Trabalho CDL Centros de desenvolvimento local ONG Organização Não Governamental OSFL Organização Sem Fins Lucrativos ROSCA Associação de poupança e crédito rotativo EES Empresa de economia solidária SENAES Secretaria Nacional de Economia Solidária ESS Economia Social e Solidária OESS Empresas e organizações de economia social e solidária xviii DOCUMENTO DE TRABALHO ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Capítulo 1: Compreender a economia social e solidária 1.1 Introdução Este capítulo procura explicar o significado e a natureza da Economia Social e Solidária (ESS). A ESS está presente no nosso entorno e refere-se a realidades que são familiares a toda a gente: todos somos membros de, pelo menos, uma associação, os legumes que compramos e comemos são frequentemente produzidos ou comercializados por pessoas organizadas em cooperativas, muitas das quais possuem contas bancárias em bancos cooperativos ou mutualistas. Em diferentes países africanos, europeus e latino‑americanos, a seguridade social é prestada por mutualidades de saúde. Todos ouvimos falar de empreendedores sociais famosos, como Mohamad Yunus, que recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 2006. 1.2 O Levantamento da ESS A ESS organiza-se em modelos específicos de empresas e de organizações. Cooperativas, mutualidades, associações e empresas sociais são os modelos mais comuns, mas não os únicos. É um grupo dinâmico de agentes em permanente evolução que promovem e gerem organizações econômicas centradas nas pessoas.20 1.2.1 Cooperativas Formalizada pela Rochdale Society of Equitable Pioneers (Manchester, Inglaterra, 1844), a empresa cooperativa difundiu-se rapidamente, estando atualmente presente em todos os cantos do mundo. Uma cooperativa é uma “uma associação autônoma de pessoas, que se unem voluntariamente para satisfazer as suas necessidades e aspirações econômicas, sociais e culturais comuns, através de uma empresa de propriedade conjunta e democraticamente controlada” (ICA 1995; OIT 2002 20 Alguns excertos deste capítulo são adaptados de Fonteneau & Develtere (2009). Recomendação 193: Promoção das Cooperativas, Secção I, Artigo 2.º) (ver glossário - versão oficial: associação autônoma de pessoas que se unem voluntariamente para atender a suas necessidades e aspirações comuns, econômicas, sociais e culturais, por meio de empreendimento de propriedade comum e de gestão democrática). Nem todas as cooperativas estão registradas legalmente; este modelo organizacional é frequentemente escolhido por grupos de produtores ou de consumidores sem que eles estejam legalmente reconhecidos como cooperativa. Existem empresas cooperativas em praticamente todos os setores de atividade como, por exemplo, cooperativas agrícolas, cooperativas de seguro, cooperativas de poupança e crédito, cooperativas de distribuição, cooperativas de trabalhadores, cooperativas de habitação, cooperativas de saúde e cooperativas de consumidores. As cooperativas na África, em países ex-comunistas ou durante alguns regimes ditatoriais sulamericanos, por exemplo, têm tido uma história acidentada, em particular porque a sua forte exploração pelos Estados minou o envolvimento voluntário dos seus membros. Um número crescente de pessoas que pretendem gerir uma organização coletivamente tende, cada vez com maior frequência, a escolher este tipo de estrutura econômica. Um estudo (Pollet & Develtere, ILOCOOP Africa, 2009) revela que está a assistir-se a um recrudescimento do número de cooperativas em vários países africanos: 7% dos africanos são membros de uma ou várias cooperativas (Develtere, Pollet & Wanyama, 2008). Por todo o mundo assiste-se a um renascimento semelhante das cooperativas. O continente latinoamericano é considerado pela Aliança Cooperativa Internacional a região “de maior crescimento” no que se refere a novas cooperativas e de filiação (Conferência Regional do ICA, 2009). Estes fenômenos são marcantes, dada a recente crise DOCUMENTO DE TRABALHO 1 ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Quadro 1.1: A Aliança Cooperativa Internacional A Aliança Cooperativa Internacional foi fundada em Londres em 1895. Atualmente, tem 223 membros que operam em todos os setores de atividade, em particular na agricultura, banca, consumidores, habitação, indústria, pesca, saúde e turismo, com um total de aproximadamente 800 milhões de membros em todo o mundo. A Corporación Mondragón, na região basca espanhola, é um exemplo notório de uma empresa enraizada num território. Na década de 1950, a população local começou a trabalhar num complexo verdadeiramente industrial capaz de reconstruir a economia regional destruída pela Guerra Civil e pela Segunda Guerra Mundial. A Mondragón evoluiu para um Grupo Cooperativo Internacional que emprega atualmente mais de 92.000 pessoas, na sua maioria nos setores industrial e varejista (Mondragon CC, 2010). No Reino Unido, o grupo cooperativo possui cerca de 75.000 colaboradores e despende vastos recursos no apoio a novas cooperativas e iniciativas comunitárias. que questiona o sistema econômico e financeiro predominante. Vários estudos revelam igualmente que o setor cooperativo se tornou particularmente resistente durante a recente crise econômica e financeira que eclodiu em 2008 (Birchall & Ketilson, 2009). Em reconhecimento do potencial das cooperativas para prevenir e reduzir a pobreza e para conceder oportunidades de emprego, a Assembleia Geral das Nações Unidas declarou 2012 o Ano Internacional das Cooperativas e “encoraja todos os Estados Membros, assim como as Nações Unidas e todos os demais envolvidos, a aproveitarem o Ano Internacional das Cooperativas como uma forma de promover as cooperativas e aumentar a consciencialização da sua contribuição para o desenvolvimento social e econômico” (Resolução A/ RES/64/136 da ONU, número 3). 2 DOCUMENTO DE TRABALHO 1.2.2 Mutualidades Existem organizações de assistência mútua há muito tempo e praticamente em todo o mundo. As mutualidades são sociedades e organizações cujo objetivo consiste, essencialmente, na prestação de serviços sociais aos seus membros e respectivos dependentes. Estas sociedades, formais ou informais, satisfazem a necessidade sentida pelas comunidades de organizar a prestação de apoio social coletivo mediante a partilha de um vasto conjunto de riscos: cuidados de saúde, medicamentos, apoio na doença (resultante de enfermidades ou de acidentes), apoio material a famílias enlutadas, repatriação de corpos, despesas incorridas em rituais (como sociedades funerárias), colheitas fracas, campanhas de pesca fracas, etc. As mutualidades prestam serviços através de um mecanismo de partilha de riscos e de reunião de recursos. As principais diferenças entre estas e as companhias de seguro clássicas residem no fato de as mutualidades serem sociedades sem fins lucrativos que não selecionam os seus membros nem calculam os prêmios dos seus membros com base nos seus riscos individuais. Um elevado número de estruturas mutualistas opera no setor da proteção social. A Association Internationale de la Mutualité (AIM) foi criada na década de 1950. Reúne 40 federações ou associações de mutualidades autônomas no domínio da saúde e da proteção social em 26 países. As filiadas na AIM funcionam segundo os princípios da solidariedade e sem fins lucrativos e prestam cobertura a mais de 170 milhões de pessoas em todo o mundo. No setor dos seguros, a Federação Internacional de Cooperativas e Mutualidades de Seguros (ICMIF) representa os interesses das cooperativas e das mutualidades. A ICMIF possui atualmente 212 filiadas em 73 países. Alguns planos de rotação de mão de obra ou associações de poupança e crédito rotativo informais (também conhecidas por “tontines” em algumas partes do mundo) podem ser associados às mutualidades, na medida em que combinam o desenvolvimento societário e a interação social com funções econômicas ou financeiras (mão de obra ou poupança e crédito), em que os participantes decidem sobre as condições e regras. O serviço ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA prestado faz parte de uma relação social que cria e dissolve obrigações recíprocas e interesses partilhados (Servet, 2006). A liberdade de associação é um direito humano reconhecido, mas a sua prática depende da forma como está salvaguardada nas jurisdições nacionais e da aceitação e apoio a essas organizações. Na prática, Retrato de um aldeão boliviano. a ESS pode ser encarada como uma estrutura que permite concretizar diferentes formas de liberdade de associação individual, na medida em que tem por objetivo produzir bens ou serviços numa base contínua sem se centrar prioritariamente no lucro (Develtere & Defourny, 2009). O número incontável de associações, organizações voluntárias, organizações comunitárias, organizações sem fins lucrativos e grupos de interesse econômico forma um grupo heterogêneo que opera em todos os setores possíveis. “Modernas”, “comunitárias” ou “tradicionais”, todas operam na mesma base (p. ex., regras negociadas e reciprocidade garantida em particular por controle social) e possuem objetivos semelhantes (p. ex., utilidade econômica ou criação e manutenção de vínculos sociais). A redução do fosso entre cidadãos e autoridades tem sido e continua a ser um dos objetivos das associações construídas em torno de vínculos comunitários de ESS. As associações possuem muitas vantagens; por exemplo, os seus métodos de instituição e funcionamento são relativamente flexíveis e fornecem a base para novas formas de sociabilidade (particularmente em áreas urbanas). © OIT / Maillard J. 1.2.3 Associações e organizações comunitárias sobre as associações,21 em particular do setor sem fins lucrativos que, como prova o vasto programa de pesquisa coordenado pela Universidade Johns Hopkins, representa a maior parte da componente de economia social e parte da componente mutualista com estatuto jurídico. Os resultados mais recentes deste programa (Salamon et al., 2003) revelam que, entre os 35 países analisados com maior profundidade pelo estudo, o setor sem fins lucrativos totaliza cerca de 39,5 milhões de trabalhadores a tempo inteiro, incluindo 21,8 milhões de assalariados e 12,6 milhões de voluntários (Defourny & Develtere, 2009). 1.2.4 Empresas sociais O empreendedorismo social é um conceito relativamente recente e um fenômeno em clara ascendência. Na Europa e na América do Norte, o fenômeno despontou no contexto de crise vivido na década de 1970, em resposta à incapacidade de satisfazer necessidades sociais e às limitações das políticas laborais e sociais tradicionais no combate à exclusão social (Nyssens, 2006). Este fenômeno nasceu da vontade de algumas associações 21 Os primeiros estudos a identificar os contornos da economia social Nos últimos dez anos, tem sido feito um esforço notável para aumentar os nossos conhecimentos numa perspectiva comparativa internacional e a quantificar as suas três componentes foram realizados por um grupo de pesquisadores de 11 países europeus e norte-americanos. Estes estudos foram realizados sob o patrocínio do Centro Internacional de Pesquisa e Informação sobre a Economia Pública, Social e Cooperativa (CIRIEC) (Defourny & Monzon Campos, 1992). DOCUMENTO DE TRABALHO 3 ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA As empresas sociais dizem respeito a múltiplas situações. São propostas diferentes definições. Segundo Thompson & Doherty (2006), as empresas sociais são organizações que procuram soluções de negócio para problemas sociais. O projeto SETYSA da Secretaria Internacional do Trabalho define como empresas sociais aquelas que se regem pelos seguintes princípios: Têm uma finalidade social principal, claramente enunciada como seu objetivo central; Usam um modelo de negócio financeiramente sustentável, com perspectivas realistas de geração de renda suficiente para exceder os custos, sendo uma parte significativa dessa renda gerada por remunerações (por oposição a subvenções ou doações); Respondem perante os seus acionistas/partes interessadas e dispõem de um mecanismo apropriado que garante a responsabilização perante os beneficiários e mede e demonstra o seu impacto social. As empresas sociais diferem dos outros modelos descritos, porque não são obrigatoriamente empresas de propriedade coletiva. Também se distinguem das empresas com fins lucrativos, porque não têm o lucro financeiro como objetivo exclusivo, na medida em que também procuram gerar benefícios sociais através dos produtos ou serviços comercializados, do perfil dos trabalhadores envolvidos (p. ex., trabalhadores pouco qualificados ou trabalhadores contratados ao abrigo de planos de inserção profissional) e da afetação dos lucros financeiros obtidos. O empreendedorismo social defende que a mentalidade e atitude empresarial se podem manifestar em qualquer parte (Dees, 1998) e que a atividade econômica combina rentabilidade e mudança social. Nesse sentido, as empresas sociais são frequentemente organizações híbridas, porque fazem negócio ao mesmo tempo que promovem valores sociais. Caracterizam-se ainda 4 DOCUMENTO DE TRABALHO com frequência por uma governança e propriedade de várias partes interessadas (reunindo utilizadores, fundadores, financiadores, autoridades locais, etc.) que são, de certo modo, o garante do objetivo social da empresa. As empresas sociais caracterizam-se ainda por uma democracia econômica. Esta democracia econômica traduz-se com frequência em limites a nível do poder de voto e do retorno sobre as participações sociais (teto sobre a distribuição de lucros e bloqueios de ativos) (Nyssens, 2006). As empresas sociais são figuras jurídicas reconhecidas em vários países desde a década de 1990. Algumas destas figuras jurídicas são claramente inspiradas pelo modelo cooperativo (p. ex., a lei italiana pioneira das Cooperative Sociali de 1991). Foram ainda criadas outras estruturas legais, como a Empresa de Interesse Comunitário no Reino Unido, e a Société à finalité sociale na Bélgica. Em Itália, o Consorzio Gino Mattarelli (CGM) reúne 1.100 cooperativas sociais e 75 consórcios locais. O empreendedorismo social é promovido por um elevado número de redes, como a Ashoka Network e a Schwab Foundation, que têm lançado iniciativas importantes nos últimos anos com o intuito de identificar e estimular empreendedores sociais e empresas sociais. A sua abordagem das empresas sociais é, em larga medida, mais aberta que outras abordagens (p. ex., as abordagens europeias) ou estruturas jurídicas, porque enfatizam na sua maioria o papel dos empreendedores sociais individuais ou o seu objetivo social, sem lhes adicionar outros critérios relacionados com a propriedade coletiva ou a © LE MAT voluntárias de criar empregos para pessoas excluídas do mercado de trabalho tradicional e de empresários individuais que pretendiam gerir negócios com fins marcadamente sociais. ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA distribuição dos excedentes que são particularmente importantes do ponto de vista social e solidário. 1.2.5 Fundações As fundações podem ser qualificadas, em parte, como componentes da ESS; contudo, nem todas as fundações funcionam dentro desse espírito. Alguns países estabelecem uma distinção entre as fundações de utilidade pública ou de solidariedade social e as fundações privadas (Gijselinckx & Develtere, 2006). As fundações de utilidade pública ou de solidariedade social perseguem objetivos sem fins lucrativos, de interesse público, pelo que servem os interesses das comunidades. As fundações privadas também perseguem objetivos sem fins lucrativos, no entanto a sua natureza privada pode inscrever-se ou não no domínio da ESS. Alguns autores consideram ainda de certo modo contraditórias as atividades geradoras de recursos que são parcialmente investidos em projetos filantrópicos (dado tratarse frequentemente de atividades praticadas por grandes empresas multinacionais). Dir-se-ia que a ausência de governança participativa na maioria das fundações e as críticas clássicas apontadas a este setor (incluindo os motivos que se presumem estar por detrás da criação de certas fundações, como marketing, evasão fiscal e vaidade) (Prewitt, 2006) são argumentos convincentes contra a associação das fundações à economia social. No entanto, algumas fundações são consideradas como fazendo parte da ESS. Um exemplo é o Centro de Fundações Europeias (sediado em Bruxelas), que tem por missão reforçar o financiamento independente de organizações filantrópicas na Europa. Reúne mais de 230 organizações em 40 países e explicitamente inclui a sua missão na economia social. Outro exemplo é a Social Economy Europe, uma rede europeia de cooperativas, mutualidades, associações e fundações. Tem por missão contribuir para um maior reconhecimento político e jurídico da economia social na Europa e inclui explicitamente as fundações na sua definição de economia social. O debate sobre a associação das fundações à economia social ainda não está encerrado, embora seja provável que não exista uma resposta definitiva para esta questão, perante a variedade e a natureza por vezes contraditória das diferentes figuras jurídicas assumidas pelas fundações. Para distinguir as fundações de economia social das restantes, convirá destacar as características comuns que partilham com as empresas e organizações de economia social e solidária, em particular a natureza democrática do seu processo de decisão. 1.3 Características comuns das organizações de ESS 1.3.1 Objetivos Apesar das diferentes formas organizacionais, as empresas e organizações de economia social e solidária (OESS) possuem características comuns que as distinguem de outras empresas e organizações públicas e privadas. Os acadêmicos, os profissionais e os gestores públicos têm usado estas características para identificar estas empresas e organizações em todo o mundo. A principal característica distintiva de uma organização social e solidária é o fato de produzir bens e serviços. Esta característica é particularmente importante para diferenciar algumas associações que, por exemplo, se limitem a juntar alguns amigos para jogar futebol de um clube desportivo sem fins lucrativos que fornece formação desportiva e instalações de treino ao público. Algumas definições sublinham que na economia social a produção de bens e serviços é um objetivo mais importante que a maximização dos lucros. O lema do Conselho Mundial das Uniões de Crédito diz tudo: “sem fins lucrativos, sem fins caritativos, mas de serviço.” Os lucros são essenciais para a sustentabilidade e o desenvolvimento das empresas e das organizações. No entanto, os benefícios financeiros não são o objetivo principal das OESS, e a sua utilização ou distribuição deve obedecer a regras específicas intrínsecas das estruturas jurídicas aplicáveis e/ou negociadas coletivamente pelos seus membros. Nada impede as OESS de gerar excedentes, como é evidente. Pelo contrário, os excedentes são necessários para viabilizar DOCUMENTO DE TRABALHO 5 ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Figura 1.1: Objetivos sociais e econômicos combinados 1.3.2 Economia de quem? Participação Função Econômica e Social Envolvimento Voluntário Economia Social e Solidária Dimensão Coletiva Autonomia Solidariedade estas empresas e organizações econômicas. Mas a secundarização deste objetivo, a forma como estes lucros ou excedentes são produzidos (“custo aproximado”) e as regras da sua redistribuição entre as pessoas que os ajudaram a gerar, contribuindo com mão de obra, capital ou outros recursos, são algumas diferenças que distinguem as OESS das empresas com fins lucrativos. Uma vez que as economias da maior parte dos países funcionam segundo princípios de mercado, os bens e serviços fornecidos pelas OESS são comercializados nesses mercados e competem com os bens, produtos e conhecimentos fornecidos por outros operadores privados. Contudo, em certos casos (em particular nos serviços sociais), as regras do serviço público servem de referência. A economia social também pode ter de criar mercados especiais, como o mercado do comércio justo, em que os princípios da economia de mercado (em particular a concorrência) são combinados com determinadas características (p. ex., efeitos externos positivos para um grupo de produtores ou proteção ambiental). Alguns agentes econômicos consideram paradoxal que a economia social e solidária combine objetivos sociais e econômicos. Algumas autoridades públicas também sentem dificuldade em posicionar as OESS nas políticas públicas que, com frequência, são compartimentalizadas em vez de privilegiar 6 abordagens abrangentes. A inclusão das dimensões social, financeira e ambiental da sustentabilidade representa, de fato, um desafio para as OESS. DOCUMENTO DE TRABALHO A economia social e solidária é, por vezes, confundida com uma economia dos pobres ou “para os pobres e outras categorias vulneráveis”, como as mulheres, as pessoas com deficiência, os trabalhadores pouco qualificados ou os jovens trabalhadores. Este não é seguramente um critério que distingue a economia social de outras formas de economia. A economia social não é, por definição, uma economia dos mais pobres ou dos mais vulneráveis. Tem a ver, na verdade, com uma escolha que se faz. As pessoas podem optar por combinar objetivos (econômicos, sociais, ambientais ou outros), por não maximizar o retorno financeiro sobre o investimento e por definir uma governança participativa. No entanto, esta percepção da economia social não é totalmente incorreta. Em razão dos princípios e mecanismos de solidariedade envolvidos, as empresas e as organizações de economia social são frequentemente as únicas formas acessíveis a pessoas que não conseguem mobilizar capital suficiente ou outros recursos para lançar e desenvolver atividades econômicas. E, como Jacques Defourny (1992) afirmou com tanta pertinência, a necessidade frequentemente estimula a emergência de iniciativas de economia social. Este tipo de economia, pelo objetivo social que lhe é inerente, tende a atrair grupos, utilizadores ou clientes que não têm acesso ou que têm acesso limitado a empregos ou a determinados bens, produtos e conhecimentos. Desta forma, a economia social evolui tanto por aspiração como por necessidade (Lévesque, 2003). É do interesse das organizações de economia social, porém, garantir uma filiação diversificada, desde que consigam assegurar que os seus membros possuem interesses comuns. Não faria sentido, por exemplo, que uma mutualidade de saúde reunisse membros cujos perfis ou atividades econômicas os tornassem mais vulneráveis no ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA domínio dos cuidados de saúde. Equivaleria a criar mecanismos de solidariedade entre os pobres ou vulneráveis (solidariedade distributiva). Pelo contrário, as organizações de economia social têm todo o interesse em possuir membros de diferentes categorias econômicas e sociais por forma a garantir maior viabilidade econômica e a criar uma base para solidariedade redistributiva. Com frequência, as organizações veem-se forçadas a encontrar um equilíbrio entre interesses econômicos, este mecanismo de solidariedade e um mecanismo de geração e reforço mútuo de coesão social, essencial para a ação coletiva. 1.3.3 Princípios de funcionamento comuns Participação Os membros, utilizadores ou beneficiários de OESS têm a oportunidade de ser proprietários da organização ou de participar ativamente no processo de decisão. Quando concedem aos membros ou aos beneficiários/utilizadores a capacidade de ter um papel equitativo nas decisões, estas organizações estabelecem métodos de funcionamento participativos. Esta participação pode existir sob diversas formas. Nas cooperativas, mutualidades e associações, o princípio em teoria é: “uma pessoa, um voto”. Este princípio tem por objetivo garantir que as diversas contribuições dos membros individuais (p. ex., trabalho, contributos em espécie, dinheiro) são reconhecidas por igual e que nenhuma destas formas de input (como o dinheiro) é mais valorizada que outras ou detém maior peso na organização e nas decisões tomadas. O processo de decisão pode ser diferente em algumas OESS (p. ex., decisões por consenso). Por conseguinte, o grau de participação pode variar muito de um modelo de empresa ou organização para outro, mesmo entre organizações que partilham o mesmo estatuto legal, e algumas OESS serão mais “democráticas” que outras. As formas de participação podem ser ainda mais variadas quando envolvem partes interessadas adicionais (p. ex., membros, beneficiários, utilizadores) ou em resultado das particularidades de alguns setores em que as OESS operam (em particular em termos de eficiência, agilidade ou perfil de utilizador/cliente, entre outros). A possibilidade de controle e de imposição de sanções, inseparável da participação, garante que as decisões tomadas estão em consonância com os objetivos inicialmente acordados e com o espírito da organização. A natureza participativa da tomada de decisões distingue as OESS das empregas privadas com fins lucrativos ou das empresas públicas, em que as sanções são impostas pelo mercado ou por votação. Em última análise, estes mecanismos e procedimentos de funcionamento garantem ao utilizador, membro ou beneficiário confiança na organização de economia social e nos seus líderes, sejam eles eleitos (como no caso das cooperativas) ou não (como no caso das empresas sociais). Solidariedade e inovação Os métodos de funcionamento das organizações de economia social são frequentemente descritos como sendo baseados na solidariedade. De fato, alguns autores preferem usar a expressão “economia solidária” precisamente para enfatizar esta dimensão. Os métodos de funcionamento baseados no princípio da solidariedade visam incluir e não excluir; não têm por finalidade exclusiva acumular capital ou gerar lucros, e usam, entre outros, recursos para alcançar objetivos que beneficiem os promotores, bem como os trabalhadores e utilizadores/beneficiários envolvidos. A componente de solidariedade também explica por que motivo estas organizações são frequentemente expoentes de flexibilidade e inovação. Têm por objetivo fundamental encontrar soluções e satisfazer necessidades em constante mutação e evolução. Usando as conexões estreitas que mantêm com os utilizadores/beneficiários (sejam eles membros da organização ou não) sem se confinar a “sinais do mercado”, estas organizações estão focadas em se adaptar constantemente para continuar a cumprir esta função. DOCUMENTO DE TRABALHO 7 ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Envolvimento voluntário e autonomia O envolvimento das pessoas numa base voluntária, sem qualquer obrigatoriedade, é uma característica distintiva das cooperativas, mutualidades e outras associações. Em alguns países ou períodos específicos, as organizações sociais e solidárias não são automaticamente associadas ao conceito de filiação voluntária ou ação coletiva, porque estes modelos de organizações têm sido usados por governos ou por autoridades coloniais para organizar as populações de forma coerciva visando objetivos de produção ou fins políticos. Dimensão coletiva O aparecimento de OESS nasce da vontade de pessoas e/ou de grupos de juntar forças para satisfazer as necessidades próprias ou de terceiros. É por isso que alguns autores (Defourny & Develtere, 1999) afirmam que a coesão social e a identidade coletiva são praticamente associadas por sistema à economia social. Tradicionalmente, este fator coletivo distingue as OESS das empresas privadas com fins lucrativos, em que o empresário (concebido como pessoa singular) é apresentado como a força impulsionadora por detrás da iniciativa. A dimensão sistematicamente coletiva das OESS pode ser posta em causa. As condições em que surgem (necessidades coletivas ou necessidades partilhadas em comum) e os métodos de funcionamento das cooperativas, mutualidades e associações refletem uma dimensão coletiva, em particular em termos de agrupamento de recursos, métodos de decisão e distribuição de benefícios. Contudo, atualmente, esta dimensão coletiva não está presente na mesma medida em todas as empresas e organizações. Pode existir em determinados momentos da vida de uma organização (especialmente na fase inicial) e deteriorar-se (em particular quando a organização se torna profissionalizada), embora a organização não perca necessariamente de vista os seus objetivos ou filosofia iniciais. Como já foi referido, a dimensão coletiva também pode ser posta em causa em empresas e organizações específicas, como empresas sociais ou fundações. Esta dimensão coletiva esconde, por vezes, um fator crucial no sucesso de organizações de economia social: a liderança dos seus fundadores ou líderes. Esta liderança é concebida como expressão de legitimidade, mas também como fator facilitador do acesso a recursos internos e externos (p. ex., confiança, engajamento, capital social, envolvimento voluntário) que são mais difíceis de mobilizar por outros meios. A liderança não é intrinsecamente antinômica da dimensão coletiva de uma organização, embora, na prática, uma liderança demasiado forte possa traduzir-se em formas de governança menos coletivas. Na verdade, foi assim que surgiu o conceito de empresas sociais ou de empresários sociais. Estas empresas sociais diferem das estruturas clássicas da economia social por enfatizarem uma característica típica das empresas privadas com fins lucrativos, o empresário individual, com o seu dinamismo, engajamento pessoal e práticas inovadoras (Defourny & Nyssens, 2009). 1.3.4 Recursos Os recursos não são, por definição, um critério de distinção entre a economia social e outras formas de economia, embora forneçam uma base para determinar o peso da economia comparativamente a outros fatores e identificar as questões associadas à utilização de vários recursos. © LE MAT O tema dos recursos também suscita a questão da autonomia das organizações de economia social e até de qualquer iniciativa privada. Passepartout – uma pequena rede local de turismo responsável na região da Umbria, Itália 8 DOCUMENTO DE TRABALHO Importa esclarecer desde logo que não existe um modelo único que represente os recursos da economia social. A economia social usa recursos públicos e recursos gerados pelo comércio e pelo mercado, bem como envolvimento e trabalho ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Quadro 1.2: Responsabilidade social empresarial e a ESS A origem do conceito de responsabilidade social empresarial radica na filantropia empresarial que teve desenvolvimento no século XIX, mas que foi promovida em particular após a Segunda Guerra Mundial. A responsabilidade social empresarial (RSE) é um meio utilizado pelas empresas para ponderar o impacto das respectivas operações na sociedade, e afirmar os seus princípios e valores tanto nos seus próprios métodos e processos internos como na respectiva interação com outros. A RSE é uma iniciativa voluntária orientada pelas empresas e refere-se a atividades que se considera irem além do simples respeito pela lei (Conselho de Administração da OIT, 2006). Os programas de RSE podem ser transpostos para uma multiplicidade de atividades e domínios, como doações e apoio a organizações externas, contabilidade social, avaliação do impacto social ambiental, gestão de recursos humanos internos e gestão do risco. Existe uma ligação entre a RSE e a ESS? Em caso afirmativo, qual seria? Até à data, a RSE tem sido uma tendência no seio de algumas empresas convencionais com fins lucrativos como forma de redistribuir parte do seu excedente tendo em vista questões sociais ou ambientais; de melhorar a sua imagem pública; de compensar ou atenuar alguns impactos negativos gerados pelas suas atividades; ou de melhorar o bem-estar e de aumentar a motivação e a produtividade dos seus colaboradores. Enquanto não mudar profundamente o funcionamento e finalidade da organização, a RSE não transforma estas empresas em OESS. No entanto, a ligação entre a RSE e a ESS pode ser estabelecida de várias formas, como no caso em que uma empresa promove a ESS através do apoio a OESS ou em que uma empresa com RSE cria uma fundação de utilidade pública com gestão participativa como ferramenta redistributiva. As parcerias entre as OESS e as empresas comerciais privadas são mais frequentes no setor do comércio justo (p. ex., parcerias conjuntas em contratos públicos e etiquetas de comércio justo relacionadas com práticas de comercialização) (Huybrechts, Mertens & Xhaufflair). A ligação também pode ser estabelecida no outro sentido. Algumas OESS, em particular as mais antigas e consagradas (no setor financeiro e de seguros), também podem elaborar uma política de RSE que ultrapasse o seu objetivo primordial e melhore ou complemente as suas operações internas direcionadas para os colaboradores ou os membros. Foi neste espírito que o Grupo Mondragón criou a Fundação Mukundide, em 1999, para promover iniciativas de produção comunitária e cooperativa visando o desenvolvimento sustentável de países em desenvolvimento. voluntário, um recurso a que poucas outras formas de economia têm acesso. em espécie. Nas fundações, donativos ou legados permitem às organizações atingir os seus objetivos. As OESS usam recursos fornecidos de uma ou outra forma pelos seus criadores e membros. Numa cooperativa, estes recursos assumem a forma de títulos de capital dos membros. Numa associação ou mutualidade, assumem a forma de subscrições dos membros. Costuma dizer-se que a autonomia é o fator que distingue a economia social da economia pública. No entanto, a economia social usa recursos públicos sob a forma de subvenções de governos nacionais e de assistência oficial ao desenvolvimento de países do Sul. Esta forma de concessão de recursos públicos pode indicar que as autoridades públicas reconhecem a existência e a função da economia social (entre outras formas de economia) ou Nas empresas sociais, essa renda é gerada sob a forma de contribuições para o capital ou de ativos DOCUMENTO DE TRABALHO 9 ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA pode assumir a forma de “subcontratação” ou de parceria na implementação de políticas públicas. Geralmente, fala-se de economia “não de mercado” (em que o preço de um produto ou serviço não reflete os custos incorridos), sempre que pelo menos 50% dos custos de produção não são cobertos por recursos gerados pelo mercado. se não existir um equilíbrio entre diferentes tipos de recursos, o voluntariado pode constituir um obstáculo ao desenvolvimento da organização quando os trabalhadores voluntários não possuem profissionalização, competências adequadas ou disponibilidade suficiente. Os recursos de associações nos países do Sul proveem sobretudo da ajuda internacional, seja porque a associação pretende disponibilizar os seus bens e serviços de modo a garantir acessibilidade, seja porque o grupo-alvo ou os membros não podem pagar, seja porque a organização não consegue gerar recursos suficientes através de subscrições, vendas, etc. 1.4 Conceitos conexos Dado que, por definição, as OESS têm uma missão econômica, muitas delas obtêm uma parcela consideravelmente significativa dos seus recursos através da venda de bens e/ou da prestação de serviços, caso em que frequentemente competem com outros operadores privados. Em situação de concorrência (eventualmente em relação aos mesmos produtos ou serviços), por vezes a economia social pode estar em desvantagem, dado que poderá ter maior dificuldade em propor alternativas equivalentes em termos de preço (porque não usa economias de escala), de capacidade de resposta (porque as decisões são participativas) ou de qualidade. Uma das estratégias adotadas pela ESS para se impor consiste em destacar a sua vantagem comparativa do ponto de vista microeconômico (objetivos combinados, inovação, flexibilidade), assim como em termos macroeconômicos e societários. O trabalho voluntário é um recurso a que poucas organizações privadas com fins lucrativos ou públicas têm acesso. As OESS conseguem mobilizar este recurso, porque os trabalhadores voluntários subscrevem os princípios de uma organização de economia social, consideram os seus objetivos relevantes e as suas ações legítimas, e aderem à participação e ao controle que possam ocorrer nas atividades da organização e nos órgãos de decisão. O trabalho voluntário é um recurso especial e um ativo extraordinariamente importante para as organizações de economia social. No entanto, 10 DOCUMENTO DE TRABALHO A expressão “empresas e organizações de economia social e solidária”, usada no presente documento de trabalho, não é a única forma de qualificar as realidades que descrevemos. Economia social, economia solidária, economia popular e organizações sem fins lucrativos são conceitos conexos. Todos têm origens geográficas definidas e outros fundamentos teóricos e sublinham dimensões específicas desta forma de economia. Uma breve análise de alguns destes conceitos pretende demonstrar que, apesar das suas características comuns, as OESS podem diferir em termos de formas organizacionais e de abordagens. 1.4.1 Economia social A expressão “economia social” é frequentemente apresentada como tendo sido usada pela primeira vez no final do século XIX para descrever as associações voluntárias de autoajuda estabelecidas pelos trabalhadores com o intuito de enfrentar as sequelas provocadas pela expansão do capitalismo industrial. A expressão foi recuperada na década de 1970, quando os movimentos cooperativos, mutualistas e associativos franceses redescobriram as suas características comuns e beneficiaram de um reconhecimento institucional acrescido (Defourny & Develtere, 2009). A economia social é classicamente associada a cooperativas, mutualidades e associações. Estas entidades partilham o objetivo de reunir organizações autônomas que dão prioridade a servir os seus membros ou a comunidade em detrimento do lucro e que incorporam processos de decisão democráticos, apesar de algumas diferenças na distribuição de benefícios (as cooperativas permitem a distribuição de excedentes em numerário aos seus membros, enquanto as associações e as mutualidades a proíbem). ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Em algumas partes do mundo (p. ex., Bélgica, França, Québec e Espanha), a economia social é alvo de reconhecimento político e econômico por parte dos ministérios, administrações e respectivas políticas públicas de apoio. Nestas regiões, a economia social abrange diversas organizações, incluindo grandes bancos, seguradoras ou organizações agrícolas amplamente consagrados e, mais recentemente, iniciativas de menor vulto, apoiadas ou não por políticas públicas. 1.4.2 Economia solidaria “Economia solidária” é uma expressão usada especialmente na França, na América Latina e no Québec. Claramente, a expressão destaca a solidariedade como principal característica deste tipo de economia, por oposição à economia capitalista convencional. Na América Latina, esta expressão é usada para abranger um vasto conjunto de iniciativas. Em outras regiões (França e Québec), esta expressão tem sido promovida para estabelecer a distinção entre componentes consagrados da economia social (cooperativas, associações, mutualidades) e mecanismos e organizações de solidariedade mais recentes. 