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Documento de Trabalho
Economia Social
e Solidária
Autores:
Bénédicte Fonteneau, Pesquisadora sênior no Centro de Pesquisa/Universidade de Lovaina –
HIVA, Bélgica
Nancy Neamtan, Diretora-Geral, Pelouro de Economia Social, Canadá
Fredrick Wanyama, Diretor, Escola de Desenvolvimento e Estudos Estratégicos,
Universidade de Maseno, Quênia
Leandro Pereira Morais, Professor da Faculdades de Campinas e da Pontifícia Universidade
Católica de Campinas, Brasil
Mathieu de Poorter, Consultor Internacional, Suíça
Copyright © Centro Internacional de Formação da Organização Internacional do Trabalho 2014
Primeira edição 2014
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DOCUMENTO DE TRABALHO: ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
ISBN 978-92-9049-669-4
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conformidade com a prática seguida nas Nações Unidas, bem como a apresentação dos dados que nelas
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ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Agradecimentos
A OIT e os autores deste documento de trabalho desejam manifestar a sua gratidão aos seguintes peritos e
instituições pelos seus valiosos comentários: Prof. Carlo Borzaga, Universidade de Trento, Departamento de
Economia; Francis Sanzouango, Consultor Sênior da OIT para África, Departamento para as Atividades dos
Empregadores (ACT/EMP), Genebra; Thierry JEANTET (EURESA); Karine Pflüger (Economia Social, Europa);
Jürgen Schwettmann, Diretor Regional Adjunto. Escritório Regional da OIT para África, Adis Abeba; CIRIEC
(vários peritos); Monica Lisa (Departamento de Aplicações Tecnológicas Didáticas do CIT da OIT). Tom Fox,
Desenvolvimento da Empresa Social, OIT Pretória; Carlien Van Empel (OIT COOP, Genebra); Joni Simpson
(OIT, Genebra); Jan Olsson (Comitê Econômico e Social Europeu)
DOCUMENTO DE TRABALHO
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ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Prefácio
Após a crise financeira de 2007-2008, alguns países e regiões, nomeadamente na Ásia e na América Latina,
não tardaram em testemunhar sinais de recuperação encorajadores na sua economia real, em termos de
redução do emprego e da pobreza. Porém, com a crise da dívida soberana na Europa, que teve início na
Grécia em meados de 2010, e a continuada recessão orçamental dos Estados Unidos, o mundo entrou numa
nova fase de crise financeira, econômica e social global. Num contexto de graves desequilíbrios sociais e
econômicos e de instabilidade crescente, a OIT, com o apoio de muitas outras partes interessadas, pugna por
uma globalização mais justa e equitativa, com o trabalho decente no centro das políticas públicas.
A Declaração sobre Justiça Social para uma Globalização Equitativa, adotada pela Conferência Internacional
do Trabalho da OIT em junho de 2008, reconheceu que “as empresas produtivas, rentáveis e sustentáveis,
em conjunto com uma economia social forte e com um setor público viável, são essenciais para o
desenvolvimento econômico sustentável e para a criação de oportunidades de emprego”. A economia social
e solidária proporciona emprego, proteção social e outras vantagens econômicas e sociais, desempenhando
efetivamente um papel importante e cada vez maior na economia real. Na mesma linha, o Pacto Global para o
Emprego (2009) reconheceu que “as cooperativas proporcionam empregos nas nossas comunidades, desde
as muito pequenas empresas até às grandes multinacionais”.
As empresas e organizações da economia social e solidária, porque possuem características peculiares e
vantagens comparativas, incluindo uma governança democrática e uma gestão autônoma, são promovidas
por um número crescente de países. Em todo o mundo estão a ser estabelecidos enquadramentos políticos
para o desenvolvimento da economia social e solidária a nível nacional e regional, baseados em parcerias
celebradas entre governos, parceiros sociais e a sociedade civil. É o caso, também, na América Latina, onde
se assiste, por exemplo, à implementação de reformas políticas e jurídicas na Bolívia, no Equador e no Peru,
para reconhecer o papel desempenhado pelas cooperativas e por outras organizações de economia social e
solidária na redução da pobreza e na promoção da inclusão social.
Atualmente, a economia social e solidária é uma realidade na vida de muitos cidadãos, porque promove
valores e princípios centrados nas necessidades das pessoas e nas suas comunidades. Num espírito de
participação voluntária, autoajuda e autossuficiência, e através de empresas e organizações, procura equilibrar
o sucesso econômico com equidade e justiça social, desde o nível local ao nível global. No Canadá, mais de
30% da população são membros de cooperativas. No Brasil, as cooperativas produzem três quartos do trigo e
40% do leite, e as exportações de cooperativas rendem mais de 1,3 bilhões de USD.
Promover a economia social e solidária significa contribuir para cada uma das dimensões da Agenda de
Trabalho Decente. As empresas e as organizações da economia social e solidária criam e sustentam empregos
e meios de subsistência, proporcionam proteção social, estabelecem e reforçam o diálogo social com todos
os trabalhadores e promovem a aplicação e o cumprimento de normas para todos. Nesta era de crise e de
instabilidade, a promoção da economia social e solidária, no quadro da Agenda de Trabalho Decente, é uma
forma eficaz de promover a justiça social e a inclusão social em todas as regiões.
A OIT foi pioneira na promoção da economia social e solidária. Em 1920, o Diretor-Geral da OIT, Albert
Thomas, criou um Departamento de Cooperativas, o atual Programa de Cooperativas da OIT. Na década de
1980, a OIT desenvolveu o conceito de “finanças sociais”, e no final da década de 1990 tornara-se pioneira
no apoio ao desenvolvimento de mutualidades para a prestação de proteção social. Em 2001, a CIT alcançou
um “Novo Consenso” em matéria de seguridade social que deu máxima prioridade à concessão de cobertura
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DOCUMENTO DE TRABALHO
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
a quem não tinha e, em consequência, levou a OIT a reforçar o seu apoio a planos de proteção comunitários
e mutualidades. Em 2002, após a adoção da Recomendação 193 relativa à promoção das cooperativas, o
Diretor-Geral da OIT, Juan Somavia, chamou às cooperativas uma das ferramentas mais poderosas para a
criação de empregos decentes. Mais recentemente, a OIT iniciou a promoção de “empresas sociais” e do
“empreendedorismo social”, tendo lançado, em 2009, o Plano de Ação para a promoção de empresas e
organizações de economia social em resultado da Conferência Internacional realizada em Joanesburgo. As
Nações Unidas proclamaram 2012 o Ano Internacional das Cooperativas.
Atualmente, o conceito da economia social e solidária figura num elevado número de ações da OIT, como
os programas de trabalho intensivo, a promoção do ecoturismo e do comércio justo, o apoio aos povos
indígenas, os projetos de desenvolvimento econômico local, as iniciativas comunitárias sobre o HIV/
AIDS, os “empregos verdes”, as empresas sustentáveis e o “piso de proteção social”. A OIT desenvolveu
conhecimentos especializados profundos no domínio da economia social e solidária, em conjugação com
um conjunto abrangente de estratégias e de ferramentas ao serviço das pessoas na sua procura de justiça
social através do trabalho decente. Na África, a OIT gere diretamente projetos de promoção das cooperativas,
mutualidades e empresas sociais. Na América Latina, a OIT apoia a pesquisa, a reforma das políticas e o
reforço de capacidades no âmbito da economia social e solidária.
Patricia O’DONOVAN
Diretora
Centro Internacional de
Formação da OIT
Charles DAN
Diretor Regional da OIT para África
Assane DIOP
Diretor Executivo
Setor da Proteção Social (ED/
PROTECT)
da OIT
José Manuel SALAZAR-XIRINACHS
Diretor Executivo
Setor do Emprego (ED/EMP)
da OIT
Elizabeth TINOCO ACEVEDO
Diretora Regional da OIT
para a América Latina e o
Caribe
DOCUMENTO DE TRABALHO
v
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Índice
Agradecimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . iii
Prefácio. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . iv
Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . viii
A OIT e a iniciativa da economia social e solidária. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . viii
Atividades de promoção da ESS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . xi
Atividades Regionais da OIT. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . xii
Atividades dos parceiros da OIT. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . xv
Conteúdo do Documento de Trabalho. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . xvii
Acrônimos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
xviii
Capítulo 1: Compreender a economia social e solidária. . .
1
1.1 Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.2 O Levantamento da ESS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.3 Características comuns das organizações de ESS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
1.4 Conceitos conexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
1.5 Vantagens comparativas da ESS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
1.6 Conclusões principais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
Capítulo 2: Governança e gestão de OESS . . . . . . . . . . .
19
2.1 Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
2.2 Governança e gestão de OESS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
2.3 Gestão de recursos nas OESS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
2.4 Mecanismos de financiamento das OESS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
2.5 Para uma gestão eficiente das OESS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
2.6 Conclusões principais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
vi
DOCUMENTO DE TRABALHO
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Capítulo 3: Elaboração de políticas públicas para o
desenvolvimento da ESS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
37
3.1 Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
3.2 Políticas públicas para a ESS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
3.3 Construção da base para o topo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
3.4 Ações transversais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
3.5 Possibilidades de “emancipação”?. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
3.6 A ESS em países selecionados. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
3.7 Conclusões principais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
Capítulo 4: Criar a ESS através de parcerias e redes. . . .
55
4.1 Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
4.2 A importância das parcerias e redes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
4.3 Formas de colaboração. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
4.4 Partes interessadas fundamentais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
4.5 Diferentes tipos de redes e parcerias. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
4.6 Os papéis e as funções das redes no apoio à ESS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
4.7 Elaboração de um plano de ação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70
4.8 Estruturas internacionais da ESS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
4.9 Conclusões principais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74
Capítulo 5: Contribuição da ESS para a Agenda de Trabalho
Decente da OIT. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
5.1 Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
5.2 Promoção e realização das normas do trabalho e dos direitos no trabalho . . . . . . 82
5.3 Garantir emprego decente e renda. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
5.4 Reforço e ampliação da proteção social . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88
5.5 Reforço e ampliação do diálogo social. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92
5.6 Conclusões principais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93
Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
94
Sites de internet:. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98
DOCUMENTO DE TRABALHO
vii
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Introdução
A OIT e a iniciativa da economia social e solidária
A economia social e solidária (ESS) é um conceito aplicado a empresas e organizações, em particular a
cooperativas, mutualidades, associações, fundações e empresas sociais, que produzem especificamente bens,
serviços e conhecimento com objetivos econômicos e sociais e de promoção da solidariedade.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) construiu uma longa tradição e desenvolveu profundos
conhecimentos especializados no domínio das empresas e organizações de economia social solidária (OESS).
No seu primeiro ano (1920), a OIT criou um Departamento de Cooperativas, que ainda hoje existe (o Programa
de Cooperativas, EMP/COOP). O primeiro documento oficial da OIT a fazer referência à economia social
remonta a janeiro de 1922, data da ata da 11.ª Sessão do Conselho de Gestão (GB). Na década de 1980, a OIT
desenvolveu o conceito de “finanças sociais”, que abrange uma ampla variedade de instituições e serviços
de microfinanciamento. Na década de 1990, a OIT começou a desenvolver planos de proteção comunitários
e mutualidades no domínio da proteção social. Mais recentemente, a OIT envolveu-se na promoção de
“empresas sociais” e do “empreendedorismo social”.
A OIT desenvolveu vários instrumentos normativos relevantes para a promoção de OESS, como a
Recomendação 193 relativa à Promoção das Cooperativas (R.193, 2002)1 e a Recomendação 189 relativa à
Criação de Empregos em Pequenas e Médias Empresas (1998). Além do mais, a cooperativa é o único tipo
de empresa OESS universal e juridicamente reconhecido a nível global através da R.193, o único instrumento
governamental internacional em matéria de cooperativas. No domínio da cooperação multilateral, a OIT é
também a única agência da ONU que dispõe de uma unidade dedicada a todas as formas de cooperativas.
Os conhecimentos especializados da Secretaria Internacional do Trabalho foram adquiridos graças à prestação
de assistência técnica a países (p. ex., através da concepção de estratégias, políticas e legislações nacionais)
e a organizações (p. ex., através da melhoria da governança e da produtividade) numa multiplicidade de
situações (p. ex., na economia formal e informal, em comunidades rurais e urbanas), cooperando com
as pessoas das bases até uma gama alargada de partes interessadas, incluindo todos os constituintes da
OIT. Esta assistência técnica é concedida ainda sob a forma de capacitação (p. ex., desenvolvimento de
competências), de pesquisa e estudos, de promoção de redes e de mecanismos de partilha de conhecimentos
e de sensibilização em fóruns nacionais e internacionais.
A OIT também estabeleceu fortes parcerias internacionais com representantes-chave globais de partes
interessadas em ESS, como o Comitê para a Promoção e o Progresso das Cooperativas (COPAC), a
Associação Internacional das Mutualidades (AIM), o Grupo Consultivo de Assistência aos Pobres (CGAP),
1
A anterior Recomendação 127 relativa ao Papel das Cooperativas no Desenvolvimento Econômico e Social dos Países em
Desenvolvimento (1966) foi revista e substituída pela Recomendação 193.
viii
DOCUMENTO DE TRABALHO
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
o Comitê Econômico e Social Europeu (CESE) e o Centro Internacional de Pesquisa e Informação sobre
Economia Pública, Social e Cooperativa (CIRIEC).2
A OIT estabeleceu, em particular, uma parceria duradoura com a Aliança Cooperativa Internacional (ICA)3,
tendo ambas as organizações subscrito um Memorando de Entendimento em 2003. A ICA possui estatuto
de observador no Conselho de Administração da OIT e na Conferência Internacional do Trabalho.4 A
cooperação entre a OIT e a ICA é mutuamente vantajosa: através da ICA, a OIT consegue chegar a mil
milhões de membros e, por seu lado, a ICA pode beneficiar da estrutura tripartite e do mandato da OIT.5
O interesse da OIT na ESS foi recentemente renovado com a Declaração sobre Justiça Social para uma
Globalização Equitativa (2008) da OIT, que apela à promoção de Organizações de Economia Social no seio
de uma economia pluralista. Em 2010, os Constituintes da OIT solicitaram o reforço do apoio à promoção
da Economia Social, bem como uma clarificação do conceito de Economia Social.6
Atualmente, os conceitos de ESS e de OESS integram os seguintes domínios: iniciativas e
programas da OIT (p. ex., a Iniciativa Piso de Proteção Social); programas de mão de obra intensiva;
promoção do ecoturismo e do comércio justo; apoio a minorias indígenas; projetos de desenvolvimento
econômico local; combate ao HIV/AIDS; promoção dos empregos verdes; e, de modo mais geral, as
empresas sustentáveis.
No âmbito das regiões, a Conferência Regional “A economia social – A resposta da África à crise”
(Joanesburgo, 19-21 de outubro de 2009) resultou na adoção do “Plano de ação para a promoção
de empresas e organizações de economia social em África”.7
2
O COPAC é um comitê que integra a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), a Aliança Cooperativa Internacional
(ICA), a OIT e a Organização das Nações Unidas (ONU). Os membros cooperam em pé de igualdade na promoção e na coordenação do desenvolvimento
cooperativo sustentável, através da promoção e sensibilização para as cooperativas, de diálogos sobre políticas e da defesa de políticas que viabilizem o
sucesso das cooperativas, da colaboração em atividades de cooperação técnica e da partilha de informação e conhecimento (www.copac.coop).
A Associação Internacional das Mutualidades (AIM) proporciona cobertura a mais de 170 milhões de pessoas em 26 países de todo o mundo. A
AIM, instituída na década de 1950, reúne 40 federações ou associações de mutualidades autônomas no domínio da saúde e da proteção social. As
filiadas na AIM funcionam de acordo com os princípios da solidariedade e do não lucro. O secretariado da AIM está sediado em Bruxelas (www.aimmutual.org).
O Grupo Consultivo de Assistência aos Pobres (CGAP) é apoiado por mais de 30 agências de desenvolvimento e fundações privadas, que partilham a
missão comum de reduzir a pobreza. O CGAP é um centro de pesquisa e de desenvolvimento de políticas independente, dedicado a promover o acesso
a financiamento para os pobres de todo o mundo. Sediado no Banco Mundial, o CGAP fornece informações sobre os mercados, promove normas,
desenvolve soluções inovadoras e presta serviços de consultoria a governos, fornecedores de microfinanciamento, doadores e investidores (www.cgap.
org).
O CIRIEC (Centro Internacional de Pesquisa e Informação sobre Economia Pública, Social e Cooperativa) lidera uma rede científica internacional que
reúne mais de 150 peritos no domínio da economia pública, social e cooperativa. Está representado em 15 países nos continentes americano, asiático e
europeu.
3
A Aliança Cooperativa Internacional foi fundada em 1895 em Londres. Integra 248 organizações filiadas, de 92 países. Representa cooperativas nacionais
e internacionais presentes em todos os setores de atividade, em particular na agricultura, seguros, banca, defesa do consumidor, habitação, indústria,
pesca, saúde e turismo. Possui mais de mil milhões de membros em todo o mundo. A ICA promove ativamente a identidade cooperativa e garante
a existência dum ambiente político favorável à evolução e ao progresso das cooperativas. Presta informações aos seus membros e fomenta a
partilha de boas práticas. A Aliança também gere um programa de desenvolvimento que presta assistência técnica a cooperativas de todo
o mundo. A sede da ICA está situada em Genebra (http://www.ica.coop/).
4
Cf. Constituição da OIT, artigo 12.º, n.º 3.
5
A OIT tem uma longa tradição de colaboração com o movimento cooperativo. A Constituição da OIT (artigo 12.º, n.º 3) refere o movimento
cooperativo em conjunto com as organizações internacionais de empregadores, de trabalhadores e de agricultores. Incentiva em particular a OIT a
cooperar com estas organizações; o que inclui cooperativas como organizações representativas dos seus membros.
6
Através, respectivamente, da Resolução Relativa ao Debate Recorrente sobre o Emprego (Conferência Geral, 99.ª Sessão da CIT, 16 de junho de 2010) e
do Comitê para o Debate Recorrente sobre o Emprego (99.ª Sessão da CIT).
7
Disponível em inglês, francês, português, espanhol e árabe em www.ilo.org/public/english/region/afpro/addisababa/events/
socialeconomyoct12_09.htm (agosto de 2011).
DOCUMENTO DE TRABALHO
ix
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Conferência Regional da OIT sobre economia social (Joanesburgo, 19-21 de outubro de 2009)
Mais de 200 partes interessadas e promotores da economia social de África, representantes de governos
de 25 países africanos, organizações de empregadores e de trabalhadores, OESS de outras partes do
mundo e especialistas de unidades da sede da OIT e no terreno participaram na conferência. Em conjunto,
adotaram um Plano de Ação destinado a mobilizar a ESS em África, em resposta à crise, a nível local,
regional e nacional.
Além de liderar um consenso tripartite sobre uma definição inclusiva de ESS, os participantes prestaram
vários contributos para o Plano de Ação, entre outros:
o reconhecimento do papel da ESS e das suas empresas e organizações na sociedade africana, e o seu
papel na resposta à crise multifacetada que afeta os países africanos e as suas populações;
a convicção de que a ESS proporciona vias complementares de desenvolvimento, que conjugam de
forma coerente as preocupações de sustentabilidade económica, justiça social, equilíbrio ecológico,
estabilidade política, resolução de conflitos e igualdade de gênero;
o reconhecimento do contributo das OESS para a satisfação das necessidades e aspirações de
homens e mulheres, na medida em que contribuem para a Agenda de Trabalho Decente, lhes dão mais
voz e poderes de representação, combatem a crise alimentar e enfrentam os desafios ambientais e
pandêmicos do HIV/AIDS.
Em 2010, o Centro Internacional de Formação (CIF) da OIT lançou a sua primeira Academia Inter-regional
sobre Economia Social e Solidária, um passo decisivo para a construção de um consenso global sobre as
características fundamentais e os princípios universais da ESS e das suas organizações e empresas. A primeira
edição da Academia foi organizada em parceria com o Comitê Econômico e Social Europeu (CESE) e em
colaboração com o CIRIEC. A Academia reuniu cerca de 67 gestores públicos e profissionais (27 mulheres e 40
homens) de 43 países diferentes. Os participantes provinham de várias instituições: cerca de 30% trabalhavam
em instituições governamentais/públicas, 14% em organizações de parceiros sociais, 12% em Organizações
Não Governamentais (ONG) e 17% em instituições acadêmicas. Os restantes participantes vinham da ONU, de
outras organizações intergovernamentais e do setor privado.
A Academia combinou sessões plenárias teóricas e workshops práticos. Os participantes na Academia
de 2010 estavam familiarizados com o conceito de ESS. Além da experiência de formação, tiveram a
oportunidade de se interligar e trocar as suas experiências e ideias. Usando a primeira versão do Documento
de Trabalho, os participantes na Academia de 2010 destacaram algumas questões para um debate mais
aprofundado na edição de 2011 da Academia (setor informal, proteção social, financiamento da ESS, a ESS
e grupos vulneráveis específicos, como pessoas com deficiência ou com HIV, prisioneiros e migrantes) e
sugeriram temas adicionais (empregos verdes, desenvolvimento econômico local, apoio a empresas sociais)
para inclusão na edição seguinte do Documento de Trabalho.
Os participantes também se mostraram muito preocupados com a necessidade de reconhecimento global da
ESS enquanto nicho situado entre os setores público e privado. A ESS não pretende substituir o setor privado,
mas oferecer soluções complementares e práticas inovadoras. A OIT tem um papel a desempenhar nesse
reconhecimento, propondo, p. ex., uma definição que possa ser aprovada através de um processo tripartite.
Os participantes insistem que a OIT deve manter um papel líder e pioneiro na defesa da ESS junto dos seus
constituintes, parceiros de desenvolvimento e restante sistema da ONU.
x
DOCUMENTO DE TRABALHO
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Atividades de promoção da ESS
A OIT e os seus parceiros estão comprometidos com a promoção da ESS através de múltiplas atividades a
nível local e regional. As atividades descritas nesta secção não constituem uma lista exaustiva, devendo ser
entendidas como exemplos daquilo que está em curso nas diferentes regiões do mundo e da forma como a
OIT e os seus parceiros estão a promover a ESS.
A nível global e em complemento da Academia sobre ESS da OIT, a Secretaria Internacional do Trabalho (o
secretariado permanente da Organização Internacional do Trabalho) está a propor aos seus Constituintes
um debate sobre a contribuição das empresas e organizações de ESS durante a Conferência Internacional
do Trabalho, em cumprimento do acordado no Plano de Ação adotado em Joanesburgo. Recentemente, os
Constituintes da OIT solicitaram clarificações sobre o conceito de ESS e apelaram a um maior apoio à ESS.
Pedidos de clarificação e reforço do apoio à Economia Social apresentados pelos Constituintes da OIT
“As prioridades da Secretaria devem incluir: (...) (viii) o reforço do seu trabalho sobre cooperativas e a
economia social, enquanto áreas importantes de criação de emprego” (Conclusões do debate recorrente
sobre o emprego, número 30 /viii)).
Resolução relativa ao Debate Recorrente sobre o Emprego, adotada em 16 de junho de 2010
pela Conferência Geral da OIT reunida na sua 99.ª Sessão
No âmbito do debate, o grupo dos Trabalhadores salientou que o conceito da economia social é “útil para
enfrentar os enormes desafios da economia informal e da economia rural” (número 68).
Na sessão de conclusão, quando se debateram as orientações a dar ao Conselho de Administração e à
Secretaria Internacional do Trabalho relativamente às suas responsabilidades sobre o objetivo estratégico
em matéria de emprego, o Vice-Presidente dos Empregadores defendeu a sugestão do grupo dos
Trabalhadores e solicitou a “clarificação do termo «economia social»” (número 138).
No domínio da melhoria da empregabilidade, produtividade, nível de vida e progresso social, o VicePresidente dos Trabalhadores apelou a um “apoio acrescido às cooperativas, à economia social (...)
totalmente centrado numa abordagem do Trabalho Decente” (número 143).
O Vice-Presidente dos Trabalhadores concluiu pela “necessidade de trabalhar melhor o conceito da
economia social, concordando com o Vice-Presidente dos Empregadores que este tema deve ser
debatido pelo Conselho de Administração para clarificar o conceito e as potenciais vantagens de um
trabalho complementar sobre esta área” (número 146).
Por último, o grupo de membros do Comitê do Grupo dos Países da América Latina e do Caribe salientou
“a necessidade de aprofundar a investigação sobre a economia social nos países em desenvolvimento”
(número 155).
Comitê para o Debate Recorrente sobre o Emprego, 99.ª Sessão da CIT (junho de 2010)8
Enquanto membro constitutivo do COPAC, a OIT também esteve ativamente envolvida nos preparativos para
o Ano Internacional das Cooperativas da ONU em 2012, em que o COPAC foi mandatado como Comitê de
Coordenação. A OIT também participou na preparação para este ano internacional através do grupo de peritos
da ONU.
8
OIT (2010), Debate sobre o objetivo estratégico do emprego, Cap. IV. Políticas de emprego e do mercado de trabalho para a promoção
de empregos a tempo inteiro, decentes, produtivos e livremente escolhidos, número 30.
(www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/—-ed_norm/—-relconf/documents/meetingdocument/wcms_142318.pdf - agosto de 2011).
DOCUMENTO DE TRABALHO
xi
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Atividades Regionais da OIT
África
O Escritório Regional da OIT para África lidera o desenvolvimento de um programa de apoio à ESS
em África. Sob a orientação do “Plano de Ação para a Promoção das Empresas e Organizações de Economia
Social em África”, adotado em Joanesburgo (outubro de 2009), este programa integra e baseia-se num
conjunto de anteriores projetos e atividades da OIT já implementados no terreno em África.
Em cooperação com governos, organizações de empregadores e sindicatos a nível nacional, a promoção
da ESS já está implícita em múltiplos Programas de Trabalho Decente por País (Decent Work Country
Programmes, DWCP) africanos. Os DCWP na África do Sul, Camarões, Lesoto e Suazilândia, por exemplo,
fazem referência explícita ao termo “economia social”; nos DWCP de outros países africanos, o conceito
de “economia social” está implícito, na medida em que mencionam o apoio a cooperativas e à criação de
emprego através de pequenas e médias empresas, incluindo OESS.
A promoção de OESS em África é uma parte integrante de muitos programas e iniciativas da OIT, como
os dedicados a áreas que envolvem o trabalho intensivo, o ecoturismo e o comércio justo; os que apoiam
minorias indígenas, o desenvolvimento econômico local, intervenções no domínio da AIDS e empregos
verdes; e, mais genericamente, os que apoiam empresas sustentáveis e a criação de um piso de proteção
social.
O programa regional da OIT de promoção das OESS em África define intervenções a diferentes níveis (meta,
macro e micro)9 nas seguintes categorias: sensibilização e defesa, pesquisa e conhecimento, ambiente
político e jurídico, reforço de capacidades, ligações em rede e parcerias. Estas atividades podem ser aplicadas
a diferentes níveis (global, regional, nacional e meso/micro), de acordo com o Plano de Ação adotado em
Joanesburgo.
As intervenções definidas no programa serão adaptadas em função das particularidades da ESS nos contextos
nacionais ou sub-regionais. Por exemplo, os projetos serão implementados com um enfoque regional (p.
ex., observatório regional sobre a ESS, redes regionais e partilha de conhecimento sobre a ESS) ou com um
enfoque temático (p. ex., estimulando contratos públicos de ESS, certificação de empresas de ESS).
O Escritório Regional da OIT para África também está empenhado em aprofundar o conhecimento sobre a
promoção da ESS e o reforço das redes de ESS africanas. Refere-se, a título de exemplo, a participação da OIT
em outubro de 2011 num painel técnico sobre ESS na 12.ª Reunião Regional Africana (Joanesburgo, África do
Sul) e a adoção pela Confederação Sindical Internacional – África (CSI África) em Acra de uma resolução sobre
sindicatos e a ESS.
Estados Árabes
Em novembro de 2010, a OIT organizou em Beirute (Líbano) o Workshop Sub-regional de Partilha de
Conhecimento sobre Cooperativas em Estados Árabes. Este workshop tripartite reuniu representantes de
9
O nível meta refere-se a normas implícitas, valores e percepções sobre a ESS; o nível macro, ao quadro político, jurídico, institucional
e regulamentar aplicável à ESS; e o nível micro, ao “mercado” onde as várias OESS interagem com os seus membros, clientes,
beneficiários, prestadores de serviços e outras partes interessadas.
xii
DOCUMENTO DE TRABALHO
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Constituintes da OIT, cooperativas de seis países árabes (Iêmen, Iraque, Jordânia, Líbano, Síria e Territórios
Palestinianos Ocupados) e doadores. Este workshop teve por objetivo refletir sobre o movimento cooperativo
árabe no contexto da experiência global e examinar em maior detalhe o potencial papel das cooperativas na
promoção da Agenda de Trabalho Decente nos Estados Árabes.
Mais especificamente, o workshop procurou:
fornecer uma visão geral do movimento das cooperativas na região dos Estados Árabes, bem como
examinar as políticas regulamentares e os quadros legislativos, as necessidades e oportunidades, os
desafios fundamentais, as melhores práticas e os ensinamentos retirados;
sensibilizar os parceiros sociais para as cooperativas no contexto das ESS e para o papel das cooperativas,
suas realizações e deficiências;
acordar formas práticas de promover e reforçar a colaboração entre as cooperativas e os parceiros sociais;
e
fazer o balanço dos principais resultados, destacar as melhores práticas e analisar os ensinamentos
retirados e as principais recomendações para um plano de ação participativo de desenvolvimento
cooperativo na região dos Estados Árabes.
Relativamente ao quadro político e regulamentar de desenvolvimento cooperativo, os participantes
manifestaram a necessidade de: apoiar reformas legislativas nacionais e políticas nacionais para cooperativas,
em linha com a R.193 da OIT; difundir materiais de recursos da OIT sobre cooperativas, para suprir lacunas de
conhecimento e de formação; e unificar a representação regional e nacional mediante o estabelecimento de
estruturas verticais e horizontais.
No domínio da criação de emprego, competirá ao movimento cooperativo realizar ações de sensibilização
para as cooperativas, incluindo em currículos nacionais e campanhas nos meios de comunicação social.
Incentivos como o acesso a serviços sociais (p. ex., seguro social, fundo de seguridade social nacional) podem
aumentar a filiação em cooperativas. Os organismos de cúpula das cooperativas também carecem de ser
reforçados. É necessário tomar em consideração questões específicas das cooperativas no contexto nacional,
em colaboração com partes interessadas fundamentais (p. ex., ministérios, parceiros sociais, federações
de cooperativas). É ainda crucial que as partes interessadas se organizem melhor e participem em
comitês nacionais.
América do Sul
A OIT apoia e promove o desenvolvimento de OESS, como cooperativas e associações, na América do Sul,
por exemplo nos países andinos.
A nível de políticas, a OIT colabora com o Governo do Peru e com o movimento cooperativo (Confederación
Nacional de Cooperativas del Peru – CONFENACOOP) na reforma da política em matéria de cooperativas.
Na Bolívia, a OIT presta apoio técnico ao movimento cooperativo a nível da legislação em matéria de
cooperativas, de formação e de desenvolvimento de conhecimento.
Em termos de formação, a OIT irá traduzir e difundir o próximo pacote de formação “My COOP”, dirigido
especificamente a cooperativas agrícolas, que foi elaborado por organizações de vários países: Nigéria,
Países Baixos, Quênia, Reino Unido, Tanzânia e Uganda. Estas organizações integraram organizações rurais,
instituições de ensino cooperativas, governos, federações cooperativas, organizações internacionais (OIT,
FAO, CIT da OIT) e uma rede internacional de universidades e organizações de pesquisa que trabalham no
domínio da investigação agrícola, educação, formação e capacitação para o desenvolvimento. O pacote “My
COOP” tem por objetivo consolidar a gestão das cooperativas agrícolas e permitir que ofereçam serviços de
DOCUMENTO DE TRABALHO
xiii
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
alta qualidade, eficazes e eficientes aos seus membros. Numa primeira fase, “My COOP” será adaptado e
implementado na Bolívia e no Peru, em colaboração com universidades locais.
Num plano mais vasto, a ICA Américas e a OIT estão a elaborar uma análise que faz o balanço do movimento
cooperativo na América Latina. Esta análise baseia-se em estudos de caso nacionais realizados na Bolívia,
Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Paraguai e Peru, e numa análise global do movimento cooperativo na
América Latina. Esta colaboração entre a OIT e a ICA Américas será formalizada em breve com a assinatura
de um Memorando de Entendimento que definirá, entre outros aspetos, as atividades conjuntas OIT-ICA
Américas em 2012, o Ano Internacional das Cooperativas.
Europa
Em 200910, o Parlamento Europeu adotou uma resolução sobre a economia social que reconhece as OESS
na União Europeia. Elas estão representadas no EESC11 com a “Categoria Economia Social” (cooperativas,
sociedades mútuas, associações, fundações e ONG sociais). O Conselho da União Europeia, o Comitê das
Regiões e a Comissão Europeia lançaram uma iniciativa com o objetivo de reconhecer o potencial das OESS
em termos de crescimento econômico, emprego e participação dos cidadãos.12 Em resultado, a Comissão
Europeia reconheceu a importância da “Economia Social na União Europeia”.13
A OIT colaborou com o CESE em múltiplas ocasiões. O Plano de Ação adotado em Joanesburgo foi
apresentado durante a audição do CESE sobre a ESS. Em julho de 2010, o CESE adotou um parecer14 que
enuncia várias medidas para a promoção da ESS africana no âmbito da cooperação para o desenvolvimento,
entre as quais: garantir o reconhecimento pela UE do papel da ESS e da sua contribuição para o
desenvolvimento de África; envolver as OESS nos Acordos de Cotonou15; integrar a ESS na Parceria UEÁfrica; reconhecer o contributo da ESS para a criação de empregos decentes em África; incluir a ESS no
Relatório Europeu sobre Desenvolvimento, de 2010; promover e criar um ambiente favorável para a ESS, e
incluir a ESS nas parcerias estratégicas Comissão-OIT em curso.
Na sequência da adoção deste parecer, a OIT apresentou o seu conceito de ESS e o Plano de Ação adotado
em Joanesburgo no âmbito do workshop União Africana (UA) – UE sobre emprego e trabalho decente (Dacar,
Senegal – julho de 2010). O conceito de ESS foi integrado neste plano de ação UA-UE.
10 Parlamento Europeu (2009), Relatório sobre Economia Social
(www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-//EP//NONSGML+REPORT+A6-2009-0015+0+DOC+PDF+V0//EN – agosto de 2011).
11 O CESE é um organismo consultivo que proporciona aos representantes de grupos de interesse socioprofissionais e outros da Europa uma plataforma
formal para exprimir os seus pontos de vista sobre questões comunitárias. Os seus pareceres são reencaminhados para as principais instituições da UE,
o Conselho, a Comissão e o Parlamento Europeu. Os membros do CESE são escolhidos de entre os grupos de interesse econômico e social da Europa
(empregadores, trabalhadores e interesses diversos). A presença do grupo de interesses diversos, a par dos trabalhadores e empregadores, garante
que o Comitê dá voz às preocupações das diferentes organizações sociais, profissionais, econômicas e culturais que constituem a sociedade civil. Este
terceiro grupo é constituído por organizações de agricultores, pequenas empresas, empresas do setor das artes e ofícios, empresas profissionais,
cooperativas e associações sem fins lucrativos, organizações de consumidores, organizações ambientais, associações representantes da família e de
pessoas com deficiência, organizações da comunidade acadêmica e científica e organizações não governamentais.
12 www.socialeconomy.eu.org/spip.php?rubrique181
13 “Conjunto de empresas privadas, organizadas formalmente, com autonomia de decisão e liberdade de filiação, criadas para servir as necessidades dos
seus associados através do mercado, fornecendo bens e serviços, incluindo seguros e financiamento, e em que a distribuição pelos sócios de eventuais
lucros ou excedentes realizados, assim como a tomada de decisões, não estão diretamente ligadas ao capital ou às cotizações dos seus associados,
correspondendo um voto a cada um deles. A economia social também inclui empresas privadas organizadas formalmente, com autonomia de decisão
e liberdade de filiação, que prestam serviços de «não mercado» a agregados familiares e cujos eventuais excedentes realizados não podem ser
apropriados pelos agentes econômicos que as criam, controlam ou financiam.” CESE (2006).
14 Cf. http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2011:044:0129:0135:EN:PDF (agosto de 2011).
15 O Acordo de Cotonou é um vasto acordo de parceria celebrado entre os países em desenvolvimento e a União Europeia. Tem sido, desde
2000, o quadro que regulamenta as relações entre os estados de África, do Caribe e do Pacífico e a Comunidade Europeia e os seus Estados-Membros.
Para mais informações, acessar http://ec.europa.eu/europeaid/where/acp/overview/cotonou-agreement/index_en.htm
xiv
DOCUMENTO DE TRABALHO
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Atividades dos parceiros da OIT
Redes regionais
Existe na África uma multiplicidade de redes africanas específicas de um determinado modelo
de OESS. A parceria criada pela OIT com a African Social Entrepreneurs Network (ASEN) – Rede de
Empreendedores Sociais Africanos – é um exemplo. Esta plataforma tem por objetivo facilitar a troca
de ideias, de capital intelectual e de outras informações relevantes que promovam de forma acrescida o
desenvolvimento do espaço de empreendedorismo social em África.
No seguimento direto da Conferência de Joanesburgo, 14 redes de economia social africanas (da Argélia,
Benin, Burkina Faso, Camarões, Costa do Marfim, Gabão, Mali, Maurícia, Marrocos, Níger, República
Democrática do Congo, Senegal, Togo e Tunísia) reuniram-se em Mehdia (Marrocos, outubro de 2010) com
a finalidade de criar uma rede regional de ESS (Réseau Africain de l’Économie Sociale et Solidaire). Esta
reunião, que teve o apoio do Escritório Regional da OIT para África, pode ser considerada um resultado
do compromisso manifestado pelos participantes no Plano de Ação adotado em Joanesburgo. De fato,
a declaração constitutiva desta rede regional (Déclaration Africaine de Kénitra sur l’Économie Sociale et
Solidaire) apela à implementação da R.193 da OIT (2002) e do Plano de Ação adotado em Joanesburgo (2009).
Os ensinamentos retirados de experiências anteriores no continente devem ser tidos em conta aquando da
criação de redes para promover OESS. No passado, a criação destas redes parecia insustentável, não tendo
passado de uma declaração de intenções perante a inexistência de recursos humanos e financeiros de longo
prazo e das capacidades necessárias para gerir redes nacionais ou sub-regionais desta natureza.
Aos níveis regional e global, a Rede Intercontinental para a Promoção da Economia Social e Solidária (Réseau
Intercontinental de Promotion de l’Économie Social Solidaire – RIPESS) interliga redes de ESS em todo
o mundo. A RIPESS é uma rede de redes que reúne redes continentais e que, por seu turno, reúne redes
nacionais e setoriais.16 A RIPESS é composta por cinco redes regionais em cada continente (África, América do
Norte, América Latina e Caribe, Ásia e Europa).17
A Nova Trajetória de Crescimento na África do Sul
A par de outros países de África e de outras regiões do mundo, a República da África do Sul apoiou
recentemente uma nova trajetória de crescimento que coloca o emprego no centro da política econômica
do Governo. Em cooperação com os parceiros sociais, esta nova trajetória de crescimento econômico
define como meta a criação de 5 milhões de empregos nos próximos dez anos, ou seja, por outras palavras,
a redução do desemprego de 25 para 15%. Para atingir esta meta, cinco fatores impulsionadores do
emprego foram identificados como as áreas suscetíveis de criar emprego em grande escala e de garantir
um crescimento forte e sustentado na próxima década. O apoio à ESS e às suas empresas e organizações,
mediante a alavancagem do capital social na economia social e nos serviços públicos, com vista a um
crescimento mais intensivo do emprego, é um desses fatores. Estão previstas 260.000 novas oportunidades
de emprego na ESS.
O apoio do Governo a iniciativas de ESS será implementado mediante: (1) serviços de assistência (de
marketing, contabilísticos, tecnológicos e financeiros); (2) atividades de formação; (3) desenvolvimento e
reforço da ESS para estimular a aprendizagem e o apoio mútuo; (4) cooperação com sindicatos e empresas de
16 www.ripess.org/intercontinental.html (julho de 2011).
17 Mais informações sobre redes continentais RIPESS em www.ripesslac.net/home.php (julho de 2011).
DOCUMENTO DE TRABALHO
xv
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
investimento comunitárias com vista à elaboração de uma carta de compromissos para a criação de emprego;
e (5) reforço da contratação pública e da prestação de serviços públicos envolvendo organizações de ESS.
O pacote microeconômico envolve dez programas, incluindo um programa de política de desenvolvimento
rural que permite às OESS contribuir para melhorar os meios de subsistência nas comunidades rurais e ajudar
as famílias rurais a aumentar a sua produção. 18
O Fórum Internacional de Economia Social e Solidária
O Fórum Internacional de ESS (Forum International de l’Économie Sociale et Solidaire – FIESS), realizado
de 17–20 de outubro de 2011, foi organizado pelo Chantier de l’économie sociale de Montreal, Québec
(Canadá). O FIESS terá por tema principal “a necessidade de diálogo entre o Estado e a sociedade civil para
o desenvolvimento de políticas públicas facilitadoras da economia social e solidária”. Cinco subtemas foram
definidos (territórios e desenvolvimento local, inovação e empreendedorismo coletivo, finanças e comércio
solidários, trabalho e emprego e segurança alimentar e soberania).
A OIT esteve ativamente envolvida nos preparativos deste evento. Elaborou um documento de base
para o subtema sobre trabalho e emprego e financiou e supervisionou estudos de caso nacionais no Mali e na
África do Sul.
O FIESS reuniu cerca de 1.000 participantes (promotores, pesquisadores, financiadores, ONG, funcionários
governamentais, organizações da sociedade civil e parceiros sociais) do Québec, Canadá, e de mais de 50
países dos continentes americano, africano, asiático e europeu.
Os Encontros do Mont-Blanc (Les Rencontres du Mont Blanc)
Organizados todos os anos por uma associação em França, os Encontros do Mont-Blanc reúnem partes
interessadas que lideram a promoção da ESS, como CEO de mutualidades, cooperativas, organizações sem
fins lucrativos, fundações, organizações não governamentais e organizações internacionais (p. ex., OIT, PNUD).
Além de proporcionar um fórum internacional para os agentes de ESS, os Encontros do Mont-Blanc angariam
fundos para apoiar e implementar projetos de ESS concretos. Desde 2004, mais de 30 projetos foram
lançados em diversas áreas, incluindo formação, monitoramento internacional, proteção e reforço da ESS e
criação de um observatório internacional sobre práticas de ESS.19
18 Fonte: The new growth path: the framework (www.info.gov.za/view/DownloadFileAction?id=135748 – julho de 2011).
19 Para mais informações, acessar: www.rencontres-montblanc.coop/?q=en (agosto de 2011).
xvi
DOCUMENTO DE TRABALHO
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Conteúdo do Documento de Trabalho
O primeiro capítulo tem por objetivo proporcionar um entendimento comum do conceito de
ESS. Começa por efetuar o levantamento da ESS através dos seus modelos de empresas e organizações
mais comuns. Segue com a descrição das características comuns de organizações de ESS, demonstrando a
coerência do conceito de ESS ao mesmo tempo que destaca as diversas manifestações que o conceito pode
assumir. O capítulo também fornece uma visão geral de alguns conceitos e suas conexões no campo da ESS.
O segundo capítulo aborda as questões de governança e de gestão das OESS. De fato, as OESS partilham
a característica comum de se reger por uma governança e operações influenciadas por princípios de
propriedade e participação coletiva. O capítulo também fornece informações sobre os pontos fortes e fracos
da gestão de OESS e sobre as oportunidades de melhorar a sua eficiência, descrevendo várias ferramentas de
gestão e governança no contexto da realidade diária das OESS.
O desenvolvimento da ESS exige frequentemente políticas públicas que reconheçam as particularidades e
o valor acrescentado da ESS em termos econômicos, sociais e societários (p. ex., formas de governança,
trabalho social com grupos vulneráveis).
O capítulo 3 apresenta algumas políticas públicas criadas para apoiar o desenvolvimento da ESS a nível local,
nacional e internacional. Este capítulo também descreve algumas boas práticas na elaboração de políticas
públicas.
A ESS não pode ser desenvolvida ou sustentada por organizações e empresas isoladas. O capítulo 4 aborda
as ligações em rede e as parcerias, fatores cruciais na construção de uma ESS forte, reconhecida e visível. As
OESS precisam de se enraizar na comunidade, mobilizar várias partes interessadas e construir alianças fortes
com parceiros sociais e autoridades públicas. As OESS necessitam ainda de se interligar em rede a nível local,
nacional e internacional. A associação em federações e em redes permite-lhes reforçar as suas capacidades
de representação e de colaboração.
Em todo o mundo, as nossas sociedades enfrentam desafios sociais e econômicos enormes. A nível
internacional foram criadas várias estruturas de desenvolvimento para abordar estes problemas. O capítulo 5
examina de que forma as OESS contribuem para uma destas estruturas de desenvolvimento internacional, a
Agenda de Trabalho Decente da OIT. Analisa os quatro objetivos e pilares da Agenda de Trabalho Decente e
propõe áreas de ação para as OESS.
DOCUMENTO DE TRABALHO
xvii
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Acrônimos
AGA
Assembleia Geral Anual
ASCA
Associação de poupança e crédito acumulado
RSE
Responsabilidade social empresarial
ATD
Agenda de Trabalho Decente
UE
União Europeia
FBES
Fórum Brasileiro de Economia Solidária
CIT
Conferência Internacional do Trabalho
OIT
Organização Internacional do Trabalho
CDL
Centros de desenvolvimento local
ONG
Organização Não Governamental
OSFL
Organização Sem Fins Lucrativos
ROSCA
Associação de poupança e crédito rotativo
EES
Empresa de economia solidária
SENAES
Secretaria Nacional de Economia Solidária
ESS
Economia Social e Solidária
OESS
Empresas e organizações de economia social e solidária
xviii
DOCUMENTO DE TRABALHO
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Capítulo 1: Compreender a
economia social e solidária
1.1 Introdução
Este capítulo procura explicar o significado e a
natureza da Economia Social e Solidária (ESS). A
ESS está presente no nosso entorno e refere-se a
realidades que são familiares a toda a gente: todos
somos membros de, pelo menos, uma associação,
os legumes que compramos e comemos são
frequentemente produzidos ou comercializados
por pessoas organizadas em cooperativas, muitas
das quais possuem contas bancárias em bancos
cooperativos ou mutualistas. Em diferentes
países africanos, europeus e latino‑americanos, a
seguridade social é prestada por mutualidades de
saúde. Todos ouvimos falar de empreendedores
sociais famosos, como Mohamad Yunus, que
recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 2006.
1.2 O Levantamento da ESS
A ESS organiza-se em modelos específicos de
empresas e de organizações. Cooperativas,
mutualidades, associações e empresas sociais são
os modelos mais comuns, mas não os únicos. É
um grupo dinâmico de agentes em permanente
evolução que promovem e gerem organizações
econômicas centradas nas pessoas.20
1.2.1 Cooperativas
Formalizada pela Rochdale Society of Equitable
Pioneers (Manchester, Inglaterra, 1844), a empresa
cooperativa difundiu-se rapidamente, estando
atualmente presente em todos os cantos do mundo.
Uma cooperativa é uma “uma associação autônoma
de pessoas, que se unem voluntariamente para
satisfazer as suas necessidades e aspirações
econômicas, sociais e culturais comuns, através
de uma empresa de propriedade conjunta e
democraticamente controlada” (ICA 1995; OIT 2002
20 Alguns excertos deste capítulo são adaptados de Fonteneau &
Develtere (2009).
Recomendação 193: Promoção das Cooperativas,
Secção I, Artigo 2.º) (ver glossário - versão oficial:
associação autônoma de pessoas que se unem
voluntariamente para atender a suas necessidades e
aspirações comuns, econômicas, sociais e culturais,
por meio de empreendimento de propriedade
comum e de gestão democrática). Nem todas as
cooperativas estão registradas legalmente;
este modelo organizacional é frequentemente
escolhido por grupos de produtores ou de
consumidores sem que eles estejam legalmente
reconhecidos como cooperativa. Existem empresas
cooperativas em praticamente todos os setores
de atividade como, por exemplo, cooperativas
agrícolas, cooperativas de seguro, cooperativas de
poupança e crédito, cooperativas de distribuição,
cooperativas de trabalhadores, cooperativas de
habitação, cooperativas de saúde e cooperativas de
consumidores.
As cooperativas na África, em países ex-comunistas
ou durante alguns regimes ditatoriais sulamericanos, por exemplo, têm tido uma história
acidentada, em particular porque a sua forte
exploração pelos Estados minou o envolvimento
voluntário dos seus membros. Um número
crescente de pessoas que pretendem gerir uma
organização coletivamente tende, cada vez com
maior frequência, a escolher este tipo de estrutura
econômica. Um estudo (Pollet & Develtere, ILOCOOP Africa, 2009) revela que está a assistir-se a
um recrudescimento do número de cooperativas
em vários países africanos: 7% dos africanos são
membros de uma ou várias cooperativas (Develtere,
Pollet & Wanyama, 2008).
Por todo o mundo assiste-se a um renascimento
semelhante das cooperativas. O continente latinoamericano é considerado pela Aliança Cooperativa
Internacional a região “de maior crescimento” no
que se refere a novas cooperativas e de filiação
(Conferência Regional do ICA, 2009). Estes
fenômenos são marcantes, dada a recente crise
DOCUMENTO DE TRABALHO
1
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Quadro 1.1: A Aliança Cooperativa
Internacional
A Aliança Cooperativa Internacional foi fundada
em Londres em 1895. Atualmente, tem 223
membros que operam em todos os setores
de atividade, em particular na agricultura,
banca, consumidores, habitação, indústria,
pesca, saúde e turismo, com um total de
aproximadamente 800 milhões de membros
em todo o mundo. A Corporación Mondragón,
na região basca espanhola, é um exemplo
notório de uma empresa enraizada num
território. Na década de 1950, a população
local começou a trabalhar num complexo
verdadeiramente industrial capaz de reconstruir
a economia regional destruída pela Guerra Civil
e pela Segunda Guerra Mundial. A Mondragón
evoluiu para um Grupo Cooperativo
Internacional que emprega atualmente mais
de 92.000 pessoas, na sua maioria nos setores
industrial e varejista (Mondragon CC, 2010).
No Reino Unido, o grupo cooperativo possui
cerca de 75.000 colaboradores e despende
vastos recursos no apoio a novas cooperativas
e iniciativas comunitárias.
que questiona o sistema econômico e financeiro
predominante.
Vários estudos revelam igualmente que o setor
cooperativo se tornou particularmente resistente
durante a recente crise econômica e financeira que
eclodiu em 2008 (Birchall & Ketilson, 2009).
Em reconhecimento do potencial das cooperativas
para prevenir e reduzir a pobreza e para conceder
oportunidades de emprego, a Assembleia Geral das
Nações Unidas declarou 2012 o Ano Internacional
das Cooperativas e “encoraja todos os Estados
Membros, assim como as Nações Unidas e
todos os demais envolvidos, a aproveitarem o
Ano Internacional das Cooperativas como uma
forma de promover as cooperativas e aumentar
a consciencialização da sua contribuição para o
desenvolvimento social e econômico” (Resolução A/
RES/64/136 da ONU, número 3).
2
DOCUMENTO DE TRABALHO
1.2.2 Mutualidades
Existem organizações de assistência mútua há
muito tempo e praticamente em todo o mundo.
As mutualidades são sociedades e organizações
cujo objetivo consiste, essencialmente, na
prestação de serviços sociais aos seus membros
e respectivos dependentes. Estas sociedades,
formais ou informais, satisfazem a necessidade
sentida pelas comunidades de organizar a prestação
de apoio social coletivo mediante a partilha de
um vasto conjunto de riscos: cuidados de saúde,
medicamentos, apoio na doença (resultante de
enfermidades ou de acidentes), apoio material a
famílias enlutadas, repatriação de corpos, despesas
incorridas em rituais (como sociedades funerárias),
colheitas fracas, campanhas de pesca fracas, etc.
As mutualidades prestam serviços através de um
mecanismo de partilha de riscos e de reunião de
recursos. As principais diferenças entre estas e as
companhias de seguro clássicas residem no fato
de as mutualidades serem sociedades sem fins
lucrativos que não selecionam os seus membros
nem calculam os prêmios dos seus membros com
base nos seus riscos individuais.
Um elevado número de estruturas mutualistas
opera no setor da proteção social. A Association
Internationale de la Mutualité (AIM) foi criada
na década de 1950. Reúne 40 federações ou
associações de mutualidades autônomas no
domínio da saúde e da proteção social em 26
países. As filiadas na AIM funcionam segundo os
princípios da solidariedade e sem fins lucrativos
e prestam cobertura a mais de 170 milhões de
pessoas em todo o mundo. No setor dos seguros,
a Federação Internacional de Cooperativas e
Mutualidades de Seguros (ICMIF) representa os
interesses das cooperativas e das mutualidades. A
ICMIF possui atualmente 212 filiadas em 73 países.
Alguns planos de rotação de mão de obra ou
associações de poupança e crédito rotativo
informais (também conhecidas por “tontines” em
algumas partes do mundo) podem ser associados
às mutualidades, na medida em que combinam o
desenvolvimento societário e a interação social com
funções econômicas ou financeiras (mão de obra
ou poupança e crédito), em que os participantes
decidem sobre as condições e regras. O serviço
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
prestado faz parte de uma
relação social que cria
e dissolve obrigações
recíprocas e interesses
partilhados (Servet, 2006).
A liberdade de associação
é um direito humano
reconhecido, mas a sua
prática depende da forma
como está salvaguardada
nas jurisdições nacionais e
da aceitação e apoio a essas
organizações. Na prática,
Retrato de um aldeão boliviano.
a ESS pode ser encarada
como uma estrutura que
permite concretizar diferentes formas de liberdade
de associação individual, na medida em que tem
por objetivo produzir bens ou serviços numa base
contínua sem se centrar prioritariamente no lucro
(Develtere & Defourny, 2009).
O número incontável de associações, organizações
voluntárias, organizações comunitárias,
organizações sem fins lucrativos e grupos de
interesse econômico forma um grupo heterogêneo
que opera em todos os setores possíveis.
“Modernas”, “comunitárias” ou “tradicionais”, todas
operam na mesma base (p. ex., regras negociadas
e reciprocidade garantida em particular por controle
social) e possuem objetivos semelhantes (p. ex.,
utilidade econômica ou criação e manutenção de
vínculos sociais). A redução do fosso entre cidadãos
e autoridades tem sido e continua a ser um dos
objetivos das associações construídas em torno
de vínculos comunitários de ESS. As associações
possuem muitas vantagens; por exemplo, os
seus métodos de instituição e funcionamento são
relativamente flexíveis e fornecem a base para
novas formas de sociabilidade (particularmente em
áreas urbanas).
© OIT / Maillard J.
1.2.3 Associações
e organizações
comunitárias
sobre as associações,21 em particular do setor sem
fins lucrativos que, como prova o vasto programa
de pesquisa coordenado pela Universidade Johns
Hopkins, representa a maior parte da componente
de economia social e parte da componente
mutualista com estatuto jurídico.
Os resultados mais recentes deste programa
(Salamon et al., 2003) revelam que, entre os 35
países analisados com maior profundidade pelo
estudo, o setor sem fins lucrativos totaliza cerca
de 39,5 milhões de trabalhadores a tempo inteiro,
incluindo 21,8 milhões de assalariados e 12,6
milhões de voluntários (Defourny & Develtere, 2009).
1.2.4 Empresas sociais
O empreendedorismo social é um conceito
relativamente recente e um fenômeno em clara
ascendência. Na Europa e na América do Norte, o
fenômeno despontou no contexto de crise vivido
na década de 1970, em resposta à incapacidade de
satisfazer necessidades sociais e às limitações das
políticas laborais e sociais tradicionais no combate
à exclusão social (Nyssens, 2006). Este fenômeno
nasceu da vontade de algumas associações
21 Os primeiros estudos a identificar os contornos da economia social
Nos últimos dez anos, tem sido feito um esforço
notável para aumentar os nossos conhecimentos
numa perspectiva comparativa internacional e a quantificar as suas
três componentes foram realizados por um grupo de pesquisadores
de 11 países europeus e norte-americanos. Estes estudos foram
realizados sob o patrocínio do Centro Internacional de Pesquisa e
Informação sobre a Economia Pública, Social e Cooperativa (CIRIEC)
(Defourny & Monzon Campos, 1992).
DOCUMENTO DE TRABALHO
3
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
As empresas sociais dizem respeito a múltiplas
situações. São propostas diferentes definições.
Segundo Thompson & Doherty (2006), as empresas
sociais são organizações que procuram soluções de
negócio para problemas sociais. O projeto SETYSA
da Secretaria Internacional do Trabalho define
como empresas sociais aquelas que se regem pelos
seguintes princípios:
Têm uma finalidade social principal, claramente
enunciada como seu objetivo central;
Usam um modelo de negócio financeiramente
sustentável, com perspectivas realistas de
geração de renda suficiente para exceder os
custos, sendo uma parte significativa dessa
renda gerada por remunerações (por oposição a
subvenções ou doações);
Respondem perante os seus acionistas/partes
interessadas e dispõem de um mecanismo
apropriado que garante a responsabilização
perante os beneficiários e mede e demonstra o
seu impacto social.
As empresas sociais diferem dos outros modelos
descritos, porque não são obrigatoriamente
empresas de propriedade coletiva. Também se
distinguem das empresas com fins lucrativos,
porque não têm o lucro financeiro como objetivo
exclusivo, na medida em que também procuram
gerar benefícios sociais através dos produtos
ou serviços comercializados, do perfil dos
trabalhadores envolvidos (p. ex., trabalhadores
pouco qualificados ou trabalhadores contratados
ao abrigo de planos de inserção profissional) e da
afetação dos lucros financeiros obtidos.
O empreendedorismo social defende que a
mentalidade e atitude empresarial se podem
manifestar em qualquer parte (Dees, 1998) e que
a atividade econômica combina rentabilidade
e mudança social. Nesse sentido, as empresas
sociais são frequentemente organizações híbridas,
porque fazem negócio ao mesmo tempo que
promovem valores sociais. Caracterizam-se ainda
4
DOCUMENTO DE TRABALHO
com frequência por uma governança e propriedade
de várias partes interessadas (reunindo utilizadores,
fundadores, financiadores, autoridades locais, etc.)
que são, de certo modo, o garante do objetivo social
da empresa. As empresas sociais caracterizam-se
ainda por uma democracia econômica.
Esta democracia econômica traduz-se com frequência
em limites a nível do poder de voto e do retorno sobre
as participações sociais (teto sobre a distribuição de
lucros e bloqueios de ativos) (Nyssens, 2006).
As empresas sociais são figuras jurídicas
reconhecidas em vários países desde a década
de 1990. Algumas destas figuras jurídicas são
claramente inspiradas pelo modelo cooperativo (p.
ex., a lei italiana pioneira das Cooperative Sociali de
1991). Foram ainda criadas outras estruturas legais,
como a Empresa de Interesse Comunitário no Reino
Unido, e a Société à finalité sociale na Bélgica. Em
Itália, o Consorzio Gino Mattarelli (CGM) reúne 1.100
cooperativas sociais e 75 consórcios locais.
O empreendedorismo social é promovido por um
elevado número de redes, como a Ashoka Network
e a Schwab Foundation, que têm lançado iniciativas
importantes nos últimos anos com o intuito de
identificar e estimular empreendedores sociais e
empresas sociais. A sua abordagem das empresas
sociais é, em larga medida, mais aberta que outras
abordagens (p. ex., as abordagens europeias) ou
estruturas jurídicas, porque enfatizam na sua maioria
o papel dos empreendedores sociais individuais
ou o seu objetivo social, sem lhes adicionar outros
critérios relacionados com a propriedade coletiva ou a
© LE MAT
voluntárias de criar empregos para pessoas
excluídas do mercado de trabalho tradicional e
de empresários individuais que pretendiam gerir
negócios com fins marcadamente sociais.
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
distribuição dos excedentes que são particularmente
importantes do ponto de vista social e solidário.
1.2.5 Fundações
As fundações podem ser qualificadas, em parte,
como componentes da ESS; contudo, nem todas as
fundações funcionam dentro desse espírito.
Alguns países estabelecem uma distinção entre as
fundações de utilidade pública ou de solidariedade
social e as fundações privadas (Gijselinckx &
Develtere, 2006). As fundações de utilidade pública
ou de solidariedade social perseguem objetivos
sem fins lucrativos, de interesse público, pelo
que servem os interesses das comunidades.
As fundações privadas também perseguem
objetivos sem fins lucrativos, no entanto a sua
natureza privada pode inscrever-se ou não no
domínio da ESS. Alguns autores consideram
ainda de certo modo contraditórias as atividades
geradoras de recursos que são parcialmente
investidos em projetos filantrópicos (dado tratarse frequentemente de atividades praticadas por
grandes empresas multinacionais). Dir-se-ia que a
ausência de governança participativa na maioria das
fundações e as críticas clássicas apontadas a este
setor (incluindo os motivos que se presumem estar
por detrás da criação de certas fundações, como
marketing, evasão fiscal e vaidade) (Prewitt, 2006)
são argumentos convincentes contra a associação
das fundações à economia social.
No entanto, algumas fundações são consideradas
como fazendo parte da ESS. Um exemplo é o Centro
de Fundações Europeias (sediado em Bruxelas),
que tem por missão reforçar o financiamento
independente de organizações filantrópicas na
Europa. Reúne mais de 230 organizações em 40
países e explicitamente inclui a sua missão na
economia social. Outro exemplo é a Social Economy
Europe, uma rede europeia de cooperativas,
mutualidades, associações e fundações. Tem por
missão contribuir para um maior reconhecimento
político e jurídico da economia social na Europa e
inclui explicitamente as fundações na sua definição
de economia social.
O debate sobre a associação das fundações à
economia social ainda não está encerrado, embora
seja provável que não exista uma resposta definitiva
para esta questão, perante a variedade e a natureza
por vezes contraditória das diferentes figuras
jurídicas assumidas pelas fundações. Para distinguir
as fundações de economia social das restantes,
convirá destacar as características comuns que
partilham com as empresas e organizações de
economia social e solidária, em particular a natureza
democrática do seu processo de decisão.
1.3 Características comuns
das organizações de ESS
1.3.1 Objetivos
Apesar das diferentes formas organizacionais,
as empresas e organizações de economia social
e solidária (OESS) possuem características
comuns que as distinguem de outras empresas e
organizações públicas e privadas. Os acadêmicos,
os profissionais e os gestores públicos têm usado
estas características para identificar estas empresas
e organizações em todo o mundo.
A principal característica distintiva de uma
organização social e solidária é o fato de produzir
bens e serviços. Esta característica é particularmente
importante para diferenciar algumas associações
que, por exemplo, se limitem a juntar alguns amigos
para jogar futebol de um clube desportivo sem
fins lucrativos que fornece formação desportiva e
instalações de treino ao público.
Algumas definições sublinham que na economia
social a produção de bens e serviços é um objetivo
mais importante que a maximização dos lucros. O
lema do Conselho Mundial das Uniões de Crédito
diz tudo: “sem fins lucrativos, sem fins caritativos,
mas de serviço.” Os lucros são essenciais para a
sustentabilidade e o desenvolvimento das empresas
e das organizações. No entanto, os benefícios
financeiros não são o objetivo principal das OESS,
e a sua utilização ou distribuição deve obedecer
a regras específicas intrínsecas das estruturas
jurídicas aplicáveis e/ou negociadas coletivamente
pelos seus membros. Nada impede as OESS de
gerar excedentes, como é evidente. Pelo contrário,
os excedentes são necessários para viabilizar
DOCUMENTO DE TRABALHO
5
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Figura 1.1: Objetivos sociais e econômicos
combinados
1.3.2 Economia de quem?
Participação
Função
Econômica
e Social
Envolvimento
Voluntário
Economia
Social e
Solidária
Dimensão
Coletiva
Autonomia
Solidariedade
estas empresas e organizações econômicas. Mas
a secundarização deste objetivo, a forma como
estes lucros ou excedentes são produzidos (“custo
aproximado”) e as regras da sua redistribuição entre
as pessoas que os ajudaram a gerar, contribuindo
com mão de obra, capital ou outros recursos, são
algumas diferenças que distinguem as OESS das
empresas com fins lucrativos.
Uma vez que as economias da maior parte dos
países funcionam segundo princípios de mercado,
os bens e serviços fornecidos pelas OESS são
comercializados nesses mercados e competem
com os bens, produtos e conhecimentos fornecidos
por outros operadores privados. Contudo, em
certos casos (em particular nos serviços sociais), as
regras do serviço público servem de referência. A
economia social também pode ter de criar mercados
especiais, como o mercado do comércio justo, em
que os princípios da economia de mercado (em
particular a concorrência) são combinados com
determinadas características (p. ex., efeitos externos
positivos para um grupo de produtores ou proteção
ambiental).
Alguns agentes econômicos consideram paradoxal
que a economia social e solidária combine objetivos
sociais e econômicos. Algumas autoridades públicas
também sentem dificuldade em posicionar as
OESS nas políticas públicas que, com frequência,
são compartimentalizadas em vez de privilegiar
6
abordagens abrangentes. A inclusão das dimensões
social, financeira e ambiental da sustentabilidade
representa, de fato, um desafio para as OESS.
DOCUMENTO DE TRABALHO
A economia social e solidária é, por vezes,
confundida com uma economia dos pobres ou
“para os pobres e outras categorias vulneráveis”,
como as mulheres, as pessoas com deficiência,
os trabalhadores pouco qualificados ou os jovens
trabalhadores. Este não é seguramente um critério
que distingue a economia social de outras formas
de economia. A economia social não é, por
definição, uma economia dos mais pobres ou dos
mais vulneráveis. Tem a ver, na verdade, com uma
escolha que se faz.
As pessoas podem optar por combinar objetivos
(econômicos, sociais, ambientais ou outros), por não
maximizar o retorno financeiro sobre o investimento
e por definir uma governança participativa.
No entanto, esta percepção da economia social
não é totalmente incorreta. Em razão dos princípios
e mecanismos de solidariedade envolvidos, as
empresas e as organizações de economia social
são frequentemente as únicas formas acessíveis
a pessoas que não conseguem mobilizar capital
suficiente ou outros recursos para lançar e
desenvolver atividades econômicas.
E, como Jacques Defourny (1992) afirmou com
tanta pertinência, a necessidade frequentemente
estimula a emergência de iniciativas de economia
social. Este tipo de economia, pelo objetivo social
que lhe é inerente, tende a atrair grupos, utilizadores
ou clientes que não têm acesso ou que têm acesso
limitado a empregos ou a determinados bens,
produtos e conhecimentos.
Desta forma, a economia social evolui tanto por
aspiração como por necessidade (Lévesque, 2003).
É do interesse das organizações de economia
social, porém, garantir uma filiação diversificada,
desde que consigam assegurar que os seus
membros possuem interesses comuns. Não faria
sentido, por exemplo, que uma mutualidade de
saúde reunisse membros cujos perfis ou atividades
econômicas os tornassem mais vulneráveis no
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
domínio dos cuidados de saúde. Equivaleria a criar
mecanismos de solidariedade entre os pobres
ou vulneráveis (solidariedade distributiva). Pelo
contrário, as organizações de economia social têm
todo o interesse em possuir membros de diferentes
categorias econômicas e sociais por forma a garantir
maior viabilidade econômica e a criar uma base
para solidariedade redistributiva. Com frequência,
as organizações veem-se forçadas a encontrar
um equilíbrio entre interesses econômicos, este
mecanismo de solidariedade e um mecanismo de
geração e reforço mútuo de coesão social, essencial
para a ação coletiva.
1.3.3 Princípios de funcionamento comuns
Participação
Os membros, utilizadores ou beneficiários de
OESS têm a oportunidade de ser proprietários
da organização ou de participar ativamente no
processo de decisão.
Quando concedem aos membros ou aos
beneficiários/utilizadores a capacidade de ter um
papel equitativo nas decisões, estas organizações
estabelecem métodos de funcionamento
participativos.
Esta participação pode existir sob diversas formas.
Nas cooperativas, mutualidades e associações,
o princípio em teoria é: “uma pessoa, um voto”.
Este princípio tem por objetivo garantir que as
diversas contribuições dos membros individuais
(p. ex., trabalho, contributos em espécie, dinheiro)
são reconhecidas por igual e que nenhuma destas
formas de input (como o dinheiro) é mais valorizada
que outras ou detém maior peso na organização e
nas decisões tomadas.
O processo de decisão pode ser diferente em
algumas OESS (p. ex., decisões por consenso). Por
conseguinte, o grau de participação pode variar
muito de um modelo de empresa ou organização
para outro, mesmo entre organizações que
partilham o mesmo estatuto legal, e algumas OESS
serão mais “democráticas” que outras. As formas
de participação podem ser ainda mais variadas
quando envolvem partes interessadas adicionais
(p. ex., membros, beneficiários, utilizadores) ou em
resultado das particularidades de alguns setores em
que as OESS operam (em particular em termos de
eficiência, agilidade ou perfil de utilizador/cliente,
entre outros).
A possibilidade de controle e de imposição de
sanções, inseparável da participação, garante que
as decisões tomadas estão em consonância com os
objetivos inicialmente acordados e com o espírito da
organização. A natureza participativa da tomada de
decisões distingue as OESS das empregas privadas
com fins lucrativos ou das empresas públicas, em
que as sanções são impostas pelo mercado ou
por votação. Em última análise, estes mecanismos
e procedimentos de funcionamento garantem ao
utilizador, membro ou beneficiário confiança na
organização de economia social e nos seus líderes,
sejam eles eleitos (como no caso das cooperativas)
ou não (como no caso das empresas sociais).