1.4.3 Economia popular A expressão “economia popular” está enraizada na América Latina e foi idealizada por pesquisadores como Luis Razeto (Chile) ou José Luis Corragio (Argentina). Algumas organizações não governamentais (ONG) africanas (p. ex., ENDA no Senegal) também adotaram esta terminologia. © OIT / Falise T. Esta distinção não visa apenas diferenciar iniciativas mais antigas de iniciativas mais recentes. Serve para salientar que algumas grandes organizações consagradas mais antigas (especialmente no setor bancário e segurador) deixaram de funcionar de acordo com as suas características comuns teóricas, porque possuem ligações demasiado próximas com a economia capitalista convencional (p. ex., em resultado de fusões e incorporações). Acima de tudo, os defensores da abordagem da economia solidária pretendem lançar luz sobre iniciativas inovadoras, mais participativas e frequentemente de menor dimensão. Estas iniciativas são muitas vezes lançadas para responder a problemas sociais e societários contemporâneos, como a prestação de cuidados a crianças e idosos, questões ambientais, sistemas de trocas comerciais locais e agricultura sustentável. Estas organizações ou redes de economia solidária também estão mais enraizadas no próprio nível local e baseiam-se num mecanismo de reciprocidade. Também dependem de recursos híbridos: monetários e não monetários, orientados e não orientados para o mercado, empregos assalariados e voluntariado (Laville, 2007). Mulher a trabalhar numa estufa de orquídeas, Tailândia. DOCUMENTO DE TRABALHO 11 ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Como a expressão claramente indica, esta economia é encarada como sendo desenvolvida pela classe popular (os mais vulneráveis) e pelas suas organizações de base para resolver problemas sociais e de subsistência econômica. © LE MAT Os grupos partilham frequentemente as mesmas condições de vida e as mesmas comunidades religiosas ou políticas, e pretendem resolver os problemas quotidianos através de processos de tomada de consciência coletivos e de soluções práticas. Do ponto de vista conceptual, dão ênfase à lógica interna de uma economia autogerida pelos trabalhadores. Estas organizações dependem frequentemente dos seus recursos não monetários: mão de obra, capacidade organizacional e de mobilização, imaginação, criatividade.Além dos recursos clássicos de mão de obra e capital, Razeto propõe a adição de um terceiro fator, um Fator C que significa colaboração ou cooperação, com o qual as organizações populares podem contar em complemento ou em substituição do capital. Membros suecos da COOMPANION no LE MAT Verona. A economia popular também está correlacionada com uma forte agenda política, porque esta economia é considerada como um modelo econômico e político alternativo à economia (neo) liberal dominante, a qual, do seu ponto de vista, promove a exclusão. 1.4.4 Organizações sem fins lucrativos A abordagem anglo-americana sem fins lucrativos (ver, p. ex., Salamon & Anheier, 1999) descreve organizações que não pertencem nem ao setor privado com fins lucrativos nem ao setor público. Abrange um grupo mais restrito de organizações que os conceitos anteriormente descritos, uma vez que exclui qualquer organização que pratique a redistribuição de excedentes. Nesta abordagem, a “limitação da não distribuição de lucros” exclui as cooperativas, que são classificadas como organizações privadas com fins lucrativos em vez de organizações em que os lucros não são o objetivo principal. Os defensores da economia social consideram, no entanto, perfeitamente exequível classificar as cooperativas na mesma categoria que as mutualidades e associações, porque partilham o mesmo espírito, não obstante funcionarem de 12 DOCUMENTO DE TRABALHO acordo com princípios diferentes (Defourny & Develtere, 2009). Nos Estados Unidos e no Reino Unido, a exclusão das organizações com fins lucrativos, como as cooperativas, pode ser explicada pelas origens da abordagem sem fins lucrativos, em que muitas associações (inicialmente de autoajuda) foram criadas para resolver os problemas relacionados com a criação de uma sociedade, como questões de urbanização, imigração ou econômicas num espaço não ocupado pelo Estado ou por empresas com fins lucrativos. Pode dizer-se que o setor sem fins lucrativos corresponde à componente associativa da economia social. 1.4.5 Terceiro setor Alguns países usam a expressão “terceiro setor” a nível das políticas e dos profissionais como sinônima do setor sem fins lucrativos ou do setor da economia social. Embora esta expressão não explique cabalmente o conceito das OESS, fornece valor acrescentado ao setor da economia social, na medida em que o ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA introduz em situação de paridade no discurso sobre o setor público e o setor privado. 1.5 Vantagens comparativas da ESS Diversos domínios de atividade, formas organizacionais, abordagens, localizações geográficas e até terminologias contribuem para caracterizar a ESS. Esta variedade por vezes dificulta o reconhecimento, não só das próprias OESS, como também dos agentes públicos e privados nos planos local, nacional e internacional. Contudo, a ESS dispõe de múltiplas vantagens comparativas no combate a desafios sociais, societários, econômicos e políticos em todo o mundo. 1.5.1 Coesão social A constante mutação que afeta as nossas sociedades põe frequentemente em causa a coesão social entre as pessoas e as comunidades. Por toda a parte se implementam programas de coesão social para criar ou manter ligações e um sentido de comunidade entre pessoas que partilham as mesmas condições de vida, instalações comuns ou o mesmo destino. Todos os princípios de funcionamento da ESS se baseiam na coesão social e nos contributos para a coesão social. Como Jacques Defourny (1992) explica, a coesão social, ou o reconhecimento de uma identidade coletiva, é um dos fatores que tornam a ESS uma realidade. É este sentimento coletivo que leva grupos de pessoas a decidir combater questões sociais e econômicas através de organizações sociais e solidárias. A ESS também gera coesão social através dos seus princípios de funcionamento, dos seus objetivos sociais que visam beneficiar os membros e a comunidade, e do seu impacto a nível local. 1.5.2 Capacitação A capacitação é um fator importante que dá voz e representação aos cidadãos e às comunidades. A economia informal é um fato da vida que não pode ser ignorado em qualquer economia. Em alguns países africanos, a economia informal gera renda e “empregos” para mais de 80% da população urbana. Como se situa a economia informal em relação à economia social? A OIT define a economia informal como um conjunto de atividades realizadas por trabalhadores e unidades econômicas que (de jure ou de fato) não são abrangidos ou que são inadequadamente abrangidos por regimes formais. As suas atividades não são abrangidas por legislação, porque as leis não são aplicadas ou porque as leis dissuadem o seu cumprimento por serem inadequadas ou envolverem processos burocráticos ou custos excessivos. A principal característica da economia informal é a enorme vulnerabilidade e insegurança das pessoas envolvidas, sejam elas trabalhadores assalariados, trabalhadores autônomos ou empregadores, resultante da falta de proteção, direitos e representação. Em muitos países, a economia informal sobrepõe-se em larga medida ao setor econômico privado, exceto no caso de atividades criminosas ou ilegais, mas não pode ser incluída nas estatísticas oficiais. A economia informal pode ser diferente da economia social na esfera legal (Fonteneau, Nyssens & Fall, 1999). É perfeitamente possível uma organização que funciona de acordo com princípios da economia social ter um estatuto informal, por causa da inadequação dos instrumentos legais existentes ou da dificuldade de cumprimento formal desses critérios. A economia informal e a economia social são mais semelhantes nas circunstâncias em que nascem, na forma como funcionam e nos objetivos que perseguem. Tanto na economia social como na economia informal, é a necessidade que frequentemente leva as pessoas a iniciar as suas atividades. As pessoas e as organizações de ambas as economias também funcionam no mesmo contexto de mercado, um contexto que molda os produtos e serviços e garante a sua elevada acessibilidade em termos de proximidade e de preço. Os métodos de funcionamento de muitas destas atividades não se assemelham às características das empresas com DOCUMENTO DE TRABALHO 13 ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Quadro 1.3: A economia informal e a ESS A economia informal é um fato da vida que não pode ser ignorado em qualquer economia. Em alguns países africanos, a economia informal gera renda e “empregos” para mais de 80% da população urbana. Como se situa a economia informal em relação à economia social? A OIT define a economia informal como um conjunto de atividades realizadas por trabalhadores e unidades econômicas que (de jure ou de fato) não são abrangidos ou que são inadequadamente abrangidos por regimes formais. As suas atividades não são abrangidas por legislação, porque as leis não são aplicadas ou porque as leis dissuadem o seu cumprimento por serem inadequadas ou envolverem processos burocráticos ou custos excessivos. A principal característica da economia informal é a enorme vulnerabilidade e insegurança das pessoas envolvidas, sejam elas trabalhadores assalariados, trabalhadores autônomos ou empregadores, resultante da falta de proteção, direitos e representação. Em muitos países, a economia informal sobrepõe-se em larga medida ao setor econômico privado, exceto no caso de atividades criminosas ou ilegais, mas não pode ser incluída nas estatísticas oficiais. A economia informal pode ser diferente da economia social na esfera legal (Fonteneau, Nyssens & Fall, 1999). É perfeitamente possível uma organização que funciona de acordo com princípios da economia social ter um estatuto informal, por causa da inadequação dos instrumentos legais existentes ou da dificuldade de cumprimento formal desses critérios. A economia informal e a economia social são mais semelhantes nas circunstâncias em que nascem, na forma como funcionam e nos objetivos que perseguem. Tanto na economia social como na economia informal, é a necessidade que frequentemente leva as pessoas a iniciar as suas atividades. As pessoas e as organizações de ambas as economias também funcionam no mesmo contexto de mercado, um contexto que molda os produtos e serviços e garante a sua elevada acessibilidade em termos de proximidade e de preço. Os métodos de funcionamento de muitas destas atividades não se assemelham às características das empresas com fins lucrativos. Pelo contrário, podem ser associados a uma economia que combina preocupações relacionais (Hyden [1988] refere a economia dos afetos) com práticas de mercado. De igual modo, enquanto as organizações da economia social perseguem explicitamente objetivos econômicos e sociais, as unidades econômicas da economia informal podem reproduzir esse comportamento até certa medida, mas sem que os seus agentes o manifestem de forma explícita ou consciente. Essas organizações consideram que perseguir objetivos econômicos e sociais é simplesmente mais lógico, dado que, no contexto em que operam, prosseguem estratégias de sustentabilidade, coesão social, etc. Basicamente, só a observação dos princípios que regem a conduta destas unidades econômicas em espírito e na prática permite estabelecer uma distinção ou ligação entre uma organização de economia social e uma organização de economia informal. Só nessa base é possível avaliar se os objetivos perseguidos por uma unidade da economia informal têm maiores semelhanças com os objetivos da economia social ou de uma empresa capitalista. Esta forma de olhar para as unidades da economia informal poderá contribuir para a formalização de algumas unidades que se regem por formas organizacionais sociais e solidárias. fins lucrativos. Pelo contrário, podem ser associados a uma economia que combina preocupações relacionais (Hyden [1988] refere a economia dos afetos) com práticas de mercado. De igual modo, enquanto as organizações da economia social 14 DOCUMENTO DE TRABALHO perseguem explicitamente objetivos econômicos e sociais, as unidades econômicas da economia informal podem reproduzir esse comportamento até certa medida, mas sem que os seus agentes o manifestem de forma explícita ou consciente. Essas ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Quadro 1.4: Os movimentos sociais, a sociedade civil e a ESS O que têm em comum as organizações de camponeses, as mutualidades de saúde, as uniões de poupança e crédito, as cooperativas, as associações de combate ao HIV/AIDS, as empresas sociais, certas fundações, as associações que funcionam no âmbito da reflorestação ou os programas que integram os inúmeros jovens diplomados desempregados em capitais africanas? Todas estas organizações limitam as suas atividades à produção de bens ou serviços (que podem ser ou não ser fornecidos por outros operadores) e consideram sua missão econômica alcançar um de vários objetivos, como: melhorar as condições de produção; disponibilizar os serviços que prestam a pessoas que de outra forma não teriam acesso a eles; ou tomar em consideração os desafios societários e ambientais. A definição de marcos nos seus princípios de funcionamento, como permitir o controle pelos membros, trabalhadores ou utilizadores; ajustar as regras de distribuição e localização dos excedentes gerados; encontrar um equilíbrio entre a geração de lucros (necessários para o desenvolvimento de qualquer empresa) e o serviço aos membros e/ou à comunidade; garantir um equilíbrio de poder entre as várias partes interessadas no processo de decisão, e outros, são uma outra característica destas organizações. Estas preocupações evocam seguramente as preocupações das organizações de trabalhadores e demonstram as ligações naturais existentes entre a economia social e os movimentos sindicalistas de trabalhadores e agricultores. Mesmo quando estas várias componentes são inseridas num quadro regulamentar, a economia social continua a ser um movimento, dado que procura ajustar e corrigir determinadas falhas ou tendências. Formar um movimento significa adotar uma abordagem mais prospetiva, antecipar as tendências futuras de modo a prevenir-se contra riscos (gerados pelo mercado e pelo Estado) e preparar-se para efetuar os ajustamentos necessários no setor. Se as organizações da economia social estivessem isoladas nos seus setores de atividade ou agrupadas exclusivamente na base do seu estatuto legal, perderiam a vantagem de compartilhar experiências e a visibilidade de uma força econômica e social apoiada por cidadãos empenhados. Dado o perfil das organizações pioneiras e as características comuns destas organizações, não surpreende que tenham evoluído para uma abordagem mais política. Estes movimentos da economia social têm várias preocupações: a combinação de objetivos sociais e econômicos em sociedades em que os setores social e econômico estão frequentemente muito segmentados (como se pode ver pelas jurisdições dos respectivos ministérios) e são financiados por recursos que proveem de fontes muito diferentes (impostos e/ou solidariedade nacional e internacional no primeiro caso, e o mercado no segundo caso); a defesa de certas práticas em economias de mercado (como a natureza sem fins lucrativos dos seguros ou dos cuidados de saúde); a legitimidade e a proteção (jurídica e política) de certas formas de instituição numa economia livre de mercado; ou a detecção de problemas societários. Daí resulta que a economia social pode assumir a forma de movimentos sociais, que podem ser formais (plataformas ou federações), informais ou ad hoc. Esses movimentos também podem ser o resultado de esforços tendentes a reunir as organizações por setor, país, região, etc. Independentemente das razões que as levaram a unir-se, estas organizações são uma força econômica, social e política com preocupações comuns. Embora alguns destes movimentos sejam frequentemente frágeis e estejam longe de possuir uma dimensão global, as organizações suscetíveis de ser afiliadas com a ESS são parte da sociedade civil na arena política regional, nacional ou internacional. DOCUMENTO DE TRABALHO 15 ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA organizações consideram que perseguir objetivos econômicos e sociais é simplesmente mais lógico, dado que, no contexto em que operam, prosseguem estratégias de sustentabilidade, coesão social, etc. Basicamente, só a observação dos princípios que regem a conduta destas unidades econômicas em espírito e na prática permite estabelecer uma distinção ou ligação entre uma organização de economia social e uma organização de economia informal. Só nessa base é possível avaliar se os objetivos perseguidos por uma unidade da economia informal têm maiores semelhanças com os objetivos da economia social ou de uma empresa capitalista. Esta forma de olhar para as unidades da economia informal poderá contribuir para a formalização de algumas unidades que se regem por formas organizacionais sociais e solidárias. O que têm em comum as organizações de camponeses, as mutualidades de saúde, as uniões de poupança e crédito, as cooperativas, as associações de combate ao HIV/AIDS, as empresas sociais, certas fundações, as associações que funcionam no âmbito da reflorestação ou os programas que integram os inúmeros jovens diplomados desempregados em capitais africanas? Todas estas organizações limitam as suas atividades à produção de bens ou serviços (que podem ser ou não ser fornecidos por outros operadores) e consideram sua missão econômica alcançar um de vários objetivos, como: melhorar as condições de produção; disponibilizar os serviços que prestam a pessoas que de outra forma não teriam acesso a eles; ou tomar em consideração os desafios societários e ambientais. A definição de marcos nos seus princípios de funcionamento, como permitir o controle pelos membros, trabalhadores ou utilizadores; ajustar as regras de distribuição e localização dos excedentes gerados; encontrar um equilíbrio entre a geração de lucros (necessários para o desenvolvimento de qualquer empresa) e o serviço aos membros e/ou à comunidade; garantir um equilíbrio de poder entre as várias partes interessadas no processo de decisão, e outros, são uma outra característica destas organizações. Estas preocupações evocam seguramente as preocupações das organizações de trabalhadores e 16 DOCUMENTO DE TRABALHO demonstram as ligações naturais existentes entre a economia social e os movimentos sindicalistas de trabalhadores e agricultores. Mesmo quando estas várias componentes são inseridas num quadro regulamentar, a economia social continua a ser um movimento, dado que procura ajustar e corrigir determinadas falhas ou tendências. Formar um movimento significa adotar uma abordagem mais prospetiva, antecipar as tendências futuras de modo a prevenir-se contra riscos (gerados pelo mercado e pelo Estado) e preparar-se para efetuar os ajustamentos necessários no setor. Se as organizações da economia social estivessem isoladas nos seus setores de atividade ou agrupadas exclusivamente na base do seu estatuto legal, perderiam a vantagem de compartilhar experiências e a visibilidade de uma força econômica e social apoiada por cidadãos empenhados. Dado o perfil das organizações pioneiras e as características comuns destas organizações, não surpreende que tenham evoluído para uma abordagem mais política. Estes movimentos da economia social têm várias preocupações: a combinação de objetivos sociais e econômicos em sociedades em que os setores social e econômico estão frequentemente muito segmentados (como se pode ver pelas jurisdições dos respectivos ministérios) e são financiados por recursos que proveem de fontes muito diferentes (impostos e/ou solidariedade nacional e internacional no primeiro caso, e o mercado no segundo caso); a defesa de certas práticas em economias de mercado (como a natureza sem fins lucrativos dos seguros ou dos cuidados de saúde); a legitimidade e a proteção (jurídica e política) de certas formas de instituição numa economia livre de mercado; ou a detecção de problemas societários.Daí resulta que a economia social pode assumir a forma de movimentos sociais, que podem ser formais (plataformas ou federações), informais ou ad hoc. Esses movimentos também podem ser o resultado de esforços tendentes a reunir as organizações por setor, país, região, etc. Independentemente das razões que as levaram a unir-se, estas organizações são uma força econômica, social e política com preocupações comuns. Embora alguns destes movimentos sejam frequentemente frágeis e estejam longe de possuir uma dimensão ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA 1.5.3 Reconhecimento de uma economia plural global, as organizações suscetíveis de ser afiliadas com a ESS são parte da sociedade civil na arena política regional, nacional ou internacional. A capacitação pode ser construída através de uma multiplicidade de processos e mecanismos. É indubitável que a participação e filiação em OESS contribuem para um processo de capacitação. Os membros e os utilizadores adquirem capacitação através do seu envolvimento ativo no processo de decisão participativo dentro da organização e fora das organizações quando negociam com partes interessadas externas. Coletivamente, as OESS também contribuem para o processo de capacitação individual e comunitário ao demonstrar que todas as pessoas podem tornar-se agentes econômicos e sociais ativos e produtivos. Existem vários mecanismos que perseguem objetivos semelhantes como a criação de emprego, a proteção social, o bem-estar, a riqueza, a inovação, a prestação de cuidados, etc. A maioria das sociedades é composta por uma pluralidade de agentes públicos e privados que podem ser orientados para atividades com fins lucrativos ou sem fins lucrativos. A proteção social é um bom exemplo de como mecanismos diferentes disponibilizados por agentes econômicos diferentes e baseados em lógicas diferentes podem ser articulados para alcançar um objetivo comum: a proteção social universal. Em muitos países, estes mecanismos coexistem sem interligação, mas podem ser articulados através de um processo de redistribuição (ver Figura 1.2) no sentido de prestar aquilo que a OIT designa por um piso de proteção social. Numa perspectiva mais lata, a dimensão da ESS permite reconhecer uma economia plural composta por diferentes tipos de atividades e trocas econômicas (p. ex., monetárias e não monetárias, de mercado e não de mercado, públicas/privadas e com/sem fins lucrativos). Figura 1.2: Ilustração de uma economia plural: abordagem holística da proteção social FINANCIAMENTO PARTES INTERESSADAS Impostos do Estado (nacionais/regionais) Empresas comfins lucrativos POPULAÇÃO ABRANGIDA Formais e informais Contribuição de solidariedade da seguridade social formal e das EOESS envolvidas e dos seus membros Entidades públicas EOESS DOCUMENTO DE TRABALHO 17 ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA 1.6 Conclusões principais A ESS organiza-se em modelos específicos de empresas e de organizações. Os modelos mais comuns são cooperativas, mutualidades, associações, organizações comunitárias, empresas sociais e algumas fundações. A ESS é de fato um grupo de organizações dinâmico em permanente evolução. As OESS partilham características comuns que as distinguem da economia pública e da economia convencional com fins lucrativos. Todas visam perseguir objetivos sociais e econômicos combinados e partilham princípios de funcionamento específicos baseados 18 DOCUMENTO DE TRABALHO na participação, solidariedade, inovação, envolvimento voluntário e propriedade coletiva. A expressão economia social e solidária não é a única utilizada para abranger estas realidades. Economia social, economia solidária, economia popular e organizações sem fins lucrativos são conceitos conexos. Todos têm origens geográficas e fundamentos teóricos definidos e sublinham dimensões específicas desta forma de economia. As OESS oferecem um conjunto de vantagens comparativas no combate a desafios sociais, societários, econômicos e políticos em todo o mundo, incluindo a coesão social, a capacitação e o reconhecimento de uma economia plural. ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Capítulo 2: Governança e gestão de OESS 2.1 Introdução As OESS, apesar de heterogêneas, funcionam com base em princípios semelhantes. A governação e a gestão destas organizações têm sido influenciadas em larga medida pela sua filiação e propriedade coletivas. Motivadas principalmente pela solidariedade social, por oposição à acumulação de capital, estas organizações são muito “centradas nas pessoas”. Consequentemente, todos os membros têm o mesmo direito de participar na empresa e, apesar de estruturas organizacionais diferentes, todas estas organizações procuram dar aos membros a oportunidade de participar na sua governança e gestão. Este capítulo tem por finalidade explicar a forma como as OESS são governadas e geridas, prestando atenção à natureza da propriedade e da filiação, e às implicações da participação como membros. Ficaremos a conhecer os pontos fortes e os pontos fracos da gestão de OESS e as possibilidades de melhorar a eficiência do seu funcionamento. Tendo em conta que as OESS usam uma abordagem de negócio para satisfazer necessidades e expectativas sociais, o capítulo começa por comparar a sua governança e gestão com empresas capitalistas convencionais. 2.2 Governança e gestão de OESS 2.2.1 Definição de governança e gestão Apesar de serem usados indistintamente, os conceitos de governança e de gestão possuem significados diferentes. A governança tem sido definida, frequentemente, no contexto do exercício do poder do estado (ver Hyden & Court, 2002: 13-33; Olowu, 2002: 4; Hyden, 1992: 7), mas na realidade o conceito aplica-se a um contexto muito mais vasto da sociedade humana. Em vez de politizar o conceito, neste documento de trabalho definimos governança como o exercício de autoridade institucional para determinar o uso de recursos na condução dos negócios de uma sociedade (Banco Mundial, 1991). Esta definição implica que a governança ocorre nas organizações societárias em todas as formas e dimensões e em organizações privadas, públicas, com e sem fins lucrativos. A governança rege-se normalmente por uma lógica tendente a garantir que uma organização produz resultados válidos ao mesmo tempo que evita consequências indesejadas para as pessoas afetadas. O conceito de gestão também tem sido alvo de inúmeras definições na bibliografia sobre o tema. Uma definição popular, por exemplo, na bibliografia sobre microfinanciamento, considera gestão o processo de conseguir que as coisas sejam feitas com eficiência e eficácia com e através de pessoas (Churchill & Frankiewicz, 2006: 2). Para efeitos deste documento de trabalho, definimos gestão como a organização e a coordenação das atividades e dos esforços das pessoas de acordo com políticas estabelecidas para alcançar os objetivos pretendidos (Business Dictionary, http://www.businessdictionary. com/definition/mana gement.html). Sendo um processo, a gestão envolve o planejamento, a organização, a liderança e a supervisão de pessoas para a realização das tarefas necessárias para alcançar os objetivos estabelecidos (Churchill & Frankiewicz, 2006: 2-8). Como é evidente, a gestão ocorre em todas as formas e dimensões de organizações. Existe, no entanto, uma distinção fundamental entre estes dois conceitos: enquanto a governança define a estrutura para a realização das atividades organizacionais, a gestão lida com a implementação diária das atividades organizacionais previstas nessa estrutura. A governança tem, assim, um âmbito mais lato que a gestão, porque fornece as políticas que constituem a base para o trabalho de gestão. No contexto das OESS, a governança diz respeito à formulação de políticas que identifiquem DOCUMENTO DE TRABALHO 19 ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA atividades e mobilizem recursos para alcançar as aspirações ou os objetivos dos membros e/ou utilizadores; a gestão lida com a execução real das atividades destinadas a concretizar os objetivos ou as aspirações dos membros e/ou utilizadores. O Quadro 2.1 procura simplificar esta distinção. Quadro 2.1: Ações de gestão nas organizações Quando um grupo de pessoas delibera e decide o tipo de atividades a realizar para alcançar certos objetivos, está a desempenhar uma função de governança, mas quando participa na realização das atividades escolhidas para alcançar um objetivo, está a desempenhar uma função de gestão. A determinação de quem desempenha cada uma destas duas funções numa organização baseia-se por vezes na propriedade e filiação da organização. Nesse sentido, espera-se que os proprietários e membros atuem como donos e desempenhem funções de governança, e que os não membros sejam agentes dos donos e desempenhem funções de gestão. Por vezes, a dimensão da organização influencia esta matéria: existe maior probabilidade de se combinar estas funções em organizações de pequena dimensão do que em grandes organizações. A seção seguinte procura demonstrar como a propriedade influencia a separação das funções de governança e de gestão nas empresas privadas e nas OESS. 2.2.2 Propriedade e governança As empresas capitalistas são negócios que procuram fazer lucro com as suas atividades para distribuição aos membros. Existem normalmente três formas de propriedades nestas empresas: sociedades em nome individual, sociedades em nome coletivo e sociedades anônimas. A sociedade em nome individual diz respeito a uma empresa mantida por uma só pessoa, enquanto 20 DOCUMENTO DE TRABALHO uma sociedade em nome coletivo diz respeito a uma empresa mantida por, no mínimo, mais de uma pessoa. As sociedades anônimas são empresas detidas por acionistas que adquirem participações ou ações da empresa nos mercados de capital (Kim & Nofsinger, 2007: 2). Independentemente desta distinção, a prática comum nas empresas capitalistas, com a exceção das sociedades em nome individual muito pequenas, é a separação entre a função de governança e a função de gestão. Os proprietários exercem funções de governança, enquanto a gestão, a cargo do pessoal executivo contratado pelos proprietários, está incumbida da função de controle (Kim & Nofsinger, 2007: 3). O pessoal executivo estende-se desde os diretores ou diretores executivos, passando pelos contabilistas e auditores, até aos empregados de escritório, secretariado e assistentes. Assim, na maioria destas empresas, as funções de governança e as funções de gestão são desempenhadas por pessoas diferentes. Os proprietários são os donos e limitamse a definir objetivos e políticas para os alcançar, enquanto o pessoal executivo trabalha diariamente para os donos para alcançar os objetivos estabelecidos. As formas de propriedade nas empresas capitalistas também se encontram em OESS. A Caixa 2.2 apresenta as formas de propriedade em diferentes tipos de OESS. Quadro 2.2 Formas de propriedade em OESS Propriedade Tipo de OESS Sociedade em Empresas sociais, nome individual fundações Sociedade em nome coletivo Empresas sociais, fundações, mutualidades, associações, cooperativas Sociedades participadas/ por ações Cooperativas ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA No entanto, ao contrário das empresas capitalistas, as OESS não separaram efetivamente o desempenho das funções de governança e de gestão. Isso deve-se, em parte, ao fato destas organizações funcionarem com base em princípios coletivos e democráticos, que resultam na prevalência da autogestão ou da gestão coletiva por oposição à gestão hierárquica típica das empresas capitalistas. Em organizações como empresas sociais, mutualidades e organizações comunitárias, os proprietários ou membros que estabelecem os objetivos e elaboram as políticas destinadas a orientar as atividades da organização são as mesmas pessoas que participam na sua gestão através da execução das atividades correntes necessárias para alcançar os seus objetivos. Deste modo, os mesmos membros alternam constantemente entre as funções de governança e de gestão. © OIT / Crozet M. A autogestão também prevalece em algumas OESS em parte por causa da sua pequena dimensão. Neela, 39 anos, é a fundadora de um projeto de cooperativa rural apoiado pela OIT que reúne mulheres da sua aldeia de Kesavarayampatti (Madras). A gestão hierárquica também existe em algumas OESS. No entanto, a filiação aberta e voluntária e a liderança democrática existentes nestas organizações reduzem a hierarquia, normalmente traduzida em ordens ou instruções, a um simples mecanismo de partilha de informação. Um caso ilustrativo são as cooperativas em países anglófonos, que evoluíram com um quadro jurídico que requer a separação das funções de governança e de gestão (Develtere, 2008; Wanyama, Develtere & Pollet, 2009) e se traduz por uma estrutura hierárquica que separa os membros, a comissão de gestão e o pessoal diretivo. 2.2.3 Participação Deste modo, a separação (ou a não separação) das funções de governança e de gestão nas OESS deu origem a estilos de gestão ligeiramente diferentes, que têm implicações na participação dos membros na governança e na gestão das suas organizações. Como já foi referido, a propriedade coletiva e a governança democrática caracterizam a maior parte das OESS em todo o mundo, com a exceção de algumas empresas sociais. A secção seguinte analisa as formas de participação dos membros em diferentes tipos de OESS. A diversidade entre organizações da economia social indica que a forma de governança e de gestão adotada por uma organização tende a ser determinada pela sua natureza e pelo contexto de funcionamento. Não é invulgar que o mesmo tipo de organização em diferentes locais e circunstâncias tenha estruturas e práticas de governança e de gestão diferentes. Embora conscientes dessas realidades, será conveniente tentar algumas generalizações sobre a participação dos membros na governança e na gestão de diferentes tipos de OESS. Este tipo de propriedade e de governança permite aos membros (e, por vezes, aos trabalhadores, utilizadores e beneficiários) participar equitativamente nos processos de decisão; tal significa que se confere igual reconhecimento e valor às várias contribuições dos membros. DOCUMENTO DE TRABALHO 21 ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Figura 2.1: Funções dos membros num modelo de autogestão Membros Diretores Utilizadores No entanto, o grau de participação varia muito consoante o tipo de organização e o contexto de funcionamento. Algumas organizações, por exemplo, podem ponderar os votos dos membros, não só para refletir os diferentes graus de atividade dos membros do grupo, mas também para reconhecer as diferenças entre eles em termos de senioridade e de antiguidade de inscrição. Algumas organizações podem ser mais democráticas que outras. Seja como for, é possível generalizar que algumas organizações permitem aos seus membros participar em questões de gestão e de governança, enquanto outras apenas permitem participar na gestão ou na governança. Como tal, podemos identificar as seguintes formas de gestão nas OESS: autogestão, gestão coletiva e gestão hierárquica. Gestores Trabalhadores dos membros das OESS são iguais. O resultado da atribuição de um estatuto de igualdade a todos os membros é a autogestão, que confere controle da organização a cada um dos seus membros. São usadas estruturas de solidariedade para gerar bens e serviços para os membros e os seus dependentes. Os membros apoiam-se em regras negociadas e recíprocas baseadas em ação coletiva e controle social para executar as suas atividades. Basicamente, essas regras ajudam a estabelecer uma estrutura de liderança mais ou menos horizontal, que secundariza a autoridade hierárquica na governança e na gestão. Cada membro assume, deste modo, a responsabilidade de ocasionalmente assumir a governança e gerir a organização. A Figura 2.1 ilustra o modo como os membros desempenham funções diferentes em ocasiões diferentes. Autogestão Corporiza o princípio da liderança democrática nas OESS. A autogestão concede a todos os membros (e, por vezes, aos trabalhadores e aos utilizadores) o direito de participar na governança e na gestão da organização através da votação em matérias que exigem decisões. Ao contrário das empresas privadas, em que os acionistas votam com base na sua participação de capital na firma, os votos 22 DOCUMENTO DE TRABALHO Este modelo de gestão através do controle dos membros é normalmente aplicado em organizações de pequena escala, em que os membros também são os trabalhadores e, por vezes, os beneficiários. As cooperativas de trabalhadores, mutualidades, associações, empresas sociais e organizações comunitárias são alguns exemplos. Na América Latina e na maioria dos países francófonos, esta forma de gestão é a mais comum nas OESS, não ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA só por causa da dimensão das organizações, mas também por causa da ênfase na natureza emancipadora e libertadora da economia baseada na solidariedade. Gestão coletiva A detenção da propriedade de uma organização pelos seus membros resulta por vezes na partilha de responsabilidades entre si sem ceder obrigatoriamente a autoridade de controle democrático de todos os membros. Os membros gerem coletivamente as organizações, mas desempenham funções diferentes. Conhecida por gestão coletiva, é amplamente utilizada em organizações sociais e solidárias de grande dimensão, em particular na Europa, América do Norte e África. Esta forma de gestão decorre da ideia de que a autogestão pode não ser eficaz para negócios em larga escala (Davis, 2004: 92). O crescimento de uma empresa obriga a direção a transformar a sua estrutura de governança e de gestão de modo a permitir a especialização de funções. O exemplo das empresas sociais pode ajudar a explicar esta questão. A maioria das empresas sociais, organizações que procuram soluções empresariais para problemas sociais (Thompson & Doherty, 2006: 362), tende a iniciar a sua atividade como sociedades em nome individual ou como sociedades em nome coletivo. Consequentemente, a propriedade e a filiação tendem a ser reduzidas no início, tornando desnecessário separar as funções de governança e de gestão; os donos desempenham ambas as funções e a organização é autogerida. Quando a organização cresce, são necessárias mudanças na governança e na gestão que levam à separação das duas funções no desempenho das atividades organizacionais. Nessa altura, a organização adota a gestão coletiva. O exemplo da Suma Wholefoods no Estudo de Caso 2.1 ilustra claramente esta transformação. A gestão coletiva também é usada normalmente nas fundações classificadas como OESS. Enquanto organizações primordialmente filantrópicas, as fundações começam por ser uma iniciativa de pessoas que, posteriormente, estendem a propriedade a terceiros que partilham os mesmos objetivos. Nas organizações pequenas, os coproprietários partilham a responsabilidade de governar a organização constituindo-se como um conselho de administração. A composição e a dimensão do Conselho dependem do número de coproprietários: sendo em número reduzido, provavelmente todos se tornam membros do Conselho; no entanto, se o seu número for mais elevado, é provável que apenas elejam um grupo mais pequeno para constituir o Conselho. Seguidamente, o Conselho contrata profissionais para implementar as suas decisões. Desta forma, o Conselho desempenha a função de governança, enquanto o pessoal contratado desempenha a função de gestão. As mutualidades e as organizações comunitárias também são exemplos de gestão coletiva, na medida em que os participantes negociam e decidem as condições e as regras que regem a conduta dos membros e as atividades do grupo necessárias para alcançar os seus objetivos. Os procedimentos e as funções de liderança também são negociados e acordados logo de início. Posteriormente, são atribuídas funções de liderança, por eleição simples ou por seleção baseada nas respectivas capacidades. Na maioria dos casos são criadas três funções de liderança: presidente, secretário e tesoureiro. Ao presidente é normalmente atribuída a responsabilidade de agir como figura de proa do grupo, estando incumbido de convocar e presidir às reuniões, o secretário tem por missão manter um registro das atividades do grupo e o tesoureiro serve de depositário dos ativos ou recursos do grupo. Estas responsabilidades de liderança tendem a ser encaradas como a prestação de um serviço entre pares. O líder é visto como primus inter pares, dele não se esperando que “comande” os seus colegas, mas que “consulte, facilite e oriente”. Com esta estrutura simples, todos os membros participam coletivamente na governança e na gestão das suas organizações, em que os líderes desempenham uma função meramente facilitadora. Esta forma de estrutura é particularmente visível nas associações de poupança e crédito rotativo (ROSCA), nas associações de poupança e crédito acumulado (ASCA), associações mutualistas de DOCUMENTO DE TRABALHO 23 ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Figura 2.2: Um modelo de gestão coletiva Implementação das decisões pelos membros Supervisão dos membros/utilizadores Definição de políticas pelos membros Governança e Gestão de OESS seguro de saúde e pequenas organizações baseadas na comunidade como grupos de mulheres e grupos de jovens (Wanyana, 2001). A Figura 2.2 ilustra um exemplo de um modelo de gestão coletiva nas OESS. Neste modelo de gestão, os membros e/ou os utilizadores partilham a responsabilidade de governança e gestão das organizações sem que um deles tenha necessariamente uma posição superior à dos outros. Tal como na autogestão, a estrutura de governança e gestão permanece horizontal, mas os membros desempenham funções diferentes. No entanto, o ambiente competitivo em que a ESS opera força cada vez mais algumas organizações em determinadas partes do mundo a adotar estruturas mais formais, e por vezes hierárquicas, de governança e gestão, sem perder o seu caráter coletivo e solidário. Por exemplo, as organizações de microsseguro, em que o profissionalismo é 24 DOCUMENTO DE TRABALHO essencial para manter a sua atuação num ambiente competitivo, recorrem cada vez mais à contratação de pessoal especializado para gerir as suas atividades, enquanto os seus membros mantêm a responsabilidade da governança através de conselhos eleitos (Qureshi, 2006). As cooperativas nos países anglófonos também estão a adotar este modelo de governança e a transitar da autogestão ou da gestão coletiva para a gestão hierárquica. Gestão hierárquica A gestão hierárquica é típica das empresas capitalistas (ou até do serviço público), que possuem um conselho de administração não especializado para definir as políticas e exercer a liderança, e uma direção responsável pela gestão corrente do negócio. Esta forma de gestão também começa a surgir lentamente na ESS. Os melhores exemplos encontram-se em cooperativas de países anglófonos e algumas empresas sociais de grande dimensão. A gestão hierárquica na ESS pode resultar de exigências de eficiência e de competitividade ou, nalguns casos, ser uma resposta ao enquadramento jurídico das organizações. Nos países anglófonos que seguem a tradição britânica do desenvolvimento cooperativo, por exemplo, foram elaboradas estruturas jurídicas para orientar a governança e a gestão das cooperativas. Essa legislação baseia-se na noção de que as cooperativas são compostas por duas partes: o lado empresarial que faz dinheiro, e o lado social que gasta o dinheiro. Nesta perspectiva, as cooperativas são, por um lado, associações de pessoas e, por outro lado, empreendimentos econômicos que devem ser geridos como qualquer outro negócio (Davis, 2004: 91). Esta visão dual das cooperativas é parcialmente responsável pela ideia de separar as funções de governança e de gestão, que cria uma estrutura hierárquica na governança e na gestão das cooperativas no mundo anglófono. De acordo com os princípios cooperativos da filiação aberta e voluntária e da liderança democrática, os membros são os proprietários destas organizações e constituem o órgão de decisão supremo. Por conseguinte, nas cooperativas os membros desempenham a função de governança e todos os membros participam direta ou indiretamente na Reunião da Assembleia Geral Anual ou Assembleia, que as cooperativas realizam anualmente e constitui o órgão supremo da organização. Quando os membros participam indiretamente, como no caso de grandes cooperativas, os membros elegem delegados para os representar na AGA. © LE MAT ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Cooperativa de San Lorenzo na Sardenha, Itália. Compete à Comissão de Gestão implementar as decisões tomadas pela Assembleia Geral ou AGA da cooperativa. Nesse sentido, a Comissão é mandatada para contratar pessoal que a assista na execução das funções de gestão. Consequentemente, as atividades correntes das cooperativas são exercidas pelo pessoal de gestão sob a direção da Comissão de Gestão. Este pessoal inclui normalmente um diretor, contabilista(s), empregado(s) e uma secretária. A quantidade de pessoal varia consoante a natureza e a dimensão da cooperativa. À semelhança das empresas privadas, a maior parte das cooperativas tem funções de governança e de gestão separadas. A Figura 2.3 ilustra a estrutura hierárquica da governança e da gestão nas cooperativas dos países anglófonos. 