Solidariedade e inovação
Os métodos de funcionamento das organizações de
economia social são frequentemente descritos como
sendo baseados na solidariedade. De fato, alguns
autores preferem usar a expressão “economia
solidária” precisamente para enfatizar esta
dimensão. Os métodos de funcionamento baseados
no princípio da solidariedade visam incluir e não
excluir; não têm por finalidade exclusiva acumular
capital ou gerar lucros, e usam, entre outros,
recursos para alcançar objetivos que beneficiem
os promotores, bem como os trabalhadores e
utilizadores/beneficiários envolvidos.
A componente de solidariedade também explica por
que motivo estas organizações são frequentemente
expoentes de flexibilidade e inovação. Têm por
objetivo fundamental encontrar soluções e satisfazer
necessidades em constante mutação e evolução.
Usando as conexões estreitas que mantêm com os
utilizadores/beneficiários (sejam eles membros da
organização ou não) sem se confinar a “sinais do
mercado”, estas organizações estão focadas em se
adaptar constantemente para continuar a cumprir
esta função.
DOCUMENTO DE TRABALHO
7
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Envolvimento voluntário e autonomia
O envolvimento das pessoas numa base voluntária,
sem qualquer obrigatoriedade, é uma característica
distintiva das cooperativas, mutualidades e outras
associações. Em alguns países ou períodos
específicos, as organizações sociais e solidárias
não são automaticamente associadas ao conceito
de filiação voluntária ou ação coletiva, porque
estes modelos de organizações têm sido usados
por governos ou por autoridades coloniais para
organizar as populações de forma coerciva visando
objetivos de produção ou fins políticos.
Dimensão coletiva
O aparecimento de OESS nasce da vontade de
pessoas e/ou de grupos de juntar forças para
satisfazer as necessidades próprias ou de terceiros.
É por isso que alguns autores (Defourny & Develtere,
1999) afirmam que a coesão social e a identidade
coletiva são praticamente associadas por sistema
à economia social. Tradicionalmente, este fator
coletivo distingue as OESS das empresas privadas
com fins lucrativos, em que o empresário (concebido
como pessoa singular) é apresentado como a força
impulsionadora por detrás da iniciativa.
A dimensão sistematicamente coletiva das OESS
pode ser posta em causa. As condições em que
surgem (necessidades coletivas ou necessidades
partilhadas em comum) e os métodos de
funcionamento das cooperativas, mutualidades
e associações refletem uma dimensão coletiva,
em particular em termos de agrupamento de
recursos, métodos de decisão e distribuição de
benefícios. Contudo, atualmente, esta dimensão
coletiva não está presente na mesma medida em
todas as empresas e organizações. Pode existir
em determinados momentos da vida de uma
organização (especialmente na fase inicial) e
deteriorar-se (em particular quando a organização
se torna profissionalizada), embora a organização
não perca necessariamente de vista os seus
objetivos ou filosofia iniciais. Como já foi referido, a
dimensão coletiva também pode ser posta em causa
em empresas e organizações específicas, como
empresas sociais ou fundações.
Esta dimensão coletiva esconde, por vezes, um fator
crucial no sucesso de organizações de economia
social: a liderança dos seus fundadores ou líderes.
Esta liderança é concebida como expressão de
legitimidade, mas também como fator facilitador
do acesso a recursos internos e externos (p. ex.,
confiança, engajamento, capital social, envolvimento
voluntário) que são mais difíceis de mobilizar por
outros meios. A liderança não é intrinsecamente
antinômica da dimensão coletiva de uma
organização, embora, na prática, uma liderança
demasiado forte possa traduzir-se em formas de
governança menos coletivas. Na verdade, foi assim
que surgiu o conceito de empresas sociais ou de
empresários sociais. Estas empresas sociais diferem
das estruturas clássicas da economia social por
enfatizarem uma característica típica das empresas
privadas com fins lucrativos, o empresário individual,
com o seu dinamismo, engajamento pessoal e
práticas inovadoras (Defourny & Nyssens, 2009).
1.3.4 Recursos
Os recursos não são, por definição, um critério de
distinção entre a economia social e outras formas
de economia, embora forneçam uma base para
determinar o peso da economia comparativamente
a outros fatores e identificar as questões associadas
à utilização de vários recursos.
© LE MAT
O tema dos recursos também suscita a questão da
autonomia das organizações de economia social e
até de qualquer iniciativa privada.
Passepartout – uma pequena rede local de turismo responsável
na região da Umbria, Itália
8
DOCUMENTO DE TRABALHO
Importa esclarecer desde logo que não existe
um modelo único que represente os recursos da
economia social. A economia social usa recursos
públicos e recursos gerados pelo comércio e pelo
mercado, bem como envolvimento e trabalho
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Quadro 1.2: Responsabilidade social empresarial e a ESS
A origem do conceito de responsabilidade social empresarial radica na filantropia empresarial que teve
desenvolvimento no século XIX, mas que foi promovida em particular após a Segunda Guerra Mundial.
A responsabilidade social empresarial (RSE) é um meio utilizado pelas empresas para ponderar o
impacto das respectivas operações na sociedade, e afirmar os seus princípios e valores tanto nos seus
próprios métodos e processos internos como na respectiva interação com outros. A RSE é uma iniciativa
voluntária orientada pelas empresas e refere-se a atividades que se considera irem além do simples
respeito pela lei (Conselho de Administração da OIT, 2006). Os programas de RSE podem ser transpostos para uma multiplicidade de atividades e domínios, como
doações e apoio a organizações externas, contabilidade social, avaliação do impacto social ambiental,
gestão de recursos humanos internos e gestão do risco.
Existe uma ligação entre a RSE e a ESS? Em caso afirmativo, qual seria?
Até à data, a RSE tem sido uma tendência no seio de algumas empresas convencionais com fins
lucrativos como forma de redistribuir parte do seu excedente tendo em vista questões sociais ou
ambientais; de melhorar a sua imagem pública; de compensar ou atenuar alguns impactos negativos
gerados pelas suas atividades; ou de melhorar o bem-estar e de aumentar a motivação e a produtividade
dos seus colaboradores. Enquanto não mudar profundamente o funcionamento e finalidade da
organização, a RSE não transforma estas empresas em OESS. No entanto, a ligação entre a RSE e a ESS
pode ser estabelecida de várias formas, como no caso em que uma empresa promove a ESS através
do apoio a OESS ou em que uma empresa com RSE cria uma fundação de utilidade pública com gestão
participativa como ferramenta redistributiva. As parcerias entre as OESS e as empresas comerciais
privadas são mais frequentes no setor do comércio justo (p. ex., parcerias conjuntas em contratos
públicos e etiquetas de comércio justo relacionadas com práticas de comercialização) (Huybrechts,
Mertens & Xhaufflair).
A ligação também pode ser estabelecida no outro sentido. Algumas OESS, em particular as mais antigas
e consagradas (no setor financeiro e de seguros), também podem elaborar uma política de RSE que
ultrapasse o seu objetivo primordial e melhore ou complemente as suas operações internas direcionadas
para os colaboradores ou os membros. Foi neste espírito que o Grupo Mondragón criou a Fundação
Mukundide, em 1999, para promover iniciativas de produção comunitária e cooperativa visando o
desenvolvimento sustentável de países em desenvolvimento.
voluntário, um recurso a que poucas outras formas
de economia têm acesso.
em espécie. Nas fundações, donativos ou legados
permitem às organizações atingir os seus objetivos.
As OESS usam recursos fornecidos de uma ou
outra forma pelos seus criadores e membros. Numa
cooperativa, estes recursos assumem a forma de
títulos de capital dos membros. Numa associação
ou mutualidade, assumem a forma de subscrições
dos membros.
Costuma dizer-se que a autonomia é o fator que
distingue a economia social da economia pública.
No entanto, a economia social usa recursos públicos
sob a forma de subvenções de governos nacionais
e de assistência oficial ao desenvolvimento de
países do Sul. Esta forma de concessão de recursos
públicos pode indicar que as autoridades públicas
reconhecem a existência e a função da economia
social (entre outras formas de economia) ou
Nas empresas sociais, essa renda é gerada sob a
forma de contribuições para o capital ou de ativos
DOCUMENTO DE TRABALHO
9
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
pode assumir a forma de “subcontratação” ou de
parceria na implementação de políticas públicas.
Geralmente, fala-se de economia “não de mercado”
(em que o preço de um produto ou serviço não
reflete os custos incorridos), sempre que pelo
menos 50% dos custos de produção não são
cobertos por recursos gerados pelo mercado.
se não existir um equilíbrio entre diferentes tipos
de recursos, o voluntariado pode constituir um
obstáculo ao desenvolvimento da organização
quando os trabalhadores voluntários não possuem
profissionalização, competências adequadas ou
disponibilidade suficiente.
Os recursos de associações nos países do Sul
proveem sobretudo da ajuda internacional, seja
porque a associação pretende disponibilizar os seus
bens e serviços de modo a garantir acessibilidade,
seja porque o grupo-alvo ou os membros não
podem pagar, seja porque a organização não
consegue gerar recursos suficientes através de
subscrições, vendas, etc.
1.4 Conceitos conexos
Dado que, por definição, as OESS têm uma missão
econômica, muitas delas obtêm uma parcela
consideravelmente significativa dos seus recursos
através da venda de bens e/ou da prestação de
serviços, caso em que frequentemente competem
com outros operadores privados. Em situação
de concorrência (eventualmente em relação
aos mesmos produtos ou serviços), por vezes
a economia social pode estar em desvantagem,
dado que poderá ter maior dificuldade em
propor alternativas equivalentes em termos de
preço (porque não usa economias de escala), de
capacidade de resposta (porque as decisões são
participativas) ou de qualidade. Uma das estratégias
adotadas pela ESS para se impor consiste em
destacar a sua vantagem comparativa do ponto
de vista microeconômico (objetivos combinados,
inovação, flexibilidade), assim como em termos
macroeconômicos e societários.
O trabalho voluntário é um recurso a que poucas
organizações privadas com fins lucrativos ou
públicas têm acesso. As OESS conseguem mobilizar
este recurso, porque os trabalhadores voluntários
subscrevem os princípios de uma organização de
economia social, consideram os seus objetivos
relevantes e as suas ações legítimas, e aderem à
participação e ao controle que possam ocorrer nas
atividades da organização e nos órgãos de decisão.
O trabalho voluntário é um recurso especial e
um ativo extraordinariamente importante para
as organizações de economia social. No entanto,
10
DOCUMENTO DE TRABALHO
A expressão “empresas e organizações de
economia social e solidária”, usada no presente
documento de trabalho, não é a única forma de
qualificar as realidades que descrevemos.
Economia social, economia solidária, economia
popular e organizações sem fins lucrativos são
conceitos conexos. Todos têm origens geográficas
definidas e outros fundamentos teóricos e sublinham
dimensões específicas desta forma de economia.
Uma breve análise de alguns destes conceitos
pretende demonstrar que, apesar das suas
características comuns, as OESS podem diferir em
termos de formas organizacionais e de abordagens.
1.4.1 Economia social
A expressão “economia social” é frequentemente
apresentada como tendo sido usada pela primeira
vez no final do século XIX para descrever as
associações voluntárias de autoajuda estabelecidas
pelos trabalhadores com o intuito de enfrentar as
sequelas provocadas pela expansão do capitalismo
industrial. A expressão foi recuperada na década
de 1970, quando os movimentos cooperativos,
mutualistas e associativos franceses redescobriram
as suas características comuns e beneficiaram
de um reconhecimento institucional acrescido
(Defourny & Develtere, 2009). A economia social
é classicamente associada a cooperativas,
mutualidades e associações. Estas entidades
partilham o objetivo de reunir organizações
autônomas que dão prioridade a servir os seus
membros ou a comunidade em detrimento do
lucro e que incorporam processos de decisão
democráticos, apesar de algumas diferenças na
distribuição de benefícios (as cooperativas permitem
a distribuição de excedentes em numerário aos
seus membros, enquanto as associações e as
mutualidades a proíbem).
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Em algumas partes do mundo (p. ex., Bélgica,
França, Québec e Espanha), a economia social é
alvo de reconhecimento político e econômico por
parte dos ministérios, administrações e respectivas
políticas públicas de apoio. Nestas regiões, a
economia social abrange diversas organizações,
incluindo grandes bancos, seguradoras ou
organizações agrícolas amplamente consagrados
e, mais recentemente, iniciativas de menor vulto,
apoiadas ou não por políticas públicas.
1.4.2 Economia solidaria
“Economia solidária” é uma expressão usada
especialmente na França, na América Latina e
no Québec. Claramente, a expressão destaca a
solidariedade como principal característica deste
tipo de economia, por oposição à economia
capitalista convencional.
Na América Latina, esta expressão é usada para
abranger um vasto conjunto de iniciativas. Em
outras regiões (França e Québec), esta expressão
tem sido promovida para estabelecer a distinção
entre componentes consagrados da economia
social (cooperativas, associações, mutualidades) e
mecanismos e organizações de solidariedade mais
recentes.
1.4.3 Economia popular
A expressão “economia popular” está enraizada na
América Latina e foi idealizada por pesquisadores
como Luis Razeto (Chile) ou José Luis Corragio
(Argentina). Algumas organizações não
governamentais (ONG) africanas (p. ex., ENDA no
Senegal) também adotaram esta terminologia.
© OIT / Falise T.
Esta distinção não visa apenas diferenciar iniciativas
mais antigas de iniciativas mais recentes. Serve
para salientar que algumas grandes organizações
consagradas mais antigas (especialmente no setor
bancário e segurador) deixaram de funcionar de
acordo com as suas características comuns teóricas,
porque possuem ligações demasiado próximas
com a economia capitalista convencional (p. ex.,
em resultado de fusões e incorporações). Acima de
tudo, os defensores da abordagem da economia
solidária pretendem lançar luz sobre iniciativas
inovadoras, mais participativas e frequentemente
de menor dimensão. Estas iniciativas são muitas
vezes lançadas para responder a problemas sociais
e societários contemporâneos, como a prestação de
cuidados a crianças e idosos, questões ambientais,
sistemas de trocas comerciais locais e agricultura
sustentável. Estas organizações ou redes de
economia solidária também estão mais enraizadas
no próprio nível local e baseiam-se num mecanismo
de reciprocidade. Também dependem de recursos
híbridos: monetários e não monetários, orientados
e não orientados para o mercado, empregos
assalariados e voluntariado (Laville, 2007).
Mulher a trabalhar numa estufa de orquídeas, Tailândia.
DOCUMENTO DE TRABALHO
11
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Como a expressão claramente indica, esta economia
é encarada como sendo desenvolvida pela
classe popular (os mais vulneráveis) e pelas suas
organizações de base para resolver problemas
sociais e de subsistência econômica.
© LE MAT
Os grupos partilham frequentemente as mesmas
condições de vida e as mesmas comunidades
religiosas ou políticas, e pretendem resolver os
problemas quotidianos através de processos de
tomada de consciência coletivos e de soluções
práticas. Do ponto de vista conceptual, dão ênfase
à lógica interna de uma economia autogerida pelos
trabalhadores. Estas organizações dependem
frequentemente dos seus recursos não monetários:
mão de obra, capacidade organizacional e de
mobilização, imaginação, criatividade.Além dos
recursos clássicos de mão de obra e capital, Razeto
propõe a adição de um terceiro fator, um Fator C
que significa colaboração ou cooperação, com o
qual as organizações populares podem contar em
complemento ou em substituição do capital.
Membros suecos da COOMPANION no LE MAT Verona.
A economia popular também está correlacionada
com uma forte agenda política, porque esta
economia é considerada como um modelo
econômico e político alternativo à economia (neo)
liberal dominante, a qual, do seu ponto de vista,
promove a exclusão.
1.4.4 Organizações sem fins lucrativos
A abordagem anglo-americana sem fins lucrativos
(ver, p. ex., Salamon & Anheier, 1999) descreve
organizações que não pertencem nem ao setor
privado com fins lucrativos nem ao setor público.
Abrange um grupo mais restrito de organizações
que os conceitos anteriormente descritos, uma
vez que exclui qualquer organização que pratique
a redistribuição de excedentes. Nesta abordagem,
a “limitação da não distribuição de lucros” exclui
as cooperativas, que são classificadas como
organizações privadas com fins lucrativos em
vez de organizações em que os lucros não são o
objetivo principal. Os defensores da economia social
consideram, no entanto, perfeitamente exequível
classificar as cooperativas na mesma categoria que
as mutualidades e associações, porque partilham
o mesmo espírito, não obstante funcionarem de
12
DOCUMENTO DE TRABALHO
acordo com princípios diferentes (Defourny &
Develtere, 2009).
Nos Estados Unidos e no Reino Unido, a exclusão das
organizações com fins lucrativos, como as cooperativas,
pode ser explicada pelas origens da abordagem sem
fins lucrativos, em que muitas associações (inicialmente
de autoajuda) foram criadas para resolver os problemas
relacionados com a criação de uma sociedade, como
questões de urbanização, imigração ou econômicas
num espaço não ocupado pelo Estado ou por empresas
com fins lucrativos. Pode dizer-se que o setor sem fins
lucrativos corresponde à componente associativa da
economia social.
1.4.5 Terceiro setor
Alguns países usam a expressão “terceiro setor”
a nível das políticas e dos profissionais como
sinônima do setor sem fins lucrativos ou do setor da
economia social.
Embora esta expressão não explique cabalmente
o conceito das OESS, fornece valor acrescentado
ao setor da economia social, na medida em que o
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
introduz em situação de paridade no discurso sobre
o setor público e o setor privado.
1.5 Vantagens comparativas
da ESS
Diversos domínios de atividade, formas
organizacionais, abordagens, localizações
geográficas e até terminologias contribuem para
caracterizar a ESS. Esta variedade por vezes dificulta
o reconhecimento, não só das próprias OESS,
como também dos agentes públicos e privados nos
planos local, nacional e internacional. Contudo, a
ESS dispõe de múltiplas vantagens comparativas no
combate a desafios sociais, societários, econômicos
e políticos em todo o mundo.
1.5.1 Coesão social
A constante mutação que afeta as nossas
sociedades põe frequentemente em causa a coesão
social entre as pessoas e as comunidades.
Por toda a parte se implementam programas de
coesão social para criar ou manter ligações e um
sentido de comunidade entre pessoas que partilham
as mesmas condições de vida, instalações comuns
ou o mesmo destino.
Todos os princípios de funcionamento da ESS se
baseiam na coesão social e nos contributos para
a coesão social. Como Jacques Defourny (1992)
explica, a coesão social, ou o reconhecimento de
uma identidade coletiva, é um dos fatores que
tornam a ESS uma realidade. É este sentimento
coletivo que leva grupos de pessoas a decidir
combater questões sociais e econômicas através de
organizações sociais e solidárias.
A ESS também gera coesão social através dos seus
princípios de funcionamento, dos seus objetivos
sociais que visam beneficiar os membros e a
comunidade, e do seu impacto a nível local.
1.5.2 Capacitação
A capacitação é um fator importante que dá voz e
representação aos cidadãos e às comunidades.
A economia informal é um fato da vida que não
pode ser ignorado em qualquer economia. Em
alguns países africanos, a economia informal
gera renda e “empregos” para mais de 80% da
população urbana. Como se situa a economia
informal em relação à economia social?
A OIT define a economia informal como um
conjunto de atividades realizadas por trabalhadores
e unidades econômicas que (de jure ou de fato)
não são abrangidos ou que são inadequadamente
abrangidos por regimes formais. As suas atividades
não são abrangidas por legislação, porque as leis
não são aplicadas ou porque as leis dissuadem o seu
cumprimento por serem inadequadas ou envolverem
processos burocráticos ou custos excessivos.
A principal característica da economia informal é a
enorme vulnerabilidade e insegurança das pessoas
envolvidas, sejam elas trabalhadores assalariados,
trabalhadores autônomos ou empregadores,
resultante da falta de proteção, direitos e
representação. Em muitos países, a economia
informal sobrepõe-se em larga medida ao setor
econômico privado, exceto no caso de atividades
criminosas ou ilegais, mas não pode ser incluída nas
estatísticas oficiais.
A economia informal pode ser diferente da
economia social na esfera legal (Fonteneau,
Nyssens & Fall, 1999). É perfeitamente possível uma
organização que funciona de acordo com princípios
da economia social ter um estatuto informal, por
causa da inadequação dos instrumentos legais
existentes ou da dificuldade de cumprimento formal
desses critérios. A economia informal e a economia
social são mais semelhantes nas circunstâncias
em que nascem, na forma como funcionam e nos
objetivos que perseguem.
Tanto na economia social como na economia
informal, é a necessidade que frequentemente
leva as pessoas a iniciar as suas atividades. As
pessoas e as organizações de ambas as economias
também funcionam no mesmo contexto de
mercado, um contexto que molda os produtos e
serviços e garante a sua elevada acessibilidade em
termos de proximidade e de preço. Os métodos de
funcionamento de muitas destas atividades não se
assemelham às características das empresas com
DOCUMENTO DE TRABALHO
13
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Quadro 1.3: A economia informal e a ESS
A economia informal é um fato da vida que não pode ser ignorado em qualquer economia. Em alguns
países africanos, a economia informal gera renda e “empregos” para mais de 80% da população urbana.
Como se situa a economia informal em relação à economia social?
A OIT define a economia informal como um conjunto de atividades realizadas por trabalhadores e
unidades econômicas que (de jure ou de fato) não são abrangidos ou que são inadequadamente
abrangidos por regimes formais. As suas atividades não são abrangidas por legislação, porque as leis não
são aplicadas ou porque as leis dissuadem o seu cumprimento por serem inadequadas ou envolverem
processos burocráticos ou custos excessivos.
A principal característica da economia informal é a enorme vulnerabilidade e insegurança das pessoas
envolvidas, sejam elas trabalhadores assalariados, trabalhadores autônomos ou empregadores,
resultante da falta de proteção, direitos e representação. Em muitos países, a economia informal
sobrepõe-se em larga medida ao setor econômico privado, exceto no caso de atividades criminosas ou
ilegais, mas não pode ser incluída nas estatísticas oficiais.
A economia informal pode ser diferente da economia social na esfera legal (Fonteneau, Nyssens & Fall, 1999).
É perfeitamente possível uma organização que funciona de acordo com princípios da economia social ter
um estatuto informal, por causa da inadequação dos instrumentos legais existentes ou da dificuldade de
cumprimento formal desses critérios. A economia informal e a economia social são mais semelhantes nas
circunstâncias em que nascem, na forma como funcionam e nos objetivos que perseguem.
Tanto na economia social como na economia informal, é a necessidade que frequentemente leva as
pessoas a iniciar as suas atividades. As pessoas e as organizações de ambas as economias também
funcionam no mesmo contexto de mercado, um contexto que molda os produtos e serviços e garante
a sua elevada acessibilidade em termos de proximidade e de preço. Os métodos de funcionamento de
muitas destas atividades não se assemelham às características das empresas com fins lucrativos. Pelo
contrário, podem ser associados a uma economia que combina preocupações relacionais (Hyden [1988]
refere a economia dos afetos) com práticas de mercado. De igual modo, enquanto as organizações da
economia social perseguem explicitamente objetivos econômicos e sociais, as unidades econômicas
da economia informal podem reproduzir esse comportamento até certa medida, mas sem que os seus
agentes o manifestem de forma explícita ou consciente. Essas organizações consideram que perseguir
objetivos econômicos e sociais é simplesmente mais lógico, dado que, no contexto em que operam,
prosseguem estratégias de sustentabilidade, coesão social, etc.
Basicamente, só a observação dos princípios que regem a conduta destas unidades econômicas em
espírito e na prática permite estabelecer uma distinção ou ligação entre uma organização de economia
social e uma organização de economia informal. Só nessa base é possível avaliar se os objetivos
perseguidos por uma unidade da economia informal têm maiores semelhanças com os objetivos da
economia social ou de uma empresa capitalista. Esta forma de olhar para as unidades da economia
informal poderá contribuir para a formalização de algumas unidades que se regem por formas
organizacionais sociais e solidárias.
fins lucrativos. Pelo contrário, podem ser associados
a uma economia que combina preocupações
relacionais (Hyden [1988] refere a economia dos
afetos) com práticas de mercado. De igual modo,
enquanto as organizações da economia social
14
DOCUMENTO DE TRABALHO
perseguem explicitamente objetivos econômicos
e sociais, as unidades econômicas da economia
informal podem reproduzir esse comportamento
até certa medida, mas sem que os seus agentes o
manifestem de forma explícita ou consciente. Essas
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Quadro 1.4: Os movimentos sociais, a sociedade civil e a ESS
O que têm em comum as organizações de camponeses, as mutualidades de saúde, as uniões de
poupança e crédito, as cooperativas, as associações de combate ao HIV/AIDS, as empresas sociais,
certas fundações, as associações que funcionam no âmbito da reflorestação ou os programas que
integram os inúmeros jovens diplomados desempregados em capitais africanas?
Todas estas organizações limitam as suas atividades à produção de bens ou serviços (que podem ser ou não
ser fornecidos por outros operadores) e consideram sua missão econômica alcançar um de vários objetivos,
como: melhorar as condições de produção; disponibilizar os serviços que prestam a pessoas que de outra
forma não teriam acesso a eles; ou tomar em consideração os desafios societários e ambientais. A definição
de marcos nos seus princípios de funcionamento, como permitir o controle pelos membros, trabalhadores
ou utilizadores; ajustar as regras de distribuição e localização dos excedentes gerados; encontrar um
equilíbrio entre a geração de lucros (necessários para o desenvolvimento de qualquer empresa) e o serviço
aos membros e/ou à comunidade; garantir um equilíbrio de poder entre as várias partes interessadas no
processo de decisão, e outros, são uma outra característica destas organizações. Estas preocupações evocam
seguramente as preocupações das organizações de trabalhadores e demonstram as ligações naturais
existentes entre a economia social e os movimentos sindicalistas de trabalhadores e agricultores.
Mesmo quando estas várias componentes são inseridas num quadro regulamentar, a economia social
continua a ser um movimento, dado que procura ajustar e corrigir determinadas falhas ou tendências. Formar
um movimento significa adotar uma abordagem mais prospetiva, antecipar as tendências futuras de modo a
prevenir-se contra riscos (gerados pelo mercado e pelo Estado) e preparar-se para efetuar os ajustamentos
necessários no setor. Se as organizações da economia social estivessem isoladas nos seus setores de
atividade ou agrupadas exclusivamente na base do seu estatuto legal, perderiam a vantagem de compartilhar
experiências e a visibilidade de uma força econômica e social apoiada por cidadãos empenhados.
Dado o perfil das organizações pioneiras e as características comuns destas organizações, não
surpreende que tenham evoluído para uma abordagem mais política. Estes movimentos da economia
social têm várias preocupações: a combinação de objetivos sociais e econômicos em sociedades
em que os setores social e econômico estão frequentemente muito segmentados (como se pode ver
pelas jurisdições dos respectivos ministérios) e são financiados por recursos que proveem de fontes
muito diferentes (impostos e/ou solidariedade nacional e internacional no primeiro caso, e o mercado
no segundo caso); a defesa de certas práticas em economias de mercado (como a natureza sem fins
lucrativos dos seguros ou dos cuidados de saúde); a legitimidade e a proteção (jurídica e política) de
certas formas de instituição numa economia livre de mercado; ou a detecção de problemas societários.
Daí resulta que a economia social pode assumir a forma de movimentos sociais, que podem ser formais
(plataformas ou federações), informais ou ad hoc. Esses movimentos também podem ser o resultado
de esforços tendentes a reunir as organizações por setor, país, região, etc. Independentemente das
razões que as levaram a unir-se, estas organizações são uma força econômica, social e política com
preocupações comuns. Embora alguns destes movimentos sejam frequentemente frágeis e estejam
longe de possuir uma dimensão global, as organizações suscetíveis de ser afiliadas com a ESS são parte
da sociedade civil na arena política regional, nacional ou internacional.
DOCUMENTO DE TRABALHO
15
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
organizações consideram que perseguir objetivos
econômicos e sociais é simplesmente mais lógico,
dado que, no contexto em que operam, prosseguem
estratégias de sustentabilidade, coesão social, etc.
Basicamente, só a observação dos princípios que
regem a conduta destas unidades econômicas
em espírito e na prática permite estabelecer uma
distinção ou ligação entre uma organização de
economia social e uma organização de economia
informal. Só nessa base é possível avaliar se
os objetivos perseguidos por uma unidade da
economia informal têm maiores semelhanças com
os objetivos da economia social ou de uma empresa
capitalista. Esta forma de olhar para as unidades
da economia informal poderá contribuir para a
formalização de algumas unidades que se regem
por formas organizacionais sociais e solidárias.
O que têm em comum as organizações de
camponeses, as mutualidades de saúde, as
uniões de poupança e crédito, as cooperativas,
as associações de combate ao HIV/AIDS, as
empresas sociais, certas fundações, as associações
que funcionam no âmbito da reflorestação ou
os programas que integram os inúmeros jovens
diplomados desempregados em capitais africanas?
Todas estas organizações limitam as suas atividades
à produção de bens ou serviços (que podem ser
ou não ser fornecidos por outros operadores) e
consideram sua missão econômica alcançar um de
vários objetivos, como: melhorar as condições de
produção; disponibilizar os serviços que prestam
a pessoas que de outra forma não teriam acesso
a eles; ou tomar em consideração os desafios
societários e ambientais. A definição de marcos
nos seus princípios de funcionamento, como
permitir o controle pelos membros, trabalhadores
ou utilizadores; ajustar as regras de distribuição e
localização dos excedentes gerados; encontrar um
equilíbrio entre a geração de lucros (necessários
para o desenvolvimento de qualquer empresa) e o
serviço aos membros e/ou à comunidade; garantir
um equilíbrio de poder entre as várias partes
interessadas no processo de decisão, e outros,
são uma outra característica destas organizações.
Estas preocupações evocam seguramente as
preocupações das organizações de trabalhadores e
16
DOCUMENTO DE TRABALHO
demonstram as ligações naturais existentes entre a
economia social e os movimentos sindicalistas de
trabalhadores e agricultores.
Mesmo quando estas várias componentes são
inseridas num quadro regulamentar, a economia
social continua a ser um movimento, dado que
procura ajustar e corrigir determinadas falhas ou
tendências. Formar um movimento significa adotar
uma abordagem mais prospetiva, antecipar as
tendências futuras de modo a prevenir-se contra
riscos (gerados pelo mercado e pelo Estado) e
preparar-se para efetuar os ajustamentos necessários
no setor. Se as organizações da economia social
estivessem isoladas nos seus setores de atividade
ou agrupadas exclusivamente na base do seu
estatuto legal, perderiam a vantagem de compartilhar
experiências e a visibilidade de uma força econômica
e social apoiada por cidadãos empenhados.
Dado o perfil das organizações pioneiras e as
características comuns destas organizações,
não surpreende que tenham evoluído para uma
abordagem mais política. Estes movimentos da
economia social têm várias preocupações: a
combinação de objetivos sociais e econômicos em
sociedades em que os setores social e econômico
estão frequentemente muito segmentados (como
se pode ver pelas jurisdições dos respectivos
ministérios) e são financiados por recursos que
proveem de fontes muito diferentes (impostos e/ou
solidariedade nacional e internacional no primeiro
caso, e o mercado no segundo caso); a defesa de
certas práticas em economias de mercado (como
a natureza sem fins lucrativos dos seguros ou dos
cuidados de saúde); a legitimidade e a proteção
(jurídica e política) de certas formas de instituição
numa economia livre de mercado; ou a detecção de
problemas societários.Daí resulta que a economia
social pode assumir a forma de movimentos sociais,
que podem ser formais (plataformas ou federações),
informais ou ad hoc. Esses movimentos também
podem ser o resultado de esforços tendentes a
reunir as organizações por setor, país, região, etc.
Independentemente das razões que as levaram a
unir-se, estas organizações são uma força econômica,
social e política com preocupações comuns. Embora
alguns destes movimentos sejam frequentemente
frágeis e estejam longe de possuir uma dimensão
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
1.5.3 Reconhecimento de uma economia plural
global, as organizações suscetíveis de ser afiliadas
com a ESS são parte da sociedade civil na arena
política regional, nacional ou internacional.
A capacitação pode ser construída através de uma
multiplicidade de processos e mecanismos. É
indubitável que a participação e filiação em OESS
contribuem para um processo de capacitação. Os
membros e os utilizadores adquirem capacitação
através do seu envolvimento ativo no processo de
decisão participativo dentro da organização e fora
das organizações quando negociam com partes
interessadas externas. Coletivamente, as OESS
também contribuem para o processo de capacitação
individual e comunitário ao demonstrar que todas
as pessoas podem tornar-se agentes econômicos e
sociais ativos e produtivos.
Existem vários mecanismos que perseguem
objetivos semelhantes como a criação de emprego, a
proteção social, o bem-estar, a riqueza, a inovação, a
prestação de cuidados, etc. A maioria das sociedades
é composta por uma pluralidade de agentes públicos
e privados que podem ser orientados para atividades
com fins lucrativos ou sem fins lucrativos. A proteção
social é um bom exemplo de como mecanismos
diferentes disponibilizados por agentes econômicos
diferentes e baseados em lógicas diferentes podem
ser articulados para alcançar um objetivo comum:
a proteção social universal. Em muitos países,
estes mecanismos coexistem sem interligação, mas
podem ser articulados através de um processo de
redistribuição (ver Figura 1.2) no sentido de prestar
aquilo que a OIT designa por um piso de proteção
social.
Numa perspectiva mais lata, a dimensão da
ESS permite reconhecer uma economia plural
composta por diferentes tipos de atividades e trocas
econômicas (p. ex., monetárias e não monetárias,
de mercado e não de mercado, públicas/privadas e
com/sem fins lucrativos).
Figura 1.2: Ilustração de uma economia plural: abordagem holística da proteção social
FINANCIAMENTO
PARTES INTERESSADAS
Impostos do Estado
(nacionais/regionais)
Empresas comfins lucrativos
POPULAÇÃO
ABRANGIDA
Formais
e informais
Contribuição de
solidariedade da
seguridade social formal
e das EOESS envolvidas
e dos seus membros
Entidades
públicas
EOESS
DOCUMENTO DE TRABALHO
17
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
1.6 Conclusões principais
A ESS organiza-se em modelos específicos
de empresas e de organizações. Os modelos
mais comuns são cooperativas, mutualidades,
associações, organizações comunitárias,
empresas sociais e algumas fundações. A ESS é
de fato um grupo de organizações dinâmico em
permanente evolução.
As OESS partilham características comuns
que as distinguem da economia pública e da
economia convencional com fins lucrativos.
Todas visam perseguir objetivos sociais e
econômicos combinados e partilham princípios
de funcionamento específicos baseados
18
DOCUMENTO DE TRABALHO
na participação, solidariedade, inovação,
envolvimento voluntário e propriedade coletiva.
A expressão economia social e solidária não é
a única utilizada para abranger estas realidades.
Economia social, economia solidária, economia
popular e organizações sem fins lucrativos
são conceitos conexos. Todos têm origens
geográficas e fundamentos teóricos definidos e
sublinham dimensões específicas desta forma de
economia.