2.2.4 Regulamentação A Assembleia elege democraticamente uma Comissão de Gestão, que será responsável pela gestão da cooperativa durante o período para o qual foi eleita. A AGA elege ainda um Comitê de Supervisão que tem por missão fiscalizar ou monitorizar a gestão da cooperativa. Este comitê é responsável por garantir que a Comissão de Gestão e o pessoal contratado executam as suas funções em conformidade com os estatutos da cooperativa, com o disposto na legislação em matéria de cooperativas e com as resoluções das AGA e em defesa do supremo interesse dos membros. As OESS existem há séculos, mas muitas delas, em particular organizações de pequena dimensão e/ ou informais, não têm tido reconhecimento jurídico em alguns países. As organizações comunitárias, as associações comunitárias e as mutualidades, por exemplo, têm marcado presença na maioria das sociedades (Defourny & Develtere, 2009: 2-8), embora raramente estejam reconhecidas legalmente sob estas designações na maioria dos países anglófonos. Consequentemente, nestes países não existe um quadro regulamentar específico para a governança e a gestão destas organizações. A regulamentação existente em matéria de organizações públicas e de empresas capitalistas DOCUMENTO DE TRABALHO 25 ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Figura 2.3: Governança e gestão em cooperativas Assembleia Geral Comitê de Supervisão Comissão de Gestão Pessoal de gestão: Secretariado/DiretorGeral e outro pessoal de apoio que prestam serviços semelhantes tendem a não se aplicar às OESS. Mesmo nos países francófonos, em que a maioria das OESS mutualistas estão amplamente consagradas na lei, a regulamentação relativa à prestação de certos serviços tende a excluir algumas destas organizações de menor dimensão. O exemplo da aplicação do “Code des Assurances CIMA” na África Ocidental (ver Quadro 2.3) ilustra este ponto. Não obstante, muitos países procuram reconhecer formal e legalmente todas as OESS, uma medida que abre caminho à elaboração de quadros regulamentares para estas organizações. Os governos da África do Sul, Etiópia e Ruanda estão a criar legislação e agências de regulação para as cooperativas. Na África Ocidental francófona existem tentativas de legislação das mutualidades e das associações que podem abrir caminho a um quadro regulamentar para a sua governança e gestão. Não se pretende alegar, com estas afirmações, que nenhum setor de ESS possui legislação e regulamentação em matéria de governança e gestão, o que seria uma interpretação errada da realidade. Alguns países têm em vigor regulamentação para algumas organizações mas não para outras. 26 DOCUMENTO DE TRABALHO Já referimos, por exemplo, cooperativas em países africanos anglófonos que se regem por disposições legislativas, e existem agências governamentais que regulam o seu registro, gestão e liquidação (Develtere & Pollet, 2008). No entanto, esses mesmos países não possuem legislação ou regulação para outros tipos de OESS, em particular para unidades pequenas e informais, como as organizações comunitárias e as mutualidades. Enquanto as cooperativas são geridas e governadas de acordo com disposições legais aplicadas por uma agência reguladora, o mesmo não se passa com outros tipos de OESS. Analogamente, a legislação dos países francófonos parece conferir maior destaque ao papel das mutualidades que a outras formas de OESS, em particular às cooperativas. Por isso, existe um quadro regulamentar para as mutualidades, mas não para as cooperativas. Este tipo de cenários deu origem a diferentes práticas de governança e de gestão da ESS nos vários países e regiões do mundo. 2.2.5 Gestão de recursos humanos A gestão de recursos humanos abrange o processo de recrutamento, desenvolvimento e motivação das pessoas para trabalhar em prol da consecução de objetivos organizacionais. Envolve o desenvolvimento da estrutura organizacional para determinar as necessidades de pessoal; o recrutamento dos colaboradores necessários; a orientação profissional e a formação do pessoal recrutado; o desenvolvimento de carreiras; a compensação ou remuneração; e a avaliação do desempenho (Churchill & Frankiewicz, 2006: 200; Davis, 2004: 132). Esta definição implica, pelo menos em teoria, a separação das funções de governança e de gestão no sentido de que tem de existir um “proprietário” que desempenhe a função de governança para determinar as necessidades de pessoal e recrutar pessoas para a organização que desempenhem funções de gestão. Tudo indica que a gestão de recursos humanos tem uma aplicação limitada nas OESS, uma vez que a maioria destas organizações tende a combinar as funções de governança e de gestão. As questões de gestão de recursos humanos só estão claramente diferenciadas nas ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Quadro 2.3 Aplicação do “Code des Assurances CIMA” na África Ocidental Em 1995, os países da zona franca da África Ocidental adotaram o quadro regulamentar dos seguros da Conference Inter-Africaine des Marches d’Assurance (CIMA) para reger o setor segurador. O “Code des Assurances CIMA” define as 23 diferentes classes de seguros que podem ser negociados; estipula o processo de licenciamento para as diferentes classes de seguros; e define normas (como requisitos de capital mínimos, rácios de solvência e requisitos contabilísticos) para os operadores. Apesar da existência de legislação na região, a maior parte dos países não a aplica às mutualidades que vendem planos de seguros. Os governos e os responsáveis da CIMA têm conhecimento de que estas sociedades não obedecem ao “Code”, por não conseguirem cumprir os requisitos de capital mínimos e os rácios de solvência, apesar de satisfazerem necessidades a que as seguradoras sociais não dão resposta. Por conseguinte, os responsáveis da CIMA e os governos optaram por tolerar as mutualidades de seguros em incumprimento, que continuam a reger-se por regulamentos à margem da lei. Fonte: Aliber & Ido, 2002: 8 organizações que possuem funções de governança e de gestão separadas. Nessas organizações, a Comissão de Gestão ou o Conselho de Administração recruta pessoal para desempenhar funções de gestão. Se bem que as organizações de grande dimensão, em particular as cooperativas, tendem a aplicar um processo de recrutamento profissional com base num procedimento standard,22 as organizações relativamente mais pequenas raramente seguem esse processo. 22 O procedimento inclui a determinação das necessidades de pessoal; o fornecimento de uma descrição da função do cargo; a clarificação dos critérios de seleção; o anúncio da vaga, interna e externamente; a avaliação dos candidatos; e a seleção do candidato mais qualificado para o emprego. Podem existir várias explicações para este fato, como a falta de recursos para pagar as despesas envolvidas e a natureza do Conselho ou da Comissão de Gestão. Após o recrutamento, poucas são as organizações de ESS que formam o seu pessoal, sendo as cooperativas, mais uma vez, a principal exceção. Nalguns países, como o Quênia, a Tanzânia e o Reino Unido, existem colégios cooperativos para formação de pessoal de gestão de cooperativas. Os outros tipos de organizações não dispõem de instituições especializadas que possam formar o seu pessoal. O pagamento de remunerações baixas, relativamente às taxas de mercado, não permite a muitas organizações fidelizar trabalhadores formados, competentes e qualificados, e gera uma elevada rotatividade de pessoal. Embora as OESS relativamente mais pequenas não possuam sistemas de gestão de recursos humanos tão sofisticados, usam formas alternativas de encorajar as pessoas a trabalhar para a prossecução dos seus objetivos. A maioria das organizações comunitárias, mutualidades e associações recruta pessoal qualificado entre os seus membros com base nos seus talentos especiais. Tal como é ilustrado no exemplo de Suma no Estudo de Caso 2.1, as empresas sociais e as cooperativas de trabalhadores usam a capacidade dos seus membros para realizar o seu trabalho. Os trabalhadoresmembros dependem do autoconhecimento e da reflexão contínua sobre o desempenho do pessoal para identificar áreas em que seja possível retirar ensinamentos e melhorar esse desempenho; desenvolvem algo que Davis (2004: 120120-122) designa por “competências de autogestão”. Tornam a organização inteira numa “plataforma de aprendizagem” que desenvolve os recursos humanos para a empresa. O reforço de capacidades está no seio da organização e os sistemas de aprendizagem interna baseiam-se na democracia e na capacitação. Importa referir que a remuneração dos trabalhadores não é composta exclusivamente pelo tradicional pacote de dinheiro e benefícios, incluindo também bens e serviços gerados pela organização. DOCUMENTO DE TRABALHO 27 ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA 2.3 Gestão de recursos nas OESS 2.3.1 Necessidades de recursos As condições de necessidade numa sociedade tendem a gerar uma multiplicidade de respostas dos cidadãos, a maioria das quais se estrutura em OESS. Nascidas da necessidade (Defourny & Develtere, 2009: 18), as necessidades de recursos da ESS são tão diversas como os problemas que afetam a sociedade humana. Para cobrir os vários riscos enfrentados pelos seus membros, as mutualidades precisam de recursos para garantir a cobertura em caso de doença, de despesas de funeral, más colheitas, propinas e outras formas de condições de vida precárias. Analogamente, as organizações comunitárias e as associações enfrentam uma série de problemas na sua procura de satisfazer necessidades individuais e das comunidades: défices de mão de obra agrícola e pastoril; falta de meios em termos de educação, saúde, água, comunicações e famílias; e carência de inovação em várias atividades econômicas que possa melhorar as condições de vida, entre outros. As cooperativas e as empresas sociais de diferentes setores precisam de capital circulante para funcionar e melhorar a produtividade dos seus vários negócios e cumprir os seus objetivos sociais. Em resumo, as OESS necessitam de múltiplos recursos, humanos e financeiros, para produzir bens e serviços em resposta aos riscos e carências enfrentados pela sociedade humana. contribuem com donativos ou legados filantrópicos (Fonteneau & Develtere, 2009). Além dos recursos gerados pelos fundadores e pelos membros, as OESS também obtêm recursos das suas próprias atividades. Sendo empresas econômicas, muitas delas geram retornos com a venda de bens e serviços ao público, frequentemente em concorrência com outros operadores privados. Os retornos gerados deste modo tendem a ser reinvestidos nas atividades das organizações, quando não são necessários para prestar serviços sociais. Como dependem dos recursos fornecidos pelos seus membros e dos retornos gerados pelas suas atividades, considera-se frequentemente que as OESS têm autonomia financeira. No entanto, estas organizações também recebem fundos de organizações públicas e filantrópicas destinados a reforçar a sua capacidade de fornecimento de bens e serviços. Os fundos públicos assumem a forma de subvenções de governos locais e nacionais, bem como de assistência oficial ao desenvolvimento, prestada por países desenvolvidos a países do Sul. As contribuições filantrópicas são donativos de organizações não governamentais e fundações, sobretudo do Norte. Importa salientar, contudo, que a aceitação de fundos públicos e de donativos não usurpa necessariamente a autonomia das OESS. As organizações tendem a aceitar os fundos como apoio à manutenção do seu próprio rumo. Embora as OESS possam obter recursos de diversas fontes, dependem em larga medida de recursos fornecidos pelos seus fundadores e/ou membros. Os recursos fornecidos pelos membros das cooperativas assumem a forma de títulos de capital, enquanto as mutualidades, organizações comunitárias e associações angariam subscrições periódicas, ativos em espécie e trabalho voluntário. Nas empresas sociais, estes recursos assumem a forma de contribuições para o capital ou de ativos em espécie. Nas fundações, os apoiantes da causa 28 DOCUMENTO DE TRABALHO © OIT / Crozet M. 2.3.2 Fontes de recursos Cooperativa de Mulheres (projeto apoiado pela OIT): nas pedreiras de Mtongani (Dar Es Salaam), foi proposto um projeto de cultivo de cogumelos e de criação de galinhas, dirigido sob a forma de cooperativa, em alternativa à extração de pedra que costumava ser a principal atividade das mulheres no distrito. A produção é posteriormente vendida nos mercados. ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Normalmente, estas organizações recebem fundos externos porque os cidadãos desejam aumentar a disponibilidade e a acessibilidade dos seus produtos e serviços, mesmo quando o grupo-alvo não pode pagar adequadamente os custos de produção. Por vezes, as subscrições dos membros não chegam para cobrir os custos de produção e de fornecimento dos bens e serviços que seriam de desejar pela organização e pela comunidade. 2.3.3 Monitoramento dos recursos A proteção contra fraudes, roubos e uso abusivo dos recursos é importante em todas as organizações. As organizações privadas defendemse contra fraudes e gestão abusiva através da implementação de sistemas de gestão que incluem processos de controle ou contabilísticos rigorosos, auditorias internas e conselhos de administração exigentes para monitorizar a gestão da organização (Biety, 2005: 239). Embora as OESS possuam sistemas de contabilidade, auditoria e monitoramento, o seu peso na gestão dos recursos varia consoante os modelos de organização. vendas, aquisições, receitas e pagamentos. Algumas organizações até recorrem à memória das pessoas para gerar e comunicar informações sobre os seus recursos e atividades. Esta variação de processos contabilísticos devese em parte à regulamentação (ou ausência de regulamentação) destas organizações. Na maioria dos países anglófonos, por exemplo, a regulamentação obriga as cooperativas a usar normas internacionais de contabilidade para comunicar os seus ativos e passivos aos membros; como não existe esse requisito para as organizações comunitárias, mutualidades e associações, os seus procedimentos contabilísticos podem envolver o recurso à memória, a atas de reuniões ou a uma contabilidade básica. Nestas situações, até os membros com bastante conhecimento dos recursos da sua organização podem ter dificuldade em contribuir com todas as suas percepções individuais para o processo de planejamento. Consequentemente, os líderes ou os membros podem tomar decisões baseadas em premissas errôneas resultantes de informações subjetivas ou insuficientes. Contabilidade Auditoria Consiste na reunião, compilação, relato e arquivo das atividades e recursos de uma organização. As informações produzidas por esta função ajudam os responsáveis pela governança e gestão a tomar decisões informadas (Kim & Nofsinger, 2007: 25). Nas organizações privadas, estas informações são importantes não só para uso interno, mas também para terceiros: os investidores, banqueiros, credores e colaboradores têm particular interesse na saúde financeira da empresa. Consequentemente, a função contabilística é crucial para controlar os recursos e as atividades das organizações privadas. Nas OESS existem diferentes práticas contabilísticas. As organizações de grande dimensão e relativamente formalizadas usam normas internacionais de contabilidade para gerar, comunicar e guardar informações sobre os recursos e atividades da empresa, mas as organizações mais pequenas e menos formalizadas não seguem este modelo. Estas organizações usam uma contabilidade básica, em que, a título individual ou coletivo, registram as transações financeiras, como Consiste em geral numa avaliação de uma pessoa, organização, sistema, processo, empresa, projeto ou produto. As auditorias são realizadas para determinar a validade e a fiabilidade das informações e para fornecer uma avaliação do controle interno de um sistema. Uma auditoria tem por objetivo emitir um parecer sobre a pessoa, organização ou sistema em questão. Na gestão das empresas capitalistas existem auditores internos e auditores externos. Os auditores internos fiscalizam os procedimentos financeiros e operacionais da organização; verificam o rigor contabilístico dos registros financeiros; garantem a conformidade com a regulamentação contabilística; melhoram o controle interno e detectam fraudes e usos abusivos dos recursos. Em contrapartida, os auditores externos são contabilistas não pertencentes à organização, que têm a função de examinar as demonstrações financeiras da organização e o seu desempenho na satisfação das necessidades dos seus membros e no cumprimento dos seus DOCUMENTO DE TRABALHO 29 ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA objetivos de responsabilidade social. Os auditores externos certificam a correção das demonstrações financeiras e o seu rigor na representação material das condições socioeconômicas da organização (Kim & Nofsinger, 2007: 27-28). Enquanto os contabilistas são responsáveis por produzir as informações de gestão das organizações, os auditores têm por missão monitorizar e verificar o rigor dessas informações. O recurso à auditoria, tal como à contabilidade, é raro nas OESS. O recurso a auditorias externas é frequente nas cooperativas, empresas sociais e fundações, mas raro nas mutualidades, organizações comunitárias e associações. Se bem que as empresas sociais e as fundações procurem ocasionalmente os serviços de auditores externos para emitir pareceres sobre a solidez das suas organizações e se certificar da respectiva sustentabilidade, as cooperativas, em particular de países anglófonos, são obrigadas a entregar relatórios de auditoria externa anuais para cumprimento da regulamentação em matéria de governança. A auditoria interna é mais prevalecente nas cooperativas anglófonas e está presente, em certa medida, nas empresas sociais e nas fundações. A função de auditoria interna nas cooperativas é exercida quase sempre por um comitê de supervisão nos países anglófonos ou por um Commissaire aux comptes em alguns países francófonos, mas não está presente na estrutura de gestão dos outros tipos de OESS. Manifestamente, as mutualidades, as organizações comunitárias e as associações não possuem estruturas formais para a realização da função de auditoria. Esta ausência pode implicar uma vulnerabilidade destas organizações em termos de avaliação dos seus procedimentos operacionais e de verificação do rigor das informações de gestão. Por muito que os membros procurem fiscalizar a gestão destas organizações, poderão não ter capacidade para detectar fraudes e uso abusivo dos recursos, uma vez que eles próprios estão envolvidos no processo de gestão. Monitoramento À semelhança das empresas capitalistas, os membros ou os proprietários das OESS monitorizam sobretudo o desempenho das suas organizações; 30 DOCUMENTO DE TRABALHO no entanto, as práticas de monitoramento variam consoantes os modelos de organização e as regiões do mundo. Nos países francófonos e em grande parte da América Latina, em que as tradições de mutualidade e de solidariedade promovem a capacitação e a igualdade, os membros monitorizam diretamente as atividades das suas organizações no âmbito do seu processo de trabalho. Nos países anglófonos, o monitoramento varia consoante os modelos organizacionais. O monitoramento está a cargo do Conselho de Administração nas empresas sociais e nas fundações, sendo da responsabilidade da Assembleia Geral nas cooperativas, nas mutualidades, nas organizações comunitárias e nas associações, por vezes através da gestão, à semelhança das cooperativas. O Conselho de Administração nas empresas sociais e nas fundações e a Comissão de Gestão nas cooperativas utilizam relatórios de auditoria para avaliar o desempenho da organização e adotar as ações necessárias para salvaguardar os seus objetivos; a inexistência de relatórios de auditoria nos outros tipos de OESS pode, no entanto, levar a Assembleia Geral a agir na base de opiniões subjetivas dos membros. A situação poderá ser pior se não existir um quadro regulamentar que complemente a função de fiscalização exercida pela Assembleia Geral ou pelos membros. 2.4 Mecanismos de financiamento das OESS Além dos seus recursos internos, as OESS têm sido tradicionalmente financiadas por subsídios e empréstimos. Os subsídios são donativos de doadores, enquanto os empréstimos são fundos obtidos pela contração de crédito junto de instituições financeiras. Como a concessão de subsídios é uma prerrogativa dos doadores, as OESS não têm controle sobre esta fonte de financiamento, o que se tem revelado insustentável. Por outro lado, a disponibilidade de crédito para OESS tem vindo a reduzir-se, porque as instituições financeiras as consideram mutuários de alto risco. Acresce que, frequentemente, as instituições financeiras têm oferecido empréstimos de curto prazo em vez dos empréstimos de longo prazo mais cobiçados. Estas realidades conspiraram para © LE MAT ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA reduzir a disponibilidade de recursos financeiros para OESS externos às organizações num contexto de exigências financeiras crescentes. Estas exigências forçaram soluções financeiras inovadoras em muitas partes do mundo. Uma delas é o desenvolvimento de um setor financeiro personalizado que não se limita a replicar ou a multiplicar os produtos e instrumentos financeiros existentes e oferece um panorama de investimento social complexo, com produtos financeiros diversificados que correspondem às necessidades e ao ciclo de vida das OESS (incluindo as fases de arranque ou mesmo de pré-arranque, em alguns casos, de consolidação e de crescimento). Os doadores também estão a responder a este panorama com uma reorientação estratégica de donativos para investimento, com novos modelos de financiamento como a filantropia de risco. A criação de novos produtos financeiros e de um novo vocabulário (p. ex., investimento relacionado com a missão, investimento de impacto, investimento relacionado com o programa, financiamento social, financiamento solidário, etc.) orientados para um investimento ético ou socialmente responsável (ISR) pode ser uma potencial fonte de financiamento para a economia social (Mendell & Nogales, 2009: 97-98). Algumas OESS estão a entrar no mercado acionista com o objetivo de angariar capital para as suas operações. No Quênia, por exemplo, o Banco Cooperativo, embora licenciado para a realização de operações bancárias ao abrigo da Lei dos Bancos de 1968, tem mantido a sua longa tradição como cooperativa, restringindo a propriedade do banco ao movimento cooperativo. 70% das ações do banco são detidos por cooperativas e 30% por cooperantes individuais. No entanto, esta estrutura de propriedade alterou-se em 2008, quando o banco dispersou o capital em bolsa na sequência de uma oferta pública inicial (OPI) bem-sucedida de 700 milhões de ações. As ações do banco são atualmente transacionadas na Bolsa de Valores de Nairobi para angariar mais capital, o que permite ao Banco Cooperativo gabar-se de possuir uma base de capital superior a 13,5 bilhões de KES (180 milhões de USD) que o torna um dos bancos mais fortes do Quênia. Entretanto, a criação de bolsas de valores sociais em países como o Brasil e a África do Sul, levou ao acesso de capital para a economia social e solidária, de maneira inovadora, em patamares que ultrapassam o mercado acionista capitalista. Esta inovação em particular inspirou a Fundação Rockefeller dos Estados Unidos a financiar uma pesquisa da Universidade de Oxford, no Reino Unido, sobre o desenvolvimento de mercados secundários e de uma bolsa de valores social para a ESS em outras partes do mundo (Mendell & Nogales, 2008). Importa notar, também, que estão a ser criadas redes de instituições financeiras em determinadas partes do mundo, que investem diretamente e, em alguns casos, exclusivamente, na ESS. Até recentemente, por exemplo, não existiam produtos DOCUMENTO DE TRABALHO 31 ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA de investimento de longo prazo no Québec, Canadá. Todo o financiamento disponível era concedido como crédito de curto prazo, o que dificultava de forma significativa a capacidade de consolidação das atividades e de crescimento das OESS. Em resposta a esta situação, o Chantier de l’économie sociale criou recentemente o Fiducie du Chantier de l’économie sociale, um fundo de capital “paciente” que fornece capital de investimento de longo prazo às OESS. O Estudo de Caso 2.3 debruça-se sobre esta iniciativa. 2.5 Para uma gestão eficiente das OESS 2.5.1 Conceitualização da eficiência A eficiência tende a ser definida de forma diferente conforme os contextos e as finalidades. Num plano mais genérico, em regra a eficiência mede até que ponto uma instituição utiliza adequadamente os recursos disponíveis (inputs) para maximizar os resultados (outputs). Em círculos empresariais, tal implica minimizar os inputs e maximizar os outputs ou lucros. Sem necessariamente nos restringirmos a medições, neste documento de trabalho usamos o termo na sua perspectiva administrativa. Eficiência será a capacidade de tomar as medidas certas para alcançar os objetivos definidos. Dado que as OESS lidam com problemas sociais no contexto da sua identidade e dos seus princípios de funcionamento, coloca-se a questão de saber em que medida saberão governar e gerir adequadamente as suas atividades? 2.5.2 Reforço da gestão Como já se explicou, as práticas de gestão das OESS variam muito. Enquanto as organizações de grande dimensão e mais profissionais empregam pessoal formado para realizar funções de gestão, como contabilidade e auditoria, as organizações de pequena dimensão tendem a atribuir estas funções aos seus membros-trabalhadores. Esta disparidade deve-se em parte ao fato de as OESS funcionarem em muitas partes do mundo com requisitos de relato de desempenho limitados, poucas convenções 32 DOCUMENTO DE TRABALHO contabilísticas e apenas regras de divulgação mínimas (Nicholls, 2009: 758). Não obstante, as OESS funcionam no mesmo ambiente que as empresas com fins lucrativos e esta situação de concorrência motiva um número crescente de soluções inovadoras na gestão das OESS. Algumas organizações tornam-se mais competitivas e funcionalmente especializadas, contratam profissionais para assumir as suas funções de gestão e usam práticas de gestão de recursos humanos convencionais que incluem a negociação de acordos coletivos de trabalho com os colaboradores. O Estudo de Caso 2.2 sobre a Sociedade Cooperativa de Produtores de Laticínios de Githunguri ilustra claramente como o profissionalismo melhorou a eficiência da organização. Em contrapartida, outras organizações não seguem o caminho das empresas privadas, optando por reforçar o relato de desempenho através da adesão a auditorias sociais que priorizam a comunicação dos progressos registrados rumo a objetivos de missão definidos no âmbito de atividades centrais. Este relato social funciona normalmente como uma avaliação horizontal do desempenho interno e tende a usar indicadores descritivos de escala tipicamente humanos. Analisa alterações ou desenvolvimentos maioritariamente não comparativos individuais ou comunitários (p. ex., perfis de populações-alvo ou características de partes interessadas) e algumas informações financeiras. A informação fornecida por este tipo de auditoria fornece uma narrativa de ações e objetivos específicos e pode ser usada para demonstrar os progressos registrados ao longo do tempo. As auditorias sociais são habitualmente qualitativas, centrando-se na medição do impacto através da enumeração de resultados descritivos específicos e, como tal, frequentemente parciais, da ação estratégica (Nicholls, 2009: 761). ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA 2.5.3 Fiscalização e monitoramento Já se provou que os membros são os principais órgãos de fiscalização das suas organizações. As organizações que separaram as funções de governança e de gestão seguramente exigem uma vigilância acrescida por parte dos seus conselhos ou comissões de gestão. Estas OESS beneficiam em particular de conselhos comprometidos com o espírito do empreendedorismo social e com a visão do aumento da produção de bens e serviços para os membros. À semelhança dos Conselhos de Administração das empresas privadas, os membros dos conselhos ou comissões de gestão destas organizações têm de colocar os interesses dos membros e da comunidade mais vasta acima dos seus interesses pessoais e exercer o dever de diligência, comportando-se como uma pessoa prudente normal atuaria na mesma posição e nas mesmas circunstâncias. Para cumprir o dever essencial de supervisão, o conselho ou a comissão efetua reuniões regulares para analisar as operações e a gestão da organização. De novo, o Estudo de Caso 2.2 ilustra como um conselho de administração empenhado pode dar a volta aos destinos da economia social. 