As OESS oferecem um conjunto de vantagens
comparativas no combate a desafios sociais,
societários, econômicos e políticos em todo o
mundo, incluindo a coesão social, a capacitação e
o reconhecimento de uma economia plural.
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Capítulo 2: Governança e gestão
de OESS
2.1 Introdução
As OESS, apesar de heterogêneas, funcionam com
base em princípios semelhantes. A governação e a
gestão destas organizações têm sido influenciadas
em larga medida pela sua filiação e propriedade
coletivas. Motivadas principalmente pela
solidariedade social, por oposição à acumulação
de capital, estas organizações são muito “centradas
nas pessoas”. Consequentemente, todos os
membros têm o mesmo direito de participar na
empresa e, apesar de estruturas organizacionais
diferentes, todas estas organizações procuram dar
aos membros a oportunidade de participar na sua
governança e gestão.
Este capítulo tem por finalidade explicar a forma
como as OESS são governadas e geridas, prestando
atenção à natureza da propriedade e da filiação,
e às implicações da participação como membros.
Ficaremos a conhecer os pontos fortes e os pontos
fracos da gestão de OESS e as possibilidades de
melhorar a eficiência do seu funcionamento.
Tendo em conta que as OESS usam uma
abordagem de negócio para satisfazer necessidades
e expectativas sociais, o capítulo começa por
comparar a sua governança e gestão com empresas
capitalistas convencionais.
2.2 Governança e gestão de
OESS
2.2.1 Definição de governança e gestão
Apesar de serem usados indistintamente, os
conceitos de governança e de gestão possuem
significados diferentes. A governança tem sido
definida, frequentemente, no contexto do exercício
do poder do estado (ver Hyden & Court, 2002:
13-33; Olowu, 2002: 4; Hyden, 1992: 7), mas na
realidade o conceito aplica-se a um contexto muito
mais vasto da sociedade humana.
Em vez de politizar o conceito, neste documento de
trabalho definimos governança como o exercício
de autoridade institucional para determinar o uso
de recursos na condução dos negócios de uma
sociedade (Banco Mundial, 1991). Esta definição
implica que a governança ocorre nas organizações
societárias em todas as formas e dimensões e em
organizações privadas, públicas, com e sem fins
lucrativos. A governança rege-se normalmente por
uma lógica tendente a garantir que uma organização
produz resultados válidos ao mesmo tempo que
evita consequências indesejadas para as pessoas
afetadas.
O conceito de gestão também tem sido alvo de
inúmeras definições na bibliografia sobre o tema.
Uma definição popular, por exemplo, na bibliografia
sobre microfinanciamento, considera gestão o
processo de conseguir que as coisas sejam feitas
com eficiência e eficácia com e através de pessoas
(Churchill & Frankiewicz, 2006: 2). Para efeitos deste
documento de trabalho, definimos gestão como
a organização e a coordenação das atividades e
dos esforços das pessoas de acordo com políticas
estabelecidas para alcançar os objetivos pretendidos
(Business Dictionary, http://www.businessdictionary.
com/definition/mana gement.html). Sendo um
processo, a gestão envolve o planejamento, a
organização, a liderança e a supervisão de pessoas
para a realização das tarefas necessárias para
alcançar os objetivos estabelecidos (Churchill
& Frankiewicz, 2006: 2-8). Como é evidente, a
gestão ocorre em todas as formas e dimensões de
organizações.
Existe, no entanto, uma distinção fundamental
entre estes dois conceitos: enquanto a governança
define a estrutura para a realização das atividades
organizacionais, a gestão lida com a implementação
diária das atividades organizacionais previstas
nessa estrutura. A governança tem, assim, um
âmbito mais lato que a gestão, porque fornece as
políticas que constituem a base para o trabalho de
gestão. No contexto das OESS, a governança diz
respeito à formulação de políticas que identifiquem
DOCUMENTO DE TRABALHO
19
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
atividades e mobilizem recursos para alcançar as
aspirações ou os objetivos dos membros e/ou
utilizadores; a gestão lida com a execução real das
atividades destinadas a concretizar os objetivos ou
as aspirações dos membros e/ou utilizadores. O
Quadro 2.1 procura simplificar esta distinção.
Quadro 2.1: Ações de gestão
nas organizações
Quando um grupo de pessoas delibera e decide
o tipo de atividades a realizar para alcançar
certos objetivos, está a desempenhar uma
função de governança, mas quando participa
na realização das atividades escolhidas para
alcançar um objetivo, está a desempenhar uma
função de gestão.
A determinação de quem desempenha cada uma
destas duas funções numa organização baseia-se
por vezes na propriedade e filiação da organização.
Nesse sentido, espera-se que os proprietários e
membros atuem como donos e desempenhem
funções de governança, e que os não membros
sejam agentes dos donos e desempenhem funções
de gestão. Por vezes, a dimensão da organização
influencia esta matéria: existe maior probabilidade
de se combinar estas funções em organizações
de pequena dimensão do que em grandes
organizações.
A seção seguinte procura demonstrar como a
propriedade influencia a separação das funções de
governança e de gestão nas empresas privadas e nas
OESS.
2.2.2 Propriedade e governança
As empresas capitalistas são negócios que
procuram fazer lucro com as suas atividades para
distribuição aos membros. Existem normalmente
três formas de propriedades nestas empresas:
sociedades em nome individual, sociedades em
nome coletivo e sociedades anônimas.
A sociedade em nome individual diz respeito a uma
empresa mantida por uma só pessoa, enquanto
20
DOCUMENTO DE TRABALHO
uma sociedade em nome coletivo diz respeito a
uma empresa mantida por, no mínimo, mais de uma
pessoa.
As sociedades anônimas são empresas detidas por
acionistas que adquirem participações ou ações da
empresa nos mercados de capital (Kim & Nofsinger,
2007: 2).
Independentemente desta distinção, a prática
comum nas empresas capitalistas, com a
exceção das sociedades em nome individual
muito pequenas, é a separação entre a função de
governança e a função de gestão. Os proprietários
exercem funções de governança, enquanto a
gestão, a cargo do pessoal executivo contratado
pelos proprietários, está incumbida da função de
controle (Kim & Nofsinger, 2007: 3). O pessoal
executivo estende-se desde os diretores ou
diretores executivos, passando pelos contabilistas
e auditores, até aos empregados de escritório,
secretariado e assistentes. Assim, na maioria
destas empresas, as funções de governança e as
funções de gestão são desempenhadas por pessoas
diferentes. Os proprietários são os donos e limitamse a definir objetivos e políticas para os alcançar,
enquanto o pessoal executivo trabalha diariamente
para os donos para alcançar os objetivos
estabelecidos.
As formas de propriedade nas empresas capitalistas
também se encontram em OESS. A Caixa 2.2
apresenta as formas de propriedade em diferentes
tipos de OESS.
Quadro 2.2 Formas de propriedade
em OESS
Propriedade
Tipo de OESS
Sociedade em
Empresas sociais,
nome individual
fundações
Sociedade em
nome coletivo
Empresas sociais,
fundações, mutualidades,
associações, cooperativas
Sociedades
participadas/
por ações
Cooperativas
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
No entanto, ao contrário das empresas capitalistas,
as OESS não separaram efetivamente o
desempenho das funções de governança e de
gestão. Isso deve-se, em parte, ao fato destas
organizações funcionarem com base em princípios
coletivos e democráticos, que resultam na
prevalência da autogestão ou da gestão coletiva por
oposição à gestão hierárquica típica das empresas
capitalistas.
Em organizações como empresas sociais,
mutualidades e organizações comunitárias, os
proprietários ou membros que estabelecem os
objetivos e elaboram as políticas destinadas a
orientar as atividades da organização são as mesmas
pessoas que participam na sua gestão através da
execução das atividades correntes necessárias para
alcançar os seus objetivos. Deste modo, os mesmos
membros alternam constantemente entre as funções
de governança e de gestão.
© OIT / Crozet M.
A autogestão também prevalece em algumas OESS
em parte por causa da sua pequena dimensão.
Neela, 39 anos, é a fundadora de um projeto de cooperativa
rural apoiado pela OIT que reúne mulheres da sua aldeia de
Kesavarayampatti (Madras).
A gestão hierárquica também existe em algumas
OESS. No entanto, a filiação aberta e voluntária
e a liderança democrática existentes nestas
organizações reduzem a hierarquia, normalmente
traduzida em ordens ou instruções, a um simples
mecanismo de partilha de informação. Um
caso ilustrativo são as cooperativas em países
anglófonos, que evoluíram com um quadro jurídico
que requer a separação das funções de governança
e de gestão (Develtere, 2008; Wanyama, Develtere
& Pollet, 2009) e se traduz por uma estrutura
hierárquica que separa os membros, a comissão de
gestão e o pessoal diretivo.
2.2.3 Participação
Deste modo, a separação (ou a não separação) das
funções de governança e de gestão nas OESS deu
origem a estilos de gestão ligeiramente diferentes,
que têm implicações na participação dos membros
na governança e na gestão das suas organizações.
Como já foi referido, a propriedade coletiva e a
governança democrática caracterizam a maior parte
das OESS em todo o mundo, com a exceção de
algumas empresas sociais.
A secção seguinte analisa as formas de participação
dos membros em diferentes tipos de OESS.
A diversidade entre organizações da economia
social indica que a forma de governança e de
gestão adotada por uma organização tende a ser
determinada pela sua natureza e pelo contexto de
funcionamento. Não é invulgar que o mesmo tipo
de organização em diferentes locais e circunstâncias
tenha estruturas e práticas de governança e de
gestão diferentes. Embora conscientes dessas
realidades, será conveniente tentar algumas
generalizações sobre a participação dos membros na
governança e na gestão de diferentes tipos de OESS.
Este tipo de propriedade e de governança
permite aos membros (e, por vezes, aos
trabalhadores, utilizadores e beneficiários) participar
equitativamente nos processos de decisão; tal
significa que se confere igual reconhecimento e
valor às várias contribuições dos membros.
DOCUMENTO DE TRABALHO
21
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Figura 2.1: Funções dos membros num modelo de autogestão
Membros
Diretores
Utilizadores
No entanto, o grau de participação varia muito
consoante o tipo de organização e o contexto
de funcionamento. Algumas organizações, por
exemplo, podem ponderar os votos dos membros,
não só para refletir os diferentes graus de atividade
dos membros do grupo, mas também para
reconhecer as diferenças entre eles em termos de
senioridade e de antiguidade de inscrição. Algumas
organizações podem ser mais democráticas que
outras. Seja como for, é possível generalizar que
algumas organizações permitem aos seus membros
participar em questões de gestão e de governança,
enquanto outras apenas permitem participar na
gestão ou na governança.
Como tal, podemos identificar as seguintes formas
de gestão nas OESS: autogestão, gestão coletiva e
gestão hierárquica.
Gestores
Trabalhadores
dos membros das OESS são iguais. O resultado
da atribuição de um estatuto de igualdade a todos
os membros é a autogestão, que confere controle
da organização a cada um dos seus membros.
São usadas estruturas de solidariedade para
gerar bens e serviços para os membros e os seus
dependentes. Os membros apoiam-se em regras
negociadas e recíprocas baseadas em ação coletiva
e controle social para executar as suas atividades.
Basicamente, essas regras ajudam a estabelecer
uma estrutura de liderança mais ou menos
horizontal, que secundariza a autoridade hierárquica
na governança e na gestão. Cada membro assume,
deste modo, a responsabilidade de ocasionalmente
assumir a governança e gerir a organização.
A Figura 2.1 ilustra o modo como os membros
desempenham funções diferentes em ocasiões
diferentes.
Autogestão
Corporiza o princípio da liderança democrática nas
OESS. A autogestão concede a todos os membros
(e, por vezes, aos trabalhadores e aos utilizadores)
o direito de participar na governança e na gestão
da organização através da votação em matérias
que exigem decisões. Ao contrário das empresas
privadas, em que os acionistas votam com base
na sua participação de capital na firma, os votos
22
DOCUMENTO DE TRABALHO
Este modelo de gestão através do controle dos
membros é normalmente aplicado em organizações
de pequena escala, em que os membros também
são os trabalhadores e, por vezes, os beneficiários.
As cooperativas de trabalhadores, mutualidades,
associações, empresas sociais e organizações
comunitárias são alguns exemplos. Na América
Latina e na maioria dos países francófonos, esta
forma de gestão é a mais comum nas OESS, não
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
só por causa da dimensão das organizações,
mas também por causa da ênfase na natureza
emancipadora e libertadora da economia baseada
na solidariedade.
Gestão coletiva
A detenção da propriedade de uma organização
pelos seus membros resulta por vezes na
partilha de responsabilidades entre si sem ceder
obrigatoriamente a autoridade de controle
democrático de todos os membros. Os membros
gerem coletivamente as organizações, mas
desempenham funções diferentes. Conhecida
por gestão coletiva, é amplamente utilizada
em organizações sociais e solidárias de grande
dimensão, em particular na Europa, América do
Norte e África.
Esta forma de gestão decorre da ideia de que a
autogestão pode não ser eficaz para negócios em
larga escala (Davis, 2004: 92). O crescimento de
uma empresa obriga a direção a transformar a sua
estrutura de governança e de gestão de modo a
permitir a especialização de funções. O exemplo das
empresas sociais pode ajudar a explicar esta questão.
A maioria das empresas sociais, organizações que
procuram soluções empresariais para problemas
sociais (Thompson & Doherty, 2006: 362), tende
a iniciar a sua atividade como sociedades em
nome individual ou como sociedades em nome
coletivo. Consequentemente, a propriedade e a
filiação tendem a ser reduzidas no início, tornando
desnecessário separar as funções de governança
e de gestão; os donos desempenham ambas as
funções e a organização é autogerida. Quando a
organização cresce, são necessárias mudanças na
governança e na gestão que levam à separação
das duas funções no desempenho das atividades
organizacionais. Nessa altura, a organização adota
a gestão coletiva. O exemplo da Suma Wholefoods
no Estudo de Caso 2.1 ilustra claramente esta
transformação.
A gestão coletiva também é usada normalmente
nas fundações classificadas como OESS. Enquanto
organizações primordialmente filantrópicas,
as fundações começam por ser uma iniciativa
de pessoas que, posteriormente, estendem
a propriedade a terceiros que partilham os
mesmos objetivos. Nas organizações pequenas,
os coproprietários partilham a responsabilidade
de governar a organização constituindo-se como
um conselho de administração. A composição e
a dimensão do Conselho dependem do número
de coproprietários: sendo em número reduzido,
provavelmente todos se tornam membros do
Conselho; no entanto, se o seu número for
mais elevado, é provável que apenas elejam um
grupo mais pequeno para constituir o Conselho.
Seguidamente, o Conselho contrata profissionais
para implementar as suas decisões. Desta forma,
o Conselho desempenha a função de governança,
enquanto o pessoal contratado desempenha a
função de gestão.
As mutualidades e as organizações comunitárias
também são exemplos de gestão coletiva, na
medida em que os participantes negociam e
decidem as condições e as regras que regem a
conduta dos membros e as atividades do grupo
necessárias para alcançar os seus objetivos.
Os procedimentos e as funções de liderança
também são negociados e acordados logo de
início. Posteriormente, são atribuídas funções
de liderança, por eleição simples ou por seleção
baseada nas respectivas capacidades. Na maioria
dos casos são criadas três funções de liderança:
presidente, secretário e tesoureiro. Ao presidente é
normalmente atribuída a responsabilidade de agir
como figura de proa do grupo, estando incumbido
de convocar e presidir às reuniões, o secretário tem
por missão manter um registro das atividades do
grupo e o tesoureiro serve de depositário dos ativos
ou recursos do grupo. Estas responsabilidades de
liderança tendem a ser encaradas como a prestação
de um serviço entre pares. O líder é visto como
primus inter pares, dele não se esperando que
“comande” os seus colegas, mas que “consulte,
facilite e oriente”.
Com esta estrutura simples, todos os membros
participam coletivamente na governança e na
gestão das suas organizações, em que os líderes
desempenham uma função meramente facilitadora.
Esta forma de estrutura é particularmente visível
nas associações de poupança e crédito rotativo
(ROSCA), nas associações de poupança e crédito
acumulado (ASCA), associações mutualistas de
DOCUMENTO DE TRABALHO
23
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Figura 2.2: Um modelo de gestão coletiva
Implementação
das decisões
pelos membros
Supervisão dos
membros/utilizadores
Definição de políticas
pelos membros
Governança
e Gestão
de OESS
seguro de saúde e pequenas organizações baseadas
na comunidade como grupos de mulheres e grupos
de jovens (Wanyana, 2001). A Figura 2.2 ilustra um
exemplo de um modelo de gestão coletiva nas
OESS.
Neste modelo de gestão, os membros e/ou os
utilizadores partilham a responsabilidade de
governança e gestão das organizações sem que um
deles tenha necessariamente uma posição superior
à dos outros. Tal como na autogestão, a estrutura de
governança e gestão permanece horizontal, mas os
membros desempenham funções diferentes.
No entanto, o ambiente competitivo em que a ESS
opera força cada vez mais algumas organizações
em determinadas partes do mundo a adotar
estruturas mais formais, e por vezes hierárquicas,
de governança e gestão, sem perder o seu caráter
coletivo e solidário. Por exemplo, as organizações
de microsseguro, em que o profissionalismo é
24
DOCUMENTO DE TRABALHO
essencial para manter a sua atuação num ambiente
competitivo, recorrem cada vez mais à contratação
de pessoal especializado para gerir as suas
atividades, enquanto os seus membros mantêm
a responsabilidade da governança através de
conselhos eleitos (Qureshi, 2006). As cooperativas
nos países anglófonos também estão a adotar este
modelo de governança e a transitar da autogestão
ou da gestão coletiva para a gestão hierárquica.
Gestão hierárquica
A gestão hierárquica é típica das empresas
capitalistas (ou até do serviço público), que
possuem um conselho de administração não
especializado para definir as políticas e exercer a
liderança, e uma direção responsável pela gestão
corrente do negócio. Esta forma de gestão também
começa a surgir lentamente na ESS. Os melhores
exemplos encontram-se em cooperativas de países
anglófonos e algumas empresas sociais de grande
dimensão.
A gestão hierárquica na ESS pode resultar de
exigências de eficiência e de competitividade
ou, nalguns casos, ser uma resposta ao
enquadramento jurídico das organizações. Nos
países anglófonos que seguem a tradição britânica
do desenvolvimento cooperativo, por exemplo,
foram elaboradas estruturas jurídicas para orientar
a governança e a gestão das cooperativas.
Essa legislação baseia-se na noção de que as
cooperativas são compostas por duas partes: o lado
empresarial que faz dinheiro, e o lado social que
gasta o dinheiro. Nesta perspectiva, as cooperativas
são, por um lado, associações de pessoas e, por
outro lado, empreendimentos econômicos que
devem ser geridos como qualquer outro negócio
(Davis, 2004: 91). Esta visão dual das cooperativas
é parcialmente responsável pela ideia de separar as
funções de governança e de gestão, que cria uma
estrutura hierárquica na governança e na gestão das
cooperativas no mundo anglófono.
De acordo com os princípios cooperativos da filiação
aberta e voluntária e da liderança democrática, os
membros são os proprietários destas organizações
e constituem o órgão de decisão supremo. Por
conseguinte, nas cooperativas os membros
desempenham a função de governança e todos os
membros participam direta ou indiretamente na
Reunião da Assembleia Geral Anual ou Assembleia,
que as cooperativas realizam anualmente e constitui
o órgão supremo da organização. Quando os
membros participam indiretamente, como no caso
de grandes cooperativas, os membros elegem
delegados para os representar na AGA.
© LE MAT
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Cooperativa de San Lorenzo na Sardenha, Itália.
Compete à Comissão de Gestão implementar
as decisões tomadas pela Assembleia Geral ou
AGA da cooperativa. Nesse sentido, a Comissão é
mandatada para contratar pessoal que a assista na
execução das funções de gestão.
Consequentemente, as atividades correntes das
cooperativas são exercidas pelo pessoal de gestão
sob a direção da Comissão de Gestão. Este pessoal
inclui normalmente um diretor, contabilista(s),
empregado(s) e uma secretária. A quantidade de
pessoal varia consoante a natureza e a dimensão da
cooperativa. À semelhança das empresas privadas,
a maior parte das cooperativas tem funções de
governança e de gestão separadas. A Figura 2.3
ilustra a estrutura hierárquica da governança e da
gestão nas cooperativas dos países anglófonos.
2.2.4 Regulamentação
A Assembleia elege democraticamente uma
Comissão de Gestão, que será responsável pela
gestão da cooperativa durante o período para o qual
foi eleita.
A AGA elege ainda um Comitê de Supervisão que
tem por missão fiscalizar ou monitorizar a gestão da
cooperativa. Este comitê é responsável por garantir
que a Comissão de Gestão e o pessoal contratado
executam as suas funções em conformidade com
os estatutos da cooperativa, com o disposto na
legislação em matéria de cooperativas e com as
resoluções das AGA e em defesa do supremo
interesse dos membros.
As OESS existem há séculos, mas muitas delas, em
particular organizações de pequena dimensão e/
ou informais, não têm tido reconhecimento jurídico
em alguns países. As organizações comunitárias,
as associações comunitárias e as mutualidades,
por exemplo, têm marcado presença na maioria
das sociedades (Defourny & Develtere, 2009: 2-8),
embora raramente estejam reconhecidas legalmente
sob estas designações na maioria dos países
anglófonos. Consequentemente, nestes países
não existe um quadro regulamentar específico
para a governança e a gestão destas organizações.
A regulamentação existente em matéria de
organizações públicas e de empresas capitalistas
DOCUMENTO DE TRABALHO
25
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Figura 2.3: Governança e gestão em
cooperativas
Assembleia Geral
Comitê
de Supervisão
Comissão
de Gestão
Pessoal de gestão:
Secretariado/DiretorGeral e outro
pessoal de apoio
que prestam serviços semelhantes tendem a não
se aplicar às OESS. Mesmo nos países francófonos,
em que a maioria das OESS mutualistas estão
amplamente consagradas na lei, a regulamentação
relativa à prestação de certos serviços tende a
excluir algumas destas organizações de menor
dimensão. O exemplo da aplicação do “Code
des Assurances CIMA” na África Ocidental (ver
Quadro 2.3) ilustra este ponto.
Não obstante, muitos países procuram reconhecer
formal e legalmente todas as OESS, uma medida
que abre caminho à elaboração de quadros
regulamentares para estas organizações. Os
governos da África do Sul, Etiópia e Ruanda estão
a criar legislação e agências de regulação para
as cooperativas. Na África Ocidental francófona
existem tentativas de legislação das mutualidades
e das associações que podem abrir caminho a
um quadro regulamentar para a sua governança e
gestão.
Não se pretende alegar, com estas afirmações,
que nenhum setor de ESS possui legislação e
regulamentação em matéria de governança e
gestão, o que seria uma interpretação errada
da realidade. Alguns países têm em vigor
regulamentação para algumas organizações mas
não para outras.
26
DOCUMENTO DE TRABALHO
Já referimos, por exemplo, cooperativas em países
africanos anglófonos que se regem por disposições
legislativas, e existem agências governamentais
que regulam o seu registro, gestão e liquidação
(Develtere & Pollet, 2008). No entanto, esses
mesmos países não possuem legislação ou
regulação para outros tipos de OESS, em particular
para unidades pequenas e informais, como as
organizações comunitárias e as mutualidades.
Enquanto as cooperativas são geridas e governadas
de acordo com disposições legais aplicadas por
uma agência reguladora, o mesmo não se passa
com outros tipos de OESS. Analogamente, a
legislação dos países francófonos parece conferir
maior destaque ao papel das mutualidades
que a outras formas de OESS, em particular
às cooperativas. Por isso, existe um quadro
regulamentar para as mutualidades, mas não para
as cooperativas. Este tipo de cenários deu origem
a diferentes práticas de governança e de gestão da
ESS nos vários países e regiões do mundo.
2.2.5 Gestão de recursos humanos
A gestão de recursos humanos abrange o
processo de recrutamento, desenvolvimento e
motivação das pessoas para trabalhar em prol da
consecução de objetivos organizacionais.
Envolve o desenvolvimento da estrutura
organizacional para determinar as necessidades
de pessoal; o recrutamento dos colaboradores
necessários; a orientação profissional e a formação
do pessoal recrutado; o desenvolvimento de
carreiras; a compensação ou remuneração;
e a avaliação do desempenho (Churchill &
Frankiewicz, 2006: 200; Davis, 2004: 132).
Esta definição implica, pelo menos em teoria, a
separação das funções de governança e de gestão
no sentido de que tem de existir um “proprietário”
que desempenhe a função de governança para
determinar as necessidades de pessoal e recrutar
pessoas para a organização que desempenhem
funções de gestão. Tudo indica que a gestão de
recursos humanos tem uma aplicação limitada nas
OESS, uma vez que a maioria destas organizações
tende a combinar as funções de governança e
de gestão. As questões de gestão de recursos
humanos só estão claramente diferenciadas nas
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Quadro 2.3 Aplicação do
“Code des Assurances CIMA”
na África Ocidental
Em 1995, os países da zona franca da África
Ocidental adotaram o quadro regulamentar
dos seguros da Conference Inter-Africaine des
Marches d’Assurance (CIMA) para reger
o setor segurador. O “Code des Assurances
CIMA” define as 23 diferentes classes de
seguros que podem ser negociados; estipula o
processo de licenciamento para as diferentes
classes de seguros; e define normas (como
requisitos de capital mínimos, rácios de
solvência e requisitos contabilísticos) para os
operadores. Apesar da existência de legislação
na região, a maior parte dos países não a
aplica às mutualidades que vendem planos
de seguros. Os governos e os responsáveis
da CIMA têm conhecimento de que estas
sociedades não obedecem ao “Code”, por
não conseguirem cumprir os requisitos de
capital mínimos e os rácios de solvência,
apesar de satisfazerem necessidades a que
as seguradoras sociais não dão resposta. Por
conseguinte, os responsáveis da CIMA e os
governos optaram por tolerar as mutualidades
de seguros em incumprimento, que continuam
a reger-se por regulamentos à margem da lei.
Fonte: Aliber & Ido, 2002: 8
organizações que possuem funções de governança
e de gestão separadas.
Nessas organizações, a Comissão de
Gestão ou o Conselho de Administração
recruta pessoal para desempenhar funções
de gestão. Se bem que as organizações de
grande dimensão, em particular as cooperativas,
tendem a aplicar um processo de recrutamento
profissional com base num procedimento
standard,22 as organizações relativamente mais
pequenas raramente seguem esse processo.
22 O procedimento inclui a determinação das necessidades
de pessoal; o fornecimento de uma descrição da função do
cargo; a clarificação dos critérios de seleção; o anúncio da
vaga, interna e externamente; a avaliação dos candidatos; e a
seleção do candidato mais qualificado para o emprego.
Podem existir várias explicações para este fato,
como a falta de recursos para pagar as despesas
envolvidas e a natureza do Conselho ou da
Comissão de Gestão. Após o recrutamento, poucas
são as organizações de ESS que formam o seu
pessoal, sendo as cooperativas, mais uma vez, a
principal exceção. Nalguns países, como o Quênia,
a Tanzânia e o Reino Unido, existem colégios
cooperativos para formação de pessoal de gestão
de cooperativas. Os outros tipos de organizações
não dispõem de instituições especializadas que
possam formar o seu pessoal. O pagamento de
remunerações baixas, relativamente às taxas de
mercado, não permite a muitas organizações
fidelizar trabalhadores formados, competentes e
qualificados, e gera uma elevada rotatividade de
pessoal.
Embora as OESS relativamente mais pequenas
não possuam sistemas de gestão de recursos
humanos tão sofisticados, usam formas
alternativas de encorajar as pessoas a trabalhar
para a prossecução dos seus objetivos. A maioria
das organizações comunitárias, mutualidades
e associações recruta pessoal qualificado entre
os seus membros com base nos seus talentos
especiais. Tal como é ilustrado no exemplo de
Suma no Estudo de Caso 2.1, as empresas
sociais e as cooperativas de trabalhadores
usam a capacidade dos seus membros para
realizar o seu trabalho. Os trabalhadoresmembros dependem do autoconhecimento
e da reflexão contínua sobre o desempenho
do pessoal para identificar áreas em que seja
possível retirar ensinamentos e melhorar esse
desempenho; desenvolvem algo que Davis (2004:
120120-122) designa por “competências de
autogestão”. Tornam a organização inteira numa
“plataforma de aprendizagem” que desenvolve
os recursos humanos para a empresa. O reforço
de capacidades está no seio da organização e os
sistemas de aprendizagem interna baseiam-se na
democracia e na capacitação. Importa referir que
a remuneração dos trabalhadores não é composta
exclusivamente pelo tradicional pacote de dinheiro
e benefícios, incluindo também bens e serviços
gerados pela organização.
DOCUMENTO DE TRABALHO
27
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
2.3 Gestão de recursos nas
OESS
2.3.1 Necessidades de recursos
As condições de necessidade numa sociedade
tendem a gerar uma multiplicidade de respostas dos
cidadãos, a maioria das quais se estrutura em OESS.
Nascidas da necessidade (Defourny & Develtere,
2009: 18), as necessidades de recursos da ESS
são tão diversas como os problemas que afetam
a sociedade humana. Para cobrir os vários riscos
enfrentados pelos seus membros, as mutualidades
precisam de recursos para garantir a cobertura
em caso de doença, de despesas de funeral, más
colheitas, propinas e outras formas de condições
de vida precárias. Analogamente, as organizações
comunitárias e as associações enfrentam uma
série de problemas na sua procura de satisfazer
necessidades individuais e das comunidades:
défices de mão de obra agrícola e pastoril; falta
de meios em termos de educação, saúde, água,
comunicações e famílias; e carência de inovação em
várias atividades econômicas que possa melhorar as
condições de vida, entre outros.
As cooperativas e as empresas sociais de diferentes
setores precisam de capital circulante para
funcionar e melhorar a produtividade dos seus
vários negócios e cumprir os seus objetivos sociais.
Em resumo, as OESS necessitam de múltiplos
recursos, humanos e financeiros, para produzir
bens e serviços em resposta aos riscos e carências
enfrentados pela sociedade humana.
contribuem com donativos ou legados filantrópicos
(Fonteneau & Develtere, 2009).
Além dos recursos gerados pelos fundadores e
pelos membros, as OESS também obtêm recursos
das suas próprias atividades. Sendo empresas
econômicas, muitas delas geram retornos
com a venda de bens e serviços ao público,
frequentemente em concorrência com outros
operadores privados. Os retornos gerados deste
modo tendem a ser reinvestidos nas atividades das
organizações, quando não são necessários para
prestar serviços sociais.
Como dependem dos recursos fornecidos pelos
seus membros e dos retornos gerados pelas suas
atividades, considera-se frequentemente que
as OESS têm autonomia financeira. No entanto,
estas organizações também recebem fundos de
organizações públicas e filantrópicas destinados a
reforçar a sua capacidade de fornecimento de bens
e serviços. Os fundos públicos assumem a forma
de subvenções de governos locais e nacionais, bem
como de assistência oficial ao desenvolvimento,
prestada por países desenvolvidos a países do
Sul. As contribuições filantrópicas são donativos
de organizações não governamentais e fundações,
sobretudo do Norte.
Importa salientar, contudo, que a aceitação de
fundos públicos e de donativos não usurpa
necessariamente a autonomia das OESS. As
organizações tendem a aceitar os fundos como
apoio à manutenção do seu próprio rumo.
Embora as OESS possam obter recursos de
diversas fontes, dependem em larga medida de
recursos fornecidos pelos seus fundadores e/ou
membros. Os recursos fornecidos pelos membros
das cooperativas assumem a forma de títulos de
capital, enquanto as mutualidades, organizações
comunitárias e associações angariam subscrições
periódicas, ativos em espécie e trabalho voluntário.
Nas empresas sociais, estes recursos assumem a
forma de contribuições para o capital ou de ativos
em espécie. Nas fundações, os apoiantes da causa
28
DOCUMENTO DE TRABALHO
© OIT / Crozet M.
2.3.2 Fontes de recursos
Cooperativa de Mulheres (projeto apoiado pela OIT): nas
pedreiras de Mtongani (Dar Es Salaam), foi proposto um projeto
de cultivo de cogumelos e de criação de galinhas, dirigido sob
a forma de cooperativa, em alternativa à extração de pedra que
costumava ser a principal atividade das mulheres no distrito. A
produção é posteriormente vendida nos mercados.
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Normalmente, estas organizações recebem fundos
externos porque os cidadãos desejam aumentar
a disponibilidade e a acessibilidade dos seus
produtos e serviços, mesmo quando o grupo-alvo
não pode pagar adequadamente os custos de
produção. Por vezes, as subscrições dos membros
não chegam para cobrir os custos de produção e
de fornecimento dos bens e serviços que seriam de
desejar pela organização e pela comunidade.
2.3.3 Monitoramento dos recursos
A proteção contra fraudes, roubos e uso
abusivo dos recursos é importante em todas as
organizações. As organizações privadas defendemse contra fraudes e gestão abusiva através da
implementação de sistemas de gestão que
incluem processos de controle ou contabilísticos
rigorosos, auditorias internas e conselhos de
administração exigentes para monitorizar a gestão
da organização (Biety, 2005: 239). Embora as OESS
possuam sistemas de contabilidade, auditoria e
monitoramento, o seu peso na gestão dos recursos
varia consoante os modelos de organização.
vendas, aquisições, receitas e pagamentos. Algumas
organizações até recorrem à memória das pessoas
para gerar e comunicar informações sobre os seus
recursos e atividades.
Esta variação de processos contabilísticos devese em parte à regulamentação (ou ausência
de regulamentação) destas organizações. Na
maioria dos países anglófonos, por exemplo, a
regulamentação obriga as cooperativas a usar
normas internacionais de contabilidade para
comunicar os seus ativos e passivos aos membros;
como não existe esse requisito para as organizações
comunitárias, mutualidades e associações, os seus
procedimentos contabilísticos podem envolver
o recurso à memória, a atas de reuniões ou a
uma contabilidade básica. Nestas situações, até
os membros com bastante conhecimento dos
recursos da sua organização podem ter dificuldade
em contribuir com todas as suas percepções
individuais para o processo de planejamento.
Consequentemente, os líderes ou os membros
podem tomar decisões baseadas em premissas
errôneas resultantes de informações subjetivas ou
insuficientes.
Contabilidade
Auditoria
Consiste na reunião, compilação, relato e arquivo
das atividades e recursos de uma organização. As
informações produzidas por esta função ajudam
os responsáveis pela governança e gestão a tomar
decisões informadas (Kim & Nofsinger, 2007: 25).
Nas organizações privadas, estas informações são
importantes não só para uso interno, mas também
para terceiros: os investidores, banqueiros, credores
e colaboradores têm particular interesse na saúde
financeira da empresa. Consequentemente, a função
contabilística é crucial para controlar os recursos e
as atividades das organizações privadas.