2.6 Conclusões principais Este capítulo propôs-se explicar a forma como as OESS são governadas e geridas. A análise demonstrou claramente que estas organizações se regem pelo princípio da liderança democrática e participativa para governar e gerir as suas atividades. Na prática assumem diferentes formas, desde a intervenção direta dos membros nos processos de governança e de gestão ao envolvimento representativo dos membros em funções de gestão e de governança separadas. Embora as exigências de eficiência e de competitividade forcem um número crescente de organizações a profissionalizar a sua governança e gestão, outras organizações respondem aos mesmos desafios com formas alternativas e inovadoras de financiamento e de gestão que mantêm as organizações centradas nas pessoas e orientadas para as suas causas sociais. Estas inovações demonstram a potencialidade empreendedora da ESS, que está habituada a dar resposta aos problemas e crises que afetam a sociedade. No entanto, em partes do mundo em que a participação direta dos membros é a norma, a função de monitoramento está a seguir um rumo diferente. No Brasil, por exemplo, os conselhos de gestão de cooperativas não reúnem com regularidade, em larga medida porque estas organizações evitam este modo de governança em favor de uma participação direta dos membros. O resultado é a emergência de cooperativas de trabalhadores, tal como na Argentina desde o colapso econômico do país. Neste caso, os membros exercem a sua função de fiscalização em paralelo com a função de gestão. DOCUMENTO DE TRABALHO 33 ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Estudo de caso 2.1: Alimentos integrais Suma Suma é um atacadista independente de alimentos integrais sediado em Elland, no Reino Unido, que emprega cerca de 150 trabalhadores. Iniciou a sua atividade em 1974 como negócio de uma pessoa quando o seu proprietário, Reg Tayler, se mudou de Londres para Leeds e abriu uma loja varejista, a Plain Grain. Em agosto de 1975, numa reunião em que participaram todos os estabelecimentos de venda de alimentos integrais no norte de Inglaterra, propôs a criação de uma cooperativa de venda por atacado de alimentos integrais. Reg e os seus amigos instalaram-se numa cozinha nas traseiras de uma casa em Victoria Road, Leeds, e iniciaram a venda de flocos de cereais, frutos secos e arroz integral. Em breve precisaram de mais espaço e arrendaram uma garagem na proximidade, onde pela primeira vez usaram o nome “Suma” para o negócio em crescimento. Na altura, Reg trabalhava como motorista para Jonathan Silver, entregando vestuário nas lojas da cadeia de vestuário masculino que ele possuía no norte de Inglaterra. Reg fornecia as encomendas de alimentos integrais da Suma nos intervalos entre as entregas “oficiais” para o seu patrão, que sabia do que se passava e fazia vista grossa. Passado um ano, a Suma precisava de instalações adequadas, tendo adquirido em 1976 um minúsculo armazém de dois pisos na Wharf Street em Leeds. Em 1977, Reg vendou o negócio da Suma aos sete funcionários, que se tornaram membros fundadores da Triangle Wholefoods Collective, uma cooperativa de trabalhadores que operava sob a designação comercial de Suma. Em 1978, a Suma mudou para um armazém de três andares muito maior em 46 The Calls, Leeds. O espaço parecia enorme, mas a expansão rápida do mercado dos alimentos integrais obrigou a Suma a mudar-se em 1986 para um armazém pré-fabricado de 6.500 metros quadrados em Dean Clough Mills, Halifax. Seguiram-se 15 anos de crescimento sólido em termos de volume de negócio e da cooperativa. Verificou-se um aumento correspondente da complexidade e sofisticação do negócio, e a estrutura da cooperativa sofreu muitas alterações para gerir esta mudança. Nos primeiros tempos, os parceiros reuniam uma vez por semana para debater aberta e francamente a estratégia e as operações e para tomar decisões por consenso. Com o tempo, porém, as relações azedaram quando trabalhadores isolados começaram a tomar e implementar decisões correntes. Sucedia ainda que decisões tomadas numa semana eram revertidas na semana seguinte. Em 1986, a Suma reorganizou e criou uma comissão de gestão composta por seis pessoas eleitas que reúne semanalmente para gerir os assuntos de rotina do negócio em nome dos membros. A comissão é apoiada por profissionais de gestão especializados em recursos humanos, finanças e operações. Os 150 trabalhadores são polivalentes e todos detêm participação no negócio. Não existe diretor executivo e qualquer trabalhador pode submeter uma proposta à consideração da comissão de gestão. Fonte: Thompson & Doherty, 2006: 364-365; http://www.suma.coop/about/a-brief-history/ 34 DOCUMENTO DE TRABALHO ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Estudo de caso 2.2: Sociedade Cooperativa de Produtores de Laticínios de Githunguri, Quênia A Sociedade Cooperativa de Agricultores de Laticínios de Githunguri foi constituída em 1961 por 31 produtores de laticínios da Divisão de Githunguri no Distrito de Kiambu, província central do Quênia. Tinha por objetivo recolher e comercializar leite produzido pelos membros. Tal como muitas outras cooperativas de laticínios, o controle estatal sobre a comercialização do leite e a gestão de cooperativas tinham asfixiado o seu funcionamento, que se encontrava praticamente estagnado em meados da década de 1990. A liberalização do movimento cooperativo a partir de 1997, aliada a uma comissão de gestão motivada e bem‑intencionada que assumiu o mandato em 1999, contribuiu de forma significativa para inverter o desempenho da Sociedade. Com novos poderes para contratar e despedir pessoal, a comissão contratou profissionais para conduzir a gestão corrente da cooperativa. Em 2003 usou ainda dos seus poderes para contrair um empréstimo de cerca de 70 milhões de xelins quenianos (cerca de 880.000 euros) junto do OIKO Credit dos Países Baixos, dando como garantia a propriedade da Sociedade, que investiu na construção de uma unidade transformadora de laticínios. O destino da cooperativa sofreu uma tremenda reviravolta deste a colocação em serviço desta unidade, em 2004. A cooperativa tem atualmente 17.000 membros, um volume de negócios anual de 3 bilhões de xelins quenianos (cerca de 30 milhões de euros) e passou de 25.000 litros para uma recolha média de 170.000 litros de leite por dia. Possui vários veículos para transportar o leite de 41 centros de recolha na Divisão de Githunguri, no Distrito de Kiambu, para a sua unidade na cidade de Githunguri. A unidade produz quatro produtos de marca principais que são vendidos em Nairobi: leite fresco embalado, iogurte, ghee e manteiga. Além desta atividade, a cooperativa também fornece serviços de produção aos seus membros, como inseminação artificial, serviços de extensão agrária e forragens nas suas 31 lojas espalhadas pela área de operação. Estes serviços são disponibilizados aos membros a crédito recuperado com a venda do seu leite. Estas atividades traduziram-se num enorme aumento da produção de leite dos membros, a que a cooperativa respondeu com a oferta de preços competitivos e pagando pontualmente o seu produto. A cooperativa vende parte do seu leite a outras unidades transformadoras em Nairobi. As atividades em expansão da cooperativa são asseguradas por cerca de 300 trabalhadores recrutados com base numa política de emprego. O pessoal menor é recrutado na Divisão e o pessoal de gestão é angariado a nível nacional, sendo contratado com base nas qualificações profissionais. Importa destacar que os trabalhadores formaram um sindicato que celebrou um acordo coletivo de trabalho com a direção da cooperativa. Consequentemente, a cooperativa tem conseguido atrair e fidelizar trabalhadores de forma mais eficaz que na época do controle estatal, em que não existia política de emprego mas apenas o poder discricionário do Comissário de Desenvolvimento Cooperativo. Fonte: http://www.fresha.co.ke/about-us/githunguri-dairy-farmers-cooperative// DOCUMENTO DE TRABALHO 35 ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Estudo de caso 2.3: La Fiducie de l’economie sociale et Finance Solidaire no Québec O fundo fiduciário do Chantier de l’économie sociale (Fiducie) foi instituído em 2007. Durante vários anos, as empresas de economia social manifestaram a necessidade de produtos financeiros diferentes dos tradicionais subsídios e empréstimos e debateram em paralelo formas de reter capital de longo prazo nos seus negócios. Pretendiam novos produtos que tomassem em consideração a sua missão social. Muitos investidores privados e institucionais estavam relutantes em investir na economia social, apesar de estar provado de forma concludente que as empresas da economia social possuem rácios de empréstimo mais baixos e uma taxa de sobrevivência duas vezes superior à das empresas privadas. O Fiducie é uma resposta a estas necessidades. É um intermediário entre o mercado financeiro e as empresas de economia social. Oferece um produto que complementa os produtos já disponíveis no mercado: capital “paciente”, por outras palavras, empréstimos com uma moratória de 15 anos para o reembolso do capital. Estes investimentos são oferecidos em duas modalidades: capital paciente para operações, destinado a financiar custos relacionados com capital circulante, marketing de novos produtos e aquisição de equipamento, e capital paciente para bens imobiliários, destinado a financiar custos diretamente associados à aquisição, construção ou renovação de ativos imobiliários. O Fiducie trabalha com uma impressionante rede de partes interessadas que potenciam a sua capacidade de avaliação de projetos com eficácia, de forma realista e cuidadosa. O capital inicial do Fiducie foi disponibilizado pelo Departamento de Desenvolvimento Econômico do Canadá (uma subvenção do Governo do Canadá) e por alguns investidores, incluindo dois grandes fundos de solidariedade para o emprego (o Fonds de solidarité da Fédération des Travailleurs du Québec, e o Fonds de développement de la CSN pour la co-opération et l’emploi da Fondation de la Confédération des syndicats nationaux), bem como pelo Investissement Québec (uma subvenção do Governo do Québec). Com este fundo inicial de 52,8 milhões de CAD, o Fiducie pode investir em empresas de economia social e apoiar o seu desenvolvimento. A capacidade de atrair diferentes investidores permite ao Fiducie repartir o risco e reduzir os custos de financiamento das empresas. Desde a sua instituição, em 2007, o Fiducie já investiu 11,43 milhões de CAD em 39 empresas de economia social em diversos setores e regiões do Québec. Estes investimentos do Fiducie geraram um total de 66,2 milhões de CAD em investimentos que criaram e/ou consolidaram mais de 1.120 empregos. A alavancagem do Fiducie é quase de 1:6, o que demonstra o impacto significativo dos seus investimentos iniciais em empresas de economia social. Fonte: Mendell & Nogales, 2009. Para mais informações, acessar http://fiducieduchantier.qc.ca 36 DOCUMENTO DE TRABALHO ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Capítulo 3: Elaboração de políticas públicas para o desenvolvimento da ESS 3.1 Introdução A ESS é um fenômeno que tem obtido crescente visibilidade econômica, social e política. Uma das novidades da ESS diz respeito à forma como ela tem impactado na elaboração de políticas públicas, uma vez que seus sujeitos, organizações e entidades buscam reconhecimento, institucionalidade e fortalecimento de seus projetos e formas de atuação. As políticas públicas em matéria de ESS estão em evolução e requerem a participação forte e ativa da sociedade civil no seu planejamento, execução e monitoramento. Este capítulo começa por apresentar os antecedentes das políticas públicas em matéria de ESS, incluindo os principais instrumentos e tendências, bem como a relação entre estas políticas e ações públicas “transversais” e “emancipatórias”. Após essa exposição, são apresentadas algumas experiências de países selecionados da África, Ásia, Europa, América Latina e América do Norte. 3.2 Políticas públicas para a ESS 3.2.1 Antecedentes É possível encontrar em muitos países, e sob denominações muito diferentes, iniciativas de produção e prestação de serviços sociais e pessoais, organizados em regime de associação livre e segundo princípios de cooperação e autogestão. De fato, a existência e o crescimento destas práticas geraram programas e ações de agências públicas que as promoveram como opções de geração de trabalho e renda, além de permitirem uma maior participação democrática e melhor qualidade de vida. (Gaiger, 2004; Morais & Bacic, 2009). No entanto, a ESS caracteriza-se pelas dificuldades e contradições encontradas na sua definição e conceitualização, bem como na medição e delimitação das suas atividades e organizações. A ESS é um conceito dinâmico que tem sido definido de forma diferente em contextos históricos e sociais distintos. O seu significado continua a evoluir em resposta às diferentes condições. Apesar dessas dificuldades, é um dado adquirido que a ESS tem desempenhado um papel significativo do ponto de vista econômico, social, político e cultural. Em termos globais, este significado é perceptível no número crescente de documentos, declarações, resoluções, convenções e recomendações elaborados por reputadas instituições internacionais no domínio da ESS. Quadro 3.1: A ESS e o seu reconhecimento na OIT Num projeto para sistematizar documentos e instrumentos jurídicos da OIT, a expressão “economia social e solidária” foi encontrada em cinco documentos da OIT, duas declarações, dezasseis convenções e seis resoluções, além de outros registros e memorandos, incluindo resoluções da Assembleia Geral da ONU. Também é interessante referir a orientação das atividades técnicas da OIT que apoiam iniciativas de ESS em África; inclui o reconhecimento da ESS e da sua relação com pareceres em matéria de políticas e de direito; a melhoria e apoio do acesso a financiamento; e a capacitação (Poorter, 2010). Outra realidade global é o número significativo de OESS. Segundo a definição da Conferência Regional da OIT de Joanesburgo (2009), que adota uma visão genérica da ESS, a ESS é considerada um conceito aplicado a empresas e organizações, em particular a cooperativas, mutualidades, associações, DOCUMENTO DE TRABALHO 37 ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA fundações e empresas sociais, que possuem a característica específica de produzir bens, serviços e conhecimento com objetivos econômicos e sociais e de promoção da solidariedade.23 Nesta perspectiva, convém referir que: Segundo a Aliança Cooperativa Internacional 24 (ICA), existem quase um bilhão de membros de cooperativas e mais de 100 milhões de empregos nos seus 91 países membros. No Canadá, nas Honduras e na Noruega, uma em cada três pessoas é membro de uma cooperativa; nos Estados Unidos, a relação é de 1:4 e no Quênia, de 1:5. Na China, Argentina, Brasil e Malásia, existem 180 milhões, 9 milhões, 6 milhões e 5,5 milhões de membros de cooperativas, respectivamente. Segundo a Federação Internacional de Cooperativas e Mutualidades de Seguros25 (ICMIF), a quota de mercado das mutualidades em 2007 tinha aumentado para 24% no final de 2008. Dos dez maiores países com mutualidades de seguros, representando 77% do mercado mundial, em cinco deles as mutualidades e as cooperativas representam mais de 30% do mercado (Estados Unidos – 30%, Japão – 38%, França – 39%, Alemanha – 44% e Países Baixos – 33%). Estes números foram obtidos a partir de uma amostragem de 2.750 seguradoras mutualistas e cooperativas. A Associação Internacional das Mutualidades26 (IAM) é um grupo de organizações de seguro de saúde e de proteção social autônomo que funciona segundo os princípios da solidariedade e sem fins lucrativos. A IAM tem membros na Europa, na América Latina, na América do Norte e na África subsaariana. Só na Europa tem 102 milhões de membros e 168 milhões de beneficiários. O Conselho Mundial das Uniões de Crédito27 dá aos seus membros a oportunidade de possuir 23 Plano de Ação para a Promoção de Empresas e Organizações de Economia Social em África, OIT, 2009. 24 http://www.ica.coop/al-ica/ 25 http://www.icmif.org/ a sua própria instituição financeira e ajuda-os a criar condições para iniciar pequenas empresas, construir a habitação de família e educar os seus filhos. Está presente em 97 países de todos os continentes e integra quase 50.000 uniões de crédito e 184 milhões de membros. Em 2009 tinham ultrapassado 1 bilião de USD em transações financeiras (ativos). A União Internacional Raiffeisen28 (IRU) é uma associação voluntária mundial de organizações cooperativas nacionais, cujas ideias e trabalho se baseiam nos princípios de Friedrich W. Raiffeisen (autoajuda, autorresponsabilidade e autoadministração). Foi fundada em 1968 e possui mais de 900.000 cooperativas e 500 milhões de membros em mais de 100 países. Eventos como o Fórum Social Mundial, o Encontro Internacional sobre a Globalização da Solidariedade, a Rede Intercontinental de Promoção da Economia Social Solidária, a Assembleia de Cidadãos Asiáticos para a Economia Solidária (Asian Citizens Assembly for Solidarity Economy), o Fórum para uma Nova Governança Mundial e a Conferência Internacional sobre Economia Social demonstram-nos que muitas outras experiências “da base para o topo” estão em curso no mundo, Quadro 3.2: Crise e oportunidades O período de crise que atravessamos não representa apenas uma ameaça, oferece também uma oportunidade de criar os fundamentos de um modelo econômico melhor. As empresas de ESS podem contribuir para a concepção deste novo modelo, porque representam um outro formato de negócio, baseado em valores como benefícios de longo prazo, o primado das pessoas sobre o capital e o respeito pelo ambiente (...). É imperativo trabalhar no sentido de produzir um novo modelo de crescimento, baseado numa atuação empresarial mais transparente, mais sustentável e, em suma, mais responsável. Um modelo de crescimento que se empenhe na criação de emprego, no investimento em capital humano e no combate à exclusão social. 26 http://www.aim-mutual.org/ 27 http://www.woccu.org/ 38 DOCUMENTO DE TRABALHO 28 http://www.iru.de/ ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Figura 3.1: A ESS e a ATD Direitos Desenvolvimento local Emprego Proteção Redução da pobreza ESS Globalização equitativa Diálogo social dialogue Mandato e constituintes Fonte: Baseado em Schwettmann (2006). mesmo que ainda não tenham sido devidamente contabilizadas ou sistematizadas. Existe a percepção de que o peso da ESS está a aumentar em termos de emprego, importância econômica e penetração social. À luz destes desenvolvimentos, é possível que a maior preocupação inicial tivesse sido a conceitualização do fenômeno; hoje em dia, porém, é a questão da relação com as políticas públicas. Este tema é um desafio duplo ao conhecimento e à ação (Laville et al., 2006). A ESS está a ganhar maior importância na atualidade, perante o desenrolar da crise mundial e o seu modelo de desenvolvimento pouco inclusivo e ambientalmente sustentável. Esta crise representa uma oportunidade de: 1) repensar o modo de vida numa sociedade afetada pela exclusão, desigualdade, pobreza e pelo aquecimento global; e 2) planear políticas públicas mais abrangentes e democráticas que envolvam a inclusão da produção, a igualdade social, a erradicação da pobreza, a redução da concentração de riqueza e a sustentabilidade ambiental.29 Estes desafios já tinham sido referidos por Schwettmann (2006) quando debateu o papel 29 Conclusões da Conferência Europeia sobre Economia Social – Toledo, Espanha, 2010 (http://www.socialeconomy.eu.org/ IMG/pdf/2010). das entidades de ESS e a Agenda de Trabalho Decente.30 Em seu entender, existe uma convergência perfeita entre os objetivos da ESS e os objetivos da ATD, porque: os valores e os princípios em que se baseiam as empresas de ESS incluem o respeito pelos princípios e direitos fundamentais no trabalho (direitos); em vários países, a ESS fornece emprego a mais de 10% da população economicamente ativa (emprego); as empresas de ESS há muito tempo deram provas da sua capacidade para alargar a prestação de proteção social e de serviços sociais a pessoas e comunidades não cobertas por sistemas de seguridade social formais (proteção); um elevado número de organizações de ESS representa a voz e os interesses daqueles que não são normalmente representados pelos parceiros sociais tradicionais, designadamente os sindicatos e as organizações de empregadores, 30 A ATD reflete as preocupações de governos, trabalhadores e empregadores que, em conjunto, conferem à OIT a sua identidade tripartite única. A Agenda de Trabalho Decente contempla quatro objetivos estratégicos: princípios e direitos fundamentais no trabalho e normas internacionais do trabalho; oportunidades laborais e salariais; proteção social e seguridade social; e diálogo social e tripartismo. A OIT pretende desenvolver abordagens à política econômica e social na perspectiva do trabalho decente, em parceria com as principais instituições e agentes do sistema multilateral e da economia global (http://www.ilo.org). DOCUMENTO DE TRABALHO 39 ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA como os pequenos agricultores representados através de cooperativas agrícolas de fornecimento e marketing, operadores da economia informal organizados em associações de vendedores de rua, etc. (diálogo social). Esta “heterogeneidade de ações” responde ao fato de os diferentes governos e respectivas agências divergirem no entendimento e reconhecimento deste tema.31 Quadro 3.4: Questões de ESS a abordar O tema suscita algumas questões, como as enunciadas por Schiochet (2006): Como institucionalizar a ESS em estruturas governamentais O papel da ESS em outras políticas e as interfaces da ESS com outras políticas Como “territorializar” a ação governamental Como estabelecer mecanismos permanentes e eficazes para a participação da ESS na gestão de políticas © LE MAT Uma empresa social no setor do turismo e da prestação de serviços culturais em Gênova e na Ligúria 3.2.2 Tendências e instrumentos O surgimento de políticas de ESS dá início a uma fase de construção de um novo modelo de relação entre a ação governamental e a sociedade civil. A ideia de “política em construção” está relacionada com o fato de se tratar de experiências recentes com metodologias “experimentais” que são aplicadas de forma heterogênea. Por outro lado, a implementação efetiva de políticas públicas de ESS coloca grandes desafios, dada a sua fragilidade e vulnerabilidade institucional face às conjunturas políticas (França Filho, 2006). Quadro 3.3: Políticas públicas para a ESS: Ações heterogêneas Com base em análises de experiências internacionais, as políticas públicas de ESS abrangem normalmente: ações de qualificação profissional para segmentos informais; iniciativas convencionais de divulgação do microcrédito; promoção de incubação de cooperativas populares; apoio à organização de associativismo; estabelecimento de centros públicos de ESS. 40 DOCUMENTO DE TRABALHO Não obstante a natureza experimental e em construção destas políticas, podem ser identificados alguns instrumentos de políticas públicas em matéria de ESS: Formação, educação básica e qualificação profissional Assessoria e assistência técnicas para o estabelecimento, a incubação e a consolidação de empresas na área da ESS Desenvolvimento de tecnologias apropriadas e acesso a essas tecnologias Acesso ao crédito e financiamento solidários Definição de quadros jurídicos e reguladores Definição de estruturas governamentais de ação no domínio da ESS a diferentes níveis Definição de programas e políticas de ESS específicos e transversais Constituição e organização da oferta (logística e infraestruturas) e da procura (contratos públicos e mercado) para a produção do setor Estes múltiplos instrumentos revelam os diferentes “formatos” em que as políticas públicas de ESS foram concebidas e implementadas internacionalmente. 31 Basta analisar o lugar que a ESS ocupa em algumas estruturas governamentais. Como França Filho observou (2006:264): “o nível de concepção e de estruturação numa política de economia solidária depende diretamente da sensibilidade dos gestores envolvidos, os quais, por seu turno, são diretamente influenciados pelo nível de organização em movimentos sociais”. ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Apesar de se tratar de um tema que exige uma reflexão mais aprofundada, é possível antecipar que as políticas públicas de ESS devem apresentar as seguintes especificidades: são políticas que afetam as organizações de ESS diretamente nas suas imposições jurídicas e normativas, como aquelas que instituem as cooperativas e as mutualidades; são políticas macroeconômicas (fiscais e financeiras) que privilegiam as organizações de ESS, permitindo, por exemplo, taxas de juro subsidiadas e acesso facilitado ao crédito; são políticas concebidas para ser implementadas em diferentes planos geográficos (local, regional e/ou nacional); são políticas concebidas para ativar certos setores da economia e/ou grupos específicos, como políticas de incentivo à agricultura, de habitação social, de criação de emprego jovem, etc. Em muitos casos, como se verá, partes destas políticas nem são consideradas como tal; são apenas instrumentos/mecanismos de apoio a determinadas OESS. Para uma visão sistematizada destes instrumentos, Neamtan & Downing (2005) propõem quatro categorias principais de políticas públicas de ESS: 1) Política territorial: visa ajudar comunidades locais a criar redes, processos de planejamento estratégico e projetos coletivos. Eis alguns exemplos: as Diretrizes Estratégicas Comunitárias, de Espanha; a Empresa de Interesse Comunitário (Community Interest Company), do Reino Unido; a Sociedade de Responsabilidade Limitada com Lucros Baixos (Low-profit Limited Liability Company), dos Estados Unidos; o Desenvolvimento Local, do Québec; o Programa de Parcerias Regionais, da Austrália; e o Programa Brasil Local. 2) Ferramentas de desenvolvimento genéricas: São utilizadas para facultar o acesso a ferramentas de investimento corretas, a mercados adequados, a investigação e desenvolvimento, e ferramentas auxiliares na aquisição de práticas de gestão e de sistemas de formação e gestão eficazes. 3) Políticas setoriais: Estas políticas apoiam o surgimento ou o reforço de determinados setores econômicos (ambiente, serviços pessoais, habitação, novas tecnologias, comunicações, turismo, serviços alimentares, cultura e muitos outros) e são ferramentas importantes para o desenvolvimento da ESS. 4) Políticas em prol de populações-alvo: Estas políticas dão a oportunidade de inserir cidadãos considerados improdutivos na população ativa e viabilizam o apoio à inserção socioeconômica de grupos-alvo (p. ex., jovens, pessoas com deficiência, imigrantes recentes). Eis alguns exemplos: o Fundo de Assistência a Grupos Prioritários, do México; os Grupos de Interesse Econômico, do Senegal; e a Segunda Economia, da África do Sul. 3.3 Construção da base para o topo É fundamental, para uma maior eficácia, que as políticas públicas de ESS sejam construídas com base na “coprodução”, ou seja, concebidas como resultado da ação coletiva de cidadãos. Os governos não têm a mesma capacidade que os agentes da sociedade civil de identificar as necessidades emergentes e as novas práticas de promoção do desenvolvimento integrado. Quadro 3.5: Políticas públicas de ESS: Abordagem da base para o topo Para poder criar uma política pública de sucesso, o governo tem de apoiar os agentes da economia social e permitir que estes definam as suas prioridades e negociem a natureza e o âmbito das intervenções governamentais na área da economia social. Este processo de coprodução de políticas públicas é uma componente inevitável do desafio que se coloca à identificação de uma política adequada. (Neamtan & Downing, 2005: 19). Em outros termos, esta construção não deve ser encarada como o produto de uma construção “pública”, mas “como o resultado de processos de interações entre iniciativas associativas e DOCUMENTO DE TRABALHO 41 ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA políticas públicas” (Laville, 2006:27). São políticas que devem ser concebidas a partir de “interações recíprocas”, “de baixo para cima”, pois supõe uma relação dinâmica com a sociedade civil. As organizações da sociedade civil possuem conhecimentos acumulados sobre a realidade concreta da ESS e podem incrementar a escala das suas atividades com base na interação com os poderes públicos, seja através da concepção, seja através da aplicação de políticas públicas destinadas a encorajar, promover, apoiar, monitorizar e divulgar a ESS. É por este motivo que as políticas públicas de ESS eficazes enfatizam dimensões não econômicas, como aspetos da organização social de grupos nos seus territórios. Estas políticas representam um modo específico de gerir ações para criar emprego e renda, uma vez que se baseiam num conceito estratégico de desenvolvimento territorial. As políticas públicas de ESS, quando planejadas e implementadas nestes termos, são políticas para a “organização da sociedade”, com impactos socioprodutivos mais extensos que se articulam num território específico (França Filho, 2006a). Quadro 3.6: A ESS e os seus impactos territoriais Diz respeito à tentativa de implementar novos quadros regulamentares territoriais ou figuras institucionais, redesenhando o significado das práticas econômicas, que devem funcionar em estreita relação com a vida social, política, cultural e ambiental própria dos seus respectivos territórios. A componente econômica só começa a fazer sentido em relação com outras esferas da vida social e como modo de articulação associativa entre os produtores e os consumidores locais, para evitar processos de exclusão. (França Filho, 2006 a: 266). Este perfil de planejamento e implementação de políticas públicas é coerente com as políticas territoriais anteriormente descritas. As políticas destinadas a apoiar comunidades locais (a criar redes, processos de planejamento estratégico, etc.) 42 DOCUMENTO DE TRABALHO são políticas de âmbito local/municipal. Eis alguns exemplos: Brasil: Oportunidade Solidária, criada em 2001 pela Secretaria de Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da prefeitura municipal de São Paulo, e Diretoria de Economia Popular e Solidária, criada pela prefeitura municipal do Recife França: implementação de políticas de ESS em Rennes e em Nantes Canadá: a importante Rede de Desenvolvimento Comunitário e Econômico do Canadá Estados Unidos: o Crédito Fiscal a Novos Mercados, que concede crédito a investidores comunitários Austrália: as Comunidades Consultivas Locais (Area Consultative Communities) que procuram encontrar soluções locais para problemas locais no âmbito do Programa de Parcerias local Nova Zelândia: o Projeto de Ação e Pesquisa para o Desenvolvimento Econômico Comunitário, que elabora projetos comunitários locais. 3.4 Ações transversais A ESS tem um caráter transversal, isto é, consegue mobilizar diferentes áreas de ação pública. Além dos seus objetivos econômicos (criação de emprego e de renda), sociais (melhoria das condições de sociabilidade, reforço dos laços territoriais) e políticos (criação de espaços públicos de debate e resolução dos problemas), a ESS pode mobilizar uma dimensão cultural e ambiental.32 No entanto, este caráter transversal não é totalmente eficaz na realidade atual, porque não existe articulação entre as agências governamentais aos diferentes níveis. Pura ignorância, disputas políticas e fragilidade institucional são algumas das razões. A novidade do tema também é relevante, já que exige um estudo mais aprofundado aos elaboradores e gestores de políticas e à sociedade no seu todo. 32 Como França Filho afirma (2006:264): Neste sentido, podem ser realizados projetos de economia solidária por diferentes departamentos governamentais, envolvendo diferentes temas, como educação ambiental, transportes, desporto e lazer, habitação, segurança alimentar, etc. ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA No Canadá, por exemplo, a Iniciativa de Desenvolvimento Cooperativo é uma atividade cooperativa conjunta do governo federal, que, em parceria com organizações regionais, presta apoio ao estabelecimento de cooperativas em áreas prioritárias como cuidados de saúde, cuidados domiciliários, integração de imigrantes, desafios ambientais, etc. (Neamtan & Downing, 2005). Alguns governos apoiam o desenvolvimento de entidades de ESS com a finalidade de criar emprego: na União Europeia, para reciclagem e prestação de serviços sociais; na Nigéria, para educação (Programme Décennal pour Le Développement de L´Éducation [Programa Decenal para o Desenvolvimento da Educação]); no Senegal, para habitação (Bureau d’Assistance aux Collectivités pour l’Habitat Social [Gabinete de Assistência às Coletividades de Habitação Social]); e no Brasil, para sustentabilidade socioambiental (aprovação da Política Nacional em Matéria de Resíduos Sólidos em 2010). 3.5 Possibilidades de “emancipação”? Outro tema alvo de grande atenção atualmente é o potencial de emancipação de setores marginalizados após o estabelecimento de empresas baseadas na ESS, de que é exemplo a transformação de programas de transferência de renda em programas “emancipadores”. Nos últimos dez anos, os programas de transferência condicionada de renda procuraram aliviar a pobreza e quebrar o seu círculo intergeracional.33 Em regra, estes programas providenciam transferências de renda a famílias pobres na condição de os filhos frequentarem a escola e de as crianças e grávidas se submeterem a exames médicos regulares. 33 Alguns exemplos destes programas são: Programa Bolsa Família, no Brasil; Red Solidária, em El Salvador; Tekoporã, no Paraguai; Chile Solidário, no Chile; Oportunidades, no México; Bono Solidário, no Equador; e Famílias en Acción, na Colômbia. © OIT / Perera Y.R. No entanto, é possível identificar algumas experiências com políticas setoriais em que foram realizadas ações baseadas em princípios da ESS com o intuito de alcançar outros objetivos sociais e políticos. Trabalhadores agrícolas colhendo guava, Distrito de Kurunegala, Sri Lanka. Soares et al. (2006) afirmam que estes programas existem há décadas e têm sido objeto de inovações e de extensões desde o final da década de 1990. Estas inovações prendem-se com iniciativas mais recentes, que sublinham uma nova forma dinâmica de combater a pobreza através da prestação de um apoio às famílias beneficiárias que lhes permita encontrar “portas de saída” ou “ser emancipadas” do seu atual estado de pobreza. Para Soares & Britto (2008), esta abordagem deveria implicar a integração com outras políticas e programas derivados de uma estratégia para um desenvolvimento mais abrangente que incluísse oportunidades econômicas, capacitação e atividades de criação de emprego e de renda. No âmbito internacional estão em curso investigações mais conclusivas sobre o impacto deste tipo de programas. Num exemplo no Brasil, contudo, é possível prever que existe um ambiente favorável no domínio da ESS para alcançar políticas e práticas que vão ao encontro da ideia de DOCUMENTO DE TRABALHO 43 ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA “emancipação” dos beneficiários (Morais & Bacic, 2008; 2009).34 3.6 A ESS em países selecionados Construir e reforçar políticas públicas de apoio é fundamental para a ESS. É importante os governos reconhecerem que a promoção da ESS contribui para o desenvolvimento socioeconômico de um país. Embora não seja possível debater todo o conjunto de experiências em matéria de políticas públicas de ESS na arena internacional, apresentamos aqui alguns exemplos de países selecionados. 3.6.1 África A história de pobreza e exclusão social, bem como a urgência de projetos de desenvolvimento numa região marcada por graves conflitos sociais, políticos, culturais, étnicos e raciais, explicam por que motivo as práticas de ESS estão sobretudo relacionadas com filantropia e com ações de organizações não governamentais (ONG). No entanto, alguns países registram atualmente avanços no domínio do planejamento de projetos de desenvolvimento socioeconômico que dão prioridade à paz, à participação democrática, à governança e à cooperação regional.35 36 34 Recomenda-se a leitura dos estudos realizados pelo Centro Internacional da Pobreza em http://www.undp-overtycentre. org/, e especificamente sobre o caso brasileiro, a consulta dos dados do Sistema de Informações da Economia Solidária – SIES da Secretaria Nacional de Economia Solidária – SENAES em http://www.mte.gov.br/ecosolidaria/secretaria_nacional.asp 35 Este reconhecimento também surge em “Resultados da Reunião Preparatória de Peritos no 1.º Simpósio Africano sobre Trabalho Decente em matéria de ‘Abordagem conjunta das implicações da crise econômica e financeira para as populações de África’”: “Os constituintes devem usar o potencial da economia social para criar condições de vida alternativas, fornecer soluções de microfinanciamento, impulsionar o comércio justo e aplicar proteção baseada na solidariedade” (Adis Abeba, 2009), segundo material compilado por Poorter (2010). 36 Conferência Regional da OIT “A Economia Social – A resposta de África à Crise Global”, Joanesburgo, 19-21 de outubro de 2009. 44 DOCUMENTO DE TRABALHO Quadro 3.7: A ESS e o reconhecimento internacional A economia social é absolutamente vital para a recuperação das economias africanas. (...) A sua importância é derivada da lógica e dos objetivos sociais distintivos da economia social.35 - Ebrahim Patel, Ministro do Desenvolvimento Econômico da África do Sul.36 A maior parte dos governos apoia alguns aspetos da ESS e tem desenvolvido quadros jurídicos e de políticas para a sua promoção. Por exemplo, na África anglófona (Quênia, Tanzânia e Uganda) existem políticas de apoio ao desenvolvimento do movimento cooperativo e de associações mutualistas para fornecimento de seguros de saúde. Estes países também desenvolveram leis cooperativas e possuem agências que regulam o desenvolvimento do movimento cooperativo.15 Não existem políticas específicas para o desenvolvimento de mutualidades, organizações comunitárias e empresas sociais na África anglófona, mas a sua promoção é abrangida em outras políticas mais vastas sobre temas transversais como a redução da pobreza, as questões de gênero, a promoção da saúde, a conservação do ambiente, etc. Existem vários departamentos governamentais que apoiam o desenvolvimento destas organizações. Alguns países, como o Mali, a Nigéria e o Senegal, incorporaram um compromisso de desenvolver a ESS nas suas estruturas governamentais.37 O Mali, por exemplo, criou o Departamento de Economia Solidária, dependendo desde 2003 do apoio da rede de pesquisa e desenvolvimento de estratégias de ESS intitulada Réseau National d’Appui à la Promotion de l’Économie Sociale et Solidaire (RENAPESS) [Rede Nacional de Apoio à Promoção 38 da Economia Social e Solidária]. 37 Recomendamos a leitura do documento já referido, Conferência Regional da OIT, “A Economia Social” (200), capítulo 4. 38 Mais informações em: http://www.ccednet-rcdec.ca/?q=en/ node/927 ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Com base nos objetivos da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza, o Senegal, através do seu Ministère de la Solidarité Nationale [Ministério da Solidariedade Nacional], desenvolve programas de redução da pobreza e de criação de emprego e de riqueza com base em valores coletivos, colaborativos e sustentáveis. Analogamente, a Nigéria desenvolve a sua “Estratégia de Desenvolvimento da Capacitação Econômica”. e regionais. A política do Governo reconhece a importância de se respeitar as prioridades regionais. Os programas do Governo apoiam iniciativas de criação de renda através de financiamento e de medidas de acompanhamento. Outras medidas relacionadas com a avaliação, adaptação do quadro jurídico, promoção e cooperação internacional integram a iniciativa estratégica do governo em matéria de ESS. Na África do Norte, países como a Argélia, Marrocos e a Tunísia dependem de projetos de ESS. O “Programa para Amanhãs” da Tunísia, lançado em 2004, dá prioridade a organizações que promovem a “abordagem da solidariedade”. Na Tunísia, os esforços solidários e participativos do governo e da sociedade civil procuram criar mecanismos de combate à pobreza, à exclusão e à desigualdade.39 3.6.2 Estados Árabes Quadro 3.8: Banco de Solidariedade Tunisino Fundado em 1997, o Banco de Solidariedade Tunisino (BTS) é uma instituição de microfinanciamento criada pelo presidente Ben Ali da Tunísia para financiar microprojetos privados na Tunísia. O BTS aprova empréstimos até 9.500 USD, com uma taxa de juro anual máxima de 5%, um calendário de reembolso do capital até sete anos e um período de carência flexível de três a doze meses.39 Em Marrocos, a Solidariedade e Desenvolvimento, Marrocos (SDM) é uma associação local estabelecida em 1998 por voluntários para mobilizar as competências de todos no lançamento de uma rede de solidariedade entre os habitantes de distritos discriminados. O Governo de Marrocos considera a ESS uma estratégia fundamental no combate à pobreza e à exclusão social e na melhoria das condições de vida. O departamento de economia social do Ministério dos Assuntos Econômicos criou um quadro de política estratégica que toma em consideração a natureza transversal e multissetorial da ESS e as suas características locais Um elevado número de países da região árabe tem beneficiado de períodos de estabilidade que permitiram apoiar o desenvolvimento socioeconômico e o diálogo, enquanto outros (como o Iraque, Líbano e os territórios ocupados da Palestina) têm sido palco de tensões sociais e civis que comprometem o progresso econômico sustentável e o desenvolvimento social. Embora a maioria das empresas seja afetada em períodos de conflito, o modelo cooperativo tem demonstrado a sua resiliência a crises econômicas, porque as cooperativas agregam o poder de mercado de pessoas que, isoladamente, pouco ou nada conseguiriam, e encontram saídas para a pobreza (Birchall & Ketilson, 2009, apud Esim & Omeira, 2009). Em particular, as pessoas de áreas rurais conseguem criar cooperativas para compartilhar riscos, agregar recursos, acumular poupanças e fornecer crédito. Apesar do potencial de resposta das cooperativas aos objetivos sociais e econômicos dos seus membros e da sociedade, o desenvolvimento de cooperativas nos Estados Árabes tem enfrentado muitos obstáculos. 39 http://www.microcapital.org/microcapital-story-tunisiansolidarity-bank-bts-receives-african-banker-magazine-trophyfor-micro-credit- bank-of-the-year/ DOCUMENTO DE TRABALHO 45 ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Quadro 3.9: A ESS nos países árabes Reduzir as distorções urbanas a partir de políticas econômicas, e transferir o enfoque para o apoio à criação de emprego rural através de mecanismos como as cooperativas, pode ajudar mulheres e homens destas comunidades a melhorar as suas opções de subsistência e a qualidade de vida das suas famílias e comunidades. Um ambiente favorável para as cooperativas necessita de legislação cooperativa melhor contextualizada que facilite a instituição de federações cooperativas e estimule a pesquisa e o acesso aos dados, bem como de literatura jurídica e econômica no âmbito cooperativo. O apoio às cooperativas deve, no entanto, respeitar o tratamento igual de outros modelos de organizações para proteger a autonomia e independência cooperativa. (Esim & Omeira, 2009). 3.6.3 Ásia Entre os países asiáticos, Bangladesh é uma referência internacional sobre o microcrédito e a formas de acesso a recursos financeiros por parte da população de baixa renda. O Grameen Bank40 é um caso exemplar de sucesso, mundialmente conhecido pelo uso do microcrédito como forma de reduzir a pobreza e gerar oportunidades para milhões de pessoas social e economicamente vulneráveis. Esta experiência tem sido difundida em outras partes do mundo, servindo de inspiração para o planejamento de políticas públicas no domínio da ESS. No Japão, a ESS abrange empresas sociais, empresas comunitárias e financiamento sem fins lucrativos, incluindo o sistema de microcrédito, comércio justo, promoção da economia local e de proximidade, defesa da regulação social do sistema 40 http://www.grameen.com © OIT / Crozet M. Na Ásia, a ESS é comumente referida como “economia do povo”, “economia compassiva” ou “economia solidária”. O primeiro fórum asiático sobre ESS foi realizado nas Filipinas em 2007; reuniu delegados de mais de 26 países, que procuravam articular a promoção de uma economia solidária asiática e a sua inclusão nas decisões políticas dos seus países (Tremblay, 2009). Cooperativa rural (apoiada pela OIT) que reúne mulheres do distrito de Lahore, Paquistão 46 DOCUMENTO DE TRABALHO ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA de mercado, etc. Ao longo da “década perdida” de 1990, este novo estilo de prática econômica conheceu uma expansão notável e resultou na Lei das Organizações sem Fins Lucrativos (ONL) de 1989 que reconheceu pela primeira vez as ONL/ ONG como pessoas jurídicas. Desde essa data, as OSFL no Japão e as suas atividades registram um crescimento constante (NISHIKAWA, 2010). 3.6.4 Europa Na Europa há inúmeros exemplos de políticas públicas dirigidas para a ESS nas últimas décadas. É o reflexo da visibilidade da ESS e do reconhecimento social e político que os gestores públicos lhe atribuem em confirmação da sua importância para o desenvolvimento multidimensional (econômico, democrático e cultural) dos seus países. Estas políticas são heterogêneas em resultado dos diferentes contextos nacionais (políticos, econômicos, históricos, sociais, culturais e institucionais) em que se desenvolveram. Segundo Chaves (2002), as políticas públicas de ESS na Europa podem ser divididas em cinco tipos principais: institucionais: reconhecimento da ESS como um Em muitos países europeus, as regiões apoiam ativamente a ESS. A abordagem regional é facilitada pela gestão descentralizada dos fundos de desenvolvimento regional e de coesão social da União Europeia. As regiões normalmente financiam estruturas de apoio e iniciativas específicas de promoção da economia social. Na Espanha, as regiões podem mesmo contribuir com legislação específica melhorada em complemento da legislação nacional em matéria de cooperativas. Na Andaluzia, o governo regional assinou um pacto com as organizações de economia social e com os sindicatos. Pactos semelhantes foram replicados em Sevilha e Córdoba. Apoio à inovação, formação, investimentos, taxas de juro, garantias de crédito, acesso à terra e a instalações, bem como o apoio à empresa social, são medidas concretas do pacto. Na Irlanda do Norte, o governo regional tem uma estratégia para 2008-2011 de apoio à economia social, desenvolvida em parceria com a Rede de Economia Social. A estratégia centrase no desenvolvimento local e na empresa social em cooperação com o setor público e privado. Em França, a região PACA é ilustrativa; o seu programa Progresso contempla 20 medidas, como o apoio a novas empresas, financiamento solidário, microcrédito, compra de empresas pelos seus trabalhadores, mentoria, experimentação e agentes de desenvolvimento. interlocutor social e de diálogo; de disseminação, educação e investigação: produção de conhecimento e divulgação do setor; financeiras: disponibilidade de fundos para financiar projetos; de apoio: informação técnica, assistência, etc.; oferta de serviços: fornecimento de serviços contratados pela administração pública e prestados à sociedade. Embora a conceitualização da ESS e a definição das suas entidades continuem sem alcançar consenso, é interessante observar que a ESS criou mais de 11 milhões de postos de trabalho na União Europeia em 2002-2003,41 um número que será indubitavelmente ainda mais expressivo na atualidade. 41 Pesquisa efetuada pelo CIRIEC - Centro Internacional de Pesquisa e Informação sobre Economia Pública, Social e Cooperativa, em nome do Comitê Econômico e Social Europeu. A economia social em Espanha tem a sua própria definição consolidada, além de beneficiar de um elevado grau de reconhecimento jurídico, econômico, político e social (Barea & Monzón, 2002; Montolio, 2002). Em 2010, o governo aprovou o Proyecto de Ley e la Economía Social que reconhece a importância de promover, estimular e desenvolver entidades de economia social e as suas organizações mais representativas. Esta lei tem como principal objetivo consagrar um marco jurídico que proporcione maior visibilidade e segurança jurídica e institucional ao setor, em confirmação do seu reconhecimento econômico e social. 42 42 Após uma década de debates, foi definido que a economia social abrange entidades de “não mercado”, como associações e fundações, e entidades de “mercado”, como cooperativas, empresas detidas pelos trabalhadores, empresas de transformação agrária, mutualidades e outras empresas comerciais não financeiras. DOCUMENTO DE TRABALHO 47 ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA A França foi o primeiro país a reconhecer a ESS na sua estrutura política e jurídica. Em 1983, a Délégation Interministérielle à l’Économie Sociale [Delegação Interministerial para a Economia Social] foi instituída e regulamentada pelo decreto n.º 81-1125. Com o decreto n.º 2010-95, a Delegação fundiu-se na Direction Générale de la Cohésion Sociale [Direção-Geral da Coesão Social]. A nova entidade também é responsável pelas políticas sociais e médico-sociais e pela igualdade de gênero. Em 2001 foi fundado o Comité National de Liaison des Activités Mutualistes, Coopératives et Associatives (CEGES) [Comitê Nacional de Ligação das Atividades Mutualistas, Cooperativas e Associativas]43, com o objetivo de inspirar o surgimento e o funcionamento de organizações coletivas e, simultaneamente, de lhes fornecer um quadro institucional e jurídico. O parlamento italiano foi o primeiro a introduzir a expressão “cooperativa social solidária” em 1991, a que se seguiram muitos outros países europeus como Espanha, Finlândia, Grécia, Hungria e Portugal. As agências de desenvolvimento local suecas para a economia social (Coompanion) basearam-se numa experiência trazida do Reino Unido na década de 1980 (Agências de Desenvolvimento Cooperativo) como instrumento de combate ao desemprego jovem. Esta nova iniciativa foi subscrita pelo amplo setor cooperativo tradicional e pelo governo. Centrava-se num empreendedorismo cooperativo em pequena escala visando o desenvolvimento local e a prestação de serviços sociais. As autoridades locais e regionais tornaram-se apoiantes, financiadoras e membros das novas agências, a que aderiram igualmente outras organizações de ESS. Após alguns anos, o programa governamental tornou-se uma linha orçamental permanente. A experiência levou várias regiões e autoridades locais a definir planos de ação de economia social em parceria com o setor. No Reino Unido, o governo britânico encoraja e apoia a constituição de “empresas sociais” como entidades geridas com objetivos econômicos e sociais; operam em diversos setores econômicos, como a indústria, serviços sociais, reciclagem e agricultura, entre outros. A maioria das empresas sociais tem lucros e reinveste-os nas suas próprias empresas e/ou nas comunidades onde estão instaladas. Ao contrário das empresas comerciais, não são motivadas pela necessidade de gerar lucros para os acionistas e proprietários, porque são empresas com objetivos predominantemente sociais.44 45 Quadro 3.10: A ESS na União Europeia De acordo com uma Resolução do Parlamento Europeu, a Social Economy Europe é a instituição representativa da ESS na União Europeia, tendo sido fundada em novembro de 2000, sob a designação CEP-CMAF.44 A nível europeu, a ESS re presenta aproximadamente 10% de todas as empresas europeias (aproximadamente 2 milhões de organizações) e 6% do emprego total. Nestes tempos de crise, convém lembrar que a ESS cria empregos estáveis, porque a sua fixação local dificulta uma relocalização, e dá a oportunidade de reintegrar grupos vulneráveis na sociedade e na vida ativa.45 3.6.5 América Latina e Caribe Nesta região, cresce a importância da ESS e o número de ações concretas neste domínio. Mais recentemente, foram adotadas medidas pelo governo como mecanismo de combate à pobreza, à exclusão social e à desigualdade, que são características estruturais da região. Em 2003, a Argentina dispunha de um número crescente de programas destinados a fomentar a ESS e de iniciativas tendentes a reforçar as estruturas que representam estes movimentos. Entre as principais atividades de apoio, definidas como “Compromisso com a ESS”, estão um sistema de assistência técnica regional, programas de ajuda financeira e um programa de educação e qualificação. As ações governamentais também 44 http://www.europarl.europa.eu/enterprise/policies/sme/ promoting-entrepreneurship/social-economy 43 http://www.ceges.org/ 48 DOCUMENTO DE TRABALHO 45 http://www.eutrio.be/social-economy-conference ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA usam recursos disponibilizados pela Lei n.º 23.427, que instituiu um fundo para a promoção e educação cooperativa e para a promoção da economia solidária, com enfoque nos grupos demográficos mais vulneráveis. As cooperativas de trabalho associadas são tidas como instrumentos de inclusão social e uma resposta ao desemprego, informalidade e precariedade destes grupos (Vuotto, 2010). O programa “Manos a La Obra” visa apoiar iniciativas de desenvolvimento local, em regiões com poucos recursos, destinadas a melhorar as suas condições socioeconômicas. O apoio econômico e financeiro a uma produção viável e sustentável e a iniciativas comunitárias; o reforço institucional de juntas consultivas de associações e organizações da sociedade civil; e a assistência técnica e qualificação dos seus participantes são algumas das suas principais ferramentas. Na Bolívia, iniciativas locais fortes podem constituir alternativas às formas convencionais de redução da pobreza. Desde a Reforma Constitucional do país, promovida por Evo Morales, a ESS tem facilitado a participação das pessoas normalmente excluídas por motivos de idade, gênero ou deficiência física. Oferece-lhes as vantagens das redes sociais e do trabalho assalariado que as ajuda a sustentar as suas famílias. A ESS facilita ainda o retorno dos benefícios do trabalho para a comunidade em geral. No Brasil, as políticas públicas de economia solidária foram legitimadas em 2003 com a criação da Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES), uma agência tutelada pelo Ministério do Trabalho e Emprego do Governo Federal. A SENAES representa a consolidação de uma longa história de mobilização e articulação do movimento da economia solidária. O Fórum Brasileiro de Economia Solidária e os Conselhos Estaduais e Nacional de Economia Solidária serviram de apoio à sua criação e reforço. Consequentemente, o programa Economia Solidária em Desenvolvimento ganhou força, marcando a introdução de políticas públicas específicas no domínio da economia solidária a nível nacional. Atualmente, a SENAES dá prioridade às seguintes áreas de políticas públicas para o setor:46 desenvolvimento e assistência técnica a empresas de economia solidária e a redes de cooperação de economia solidária: promoção do desenvolvimento local; desenvolvimento de meios de financiamento solidários; educação de formadores, educadores e administradores públicos organização do sistema nacional de comércio justo e solidário; recuperação de empresas pelos trabalhadores organizados em autogestão. Quadro 3.11 Política pública de desenvolvimento da ESS Entre os programas desenvolvidos pela SENAES no Brasil, o programa Brasil Local encoraja a organização de empresas geridas pelos trabalhadores, na medida em que facilita o acesso a políticas públicas de apoio à qualificação, crédito comunitário e equipamento, entre outras. Este programa é concebido para os setores mais vulneráveis das áreas rurais e urbanas, sobretudo mulheres, jovens, povos nativos e beneficiários de programas de transferência de renda. Na Colômbia, em 1998, a Lei 454 introduziu transformações notáveis nas relações entre o Estado e a ESS, em particular no que respeita às funções da nova Superintendência de Economia Solidária, uma agência reguladora das organizações que a integram. Em 2006, o Decreto 4588 regulamentou a organização e o funcionamento de políticas públicas relacionadas com cooperativas de trabalho associadas e derrogou o Decreto 468 de 1990. Esta medida implicou algumas mudanças nas organizações que representam o setor cooperativo, que começaram a funcionar em conjunto com a Presidência da República, o Ministério da Proteção Social e a Superintendência da Economia Solidária (Davila & Medina, 2010). 46 http://www.mte.gov.br/ecosolidaria/ecosolidaria_default.asp DOCUMENTO DE TRABALHO 49 ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA No Equador, a Constituição de 1998 associou a economia aos princípios de eficiência, solidariedade, sustentabilidade e qualidade. Foram tomadas algumas providências para garantir a proteção dos camponeses e dos pequenos agricultores. O artigo 283 começa por declarar: O sistema econômico é social e solidário; reconhece o ser humano como sujeito e fim; tende a uma relação dinâmica e equilibrada entre sociedade, Estado e mercado, em harmonia com a natureza; e tem por objetivo garantir a produção e a reprodução das condições materiais e imateriais que tornem possível viver bem. A distribuição da riqueza, o pleno emprego e um consumo responsável estão entre os seus objetivos; e a estabilidade econômica é definida como o máximo nível de produção e emprego sustentáveis no tempo. Estes princípios são muito importantes para promover políticas públicas sobre ESS. No México, a ESS registrou progressos após a adoção da Lei Federal de 2004, concebida para promover atividades realizadas por organizações da sociedade civil. As ações de intervenção do governo em prol destas atividades foram integradas basicamente nos quatro instrumentos seguintes: fundo de desenvolvimento da produção; fundo de desenvolvimento regional; fundo de assistência a grupos prioritários; e fundo de desenvolvimento comunitário. Várias iniciativas comunitárias na Venezuela baseiam-se no desenvolvimento endógeno e operam com o apoio de legislação que reforça as transformações sociais no país. Esta legislação, consagrada na Lei da Economia Popular, advoga a integração do seu potencial econômico, social e cultural em prol da autonomia local e a criação de redes colaborativas entre as atividades de produção e de consumo. O Banmujer, o Instituto de Desenvolvimento Rural e o Instituto de Educação Cooperativa foram criados © OIT / Savonnra K. Na Colômbia, registram-se progressos no processo de concertación [concertação] entre o setor cooperativo financeiro e o governo para reativar a Coopdesarrollo, que se fundiu com Coopecentral, criando um programa como uma nova entidade que opera com base numa rede tecnológica unificada. Outra ferramenta de política pública desenvolvida no país diz respeito ao programa Banca de Oportunidades, que promove o acesso ao crédito de cidadãos com poucos recursos financeiros e sem acesso a serviços bancários. Colheita de arroz na província de Kandal, Camboja. na sequência desta legislação. Nos termos da legislação foram criados grupos de intercâmbio solidário para desenvolver práticas de troca solidária de bens, serviços e conhecimento com o objetivo de estimular uma identidade comunitária e relações sociais no seio das comunidades, reforçar as comunidades na sua relação com as instituições públicas, e desenvolver projetos de produção sustentáveis, em particular de produção alimentar.47 Uma das maiores inovações desta legislação foi ainda a introdução de uma “nova moeda comunitária” que circula exclusivamente entre os membros dos grupos de intercâmbios. 3.6.6 América do Norte Esta região, em particular o Canadá, revela o importante papel de uma sociedade civil organizada na criação de estratégias inovadoras de desenvolvimento socioeconômico e na dinamização de territórios degradados. O Canadá tem uma longa história de apoio ao desenvolvimento cooperativo, em particular no setor agrícola. Em 2004, o Governo do Canadá lançou uma iniciativa de economia social com 47 Para mais informações, ver: http://venezuelanalysis.com/ analysis/4458 50 DOCUMENTO DE TRABALHO ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA quatro componentes: reforço de capacidades; capital inicial para fundos de investimento; investigação; e adaptação dos programas existentes para as micro e pequenas empresas às características específicas das empresas de economia social. Uma mudança de governo pôs fim a estes programas. As políticas públicas beneficiam de um ambiente de grande dinamismo na província de Québec, onde a ESS é reconhecida como parte integrante da infraestrutura socioeconômica. Uma vasta gama de políticas setoriais apoia o seu desenvolvimento, incluindo habitação cooperativa e sem fins lucrativos, educação na primeira infância, cuidados domiciliários, inserção de grupos marginalizados na população ativa e reciclagem. O acesso a empréstimos e capital é apoiado por intervenção direta do governo e pela política fiscal. de Inovação Social da Casa Branca, criado pela administração Obama, está a analisar novas formas de apoiar a empresa social. 3.7 Conclusões principais A ESS é uma realidade, e o seu papel do ponto A ESS é vista como uma componente importante do desenvolvimento local e regional. Em 2008 foi adotado um plano de ação governamental, envolvendo oito ministérios, que é coordenado pelo Ministério dos Assuntos Municipais e do Desenvolvimento Regional. O Governo do Québec coopera estreitamente com o Chantier de l’Économie Sociale, uma organização da sociedade civil que integra empresas de ESS, movimentos sociais e redes de desenvolvimento local. 48 Os Estados Unidos não têm políticas específicas sobre ESS, embora tenham apresentado legislação em matéria de cooperativas. Os recursos derivam principalmente de fontes privadas, do envolvimento dos membros e de atividades de mercado. Ainda assim, algumas ferramentas fiscais criaram um ambiente favorável para a ESS: A Lei do Reinvestimento Comunitário, adotada em 1977 e revista em 1995, obriga as instituições financeiras a contribuir para satisfazer as necessidades da comunidade em que operam. A lei incentivou as instituições financeiras a criar parcerias com associações locais para gerir fundos de investimento que beneficiaram muitas iniciativas de ESS. Um Fundo federal de Instituições Financeiras de Desenvolvimento Comunitário (CDFI) injeta capital em fundos locais que concedem subsídios de capital, investimento em ações e assistência técnica a iniciativas privadas e de ESS. O Gabinete de vista social, político e cultural é relevante; a sua proporção em termos de emprego, importância econômica e penetração social está a crescer. Se, no início, a principal preocupação era a conceitualização do fenômeno, atualmente, a questão candente é a relação com os poderes públicos. É possível identificar alguns instrumentos de políticas públicas destinados à ESS, como: definição de estruturas governamentais, em diferentes níveis, para ações de ESS; definição de programas e políticas de ESS específicos e transversais; formação, educação básica e qualificação profissional; assessoria e assistência técnica para o estabelecimento, a incubação e a consolidação de empresas de ESS; desenvolvimento e acesso a tecnologias adequadas; acesso a crédito e financiamento solidário; constituição e organização da oferta (logística e infraestruturas) e da procura (compras públicas e mercado) na produção do setor. Para ser mais eficazes, as políticas públicas de ESS devem ser concebidas como resultado da ação coletiva de cidadãos (“coprodução”). A ESS possui um caráter transversal e diz respeito a diferentes áreas de ação pública. Superar os principais desafios de um quadro jurídico e de políticas de apoio à ESS exige: conferir à ESS um papel institucional relevante; legislação, regulamentos e normas adequados; ferramentas para avaliações de impacto; melhor integração das políticas aos diferentes níveis governamentais (setoriais e regionais); reforço do diálogo entre as organizações da sociedade civil e os fazedores de políticas. 48 http://www.chantier.qc.ca/ DOCUMENTO DE TRABALHO 51 ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Estudo de Caso 3.1: Secretaria Nacional de Economia Solidária SENAES – Brasil Agentes principiais Trabalhadores organizados em projetos de produção coletiva; cooperativas populares, redes de produção, comercialização e consumo; instituições financeiras dedicadas a empresas de solidariedade popular; empresas em autogestão; cooperativas agrícolas familiares; e cooperativas de serviços; Representantes do Fórum Brasileiro de Economia Solidária – FBES 49 e do Conselho Nacional de Economia Solidária – CNES . 50 A situação Nas últimas décadas, as transformações socioeconômicas mundiais enfraqueceram as relações laborais convencionais e tiveram como consequências importantes um aumento da informalidade, precarização do trabalho e desemprego. O agravamento desta crise criou espaço para a emergência e o desenvolvimento de outras formas de organização laboral em resultado da necessidade de os trabalhadores encontrarem fontes de renda alternativas. O que foi feito No primeiro Fórum Social Mundial (FSM), realizado em 2001 em Porto Alegre, RS, Brasil, criou-se espaço para o debate nacional e a articulação da ESS. Durante a organização do terceiro FSM, em 2002, numa conjuntura que conduzia à eleição do candidato do Partido dos Trabalhadores, realizou-se uma reunião para debater o papel da ESS no futuro governo. Escreveu-se uma carta ao Presidente Eleito, propondo a criação de uma Secretaria Nacional de Economia Solidária e realizou-se a primeira Reunião Plenária sobre Economia Solidária. Consolidou-se uma “plataforma política” (um conjunto de prioridades em matéria de: finanças solidárias; quadro jurídico; formação; redes de produção, comercialização e consumo; e organização social da ESS e das “empresas recuperadas” para reforçar a ESS no Brasil. Posteriormente, em junho de 2003, foi criado o FBES, bem como, no mesmo ano, a SENAES51 no Ministério do Trabalho e Emprego. O FBES tornou-se o interlocutor junto da SENAES para apresentar exigências, propor políticas e monitorizar a execução de políticas públicas de ESS. Atualmente, as atividades da SENAES52 incluem apoio e desenvolvimento de empresas de economia solidária (EES), finanças solidárias, incubadores de desenvolvimento local e de cooperativas populares e programas de formação. Abrangem ainda o estudo e definição do quadro jurídico e do registro das EES e das suas entidades de apoio no país. Num esforço de quantificar o setor, o Sistema Nacional de Informações da Economia Solidária – SIES53, que está envolvido num processo de atualização, registrou cerca de 22.000 EES no Brasil. Atualmente, a institucionalização de políticas públicas de ESS é uma das principais estratégias de consolidação do tema na agenda política de diferentes esferas governamentais e de garantia da sua presença como políticas oficiais.Estes esforços governamentais conjuntos tiveram um efeito amplificador na implementação de políticas públicas específicas de ESS, incluindo a promulgação de legislação estadual e local e a criação de agências governamentais locais e estaduais, como secretarias e departamentos, e a institucionalização de espaços locais de diálogo com a sociedade civil (como os conselhos). nota 2849 nota 2950 nota 3051 nota 3152 nota 3253 49 http://www.fbes.org.br/ 50 http://www.mte.gov.br/ecosolidaria/cons_default.asp 51 http://www.mte.gov.br/ecosolidaria/secretaria_nacional.asp 52 Regulamentada pelo Decreto 5063 de 2004, que inclui as quinze competências desta agência e pode ser consultado em http://www. mte.gov.br/ecosolidaria/secretaria_nacional_atribuicoes.asp 53 http://www.mte.gov.br/ecosolidaria/sies.asp 52 DOCUMENTO DE TRABALHO ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Estas ações visam implementar, reforçar e sistematizar políticas locais e regionais de ESS e espaços de participação e diálogo social articulados com outras instâncias de políticas laborais e de renda. O que se pode aprender Optamos por nos centrar no ambiente das políticas para ilustrar o processo inovador de formação de políticas no Brasil, que envolve um diálogo permanente entre os agentes de ESS e os diferentes níveis do governo. A SENAES representa um progresso das políticas públicas no setor e faz parte da história de mobilização e de articulação do movimento de ESS existente no Brasil. Estudo de Caso 3.2: O estabelecimento de centros de desenvolvimento local (CDL) no Québec, Canadá Agentes principiais Movimento associativo urbano e rural; governo local e regional; Chantier; membros da Caisse d’Épargne Desjardins e da Réseau Québécois du Crédit Communautaire [Rede de Crédito Comunitário do Québec] A situação Nas duas últimas décadas do século XX, um conjunto de organizações de desenvolvimento local foi criado no Québec em resultado de uma iniciativa de vários agentes sociais e políticos que lutavam por revitalizar o seu ambiente (rural e urbano), pela criação de emprego e de renda e, consequentemente, por melhores condições de vida. O que foi feito Em 1997, a política de desenvolvimento local e regional adotada pelo Governo do Québec permitiu a implementação de uma rede de organizações de desenvolvimento local que cobria todo o território da província. Os centros de desenvolvimento local (CDL) foram concebidos e financiados pelo Governo do Québec com a ajuda dos governos municipais. Estes centros oferecem orientação básica ou serviços de assistência técnica aos empresários (em nome individual ou coletivo) que iniciam as suas atividades. Os CDL gerem fundos destinados ao desenvolvimento de pequenas empresas. Entre estes, dois fundos promovem especificamente a ESS: os Fundos de Desenvolvimento Local (LDF) e o Fundo de Desenvolvimento de Empresas da Economia Social (FDEES). Os LDF visam estimular as empresas locais, facilitando o acesso a capital inicial ou de expansão para empresas tradicionais ou de economia social. Alguns centros, contudo, dão prioridade a empresas de ESS. O FDEES é direcionado especificamente para a concepção de projetos de economia solidária e para o apoio à criação de empregos sustentáveis. Os recursos são disponibilizados pelo Governo do Québec e, desde 2002, cada CDL pode determinar o montante dedicado ao financiamento de empresas de economia social. DOCUMENTO DE TRABALHO 53 ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Como estes fundos locais são instrumentos essenciais para o desenvolvimento da ESS no Québec, os CDL recorrem a fontes de financiamento solidário suplementares, como a Rede de Investimento Social do Québec (RISQ), o instrumento financeiro do Chantier; a União de Crédito Desjardins, uma cooperativa financeira com fortes laços territoriais; e a Rede de Crédito Comunitário do Québec, fundada em 2000, que permite o agrupamento de fundos comunitários, que têm estado ativos desde meados da década de 1990. O que se pode aprender O acesso ao financiamento é um dos principais desafios do desenvolvimento de empresas de ESS. Este caso mostra-nos a criação de instrumentos financeiros que permitem o desenvolvimento e a consolidação de empresas em nome individual ou coletivo, empresas que dificilmente existiriam se dependessem das formas tradicionais de acesso ao crédito. Também nos mostra que existe uma garantia de retorno da parte de quem recebeu estes empréstimos. Este caso destaca a importância de criar instrumentos de acesso ao crédito eficazes para pessoas que não possuem renda mas têm ideias e projetos de desenvolvimento de empresas sustentáveis com impactos positivos no ambiente que as rodeia. Estes instrumentos carecem de apoio por um aparelho institucional, jurídico e regulamentar nos respectivos países, regiões ou municípios. 54 DOCUMENTO DE TRABALHO ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Capítulo 4: Criar a ESS através de parcerias e redes 4.1 Introdução As OESS nascem da necessidade e/ou das aspirações de um mundo mais justo e equitativo. Apesar da sua diversidade, partilham determinadas características comuns que servem de base à criação de parcerias e de redes. Este capítulo explica a razão de ser das parcerias e redes de ESS no mundo, o que são, onde existem e como se formaram. Demonstra através de vários exemplos a importância e o potencial destas relações e estruturas colaborativas. Explica e ilustra os seus vários papéis e mandatos. E apresenta uma lista não exaustiva das principais redes de ESS, novas e consolidadas, como referência e material didático adicionais. © OIT / Crozet M. As parcerias e as redes são um fator de sucesso fundamental no desenvolvimento da ESS. A sustentabilidade da ESS depende da sua capacidade de se enraizar na comunidade, mobilizar várias partes interessadas e construir alianças fortes com parceiros sociais e com autoridades públicas. Esta tarefa não está ao alcance de empresas ou organizações individuais. Requer esforços combinados no longo prazo e, por vezes, o agrupamento de recursos. Por estas razões, as redes e as parcerias são uma componente essencial de uma ESS forte. Cooperativa de mulheres (projeto apoiado pela OIT): nas pedreiras de Mtongani (Dar Es Salaam), foi proposto um projeto de cultivo de cogumelos e de criação de galinhas dirigido sob a forma de cooperativa, em alternativa à extração de pedra que costumava ser a principal atividade das mulheres no distrito. A produção é posteriormente vendida nos mercados. Imagem: Lazia (à esquerda), com 50 anos e 6 filhos, trabalha agora no cultivo de cogumelos. DOCUMENTO DE TRABALHO 55 ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA 4.2 A importância das parcerias e redes As OESS têm demonstrado uma grande capacidade de criar parcerias e redes construtivas e duradouras. Cooperativa de mulheres (projeto apoiado pela OIT): nas pedreiras de Mtongani (Dar Es Salaam), foi proposto um projeto de cultivo de cogumelos e de criação de galinhas dirigido sob a forma de cooperativa, em alternativa à extração de pedra que costumava ser a principal atividade das mulheres no distrito. A produção é posteriormente vendida nos mercados. Imagem: Lazia (à esquerda), com 50 anos e 6 filhos, trabalha agora no cultivo de cogumelos. Essa capacidade deve-se ao seu compromisso com a colaboração em detrimento da concorrência, a iniciativas coletivas da base para o topo e a uma resposta às necessidades das comunidades secundarizando os ganhos financeiros. Na publicação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) intitulada “The Changing Boundaries of Social Enterprises” (Os Limites em Mutação das Empresas Sociais), de 2009, os autores alegam que a capacidade inata das OESS de criar redes desempenha um papel importante na rapidez do seu desenvolvimento: “Entre as explicações adiantadas (para o desenvolvimento de empresas sociais - nota do editor), uma em particular atribui o desenvolvimento de empresas sociais54 à sua capacidade de criar redes ou de definir estratégias e estruturas de apoio adequadas para a criação de ligações interorganizacionais que se tornarão cada vez mais generalizadas, sólidas e articuladas.” As parcerias e as redes são úteis para quase todo o tipo de empresas e organizações, mas são particularmente cruciais para a ESS. O que as torna tão importantes? 54 The Changing Boundaries of Social Enterprises, editado por Antonella Noya, OCDE, 2010. 56 DOCUMENTO DE TRABALHO 4.2.1 Reconhecimento de realidades específicas A razão principal dos agentes de ESS criarem redes é o desejo de ver reconhecida a ESS pelas suas características específicas e pelos seus contributos para o desenvolvimento. Unidos, os agentes de ESS conseguem criar a sua própria identidade e resistir ao isolamento. O seu principal desafio é obter reconhecimento para a dupla missão da ESS: a combinação de objetivos sociais e econômicos num mundo que geralmente considera o desenvolvimento econômico e social duas atividades separadas. Apesar de as OESS criarem riqueza e emprego ao mesmo tempo que dão resposta às necessidades dos seus membros e da comunidade (output social), o seu duplo papel raramente é plenamente reconhecido. A necessidade de trabalhar unidos para ganhar reconhecimento e apoio começou há mais de um século. A Aliança Cooperativa Internacional foi criada em 1895. Atualmente, as cooperativas alcançaram reconhecimento em muitos continentes como agentes econômicos, mas a sua contribuição para o desenvolvimento social tem sido ignorado. Em muitos países, as organizações comunitárias e outras associações são reconhecidas pelo seu contributo para o desenvolvimento social, mas o seu crescente papel econômico é habitualmente subestimado ou incompreendido. As redes são cruciais para promover as características específicas da ESS e as múltiplas dimensões que engloba. Na Europa, existem organizações ativas e consagradas, que são representativas de cooperativas, associações, mutualidades e fundações. Além destas redes baseadas no estatuto legal, em 2000 foi criada uma organização representativa da economia social na União Europeia. ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Quadro 4.1: Social Economy Europe Quadro 4.2: Uma nova rede para a Ásia A Social Economy Europe foi criada em 2000 com a designação de Conferência Europeia Permanente de Cooperativas, Mutualidades, Associações e Fundações. Tem por objetivo promover o papel e os valores dos agentes da economia social e reforçar o reconhecimento político e jurídico da economia social e das cooperativas, mutualidades, associações e fundações no seio da União Europeia. O primeiro Fórum de Economia Solidária Asiático foi realizado nas Filipinas em outubro de 2007. Participaram cerca de 700 delegados de 26 países. Partes interessadas de diferentes setores e regiões reuniram-se para articular uma economia solidária asiática única, definida como uma forma de governança da produção, financiamento, distribuição e consumo de bens e serviços centrada nas pessoas e no ambiente. www.aa4se.com/cms2/ www.socialeconomy.eu.org Na América Latina, têm sido estabelecidas novas redes para representar as práticas emergentes de ESS. Além das estruturas cooperativas tradicionais, têm sido criadas na última década sólidas redes de economia solidária nacionais em vários países, incluindo Bolívia, Brasil, Colômbia e México. Algumas dessas redes conseguiram ser reconhecidas por governos e por parceiros sociais. Na África começam a surgir algumas redes nacionais em países da África Ocidental e mais iniciativas em outras partes do continente. Na América do Norte existem redes e federações, novas e consagradas, incluindo a recentemente criada US Solidarity Economy Network. A Ásia só agora começou a adotar o novo vocabulário da ESS, mas tem uma longa história de organizações cooperativas. 4.2.2 O levantamento da sua importância econômica Outra grande motivação para criar organizações colaborativas de ESS é ganhar maior visibilidade e reconhecimento do seu poder no seio das economias nacionais. Durante décadas foram compiladas estatísticas e criadas normas internacionais para medir o alcance e o impacto da empresa privada. Alguns países e associações internacionais mantêm sistemas de informação para as cooperativas e as mutualidades. A dimensão do setor sem fins lucrativos tem sido objeto de estudos internacionais, mas estes estudos não identificam que empresas sem fins lucrativos exercem atividades econômicas. Muitas iniciativas de ESS emergentes, na fronteira entre a economia formal e informal, são invisíveis nas estatísticas oficiais. Dada a sua diversidade, medir o alcance e impacto da ESS no seu todo continua a ser impossível. A criação de redes inclusivas dá aos agentes e promotores de ESS mais possibilidades de efetuar o levantamento da sua importância econômica e demonstrar o seu contributo para o desenvolvimento socioeconômico. DOCUMENTO DE TRABALHO 57 ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Quadro 4.3: Levantamento da economia solidária no Brasil Em 2009, o Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES) efetuou o levantamento da economia solidária graças à mobilização dos seus membros e parceiros. O envolvimento de redes locais e regionais permitiu ao FBES identificar 22.000 empresas de economia solidária, um terço das quais não tinha estatuto legal oficial e nunca teria aparecido nas estatísticas oficiais. O processo de levantamento, que pode ser consultado através do portal do FBES, é atualizado continuamente por iniciativa dos membros. www.fbes.org.br Por causa desta falta de visibilidade, o Plano de Ação da OIT para a ESS, adotado em Joanesburgo em 2009, apelou à criação de um observatório internacional para a ESS com o objetivo de ajudar a efetuar o levantamento das suas complexas realidades. Quadro 4.4: Reconhecimento Estatístico da ESS na Europa A Social Economy Europe e os seus membros lançaram um apelo ao reconhecimento estatístico da economia social. Uma resolução do Parlamento Europeu insta a Comissão e os Estados-Membros a apoiar a criação de registros estatísticos nacionais de ESS, a estabelecer contas satélites nacionais para cada setor institucional e ramo de atividade e a permitir a compilação destes dados pelo Eurostat, bem como a fazer uso das capacidades disponíveis nas universidades. http://www.socialeconomy.eu.org/spip.php?arti cle1006&var_recherche=statistics 58 DOCUMENTO DE TRABALHO 4.2.3 Resposta a necessidades específicas Além da necessidade de reconhecimento, as redes e parcerias servem uma importante função na medida em que ajudam as OESS a encontrar respostas para as suas necessidades específicas. Por seguirem outro tipo de lógica, as OESS raramente conseguem acesso a ferramentas de desenvolvimento tradicionais. As políticas de desenvolvimento econômico dos governos tendem a centrar-se nas empresas privadas com base no modelo capitalista tradicional e procuram melhorar a balança de transações correntes do país nos mercados globais, enquanto a maioria das empresas de ESS produz para satisfazer necessidades locais. A formação em gestão nas escolas de Ciências da Empresa e os conhecimentos técnicos especializados estão principalmente orientados para modelos de propriedade privada. O acesso ao capital é crucial para a ESS. No entanto, os circuitos de capitais existentes estão vedados à ESS, porque os investidores privados não podem adquirir poder de voto em cooperativas, mutualidades e associações, nem podem esperar o máximo retorno financeiro sobre o investimento. Através de redes e parcerias, as empresas de ESS colaboram no sentido de criar ferramentas à medida das suas realidades específicas. Quadro 4.5: Parceria para a criação de uma nova instituição financeira na Itália O Banca Etica, a primeira instituição de financiamento ético em Itália, é o resultado de uma parceria entre as sociedades cooperativas MAG (Associações Mutualistas de Autogestão) e 21 organizações sem fins lucrativos. Em 1994 criaram a L’associazione Verso la Banca Etica (A Associação rumo ao Banca Etica). Em 1995 foi fundada uma cooperativa com o objetivo de reunir os 6,5 milhões de euros necessários para constituir um banco popular ao abrigo da lei italiana. Após uma importante campanha de angariação de fundos em 1998, o Banco Central Italiano autorizou o Banca Popolare Etica a iniciar as operações. ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Desde a sua criação, o Banca Etica tem sido um importante investidor na ESS e um ator fundamental nas redes internacionais dedicadas ao financiamento da ESS. Entre os membros fundadores contam-se a ARCI (Associação Nacional de Promoção Social Autônoma e Pluralista), e a ACLI (Associação Cristã de Trabalhadores Italianos), as duas grandes ONG italianas, o consórcio cooperativo social CGM (Consorcio Gino Matarelli) e organizações de comércio justo e ecológicas. O Banca Etica coopera em vários projetos com as instituições financeiras Legacoop e Cofcooperative, cuja missão é financiar novas iniciativas de ESS. Quadro 4.6: Uma parceria em prol da ESS na Europa Central e Oriental A CoopEst é uma nova iniciativa financeira para o desenvolvimento da economia social na Europa Central e Oriental. Lançada em 2006 através de um empréstimo em obrigações de 17 milhões de euros, conta entre os seus membros fundadores com as instituições Crédit Coopératif (França), IDES Investissements (França), MACIF (França), CFI (Itália), SEFEA (Itália), Banco BISE (Polónia) e Soficatram (Bélgica). A CoopEst pretende intervir através de intermediários financeiros locais e focar-se em particular na produção e comercialização de indústrias de artes e ofícios em pequena escala e no desenvolvimento das pequenas empresas, em especial entre desempregados ou grupos desfavorecidos. 