Nas OESS existem diferentes práticas
contabilísticas. As organizações de grande
dimensão e relativamente formalizadas usam
normas internacionais de contabilidade para gerar,
comunicar e guardar informações sobre os recursos
e atividades da empresa, mas as organizações
mais pequenas e menos formalizadas não seguem
este modelo. Estas organizações usam uma
contabilidade básica, em que, a título individual ou
coletivo, registram as transações financeiras, como
Consiste em geral numa avaliação de uma
pessoa, organização, sistema, processo, empresa,
projeto ou produto. As auditorias são realizadas
para determinar a validade e a fiabilidade das
informações e para fornecer uma avaliação do
controle interno de um sistema. Uma auditoria tem
por objetivo emitir um parecer sobre a pessoa,
organização ou sistema em questão.
Na gestão das empresas capitalistas existem
auditores internos e auditores externos. Os auditores
internos fiscalizam os procedimentos financeiros
e operacionais da organização; verificam o rigor
contabilístico dos registros financeiros; garantem a
conformidade com a regulamentação contabilística;
melhoram o controle interno e detectam fraudes e
usos abusivos dos recursos. Em contrapartida, os
auditores externos são contabilistas não pertencentes
à organização, que têm a função de examinar as
demonstrações financeiras da organização e o
seu desempenho na satisfação das necessidades
dos seus membros e no cumprimento dos seus
DOCUMENTO DE TRABALHO
29
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
objetivos de responsabilidade social. Os auditores
externos certificam a correção das demonstrações
financeiras e o seu rigor na representação material
das condições socioeconômicas da organização (Kim
& Nofsinger, 2007: 27-28). Enquanto os contabilistas
são responsáveis por produzir as informações de
gestão das organizações, os auditores têm por missão
monitorizar e verificar o rigor dessas informações.
O recurso à auditoria, tal como à contabilidade,
é raro nas OESS. O recurso a auditorias externas
é frequente nas cooperativas, empresas sociais
e fundações, mas raro nas mutualidades,
organizações comunitárias e associações. Se
bem que as empresas sociais e as fundações
procurem ocasionalmente os serviços de
auditores externos para emitir pareceres sobre a
solidez das suas organizações e se certificar da
respectiva sustentabilidade, as cooperativas, em
particular de países anglófonos, são obrigadas
a entregar relatórios de auditoria externa anuais
para cumprimento da regulamentação em
matéria de governança. A auditoria interna é mais
prevalecente nas cooperativas anglófonas e está
presente, em certa medida, nas empresas sociais
e nas fundações. A função de auditoria interna
nas cooperativas é exercida quase sempre por um
comitê de supervisão nos países anglófonos ou por
um Commissaire aux comptes em alguns países
francófonos, mas não está presente na estrutura de
gestão dos outros tipos de OESS.
Manifestamente, as mutualidades, as organizações
comunitárias e as associações não possuem
estruturas formais para a realização da função
de auditoria. Esta ausência pode implicar uma
vulnerabilidade destas organizações em termos de
avaliação dos seus procedimentos operacionais e de
verificação do rigor das informações de gestão. Por
muito que os membros procurem fiscalizar a gestão
destas organizações, poderão não ter capacidade
para detectar fraudes e uso abusivo dos recursos,
uma vez que eles próprios estão envolvidos no
processo de gestão.
Monitoramento
À semelhança das empresas capitalistas, os
membros ou os proprietários das OESS monitorizam
sobretudo o desempenho das suas organizações;
30
DOCUMENTO DE TRABALHO
no entanto, as práticas de monitoramento variam
consoantes os modelos de organização e as regiões
do mundo. Nos países francófonos e em grande
parte da América Latina, em que as tradições
de mutualidade e de solidariedade promovem a
capacitação e a igualdade, os membros monitorizam
diretamente as atividades das suas organizações no
âmbito do seu processo de trabalho. Nos países
anglófonos, o monitoramento varia consoante os
modelos organizacionais. O monitoramento está a
cargo do Conselho de Administração nas empresas
sociais e nas fundações, sendo da responsabilidade
da Assembleia Geral nas cooperativas, nas
mutualidades, nas organizações comunitárias e
nas associações, por vezes através da gestão, à
semelhança das cooperativas.
O Conselho de Administração nas empresas sociais
e nas fundações e a Comissão de Gestão nas
cooperativas utilizam relatórios de auditoria para
avaliar o desempenho da organização e adotar
as ações necessárias para salvaguardar os seus
objetivos; a inexistência de relatórios de auditoria
nos outros tipos de OESS pode, no entanto, levar
a Assembleia Geral a agir na base de opiniões
subjetivas dos membros. A situação poderá ser
pior se não existir um quadro regulamentar que
complemente a função de fiscalização exercida pela
Assembleia Geral ou pelos membros.
2.4 Mecanismos de
financiamento das OESS
Além dos seus recursos internos, as OESS têm
sido tradicionalmente financiadas por subsídios
e empréstimos. Os subsídios são donativos
de doadores, enquanto os empréstimos são
fundos obtidos pela contração de crédito junto
de instituições financeiras. Como a concessão
de subsídios é uma prerrogativa dos doadores,
as OESS não têm controle sobre esta fonte de
financiamento, o que se tem revelado insustentável.
Por outro lado, a disponibilidade de crédito para
OESS tem vindo a reduzir-se, porque as instituições
financeiras as consideram mutuários de alto risco.
Acresce que, frequentemente, as instituições
financeiras têm oferecido empréstimos de curto
prazo em vez dos empréstimos de longo prazo
mais cobiçados. Estas realidades conspiraram para
© LE MAT
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
reduzir a disponibilidade de recursos financeiros
para OESS externos às organizações num contexto
de exigências financeiras crescentes.
Estas exigências forçaram soluções financeiras
inovadoras em muitas partes do mundo. Uma
delas é o desenvolvimento de um setor financeiro
personalizado que não se limita a replicar ou a
multiplicar os produtos e instrumentos financeiros
existentes e oferece um panorama de investimento
social complexo, com produtos financeiros
diversificados que correspondem às necessidades
e ao ciclo de vida das OESS (incluindo as fases
de arranque ou mesmo de pré-arranque, em
alguns casos, de consolidação e de crescimento).
Os doadores também estão a responder a este
panorama com uma reorientação estratégica de
donativos para investimento, com novos modelos
de financiamento como a filantropia de risco.
A criação de novos produtos financeiros e
de um novo vocabulário (p. ex., investimento
relacionado com a missão, investimento de
impacto, investimento relacionado com o programa,
financiamento social, financiamento solidário,
etc.) orientados para um investimento ético ou
socialmente responsável (ISR) pode ser uma
potencial fonte de financiamento para a economia
social (Mendell & Nogales, 2009: 97-98).
Algumas OESS estão
a entrar no mercado
acionista com o objetivo
de angariar capital para
as suas operações. No
Quênia, por exemplo, o
Banco Cooperativo, embora
licenciado para a realização
de operações bancárias ao
abrigo da Lei dos Bancos
de 1968, tem mantido a
sua longa tradição como
cooperativa, restringindo a
propriedade do banco ao
movimento cooperativo.
70% das ações do banco
são detidos por cooperativas
e 30% por cooperantes
individuais. No entanto, esta
estrutura de propriedade
alterou-se em 2008, quando
o banco dispersou o capital em bolsa na sequência
de uma oferta pública inicial (OPI) bem-sucedida
de 700 milhões de ações. As ações do banco são
atualmente transacionadas na Bolsa de Valores de
Nairobi para angariar mais capital, o que permite ao
Banco Cooperativo gabar-se de possuir uma base de
capital superior a 13,5 bilhões de KES (180 milhões
de USD) que o torna um dos bancos mais fortes do
Quênia.
Entretanto, a criação de bolsas de valores sociais
em países como o Brasil e a África do Sul, levou
ao acesso de capital para a economia social e
solidária, de maneira inovadora, em patamares
que ultrapassam o mercado acionista capitalista.
Esta inovação em particular inspirou a Fundação
Rockefeller dos Estados Unidos a financiar uma
pesquisa da Universidade de Oxford, no Reino
Unido, sobre o desenvolvimento de mercados
secundários e de uma bolsa de valores social para
a ESS em outras partes do mundo (Mendell &
Nogales, 2008).
Importa notar, também, que estão a ser criadas
redes de instituições financeiras em determinadas
partes do mundo, que investem diretamente e,
em alguns casos, exclusivamente, na ESS. Até
recentemente, por exemplo, não existiam produtos
DOCUMENTO DE TRABALHO
31
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
de investimento de longo prazo no Québec, Canadá.
Todo o financiamento disponível era concedido
como crédito de curto prazo, o que dificultava de
forma significativa a capacidade de consolidação
das atividades e de crescimento das OESS.
Em resposta a esta situação, o Chantier de
l’économie sociale criou recentemente o Fiducie
du Chantier de l’économie sociale, um fundo
de capital “paciente” que fornece capital de
investimento de longo prazo às OESS. O Estudo de
Caso 2.3 debruça-se sobre esta iniciativa.
2.5 Para uma gestão eficiente
das OESS
2.5.1 Conceitualização da eficiência
A eficiência tende a ser definida de forma diferente
conforme os contextos e as finalidades. Num plano
mais genérico, em regra a eficiência mede até que
ponto uma instituição utiliza adequadamente os
recursos disponíveis (inputs) para maximizar os
resultados (outputs). Em círculos empresariais, tal
implica minimizar os inputs e maximizar os outputs
ou lucros. Sem necessariamente nos restringirmos
a medições, neste documento de trabalho usamos o
termo na sua perspectiva administrativa. Eficiência
será a capacidade de tomar as medidas certas para
alcançar os objetivos definidos. Dado que as OESS
lidam com problemas sociais no contexto da sua
identidade e dos seus princípios de funcionamento,
coloca-se a questão de saber em que medida
saberão governar e gerir adequadamente as suas
atividades?
2.5.2 Reforço da gestão
Como já se explicou, as práticas de gestão das
OESS variam muito. Enquanto as organizações de
grande dimensão e mais profissionais empregam
pessoal formado para realizar funções de gestão,
como contabilidade e auditoria, as organizações de
pequena dimensão tendem a atribuir estas funções
aos seus membros-trabalhadores. Esta disparidade
deve-se em parte ao fato de as OESS funcionarem
em muitas partes do mundo com requisitos de relato
de desempenho limitados, poucas convenções
32
DOCUMENTO DE TRABALHO
contabilísticas e apenas regras de divulgação
mínimas (Nicholls, 2009: 758).
Não obstante, as OESS funcionam no mesmo
ambiente que as empresas com fins lucrativos e
esta situação de concorrência motiva um número
crescente de soluções inovadoras na gestão das
OESS. Algumas organizações tornam-se mais
competitivas e funcionalmente especializadas,
contratam profissionais para assumir as suas funções
de gestão e usam práticas de gestão de recursos
humanos convencionais que incluem a negociação de
acordos coletivos de trabalho com os colaboradores.
O Estudo de Caso 2.2 sobre a Sociedade Cooperativa
de Produtores de Laticínios de Githunguri ilustra
claramente como o profissionalismo melhorou a
eficiência da organização.
Em contrapartida, outras organizações não seguem
o caminho das empresas privadas, optando por
reforçar o relato de desempenho através da adesão
a auditorias sociais que priorizam a comunicação
dos progressos registrados rumo a objetivos de
missão definidos no âmbito de atividades centrais.
Este relato social funciona normalmente como uma
avaliação horizontal do desempenho interno e tende
a usar indicadores descritivos de escala tipicamente
humanos.
Analisa alterações ou desenvolvimentos
maioritariamente não comparativos individuais ou
comunitários (p. ex., perfis de populações-alvo ou
características de partes interessadas) e algumas
informações financeiras. A informação fornecida
por este tipo de auditoria fornece uma narrativa de
ações e objetivos específicos e pode ser usada para
demonstrar os progressos registrados ao longo
do tempo. As auditorias sociais são habitualmente
qualitativas, centrando-se na medição do impacto
através da enumeração de resultados descritivos
específicos e, como tal, frequentemente parciais, da
ação estratégica (Nicholls, 2009: 761).
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
2.5.3 Fiscalização e monitoramento
Já se provou que os membros são os principais
órgãos de fiscalização das suas organizações.
As organizações que separaram as funções de
governança e de gestão seguramente exigem uma
vigilância acrescida por parte dos seus conselhos
ou comissões de gestão. Estas OESS beneficiam
em particular de conselhos comprometidos com
o espírito do empreendedorismo social e com a
visão do aumento da produção de bens e serviços
para os membros. À semelhança dos Conselhos
de Administração das empresas privadas, os
membros dos conselhos ou comissões de gestão
destas organizações têm de colocar os interesses
dos membros e da comunidade mais vasta acima
dos seus interesses pessoais e exercer o dever
de diligência, comportando-se como uma pessoa
prudente normal atuaria na mesma posição e nas
mesmas circunstâncias. Para cumprir o dever
essencial de supervisão, o conselho ou a comissão
efetua reuniões regulares para analisar as operações
e a gestão da organização. De novo, o Estudo de
Caso 2.2 ilustra como um conselho de administração
empenhado pode dar a volta aos destinos da
economia social.
2.6 Conclusões principais
Este capítulo propôs-se explicar a forma como
as OESS são governadas e geridas. A análise
demonstrou claramente que estas organizações
se regem pelo princípio da liderança democrática
e participativa para governar e gerir as suas
atividades. Na prática assumem diferentes
formas, desde a intervenção direta dos membros
nos processos de governança e de gestão ao
envolvimento representativo dos membros em
funções de gestão e de governança separadas.
Embora as exigências de eficiência e de
competitividade forcem um número crescente de
organizações a profissionalizar a sua governança e
gestão, outras organizações respondem aos mesmos
desafios com formas alternativas e inovadoras
de financiamento e de gestão que mantêm as
organizações centradas nas pessoas e orientadas
para as suas causas sociais. Estas inovações
demonstram a potencialidade empreendedora
da ESS, que está habituada a dar resposta aos
problemas e crises que afetam a sociedade.
No entanto, em partes do mundo em que a
participação direta dos membros é a norma, a função
de monitoramento está a seguir um rumo diferente.
No Brasil, por exemplo, os conselhos de gestão de
cooperativas não reúnem com regularidade, em
larga medida porque estas organizações evitam este
modo de governança em favor de uma participação
direta dos membros. O resultado é a emergência de
cooperativas de trabalhadores, tal como na Argentina
desde o colapso econômico do país. Neste caso, os
membros exercem a sua função de fiscalização em
paralelo com a função de gestão.
DOCUMENTO DE TRABALHO
33
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Estudo de caso 2.1: Alimentos integrais Suma
Suma é um atacadista independente de alimentos integrais sediado em Elland, no Reino Unido, que emprega
cerca de 150 trabalhadores. Iniciou a sua atividade em 1974 como negócio de uma pessoa quando o seu
proprietário, Reg Tayler, se mudou de Londres para Leeds e abriu uma loja varejista, a Plain Grain. Em agosto
de 1975, numa reunião em que participaram todos os estabelecimentos de venda de alimentos integrais no
norte de Inglaterra, propôs a criação de uma cooperativa de venda por atacado de alimentos integrais.
Reg e os seus amigos instalaram-se numa cozinha nas traseiras de uma casa em Victoria Road, Leeds, e
iniciaram a venda de flocos de cereais, frutos secos e arroz integral. Em breve precisaram de mais espaço e
arrendaram uma garagem na proximidade, onde pela primeira vez usaram o nome “Suma” para o negócio
em crescimento. Na altura, Reg trabalhava como motorista para Jonathan Silver, entregando vestuário nas
lojas da cadeia de vestuário masculino que ele possuía no norte de Inglaterra. Reg fornecia as encomendas
de alimentos integrais da Suma nos intervalos entre as entregas “oficiais” para o seu patrão, que sabia do
que se passava e fazia vista grossa.
Passado um ano, a Suma precisava de instalações adequadas, tendo adquirido em 1976 um minúsculo
armazém de dois pisos na Wharf Street em Leeds. Em 1977, Reg vendou o negócio da Suma aos sete
funcionários, que se tornaram membros fundadores da Triangle Wholefoods Collective, uma cooperativa
de trabalhadores que operava sob a designação comercial de Suma.
Em 1978, a Suma mudou para um armazém de três andares muito maior em 46 The Calls, Leeds. O
espaço parecia enorme, mas a expansão rápida do mercado dos alimentos integrais obrigou a Suma a
mudar-se em 1986 para um armazém pré-fabricado de 6.500 metros quadrados em Dean Clough Mills,
Halifax. Seguiram-se 15 anos de crescimento sólido em termos de volume de negócio e da cooperativa.
Verificou-se um aumento correspondente da complexidade e sofisticação do negócio, e a estrutura da
cooperativa sofreu muitas alterações para gerir esta mudança.
Nos primeiros tempos, os parceiros reuniam uma vez por semana para debater aberta e francamente
a estratégia e as operações e para tomar decisões por consenso. Com o tempo, porém, as relações
azedaram quando trabalhadores isolados começaram a tomar e implementar decisões correntes. Sucedia
ainda que decisões tomadas numa semana eram revertidas na semana seguinte. Em 1986, a Suma
reorganizou e criou uma comissão de gestão composta por seis pessoas eleitas que reúne semanalmente
para gerir os assuntos de rotina do negócio em nome dos membros. A comissão é apoiada por
profissionais de gestão especializados em recursos humanos, finanças e operações. Os 150 trabalhadores
são polivalentes e todos detêm participação no negócio. Não existe diretor executivo e qualquer
trabalhador pode submeter uma proposta à consideração da comissão de gestão.
Fonte: Thompson & Doherty, 2006: 364-365; http://www.suma.coop/about/a-brief-history/
34
DOCUMENTO DE TRABALHO
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Estudo de caso 2.2: Sociedade Cooperativa de Produtores de Laticínios
de Githunguri, Quênia
A Sociedade Cooperativa de Agricultores de Laticínios de Githunguri foi constituída em 1961 por 31
produtores de laticínios da Divisão de Githunguri no Distrito de Kiambu, província central do Quênia.
Tinha por objetivo recolher e comercializar leite produzido pelos membros. Tal como muitas outras
cooperativas de laticínios, o controle estatal sobre a comercialização do leite e a gestão de cooperativas
tinham asfixiado o seu funcionamento, que se encontrava praticamente estagnado em meados da década
de 1990.
A liberalização do movimento cooperativo a partir de 1997, aliada a uma comissão de gestão motivada
e bem‑intencionada que assumiu o mandato em 1999, contribuiu de forma significativa para inverter o
desempenho da Sociedade. Com novos poderes para contratar e despedir pessoal, a comissão contratou
profissionais para conduzir a gestão corrente da cooperativa. Em 2003 usou ainda dos seus poderes
para contrair um empréstimo de cerca de 70 milhões de xelins quenianos (cerca de 880.000 euros) junto
do OIKO Credit dos Países Baixos, dando como garantia a propriedade da Sociedade, que investiu na
construção de uma unidade transformadora de laticínios. O destino da cooperativa sofreu uma tremenda
reviravolta deste a colocação em serviço desta unidade, em 2004.
A cooperativa tem atualmente 17.000 membros, um volume de negócios anual de 3 bilhões de xelins
quenianos (cerca de 30 milhões de euros) e passou de 25.000 litros para uma recolha média de 170.000
litros de leite por dia. Possui vários veículos para transportar o leite de 41 centros de recolha na Divisão
de Githunguri, no Distrito de Kiambu, para a sua unidade na cidade de Githunguri. A unidade produz
quatro produtos de marca principais que são vendidos em Nairobi: leite fresco embalado, iogurte, ghee e
manteiga.
Além desta atividade, a cooperativa também fornece serviços de produção aos seus membros, como
inseminação artificial, serviços de extensão agrária e forragens nas suas 31 lojas espalhadas pela área de
operação. Estes serviços são disponibilizados aos membros a crédito recuperado com a venda do seu
leite. Estas atividades traduziram-se num enorme aumento da produção de leite dos membros, a que a
cooperativa respondeu com a oferta de preços competitivos e pagando pontualmente o seu produto. A
cooperativa vende parte do seu leite a outras unidades transformadoras em Nairobi.
As atividades em expansão da cooperativa são asseguradas por cerca de 300 trabalhadores recrutados
com base numa política de emprego. O pessoal menor é recrutado na Divisão e o pessoal de gestão é
angariado a nível nacional, sendo contratado com base nas qualificações profissionais. Importa destacar
que os trabalhadores formaram um sindicato que celebrou um acordo coletivo de trabalho com a direção
da cooperativa. Consequentemente, a cooperativa tem conseguido atrair e fidelizar trabalhadores de forma
mais eficaz que na época do controle estatal, em que não existia política de emprego mas apenas o poder
discricionário do Comissário de Desenvolvimento Cooperativo.
Fonte: http://www.fresha.co.ke/about-us/githunguri-dairy-farmers-cooperative//
DOCUMENTO DE TRABALHO
35
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Estudo de caso 2.3: La Fiducie de l’economie sociale et Finance Solidaire no
Québec
O fundo fiduciário do Chantier de l’économie sociale (Fiducie) foi instituído em 2007. Durante vários anos,
as empresas de economia social manifestaram a necessidade de produtos financeiros diferentes dos
tradicionais subsídios e empréstimos e debateram em paralelo formas de reter capital de longo prazo nos
seus negócios. Pretendiam novos produtos que tomassem em consideração a sua missão social. Muitos
investidores privados e institucionais estavam relutantes em investir na economia social, apesar de estar
provado de forma concludente que as empresas da economia social possuem rácios de empréstimo mais
baixos e uma taxa de sobrevivência duas vezes superior à das empresas privadas.
O Fiducie é uma resposta a estas necessidades. É um intermediário entre o mercado financeiro e as
empresas de economia social. Oferece um produto que complementa os produtos já disponíveis no
mercado: capital “paciente”, por outras palavras, empréstimos com uma moratória de 15 anos para o
reembolso do capital. Estes investimentos são oferecidos em duas modalidades: capital paciente para
operações, destinado a financiar custos relacionados com capital circulante, marketing de novos produtos
e aquisição de equipamento, e capital paciente para bens imobiliários, destinado a financiar custos
diretamente associados à aquisição, construção ou renovação de ativos imobiliários. O Fiducie trabalha
com uma impressionante rede de partes interessadas que potenciam a sua capacidade de avaliação de
projetos com eficácia, de forma realista e cuidadosa.
O capital inicial do Fiducie foi disponibilizado pelo Departamento de Desenvolvimento Econômico do
Canadá (uma subvenção do Governo do Canadá) e por alguns investidores, incluindo dois grandes fundos
de solidariedade para o emprego (o Fonds de solidarité da Fédération des Travailleurs du Québec, e o
Fonds de développement de la CSN pour la co-opération et l’emploi da Fondation de la Confédération des
syndicats nationaux), bem como pelo Investissement Québec (uma subvenção do Governo do Québec).
Com este fundo inicial de 52,8 milhões de CAD, o Fiducie pode investir em empresas de economia social e
apoiar o seu desenvolvimento. A capacidade de atrair diferentes investidores permite ao Fiducie repartir o
risco e reduzir os custos de financiamento das empresas.
Desde a sua instituição, em 2007, o Fiducie já investiu 11,43 milhões de CAD em 39 empresas de economia
social em diversos setores e regiões do Québec. Estes investimentos do Fiducie geraram um total de
66,2 milhões de CAD em investimentos que criaram e/ou consolidaram mais de 1.120 empregos. A
alavancagem do Fiducie é quase de 1:6, o que demonstra o impacto significativo dos seus investimentos
iniciais em empresas de economia social.
Fonte: Mendell & Nogales, 2009. Para mais informações, acessar http://fiducieduchantier.qc.ca
36
DOCUMENTO DE TRABALHO
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Capítulo 3: Elaboração de políticas
públicas para o desenvolvimento
da ESS
3.1 Introdução
A ESS é um fenômeno que tem obtido crescente
visibilidade econômica, social e política. Uma das
novidades da ESS diz respeito à forma como ela
tem impactado na elaboração de políticas públicas,
uma vez que seus sujeitos, organizações e entidades
buscam reconhecimento, institucionalidade e
fortalecimento de seus projetos e formas de
atuação.
As políticas públicas em matéria de ESS estão em
evolução e requerem a participação forte e ativa da
sociedade civil no seu planejamento, execução e
monitoramento.
Este capítulo começa por apresentar os
antecedentes das políticas públicas em matéria
de ESS, incluindo os principais instrumentos e
tendências, bem como a relação entre estas políticas
e ações públicas “transversais” e “emancipatórias”.
Após essa exposição, são apresentadas algumas
experiências de países selecionados da África, Ásia,
Europa, América Latina e América do Norte.
3.2 Políticas públicas para a ESS
3.2.1 Antecedentes
É possível encontrar em muitos países, e sob
denominações muito diferentes, iniciativas de
produção e prestação de serviços sociais e pessoais,
organizados em regime de associação livre e
segundo princípios de cooperação e autogestão. De
fato, a existência e o crescimento destas práticas
geraram programas e ações de agências públicas
que as promoveram como opções de geração de
trabalho e renda, além de permitirem uma maior
participação democrática e melhor qualidade de
vida. (Gaiger, 2004; Morais & Bacic, 2009).
No entanto, a ESS caracteriza-se pelas dificuldades
e contradições encontradas na sua definição
e conceitualização, bem como na medição e
delimitação das suas atividades e organizações. A
ESS é um conceito dinâmico que tem sido definido
de forma diferente em contextos históricos e sociais
distintos. O seu significado continua a evoluir em
resposta às diferentes condições. Apesar dessas
dificuldades, é um dado adquirido que a ESS tem
desempenhado um papel significativo do ponto
de vista econômico, social, político e cultural. Em
termos globais, este significado é perceptível no
número crescente de documentos, declarações,
resoluções, convenções e recomendações
elaborados por reputadas instituições internacionais
no domínio da ESS.
Quadro 3.1: A ESS e
o seu reconhecimento na OIT
Num projeto para sistematizar documentos
e instrumentos jurídicos da OIT, a expressão
“economia social e solidária” foi encontrada em
cinco documentos da OIT, duas declarações,
dezasseis convenções e seis resoluções,
além de outros registros e memorandos,
incluindo resoluções da Assembleia Geral
da ONU. Também é interessante referir a
orientação das atividades técnicas da OIT que
apoiam iniciativas de ESS em África; inclui o
reconhecimento da ESS e da sua relação com
pareceres em matéria de políticas e de direito; a
melhoria e apoio do acesso a financiamento; e a
capacitação (Poorter, 2010).
Outra realidade global é o número significativo de
OESS. Segundo a definição da Conferência Regional
da OIT de Joanesburgo (2009), que adota uma visão
genérica da ESS, a ESS é considerada um conceito
aplicado a empresas e organizações, em particular
a cooperativas, mutualidades, associações,
DOCUMENTO DE TRABALHO
37
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
fundações e empresas sociais, que possuem a
característica específica de produzir bens, serviços e
conhecimento com objetivos econômicos e sociais
e de promoção da solidariedade.23
Nesta perspectiva, convém referir que:
Segundo a Aliança Cooperativa Internacional
24
(ICA), existem quase um bilhão de membros de
cooperativas e mais de 100 milhões de empregos
nos seus 91 países membros. No Canadá, nas
Honduras e na Noruega, uma em cada três
pessoas é membro de uma cooperativa; nos
Estados Unidos, a relação é de 1:4 e no Quênia,
de 1:5. Na China, Argentina, Brasil e Malásia,
existem 180 milhões, 9 milhões, 6 milhões
e 5,5 milhões de membros de cooperativas,
respectivamente.
Segundo a Federação Internacional de
Cooperativas e Mutualidades de Seguros25
(ICMIF), a quota de mercado das mutualidades
em 2007 tinha aumentado para 24% no final
de 2008. Dos dez maiores países com
mutualidades de seguros, representando
77% do mercado mundial, em cinco
deles as mutualidades e as cooperativas
representam mais de 30% do mercado
(Estados Unidos – 30%, Japão – 38%,
França – 39%, Alemanha – 44% e Países
Baixos – 33%). Estes números foram obtidos a
partir de uma amostragem de 2.750 seguradoras
mutualistas e cooperativas.
A Associação Internacional das Mutualidades26
(IAM) é um grupo de organizações de seguro
de saúde e de proteção social autônomo que
funciona segundo os princípios da solidariedade
e sem fins lucrativos. A IAM tem membros
na Europa, na América Latina, na América do
Norte e na África subsaariana. Só na Europa
tem 102 milhões de membros e 168 milhões de
beneficiários.
O Conselho Mundial das Uniões de Crédito27
dá aos seus membros a oportunidade de possuir
23 Plano de Ação para a Promoção de Empresas e Organizações
de Economia Social em África, OIT, 2009.
24 http://www.ica.coop/al-ica/
25 http://www.icmif.org/
a sua própria instituição financeira e ajuda-os a
criar condições para iniciar pequenas empresas,
construir a habitação de família e educar os
seus filhos. Está presente em 97 países de todos
os continentes e integra quase 50.000 uniões
de crédito e 184 milhões de membros. Em
2009 tinham ultrapassado 1 bilião de USD em
transações financeiras (ativos).
A União Internacional Raiffeisen28 (IRU) é uma
associação voluntária mundial de organizações
cooperativas nacionais, cujas ideias e trabalho
se baseiam nos princípios de Friedrich W.
Raiffeisen (autoajuda, autorresponsabilidade
e autoadministração). Foi fundada em 1968
e possui mais de 900.000 cooperativas e 500
milhões de membros em mais de 100 países.
Eventos como o Fórum Social Mundial, o
Encontro Internacional sobre a Globalização
da Solidariedade, a Rede Intercontinental
de Promoção da Economia Social Solidária,
a Assembleia de Cidadãos Asiáticos para a
Economia Solidária (Asian Citizens Assembly
for Solidarity Economy), o Fórum para uma
Nova Governança Mundial e a Conferência
Internacional sobre Economia Social
demonstram-nos que muitas outras experiências
“da base para o topo” estão em curso no mundo,
Quadro 3.2: Crise e oportunidades
O período de crise que atravessamos não
representa apenas uma ameaça, oferece
também uma oportunidade de criar os
fundamentos de um modelo econômico melhor.
As empresas de ESS podem contribuir para
a concepção deste novo modelo, porque
representam um outro formato de negócio,
baseado em valores como benefícios de longo
prazo, o primado das pessoas sobre o capital
e o respeito pelo ambiente (...). É imperativo
trabalhar no sentido de produzir um novo
modelo de crescimento, baseado numa atuação
empresarial mais transparente, mais sustentável
e, em suma, mais responsável. Um modelo de
crescimento que se empenhe na criação de
emprego, no investimento em capital humano e
no combate à exclusão social.
26 http://www.aim-mutual.org/
27 http://www.woccu.org/
38
DOCUMENTO DE TRABALHO
28 http://www.iru.de/
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Figura 3.1: A ESS e a ATD
Direitos
Desenvolvimento local
Emprego
Proteção
Redução da pobreza
ESS
Globalização equitativa
Diálogo social dialogue
Mandato e constituintes
Fonte: Baseado em Schwettmann (2006).
mesmo que ainda não tenham sido devidamente
contabilizadas ou sistematizadas.
Existe a percepção de que o peso da ESS está a
aumentar em termos de emprego, importância
econômica e penetração social.
À luz destes desenvolvimentos, é possível
que a maior preocupação inicial tivesse sido
a conceitualização do fenômeno; hoje em dia,
porém, é a questão da relação com as políticas
públicas. Este tema é um desafio duplo ao
conhecimento e à ação (Laville et al., 2006).
A ESS está a ganhar maior importância na
atualidade, perante o desenrolar da crise mundial e
o seu modelo de desenvolvimento pouco inclusivo
e ambientalmente sustentável. Esta crise representa
uma oportunidade de: 1) repensar o modo de
vida numa sociedade afetada pela exclusão,
desigualdade, pobreza e pelo aquecimento global;
e 2) planear políticas públicas mais abrangentes
e democráticas que envolvam a inclusão da
produção, a igualdade social, a erradicação da
pobreza, a redução da concentração de riqueza e a
sustentabilidade ambiental.29
Estes desafios já tinham sido referidos por
Schwettmann (2006) quando debateu o papel
29 Conclusões da Conferência Europeia sobre Economia Social
– Toledo, Espanha, 2010 (http://www.socialeconomy.eu.org/
IMG/pdf/2010).
das entidades de ESS e a Agenda de Trabalho
Decente.30 Em seu entender, existe uma
convergência perfeita entre os objetivos da ESS e
os objetivos da ATD, porque:
os valores e os princípios em que se baseiam
as empresas de ESS incluem o respeito pelos
princípios e direitos fundamentais no trabalho
(direitos);
em vários países, a ESS fornece emprego a mais
de 10% da população economicamente ativa
(emprego);
as empresas de ESS há muito tempo deram
provas da sua capacidade para alargar a
prestação de proteção social e de serviços
sociais a pessoas e comunidades não cobertas
por sistemas de seguridade social formais
(proteção);
um elevado número de organizações de ESS
representa a voz e os interesses daqueles que
não são normalmente representados pelos
parceiros sociais tradicionais, designadamente os
sindicatos e as organizações de empregadores,
30 A ATD reflete as preocupações de governos, trabalhadores
e empregadores que, em conjunto, conferem à OIT a sua
identidade tripartite única. A Agenda de Trabalho Decente
contempla quatro objetivos estratégicos: princípios e direitos
fundamentais no trabalho e normas internacionais do
trabalho; oportunidades laborais e salariais; proteção social
e seguridade social; e diálogo social e tripartismo. A OIT
pretende desenvolver abordagens à política econômica e
social na perspectiva do trabalho decente, em parceria com as
principais instituições e agentes do sistema multilateral e da
economia global (http://www.ilo.org).
DOCUMENTO DE TRABALHO
39
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
como os pequenos agricultores representados
através de cooperativas agrícolas de
fornecimento e marketing, operadores da
economia informal organizados em associações
de vendedores de rua, etc. (diálogo social).
Esta “heterogeneidade de ações” responde ao fato
de os diferentes governos e respectivas agências
divergirem no entendimento e reconhecimento
deste tema.31
Quadro 3.4: Questões de ESS a
abordar
O tema suscita algumas questões, como as
enunciadas por Schiochet (2006):
Como institucionalizar a ESS em estruturas
governamentais
O papel da ESS em outras políticas e as
interfaces da ESS com outras políticas
Como “territorializar” a ação governamental
Como estabelecer mecanismos permanentes e
eficazes para a participação da ESS na gestão
de políticas
© LE MAT
Uma empresa social no setor do turismo e da prestação de
serviços culturais em Gênova e na Ligúria
3.2.2 Tendências e instrumentos
O surgimento de políticas de ESS dá início a uma
fase de construção de um novo modelo de relação
entre a ação governamental e a sociedade civil. A
ideia de “política em construção” está relacionada
com o fato de se tratar de experiências recentes
com metodologias “experimentais” que são
aplicadas de forma heterogênea. Por outro lado, a
implementação efetiva de políticas públicas de ESS
coloca grandes desafios, dada a sua fragilidade e
vulnerabilidade institucional face às conjunturas
políticas (França Filho, 2006).