4.3.1 Parcerias As parcerias são criadas como relações cooperativas entre pessoas ou grupos que concordam em compartilhar responsabilidade para alcançar um objetivo específico. Podem assumir muitas formas e envolver uma vasta multiplicidade de partes interessadas. São cruciais para a ESS, que tem de ser capaz de recorrer a um conjunto de recursos e conhecimentos especializados para conseguir desenvolver-se. Quadro 4.7: Parceria entre um governo municipal e agentes de ESS no Canadá Em 2008, a Cidade de Montréal (Québec, Canadá) subscreveu um acordo de parceria com agentes da economia social (Parceria para o Desenvolvimento Comunitário Sustentável)) e criou uma divisão especial para a economia social no seio do Departamento de Desenvolvimento Econômico. Esta parceria reconhece a capacidade social e econômica da economia social de contribuir para o desenvolvimento da cidade. A Cidade de Montréal comprometeu-se a apoiar o desenvolvimento da economia social e os agentes da ESS prometeram aumentar a sua contribuição para a melhoria da qualidade de vida da população urbana num conjunto de setores. http://ville.montreal.qc.ca/portal/ 4.3.2 Redes 4.3 Formas de colaboração Os esforços colaborativos assumem muitas formas diferentes na ESS. Dependendo dos seus objetivos, a cooperação entre as partes interessadas é expressa através da criação de parcerias, redes ou federações. As redes são estruturas não hierárquicas que reúnem organizações ou pessoas com interesses ou necessidades comuns. São frequentemente estruturas horizontais que unem agentes e parceiros de ESS num determinado território. DOCUMENTO DE TRABALHO 59 ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Quadro 4.8: Esforços conjuntos no combate à pobreza e à exclusão social no Mali Quadro 4.9: Cooperativas de trabalhadores colaboram a nível nacional e internacional Criada em 2005, a Rede Nacional para a Promoção da Economia Social Solidária (RENAPESS) no Mali, é uma rede que integra 57 organizações membros, incluindo mutualidades, cooperativas, associações, organizações de microfinanciamento e de financiamento solidário e outras estruturas de ESS. A RENAPESS visa unir esforços para combater a pobreza e a exclusão e negociar políticas públicas em prol da ESS. A Confederação Europeia de Cooperativas de Trabalhadores, Cooperativas Sociais e Empresas Sociais e Participativas (CECOP) é uma federação europeia presente na indústria, nos serviços e nas artes e ofícios. Congrega 25 federações nacionais em 16 Estados-Membros da União Europeia, que representam aproximadamente 50.000 empresas empregando 1,4 milhões de trabalhadores. Na CECOP estão igualmente filiadas 3 instituições financeiras. A CECOP é a secção europeia da Cicopa, a organização internacional das cooperativas de trabalhadores. [email protected] www.cecop.coop 4.3.3 Federações ou confederações As federações ou confederações são estruturas formais com linhas de autoridade e de decisão claras. Predominam no setor cooperativo como manifestação do sexto princípio cooperativo adotado pela Aliança Cooperativa Internacional (ICA), o princípio da cooperação entre cooperativas. Os outros seis princípios são a filiação voluntária e aberta, o controle democrático dos membros, a participação econômica dos membros, a autonomia e independência, a educação, formação e informação e a preocupação com a comunidade. A ICA explica o sexto princípio da seguinte forma: “As cooperativas servem os seus membros da forma mais eficaz e reforçam o movimento cooperativo mediante o trabalho conjunto através de estruturas locais, nacionais, regionais e internacionais.” 4.4 Partes interessadas fundamentais As OESS dão resposta a necessidades coletivas. A sua rentabilidade não se mede pelo benefício financeiro de investidores individuais, mas pelo retorno social para os seus membros ou para a comunidade em geral. Mobilizam recursos do mercado, voluntários e públicos para alcançar os seus objetivos. Este é o motivo por que uma vasta multiplicidade de partes interessadas está envolvida no apoio ao desenvolvimento da ESS através de parcerias e redes. As OESS representam a componente principal das parcerias e redes. São simultaneamente as principais beneficiárias e os principais atores. A sua principal motivação é o de ter acesso a um maior reconhecimento, recursos e oportunidades de desenvolvimento. A sua participação também é uma expressão dos seus valores fundamentais de solidariedade e partilha. Existe um envolvimento cada vez maior dos governos nacionais e regionais em parcerias a favor da ESS. Novas políticas públicas emergem rapidamente a nível regional e nacional na Europa e na América Latina, bem como em algumas regiões da África, Ásia e América do Norte. Os governos 60 DOCUMENTO DE TRABALHO ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA estão interessados na ESS por causa da sua capacidade para mobilizar recursos da comunidade e no mercado para alcançar benefícios públicos. Algumas autoridades públicas, alertadas para a sua capacidade de encontrar soluções inovadoras para problemas complexos, notam que a ESS constitui uma ferramenta poderosa de crescimento inclusivo. Quadro 4.10: Criação de redes de apoio a gestores públicos no Brasil No Brasil, a Rede Nacional de Gestores de Políticas Públicas de Economia Solidária é uma rede de diretores de políticas de economia social da administração municipal, estadual e federal. Tem por objetivo alargar o debate sobre as ferramentas mais adequadas para a promoção e o incentivo ao desenvolvimento da economia solidária nos diferentes níveis governamentais. A rede facilita a participação de funcionários públicos no debate sobre políticas públicas. Quadro 4.11: Autoridades municipais e OESS promovem a ESS A Rede Europeia de Cidades e Regiões para a Economia Social (REVES) é uma rede europeia única, baseada numa parceria entre autoridades locais e regionais e organizações de economia social a nível territorial. Criada em 1996, a REVES tem membros de 11 países. Integra, entre outros, autoridades locais ou OESS que estão a desenvolver ou estão dispostas a desenvolver políticas de promoção da ESS para uma sociedade justa, inclusiva, participativa e responsável. A REVES é uma rede que oferece métodos e procedimentos de inovação social baseados na construção conjunta e nas capacidades compartilhadas dos seus membros e dos seus territórios. www.revesnetwork.eu www.fbes.org.br As organizações de desenvolvimento local e os governos locais estão despertando para a importância de apoiar as OESS na revitalização das comunidades rurais e urbanas. Um estudo recente nas Honduras revelou que as regiões e os municípios onde existe uma ESS ativa estão a ter melhores resultados no combate à pobreza e na melhoria dos indicadores de desenvolvimento gerais que regiões semelhantes sem uma forte presença de ESS (El Censo del Sector Social de la Economía, 2003, COHDESSE). Em muitos países, os sindicatos consideram que a via para o trabalho decente e a justiça social não se pode limitar à ação política e à negociação de acordos de trabalho coletivos. Exigem reconhecimento como agentes econômicos de pleno direito, que têm uma palavra a dizer sobre a forma como as empresas são geridas, o dinheiro dos fundos de pensões é investido e as políticas de desenvolvimento econômico são definidas. A sua participação, cada vez mais ativa no desenvolvimento econômico, torna-os parceiros importantes da ESS. Os três exemplos seguintes explicam por que razão e de que forma os sindicatos estão a participar no desenvolvimento da ESS. As autoridades municipais não têm dificuldade em compreender as vantagens da ESS. Estas empresas criam emprego local, são propriedade de membros da comunidade e os seus excedentes circulam localmente. Dão frequentemente resposta a necessidades ignoradas pelo setor privado, porque o retorno financeiro sobre o investimento é insuficiente. Operam em setores em que as autoridades públicas não têm capacidade ou flexibilidade para intervir. E não estão à venda para investidores externos! DOCUMENTO DE TRABALHO 61 ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Quadro 4.12: Participação dos sindicatos no desenvolvimento da ESS no Brasil Quadro 4.14: Um líder sindical latino-americano explica o seu compromisso com a ESS O sindicato brasileiro Central Única dos Trabalhadores (CUT) participa ativamente no apoio à ESS. Desde 2001, a CUT tem apoiado mais de 100 cooperativas de trabalhadores, representando 10.000 membros. Também apoia várias cooperativas locais e de poupança, incluindo a ECOSOL, uma rede de 4.500 membros que gere empréstimos no valor de 1,2 milhões de USD. Esta organização desempenha um papel importante em conjunto com a CUT, ajudando os trabalhadores a alcançar independência financeira. Numa reunião de redes de economia solidária organizada na América Latina pela RIPESSLAC (Rede Intercontinental para a Promoção da Economia Social e Solidária: América Latina e Caribe) em Medellin, na Colômbia, em julho de 2010, Luis Alejandro Pedraza, Presidente da Unión Nacional Agroalimentaria de Colombia (UNAC) e www.cut.org.br Quadro 4.13: Federação sindical cria uma instituição de financiamento única no Québec Em 1971, sindicalistas da Confederação de Sindicatos Nacionais (CSN) no Québec, Canadá, fundaram uma cooperativa de crédito para responder às necessidades dos sindicatos locais, mas também para contribuir para a transformação social. Conhecida hoje como Caisse d’économie solidarie, esta instituição financeira única concentrou a sua atividade exclusivamente na concessão de empréstimos a OESS com excelentes resultados financeiros. Com os seus 2.500 membros coletivos, empresas sem fins lucrativos, cooperativas, organizações comunitárias e sindicatos e os seus mais de 7.000 membros individuais, esta instituição financeira tem desempenhado um papel fundamental no apoio à ESS e no fortalecimento das ligações entre o movimento sindical e a economia social no Québec e a nível internacional. www.cecosol.coop 62 DOCUMENTO DE TRABALHO membro do comitê executivo da UITA, Unión Internacional de Trabajadores de la Alimentación, Agrícolas, Hoteles, Restaurantes, Tabaco y Afines, na América Latina, prestou a seguinte declaração: “O objetivo fundamental da UNAC-UITA é a defesa e promoção dos direitos humanos, da liberdade de associação, do desenvolvimento e reforço institucional do Estado de Direito e da paz e justiça social. A UNAC apoia a colaboração entre sindicatos e organizações agrícolas na criação e implementação da reforma agrária através de empresas agrícolas e comerciais de autogestão. Promovemos formas alternativas de organização de agricultores deslocados, vítimas de violência e marginalização, através de empresas sociais baseadas na produção agroecológica, em aliança com as comunidades indígenas em áreas rurais e urbanas da Colômbia. Implementamos deste modo os objetivos estratégicos do modelo de economia social através de cooperativas e mutualidades.” Luis Alejandro Pedraza, julho de 2010, Medellin, Colômbia As associações de empregadores incluem frequentemente OESS sem se aperceberem. As OESS criam emprego e riqueza como qualquer outra empresa. Em alguns países, têm criado ou atuado como organizações de empregadores e esse estatuto é reconhecido por outros parceiros sociais. Na França, estruturas da economia social apresentam candidatos no processo eleitoral dos ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA tribunais de trabalho como representantes dos empregadores nos debates sobre relações laborais. Quadro 4.15: Uma federação de empregadores apoia a ESS na Itália A Sodalitas, Associazione per lo Sviluppo dell’Imprenditoria nel Sociale (Associação para o Desenvolvimento Social do Empreendedorismo) é uma organização sem fins lucrativos fundada em 1995 pela maior federação italiana de empregadores, a Assolombarda. Entre as empresas filiadas estão grandes multinacionais e 90 consultores voluntários do setor privado, que trabalham gratuitamente, a tempo parcial, para organizações sem fins lucrativos, incluindo cooperativas. A Sodalitas funciona como ponte entre o setor com fins lucrativos e o setor sem fins lucrativos, tendo apoiado mais de 80 organizações sem fins lucrativos. Procura elevar os padrões no setor sem fins lucrativos e promover o estabelecimento de ligações entre a sociedade civil e as empresas, através da defesa da sustentabilidade, da responsabilidade social e de argumentos comerciais para a prossecução destes objetivos. Também incentiva o investimento das empresas em objetivos sociais e divulga as melhores práticas empresariais. Promove igualmente a venda de bens e serviços produzidos por cooperativas sociais às empresas filiadas. www.sodalitas.it Os movimentos sociais, incluindo o movimento das mulheres e o movimento ambientalista, tornaram-se fortes aliados e parceiros da ESS emergente. Uma vez que a maximização do lucro não é o seu objetivo, a ESS tem grande potencial de refletir o verdadeiro desenvolvimento sustentável. O Fórum Social Mundial, que reúne um vasto conjunto de movimentos sociais, reservou na sua agenda um espaço importante para a ESS. A primeira Marcha das Mulheres contra a Pobreza, realizada no Québec em 1995 e organizada pela Federação das Mulheres do Québec, incluiu o apoio à ESS nas suas oito exigências e lançou o debate sobre a ESS na arena política. As organizações de mulheres de outros países sentem-se atraídas pela ESS porque os seus valores básicos e modelos de propriedade coletiva apelam a muitas mulheres. Muitos novos empresários de ESS emergem destes movimentos sociais. Por se preocuparem com o desenvolvimento econômico e social no seu país ou região, algumas associações de empregadores do setor privado e algumas grandes empresas dão apoio ao desenvolvimento da ESS. Quadro 4.16: Rede de movimentos sociais espanhóis para o desenvolvimento da ESS A Espanha tem uma longa história de estruturas cooperativas que reflete a força e a extensão da economia social em Espanha. No entanto, os promotores de novas iniciativas que emergiram de movimentos sociais viram a necessidade de criar outra rede. A Red de redes de economia alternative y solidaria (REAS) é constituída por mais de duzentas entidades organizadas em redes regionais e setoriais. Fundada em 1995, a REAS nasceu da necessidade comum de facilitar e promover alternativas econômicas sustentáveis em Espanha. Entre os seus promotores estiverem agentes dos movimentos ambientalista, de comércio justo e de solidariedade internacional. Os membros da REAS são principalmente organizações e empresas nascidas a partir da década de 1980; estão presentes num vasto conjunto de setores, incluindo a reciclagem, o microcrédito, a educação ambiental, a integração social e o comércio justo. www.economiasolidaria.org Historicamente, as ONG internacionais têm desempenhado um papel importante no apoio à ESS. Convictas de que uma das estratégias mais eficientes para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio é a capacitação das comunidades locais através de OESS sustentáveis, muitas estão ativamente envolvidas em parcerias com OESS. DOCUMENTO DE TRABALHO 63 ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Quadro 4.1: Partes interessadas em redes e parcerias Partes interessadas fundamentais Interesses Obstáculos Empresas sociais e solidárias Obter reconhecimento e acesso a recursos e a oportunidade de desenvolvimento As necessidades imediatas e recursos limitados têm prioridade sobre a criação de redes Governos nacionais e regionais Capacidade da ESS de encontrar soluções inovadoras para os desafios de desenvolvimento socioeconômico e mobilizar um vasto conjunto de recursos Tendência a trabalhar em nichos compartimentalizados. As políticas públicas ou são econômicas ou são sociais. Dificuldade de situar a ESS nas estruturas governamentais existentes Organizações de desenvolvimento local e governos locais Contribuição da ESS para o desenvolvimento local: emprego local, controle local, produtos e serviços locais, circulação de excedentes dentro da comunidade Falta de conhecimento sobre a ESS. Hábito de depender de modelos de empresas capitalistas privadas para assegurar o desenvolvimento econômico Organizações de trabalhadores Contribuição da ESS para a justiça social e a criação de emprego. Estratégia para responder às necessidades dos membros A concepção do papel dos sindicatos dá prioridade à negociação de acordos coletivos de trabalho e à ação política Associações de empregadores Contribuição da ESS para a atividade econômica e a criação de riqueza. Percepção da ESS como concorrência desleal Movimentos sociais Contribuição da ESS para o combate à pobreza e à exclusão social. Hesitação em participar na atividade econômica com medo de enfraquecer o seu papel político e social ONG internacionais Contribuição da ESS para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio Os critérios de financiamento limitam-se frequentemente a trabalho de assistência ou iniciativas de desenvolvimento social, excluindo a capacitação de comunidades através da ESS Instituições acadêmicas e pesquisadores A inovação social no seio da ESS dá a possibilidade de criar conhecimento novo e útil As instituições acadêmicas não reconhecem plenamente a ESS e o trabalho em parceria com agentes de ESS 64 DOCUMENTO DE TRABALHO ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Quadro 4.17: O movimento cooperativo sueco apoia a ESS na América Latina Quadro 4.18: Uma rede international de pesquisa sobre a ESS O Centro Cooperativo Sueco, uma ONG sem fins lucrativos fundada pelo movimento cooperativo sueco, trabalha em parceria com organizações em países em desenvolvimento para melhorar as condições de vida dos pobres. O Centro Internacional de Pesquisa e Informação sobre a Economia Pública, Social e Cooperativa (CIRIEC) foi criado em 1947. Está sedeado em Liège, na Bélgica, e tem sucursais em 15 países. Entre os seus membros estão pesquisadores e OESS. O CIRIEC tem por objetivo assegurar e promover a investigação científica e publicações sobre setores econômicos, bem como atividades em prol do bem comum e coletivo. O CIRIEC organiza conferências internacionais sobre pesquisa relativa à economia social. Exemplos deste trabalho incluem a formação dos coordenadores do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra na Bahia, Brasil, para gerir a terra e melhorar a sua capacidade de negociar com as autoridades locais; a capacitação de mulheres na Bolívia através da criação de uma organização de mulheres rurais de combate à pobreza; e o apoio a uma cooperativa de habitação para famílias pobres em Asunción, Paraguai. Este último projeto teve tanto êxito que o Governo do Paraguai decidiu financiar um programa de habitação mais ambicioso. www.sccportal.org © LE MAT As instituições acadêmicas e os pesquisadores, atraídos pela inovação social inerente à maior parte das iniciativas de ESS, investem recursos acrescidos para quantificar e compreender a dinâmica associada à sua emergência. São parceiros importantes para ajudar a compreender melhor o que funciona, o que não funciona e porquê. Através da sistematização e análise de diversas práticas, criam a base para programas de educação e formação, que tão importantes são para o futuro da ESS. Um pequeno grupo de cooperativas sociais num belíssimo recanto da Sicília. www.ulg.ac.be/ciriec/ O Quadro 4.1 resume os interesses e obstáculos enfrentados pelas várias partes interessadas em redes e parcerias da ESS. 4.5 Diferentes tipos de redes e parcerias As redes e federações de ESS são muito diversas e existem a todos os níveis, local, regional, nacional, continental, intercontinental e internacional. Dão resposta a uma multiplicidade de necessidades e perseguem objetivos muito diferentes. Algumas são recentes e muito informais; outras institucionalizaram-se ao longo dos anos e operam no seio de uma estrutura formal e, por vezes, hierárquica. Apesar destas diferenças, podem ser classificadas de acordo com a sua composição e com os mandatos que lhes são conferidos pelos seus membros. As redes ou federações territoriais são geralmente estruturas com múltiplas partes interessadas que reúnem diferentes agentes comprometidos com o desenvolvimento da sua comunidade local, com a sua região ou com o seu país através da ESS, motivados pela sua convicção de que a ESS é uma estratégia benéfica para o seu território. Estas redes ou federações podem ser compostas exclusivamente por empresas e organizações de DOCUMENTO DE TRABALHO 65 ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA ESS, ou podem incluir representantes de sindicatos, movimentos sociais, fundações, pesquisadores, associações locais e até do governo. Participam frequentemente em iniciativas estratégicas que convidam uma ampla diversidade de agentes a apoiar o desenvolvimento do seu território. As redes setoriais reúnem empresas ou organizações de ESS presentes num setor ou atividade específicos, como cooperativas agrícolas, mutualidades de saúde, cooperativas financeiras, instituições de microcrédito, rádios comunitárias ou turismo social. Os membros destas redes são motivados pela necessidade de desenvolver a sua empresa através da colaboração com organizações afins e através do reforço de todo o setor. As suas atividades concentram-se frequentemente no apoio a melhores práticas de gestão e na criação de ferramentas comuns e de condições favoráveis para o desenvolvimento de cada empresa ou organização. As redes ou federações de base jurídica reúnem empresas com estatuto legal comum. As redes ou federações de cooperativas, mutualidades e organizações sem fins lucrativos coexistem em alguns países com pouca ou nenhuma colaboração; em outros países estão ativamente empenhadas na promoção e no desenvolvimento de uma visão generalizada da ESS. Nos países que recentemente criaram um quadro jurídico específico estão a emergir redes de empresas sociais. Os Estudos de Caso 4.1, 4.2 e 4.3 no final do presente capítulo são exemplos de redes eficazes. 4.6 Os papéis e as funções das redes no apoio à ESS As redes surgem em resposta a necessidades que não podem ser satisfeitas por uma empresa ou organização individual. Os membros da rede identificam as suas necessidades comuns e constroem o tipo de estrutura que melhor pode responder a estas necessidades. Algumas redes têm um mandato muito limitado, frequentemente associado a recursos limitados. 66 DOCUMENTO DE TRABALHO Outras estão mais estruturadas com recursos consideráveis e assumem um maior número de atividades operacionais, incluindo a prestação de serviços diretos aos membros. Segue-se uma descrição das principais funções das redes de ESS. Representação, promoção e defesa Obter reconhecimento pela contribuição atual e potencial da ESS para o desenvolvimento constitui um grande desafio, seja a nível local, nacional ou internacional. Não surpreende que a maior parte das redes de ESS existentes e em emergência participem na promoção da economia social e solidária representando seus interesses em conjunto com outros interlocutores sociais e negociando políticas públicas. Os dois exemplos seguintes revelam como as redes podem realizar ações de defesa de um ponto de vista setorial e territorial. Quadro 4.19: Criação de redes internacionais de rádios comunitárias Através da prestação de serviços aos membros, da criação de redes e da implementação de projetos, a Associação Mundial de Rádios Comunitárias (AMARC) reúne uma rede de mais de 4.000 rádios comunitárias, federações e partes interessadas dos meios de comunicação em mais de 115 países. O principal impacto global da AMARC, desde a sua criação em 1983, tem sido acompanhar e apoiar o estabelecimento de um setor de rádios comunitárias em todo o mundo, que democratizou o setor dos meios de comunicação. A AMARC defende o direito a comunicar a nível internacional, nacional, local e de vizinhança e advoga e promove os interesses do movimento de rádios comunitárias através da solidariedade, criação de redes e cooperação. www.amarc.org ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Quadro 4.20: Uma rede nacional enraizada no território, no Brasil O Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES) é uma rede jovem e vasta, enraizada em fóruns locais e regionais. O FBES foi oficialmente criado em 2003, após um processo de mobilização e de diálogo social com a recém-instituída Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES), no seio do governo federal brasileiro. Doze organizações nacionais representando redes nacionais de promoção da ESS e movimentos sociais completam o seu comitê nacional de coordenação. Os funcionários públicos que trabalham nos governos locais para apoiar a economia solidária também integram as estruturas locais, regionais e nacionais. Quadro 4.21: As mutualidades beneficiam da cooperação conjunta A Union Technique de la Mutualité Malienne (UTM) foi criada em 1996 para prestar apoio a mutualidades de saúde. Atualmente, 32 mutualidades de saúde, com um total de 40.000 beneficiários, são membros da UTM. Os serviços oferecidos incluem apoio ao desenvolvimento de novas mutualidades de saúde, estudos de viabilidade, monitoramento, representação junto ao governo e garantir um quadro jurídico e regulamentar favorável. A UTM lançou o seu próprio produto, um seguro de saúde voluntário, que atraiu elevado número de membros das áreas urbanas. www.ecosoc-afrique.org/utm.htm O FBES mantém a comunicação entre os membros através de um portal dinâmico e organiza reuniões nacionais e semestrais. É reconhecido e apoiado pelo governo brasileiro e representa o setor no Conselho Nacional de Economia Solidária, fundado pela SENAES. www.fbes.org.br Serviços comuns Um elevado número de redes setoriais e algumas redes territoriais oferecem serviços diretos aos seus membros. Formação, assistência técnica, promoção, marketing e outros serviços comerciais são os serviços desenvolvidos com maior frequência pelas redes de ESS. Intercâmbio de conhecimentos especializados Muitos gestores ou administradores de OESS sentem-se isolados ou incompreendidos pelos serviços de apoio comercial convencionais que os orientam para modelos com fins lucrativos mais tradicionais. Por conseguinte, muitas redes de ESS reúnem-se para aprender umas com as outras, porque todas compartilham uma finalidade comum de combinar objetivos sociais e econômicos para obter resultados para os seus membros ou para a sua comunidade. O governo e outros parceiros envolvidos na ESS também estão criar redes. Quadro 4.22: Uma rede para aprender com os outros Na Polônia, onde o reconhecimento da ESS está numa fase inicial, em 2007 os agentes da região de Malopolskie criaram o Pacto de Economia Social (MSEP). O Pacto começou a funcionar informalmente em 2007 e foi oficialmente subscrito por 25 entidades em 2008. O MSEP facilita a troca de informação, mas não tem qualquer papel no processo de decisão ou na partilha do poder. DOCUMENTO DE TRABALHO 67 ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Criação de novas ferramentas de desenvolvimento A maioria das OESS tem grandes ideias e uma enorme ambição para os seus membros ou comunidades; contudo, nem todas têm capacidade para executá-las sozinhas. As redes de ESS podem ser ferramentas estratégicas importantes, porque fornecem recursos agrupados e ideias para realizar iniciativas relevantes. As ferramentas de desenvolvimento mais comuns emanadas das redes de ESS incluem o desenvolvimento de novos instrumentos financeiros, redes de informação e parcerias estratégicas com financiadores ou governos. Algumas redes de ESS estão a efetuar o levantamento da ESS nas suas comunidades. Outras estão a criar ferramentas de e-comércio. Quadro 4.23: Uma parceria de várias partes interessadas no Québec O Chantier de l’économie sociale no Québec, Canadá, é uma rede de redes composta por cooperativas, organizações comunitárias, movimentos sociais e organizações de desenvolvimento local. Através desta parceria de várias partes interessadas, o Chantier constituiu um fundo de empréstimo de 10,9 milhões de euros euros para empresas coletivas, um fundo de capital a longo prazo de 39 milhões de dólares, um portal de informação de ligação em rede, uma parceria colaborativa de pesquisa e ferramentas de desenvolvimento da força laboral. Negociou ainda importantes políticas públicas de apoio à ESS com os governos do Québec e do Canadá. www.chantier.qc.ca Luta por um melhor acesso aos mercados A luta por um melhor acesso aos mercados tem sido uma das bandeiras mais comuns das redes do movimento cooperativo, mas não é exclusiva destas redes. Muitas federações cooperativas, em particular de cooperativas de produtores, foram criadas com este propósito específico. Ao longo dos anos foram criando instituições fortes para apoiar 68 DOCUMENTO DE TRABALHO esta função e estão ativas nos mercados mundiais. As redes emergentes centram-se frequentemente nos princípios e circuitos do comércio justo. Há uma tendência crescente para o aumento de transações entre empresas (B2B) de ESS como expressão de valores e interesses comuns. Quadro 4.24: Acesso aos mercados através da criação de redes no Burkina Faso A Union des groupements de productrices de produits du karité des provinces de la Sissili et du Ziro (UGPPK-S/Z) está baseada em Léo, Burkina Faso. A Union de Léo reúne 2.884 mulheres distribuídas por 67 grupos de 39 aldeias e setores. No âmbito de uma parceria com a ONG canadense CECI, 1.800 produtoras receberam formação para melhorar a qualidade e a higiene da sua manteiga. Cerca de 40 facilitadoras locais e 596 trabalhadoras na cultura do karité receberam formação sobre técnicas de colheita e sobre a transformação e a preservação dos frutos. Em 2007, esta União produziu 102 toneladas de manteiga, que incluiu 95 toneladas exportadas para o Canadá e para França, por oposição a 5 toneladas em 2001. A sua atual capacidade de produção total está estimada em 250 toneladas/ ano, podendo chegar a 500 toneladas muito em breve. www.afriquekarite.com Pesquisa e criação de conhecimento A ESS é um laboratório para a inovação social, o que coloca muitos desafios, incluindo a necessidade de compreender melhor a ESS e como funciona. Para obter resposta a estas questões, as redes de pesquisadores em parceria com agentes de ESS desempenham um papel estratégico na criação de conhecimentos essenciais para o desenvolvimento da ESS. ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Figura 4.1.: Membros do Chantier de l’économie sociale Redes de empresas de ESS por setor Redes de desenvolvimento local Movimentos sociais Polos regionais de ESS Sindicatos Chantier de l économie social (Rede nacional de ESS do Québec) Governo do Québec FERRAMENTAS DE DESENVOLVIMENTO Fundo de empréstimo e assistência técnica Fundo de investimento de capital paciente Parcerias de pesquisa universidades/ comunidades Setor privado Sindicatos Governo Comitê de formação da força de trabalho Pesquisadores PARTNERS DOCUMENTO DE TRABALHO 69 ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Quadro 4.25: Pesquisa colaborativa no Canadá A Plataforma de Economia Social do Canadá, da Universidade de Victoria, na Colúmbia Britânica, Canadá, foi criada em 2005 com o apoio do Conselho de Investigação de Ciências Sociais e Humanidades. É uma parceria que reúne mais de 300 pesquisadores, centenas de profissionais e os seus parceiros comunitários. A plataforma atua como facilitador na promoção da colaboração entre seis centros de pesquisa regionais e na criação de oportunidades e intercâmbios com redes internacionais. Foram concretizados mais de 200 projetos, promovidas inúmeras publicações e organizadas numerosas conferências e eventos de formação, incluindo ações de ensino à distância. www.socialeconomyhub.ca Planejamento estratégico a nível local, regional e/ou nacional A ESS não se desenvolve de um dia para o outro; exige uma visão de longo prazo e um plano estratégico que viabilize uma colaboração de sucesso entre diferentes partes interessadas. O grande êxito de algumas redes de ESS na obtenção de apoios deve-se à sua capacidade, através de planos locais ou nacionais, de demonstrar a importância da ESS para o desenvolvimento socioeconômico da sua comunidade. 4.7 Elaboração de um plano de ação Um plano de ação para a ESS não pode ser desenhado por uma só pessoa ou organização nem pode ser um exercício teórico preparado por peritos externos. O processo de elaboração de um plano de ação é quase tão importante como o seu conteúdo. Para produzir resultados significativos, um plano de ação deve resultar de uma profunda mobilização da comunidade e socorrer-se de uma vasta multiplicidade de competências e recursos. Os passos seguintes que se propõem para a elaboração de um plano de ação são baseados em experiências de sucesso de redes de ESS: 70 DOCUMENTO DE TRABALHO Efetuar o levantamento da ESS: Embora o conceito de ESS possa ser novo, é possível que já existam OESS na área. Quem são? Existem estatísticas sobre o seu papel na economia? Que setores abrangem? Que impacto têm? Quais são os seus pontos fortes e os seus pontos fracos? 5) Analisar os desafios ao desenvolvimento: A ESS é uma forma de responder às necessidades da comunidade. Um plano de ação deve propor-se reforçar a capacidade das OESS de responder a essas necessidades. Quais são os principais desafios que se colocam ao desenvolvimento da comunidade? 6) Analisar o papel potencial da ESS na superação destes desafios: A ESS pode ser uma estratégia eficaz para dar resposta a um elevado número de desafios, mas não a todos. Em que áreas pode a ESS ser mais eficaz na resposta a desafios societários fundamentais? É possível consolidar e expandir organizações existentes de modo a poder assumir novos desafios? Que setores novos têm potencial de desenvolvimento? 7) Determinar os requisitos necessários para criar um ambiente favorável: As OESS precisam de ferramentas de desenvolvimento e de políticas públicas adaptadas às suas realidades específicas. De que ferramentas necessita a ESS para dar resposta aos desafios identificados? Que instrumentos já existem e onde estão as lacunas? A mobilização da comunidade, instrumentos financeiros, o acesso aos mercados, políticas públicas, redes, formação, pesquisa colaborativa e assistência técnica são algumas das possibilidades. 8) Identificar as partes interessadas fundamentais: Muitas pessoas ou organizações de uma área compartilham um compromisso comum para com o desenvolvimento da comunidade e podem contribuir, direta ou indiretamente, para o avanço da ESS. É importante estabelecer um diálogo com o maior número de partes interessadas e identificar os argumentos que as convencerão a participar, mesmo que modestamente. ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA 9) Desenvolver objetivos e prioridades de longo prazo: Este é o passo mais empolgante: visionar o futuro da comunidade com uma ESS florescente. Como vemos o seu papel na próxima década? Que setores se terão desenvolvido? Que resultados terá obtido? Quais são as prioridades nesta visão global? 10) Desenvolver objetivos e prioridades de curto prazo: O critério mais importante para estabelecer objetivos e prioridade de curto prazo é a sua capacidade de êxito. É melhor definir três a cinco objetivos prioritários e ser bem-sucedido! Os resultados positivos, por modestos que sejam, criam as condições para definir objetivos mais ambiciosos e uma lista maior de iniciativas. Ajudam a convencer os céticos e a atrair novos parceiros e financiadores. Importa não esquecer que, mesmo na ESS, o sucesso gera sucesso. 11) Coordenar e monitorizar o plano: Idealmente, todas as partes interessadas participantes devem coordenar e monitorizar a implementação de um plano local ou nacional. Em alguns países e comunidades, a sociedade civil e as autoridades públicas cooperam em todas as fases do processo. O organismo de coordenação deve ter autoridade moral para questionar as várias partes interessadas e as encorajar a cumprir os seus compromissos com a implementação do plano. Caso contrário, corre-se o risco de o plano não passar de um exercício teórico. 12) Avaliar os progressos: É possível quantificar o número de empresas e de organizações, de postos de trabalho, de produtos ou serviços vendidos ou prestados, os excedentes gerados e o número de beneficiários. A avaliação quantitativa deve dar resposta a perguntas que sejam importantes para melhorar as práticas, como a qualidade dos serviços ou produtos ou a eficácia das práticas de governança e de gestão no âmbito da ESS. A avaliação participativa da ESS, envolvendo gestores, beneficiários e financiadores, é o processo ideal. 4.8 Estruturas internacionais da ESS Existem estruturas internacionais da ESS há mais de um século. A Aliança Cooperativa Internacional foi fundada em 1895. Com o desenrolar dos anos, várias instituições foram adquirindo importância e participam ativamente no diálogo social a nível internacional e intercontinental. Estas estruturas, que representam centenas de milhões de membros, baseiam-se normalmente num estatuto legal comum. Algumas redes internacionais reúnem OESS do mesmo setor. Outras redes, embora constituídas principalmente por OESS, têm uma missão mais vasta relacionada com o seu setor. Ao longo da última década surgiram novas redes internacionais que dão voz a novas formas e agentes de ESS. Em regra, estas redes têm estruturas mais informais e acesso a menos recursos. Defendem uma visão inclusiva e ampla da ESS e reúnem agentes com um vasto conjunto de práticas. Lutam por conferir maior visibilidade a estas novas práticas e construir alianças com movimentos sociais de apoio à ESS emergente. Vários organismos internacionais começaram a dar apoio à ESS em resposta a um interesse renovado no seu contributo para o desenvolvimento. O Fórum sobre Inovação Social da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) participa ativamente no apoio a países da OCDE interessados no desenvolvimento de políticas públicas de apoio à ESS. A adoção pela OIT de um plano de ação para a ESS representa um importante passo em frente no reconhecimento do seu contributo potencial para o desenvolvimento sustentável. A unidade de formação do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) também começou a trabalhar sobre o tema da economia social e o desenvolvimento local. As redes institucionalizadas mais importantes são: A Aliança Cooperativa Internacional, fundada em 1895, promove a identidade cooperativa e procura criar condições favoráveis para DOCUMENTO DE TRABALHO 71 ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA o desenvolvimento cooperativo. Os seus 223 membros são cooperativas nacionais e internacionais que operam em todos os setores de atividade. Estão concentrados em particular na agricultura, seguros, banca, consumo, habitação, indústria, pesca, saúde e turismo. (www.ica.coop) O Conselho Mundial das Uniões de Crédito (WOCCU) é a principal estrutura para as instituições de economia social que operam no setor do microfinanciamento. Tem uma rede de mais de 54.000 cooperativas de poupança e crédito, com um total de 186 milhões de membros em 97 países. Dá apoio ao setor, em particular no domínio do monitoramento e avaliação. (www.woccu.org) A Federação Internacional de Cooperativas e Seguros Mutualistas (ICMIF) é a maior organização que representa as organizações cooperativas e mutualistas de seguros no mundo. Tem 212 membros em 73 países. (www. icmif.org) A Associação Internacional das Mutualidades (AIM), fundada na década de 1950, reúne 40 federações e associações de sociedades mutualistas autônomas de saúde e proteção social em 26 países. Os membros da AIM dão cobertura a mais de 170 milhões de pessoas no mundo. (www.aim-mutual.org) Algumas redes internacionais são organizadas por setor de atividade. Seguem-se alguns exemplos: A Associação Mundial de Rádios Comunitárias (AMARC) reúne uma rede de mais de 4.000 rádios comunitárias, federações e partes interessadas de meios de comunicação em mais de 115 países através da prestação de serviços aos membros, criação de redes e implementação de projetos. O principal impacto global da AMARC desde a sua criação em 1983 tem sido acompanhar e apoiar o estabelecimento de um setor de rádios comunitárias em todo o mundo que democratizou o setor dos meios de comunicação. (www.amarc.org) A Associação Internacional de Investidores na Economia Social (INAISE) é uma rede global de instituições financeiras social e ambientalmente orientadas. Criada em 1989, a INAISE reúne 72 DOCUMENTO DE TRABALHO investidores sociais de países europeus e não europeus com o objetivo de trocar experiências, disseminar informação e demonstrar que os investidores conseguem promover mudanças sociais e ambientais positivas. Os membros da INAISE usam a sua política de investimento para fomentar e promover o desenvolvimento de OESS. (www.inaise.org) A Aliança Financeira para o Comércio Sustentável (FAST) é uma associação mundial, sem fins lucrativos, liderada pelos seus membros, que representa mutuários e produtores empenhados em colocar produtos sustentáveis no mercado. A FAST reúne este grupo diversificado de partes interessadas para promover coletivamente o acesso de um número acrescido de produtores organizados em cooperativas de países em desenvolvimento a financiamento de qualidade ao comércio, talhado à medida das exigências colocadas pela sua entrada em mercados sustentáveis. (www.fastinternational.org) O Centro Internacional de Pesquisa e Informação sobre Economia Pública, Social e Cooperativa (CIRIEC) foi fundado em 1947 na Suíça. Os seus membros são pesquisadores e agentes da economia social que colaboram na produção de investigação, organizam atividades e elaboram publicações sobre economia social e economia pública. (www.ciriec.ulg.ac.be) O COPAC (Comitê para a Promoção e o Progresso das Cooperativas) é um comitê composto pelo movimento cooperativo, por organizações de agricultores, bem como pelas Nações Unidas e suas agências. Entre os seus membros contamse a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), a Aliança Cooperativa Internacional (ICA), a Federação Internacional dos Produtores Agrícolas (IFAP), a OIT e as Nações Unidas. Os membros cooperam na promoção e coordenação do desenvolvimento cooperativo sustentável mediante a chamada de atenção e sensibilização para as cooperativas. A cooperação técnica, as atividades de sensibilização, o diálogo político e o compartilhamento de conhecimento e ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA informação são as suas principais atividades. (www.copacgva.org) Novas redes globais estão a ser construídas para responder às necessidades e aspirações da ESS em emergência. Entre elas estão os seguintes exemplos: A Rede Intercontinental de Promoção da Economia Social Solidária (RIPESS) tem por missão global construir e criar a ESS. Iniciada como uma rede informal no Peru, em 1997, a RIPESS foi constituída oficialmente como preparação para o Encontro sobre a Globalização da Solidariedade, realizado em Dacar, em 2005, que reuniu agentes de ESS de mais de 60 países. A RIPESS apoia a criação de redes nacionais e continentais e promove a construção de ligações entre os inúmeros agentes e parceiros da ESS. Organiza eventos intercontinentais de cinco em cinco anos. A RIPESS está bem implantada na América Latina e na América do Norte e começou a ser estruturada na África, na Ásia e na Europa. (www.ripess.org) Nascida por iniciativa de cinco diretores executivos de grandes organizações de economia social francesas, os Encontros do Mont-Blanc reúnem líderes da economia social de diferentes países com o objetivo de desenvolver projetos internacionais e ajudar a construir uma economia social mais forte. Esta nova rede, criada em 2003, tem por finalidade responder aos desafios da globalização e demonstrar que é possível fazer negócios de forma diferente e promover uma economia que respeita os seres humanos e o ambiente. Organizam encontros temáticos de dois em dois anos mas o fórum também é uma plataforma permanente de agentes e projetos. (www.rencontres-montblanc.coop) dado contexto histórico e geográfico, mas é claro que as redes emergentes são federações mais horizontais que institucionalizadas, que desenvolveram estruturas verticais para ter em conta as suas diferentes dimensões, mandatos e tradições organizacionais. Diversas estruturas desempenham um papel central na obtenção de reconhecimento para a ESS através da defesa e promoção dos interesses imediatos ou de longo prazo dos seus membros. Em países onde existe um reconhecimento formal da ESS (ou de uma componente da ESS baseada no estatuto legal), estas redes têm um papel no diálogo social. Em certos casos, as redes ajudam a construir pontes com movimentos sociais, incluindo organizações laborais. Na última década, as redes que praticam a inclusão têm sido as mais bem-sucedidas no desenvolvimento de novas políticas públicas e na criação de ferramentas de desenvolvimento para a ESS em emergência. Por serem capazes de demonstrar melhor o alcance e a profundidade da ESS, as redes que reuniram uma vasta multiplicidade de OESS e de outras partes interessadas conseguiram encetar o diálogo social com o governo e com outros parceiros sociais. 4.9 Conclusões principais Por compartilharem valores, as OESS têm uma © LE MAT longa história de criação de redes, parcerias e federações mais formais. Por sua vez, estas estruturas apoiam os seus membros de diferentes formas. Os agentes de ESS escolhem as formas e os mandatos de cooperação mais apropriados num DOCUMENTO DE TRABALHO 73 ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Diferentes experiências nacionais revelam que a emergência de novas redes é frequentemente o resultado de falta de flexibilidade das estruturas de ESS existentes em tomar em consideração novas realidades e novas abordagens. As parcerias entre a ESS institucionalizada e a ESS emergente continuam a ser exceção mais que a regra. Uma construção da base para o topo é característica das redes e federações bem-sucedidas; as redes de sucesso estão radicadas nas comunidades e nas realidades territoriais. As redes mais fortes são as redes baseadas em estruturas locais e regionais. Tiram partido do apoio de um vasto conjunto de parceiros e o seu contributo para o desenvolvimento socioeconômico pode ser demonstrado claramente no terreno. O poder das redes também está relacionado com a sua capacidade de responder às necessidades prioritárias dos seus membros. A maioria das redes começa como grupos de defesa, mas 74 DOCUMENTO DE TRABALHO rapidamente criam os seus próprios serviços e/ou ferramentas de desenvolvimento para alcançar objetivos comuns. Por seu turno, estas iniciativas reforçam as redes e a capacidade de atuação, porque se tornam úteis ou mesmo indispensáveis para os seus membros. A governança transparente e participativa é uma característica das redes dinâmicas, em particular no caso de redes novas. A participação dos membros é a base para as atividades de redes emergentes e continua a ser essencial para que as redes consagradas consigam identificar prioridades e executar satisfatoriamente os mandatos de representação e de promoção. Todas as redes têm um papel no reforço da ES através da aprendizagem inter pares ou da aprendizagem com a experiência internacional. Aprender com outras experiências de ESS, a nível local, regional ou nacional, tem sido claramente um processo enriquecedor para os agentes de ESS em todo o mundo. ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Estudo de Caso 4.1: Criação de uma nova rede nacional de ESS na Bolívia Agentes principais OESS, organizações comunitárias, pequenos produtores, organizações de comércio justo, ONG A situação Em 2005, agentes de ESS bolivianos participaram no Encontro Intercontinental sobre a Globalização da Solidariedade, organizado pela RIPESS em Dacar, no Senegal, e em eventos de ESS regionais realizados em Cochabamba (2005) e Havana, Cuba (2007). Inspirada por estas experiências de aprendizagem, a Red Nacional de Comercialización Comunitaria (RENAC) iniciou um processo de criação de uma rede nacional de ESS. A preocupação do novo governo boliviano com a democratização econômica facilitou significativamente a criação desta rede. Fortalecida por este contexto favorável, a ideia de criar uma estrutura nacional de ESS e organizações de comércio justo na Bolívia surgiu num encontro nacional realizado em 2007. Em 2008, o Movimento Boliviano para a Economia Solidária e o Comércio Justo (Movimiento de Economia Solidaria y comercio justo de Bolivia, ou “MES y CJ”) foi oficialmente criado. O que foi feito Esta rede multissetorial liga 75 organizações e 5.000 associações comunitárias. Em conjunto, representam mais de 80.000 pequenos produtores. Organizações firmadas como, por exemplo, a União Nacional de Arte Popular, a Federação de Produtores de Café Bolivianos e o Conselho Nacional de Produtores de Quinoa, são membros da rede. Tem por missão promover, desenvolver e divulgar a economia solidária e as práticas de comércio justo. Procura promover um diálogo social sobre as políticas de ESS e de comércio justo. Tem por objetivo tornar-se uma referência nacional e internacional para a Bolívia. Solidariedade, transparência e respeito mútuo são os princípios e valores fundamentais deste movimento. Apesar dos seus recursos limitados, o MES y CJ realizou numerosas iniciativas. Organizou eventos para promover a conscientização e a sensibilização para a ESS, produziu ferramentas de comunicação e organizou reuniões para desenvolver a colaboração entre responsáveis governamentais e membros da rede. Inspirado pela Secretaria Nacional de Economia Solidária do Brasil, o MES y CJ propôs a criação de um Departamento Nacional de Economia Social junto do Ministério das Pequenas e Médias Empresas. Foi desenvolvido um plano estratégico para definir as ações principais e as prioridades da rede. O MES y CJ procura responder às muitas dificuldades que os pequenos produtores enfrentam para produzir e vender os seus produtos. Mais de 60% das empresas agrícolas são tão pequenas que não estão registradas oficialmente. DOCUMENTO DE TRABALHO 75 ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Estudo de Caso 4.1 (Contd.): Criação de uma nova rede nacional de ESS na Bolívia Por conseguinte, são marginalizadas e ignoradas pelas políticas públicas. Os membros do MES y CJ identificaram a ESS como uma oportunidade de ser abrangidos por uma política pública favorável e de definir um quadro legal que lhes dá acesso aos mercados de comércio justo. A rede assumiu a tarefa de criar um entendimento comum dos desafios e uma mensagem comum entre os seus membros e de defender esta perspectiva junto do governo. Apesar de os seus membros serem forçados a concentrar a sua energia em questões imediatas de sobrevivência, a rede tem desenvolvido com êxito atividades de formação e uma estratégia de acesso a novos mercados. Em colaboração com parceiros como o Centro de Estudos Internacionais e Cooperação (CECI), uma ONG canadense, e o Ministério da Produção e Microempresas da Bolívia, tem organizado formação, incluindo formação de formadores, cuja missão é ajudar as associações filiadas a melhor compreender os conceitos e princípios fundamentais da ESS. Um importante objetivo destas iniciativas é a capacitação interna de sensibilização e diálogo político. 76 DOCUMENTO DE TRABALHO ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Estudo de Caso 4.1 (contd.): Criação de uma nova rede nacional de ESS na Bolívia A criação de uma rede nacional também permitiu aos agentes de ESS na Bolívia participar em iniciativas de ESS regionais na América Latina e reforçar a capacidade de diálogo com o governo e com outras partes interessadas. Os seus membros lançaram novas iniciativas, incluindo a criação de uma marca comercial comum para exportar o seu produto – Sariwisa, que significa na língua indígena Aymara: “A nossa estrada, de onde vimos, quem somos e para onde vamos”. Esta marca comercial tem sido testada com sucesso em mercados canadenses para produtos feitos de lama e de alpaca. O que se pode aprender A construção de uma rede nacional na Bolívia é uma ilustração expressiva de como a colaboração entre OESS pode reforçar a sua capacidade coletiva para intervir no combate à pobreza e melhorar as condições de vida das pessoas. A nova rede enfrenta desafios importantes no seu propósito de reforçar a ESS na Bolívia. No entanto, a experiência boliviana mostra que é possível estruturar uma rede significativa num período de tempo relativamente curto quando o contexto é favorável. A eleição de um governo nacional defensor da ESS foi um fator importante na agilização do desenvolvimento da rede. O contato com outras redes nacionais na região foi outro fator favorável. © OIT / Crozet M. Endereço de correio eletrônico: [email protected] Shaw Trust é um dos três maiores fornecedores de emprego no setor terciário para pessoas com deficiência no Reino Unido. Proporciona oportunidades de emprego e de formação. DOCUMENTO DE TRABALHO 77 ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Estudo de caso 4.2: Reforço da silvicultura comunitária no Nepal Agentes principais Grupos de utilizadores de florestas comunitárias A situação A silvicultura comunitária é uma prática generalizada no Nepal. É uma atividade de sucesso porque foram adotadas medidas de inclusão, participação e devolução através de grupos de utilizadores comunitários. O capital social e humano gerado pela sinergia da ação, defesa dos direitos e recursos coletivos tem sido instrumental na eleição de representantes para dar voz nacional à ESS no setor da silvicultura. Os produtos florestais não madeireiros (PFNM), em especial as plantas medicinais, constituem um conjunto de recursos florestais capazes de melhorar as condições de vida das populações rurais. Muitas áreas do Nepal, em particular a região de montanhas de grande altitude e de colinas de média altitude, possuem PFNM valiosos. Alguns PFNM são comercialmente rentáveis, existindo uma cadeia de comercialização dos produtos estabelecida entre o coletor, o comerciante e o produtor. No entanto, os potenciais retornos da maior parte dos PFNM continuam por explorar, devido à falta de tecnologia de valor acrescentado ou de capital, a impostos ou direitos de exploração excessivos e a condições de comércio injusto impostas aos coletores locais. Esta situação mina os incentivos locais à proteção e à coleta sustentável dos recursos PFNM. O que foi feito As sementes para a criação de uma federação nacional foram lançadas em visitas de estudo e em eventos de criação de redes e de formação. Em 1991, alguns grupos de utilizadores de florestas comunitárias no Distrito de Dhankuta, no leste do Nepal, organizaram um evento para todos os grupos de utilizadores do seu distrito. Esta ideia foi posteriormente repetida em outros distritos e acabou por ser integrada em workshops de criação de redes a nível distrital para a preparação dos planos de trabalho anuais dos Gabinetes Florestais do Distrito. O primeiro seminário nacional foi realizado em 1993. O número crescente de workshops de criação de redes distritais contribuiu para impulsionar a criação da rede nacional em 1995. A Federação dos Utilizadores de Florestas Comunitárias do Nepal (FECOFUN) é uma federação nacional de utilizadores florestais que defende os direitos dos grupos de utilizadores de florestas comunitárias a nível local, nacional e regional. A FECOFUN tem cerca de 5 milhões de membros, incluindo agricultores rurais (homens e mulheres, jovens e idosos) de quase todos os 75 distritos do Nepal. Desde a sua criação em 1995, a FECOFUN tem sido instrumental como representante das preocupações dos grupos de utilizadores de florestas comunitárias em deliberações sobre formulação de políticas e o futuro das florestas e na melhoria das condições de vida dos seus membros através da criação de novas empresas comunitárias e cooperativas. A FECOFUN é uma organização autônoma, não partidária, socialmente inclusiva, sem fins lucrativos e a maior organização da sociedade civil do Nepal. 78 DOCUMENTO DE TRABALHO ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Estudo de caso 4.2(contd.): Reforço da silvicultura comunitária no Nepal A FECOFUN tem uma missão ambiciosa. Visa promover e proteger os direitos dos utilizadores de florestas comunitárias através do reforço de capacidades, empoderamento econômico, gestão de recursos sustentáveis, apoio técnico, atividades de sensibilização e de atuação como grupo de pressão, desenvolvimento de políticas e criação de redes nacionais e internacionais. Defende os valores da democracia inclusiva, do equilíbrio entre os gêneros e da justiça social. A FECOFUN está particularmente preocupada com o papel das mulheres na silvicultura comunitária e de grupos desfavorecidos, cujo potencial continua por realizar no Nepal. Tradições patriarcais, a hierarquia de castas, leis discriminatórias, a exclusão social de grupos étnicos e a pobreza combinam-se para tolher as vozes e limitar as opções. Os grupos de utilizadores são compostos por coletores mutuamente reconhecidos de produtos florestais, mas nem todos os utilizadores das florestas têm igual acesso a recursos privados ou o mesmo grau de dependência da floresta comunitária. Perante as divisões tradicionais, hierarquias e outras formas de exclusão prevalecentes na sociedade nepalesa, a FECOFUN considera essencial capacitar diferentes tipos de utilizadores, em particular as mulheres, os mais pobres, os sem terra, os membros de castas inferiores e os grupos étnicos, para participar nas deliberações e definir procedimentos para o acesso e distribuição equitativos dos recursos florestais. DOCUMENTO DE TRABALHO 79 ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Estudo de caso 4.3: Da criação de redes locais à solidariedade internacional: o caso do CGM, um consórcio de cooperativas sociais italianas Agentes principais Cooperativas sociais, o movimento cooperativo italiano A situação Em 1991 foi adotada uma nova lei italiana sobre cooperativas sociais que favoreceu o rápido desenvolvimento desta forma inovadora de cooperativas. Uma cooperativa social italiana é uma forma particularmente bem-sucedida de cooperativa com várias partes interessadas. Uma cooperativa social de “tipo A” reúne membros que são prestadores e beneficiários de um serviço social. Uma cooperativa de “tipo B” reúne trabalhadores permanentes e ex-desempregados que pretendem inserir-se no mercado laboral. Atualmente existem cerca de 9.000 cooperativas sociais com mais de 300.000 membros, 30.000 voluntários e 25.000 pessoas desfavorecidas em processo de inserção. As cooperativas sociais estão limitadas a oferecer serviços ou emprego numa única localidade, pelo que são de dimensão muito reduzida, possuindo, de acordo com estudos realizados, uma força de trabalho típica de 33 trabalhadores por cooperativa. Estas restrições criaram certos obstáculos à expansão e à obtenção de acesso a serviços empresariais e apoios. A solução para este problema foi a criação de consórcios geográficos que ligam todas as cooperativas sociais de uma localidade ou região. Estas cooperativas sociais são quase sempre membros de uma das quatro federações de cooperativas italianas existentes. Os consórcios diferem de outras redes porque se baseiam num acordo conjunto entre os membros com compromissos de cooperação firmes. O que foi feito O consórcio nacional CGM (Consorzio Gino Mattarelli) foi criado em 1987 e é hoje o maior consórcio italiano de cooperativas sociais. O CGM promove e apoia ativamente o desenvolvimento das cooperativas sociais. Oferece apoio ao desenvolvimento de competências através da transferência das melhores práticas e da partilha de informação. Realiza pesquisa para estudar e melhorar o funcionamento e o desenvolvimento das cooperativas sociais. O CGM e os seus membros regionais são particularmente ativos na abertura de novos mercados em resultado de negociações com autoridades públicas e empresas privadas interessadas na aquisição de bens e serviços fornecidos pelas cooperativas sociais. Com os anos, o CGM reuniu 75 consórcios territoriais e criou seis subsidiárias especializadas. Em 1998, o CGM criou o Consórcio Financeiro CGM. As suas atividades incluem financiamento direto aos membros através de parcerias celebradas com membros, instituições financeiras e mutuários sem fins lucrativos. O Consórcio Financeiro CGM, enquanto organização nacional, pode apoiar membros de regiões em que as taxas de juro se mantêm muito elevadas e o acesso ao crédito é mais difícil. O consórcio solidário comunitário CGM reúne membros que prestam serviços a idosos, pessoas com deficiência e pessoas com problemas de saúde mental. Outras sub-redes estão organizadas em torno de iniciativas ambientais e de artes e ofícios. O CGM, em parceria com o Consórcio CTM Altromercato para o Comércio Justo e com a Federação dos Organismos Cristãos e do Serviço Internacional de Voluntariado (FOCSIV), criou a SolidaRete, uma fundação de solidariedade internacional. Com base na sua convicção na necessidade de criar um movimento mundial de ESS, esta fundação apoia ativamente o desenvolvimento da empresa social fora da Europa. 80 DOCUMENTO DE TRABALHO ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Capítulo 5: Contribuição da ESS para a Agenda de Trabalho Decente da OIT 5.1 Introdução A ESS, graças aos seus objetivos sociais e econômicos combinados e aos seus princípios de funcionamento, está bem posicionada para dar a sua contribuição às políticas e desafios do desenvolvimento (p. ex., estratégias de redução da pobreza e objetivos de desenvolvimento do milênio), mediante o cumprimento de diferentes funções essenciais, incluindo a ajuda a populações vulneráveis, a prestação de serviços, a representação de vários grupos e a atuação como grupo de pressão. Este capítulo descreve como as OESS contribuem ou poderiam reforçar a sua contribuição para a implementação de um quadro internacional específico, a Agenda de Trabalho Decente da OIT. A OIT considera que a Agenda de Trabalho Decente oferece uma base para um quadro de desenvolvimento global mais justo e estável. Através de uma análise sistemática dos quatro pilares da Agenda de Trabalho Decente procuraremos demonstrar que existe, de fato, uma congruência clara entre os objetivos perseguidos pelas OESS e os objetivos da Agenda de Trabalho DecenteEste capítulo descreve como as OESS contribuem ou poderiam reforçar a sua contribuição para a implementação de um quadro internacional específico, a Agenda de Trabalho Decente da OIT. A OIT considera que a Agenda de Trabalho Decente oferece uma base para um quadro de desenvolvimento global mais justo e estável. Através de uma análise sistemática dos quatro pilares da Agenda de Trabalho Decente procuraremos demonstrar que existe, de fato, uma congruência clara entre os objetivos perseguidos pelas OESS e os objetivos da Agenda de Trabalho Decente. Quadro 5.1: O que é o trabalho decente? O conceito de trabalho decente resume as aspirações do ser humano no domínio profissional, as suas aspirações relativamente a oportunidades e remuneração; direitos, voz e reconhecimento; estabilidade familiar e desenvolvimento pessoal; justiça e igualdade de gênero. Em última análise, estas várias dimensões do trabalho decente reforçam a paz nas comunidades e na sociedade. O trabalho decente reflete as preocupações de governos, trabalhadores e empregadores que, em conjunto, conferem à OIT a sua identidade tripartite única. O trabalho decente contempla quatro objetivos estratégicos inseparáveis e interligados que se reforçam mutuamente: princípios e direitos fundamentais no trabalho e normas internacionais do trabalho; oportunidades laborais e salariais; proteção social e seguridade social; e diálogo social e tripartismo. Estes objetivos são válidos para todos os trabalhadores, homens e mulheres, em ambas as economias formal e informal; no emprego assalariado ou trabalhando por conta própria; nos campos, fábricas e escritórios; em sua casa ou na comunidade. A OIT considera que o trabalho decente desempenha um papel fundamental nos esforços de redução da pobreza e constitui um meio de alcançar um desenvolvimento equitativo, inclusivo e sustentável. (...) A OIT desenvolve uma agenda para a comunidade do trabalho, representada pelos seus constituintes tripartites, com o objetivo de mobilizar os seus recursos consideráveis para criar essas oportunidades e para ajudar a reduzir e a erradicar a pobreza. www.ilo.org/global/About_the_ILO/Mainpillars/ WhatisDecentWork/lang—en/index.htm DOCUMENTO DE TRABALHO 81 ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Definir, promover e garantir as normas do trabalho e os direitos no trabalho é um dos quatro pilares da Agenda de Trabalho Decente. A OIT adotou mais de 180 Convenções e 200 recomendações cobrindo todos os aspetos do mundo do trabalho. Em 1998, a Conferência Internacional do Trabalho (CIT) adotou uma Declaração sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, que define um conjunto de normas do trabalho fundamentais (liberdade de associação e abolição do trabalho forçado, discriminação e trabalho infantil) considerados direitos humanos básicos e um pilar fundamental do trabalho decente. Em âmbito mais global, a Declaração sobre Justiça Social para uma Globalização Equitativa da OIT, de junho de 2008, declara que o compromisso da OIT para com o progresso da ESS é fundamentado na convicção de que, num mundo globalizado, “as empresas produtivas, rentáveis e sustentáveis, em conjunto com uma economia social forte e com um setor público viável, são essenciais para o desenvolvimento econômico sustentável e para a criação de oportunidades de emprego”. As OESS, através dos seus valores sociais e operações participativas podem desempenhar, de fato, um papel na promoção das normas do trabalho e na realização dos direitos laborais. Nos países do Sul, isto é particularmente válido para os trabalhadores informais, que constituem a maior parte do mercado laboral. Ao organizar e fornecer serviços a trabalhadores da economia informal, as OESS, frequentemente em colaboração com organizações de empregadores e de trabalhadores, contrariam a falta de respeito pelos direitos laborais dos trabalhadores informais e a adoção de medidas inapropriadas e resolvem alguns dos problemas cotidianos individuais e coletivos dos trabalhadores. A promoção das OESS pela OIT oferece ainda a oportunidade de reforçar a aplicação e o peso das normas laborais no seio da economia informal. 82 DOCUMENTO DE TRABALHO 5.2.1 O papel das cooperativas As cooperativas oferecem múltiplas vantagens para enfrentar os graves desafios encontrados pelo setor informal, como a concorrência feroz entre os trabalhadores, más condições de trabalho, salários baixos e tempo insuficiente para participar em organizações coletivas. As estruturas cooperativas podem juntar as preocupações econômicas e comerciais dos trabalhadores do setor informal, reforçar a sua ação e apoiar as suas exigências comuns junto de outros agentes econômicos e das autoridades. Em 2010, um inquérito geral da OIT sobre as contribuições dos seus países membros confirmou que a promoção das cooperativas no seio da OIT está em linha com a Declaração sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, de 1998, e outras Convenções. O inquérito provou claramente que a promoção do papel das cooperativas com o intuito de alcançar a inclusão social de todos os seus membros, incluindo das pessoas desfavorecidas, contribui para os objetivos da Convenção N.º 122 relativa à Política de Emprego.1 Os trabalhadores migrantes são um grupo particularmente vulnerável, uma vez que são frequentemente obrigados a aceitar empregos com condições laborais muito deficientes e/ou na economia informal, em especial em épocas de crise quando os sistemas econômicos vivem períodos de turbulência. © LE MAT. 5.2 Promoção e realização das normas do trabalho e dos direitos no trabalho ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Quadro 5.2: O Sindicato Nacional de Motoristas de Moto-Táxis no Benin Criado em 1995, no Benin, o Sindicato Nacional de Motoristas de Moto-Táxis (Union Nationale des Conducteurs de Taxi-Moto ou UNACOTAMO) é uma organização independente filiada na Confederação de Sindicatos do Benim (CGTB), que também ajudou a fundar esta organização. O UNACOTAMO procura abordar os problemas laborais fundamentais enfrentados pelos seus membros motoristas, incluindo más condições de trabalho (doenças profissionais), falta de formação e inexistência de relações laborais entre os motoristas e os seus alegados “empregadores” (os donos das motos). O UNACOTAMO enfrenta estes problemas com iniciativas sociais e solidárias (p. ex., organizações mutualistas de saúde) e atuando como grupo de pressão junto das autoridades públicas e dos “empregadores” com vista a melhorar os direitos laborais dos motoristas. Fonte: Social Alert, 2005 A coordenação entre os constituintes da OIT e as organizações de migrantes pode ser reforçada para garantir o cumprimento das Convenções N.ºs 111 sobre Discriminação (Emprego e Trabalho) e 97 sobre os Trabalhadores Migrantes. Quadro 5.3: Uma cooperativa de trabalhadores migrantes na Indonésia Na Cidade de Malang, na Indonésia, (uma das principais áreas de trabalhadores migrantes do país), um grupo de trabalhadores migrantes regressados ao país decidiu em 2005 criar a cooperativa Koperasi TKI Purna Citra Bumi Mandiri Esta cooperativa oferece produtos financeiros e serviços à medida das necessidades de pessoas que não têm acesso a instituições bancárias. Em 2009, esta cooperativa fornecia uma vasta gama de produtos, desde produtos alimentares e agrícolas a fertilizantes e microcrédito. Com um total de 29 membros, abrangendo 100 famílias migrantes, a cooperativa dispõe atualmente de ativos no total de 13.000 USD. O número de membros continua a crescer à medida que beneficiam da aplicação produtiva de remessas, crédito para saúde e educação e atividades geradoras de renda. A cooperativa está registrada formalmente no Gabinete Cooperativo do Distrito de Malang. http://www.ilo.org/global/about-the-ilo/newsroom/ features/WCMS_110094/lang--en/index.htm 5.2.2 Eliminação do trabalho infantil A eliminação do trabalho infantil é outra área em que as OESS podem dar uma importante contribuição. O Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil da OIT coopera há anos com OESS cujas atividades estão em linha com a abordagem multidimensional necessária para erradicar o trabalho infantil. DOCUMENTO DE TRABALHO 83 ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Quadro 5.4: O papel das cooperativas na abolição efetiva do trabalho infantil Quadro 5.4 (cont.): O papel das cooperativas na abolição efetiva do trabalho infantil As cooperativas desempenham um papel importante na eliminação do trabalho infantil, pelo que a sua capacidade deveria ser reforçada para garantir que possam apoiar os seus membros e comunidades a adotarem processos de produção sem recurso ao trabalho infantil. As cooperativas têm-se distinguido em todo o mundo por um conjunto de iniciativas destinadas a eliminar o trabalho infantil. Seguem-se alguns exemplos destas iniciativas: Em particular, as cooperativas podem ajudar os seus membros a eliminar o trabalho infantil mediante ações de sensibilização, de prestação de informação e de fornecimento de serviços técnicos e financeiros. As cooperativas, através da participação democrática dos seus membros, podem reforçar os processos de diálogo social, dando voz aos pequenos agricultores em decisões que afetam a governança das cadeias de abastecimento e políticas mais abrangentes. Com o apoio das cooperativas, as cadeias de abastecimento podem adotar normas voluntárias e assegurar processos de produção sem recurso ao trabalho infantil. Além de influenciar e apoiar os seus membros, o movimento cooperativo pode advogar a eliminação do trabalho infantil a nível regional, nacional e internacional, incluindo através da atuação como grupo de pressão em favor da ratificação e aplicação das Convenções da OIT relevantes (p. ex., Convenção N.º 138 sobre a Idade Mínima e a Convenção N.º 182 sobre as Piores Formas de Trabalho Infantil). A OIT produziu materiais de formação para habilitar as cooperativas a eliminar o trabalho infantil (p. ex., o “Pacote de recursos de formação para cooperativas agrícolas sobre a eliminação de trabalho infantil perigoso” (2009)). 84 DOCUMENTO DE TRABALHO melhorar as condições de vida dos seus membros e das pessoas nas comunidades que servem para prevenir o recurso ao trabalho infantil (p. ex., cooperativas de comercialização de café na Costa Rica e na Nicarágua, cooperativa de comercialização de cacau no Belize); ajudar as comunidades em que estão situadas a erradicar todas as formas de trabalho infantil, em colaboração com o setor privado, e através de cadeias de abastecimento (p. ex., cacau de comércio justo na Bolívia, Farmapine Ghana Limited no Gana, MIGROS na Suíça e projetos de escolas na Índia, uma cooperativa de artes e ofícios no Quênia, uma cooperativa de tecelagem de tapetes no Paquistão, cooperativas de costura na Índia); garantir que as cadeias de abastecimento dos seus produtos não usam trabalho infantil (p. ex., a Mountain Equipment Cooperative no Canadá, o Cooperative Group no Reino Unido, a Coop Italia em Itália, a Coop Norden na Dinamarca, a Toys Made Without Child Labour no Sri Lanka). Dados retirados do relatório “Cooperating Out of Child Labour: Harnessing the untapped potential of cooperatives and the cooperative movement to eliminate child labour” (OIT, 2009), elaborado no âmbito do Programa Cooperativo da OIT, em colaboração com o Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil (IPEC) da OIT e com a Aliança Cooperativa Internacional (ICA). ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA 5.3 Garantir emprego decente e renda O segundo pilar da Agenda de Trabalho Decente defende a criação de maiores oportunidades para as mulheres e os homens para garantir emprego decente e renda. De acordo com a OIT, nunca houve uma necessidade tão grande de colocar o emprego no centro das políticas econômicas e sociais. No que diz respeito ao emprego, o relatório de 2009 do Diretor-Geral da OIT assinala que os países em desenvolvimento foram particularmente atingidos pela perda de emprego em indústrias do setor formal, sobretudo direcionadas para a exportação. Esta perda de postos de trabalho tenderá a aumentar ainda mais as fileiras de trabalhadores informais, incluindo na agricultura, o que irá aumentar a concorrência entre as profissões de baixa renda (OIT, 2009, p. 8). Quadro 5.5: Um novo modelo econômico em Lima, Peru No Programa para a Eliminação do Trabalho Infantil no Setor dos Tijolos em Huachipa, perto de Lima (Peru), o Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil (IPEC) da OIT está a cooperar com a ONG AIDECA, que tem experiência no domínio do desenvolvimento centrado em temas sociais e tecnológicos e na cimentação de alianças públicoprivadas, com vista a oferecer um novo modelo econômico para as famílias que produzem tijolos. A AIDECA desenvolveu um plano para um novo tipo de forno e um sistema de produção que combina eficiência com facilidade de funcionamento, baixos custos de manutenção e baixo consumo de energia. Foi constituída uma nova ONG comunitária, gerida pelos beneficiários, para a governança e a gestão comunitárias de uma fábrica de tijolos para o desenvolvimento social, destinada a famílias que não deixem os seus filhos menores trabalhar. 50% dos lucros são reinvestidos e os outros 50% são destinados para projetos sociais e educacionais. A AIDECA elaborou programas sobre governança e tomada de decisões para aumentar a capacidade de gestão da fábrica de tijolos pelos beneficiários. http://www.ilo.org/ipec/Partners/NGOs/lang--en/ index.htm A OIT estima que aproximadamente 73% dos trabalhadores da África subsaariana trabalhem em empregos precários. A crise econômica e financeira representa uma séria ameaça ao investimento em infraestruturas e bens de produção, que são vitais para a continuação do desenvolvimento da região. Além do mais, o prejuízo suscetível de ser causado pelo protecionismo global e a queda de investimento direto estrangeiro em resultado da crise não devem ser subestimados (OIT, 2009b). Em Gana, por exemplo, o número de postos de trabalho gerados pelo investimento estrangeiro sofreu uma diminuição de 126% entre 2007 e 2008 (Willem te Velde, 2009). Em áreas rurais existe uma grave escassez de trabalho decente (OIT, 2008), um mercado de trabalho rural deficiente, um baixo nível de organização/representação dos trabalhadores rurais, subemprego e baixa renda. A feminização das atividades agrícolas, que resultou da migração dos homens em busca de atividades que gerem melhores rendimentos, está a aumentar. O relatório Tendências Globais do Emprego, de 2010, da OIT confirma que, apesar de alguns sinais de recuperação, os níveis elevados de desemprego vão persistir em 2010 em todas as partes do mundo, refletindo a incerteza que perdura no mercado laboral, a deterioração das condições de trabalho e da qualidade do emprego, o aumento do trabalho a tempo parcial e a existência de mercados laborais desalentadores que se traduzirão por uma menor participação dos trabalhadores (OIT, 2010, p. 42). Como as OESS perseguem objetivos econômicos e sociais, desempenham um papel importante na criação e garantia de emprego decente e de renda. As cooperativas têm sido tradicionalmente empregadores importantes no domínio da ESS em vários países do Norte e do Sul. Segundo a Aliança Cooperativa Internacional (Chavez, 2008): As cooperativas são o maior empregador privado na Suíça e o segundo maior empregador na Índia; na Índia, só as cooperativas de laticínios geram cerca de 13 milhões de empregos para famílias de agricultores, enquanto em França e na Itália são responsáveis por mais de um milhão de postos de trabalho, só para citar alguns fatos conhecidos. A nível estadual, provincial e local também são importantes, como, por exemplo, DOCUMENTO DE TRABALHO 85 ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA no Québec (Canadá), onde uma cooperativa financeira, o Grupo Desjardins, é o principal empregador, ou no Estado do Wisconsin, Estados Unidos, onde 71% dos postos de trabalho estão no setor cooperativo. As oportunidades de criação de emprego e de geração de renda dependem muito do acesso aos recursos necessários. Os serviços de microfinanciamento social, prestados por muitas OESS (p. ex., grupos de autoajuda, uniões de crédito, associações de serviços financeiros, cooperativas de poupança e crédito e associações de poupança e crédito rotativo) permitem às pessoas com acesso limitado a serviços financeiros clássicos poupar, garantir e contrair empréstimos em condições acessíveis junto de instituições que controlam total ou parcialmente. Este mecanismo foi reconhecido na resolução da OIT de 2002 sobre o setor informal, que apresenta o microfinanciamento como uma ponte que ajuda os operadores informais a inserir-se na economia mainstream. As instituições de microfinanciamento social e solidário contribuem para o trabalho decente através da criação de condições para trabalho assalariado e trabalho autônomo, da redução da vulnerabilidade (reduzindo, p. ex., as estratégias de adaptação irreversíveis) e da capacitação de pessoas vulneráveis mediante processos de decisão participativos. O trabalho decente também depende dos mercados existentes e potenciais. Esta é outra área em que a ESS pode ter um papel importante. O setor do comércio justo, em particular, tem sido um meio de proporcionar não só mercados domésticos mas também mercados estrangeiros, e de criar empregos que cumprem as condições de trabalho decente. A ESS pode criar novos mercados em múltiplas áreas. As OESS criam um elevado número de “empregos verdes”, que procuram atenuar e prevenir as inúmeras ameaças ambientais que pendem sobre o planeta. Deveriam ser apoiadas nesta missão, porque oferecem um meio de compensar perdas de emprego além de criar valor agregado através destas atividades a longo prazo. Quadro 5.6: Organizações locais criam empregos em Gana e Nepal Kuapa Kokoo em Gana é um símbolo de sucesso e de esperança. Esta empresa coletiva, que foi criada em 1993, possui atualmente quase 40.000 membros em 1.650 sociedades aldeãs e emprega mais de 250 pessoas. É uma cooperativa de produtores, uma empresa de comercialização de cacau (o cacau é produzido pelos membros da cooperativa) e um fundo fiduciário que gere os excedentes das vendas nos canais do mercado livre. Esta empresa coletiva tem a característica muito especial de ter sido lançada durante a liberalização dos mercados do cacau no Gana, um processo que os fundadores identificaram como uma oportunidade de criar uma empresa rentável (Wanyama, 2008). Em uma outra parte do mundo, no Nepal, Mahaguthi (Artes e Ofícios com Consciência) é uma organização de comércio justo que produz, comercializa e exporta produtos artesanais nepaleses. Mahaguthi fornece os mercados doméstico e internacionais e tem três lojas baseadas no Vale de Kathmandu. © OIT / Crozet M. Esta organização reúne mais de 1.000 produtores individuais, 50% dos quais vivem em áreas remotas e montanhosas. Muitos destes produtores são mulheres que têm a oportunidade de usar as suas competências tradicionais em casa, o que lhes permite obter um rendimento extra. Um trabalhador num negócio varejista que beneficiou dos serviços da Shaw Trust. A Shaw Trust é o terceiro maior fornecedor de emprego no setor terciário para pessoas com deficiência e pessoas desfavorecidas, em Londres, Reino Unido. 