Quadro 3.3: Políticas públicas para
a ESS: Ações heterogêneas
Com base em análises de experiências
internacionais, as políticas públicas de ESS
abrangem normalmente:
ações de qualificação profissional para
segmentos informais;
iniciativas convencionais de divulgação do
microcrédito;
promoção de incubação de cooperativas
populares;
apoio à organização de associativismo;
estabelecimento de centros públicos de ESS.
40
DOCUMENTO DE TRABALHO
Não obstante a natureza experimental e em
construção destas políticas, podem ser identificados
alguns instrumentos de políticas públicas em
matéria de ESS:
Formação, educação básica e qualificação
profissional
Assessoria e assistência técnicas para o
estabelecimento, a incubação e a consolidação
de empresas na área da ESS
Desenvolvimento de tecnologias apropriadas e
acesso a essas tecnologias
Acesso ao crédito e financiamento solidários
Definição de quadros jurídicos e reguladores
Definição de estruturas governamentais de ação
no domínio da ESS a diferentes níveis
Definição de programas e políticas de ESS
específicos e transversais
Constituição e organização da oferta (logística e
infraestruturas) e da procura (contratos públicos
e mercado) para a produção do setor
Estes múltiplos instrumentos revelam os diferentes
“formatos” em que as políticas públicas de ESS foram
concebidas e implementadas internacionalmente.
31 Basta analisar o lugar que a ESS ocupa em algumas estruturas
governamentais. Como França Filho observou (2006:264):
“o nível de concepção e de estruturação numa política de
economia solidária depende diretamente da sensibilidade dos
gestores envolvidos, os quais, por seu turno, são diretamente
influenciados pelo nível de organização em movimentos sociais”.
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Apesar de se tratar de um tema que exige uma
reflexão mais aprofundada, é possível antecipar que
as políticas públicas de ESS devem apresentar as
seguintes especificidades:
são políticas que afetam as organizações de
ESS diretamente nas suas imposições jurídicas
e normativas, como aquelas que instituem as
cooperativas e as mutualidades;
são políticas macroeconômicas (fiscais e
financeiras) que privilegiam as organizações de
ESS, permitindo, por exemplo, taxas de juro
subsidiadas e acesso facilitado ao crédito;
são políticas concebidas para ser implementadas
em diferentes planos geográficos (local, regional
e/ou nacional);
são políticas concebidas para ativar certos setores
da economia e/ou grupos específicos, como
políticas de incentivo à agricultura, de habitação
social, de criação de emprego jovem, etc.
Em muitos casos, como se verá, partes destas
políticas nem são consideradas como tal; são
apenas instrumentos/mecanismos de apoio a
determinadas OESS.
Para uma visão sistematizada destes instrumentos,
Neamtan & Downing (2005) propõem quatro
categorias principais de políticas públicas de ESS:
1) Política territorial: visa ajudar comunidades
locais a criar redes, processos de planejamento
estratégico e projetos coletivos. Eis alguns
exemplos: as Diretrizes Estratégicas
Comunitárias, de Espanha; a Empresa de
Interesse Comunitário (Community Interest
Company), do Reino Unido; a Sociedade de
Responsabilidade Limitada com Lucros Baixos
(Low-profit Limited Liability Company), dos
Estados Unidos; o Desenvolvimento Local, do
Québec; o Programa de Parcerias Regionais, da
Austrália; e o Programa Brasil Local.
2) Ferramentas de desenvolvimento genéricas:
São utilizadas para facultar o acesso a
ferramentas de investimento corretas, a
mercados adequados, a investigação e
desenvolvimento, e ferramentas auxiliares na
aquisição de práticas de gestão e de sistemas
de formação e gestão eficazes.
3) Políticas setoriais: Estas políticas apoiam o
surgimento ou o reforço de determinados
setores econômicos (ambiente, serviços
pessoais, habitação, novas tecnologias,
comunicações, turismo, serviços alimentares,
cultura e muitos outros) e são ferramentas
importantes para o desenvolvimento da ESS.
4) Políticas em prol de populações-alvo: Estas
políticas dão a oportunidade de inserir cidadãos
considerados improdutivos na população ativa
e viabilizam o apoio à inserção socioeconômica
de grupos-alvo (p. ex., jovens, pessoas com
deficiência, imigrantes recentes).
Eis alguns exemplos: o Fundo de Assistência a
Grupos Prioritários, do México; os Grupos de
Interesse Econômico, do Senegal; e a Segunda
Economia, da África do Sul.
3.3 Construção da base para o
topo
É fundamental, para uma maior eficácia, que
as políticas públicas de ESS sejam construídas
com base na “coprodução”, ou seja, concebidas
como resultado da ação coletiva de cidadãos.
Os governos não têm a mesma capacidade que
os agentes da sociedade civil de identificar as
necessidades emergentes e as novas práticas de
promoção do desenvolvimento integrado.
Quadro 3.5: Políticas públicas de
ESS: Abordagem da base para o
topo
Para poder criar uma política pública de sucesso,
o governo tem de apoiar os agentes da economia
social e permitir que estes definam as suas
prioridades e negociem a natureza e o âmbito das
intervenções governamentais na área da economia
social. Este processo de coprodução de políticas
públicas é uma componente inevitável do desafio
que se coloca à identificação de uma política
adequada. (Neamtan & Downing, 2005: 19).
Em outros termos, esta construção não deve ser
encarada como o produto de uma construção
“pública”, mas “como o resultado de processos
de interações entre iniciativas associativas e
DOCUMENTO DE TRABALHO
41
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
políticas públicas” (Laville, 2006:27). São políticas
que devem ser concebidas a partir de “interações
recíprocas”, “de baixo para cima”, pois supõe uma
relação dinâmica com a sociedade civil.
As organizações da sociedade civil possuem
conhecimentos acumulados sobre a realidade
concreta da ESS e podem incrementar a escala
das suas atividades com base na interação com
os poderes públicos, seja através da concepção,
seja através da aplicação de políticas públicas
destinadas a encorajar, promover, apoiar,
monitorizar e divulgar a ESS.
É por este motivo que as políticas públicas de ESS
eficazes enfatizam dimensões não econômicas,
como aspetos da organização social de grupos
nos seus territórios. Estas políticas representam
um modo específico de gerir ações para criar
emprego e renda, uma vez que se baseiam num
conceito estratégico de desenvolvimento territorial.
As políticas públicas de ESS, quando planejadas
e implementadas nestes termos, são políticas
para a “organização da sociedade”, com impactos
socioprodutivos mais extensos que se articulam
num território específico (França Filho, 2006a).
Quadro 3.6: A ESS e os seus
impactos territoriais
Diz respeito à tentativa de implementar novos
quadros regulamentares territoriais ou figuras
institucionais, redesenhando o significado das
práticas econômicas, que devem funcionar
em estreita relação com a vida social, política,
cultural e ambiental própria dos seus respectivos
territórios. A componente econômica só
começa a fazer sentido em relação com
outras esferas da vida social e como modo de
articulação associativa entre os produtores e os
consumidores locais, para evitar processos de
exclusão. (França Filho, 2006 a: 266).
Este perfil de planejamento e implementação
de políticas públicas é coerente com as políticas
territoriais anteriormente descritas. As políticas
destinadas a apoiar comunidades locais (a criar
redes, processos de planejamento estratégico, etc.)
42
DOCUMENTO DE TRABALHO
são políticas de âmbito local/municipal. Eis alguns
exemplos:
Brasil: Oportunidade Solidária, criada em 2001
pela Secretaria de Desenvolvimento, Trabalho
e Solidariedade da prefeitura municipal de
São Paulo, e Diretoria de Economia Popular e
Solidária, criada pela prefeitura municipal do
Recife
França: implementação de políticas de ESS em
Rennes e em Nantes
Canadá: a importante Rede de Desenvolvimento
Comunitário e Econômico do Canadá
Estados Unidos: o Crédito Fiscal a Novos
Mercados, que concede crédito a investidores
comunitários
Austrália: as Comunidades Consultivas Locais
(Area Consultative Communities) que procuram
encontrar soluções locais para problemas locais
no âmbito do Programa de Parcerias local
Nova Zelândia: o Projeto de Ação e Pesquisa
para o Desenvolvimento Econômico Comunitário,
que elabora projetos comunitários locais.
3.4 Ações transversais
A ESS tem um caráter transversal, isto é, consegue
mobilizar diferentes áreas de ação pública. Além dos
seus objetivos econômicos (criação de emprego
e de renda), sociais (melhoria das condições de
sociabilidade, reforço dos laços territoriais) e
políticos (criação de espaços públicos de debate e
resolução dos problemas), a ESS pode mobilizar
uma dimensão cultural e ambiental.32
No entanto, este caráter transversal não é totalmente
eficaz na realidade atual, porque não existe
articulação entre as agências governamentais aos
diferentes níveis. Pura ignorância, disputas políticas
e fragilidade institucional são algumas das razões. A
novidade do tema também é relevante, já que exige
um estudo mais aprofundado aos elaboradores e
gestores de políticas e à sociedade no seu todo.
32 Como França Filho afirma (2006:264): Neste sentido, podem
ser realizados projetos de economia solidária por diferentes
departamentos governamentais, envolvendo diferentes
temas, como educação ambiental, transportes, desporto e
lazer, habitação, segurança alimentar, etc.
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
No Canadá, por exemplo, a Iniciativa de
Desenvolvimento Cooperativo é uma atividade
cooperativa conjunta do governo federal, que, em
parceria com organizações regionais, presta apoio
ao estabelecimento de cooperativas em áreas
prioritárias como cuidados de saúde, cuidados
domiciliários, integração de imigrantes, desafios
ambientais, etc. (Neamtan & Downing, 2005). Alguns
governos apoiam o desenvolvimento de entidades
de ESS com a finalidade de criar emprego: na União
Europeia, para reciclagem e prestação de serviços
sociais; na Nigéria, para educação (Programme
Décennal pour Le Développement de L´Éducation
[Programa Decenal para o Desenvolvimento da
Educação]); no Senegal, para habitação (Bureau
d’Assistance aux Collectivités pour l’Habitat Social
[Gabinete de Assistência às Coletividades de
Habitação Social]); e no Brasil, para sustentabilidade
socioambiental (aprovação da Política Nacional em
Matéria de Resíduos Sólidos em 2010).
3.5 Possibilidades de
“emancipação”?
Outro tema alvo de grande atenção atualmente é o
potencial de emancipação de setores marginalizados
após o estabelecimento de empresas baseadas na ESS,
de que é exemplo a transformação de programas de
transferência de renda em programas “emancipadores”.
Nos últimos dez anos, os programas de
transferência condicionada de renda procuraram
aliviar a pobreza e quebrar o seu círculo
intergeracional.33 Em regra, estes programas
providenciam transferências de renda a famílias
pobres na condição de os filhos frequentarem a
escola e de as crianças e grávidas se submeterem a
exames médicos regulares.
33 Alguns exemplos destes programas são: Programa Bolsa
Família, no Brasil; Red Solidária, em El Salvador; Tekoporã,
no Paraguai; Chile Solidário, no Chile; Oportunidades, no
México; Bono Solidário, no Equador; e Famílias en Acción, na
Colômbia.
© OIT / Perera Y.R.
No entanto, é possível identificar algumas
experiências com políticas setoriais em que foram
realizadas ações baseadas em princípios da ESS
com o intuito de alcançar outros objetivos sociais e
políticos.
Trabalhadores agrícolas colhendo guava, Distrito de Kurunegala,
Sri Lanka.
Soares et al. (2006) afirmam que estes programas
existem há décadas e têm sido objeto de inovações
e de extensões desde o final da década de 1990.
Estas inovações prendem-se com iniciativas
mais recentes, que sublinham uma nova forma
dinâmica de combater a pobreza através da
prestação de um apoio às famílias beneficiárias
que lhes permita encontrar “portas de saída” ou
“ser emancipadas” do seu atual estado de pobreza.
Para Soares & Britto (2008), esta abordagem
deveria implicar a integração com outras políticas
e programas derivados de uma estratégia para um
desenvolvimento mais abrangente que incluísse
oportunidades econômicas, capacitação e atividades
de criação de emprego e de renda.
No âmbito internacional estão em curso
investigações mais conclusivas sobre o impacto
deste tipo de programas. Num exemplo no Brasil,
contudo, é possível prever que existe um ambiente
favorável no domínio da ESS para alcançar
políticas e práticas que vão ao encontro da ideia de
DOCUMENTO DE TRABALHO
43
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
“emancipação” dos beneficiários (Morais & Bacic,
2008; 2009).34
3.6 A ESS em países
selecionados
Construir e reforçar políticas públicas de apoio é
fundamental para a ESS. É importante os governos
reconhecerem que a promoção da ESS contribui
para o desenvolvimento socioeconômico de um
país.
Embora não seja possível debater todo o conjunto
de experiências em matéria de políticas públicas
de ESS na arena internacional, apresentamos aqui
alguns exemplos de países selecionados.
3.6.1 África
A história de pobreza e exclusão social, bem
como a urgência de projetos de desenvolvimento
numa região marcada por graves conflitos sociais,
políticos, culturais, étnicos e raciais, explicam por
que motivo as práticas de ESS estão sobretudo
relacionadas com filantropia e com ações de
organizações não governamentais (ONG). No
entanto, alguns países registram atualmente
avanços no domínio do planejamento de projetos
de desenvolvimento socioeconômico que dão
prioridade à paz, à participação democrática, à
governança e à cooperação regional.35 36
34 Recomenda-se a leitura dos estudos realizados pelo Centro
Internacional da Pobreza em http://www.undp-overtycentre.
org/, e especificamente sobre o caso brasileiro, a consulta dos
dados do Sistema de Informações da Economia Solidária – SIES
da Secretaria Nacional de Economia Solidária – SENAES em
http://www.mte.gov.br/ecosolidaria/secretaria_nacional.asp
35 Este reconhecimento também surge em “Resultados da
Reunião Preparatória de Peritos no 1.º Simpósio Africano
sobre Trabalho Decente em matéria de ‘Abordagem conjunta
das implicações da crise econômica e financeira para as
populações de África’”: “Os constituintes devem usar o
potencial da economia social para criar condições de vida
alternativas, fornecer soluções de microfinanciamento,
impulsionar o comércio justo e aplicar proteção baseada
na solidariedade” (Adis Abeba, 2009), segundo material
compilado por Poorter (2010).
36 Conferência Regional da OIT “A Economia Social – A resposta de
África à Crise Global”, Joanesburgo, 19-21 de outubro de 2009.
44
DOCUMENTO DE TRABALHO
Quadro 3.7: A ESS e o
reconhecimento internacional
A economia social é absolutamente vital para a
recuperação das economias africanas. (...) A sua
importância é derivada da lógica e dos objetivos
sociais distintivos da economia social.35
- Ebrahim Patel, Ministro do Desenvolvimento
Econômico da África do Sul.36
A maior parte dos governos apoia alguns aspetos
da ESS e tem desenvolvido quadros jurídicos e
de políticas para a sua promoção. Por exemplo,
na África anglófona (Quênia, Tanzânia e Uganda)
existem políticas de apoio ao desenvolvimento
do movimento cooperativo e de associações
mutualistas para fornecimento de seguros de
saúde. Estes países também desenvolveram
leis cooperativas e possuem agências que
regulam o desenvolvimento do movimento
cooperativo.15 Não existem políticas específicas
para o desenvolvimento de mutualidades,
organizações comunitárias e empresas sociais
na África anglófona, mas a sua promoção é
abrangida em outras políticas mais vastas sobre
temas transversais como a redução da pobreza,
as questões de gênero, a promoção da saúde,
a conservação do ambiente, etc. Existem vários
departamentos governamentais que apoiam o
desenvolvimento destas organizações.
Alguns países, como o Mali, a Nigéria e o Senegal,
incorporaram um compromisso de desenvolver a
ESS nas suas estruturas governamentais.37 O Mali,
por exemplo, criou o Departamento de Economia
Solidária, dependendo desde 2003 do apoio da
rede de pesquisa e desenvolvimento de estratégias
de ESS intitulada Réseau National d’Appui à la
Promotion de l’Économie Sociale et Solidaire
(RENAPESS) [Rede Nacional de Apoio à Promoção
38
da Economia Social e Solidária].
37 Recomendamos a leitura do documento já referido,
Conferência Regional da OIT, “A Economia Social” (200),
capítulo 4.
38 Mais informações em: http://www.ccednet-rcdec.ca/?q=en/
node/927
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Com base nos objetivos da Estratégia Nacional
de Combate à Pobreza, o Senegal, através do seu
Ministère de la Solidarité Nationale [Ministério
da Solidariedade Nacional], desenvolve programas
de redução da pobreza e de criação de emprego
e de riqueza com base em valores coletivos,
colaborativos e sustentáveis. Analogamente,
a Nigéria desenvolve a sua “Estratégia de
Desenvolvimento da Capacitação Econômica”.
e regionais. A política do Governo reconhece a
importância de se respeitar as prioridades regionais.
Os programas do Governo apoiam iniciativas de
criação de renda através de financiamento e de
medidas de acompanhamento. Outras medidas
relacionadas com a avaliação, adaptação do quadro
jurídico, promoção e cooperação internacional
integram a iniciativa estratégica do governo em
matéria de ESS.
Na África do Norte, países como a Argélia, Marrocos
e a Tunísia dependem de projetos de ESS. O
“Programa para Amanhãs” da Tunísia, lançado em
2004, dá prioridade a organizações que promovem
a “abordagem da solidariedade”. Na Tunísia, os
esforços solidários e participativos do governo e
da sociedade civil procuram criar mecanismos de
combate à pobreza, à exclusão e à desigualdade.39
3.6.2 Estados Árabes
Quadro 3.8: Banco de
Solidariedade Tunisino
Fundado em 1997, o Banco de Solidariedade
Tunisino (BTS) é uma instituição de
microfinanciamento criada pelo presidente Ben Ali
da Tunísia para financiar microprojetos privados
na Tunísia. O BTS aprova empréstimos até 9.500
USD, com uma taxa de juro anual máxima de 5%,
um calendário de reembolso do capital até sete
anos e um período de carência flexível de três a
doze meses.39
Em Marrocos, a Solidariedade e Desenvolvimento,
Marrocos (SDM) é uma associação local
estabelecida em 1998 por voluntários para mobilizar
as competências de todos no lançamento de
uma rede de solidariedade entre os habitantes de
distritos discriminados. O Governo de Marrocos
considera a ESS uma estratégia fundamental
no combate à pobreza e à exclusão social e na
melhoria das condições de vida. O departamento
de economia social do Ministério dos Assuntos
Econômicos criou um quadro de política estratégica
que toma em consideração a natureza transversal e
multissetorial da ESS e as suas características locais
Um elevado número de países da região árabe
tem beneficiado de períodos de estabilidade
que permitiram apoiar o desenvolvimento
socioeconômico e o diálogo, enquanto outros
(como o Iraque, Líbano e os territórios ocupados
da Palestina) têm sido palco de tensões sociais e
civis que comprometem o progresso econômico
sustentável e o desenvolvimento social. Embora a
maioria das empresas seja afetada em períodos de
conflito, o modelo cooperativo tem demonstrado
a sua resiliência a crises econômicas, porque
as cooperativas agregam o poder de mercado
de pessoas que, isoladamente, pouco ou nada
conseguiriam, e encontram saídas para a pobreza
(Birchall & Ketilson, 2009, apud Esim & Omeira,
2009). Em particular, as pessoas de áreas rurais
conseguem criar cooperativas para compartilhar
riscos, agregar recursos, acumular poupanças
e fornecer crédito. Apesar do potencial de
resposta das cooperativas aos objetivos sociais e
econômicos dos seus membros e da sociedade,
o desenvolvimento de cooperativas nos Estados
Árabes tem enfrentado muitos obstáculos.
39 http://www.microcapital.org/microcapital-story-tunisiansolidarity-bank-bts-receives-african-banker-magazine-trophyfor-micro-credit- bank-of-the-year/
DOCUMENTO DE TRABALHO
45
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Quadro 3.9: A ESS nos países
árabes
Reduzir as distorções urbanas a partir de políticas
econômicas, e transferir o enfoque para o apoio à
criação de emprego rural através de mecanismos
como as cooperativas, pode ajudar mulheres e
homens destas comunidades a melhorar as suas
opções de subsistência e a qualidade de vida
das suas famílias e comunidades. Um ambiente
favorável para as cooperativas necessita de
legislação cooperativa melhor contextualizada que
facilite a instituição de federações cooperativas
e estimule a pesquisa e o acesso aos dados,
bem como de literatura jurídica e econômica no
âmbito cooperativo. O apoio às cooperativas
deve, no entanto, respeitar o tratamento igual de
outros modelos de organizações para proteger a
autonomia e independência cooperativa. (Esim &
Omeira, 2009).
3.6.3 Ásia
Entre os países asiáticos, Bangladesh é uma
referência internacional sobre o microcrédito e a
formas de acesso a recursos financeiros por parte
da população de baixa renda. O Grameen Bank40
é um caso exemplar de sucesso, mundialmente
conhecido pelo uso do microcrédito como forma
de reduzir a pobreza e gerar oportunidades para
milhões de pessoas social e economicamente
vulneráveis. Esta experiência tem sido difundida
em outras partes do mundo, servindo de inspiração
para o planejamento de políticas públicas no
domínio da ESS.
No Japão, a ESS abrange empresas sociais,
empresas comunitárias e financiamento sem fins
lucrativos, incluindo o sistema de microcrédito,
comércio justo, promoção da economia local e de
proximidade, defesa da regulação social do sistema
40 http://www.grameen.com
© OIT / Crozet M.
Na Ásia, a ESS é comumente referida como
“economia do povo”, “economia compassiva” ou
“economia solidária”. O primeiro fórum asiático
sobre ESS foi realizado nas Filipinas em 2007;
reuniu delegados de mais de 26 países, que
procuravam articular a promoção de uma economia
solidária asiática e a sua inclusão nas decisões
políticas dos seus países (Tremblay, 2009).
Cooperativa rural (apoiada pela OIT) que reúne mulheres do distrito de Lahore, Paquistão
46
DOCUMENTO DE TRABALHO
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
de mercado, etc. Ao longo da “década perdida”
de 1990, este novo estilo de prática econômica
conheceu uma expansão notável e resultou na Lei
das Organizações sem Fins Lucrativos (ONL) de
1989 que reconheceu pela primeira vez as ONL/
ONG como pessoas jurídicas. Desde essa data, as
OSFL no Japão e as suas atividades registram um
crescimento constante (NISHIKAWA, 2010).
3.6.4 Europa
Na Europa há inúmeros exemplos de políticas
públicas dirigidas para a ESS nas últimas
décadas. É o reflexo da visibilidade da ESS e
do reconhecimento social e político que os
gestores públicos lhe atribuem em confirmação
da sua importância para o desenvolvimento
multidimensional (econômico, democrático e
cultural) dos seus países.
Estas políticas são heterogêneas em resultado
dos diferentes contextos nacionais (políticos,
econômicos, históricos, sociais, culturais e
institucionais) em que se desenvolveram. Segundo
Chaves (2002), as políticas públicas de ESS na
Europa podem ser divididas em cinco tipos
principais:
institucionais: reconhecimento da ESS como um
Em muitos países europeus, as regiões apoiam
ativamente a ESS. A abordagem regional é
facilitada pela gestão descentralizada dos fundos
de desenvolvimento regional e de coesão social da
União Europeia. As regiões normalmente financiam
estruturas de apoio e iniciativas específicas de
promoção da economia social. Na Espanha, as
regiões podem mesmo contribuir com legislação
específica melhorada em complemento da
legislação nacional em matéria de cooperativas.
Na Andaluzia, o governo regional assinou um
pacto com as organizações de economia social
e com os sindicatos. Pactos semelhantes foram
replicados em Sevilha e Córdoba. Apoio à inovação,
formação, investimentos, taxas de juro, garantias de
crédito, acesso à terra e a instalações, bem como
o apoio à empresa social, são medidas concretas
do pacto. Na Irlanda do Norte, o governo regional
tem uma estratégia para 2008-2011 de apoio à
economia social, desenvolvida em parceria com
a Rede de Economia Social. A estratégia centrase no desenvolvimento local e na empresa social
em cooperação com o setor público e privado.
Em França, a região PACA é ilustrativa; o seu
programa Progresso contempla 20 medidas, como
o apoio a novas empresas, financiamento solidário,
microcrédito, compra de empresas pelos seus
trabalhadores, mentoria, experimentação e agentes
de desenvolvimento.
interlocutor social e de diálogo;
de disseminação, educação e investigação:
produção de conhecimento e divulgação do
setor;
financeiras: disponibilidade de fundos para
financiar projetos;
de apoio: informação técnica, assistência, etc.;
oferta de serviços: fornecimento de serviços
contratados pela administração pública e
prestados à sociedade.
Embora a conceitualização da ESS e a definição das
suas entidades continuem sem alcançar consenso,
é interessante observar que a ESS criou mais de 11
milhões de postos de trabalho na União Europeia em
2002-2003,41 um número que será indubitavelmente
ainda mais expressivo na atualidade.
41 Pesquisa efetuada pelo CIRIEC - Centro Internacional de
Pesquisa e Informação sobre Economia Pública, Social
e Cooperativa, em nome do Comitê Econômico e Social
Europeu.
A economia social em Espanha tem a
sua própria definição consolidada, além
de beneficiar de um elevado grau de
reconhecimento jurídico, econômico,
político e social (Barea & Monzón, 2002;
Montolio, 2002). Em 2010, o governo
aprovou o Proyecto de Ley e la Economía
Social que reconhece a importância de
promover, estimular e desenvolver entidades
de economia social e as suas organizações
mais representativas. Esta lei tem como
principal objetivo consagrar um marco jurídico que
proporcione maior visibilidade e segurança jurídica
e institucional ao setor, em confirmação do seu
reconhecimento econômico e social.
42
42 Após uma década de debates, foi definido que a economia
social abrange entidades de “não mercado”, como
associações e fundações, e entidades de “mercado”, como
cooperativas, empresas detidas pelos trabalhadores,
empresas de transformação agrária, mutualidades e outras
empresas comerciais não financeiras.
DOCUMENTO DE TRABALHO
47
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
A França foi o primeiro país a reconhecer a ESS
na sua estrutura política e jurídica. Em 1983, a
Délégation Interministérielle à l’Économie Sociale
[Delegação Interministerial para a Economia Social]
foi instituída e regulamentada pelo decreto n.º
81-1125. Com o decreto n.º 2010-95, a Delegação
fundiu-se na Direction Générale de la Cohésion
Sociale [Direção-Geral da Coesão Social]. A nova
entidade também é responsável pelas políticas
sociais e médico-sociais e pela igualdade de
gênero. Em 2001 foi fundado o Comité National
de Liaison des Activités Mutualistes, Coopératives
et Associatives (CEGES) [Comitê Nacional de
Ligação das Atividades Mutualistas, Cooperativas
e Associativas]43, com o objetivo de inspirar o
surgimento e o funcionamento de organizações
coletivas e, simultaneamente, de lhes fornecer um
quadro institucional e jurídico.
O parlamento italiano foi o primeiro a introduzir a
expressão “cooperativa social solidária” em 1991,
a que se seguiram muitos outros países europeus
como Espanha, Finlândia, Grécia, Hungria e Portugal.
As agências de desenvolvimento local suecas para a
economia social (Coompanion) basearam-se numa
experiência trazida do Reino Unido na década de
1980 (Agências de Desenvolvimento Cooperativo)
como instrumento de combate ao desemprego
jovem. Esta nova iniciativa foi subscrita pelo amplo
setor cooperativo tradicional e pelo governo.
Centrava-se num empreendedorismo cooperativo em
pequena escala visando o desenvolvimento local e a
prestação de serviços sociais. As autoridades locais
e regionais tornaram-se apoiantes, financiadoras
e membros das novas agências, a que aderiram
igualmente outras organizações de ESS. Após alguns
anos, o programa governamental tornou-se uma
linha orçamental permanente. A experiência levou
várias regiões e autoridades locais a definir planos de
ação de economia social em parceria com o setor.
No Reino Unido, o governo britânico encoraja e
apoia a constituição de “empresas sociais” como
entidades geridas com objetivos econômicos e
sociais; operam em diversos setores econômicos,
como a indústria, serviços sociais, reciclagem e
agricultura, entre outros.
A maioria das empresas sociais tem lucros e
reinveste-os nas suas próprias empresas e/ou nas
comunidades onde estão instaladas. Ao contrário
das empresas comerciais, não são motivadas pela
necessidade de gerar lucros para os acionistas e
proprietários, porque são empresas com objetivos
predominantemente sociais.44 45
Quadro 3.10: A ESS na União
Europeia
De acordo com uma Resolução do Parlamento
Europeu, a Social Economy Europe é a instituição
representativa da ESS na União Europeia, tendo
sido fundada em novembro de 2000, sob a
designação CEP-CMAF.44
A nível europeu, a ESS re presenta
aproximadamente 10% de todas as empresas
europeias (aproximadamente 2 milhões de
organizações) e 6% do emprego total. Nestes
tempos de crise, convém lembrar que a ESS cria
empregos estáveis, porque a sua fixação local
dificulta uma relocalização, e dá a oportunidade
de reintegrar grupos vulneráveis na sociedade e
na vida ativa.45
3.6.5 América Latina e Caribe
Nesta região, cresce a importância da ESS e
o número de ações concretas neste domínio.
Mais recentemente, foram adotadas medidas
pelo governo como mecanismo de combate
à pobreza, à exclusão social e à desigualdade,
que são características estruturais da região.
Em 2003, a Argentina dispunha de um número
crescente de programas destinados a fomentar
a ESS e de iniciativas tendentes a reforçar as
estruturas que representam estes movimentos.
Entre as principais atividades de apoio, definidas
como “Compromisso com a ESS”, estão um
sistema de assistência técnica regional, programas
de ajuda financeira e um programa de educação
e qualificação. As ações governamentais também
44 http://www.europarl.europa.eu/enterprise/policies/sme/
promoting-entrepreneurship/social-economy
43 http://www.ceges.org/
48
DOCUMENTO DE TRABALHO
45 http://www.eutrio.be/social-economy-conference
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
usam recursos disponibilizados pela Lei n.º 23.427,
que instituiu um fundo para a promoção e educação
cooperativa e para a promoção da economia
solidária, com enfoque nos grupos demográficos
mais vulneráveis.
As cooperativas de trabalho associadas são
tidas como instrumentos de inclusão social e
uma resposta ao desemprego, informalidade e
precariedade destes grupos (Vuotto, 2010).
O programa “Manos a La Obra” visa apoiar
iniciativas de desenvolvimento local, em regiões
com poucos recursos, destinadas a melhorar
as suas condições socioeconômicas. O apoio
econômico e financeiro a uma produção viável e
sustentável e a iniciativas comunitárias; o reforço
institucional de juntas consultivas de associações
e organizações da sociedade civil; e a assistência
técnica e qualificação dos seus participantes são
algumas das suas principais ferramentas.
Na Bolívia, iniciativas locais fortes podem constituir
alternativas às formas convencionais de redução da
pobreza. Desde a Reforma Constitucional do país,
promovida por Evo Morales, a ESS tem facilitado
a participação das pessoas normalmente excluídas
por motivos de idade, gênero ou deficiência física.
Oferece-lhes as vantagens das redes sociais e do
trabalho assalariado que as ajuda a sustentar as
suas famílias. A ESS facilita ainda o retorno dos
benefícios do trabalho para a comunidade em geral.
No Brasil, as políticas públicas de economia
solidária foram legitimadas em 2003 com a criação
da Secretaria Nacional de Economia Solidária
(SENAES), uma agência tutelada pelo Ministério do
Trabalho e Emprego do Governo Federal. A SENAES
representa a consolidação de uma longa história
de mobilização e articulação do movimento da
economia solidária. O Fórum Brasileiro de Economia
Solidária e os Conselhos Estaduais e Nacional
de Economia Solidária serviram de apoio à sua
criação e reforço. Consequentemente, o programa
Economia Solidária em Desenvolvimento ganhou
força, marcando a introdução de políticas públicas
específicas no domínio da economia solidária a nível
nacional.
Atualmente, a SENAES dá prioridade às seguintes
áreas de políticas públicas para o setor:46
desenvolvimento e assistência técnica a
empresas de economia solidária e a redes de
cooperação de economia solidária:
promoção do desenvolvimento local;
desenvolvimento de meios de financiamento
solidários;
educação de formadores, educadores e
administradores públicos
organização do sistema nacional de comércio
justo e solidário;
recuperação de empresas pelos trabalhadores
organizados em autogestão.
Quadro 3.11 Política pública de
desenvolvimento da ESS
Entre os programas desenvolvidos pela SENAES
no Brasil, o programa Brasil Local encoraja
a organização de empresas geridas pelos
trabalhadores, na medida em que facilita o acesso
a políticas públicas de apoio à qualificação,
crédito comunitário e equipamento, entre outras.
Este programa é concebido para os setores mais
vulneráveis das áreas rurais e urbanas, sobretudo
mulheres, jovens, povos nativos e beneficiários de
programas de transferência de renda.
Na Colômbia, em 1998, a Lei 454 introduziu
transformações notáveis nas relações entre o
Estado e a ESS, em particular no que respeita
às funções da nova Superintendência de
Economia Solidária, uma agência reguladora
das organizações que a integram. Em 2006, o
Decreto 4588 regulamentou a organização e o
funcionamento de políticas públicas relacionadas
com cooperativas de trabalho associadas e
derrogou o Decreto 468 de 1990. Esta medida
implicou algumas mudanças nas organizações que
representam o setor cooperativo, que começaram
a funcionar em conjunto com a Presidência da
República, o Ministério da Proteção Social e a
Superintendência da Economia Solidária (Davila &
Medina, 2010).
46 http://www.mte.gov.br/ecosolidaria/ecosolidaria_default.asp
DOCUMENTO DE TRABALHO
49
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
No Equador, a Constituição de 1998 associou a
economia aos princípios de eficiência, solidariedade,
sustentabilidade e qualidade. Foram tomadas
algumas providências para garantir a proteção dos
camponeses e dos pequenos agricultores. O artigo
283 começa por declarar: O sistema econômico
é social e solidário; reconhece o ser humano
como sujeito e fim; tende a uma relação dinâmica
e equilibrada entre sociedade, Estado e mercado,
em harmonia com a natureza; e tem por objetivo
garantir a produção e a reprodução das condições
materiais e imateriais que tornem possível viver bem.
A distribuição da riqueza, o pleno emprego e um
consumo responsável estão entre os seus objetivos;
e a estabilidade econômica é definida como o
máximo nível de produção e emprego sustentáveis
no tempo. Estes princípios são muito importantes
para promover políticas públicas sobre ESS.
No México, a ESS registrou progressos após a
adoção da Lei Federal de 2004, concebida para
promover atividades realizadas por organizações
da sociedade civil. As ações de intervenção do
governo em prol destas atividades foram integradas
basicamente nos quatro instrumentos seguintes:
fundo de desenvolvimento da produção; fundo de
desenvolvimento regional; fundo de assistência a
grupos prioritários; e fundo de desenvolvimento
comunitário.
Várias iniciativas comunitárias na Venezuela
baseiam-se no desenvolvimento endógeno e
operam com o apoio de legislação que reforça as
transformações sociais no país. Esta legislação,
consagrada na Lei da Economia Popular, advoga
a integração do seu potencial econômico, social e
cultural em prol da autonomia local e a criação de
redes colaborativas entre as atividades de produção
e de consumo.
O Banmujer, o Instituto de Desenvolvimento Rural e
o Instituto de Educação Cooperativa foram criados
© OIT / Savonnra K.
Na Colômbia, registram-se progressos no processo
de concertación [concertação] entre o setor
cooperativo financeiro e o governo para reativar a
Coopdesarrollo, que se fundiu com Coopecentral,
criando um programa como uma nova entidade que
opera com base numa rede tecnológica unificada.
Outra ferramenta de política pública desenvolvida
no país diz respeito ao programa Banca de
Oportunidades, que promove o acesso ao crédito
de cidadãos com poucos recursos financeiros e sem
acesso a serviços bancários.
Colheita de arroz na província de Kandal, Camboja.
na sequência desta legislação. Nos termos da
legislação foram criados grupos de intercâmbio
solidário para desenvolver práticas de troca solidária
de bens, serviços e conhecimento com o objetivo
de estimular uma identidade comunitária e relações
sociais no seio das comunidades, reforçar as
comunidades na sua relação com as instituições
públicas, e desenvolver projetos de produção
sustentáveis, em particular de produção alimentar.47
Uma das maiores inovações desta legislação
foi ainda a introdução de uma “nova moeda
comunitária” que circula exclusivamente entre os
membros dos grupos de intercâmbios.
3.6.6 América do Norte
Esta região, em particular o Canadá, revela
o importante papel de uma sociedade civil
organizada na criação de estratégias inovadoras de
desenvolvimento socioeconômico e na dinamização
de territórios degradados.
O Canadá tem uma longa história de apoio ao
desenvolvimento cooperativo, em particular no
setor agrícola. Em 2004, o Governo do Canadá
lançou uma iniciativa de economia social com
47 Para mais informações, ver: http://venezuelanalysis.com/
analysis/4458
50
DOCUMENTO DE TRABALHO
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
quatro componentes:
reforço de capacidades; capital inicial para fundos
de investimento; investigação; e adaptação dos
programas existentes para as micro e pequenas
empresas às características específicas das
empresas de economia social. Uma mudança de
governo pôs fim a estes programas. As políticas
públicas beneficiam de um ambiente de grande
dinamismo na província de Québec, onde a
ESS é reconhecida como parte integrante da
infraestrutura socioeconômica. Uma vasta gama
de políticas setoriais apoia o seu desenvolvimento,
incluindo habitação cooperativa e sem fins
lucrativos, educação na primeira infância, cuidados
domiciliários, inserção de grupos marginalizados
na população ativa e reciclagem. O acesso a
empréstimos e capital é apoiado por intervenção
direta do governo e pela política fiscal.
de Inovação Social da Casa Branca, criado pela
administração Obama, está a analisar novas formas
de apoiar a empresa social.
3.7 Conclusões principais
A ESS é uma realidade, e o seu papel do ponto
A ESS é vista como uma componente importante
do desenvolvimento local e regional. Em 2008
foi adotado um plano de ação governamental,
envolvendo oito ministérios, que é coordenado
pelo Ministério dos Assuntos Municipais e
do Desenvolvimento Regional. O Governo do
Québec coopera estreitamente com o Chantier de
l’Économie Sociale, uma organização da sociedade
civil que integra empresas de ESS, movimentos
sociais e redes de desenvolvimento local.
48
Os Estados Unidos não têm políticas específicas
sobre ESS, embora tenham apresentado legislação
em matéria de cooperativas. Os recursos derivam
principalmente de fontes privadas, do envolvimento
dos membros e de atividades de mercado. Ainda
assim, algumas ferramentas fiscais criaram
um ambiente favorável para a ESS: A Lei do
Reinvestimento Comunitário, adotada em 1977 e
revista em 1995, obriga as instituições financeiras
a contribuir para satisfazer as necessidades da
comunidade em que operam. A lei incentivou
as instituições financeiras a criar parcerias
com associações locais para gerir fundos de
investimento que beneficiaram muitas iniciativas de
ESS. Um Fundo federal de Instituições Financeiras
de Desenvolvimento Comunitário (CDFI) injeta
capital em fundos locais que concedem subsídios
de capital, investimento em ações e assistência
técnica a iniciativas privadas e de ESS. O Gabinete
de vista social, político e cultural é relevante;
a sua proporção em termos de emprego,
importância econômica e penetração social está
a crescer.
Se, no início, a principal preocupação era a
conceitualização do fenômeno, atualmente, a
questão candente é a relação com os poderes
públicos.
É possível identificar alguns instrumentos de
políticas públicas destinados à ESS, como:
definição de estruturas governamentais, em
diferentes níveis, para ações de ESS; definição
de programas e políticas de ESS específicos
e transversais; formação, educação básica
e qualificação profissional; assessoria e
assistência técnica para o estabelecimento, a
incubação e a consolidação de empresas de
ESS; desenvolvimento e acesso a tecnologias
adequadas; acesso a crédito e financiamento
solidário; constituição e organização da oferta
(logística e infraestruturas) e da procura (compras
públicas e mercado) na produção do setor.
Para ser mais eficazes, as políticas públicas de
ESS devem ser concebidas como resultado da
ação coletiva de cidadãos (“coprodução”).
A ESS possui um caráter transversal e diz
respeito a diferentes áreas de ação pública.
Superar os principais desafios de um quadro
jurídico e de políticas de apoio à ESS exige:
conferir à ESS um papel institucional relevante;
legislação, regulamentos e normas adequados;
ferramentas para avaliações de impacto; melhor
integração das políticas aos diferentes níveis
governamentais (setoriais e regionais); reforço
do diálogo entre as organizações da sociedade
civil e os fazedores de políticas.
48 http://www.chantier.qc.ca/
DOCUMENTO DE TRABALHO
51
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Estudo de Caso 3.1: Secretaria Nacional de Economia Solidária SENAES –
Brasil
Agentes principiais
Trabalhadores organizados em projetos de produção coletiva; cooperativas populares, redes de
produção, comercialização e consumo; instituições financeiras dedicadas a empresas de solidariedade
popular; empresas em autogestão; cooperativas agrícolas familiares; e cooperativas de serviços;
Representantes do Fórum Brasileiro de Economia Solidária – FBES
49
e do Conselho Nacional de Economia
Solidária – CNES .
50
A situação
Nas últimas décadas, as transformações socioeconômicas mundiais enfraqueceram as relações laborais
convencionais e tiveram como consequências importantes um aumento da informalidade, precarização do
trabalho e desemprego. O agravamento desta crise criou espaço para a emergência e o desenvolvimento de
outras formas de organização laboral em resultado da necessidade de os trabalhadores encontrarem fontes de
renda alternativas.
O que foi feito
No primeiro Fórum Social Mundial (FSM), realizado em 2001 em Porto Alegre, RS, Brasil, criou-se espaço para o debate
nacional e a articulação da ESS. Durante a organização do terceiro FSM, em 2002, numa conjuntura que conduzia à
eleição do candidato do Partido dos Trabalhadores, realizou-se uma reunião para debater o papel da ESS no futuro
governo. Escreveu-se uma carta ao Presidente Eleito, propondo a criação de uma Secretaria Nacional de Economia
Solidária e realizou-se a primeira Reunião Plenária sobre Economia Solidária. Consolidou-se uma “plataforma política”
(um conjunto de prioridades em matéria de: finanças solidárias; quadro jurídico; formação; redes de produção,
comercialização e consumo; e organização social da ESS e das “empresas recuperadas” para reforçar a ESS no Brasil.
Posteriormente, em junho de 2003, foi criado o FBES, bem como, no mesmo ano, a SENAES51 no Ministério do
Trabalho e Emprego. O FBES tornou-se o interlocutor junto da SENAES para apresentar exigências, propor políticas e
monitorizar a execução de políticas públicas de ESS.
Atualmente, as atividades da SENAES52 incluem apoio e desenvolvimento de empresas de economia solidária (EES),
finanças solidárias, incubadores de desenvolvimento local e de cooperativas populares e programas de formação.
Abrangem ainda o estudo e definição do quadro jurídico e do registro das EES e das suas entidades de apoio no país.
Num esforço de quantificar o setor, o Sistema Nacional de Informações da Economia Solidária – SIES53, que está
envolvido num processo de atualização, registrou cerca de 22.000 EES no Brasil.
Atualmente, a institucionalização de políticas públicas de ESS é uma das principais estratégias de consolidação do tema
na agenda política de diferentes esferas governamentais e de garantia da sua presença como políticas oficiais.Estes
esforços governamentais conjuntos tiveram um efeito amplificador na implementação de políticas públicas específicas
de ESS, incluindo a promulgação de legislação estadual e local e a criação de agências governamentais locais e
estaduais, como secretarias e departamentos, e a institucionalização de espaços locais de diálogo com a sociedade civil
(como os conselhos).
nota 2849
nota 2950 nota 3051
nota 3152 nota 3253
49 http://www.fbes.org.br/
50 http://www.mte.gov.br/ecosolidaria/cons_default.asp
51 http://www.mte.gov.br/ecosolidaria/secretaria_nacional.asp
52 Regulamentada pelo Decreto 5063 de 2004, que inclui as quinze competências desta agência e pode ser consultado em http://www.
mte.gov.br/ecosolidaria/secretaria_nacional_atribuicoes.asp
53 http://www.mte.gov.br/ecosolidaria/sies.asp
52
DOCUMENTO DE TRABALHO
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Estas ações visam implementar, reforçar e sistematizar políticas locais e regionais de ESS e espaços de participação e
diálogo social articulados com outras instâncias de políticas laborais e de renda.
O que se pode aprender
Optamos por nos centrar no ambiente das políticas para ilustrar o processo inovador de formação de
políticas no Brasil, que envolve um diálogo permanente entre os agentes de ESS e os diferentes níveis do
governo.
A SENAES representa um progresso das políticas públicas no setor e faz parte da história de mobilização e
de articulação do movimento de ESS existente no Brasil.
Estudo de Caso 3.2: O estabelecimento de centros de desenvolvimento
local (CDL) no Québec, Canadá
Agentes principiais
Movimento associativo urbano e rural; governo local e regional; Chantier; membros da Caisse
d’Épargne Desjardins e da Réseau Québécois du Crédit Communautaire [Rede de Crédito Comunitário
do Québec]
A situação
Nas duas últimas décadas do século XX, um conjunto de organizações de desenvolvimento local foi criado
no Québec em resultado de uma iniciativa de vários agentes sociais e políticos que lutavam por revitalizar
o seu ambiente (rural e urbano), pela criação de emprego e de renda e, consequentemente, por melhores
condições de vida.
O que foi feito
Em 1997, a política de desenvolvimento local e regional adotada pelo Governo do Québec permitiu a
implementação de uma rede de organizações de desenvolvimento local que cobria todo o território da
província. Os centros de desenvolvimento local (CDL) foram concebidos e financiados pelo Governo do
Québec com a ajuda dos governos municipais. Estes centros oferecem orientação básica ou serviços de
assistência técnica aos empresários (em nome individual ou coletivo) que iniciam as suas atividades.
Os CDL gerem fundos destinados ao desenvolvimento de pequenas empresas. Entre estes, dois
fundos promovem especificamente a ESS: os Fundos de Desenvolvimento Local (LDF) e o Fundo de
Desenvolvimento de Empresas da Economia Social (FDEES). Os LDF visam estimular as empresas locais,
facilitando o acesso a capital inicial ou de expansão para empresas tradicionais ou de economia social.
Alguns centros, contudo, dão prioridade a empresas de ESS. O FDEES é direcionado especificamente
para a concepção de projetos de economia solidária e para o apoio à criação de empregos sustentáveis.
Os recursos são disponibilizados pelo Governo do Québec e, desde 2002, cada CDL pode determinar o
montante dedicado ao financiamento de empresas de economia social.
DOCUMENTO DE TRABALHO
53
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Como estes fundos locais são instrumentos essenciais para o desenvolvimento da ESS no Québec, os
CDL recorrem a fontes de financiamento solidário suplementares, como a Rede de Investimento Social
do Québec (RISQ), o instrumento financeiro do Chantier; a União de Crédito Desjardins, uma cooperativa
financeira com fortes laços territoriais; e a Rede de Crédito Comunitário do Québec, fundada em 2000, que
permite o agrupamento de fundos comunitários, que têm estado ativos desde meados da década de 1990.
O que se pode aprender
O acesso ao financiamento é um dos principais desafios do desenvolvimento de
empresas de ESS. Este caso mostra-nos a criação de instrumentos financeiros que permitem
o desenvolvimento e a consolidação de empresas em nome individual ou coletivo, empresas que
dificilmente existiriam se dependessem das formas tradicionais de acesso ao crédito. Também nos
mostra que existe uma garantia de retorno da parte de quem recebeu estes empréstimos.
Este caso destaca a importância de criar instrumentos de acesso ao crédito eficazes para pessoas
que não possuem renda mas têm ideias e projetos de desenvolvimento de empresas sustentáveis
com impactos positivos no ambiente que as rodeia. Estes instrumentos carecem de apoio por um
aparelho institucional, jurídico e regulamentar nos respectivos países, regiões ou municípios.
54
DOCUMENTO DE TRABALHO
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Capítulo 4: Criar a ESS através de
parcerias e redes
4.1 Introdução
As OESS nascem da necessidade e/ou das
aspirações de um mundo mais justo e equitativo.
Apesar da sua diversidade, partilham determinadas
características comuns que servem de base à
criação de parcerias e de redes.
Este capítulo explica a razão de ser das parcerias e
redes de ESS no mundo, o que são, onde existem
e como se formaram. Demonstra através de vários
exemplos a importância e o potencial destas
relações e estruturas colaborativas.
Explica e ilustra os seus vários papéis e mandatos.
E apresenta uma lista não exaustiva das principais
redes de ESS, novas e consolidadas, como
referência e material didático adicionais.
© OIT / Crozet M.
As parcerias e as redes são um fator de sucesso
fundamental no desenvolvimento da ESS. A
sustentabilidade da ESS depende da sua capacidade
de se enraizar na comunidade, mobilizar várias
partes interessadas e construir alianças fortes com
parceiros sociais e com autoridades públicas.
Esta tarefa não está ao alcance de empresas
ou organizações individuais. Requer esforços
combinados no longo prazo e, por vezes, o
agrupamento de recursos. Por estas razões, as redes
e as parcerias são uma componente essencial de
uma ESS forte.
Cooperativa de mulheres (projeto apoiado pela OIT): nas pedreiras de Mtongani (Dar Es Salaam), foi proposto um projeto de cultivo de
cogumelos e de criação de galinhas dirigido sob a forma de cooperativa, em alternativa à extração de pedra que costumava ser a principal
atividade das mulheres no distrito. A produção é posteriormente vendida nos mercados. Imagem: Lazia (à esquerda), com 50 anos e 6
filhos, trabalha agora no cultivo de cogumelos.
DOCUMENTO DE TRABALHO
55
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
4.2 A importância das
parcerias e redes
As OESS têm demonstrado uma grande capacidade
de criar parcerias e redes construtivas e duradouras.
Cooperativa de mulheres (projeto apoiado pela
OIT): nas pedreiras de Mtongani (Dar Es Salaam),
foi proposto um projeto de cultivo de cogumelos
e de criação de galinhas dirigido sob a forma de
cooperativa, em alternativa à extração de pedra que
costumava ser a principal atividade das mulheres no
distrito. A produção é posteriormente vendida nos
mercados. Imagem: Lazia (à esquerda), com 50 anos
e 6 filhos, trabalha agora no cultivo de cogumelos.
Essa capacidade deve-se ao seu compromisso
com a colaboração em detrimento da concorrência,
a iniciativas coletivas da base para o topo e a
uma resposta às necessidades das comunidades
secundarizando os ganhos financeiros.
Na publicação da Organização para a Cooperação
e Desenvolvimento Econômico (OCDE) intitulada
“The Changing Boundaries of Social Enterprises”
(Os Limites em Mutação das Empresas Sociais),
de 2009, os autores alegam que a capacidade inata
das OESS de criar redes desempenha um papel
importante na rapidez do seu desenvolvimento:
“Entre as explicações adiantadas (para o
desenvolvimento de empresas sociais - nota do
editor), uma em particular atribui o desenvolvimento
de empresas sociais54 à sua capacidade de criar
redes ou de definir estratégias e estruturas de
apoio adequadas para a criação de ligações
interorganizacionais que se tornarão cada vez mais
generalizadas, sólidas e articuladas.”
As parcerias e as redes são úteis para quase todo
o tipo de empresas e organizações, mas são
particularmente cruciais para a ESS. O que as torna
tão importantes?
54 The Changing Boundaries of Social Enterprises, editado por
Antonella Noya, OCDE, 2010.
56
DOCUMENTO DE TRABALHO
4.2.1 Reconhecimento de realidades
específicas
A razão principal dos agentes de ESS criarem redes
é o desejo de ver reconhecida a ESS pelas suas
características específicas e pelos seus contributos
para o desenvolvimento. Unidos, os agentes de
ESS conseguem criar a sua própria identidade
e resistir ao isolamento. O seu principal desafio
é obter reconhecimento para a dupla missão
da ESS: a combinação de objetivos sociais e
econômicos num mundo que geralmente considera
o desenvolvimento econômico e social duas
atividades separadas. Apesar de as OESS criarem
riqueza e emprego ao mesmo tempo que dão
resposta às necessidades dos seus membros e
da comunidade (output social), o seu duplo papel
raramente é plenamente reconhecido.
A necessidade de trabalhar unidos para ganhar
reconhecimento e apoio começou há mais de um
século. A Aliança Cooperativa Internacional foi
criada em 1895.
Atualmente, as cooperativas alcançaram
reconhecimento em muitos continentes como
agentes econômicos, mas a sua contribuição para
o desenvolvimento social tem sido ignorado. Em
muitos países, as organizações comunitárias e
outras associações são reconhecidas pelo seu
contributo para o desenvolvimento social, mas o
seu crescente papel econômico é habitualmente
subestimado ou incompreendido. As redes são
cruciais para promover as características específicas
da ESS e as múltiplas dimensões que engloba.
Na Europa, existem organizações ativas e
consagradas, que são representativas de
cooperativas, associações, mutualidades e
fundações. Além destas redes baseadas no
estatuto legal, em 2000 foi criada uma organização
representativa da economia social na União
Europeia.
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Quadro 4.1: Social Economy
Europe
Quadro 4.2: Uma nova rede para a
Ásia
A Social Economy Europe foi criada em 2000
com a designação de Conferência Europeia
Permanente de Cooperativas, Mutualidades,
Associações e Fundações.
Tem por objetivo promover o papel e os valores
dos agentes da economia social e reforçar o
reconhecimento político e jurídico da economia
social e das cooperativas, mutualidades,
associações e fundações no seio da União Europeia.
O primeiro Fórum de Economia Solidária Asiático foi
realizado nas Filipinas em outubro de 2007.
Participaram cerca de 700 delegados de 26 países.
Partes interessadas de diferentes setores e regiões
reuniram-se para articular uma economia solidária
asiática única, definida como uma forma de governança
da produção, financiamento, distribuição e consumo de
bens e serviços centrada nas pessoas e no ambiente.
www.aa4se.com/cms2/
www.socialeconomy.eu.org
Na América Latina, têm sido estabelecidas novas
redes para representar as práticas emergentes de
ESS. Além das estruturas cooperativas tradicionais,
têm sido criadas na última década sólidas redes
de economia solidária nacionais em vários países,
incluindo Bolívia, Brasil, Colômbia e México.
Algumas dessas redes conseguiram ser reconhecidas
por governos e por parceiros sociais.
Na África começam a surgir algumas redes nacionais
em países da África Ocidental e mais iniciativas em
outras partes do continente.
Na América do Norte existem redes e federações,
novas e consagradas, incluindo a recentemente
criada US Solidarity Economy Network.
A Ásia só agora começou a adotar o novo
vocabulário da ESS, mas tem uma longa história de
organizações cooperativas.
4.2.2 O levantamento da sua importância
econômica
Outra grande motivação para criar organizações
colaborativas de ESS é ganhar maior visibilidade
e reconhecimento do seu poder no seio das
economias nacionais. Durante décadas foram
compiladas estatísticas e criadas normas
internacionais para medir o alcance e o impacto
da empresa privada. Alguns países e associações
internacionais mantêm sistemas de informação
para as cooperativas e as mutualidades. A
dimensão do setor sem fins lucrativos tem sido
objeto de estudos internacionais, mas estes
estudos não identificam que empresas sem fins
lucrativos exercem atividades econômicas.
Muitas iniciativas de ESS emergentes, na fronteira
entre a economia formal e informal, são invisíveis
nas estatísticas oficiais. Dada a sua diversidade,
medir o alcance e impacto da ESS no seu todo
continua a ser impossível. A criação de redes
inclusivas dá aos agentes e promotores de ESS
mais possibilidades de efetuar o levantamento da
sua importância econômica e demonstrar o seu
contributo para o desenvolvimento socioeconômico.
DOCUMENTO DE TRABALHO
57
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Quadro 4.3: Levantamento da
economia solidária no Brasil
Em 2009, o Fórum Brasileiro de Economia
Solidária (FBES) efetuou o levantamento da
economia solidária graças à mobilização dos seus
membros e parceiros. O envolvimento de redes
locais e regionais permitiu ao FBES identificar
22.000 empresas de economia solidária, um terço
das quais não tinha estatuto legal oficial e nunca
teria aparecido nas estatísticas oficiais.
O processo de levantamento, que pode ser
consultado através do portal do FBES, é
atualizado continuamente por iniciativa dos
membros.
www.fbes.org.br
Por causa desta falta de visibilidade, o Plano de Ação
da OIT para a ESS, adotado em Joanesburgo em 2009,
apelou à criação de um observatório internacional
para a ESS com o objetivo de ajudar a efetuar o
levantamento das suas complexas realidades.
Quadro 4.4: Reconhecimento
Estatístico da ESS na Europa
A Social Economy Europe e os seus membros
lançaram um apelo ao reconhecimento estatístico
da economia social.
Uma resolução do Parlamento Europeu insta
a Comissão e os Estados-Membros a apoiar a
criação de registros estatísticos nacionais de ESS,
a estabelecer contas satélites nacionais para cada
setor institucional e ramo de atividade e a permitir
a compilação destes dados pelo Eurostat, bem
como a fazer uso das capacidades disponíveis nas
universidades.
http://www.socialeconomy.eu.org/spip.php?arti
cle1006&var_recherche=statistics
58
DOCUMENTO DE TRABALHO
4.2.3 Resposta a necessidades específicas
Além da necessidade de reconhecimento, as redes e
parcerias servem uma importante função na medida
em que ajudam as OESS a encontrar respostas para
as suas necessidades específicas. Por seguirem
outro tipo de lógica, as OESS raramente conseguem
acesso a ferramentas de desenvolvimento
tradicionais.
As políticas de desenvolvimento econômico dos
governos tendem a centrar-se nas empresas
privadas com base no modelo capitalista tradicional
e procuram melhorar a balança de transações
correntes do país nos mercados globais, enquanto a
maioria das empresas de ESS produz para satisfazer
necessidades locais. A formação em gestão nas
escolas de Ciências da Empresa e os conhecimentos
técnicos especializados estão principalmente
orientados para modelos de propriedade privada.
O acesso ao capital é crucial para a ESS. No
entanto, os circuitos de capitais existentes estão
vedados à ESS, porque os investidores privados
não podem adquirir poder de voto em cooperativas,
mutualidades e associações, nem podem esperar
o máximo retorno financeiro sobre o investimento.
Através de redes e parcerias, as empresas de ESS
colaboram no sentido de criar ferramentas à medida
das suas realidades específicas.
Quadro 4.5: Parceria para a
criação de uma nova instituição
financeira na Itália
O Banca Etica, a primeira instituição de
financiamento ético em Itália, é o resultado de uma
parceria entre as sociedades cooperativas MAG
(Associações Mutualistas de Autogestão) e 21
organizações sem fins lucrativos.
Em 1994 criaram a L’associazione Verso la Banca
Etica (A Associação rumo ao Banca Etica). Em 1995
foi fundada uma cooperativa com o objetivo de
reunir os 6,5 milhões de euros necessários para
constituir um banco popular ao abrigo da lei italiana.
Após uma importante campanha de angariação de
fundos em 1998, o Banco Central Italiano autorizou
o Banca Popolare Etica a iniciar as operações.
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Desde a sua criação, o Banca Etica tem sido
um importante investidor na ESS e um ator
fundamental nas redes internacionais dedicadas
ao financiamento da ESS. Entre os membros
fundadores contam-se a ARCI (Associação
Nacional de Promoção Social Autônoma e
Pluralista), e a ACLI (Associação Cristã de
Trabalhadores Italianos), as duas grandes ONG
italianas, o consórcio cooperativo social CGM
(Consorcio Gino Matarelli) e organizações de
comércio justo e ecológicas. O Banca Etica
coopera em vários projetos com as instituições
financeiras Legacoop e Cofcooperative, cuja
missão é financiar novas iniciativas de ESS.
Quadro 4.6: Uma parceria em
prol da ESS na Europa Central e
Oriental
A CoopEst é uma nova iniciativa financeira para o
desenvolvimento da economia social na Europa
Central e Oriental. Lançada em 2006 através de
um empréstimo em obrigações de 17 milhões de
euros, conta entre os seus membros fundadores
com as instituições Crédit Coopératif (França), IDES
Investissements (França), MACIF (França), CFI (Itália),
SEFEA (Itália), Banco BISE (Polónia) e Soficatram
(Bélgica).
A CoopEst pretende intervir através de intermediários
financeiros locais e focar-se em particular na
produção e comercialização de indústrias de artes
e ofícios em pequena escala e no desenvolvimento
das pequenas empresas, em especial entre
desempregados ou grupos desfavorecidos.
4.3.1 Parcerias
As parcerias são criadas como relações
cooperativas entre pessoas ou grupos que
concordam em compartilhar responsabilidade para
alcançar um objetivo específico. Podem assumir
muitas formas e envolver uma vasta multiplicidade
de partes interessadas. São cruciais para a ESS,
que tem de ser capaz de recorrer a um conjunto
de recursos e conhecimentos especializados para
conseguir desenvolver-se.
Quadro 4.7: Parceria entre um
governo municipal e agentes de
ESS no Canadá
Em 2008, a Cidade de Montréal (Québec,
Canadá) subscreveu um acordo de parceria
com agentes da economia social (Parceria para
o Desenvolvimento Comunitário Sustentável)) e
criou uma divisão especial para a economia social
no seio do Departamento de Desenvolvimento
Econômico.
Esta parceria reconhece a capacidade social
e econômica da economia social de contribuir
para o desenvolvimento da cidade. A Cidade
de Montréal comprometeu-se a apoiar o
desenvolvimento da economia social e os agentes
da ESS prometeram aumentar a sua contribuição
para a melhoria da qualidade de vida da
população urbana num conjunto de setores.
http://ville.montreal.qc.ca/portal/
4.3.2 Redes
4.3 Formas de colaboração
Os esforços colaborativos assumem muitas formas
diferentes na ESS. Dependendo dos seus objetivos,
a cooperação entre as partes interessadas é
expressa através da criação de parcerias, redes ou
federações.
As redes são estruturas não hierárquicas que
reúnem organizações ou pessoas com interesses
ou necessidades comuns. São frequentemente
estruturas horizontais que unem agentes e parceiros
de ESS num determinado território.
DOCUMENTO DE TRABALHO
59
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Quadro 4.8: Esforços conjuntos no
combate à pobreza e à exclusão
social no Mali
Quadro 4.9: Cooperativas de
trabalhadores colaboram a nível
nacional e internacional
Criada em 2005, a Rede Nacional para a Promoção
da Economia Social Solidária (RENAPESS) no Mali,
é uma rede que integra 57 organizações membros,
incluindo mutualidades, cooperativas, associações,
organizações de microfinanciamento e de
financiamento solidário e outras estruturas de ESS.
A RENAPESS visa unir esforços para combater a
pobreza e a exclusão e negociar políticas públicas
em prol da ESS.
A Confederação Europeia de Cooperativas de
Trabalhadores, Cooperativas Sociais e Empresas
Sociais e Participativas (CECOP) é uma federação
europeia presente na indústria, nos serviços e nas
artes e ofícios. Congrega 25 federações nacionais
em 16 Estados-Membros da União Europeia, que
representam aproximadamente 50.000 empresas
empregando 1,4 milhões de trabalhadores. Na CECOP
estão igualmente filiadas 3 instituições financeiras. A
CECOP é a secção europeia da Cicopa, a organização
internacional das cooperativas de trabalhadores.
[email protected]
www.cecop.coop
4.3.3 Federações ou confederações
As federações ou confederações são estruturas
formais com linhas de autoridade e de decisão claras.
Predominam no setor cooperativo como
manifestação do sexto princípio cooperativo
adotado pela Aliança Cooperativa Internacional
(ICA), o princípio da cooperação entre cooperativas.
Os outros seis princípios são a filiação voluntária
e aberta, o controle democrático dos membros,
a participação econômica dos membros, a
autonomia e independência, a educação, formação
e informação e a preocupação com a comunidade.
A ICA explica o sexto princípio da seguinte forma:
“As cooperativas servem os seus membros da forma
mais eficaz e reforçam o movimento cooperativo
mediante o trabalho conjunto através de estruturas
locais, nacionais, regionais e internacionais.”
4.4 Partes interessadas
fundamentais
As OESS dão resposta a necessidades coletivas.
A sua rentabilidade não se mede pelo benefício
financeiro de investidores individuais, mas pelo
retorno social para os seus membros ou para a
comunidade em geral. Mobilizam recursos do
mercado, voluntários e públicos para alcançar os
seus objetivos. Este é o motivo por que uma vasta
multiplicidade de partes interessadas está envolvida
no apoio ao desenvolvimento da ESS através de
parcerias e redes.
As OESS representam a componente principal
das parcerias e redes. São simultaneamente as
principais beneficiárias e os principais atores. A
sua principal motivação é o de ter acesso a um
maior reconhecimento, recursos e oportunidades
de desenvolvimento. A sua participação também é
uma expressão dos seus valores fundamentais de
solidariedade e partilha.
Existe um envolvimento cada vez maior dos
governos nacionais e regionais em parcerias a
favor da ESS. Novas políticas públicas emergem
rapidamente a nível regional e nacional na Europa e
na América Latina, bem como em algumas regiões
da África, Ásia e América do Norte. Os governos
60
DOCUMENTO DE TRABALHO
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
estão interessados na ESS por causa da sua
capacidade para mobilizar recursos da comunidade
e no mercado para alcançar benefícios públicos.
Algumas autoridades públicas, alertadas para a sua
capacidade de encontrar soluções inovadoras para
problemas complexos, notam que a ESS constitui
uma ferramenta poderosa de crescimento inclusivo.
Quadro 4.10: Criação de redes de
apoio a gestores públicos no Brasil
No Brasil, a Rede Nacional de Gestores de
Políticas Públicas de Economia Solidária é uma
rede de diretores de políticas de economia social
da administração municipal, estadual e federal.
Tem por objetivo alargar o debate sobre as
ferramentas mais adequadas para a promoção
e o incentivo ao desenvolvimento da economia
solidária nos diferentes níveis governamentais.
A rede facilita a participação de funcionários
públicos no debate sobre políticas públicas.
Quadro 4.11: Autoridades
municipais e OESS promovem a
ESS
A Rede Europeia de Cidades e Regiões para a
Economia Social (REVES) é uma rede europeia
única, baseada numa parceria entre autoridades
locais e regionais e organizações de economia
social a nível territorial. Criada em 1996, a
REVES tem membros de 11 países. Integra,
entre outros, autoridades locais ou OESS
que estão a desenvolver ou estão dispostas a
desenvolver políticas de promoção da ESS para
uma sociedade justa, inclusiva, participativa
e responsável. A REVES é uma rede que
oferece métodos e procedimentos de inovação
social baseados na construção conjunta e nas
capacidades compartilhadas dos seus membros e
dos seus territórios.
www.revesnetwork.eu
www.fbes.org.br
As organizações de desenvolvimento local e
os governos locais estão despertando para a
importância de apoiar as OESS na revitalização
das comunidades rurais e urbanas. Um estudo
recente nas Honduras revelou que as regiões e
os municípios onde existe uma ESS ativa estão a
ter melhores resultados no combate à pobreza e
na melhoria dos indicadores de desenvolvimento
gerais que regiões semelhantes sem uma forte
presença de ESS (El Censo del Sector Social de la
Economía, 2003, COHDESSE).
Em muitos países, os sindicatos consideram que
a via para o trabalho decente e a justiça social
não se pode limitar à ação política e à negociação
de acordos de trabalho coletivos. Exigem
reconhecimento como agentes econômicos de
pleno direito, que têm uma palavra a dizer sobre a
forma como as empresas são geridas, o dinheiro
dos fundos de pensões é investido e as políticas
de desenvolvimento econômico são definidas.
A sua participação, cada vez mais ativa no
desenvolvimento econômico, torna-os parceiros
importantes da ESS. Os três exemplos seguintes
explicam por que razão e de que forma os sindicatos
estão a participar no desenvolvimento da ESS.
As autoridades municipais não têm dificuldade
em compreender as vantagens da ESS. Estas
empresas criam emprego local, são propriedade
de membros da comunidade e os seus excedentes
circulam localmente. Dão frequentemente resposta
a necessidades ignoradas pelo setor privado,
porque o retorno financeiro sobre o investimento
é insuficiente. Operam em setores em que as
autoridades públicas não têm capacidade ou
flexibilidade para intervir. E não estão à venda para
investidores externos!
DOCUMENTO DE TRABALHO
61
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Quadro 4.12: Participação dos
sindicatos no desenvolvimento da
ESS no Brasil
Quadro 4.14: Um líder sindical
latino-americano explica o seu
compromisso com a ESS
O sindicato brasileiro Central Única dos
Trabalhadores (CUT) participa ativamente no
apoio à ESS. Desde 2001, a CUT tem apoiado
mais de 100 cooperativas de trabalhadores,
representando 10.000 membros. Também apoia
várias cooperativas locais e de poupança, incluindo
a ECOSOL, uma rede de 4.500 membros que gere
empréstimos no valor de 1,2 milhões de USD. Esta
organização desempenha um papel importante em
conjunto com a CUT, ajudando os trabalhadores a
alcançar independência financeira.
Numa reunião de redes de economia solidária
organizada na América Latina pela RIPESSLAC (Rede Intercontinental para a Promoção da
Economia Social e Solidária: América Latina e
Caribe) em Medellin, na Colômbia, em julho de
2010, Luis Alejandro Pedraza, Presidente da Unión
Nacional Agroalimentaria de Colombia (UNAC) e
www.cut.org.br
Quadro 4.13: Federação
sindical cria uma instituição de
financiamento única no Québec
Em 1971, sindicalistas da Confederação de
Sindicatos Nacionais (CSN) no Québec, Canadá,
fundaram uma cooperativa de crédito para
responder às necessidades dos sindicatos
locais, mas também para contribuir para a
transformação social.