86 DOCUMENTO DE TRABALHO www.mahaguthi.org ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA © OIT / Crozet M. O setor informal continua a ser um enorme desafio para a Agenda de Trabalho Decente. Segundo o relatório de 2002 da CIT (OIT, 2002, p. 4), a forma mais significativa de ver a situação das pessoas que se encontram na economia informal é em termos dos déficits de trabalho decente: os empregos de má qualidade, improdutivos e não remunerados que não são reconhecidos ou protegidos pela lei, a ausência de direitos laborais, uma proteção social inadequada, e a ausência de representação e de voz são mais pronunciados na economia informal, em especial na base da pirâmide e entre as mulheres e os jovens. Considerando os princípios organizacionais específicos de algumas unidades da economia informal (ver capítulo 1), é possível apoiar a formalização de algumas unidades como organizações sociais e solidárias. Quadro 5.7: Associação de trabalhadoras independentes na Índia Na Índia, a Associação de Trabalhadoras Autônomas (SEWA) é um sindicato registrado desde 1972. É uma organização de mulheres pobres independentes que ganham a vida como trabalhadoras autônomas ou organizadas em pequenas empresas. Entre muitos outros serviços, a SEWA organizou 84 cooperativas (cooperativas de laticínios, cooperativas de artesãs, cooperativas de serviços e cooperativas de trabalho, cooperativas agrícolas, cooperativas de comércio e venda), que reúnem 11.610 membros. As mulheres fornecem o capital social e as cooperativas dão-lhes trabalho. Uma mulher pode ser membro de uma ou mais cooperativas. As cooperativas são geridas por uma comissão executiva de trabalhadoras eleitas democraticamente. A maior cooperativa é o Banco SEWA, com 125.000 membros. www.sewa.org A educação e a formação são fatores fundamentais dos objetivos da Agenda de Trabalho Decente. As OESS, como por exemplo as cooperativas, podem desempenhar um papel específico, não só na aplicação do princípio cooperativo da educação/formação e informação, mas também no desenvolvimento de abordagens inovadoras Reparações num edifício de uma rua central de Moscou (sem medidas de segurança adequadas). no terreno. O desenvolvimento da ESS pode ser promovido entre futuros líderes e empresários. Os colégios cooperativos do Reino Unido e de vários países africanos de língua inglesa (p. ex., Etiópia, Quênia e Tanzânia) e estruturas como a Universidade Africana para o Desenvolvimento Cooperativo (AUCD) (antigo Institut Supérieur Panafricain d’Economie Coopérative (ISPEC) em Cotonou) têm cursos de formação ligados às cooperativas e um número crescente de cursos mais generalistas orientados para a economia geral. Numa perspectiva mais ampla, várias OESS oferecem atividades de formação profissional que visam dar aos trabalhadores mais oportunidades de encontrar emprego. As OESS dão particular atenção aos grupos vulneráveis (p. ex., mulheres, soropositivos, trabalhadores migrantes, pessoas com deficiência) que enfrentam barreiras no acesso ao mercado de trabalho. Por exemplo, empresas sociais podem desenvolver serviços para satisfazer as necessidades de grupos vulneráveis ou podem contratar pessoas, numa base temporária ou permanente, que tenham maior dificuldade em acessar o mercado de trabalho. Deste modo, DOCUMENTO DE TRABALHO 87 ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA as empresas sociais desempenham um papel importante na inserção laboral. O desenvolvimento local e a ESS são encarados como ferramentas complementares que lutam pela democracia, o estabelecimento de parcerias e a capacitação (Schwettman, 2006). Tal como a ESS, o desenvolvimento econômico local oferece oportunidades de aplicar abordagens inovadoras para enfrentar a crise de emprego. O desenvolvimento econômico local centra-se nas vantagens competitivas locais. Fornece meios de identificar novas oportunidades de criação de postos de trabalho e de geração de renda e ajuda a melhorar a qualidade do emprego em geral, através da participação de partes interessadas locais, e da implantação de uma atividade econômica num determinado local. O desenvolvimento econômico local caracterizase pelo recurso a processos participativos em que atores públicos e privados são convidados a intervir. Os efeitos deste diálogo social são quantificados não só em termos de novas parcerias econômicas, mas também em termos de coesão social e de transparência institucional. Quadro 5.8: A Fundação Júpiter cria empregos na Finlândia Na Finlândia, a Fundação Jupiter (um centro de orientação profissional) foi criada em 2001 por empresas da economia social, organizações sem fins lucrativos, autoridades públicas, a empresa de gestão de resíduos regional e uma paróquia, com o objetivo de reunir diferentes experiências, conhecimentos, competências e outros recursos e desenvolver os melhores serviços de emprego e inclusão para partes desfavorecidas da população. O objetivo da “inclusão na sociedade e no mercado de trabalho” foi combinado com princípios de desenvolvimento ambientalmente sustentável. A reciclagem tornou-se o principal negócio da fundação. 88 DOCUMENTO DE TRABALHO A missão da Fundação Jupiter é apoiar os jovens, os desempregados de longa duração, os imigrantes, as pessoas com necessidade de reabilitação física ou mental antes de entrar no mercado de trabalho e outros que necessitem de ajuda para encontrar emprego, formação ou reabilitação. Os departamentos de trabalho incluem: o EKOCENTER (desmantelamento e reparação de eletrodomésticos e equipamentos de escritório, reciclagem de materiais de construção, gestão do ponto de recolha de resíduos problemáticos da cidade, lavagem de camiões e de outros veículos); artes e ofícios (p. ex., estofos de mobiliário, reciclagem de vestuário, fabricação de produtos têxteis da marca Jupiter e impressão sobre tecido); carpintaria e construção (restauro de mobiliário de madeira, fabricação de novos produtos de madeira, construção em pequena escala e renovação de habitações); gestão da Boutique de Reciclagem Jupiter e do Café Jupiter (140 almoços e produtos de café para pessoal da Jupiter e clientes externos); e serviços de limpeza. http://www.revesnetwork.eu/public/Local_Partn ership_and_Recycling.pdf 5.4 Reforço e ampliação da proteção social A crise financeira de 1997 salientou a importância da proteção social em vários países asiáticos em que os mecanismos de proteção social tinham sido gravemente negligenciados. Reconheceu-se que, se esses mecanismos tivessem existido antes dessa crise, a recessão econômica não teria tido um impacto tão severo nas suas populações (Norton et al., 2001). Consequentemente, tem sido dada maior atenção à proteção social nos últimos anos. O que aconteceria a cerca de 80% da população mundial que não tem acesso a prestações de seguridade social adequadas? E o que aconteceria às pessoas que apenas têm uma cobertura social mínima e em que as prestações se limitam a riscos profissionais, maternidade e pensão? © OIT / Crozet M. ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Criança vende fruta nas ruas de Adis Abeba, Etiópia. A OIT sublinha que a austeridade imposta em muitos países pode afetar a qualidade e a disponibilidade dos serviços públicos e que as mulheres e as jovens em particular estão em risco de sofrer as consequências em termos de benefícios sociais. As perdas de renda sofridas pelas mulheres terão efeitos mais negativos no longo prazo que as perdas de renda dos homens. As medidas de combate à pandemia do HIV/AIDS também poderão ser afetadas pela redução de esforços da comunidade internacional (em particular do financiamento de tratamentos contra a AIDS), favorecendo o avanço da doença, que tem estado a regredir nos últimos anos (Banco Mundial, 2009). A participação da ESS na proteção social é facilmente compreensível, porque não raro as OESS são organizações compostas de membros e as suas atividades centram-se frequentemente nas pessoas que não têm acesso aos produtos e serviços gerados pela economia ortodoxa. Enquanto organizações compostas por membros, estão frequentemente bem posicionadas para detectar o surgimento de problemas econômicos e sociais, de grupos de risco e de novas necessidades. A maioria das OESS que participam em programas de proteção social: gere mecanismos de seguros, como microplanos de seguros de saúde; facilita o acesso dos seus membros a mecanismos de seguros, como as cooperativas (p. ex., as cooperativas de saúde), as mutualidades (p. ex., seguro de saúde mutualista), as associações (p. ex., os sindicatos) e as instituições de microfinanciamento. Em muitos países do Norte, as OESS são importantes fornecedoras de planos de seguros de saúde. As mutualidades fornecem planos de seguros competitivos (em comparação com o setor privado) e outros serviços adicionais, como serviços de representação de pacientes e serviços de prevenção, educação sanitária, informação e aconselhamento para os membros (AIM, 2008). Estes serviços adicionais não só capacitam os pacientes, permitindo-lhes tomar melhores decisões, como também reduzem os custos individuais e agrupados da saúde. Nos países em desenvolvimento, encontrar formas de fornecer cobertura relevante e eficaz aos trabalhadores informais e às suas famílias é uma prioridade.55 A OIT considera que uma estratégia 55 A fair globalization – The role of the ILO, Report of the Director-General on the World Commission on the Social Dimension of Globalization (92.ª Sessão, 2004). DOCUMENTO DE TRABALHO 89 ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA de alargamento da cobertura de seguridade social deve basear-se em dois tipos diferentes de direitos individuais: um direito que resulta do pagamento de contribuições ou impostos; e 2) direitos que incluem um “limiar” ou uma seguridade social básica universal. Esse limiar pode ser gradualmente consolidado à medida que o desenvolvimento econômico avança e/ou surgem novas necessidades. Em colaboração com a Organização Mundial da Saúde e com outras organizações das Nações Unidas, a OIT lidera o desenvolvimento do conceito de um piso de proteção social destinado a proteger as pessoas durante e após uma crise. Um piso de proteção social poderia ser composto por dois elementos principais que ajudem a realizar os direitos humanos: Serviços essenciais: garantir a disponibilidade e continuidade e o acesso a serviços públicos (p. ex., água e saneamento, saúde, educação e apoio ao trabalho social centrado na família); Transferências sociais: um conjunto básico de transferências sociais essenciais, em numerário e em espécie, pagas para ajudar os pobres e as pessoas vulneráveis; melhoraria a segurança alimentar e a nutrição e forneceria uma segurança de renda mínima, bem como o acesso a serviços essenciais, incluindo a educação e os cuidados de saúde. As OESS em países em desenvolvimento há mais de 20 anos que fornecem, por exemplo, planos de seguro de saúde comunitários, em particular a trabalhadores rurais e informais não abrangidos por sistemas de seguridade social nacionais. Em alguns países, estas iniciativas de seguro de saúde têm sido integradas nos regimes de seguros de saúde nacionais. Outros grupos socioeconômicos (p. ex., os professores) também criaram mutualidades de saúde para beneficiar de programas de seguro de saúde complementares. Estes tipos de organizações prevalecem em especial na África Central e na África Ocidental. Um número crescente destas iniciativas é organizado em redes e federações para poder representar melhor o seu movimento e oferecer serviços de apoio administrativos e financeiros. 90 DOCUMENTO DE TRABALHO Quadro 5.9: Elaboração de projeto legislativo sobre organizações mutualistas sociais Os países membros da União Econômica e Monetária do Oeste Africano (UEMOA) agarraram a oportunidade de futuro dada pela ESS. Em 2004, a UEMOA lançou um projeto em grande escala, em conjunto com a OIT e com a Agência Francesa de Cooperação Internacional, de elaboração de um projeto de legislação sobre “organizações mutualistas sociais” (cobrindo riscos de saúde e sem excluir o alargamento a outros riscos sociais, como seguro de vida e seguro de reforma) para todo o território africano ocidental. A OIT realizou o trabalho de preparação sobre este projeto legislativo, adotando uma abordagem participativa (que incluiu autoridades de saúde, mutualidades e suas estruturas de apoio, bem como autoridades públicas nacionais) com o objetivo de identificar necessidades no setor e de aquilatar as expectativas dos vários agentes sobre a legislação. Quando o projeto ficou concluído, o Conselho de Ministros da UEMOA adotou o projeto regulamentar das organizações mutualistas sociais para a UEMOA em junho de 2009. A pandemia do HIV/AIDS constitui uma grande preocupação no domínio da proteção social e no contexto da Agenda de Trabalho Decente. É sabido que as organizações da sociedade civil têm realizado grandes esforços em resposta à pandemia. As associações e outras organizações comunitárias, em particular, criaram instalações para a prestação de cuidados gerais (psicossociais e médicos) a pessoas infectadas com o vírus e que vivem com o HIV/ AIDS. Em muitos países, o setor público inspirouse claramente nestas práticas inovadoras para conceber as políticas públicas. As ligações entre estes agentes públicos e privados deveriam ser reforçadas no âmbito de esforços para intensificar a prestação de cuidados a doentes soropositivos e o combate à doença. ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Quadro 5.10: Planos de seguro de saúde em Gana O seguro de saúde formal é relativamente recente em Gana, embora seja prestado apoio em épocas de necessidade (p. ex., para cuidados de saúde e por morte) há muitas décadas através de redes informais tradicionais baseadas em capital social e solidariedade. Apesar de haver cuidados de saúde disponíveis, sobretudo prestações fornecidas contra pagamento em numerário, preocupações com as crescentes desigualdades inerentes ao sistema são antigas e levaram recentemente à implementação de um Plano Nacional de Seguro de Saúde (NHIS). Existem três tipos de seguro de saúde principais no país: planos de seguro de saúde mutualistas (ou comunitários) distritais (operam num distrito e podem ser subscritos por todos os residentes do distrito); 2) planos de seguro de saúde comerciais privados (planos com fins lucrativos, não restritos a uma região ou distrito específico, que podem ser subscritos por todos os residentes em Gana); e 3) planos de seguro de saúde mutualistas (comunitários) privados (destinados a grupos de pessoas específicos, por exemplo, membros de um clube, de uma igreja ou de qualquer outra organização). Dados fornecidos pela sede do NHIS ganês em Acra indicam que, em 2008, cerca de 12,5 milhões de ganeses, ou 61% dos 20,4 milhões que compõem a população total do país, se tinham inscrito no NHIS (NHIS, 2009). Os números mais expressivos, em termos absolutos, são de membros da região de Ashanti (2,8 milhões), da região de Brong Ahafo (1,5 milhões), da região metropolitana de Acra (1,4 milhões) e da região oriental (1,4 milhões). Do total de pessoas subscritas, cerca de 6,3 milhões (ou uma percentagem ligeiramente superior a 50%) são crianças com menos de 18 anos; 867.000 (6,9%) têm mais de 70 anos e 303.000 (2,4%) são classificados como “indigentes”, estando todos, em princípio, isentos do pagamento de contribuições. A experiência ganesa mostra que um país, cuja força de trabalho na economia informal representa 90% da população ativa, pode enfrentar com sucesso desafios como financiamento insuficiente, baixa qualidade de serviço e exclusão, através da introdução e convergência progressiva de múltiplos planos de proteção social de saúde que vão desde programas comunitários a um serviço nacional de seguro de saúde para diferentes grupos populacionais. Esta experiência indica que a garantia do acesso a todos os cidadãos, dando simultaneamente prioridade aos pobres, é um fator importante para o seu êxito. OIT, 2010, p. 97 Quadro 5.11: Ajuda às pessoas com HIV/AIDS no Uganda A Organização de Apoio à AIDS (TASO), a famosa organização ugandesa criada em 1987, facultou o acesso de mais de 20.000 soropositivos a terapia antirretroviral graças, sobretudo, aos esforços de cerca de 1.500 trabalhadores comunitários soropositivos que receberam formação no sentido de prestar aconselhamento e sensibilizar os seus pares para a importância de não abandonar o tratamento. Perante o êxito da sua ação, a TASO tornou-se um parceiro fundamental das políticas nacionais de combate ao HIV/AIDS no Uganda, e ajudou, sem dúvida, a reduzir a taxa de soropositividade (que continua calculada em 6,7% dos adultos na faixa etária dos 15-49 anos). ONUSIDA, 2008; www.tasouganda.org e Sidaction/ONUSIDA/OMS, 2005 DOCUMENTO DE TRABALHO 91 ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA 5.5 Reforço e ampliação do diálogo social A OIT define o diálogo social como todos os tipos de negociação, consulta ou troca de informação entre um ou mais representantes de governos, empregadores e trabalhadores sobre temas de interesse comum relacionados com política econômica e social. O diálogo social tem como principal objetivo promover a criação de consensos e a participação democrática das principais partes interessadas no mundo do trabalho. Estruturas e processos de diálogo social bem-sucedidos têm o potencial de resolver questões econômicas e sociais importantes, encorajar a boa governança, promover a paz e a estabilidade social e laboral, e fomentar o progresso econômico. O diálogo social é um fator crucial de coesão social entre os agentes de uma sociedade. Especialmente em tempos econômicos difíceis, a coesão social pode deteriorar-se em resultado de uma concorrência acrescida entre os trabalhadores. Muitas OESS, porque são organizações comunitárias e, por conseguinte, próximas das preocupações que afetam as pessoas e as comunidades, estão frequentemente bem posicionadas para detectar o surgimento de problemas econômicos e sociais, de grupos de risco e de novas necessidades. As práticas das OESS, porque são inclusivas e estimulam métodos de decisão e funcionamento transparentes, desenvolvem uma cultura de diálogo social que pode lançar uma nova luz sobre as questões de governança. As estruturas de diálogo social tripartite clássicas poderiam beneficiar de uma consulta ou associação com OESS, bem como com outros agentes da sociedade civil que representam populações vulneráveis no mundo do trabalho (p. ex., mulheres, trabalhadores migrantes, grupos sem proteção social, pessoas sem trabalho decente). Uma melhor cooperação entre as OESS (p. ex., cooperativas) e outras organizações baseadas em membros (p. ex., sindicatos ou organizações de empregadores) pode trazer vantagens mútuas. Por exemplo, os sindicatos palestinianos criaram uma interface com as cooperativas, porque estão interessados em sindicalizar os seus membros. Por outro lado, as cooperativas podem resolver os problemas da informalidade, um território ainda 92 DOCUMENTO DE TRABALHO desconhecido para muitos sindicatos, porque podem contribuir para alcançar algo parecido com proteção laboral e seguridade social, em particular nas áreas rurais (Escritório Regional da OIT para os Estados Árabes). No âmbito da OIT, a Aliança Cooperativa Internacional (ICA) subscreveu um Memorando de Entendimento (2003) com a OIT e beneficia de estatuto consultivo nos organismos da OIT (Conselho de Administração e Conferência Internacional do Trabalho, em conformidade com Constituição da OIT (artigo 12.º, §3). No plano europeu, a Cooperative Europe (Região Europeia da CIT) lidera um conjunto de ações destinadas a reforçar a participação das cooperativas no diálogo social europeu e a obter reconhecimento como parceiro social transetorial pela Comissão Europeia (Cooperative Europe, 2007). Períodos de crise são acompanhados por planos de recuperação e por planos de reforma dos sistemas que contribuíram para a crise. Para garantir que estas reformas são relevantes, esses planos devem ser elaborados em conjunto com os parceiros sociais, bem como em consulta com outros agentes econômicos, incluindo agentes de ESS. As reformas elaboradas por este método merecem uma maior adesão das várias partes interessadas o que, por seu turno, facilitará a aplicação. A associação de parceiros sociais e de OESS em medidas de monitoramento e avaliação destas políticas públicas e outras negociações a nível empresarial, setorial ou intersetorial só pode melhorar a apreciação dos resultados e dos ajustamentos a introduzir. Processos recentemente lançados para projetar, implementar e avaliar estratégias de redução da pobreza demonstraram que as OESS, e as cooperativas em particular, nem sempre têm estado envolvidas nos procedimentos (Develtere & Pollet, 2008); isto pode ser explicado por uma ausência de estruturas federativas (verticais) nas cooperativas. É, no entanto, particularmente importante consultar as OESS no âmbito das negociações em curso sobre planos de recuperação, porque estas organizações estão centradas no desenvolvimento econômico e social de longo prazo, por vezes em maior profundidade que outros agentes ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA da sociedade civil, e porque são apoiadas pela confiança dos seus membros, beneficiários e utilizadores. Por último, é importante ampliar o diálogo social através de uma consulta de OESS que inclua não só o plano nacional, mas também os planos supranacional e internacional. Negociações a estes níveis, bem como práticas de diálogo social inovadoras, permitirão encontrar soluções conjuntas para a crise econômica e financeira no curto e no médio prazo. 5.6 Conclusões principais As OESS, graças aos seus objetivos sociais e econômicos combinados e aos seus princípios de funcionamento, estão bem posicionadas para dar a sua contribuição às políticas e desafios do desenvolvimento, como estratégias de redução da pobreza e objetivos de desenvolvimento do milênio. As OESS contribuem ou poderiam reforçar a sua contribuição para a implementação de um quadro internacional específico, a Agenda de Trabalho Decente e os seus quatro pilares: normas laborais e direitos no trabalho, emprego decente e renda, proteção social e diálogo social. Enquanto empregadoras, as OESS promovem as normas laborais e os direitos no trabalho através de mecanismos organizacionais participativos. Também desempenham um papel fundamental junto de grupos vulneráveis que veem negados os seus direitos laborais (p. ex., trabalhadores informais, trabalhadores migrantes, crianças que trabalham). Dado que as OESS perseguem objetivos econômicos e sociais, elas desempenham um papel importante na criação e garantia de emprego decente e de renda. As cooperativas têm sido tradicionalmente empregadoras importantes no domínio da ESS em vários países do Norte e do Sul. As OESS também contribuem significativamente para facultar o acesso a recursos (financiamento social), para criar mercados (comércio justo, empregos verdes) e para proporcionar educação e formação. Oferecem ainda inúmeras oportunidades de ajudar a formalizar algumas unidades informais ao abrigo de estruturas organizacionais sociais e solidárias e a melhorar o desenvolvimento das economias locais. Nos países do Norte, as OESS já são importantes fornecedoras de planos de proteção social (p. ex., seguros de saúde). Nos países do Sul, onde existe um enorme déficit de proteção social, as OESS (p. ex., mutualidades) procuram tornar os planos de proteção social eficazes, baratos e acessíveis a um vasto conjunto de pessoas que não estão abrangidas pelos planos de seguridade social existentes. Em alguns países, estes esforços são articulados com reformas globais dos sistemas de proteção social a nível nacional. Também em outros domínios, como o HIV/ AIDS, as OESS fornecem serviços inovadores a soropositivos e contribuem para a aplicação de políticas de saúde públicas. Os métodos de decisão e funcionamento inclusivos e transparentes que caracterizam as OESS marcam uma cultura de diálogo que poderia lançar uma nova luz sobre questões associadas à governança e ao diálogo social. As estruturas de diálogo social tripartite clássicas poderiam beneficiar de uma consulta ou associação com OESS, bem como com outros agentes da sociedade civil que representam populações vulneráveis no mundo do trabalho. A colaboração entre os parceiros sociais clássicos e as OESS poderia ser reforçada no âmbito de esforços conjuntos para resolver questões econômicas sociais. DOCUMENTO DE TRABALHO 93 ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Bibliografia Aiken, M. & Spear, R. (2005) “Work Integration Social Enterprises in the United Kingdom”, EMES Working Papers n.º 05/01. AIM 2008, Novo Relatório 2008: “Health system protection today: structures and trends in 13 countries”, AIM, Bruxelas. Aliber, M. and A. Ido (2002), “Microinsurance in Burkina Faso”, Working Paper No. 29, Social Finance Programme & InFocus Programme on Boosting Employment through Small Enterprise Development, Genebra: OIT. Alter, Sutia K. (2006), ‘Social Enterprise Models and their Mission and Money Relationships’, in Social Entrepreneurship – New Models of Sustainable Social Change, Alex Nicholls (Ed.), Oxford: Oxford University Press. Bacchiega, A. and Borzaga, C. (2003) The Economics of the Third Sector: Towards a more Comprehensive Approach, in Anheier, H. K. and Ben-Ner, A. (eds), The Study of The Nonprofit Enterprise, Theories and Approaches, Dordrecht: Kulwer. Banco Mundial (1991), Managing Development - The Governance Dimension, Washington D.C.: Banco Mundial. Banco Mundial (2009), Averting a human crisis during the global downturn - Policy options from the World Bank’s Human Development Network, Banco Mundial, Washington. Biety, M. M. (2005), “Maintaining the Security of Client Funds”, in M. Hirschland (ed.), Savings Services for the Poor: An Operational Guide, Bloomfield, CT: Kumarian Press, Inc. Borzaga, C. and Defourny, J. (eds.) (2001), The Emergence of Social Enterprise, Londres: Routledge. Borzaga, C. and Depedri, S. (2005), Inter-personal Relations and Job Satisfaction; Some Empirical Results in Social and Community Care Services, in Gui, B. and Sugden, R. Economics and Social Interaction: Accounting for Personal Relations, Cambridge: Cambridge University Press. Borzaga, C. and Tortia, E. (2007), Social Economy Organizations in the Theory of the Firm, in Noya, A. and Clearence. E (eds.), The Social Economy. Building Inclusive Economies, Publicações da OCDE. Borzaga, C., Mongera, M., e Giovannini, M. (2009), ‘Work integration in the open labour market: lessons from Italian social co-operatives’, paper presented at the 2nd EMES International Conference on Social Enterprise, Trento, 1–4 de julho de 2009. 94 DOCUMENTO DE TRABALHO ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Business Dictionary (http://www.businessdictionary.com/definition/management.html). Churchill, C. & C. Frankiewicz (2006), Making Microfinance Work: Managing for Improved Performance, Genebra: Secretaria Internacional do Trabalho. Cooperative Europe (2007), The Role of Co-operatives in the Social Dialogue in Europe, Cooperative Europe, Bruxelas. Davis, P. (2004), Human Resource Management in Cooperatives: Theory, Process and Practice, Genebra: OIT. Defourny, J. & Nyssens, M. (2008), “Social enterprise in Europe: recent trends and developments”, EMES Working Papers no. 08/01. Davis, P. (2004), Human Resource Management in Cooperatives: Theory, Process and Practice, Geneva: ILO Defourny, J. and Nyssens, M. (2008) “Social enterprise in Europe: recent trends and developments”, EMS Working Papers no. 08/01Defourny, J. & P. Develtere (2009), “The Social Economy: The Worldwide Making of a Third Sector”, in J. Defourny, P. Develtere, B. Fonteneau & M. Nyssens (eds.), The Worldwide Making of the Social Economy: Innovations and Changes, Lovaina: ACCO. Depedri, S. (2011), “Efficiency and effectiveness in employing disadvantaged workers: why social enterprises can do it better”, Trabalho apresentado na 3.ª conferência da EMES, Roskilde, julho de 2011. Develtere, P. (2008), “Cooperative Development in Africa up to the 1990s”, in P. Develtere, I. Pollet & F. Wanyama (eds.), Cooperating out of Poverty: The Renaissance of the African Cooperative Movement, Genebra: OIT. Develtere, P. & I. Pollet (2008), “Renaissance of African Cooperatives in the 21st Century: Lessons from the Field”, in P. Develtere, I. Pollet & F. Wanyama (eds.), Cooperating out of Poverty: The Renaissance of the African Cooperative Movement, Genebra: OIT. DTI (2011), Integrated Strategy on the Development and Promotion of Co-operatives, publicado para comentário no Diário Oficial, 21 de janeiro de 2011: Pretória. Escritório Regional da OIT para os Estados Árabes (2010), Informação 3: Rural women producers and cooperatives in conflict settings in Arab States. Informação 3: Rural women producers and cooperatives in conflict settings in Arab States, Secretaria Internacional do Trabalho, Beirute, 2010. Fonteneau, B. & P. Develtere (2009), “African Responses to the Crisis through the Social Economy”, Working Document for the ILO Regional Conference on ‘The Social Economy – Africa’s Response to the Global Crisis’, Joanesburgo, 19-21 de outubro. Galera, G. (2010), Social enterprises and the integration of disadvantaged workers, in Borzaga, C. & Becchetti, L. (eds.) The economics of social responsibility. The world of social enterprises, Londres: Routledge. Galera, G. & Borzaga, C. (2009), “Social enterprise: An international overview of its conceptual evolution and legal implementation”, in Social Enterprise Journal, Vol. 5, N° 3, 2009. Huybrechts B., Mertens S. & Xhauflair,V., Les champs d’interaction entre responsabilité sociale des entreprises et économie sociale. Illustrations à travers la filière du commerce équitable, Revue Canadienne de Gestion, 2006, vol. 31, n°2, pp. 65-74. DOCUMENTO DE TRABALHO 95 ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Hyden, G. (1992), “Governance and the Study of Politics”, in G. Hyden & M. Bratton (eds.), Governance and Politics in Africa, Boulder, Colorado: Lynne Rienner Publishers. Hyden, G. e J. Court (2002), “Comparing Governance Across Countries and Over Time”, in D. Olowu & S. Sako (eds.), Better Governance and Public Policy: Capacity Building and Democratic Renewal in Africa, Bloomfield, CT: Kumarian Press. Kim, K. A. & J. R. Nofsinger (2007), Corporate Governance, Segunda edição, Londres: Pearson Education International. Mair, J. & E. Noboa (2006), ‘Social Entrepreneurship: How Intentions to Create a Social Venture are Formed’, in Social Entrepreneurship, J. Mair, J. Robinson & K. Hockerts (Eds.), Hampshire: Palgrave MacMillan. Manyara, M. K. (2004), Cooperative Law in Kenya, Nairobi: Rock Graphics. Mendell, M. & R. Nogales (2009), “Social Enterprises in OECD Member States: What are the Financial Streams?” in A. Noya (ed.), The Changing Boundaries of Social Enterprises, A publication of OECD (Disponível em: www.oecd.org/publishing/corrigenda). Monzòn, L. (Dir) (2010), Economía Social y su impacto en la generación de empleo: claves para un desarrollo con equidad en América Latina. FUNDIBES/IUDESCOOP, (http://www.oibescoop.org/media/bank/ES_empleo. pdf). Morais, L., Bacic, M. (2009), Solidarity economy and public policies in Brazil: challenges, difficulties and opportunities in a world undergoing transformation. Sevillha: Congresso Internacional do CIRIEC. (http://direitoacidade.org.br/utilitarios/editor2.0/UserFiles/FileSolidary%20economics%20and%20 publik%2 0policies%20Brazil.doc) Nicholls, A. (2009), “‘We do good things, don’t we?’ ‘Blended Value Accounting’ in Social Entrepreneurship”, Accounting, Organizations and Society, Vol. 34, pp. 755-769. Norton A., Conway T. & Foster M. (2001), “Social protection concepts and approaches: Implications for policy and practice in international development”, Centre for Aid and Public Expenditure, Working Paper, n° 143, Overseas Development Institute, Londres. Nyssens, M. (ed.) (2006), Social enterprise: at the crossroads of markets, public policies and civil society, Londres: Routledge. OIT (2009a), Plan of Action for the Promotion of Social Economy Enterprises and Organizations in Africa, Conferência Regional da OIT “The Social Economy – Africa’s Response to the Global Crisis”, Joanesburgo, 19-21 de outubro de 2009. OIT (2009b), Conference Statement, National Conference on the Enabling Environment for Social Enterprise Development in South Africa, 22-23 de outubro de 2009. O’Reilly, A. (2003), “The right to decent work of persons with disabilities”, IFP/Skills Working Paper no. 14, Genebra: Organização Internacional do Trabalho. Olowu, D. (2002), “Introduction: Governance and Policy Management Capacity in Africa”, in D. Olowu and S. Sako (eds.), Better Governance and Public Policy: Capacity Building and Democratic Renewal in Africa, Bloomfield, CT: Kumarian Press. 96 DOCUMENTO DE TRABALHO ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Patel, Ebrahim (2009), The Social Economy – Africa’s Response to the Global Crisis, Address by Ebrahim Patel, Minister of Economic Development, South Africa, Joanesburgo, 19 de outubro de 2009. Pavolini E. (2002), I consorzi di cooperative sociali in Italia, in CGM (2002). Qureshi, Z. (2006), “Governance”, in C. Churchill (ed.), Protecting the Poor: A Microinsurance Compendium, Genebra: OIT. Ranci, C. (2004), Politica sociale. Bisogni sociali e politiche di welfare, Bolonha: Il Mulino. Ranci, C. (2004). Politica sociale. Bisogni sociali e politiche di welfare, Bologna: Il Mulino. Reid, E. L., Torjman, S. (2006), Evaluation framework for federal investment in the Social Economy: a discussion paper. Canada: The Caledon Institute of Social Policy (http://www.caledoninst.org/Publications/PDF/566ENG.pdf) Schwettmann J. (2006), The Social Economy and the Decent Work Agenda, Working Paper, Secretaria Internacional do Trabalho, Genebra. Secretaria Internacional do Trabalho (2008), Declaration on Social Justice for a Fair Globalization, OIT, Genebra. Secretaria Internacional do Trabalho (2004), A fair globalization: The role of the ILO, WORLD COMMISSION ON THE SOCIAL DIMENSION OF GLOBALIZATION ESTABLISHED BY THE ILO, Report of the Director-General on the World Commission on the Social Dimension of Globalization, Conferência Internacional do Trabalho, 92.ª Sessão, 2004. Secretaria Internacional do Trabalho (2002), The Decent work and the informal Economy, International Labour Office, Conferência Internacional do Trabalho, 90.ª Sessão, 2002. Secretaria Internacional do Trabalho (2010), Extending social security to all. A guide through challenges and options, Social Security Departement, Secretaria Internacional do Trabalho, Genebra. Secretaria Internacional do Trabalho (2010), Global Employment Trends, janeiro de 2010, Secretaria Internacional do Trabalho, Genebra. Secretaria Internacional do Trabalho (2009). African responses to the crisis through the social economy, Working document for the ILO Regional Conference on Social Economy (Joanesburgo, 19-21 de outubro de 2009). Secretaria Internacional do Trabalho (2009), Cooperating Out of Child Labour: Harnessing the untapped potential of cooperatives and the cooperative movement to eliminate child labour, ILO Cooperative programme, ILO International Programme on the Elimination of Child Labour, International Cooperative Alliance. Secretaria Internacional do Trabalho (2009), Plan of Action for the promotion of social economy enterprises and organizations in Africa, ILO Regional Conference ‘The Social Economy – Africa’s Responses to the Global Crisis’ (Joanesburgo, 19-21 de outubro de 2009). Secretaria Internacional do Trabalho (2009), Report I(A) - Report of the Director-General: Tackling the global jobs crisis Recovery through decent work policies, International Labour Conference (ILC), 98th Session, 2009, 3-19 de junho de 2009, Genebra. DOCUMENTO DE TRABALHO 97 ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA Secretaria Internacional do Trabalho (2010), General Survey concerning employment instruments in light of the 2008 Declaration on Social Justice for a Fair Globalization, Report III (Part 1B), Conferência Internacional do Trabalho, 99.ª Sessão, Genebra, 2010. Sen, A.K. (2006), ‘Giustizia e libertà’, Impresa Sociale 75(1): 11–21. Smith, A. & Twomey, B. (2002), ‘Labour market experiences of people with disabilities’, Labour Market Trends, 110(8): 415–27. Social Enterprise Coalition (2009), State of Social Enterprise Survey 2009, Londres: Social Enterprise Coalition. Spear R. & Bidet, E. (2005), “Social Enterprise for Work Integration in 12 European Countries: a Descriptive Analysis”. Annals of Public and Co-operative Economics. Vol 76:2. pp. 195-231. Steinman, Susan (2009), An exploratory study into factors influencing an enabling environment for social enterprises in South Africa, commissioned by the SETYSA project, OIT Pretória. The Social Economy in the European Union (2007), Centre International de Recherches et d’Information sur l’économie Publique, Sociale et Cooperative – CIRIEC. (http://www.socialeconomy.eu.org/spip. php?article420) Thompson, J. & B. Doherty (2006), “The Diverse World of Social Enterprise: A Collection of Social Enterprise Stories”, International Journal of Social Economics, Vol. 33, nos. 5/6, pp. 361-375. Van Ryzin, G., S. Grossman, L. DiPadova-Stocks, E. Bergrund (2009), ’Portrait of the Social Entrepreneur: Statistical Evidence from a US Panel’, Voluntas, Vol. 20, nº. 2. Junho de 2009: 129-140. Wanyama, F. O. (2001), “Grass-roots Organization for Sustainable Development: The Case of Communitybased Organizations in Western Kenya”, Regional Development Studies, Vol. 7, pp. 55-77. Wanyama, F. O., P. Develtere & I. Pollet (2009), “Reinventing the Wheel? African Cooperatives in a Liberalized Economic Environment”, Annals of Public and Cooperative Economic, Vol. 80, nº. 3. White, Simon (2011), External Final Project Evaluation: SETYSA, relatório não publicado: OIT Pretória. Sites de internet: www.oibescoop.org www.ipea.gov.br http://www.ciriec-revistaeconomia.es/ http://www.coraggioeconomia.org/ www.acldq.qc.ca www.cecosol.coop www.socialeconomy.eu.org/IMG/pdf/2009_05_11_Conference_conclusions_AJ_web.pdf 98 DOCUMENTO DE TRABALHO ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA DOCUMENTO DE TRABALHO 99