Conhecida hoje como Caisse d’économie
solidarie, esta instituição financeira única
concentrou a sua atividade exclusivamente
na concessão de empréstimos a OESS com
excelentes resultados financeiros.
Com os seus 2.500 membros coletivos, empresas
sem fins lucrativos, cooperativas, organizações
comunitárias e sindicatos e os seus mais de 7.000
membros individuais, esta instituição financeira
tem desempenhado um papel fundamental no
apoio à ESS e no fortalecimento das ligações
entre o movimento sindical e a economia social
no Québec e a nível internacional.
www.cecosol.coop
62
DOCUMENTO DE TRABALHO
membro do comitê executivo da UITA, Unión
Internacional de Trabajadores de la Alimentación,
Agrícolas, Hoteles, Restaurantes, Tabaco y Afines,
na América Latina, prestou a seguinte declaração:
“O objetivo fundamental da UNAC-UITA é a defesa
e promoção dos direitos humanos, da liberdade
de associação, do desenvolvimento e reforço
institucional do Estado de Direito e da paz e
justiça social.
A UNAC apoia a colaboração entre sindicatos
e organizações agrícolas na criação e
implementação da reforma agrária através de
empresas agrícolas e comerciais de autogestão.
Promovemos formas alternativas de organização
de agricultores deslocados, vítimas de violência
e marginalização, através de empresas sociais
baseadas na produção agroecológica, em aliança
com as comunidades indígenas em áreas rurais
e urbanas da Colômbia. Implementamos deste
modo os objetivos estratégicos do modelo
de economia social através de cooperativas e
mutualidades.”
Luis Alejandro Pedraza, julho de 2010, Medellin,
Colômbia
As associações de empregadores incluem
frequentemente OESS sem se aperceberem. As
OESS criam emprego e riqueza como qualquer
outra empresa. Em alguns países, têm criado ou
atuado como organizações de empregadores e
esse estatuto é reconhecido por outros parceiros
sociais. Na França, estruturas da economia social
apresentam candidatos no processo eleitoral dos
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
tribunais de trabalho como representantes dos
empregadores nos debates sobre relações laborais.
Quadro 4.15: Uma federação de
empregadores apoia a ESS na Itália
A Sodalitas, Associazione per lo Sviluppo
dell’Imprenditoria nel Sociale (Associação para o
Desenvolvimento Social do Empreendedorismo)
é uma organização sem fins lucrativos fundada
em 1995 pela maior federação italiana de
empregadores, a Assolombarda. Entre as
empresas filiadas estão grandes multinacionais
e 90 consultores voluntários do setor privado,
que trabalham gratuitamente, a tempo parcial,
para organizações sem fins lucrativos, incluindo
cooperativas. A Sodalitas funciona como ponte
entre o setor com fins lucrativos e o setor
sem fins lucrativos, tendo apoiado mais de
80 organizações sem fins lucrativos. Procura
elevar os padrões no setor sem fins lucrativos e
promover o estabelecimento de ligações entre a
sociedade civil e as empresas, através da defesa
da sustentabilidade, da responsabilidade social
e de argumentos comerciais para a prossecução
destes objetivos. Também incentiva o investimento
das empresas em objetivos sociais e divulga
as melhores práticas empresariais. Promove
igualmente a venda de bens e serviços produzidos
por cooperativas sociais às empresas filiadas.
www.sodalitas.it
Os movimentos sociais, incluindo o movimento das
mulheres e o movimento ambientalista, tornaram-se
fortes aliados e parceiros da ESS emergente. Uma
vez que a maximização do lucro não é o seu objetivo,
a ESS tem grande potencial de refletir o verdadeiro
desenvolvimento sustentável. O Fórum Social
Mundial, que reúne um vasto conjunto de movimentos
sociais, reservou na sua agenda um espaço importante
para a ESS. A primeira Marcha das Mulheres contra a
Pobreza, realizada no Québec em 1995 e organizada
pela Federação das Mulheres do Québec, incluiu
o apoio à ESS nas suas oito exigências e lançou o
debate sobre a ESS na arena política. As organizações
de mulheres de outros países sentem-se atraídas
pela ESS porque os seus valores básicos e modelos
de propriedade coletiva apelam a muitas mulheres.
Muitos novos empresários de ESS emergem destes
movimentos sociais.
Por se preocuparem com o desenvolvimento
econômico e social no seu país ou região, algumas
associações de empregadores do setor privado
e algumas grandes empresas dão apoio ao
desenvolvimento da ESS.
Quadro 4.16: Rede de movimentos
sociais espanhóis para o
desenvolvimento da ESS
A Espanha tem uma longa história de estruturas
cooperativas que reflete a força e a extensão da
economia social em Espanha. No entanto, os
promotores de novas iniciativas que emergiram
de movimentos sociais viram a necessidade de
criar outra rede. A Red de redes de economia
alternative y solidaria (REAS) é constituída por
mais de duzentas entidades organizadas em redes
regionais e setoriais.
Fundada em 1995, a REAS nasceu da necessidade
comum de facilitar e promover alternativas
econômicas sustentáveis em Espanha. Entre
os seus promotores estiverem agentes dos
movimentos ambientalista, de comércio justo
e de solidariedade internacional. Os membros
da REAS são principalmente organizações
e empresas nascidas a partir da década de
1980; estão presentes num vasto conjunto de
setores, incluindo a reciclagem, o microcrédito,
a educação ambiental, a integração social e o
comércio justo.
www.economiasolidaria.org
Historicamente, as ONG internacionais têm
desempenhado um papel importante no apoio
à ESS. Convictas de que uma das estratégias
mais eficientes para alcançar os Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio é a capacitação das
comunidades locais através de OESS sustentáveis,
muitas estão ativamente envolvidas em parcerias
com OESS.
DOCUMENTO DE TRABALHO
63
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Quadro 4.1: Partes interessadas em redes e parcerias
Partes interessadas
fundamentais
Interesses
Obstáculos
Empresas sociais e solidárias
Obter reconhecimento e acesso
a recursos e a oportunidade de
desenvolvimento
As necessidades imediatas
e recursos limitados têm
prioridade sobre a criação de
redes
Governos nacionais e regionais
Capacidade da ESS
de encontrar soluções
inovadoras para os desafios
de desenvolvimento
socioeconômico e mobilizar um
vasto conjunto de recursos
Tendência a trabalhar em
nichos compartimentalizados.
As políticas públicas ou são
econômicas ou são sociais.
Dificuldade de situar a ESS
nas estruturas governamentais
existentes
Organizações de
desenvolvimento local e
governos locais
Contribuição da ESS para
o desenvolvimento local:
emprego local, controle local,
produtos e serviços locais,
circulação de excedentes
dentro da comunidade
Falta de conhecimento sobre
a ESS. Hábito de depender
de modelos de empresas
capitalistas privadas para
assegurar o desenvolvimento
econômico
Organizações de trabalhadores
Contribuição da ESS para a
justiça social e a criação de
emprego. Estratégia para
responder às necessidades
dos membros
A concepção do papel dos
sindicatos dá prioridade à
negociação de acordos coletivos
de trabalho e à ação política
Associações de empregadores
Contribuição da ESS para a
atividade econômica e a criação
de riqueza.
Percepção da ESS como
concorrência desleal
Movimentos sociais
Contribuição da ESS para o
combate à pobreza e à exclusão
social.
Hesitação em participar na
atividade econômica com medo
de enfraquecer o seu papel
político e social
ONG internacionais
Contribuição da ESS para
alcançar os Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio
Os critérios de financiamento
limitam-se frequentemente
a trabalho de assistência ou
iniciativas de desenvolvimento
social, excluindo a capacitação
de comunidades através da ESS
Instituições acadêmicas e
pesquisadores
A inovação social no seio da
ESS dá a possibilidade de criar
conhecimento novo e útil
As instituições acadêmicas não
reconhecem plenamente a ESS
e o trabalho em parceria com
agentes de ESS
64
DOCUMENTO DE TRABALHO
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Quadro 4.17: O movimento
cooperativo sueco apoia a ESS na
América Latina
Quadro 4.18: Uma rede
international de pesquisa sobre a
ESS
O Centro Cooperativo Sueco, uma ONG sem fins
lucrativos fundada pelo movimento cooperativo
sueco, trabalha em parceria com organizações
em países em desenvolvimento para melhorar as
condições de vida dos pobres.
O Centro Internacional de Pesquisa e Informação
sobre a Economia Pública, Social e Cooperativa
(CIRIEC) foi criado em 1947. Está sedeado em
Liège, na Bélgica, e tem sucursais em 15 países.
Entre os seus membros estão pesquisadores e
OESS. O CIRIEC tem por objetivo assegurar e
promover a investigação científica e publicações
sobre setores econômicos, bem como atividades
em prol do bem comum e coletivo. O CIRIEC
organiza conferências internacionais sobre
pesquisa relativa à economia social.
Exemplos deste trabalho incluem a formação dos
coordenadores do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra na Bahia, Brasil, para gerir a
terra e melhorar a sua capacidade de negociar
com as autoridades locais; a capacitação de
mulheres na Bolívia através da criação de uma
organização de mulheres rurais de combate
à pobreza; e o apoio a uma cooperativa de
habitação para famílias pobres em Asunción,
Paraguai. Este último projeto teve tanto êxito
que o Governo do Paraguai decidiu financiar um
programa de habitação mais ambicioso.
www.sccportal.org
© LE MAT
As instituições acadêmicas e os pesquisadores,
atraídos pela inovação social inerente à maior parte
das iniciativas de ESS, investem recursos acrescidos
para quantificar e compreender a dinâmica associada
à sua emergência. São parceiros importantes para
ajudar a compreender melhor o que funciona, o que
não funciona e porquê. Através da sistematização
e análise de diversas práticas, criam a base para
programas de educação e formação, que tão
importantes são para o futuro da ESS.
Um pequeno grupo de cooperativas sociais num belíssimo
recanto da Sicília.
www.ulg.ac.be/ciriec/
O Quadro 4.1 resume os interesses e obstáculos
enfrentados pelas várias partes interessadas em
redes e parcerias da ESS.
4.5 Diferentes tipos de redes e
parcerias
As redes e federações de ESS são muito diversas e
existem a todos os níveis, local, regional, nacional,
continental, intercontinental e internacional. Dão
resposta a uma multiplicidade de necessidades
e perseguem objetivos muito diferentes.
Algumas são recentes e muito informais; outras
institucionalizaram-se ao longo dos anos e operam
no seio de uma estrutura formal e, por vezes,
hierárquica. Apesar destas diferenças, podem ser
classificadas de acordo com a sua composição e
com os mandatos que lhes são conferidos pelos
seus membros.
As redes ou federações territoriais são geralmente
estruturas com múltiplas partes interessadas que
reúnem diferentes agentes comprometidos com
o desenvolvimento da sua comunidade local,
com a sua região ou com o seu país através da
ESS, motivados pela sua convicção de que a ESS
é uma estratégia benéfica para o seu território.
Estas redes ou federações podem ser compostas
exclusivamente por empresas e organizações de
DOCUMENTO DE TRABALHO
65
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
ESS, ou podem incluir representantes de sindicatos,
movimentos sociais, fundações, pesquisadores,
associações locais e até do governo.
Participam frequentemente em iniciativas
estratégicas que convidam uma ampla diversidade
de agentes a apoiar o desenvolvimento do seu
território.
As redes setoriais reúnem empresas ou
organizações de ESS presentes num setor ou
atividade específicos, como cooperativas agrícolas,
mutualidades de saúde, cooperativas financeiras,
instituições de microcrédito, rádios comunitárias
ou turismo social. Os membros destas redes são
motivados pela necessidade de desenvolver a sua
empresa através da colaboração com organizações
afins e através do reforço de todo o setor. As suas
atividades concentram-se frequentemente no
apoio a melhores práticas de gestão e na criação
de ferramentas comuns e de condições favoráveis
para o desenvolvimento de cada empresa ou
organização.
As redes ou federações de base jurídica reúnem
empresas com estatuto legal comum. As redes
ou federações de cooperativas, mutualidades e
organizações sem fins lucrativos coexistem em
alguns países com pouca ou nenhuma colaboração;
em outros países estão ativamente empenhadas
na promoção e no desenvolvimento de uma visão
generalizada da ESS. Nos países que recentemente
criaram um quadro jurídico específico estão a
emergir redes de empresas sociais.
Os Estudos de Caso 4.1, 4.2 e 4.3 no final do
presente capítulo são exemplos de redes eficazes.
4.6 Os papéis e as funções das
redes no apoio à ESS
As redes surgem em resposta a necessidades
que não podem ser satisfeitas por uma empresa
ou organização individual. Os membros da rede
identificam as suas necessidades comuns e
constroem o tipo de estrutura que melhor pode
responder a estas necessidades. Algumas redes
têm um mandato muito limitado, frequentemente
associado a recursos limitados.
66
DOCUMENTO DE TRABALHO
Outras estão mais estruturadas com recursos
consideráveis e assumem um maior número de
atividades operacionais, incluindo a prestação
de serviços diretos aos membros. Segue-se uma
descrição das principais funções das redes de ESS.
Representação, promoção e defesa
Obter reconhecimento pela contribuição atual e
potencial da ESS para o desenvolvimento constitui
um grande desafio, seja a nível local, nacional ou
internacional. Não surpreende que a maior parte
das redes de ESS existentes e em emergência
participem na promoção da economia social e
solidária representando seus interesses em conjunto
com outros interlocutores sociais e negociando
políticas públicas. Os dois exemplos seguintes
revelam como as redes podem realizar ações de
defesa de um ponto de vista setorial e territorial.
Quadro 4.19: Criação de
redes internacionais de rádios
comunitárias
Através da prestação de serviços aos membros,
da criação de redes e da implementação de
projetos, a Associação Mundial de Rádios
Comunitárias (AMARC) reúne uma rede de mais
de 4.000 rádios comunitárias, federações e partes
interessadas dos meios de comunicação em
mais de 115 países. O principal impacto global
da AMARC, desde a sua criação em 1983, tem
sido acompanhar e apoiar o estabelecimento
de um setor de rádios comunitárias em todo o
mundo, que democratizou o setor dos meios
de comunicação. A AMARC defende o direito a
comunicar a nível internacional, nacional, local e
de vizinhança e advoga e promove os interesses
do movimento de rádios comunitárias através da
solidariedade, criação de redes e cooperação.
www.amarc.org
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Quadro 4.20: Uma rede nacional
enraizada no território, no Brasil
O Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES)
é uma rede jovem e vasta, enraizada em fóruns
locais e regionais. O FBES foi oficialmente criado
em 2003, após um processo de mobilização e de
diálogo social com a recém-instituída Secretaria
Nacional de Economia Solidária (SENAES),
no seio do governo federal brasileiro. Doze
organizações nacionais representando redes
nacionais de promoção da ESS e movimentos
sociais completam o seu comitê nacional de
coordenação. Os funcionários públicos que
trabalham nos governos locais para apoiar
a economia solidária também integram as
estruturas locais, regionais e nacionais.
Quadro 4.21: As mutualidades
beneficiam da cooperação
conjunta
A Union Technique de la Mutualité Malienne
(UTM) foi criada em 1996 para prestar apoio
a mutualidades de saúde. Atualmente, 32
mutualidades de saúde, com um total de 40.000
beneficiários, são membros da UTM. Os serviços
oferecidos incluem apoio ao desenvolvimento
de novas mutualidades de saúde, estudos de
viabilidade, monitoramento, representação
junto ao governo e garantir um quadro jurídico e
regulamentar favorável. A UTM lançou o seu próprio
produto, um seguro de saúde voluntário, que atraiu
elevado número de membros das áreas urbanas.
www.ecosoc-afrique.org/utm.htm
O FBES mantém a comunicação entre os
membros através de um portal dinâmico e
organiza reuniões nacionais e semestrais. É
reconhecido e apoiado pelo governo brasileiro
e representa o setor no Conselho Nacional de
Economia Solidária, fundado pela SENAES.
www.fbes.org.br
Serviços comuns
Um elevado número de redes setoriais e algumas
redes territoriais oferecem serviços diretos aos seus
membros. Formação, assistência técnica, promoção,
marketing e outros serviços comerciais são os
serviços desenvolvidos com maior frequência pelas
redes de ESS.
Intercâmbio de conhecimentos especializados
Muitos gestores ou administradores de OESS
sentem-se isolados ou incompreendidos pelos
serviços de apoio comercial convencionais que os
orientam para modelos com fins lucrativos mais
tradicionais. Por conseguinte, muitas redes de ESS
reúnem-se para aprender umas com as outras,
porque todas compartilham uma finalidade comum
de combinar objetivos sociais e econômicos para
obter resultados para os seus membros ou para
a sua comunidade. O governo e outros parceiros
envolvidos na ESS também estão criar redes.
Quadro 4.22: Uma rede para
aprender com os outros
Na Polônia, onde o reconhecimento da ESS está
numa fase inicial, em 2007 os agentes da região
de Malopolskie criaram o Pacto de Economia
Social (MSEP). O Pacto começou a funcionar
informalmente em 2007 e foi oficialmente
subscrito por 25 entidades em 2008. O MSEP
facilita a troca de informação, mas não tem
qualquer papel no processo de decisão ou na
partilha do poder.
DOCUMENTO DE TRABALHO
67
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Criação de novas ferramentas de
desenvolvimento
A maioria das OESS tem grandes ideias e uma
enorme ambição para os seus membros ou
comunidades; contudo, nem todas têm capacidade
para executá-las sozinhas. As redes de ESS
podem ser ferramentas estratégicas importantes,
porque fornecem recursos agrupados e ideias
para realizar iniciativas relevantes. As ferramentas
de desenvolvimento mais comuns emanadas das
redes de ESS incluem o desenvolvimento de novos
instrumentos financeiros, redes de informação
e parcerias estratégicas com financiadores ou
governos. Algumas redes de ESS estão a efetuar o
levantamento da ESS nas suas comunidades. Outras
estão a criar ferramentas de e-comércio.
Quadro 4.23: Uma parceria de
várias partes interessadas no
Québec
O Chantier de l’économie sociale no Québec,
Canadá, é uma rede de redes composta por
cooperativas, organizações comunitárias,
movimentos sociais e organizações de
desenvolvimento local. Através desta parceria de
várias partes interessadas, o Chantier constituiu
um fundo de empréstimo de 10,9 milhões de
euros euros para empresas coletivas, um fundo
de capital a longo prazo de 39 milhões de dólares,
um portal de informação de ligação em rede, uma
parceria colaborativa de pesquisa e ferramentas
de desenvolvimento da força laboral. Negociou
ainda importantes políticas públicas de apoio à
ESS com os governos do Québec e do Canadá.
www.chantier.qc.ca
Luta por um melhor acesso aos mercados
A luta por um melhor acesso aos mercados tem
sido uma das bandeiras mais comuns das redes
do movimento cooperativo, mas não é exclusiva
destas redes. Muitas federações cooperativas, em
particular de cooperativas de produtores, foram
criadas com este propósito específico. Ao longo dos
anos foram criando instituições fortes para apoiar
68
DOCUMENTO DE TRABALHO
esta função e estão ativas nos mercados mundiais.
As redes emergentes centram-se frequentemente
nos princípios e circuitos do comércio justo. Há uma
tendência crescente para o aumento de transações
entre empresas (B2B) de ESS como expressão de
valores e interesses comuns.
Quadro 4.24: Acesso aos
mercados através da criação de
redes no Burkina Faso
A Union des groupements de productrices de
produits du karité des provinces de la Sissili et du
Ziro (UGPPK-S/Z) está baseada em Léo, Burkina
Faso. A Union de Léo reúne 2.884 mulheres
distribuídas por 67 grupos de 39 aldeias e
setores. No âmbito de uma parceria com a ONG
canadense CECI, 1.800 produtoras receberam
formação para melhorar a qualidade e a higiene
da sua manteiga. Cerca de 40 facilitadoras
locais e 596 trabalhadoras na cultura do karité
receberam formação sobre técnicas de colheita e
sobre a transformação e a preservação dos frutos.
Em 2007, esta União produziu 102 toneladas de
manteiga, que incluiu 95 toneladas exportadas
para o Canadá e para França, por oposição a 5
toneladas em 2001. A sua atual capacidade de
produção total está estimada em 250 toneladas/
ano, podendo chegar a 500 toneladas muito em
breve.
www.afriquekarite.com
Pesquisa e criação de conhecimento
A ESS é um laboratório para a inovação social, o
que coloca muitos desafios, incluindo a necessidade
de compreender melhor a ESS e como funciona.
Para obter resposta a estas questões, as redes de
pesquisadores em parceria com agentes de ESS
desempenham um papel estratégico na criação de
conhecimentos essenciais para o desenvolvimento
da ESS.
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Figura 4.1.: Membros do Chantier de l’économie sociale
Redes de empresas
de ESS por setor
Redes de
desenvolvimento
local
Movimentos
sociais
Polos regionais
de ESS
Sindicatos
Chantier de l économie social
(Rede nacional de ESS do Québec)
Governo
do Québec
FERRAMENTAS
DE
DESENVOLVIMENTO
Fundo de empréstimo
e assistência técnica
Fundo de
investimento de
capital paciente
Parcerias de pesquisa
universidades/
comunidades
Setor privado
Sindicatos
Governo
Comitê de formação
da força de trabalho
Pesquisadores
PARTNERS
DOCUMENTO DE TRABALHO
69
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Quadro 4.25: Pesquisa
colaborativa no Canadá
A Plataforma de Economia Social do Canadá, da
Universidade de Victoria, na Colúmbia Britânica,
Canadá, foi criada em 2005 com o apoio do
Conselho de Investigação de Ciências Sociais e
Humanidades. É uma parceria que reúne mais de
300 pesquisadores, centenas de profissionais e os
seus parceiros comunitários. A plataforma atua
como facilitador na promoção da colaboração
entre seis centros de pesquisa regionais e na
criação de oportunidades e intercâmbios com
redes internacionais. Foram concretizados mais de
200 projetos, promovidas inúmeras publicações e
organizadas numerosas conferências e eventos de
formação, incluindo ações de ensino à distância.
www.socialeconomyhub.ca
Planejamento estratégico a nível local,
regional e/ou nacional
A ESS não se desenvolve de um dia para o outro;
exige uma visão de longo prazo e um plano
estratégico que viabilize uma colaboração de
sucesso entre diferentes partes interessadas. O
grande êxito de algumas redes de ESS na obtenção
de apoios deve-se à sua capacidade, através
de planos locais ou nacionais, de demonstrar
a importância da ESS para o desenvolvimento
socioeconômico da sua comunidade.
4.7 Elaboração de um plano de
ação
Um plano de ação para a ESS não pode ser
desenhado por uma só pessoa ou organização
nem pode ser um exercício teórico preparado por
peritos externos. O processo de elaboração de um
plano de ação é quase tão importante como o seu
conteúdo. Para produzir resultados significativos,
um plano de ação deve resultar de uma profunda
mobilização da comunidade e socorrer-se de uma
vasta multiplicidade de competências e recursos.
Os passos seguintes que se propõem para a
elaboração de um plano de ação são baseados em
experiências de sucesso de redes de ESS:
70
DOCUMENTO DE TRABALHO
Efetuar o levantamento da ESS: Embora o conceito
de ESS possa ser novo, é possível que já existam
OESS na área. Quem são? Existem estatísticas
sobre o seu papel na economia? Que setores
abrangem? Que impacto têm? Quais são os seus
pontos fortes e os seus pontos fracos?
5) Analisar os desafios ao desenvolvimento: A
ESS é uma forma de responder às necessidades
da comunidade. Um plano de ação deve
propor-se reforçar a capacidade das OESS
de responder a essas necessidades. Quais
são os principais desafios que se colocam ao
desenvolvimento da comunidade?
6) Analisar o papel potencial da ESS na superação
destes desafios: A ESS pode ser uma estratégia
eficaz para dar resposta a um elevado número
de desafios, mas não a todos. Em que áreas
pode a ESS ser mais eficaz na resposta a
desafios societários fundamentais?
É possível consolidar e expandir organizações
existentes de modo a poder assumir novos
desafios? Que setores novos têm potencial de
desenvolvimento?
7) Determinar os requisitos necessários para criar
um ambiente favorável: As OESS precisam
de ferramentas de desenvolvimento e de
políticas públicas adaptadas às suas realidades
específicas. De que ferramentas necessita a ESS
para dar resposta aos desafios identificados?
Que instrumentos já existem e onde estão
as lacunas? A mobilização da comunidade,
instrumentos financeiros, o acesso aos
mercados, políticas públicas, redes, formação,
pesquisa colaborativa e assistência técnica são
algumas das possibilidades.
8) Identificar as partes interessadas
fundamentais: Muitas pessoas ou organizações
de uma área compartilham um compromisso
comum para com o desenvolvimento da
comunidade e podem contribuir, direta ou
indiretamente, para o avanço da ESS. É
importante estabelecer um diálogo com o maior
número de partes interessadas e identificar os
argumentos que as convencerão a participar,
mesmo que modestamente.
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
9) Desenvolver objetivos e prioridades de longo
prazo: Este é o passo mais empolgante:
visionar o futuro da comunidade com uma
ESS florescente. Como vemos o seu papel
na próxima década? Que setores se terão
desenvolvido? Que resultados terá obtido?
Quais são as prioridades nesta visão global?
10) Desenvolver objetivos e prioridades de
curto prazo: O critério mais importante para
estabelecer objetivos e prioridade de curto
prazo é a sua capacidade de êxito. É melhor
definir três a cinco objetivos prioritários e ser
bem-sucedido! Os resultados positivos, por
modestos que sejam, criam as condições
para definir objetivos mais ambiciosos e
uma lista maior de iniciativas. Ajudam a
convencer os céticos e a atrair novos parceiros
e financiadores. Importa não esquecer que,
mesmo na ESS, o sucesso gera sucesso.
11) Coordenar e monitorizar o plano:
Idealmente, todas as partes interessadas
participantes devem coordenar e monitorizar a
implementação de um plano local ou nacional.
Em alguns países e comunidades, a sociedade
civil e as autoridades públicas cooperam em
todas as fases do processo. O organismo de
coordenação deve ter autoridade moral para
questionar as várias partes interessadas e as
encorajar a cumprir os seus compromissos
com a implementação do plano. Caso contrário,
corre-se o risco de o plano não passar de um
exercício teórico.
12) Avaliar os progressos: É possível quantificar
o número de empresas e de organizações, de
postos de trabalho, de produtos ou serviços
vendidos ou prestados, os excedentes gerados
e o número de beneficiários.
A avaliação quantitativa deve dar resposta
a perguntas que sejam importantes para
melhorar as práticas, como a qualidade dos
serviços ou produtos ou a eficácia das práticas
de governança e de gestão no âmbito da ESS.
A avaliação participativa da ESS, envolvendo
gestores, beneficiários e financiadores, é o
processo ideal.
4.8 Estruturas
internacionais da ESS
Existem estruturas internacionais da ESS há mais
de um século. A Aliança Cooperativa Internacional
foi fundada em 1895. Com o desenrolar dos anos,
várias instituições foram adquirindo importância
e participam ativamente no diálogo social a nível
internacional e intercontinental. Estas estruturas,
que representam centenas de milhões de membros,
baseiam-se normalmente num estatuto legal
comum.
Algumas redes internacionais reúnem OESS do
mesmo setor. Outras redes, embora constituídas
principalmente por OESS, têm uma missão mais
vasta relacionada com o seu setor.
Ao longo da última década surgiram novas redes
internacionais que dão voz a novas formas e agentes
de ESS. Em regra, estas redes têm estruturas mais
informais e acesso a menos recursos. Defendem
uma visão inclusiva e ampla da ESS e reúnem
agentes com um vasto conjunto de práticas. Lutam
por conferir maior visibilidade a estas novas práticas
e construir alianças com movimentos sociais de
apoio à ESS emergente.
Vários organismos internacionais começaram a dar
apoio à ESS em resposta a um interesse renovado
no seu contributo para o desenvolvimento. O
Fórum sobre Inovação Social da Organização para
a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico
(OCDE) participa ativamente no apoio a países
da OCDE interessados no desenvolvimento de
políticas públicas de apoio à ESS. A adoção pela
OIT de um plano de ação para a ESS representa um
importante passo em frente no reconhecimento do
seu contributo potencial para o desenvolvimento
sustentável. A unidade de formação do Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)
também começou a trabalhar sobre o tema da
economia social e o desenvolvimento local.
As redes institucionalizadas mais importantes são:
A Aliança Cooperativa Internacional, fundada
em 1895, promove a identidade cooperativa
e procura criar condições favoráveis para
DOCUMENTO DE TRABALHO
71
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
o desenvolvimento cooperativo. Os seus
223 membros são cooperativas nacionais e
internacionais que operam em todos os setores
de atividade. Estão concentrados em particular
na agricultura, seguros, banca, consumo,
habitação, indústria, pesca, saúde e turismo.
(www.ica.coop)
O Conselho Mundial das Uniões de Crédito
(WOCCU) é a principal estrutura para as
instituições de economia social que operam no
setor do microfinanciamento. Tem uma rede
de mais de 54.000 cooperativas de poupança
e crédito, com um total de 186 milhões de
membros em 97 países. Dá apoio ao setor,
em particular no domínio do monitoramento e
avaliação. (www.woccu.org)
A Federação Internacional de Cooperativas
e Seguros Mutualistas (ICMIF) é a maior
organização que representa as organizações
cooperativas e mutualistas de seguros no
mundo. Tem 212 membros em 73 países. (www.
icmif.org)
A Associação Internacional das Mutualidades
(AIM), fundada na década de 1950, reúne
40 federações e associações de sociedades
mutualistas autônomas de saúde e proteção
social em 26 países. Os membros da AIM dão
cobertura a mais de 170 milhões de pessoas
no mundo. (www.aim-mutual.org)
Algumas redes internacionais são organizadas
por setor de atividade. Seguem-se alguns
exemplos:
A Associação Mundial de Rádios Comunitárias
(AMARC) reúne uma rede de mais de 4.000
rádios comunitárias, federações e partes
interessadas de meios de comunicação em mais
de 115 países através da prestação de serviços
aos membros, criação de redes e implementação
de projetos. O principal impacto global da
AMARC desde a sua criação em 1983 tem sido
acompanhar e apoiar o estabelecimento de
um setor de rádios comunitárias em todo o
mundo que democratizou o setor dos meios de
comunicação. (www.amarc.org)
A Associação Internacional de Investidores na
Economia Social (INAISE) é uma rede global de
instituições financeiras social e ambientalmente
orientadas. Criada em 1989, a INAISE reúne
72
DOCUMENTO DE TRABALHO
investidores sociais de países europeus e não
europeus com o objetivo de trocar experiências,
disseminar informação e demonstrar que os
investidores conseguem promover mudanças
sociais e ambientais positivas.
Os membros da INAISE usam a sua política
de investimento para fomentar e promover o
desenvolvimento de OESS.
(www.inaise.org)
A Aliança Financeira para o Comércio
Sustentável (FAST) é uma associação
mundial, sem fins lucrativos, liderada pelos
seus membros, que representa mutuários e
produtores empenhados em colocar produtos
sustentáveis no mercado. A FAST reúne este
grupo diversificado de partes interessadas
para promover coletivamente o acesso de um
número acrescido de produtores organizados em
cooperativas de países em desenvolvimento a
financiamento de qualidade ao comércio, talhado
à medida das exigências colocadas pela sua
entrada em mercados sustentáveis.
(www.fastinternational.org)
O Centro Internacional de Pesquisa e
Informação sobre Economia Pública, Social e
Cooperativa (CIRIEC) foi fundado em 1947 na
Suíça. Os seus membros são pesquisadores e
agentes da economia social que colaboram na
produção de investigação, organizam atividades
e elaboram publicações sobre economia social e
economia pública.
(www.ciriec.ulg.ac.be)
O COPAC (Comitê para a Promoção e o
Progresso das Cooperativas) é um comitê
composto pelo movimento cooperativo,
por organizações de agricultores, bem
como pelas Nações Unidas e suas
agências. Entre os seus membros contamse a Organização das Nações Unidas para a
Alimentação e a Agricultura (FAO), a Aliança
Cooperativa Internacional (ICA), a Federação
Internacional dos Produtores Agrícolas (IFAP),
a OIT e as Nações Unidas. Os membros
cooperam na promoção e coordenação do
desenvolvimento cooperativo sustentável
mediante a chamada de atenção e sensibilização
para as cooperativas. A cooperação técnica, as
atividades de sensibilização, o diálogo político
e o compartilhamento de conhecimento e
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
informação são as suas principais atividades.
(www.copacgva.org)
Novas redes globais estão a ser construídas para
responder às necessidades e aspirações da ESS
em emergência. Entre elas estão os seguintes
exemplos:
A Rede Intercontinental de Promoção da
Economia Social Solidária (RIPESS) tem por
missão global construir e criar a ESS.
Iniciada como uma rede informal no Peru, em
1997, a RIPESS foi constituída oficialmente como
preparação para o Encontro sobre a Globalização
da Solidariedade, realizado em Dacar, em 2005,
que reuniu agentes de ESS de mais de 60 países.
A RIPESS apoia a criação de redes nacionais e
continentais e promove a construção de ligações
entre os inúmeros agentes e parceiros da ESS.
Organiza eventos intercontinentais de cinco em
cinco anos. A RIPESS está bem implantada na
América Latina e na América do Norte e começou
a ser estruturada na África, na Ásia e na Europa.
(www.ripess.org)
Nascida por iniciativa de cinco diretores
executivos de grandes organizações de economia
social francesas, os Encontros do Mont-Blanc
reúnem líderes da economia social de diferentes
países com o objetivo de desenvolver projetos
internacionais e ajudar a construir uma economia
social mais forte. Esta nova rede, criada em 2003,
tem por finalidade responder aos desafios da
globalização e demonstrar que é possível fazer
negócios de forma diferente e promover uma
economia que respeita os seres humanos e o
ambiente. Organizam encontros temáticos
de dois em dois anos mas o fórum também
é uma plataforma permanente de agentes e
projetos. (www.rencontres-montblanc.coop)
dado contexto histórico e geográfico, mas é
claro que as redes emergentes são federações
mais horizontais que institucionalizadas, que
desenvolveram estruturas verticais para ter em
conta as suas diferentes dimensões, mandatos e
tradições organizacionais.
Diversas estruturas desempenham um papel
central na obtenção de reconhecimento para
a ESS através da defesa e promoção dos
interesses imediatos ou de longo prazo dos seus
membros.
Em países onde existe um reconhecimento
formal da ESS (ou de uma componente da
ESS baseada no estatuto legal), estas redes
têm um papel no diálogo social. Em certos
casos, as redes ajudam a construir pontes com
movimentos sociais, incluindo organizações
laborais.
Na última década, as redes que praticam a
inclusão têm sido as mais bem-sucedidas no
desenvolvimento de novas políticas públicas e na
criação de ferramentas de desenvolvimento para
a ESS em emergência. Por serem capazes de
demonstrar melhor o alcance e a profundidade
da ESS, as redes que reuniram uma vasta
multiplicidade de OESS e de outras partes
interessadas conseguiram encetar o diálogo
social com o governo e com outros parceiros
sociais.
4.9 Conclusões principais
Por compartilharem valores, as OESS têm uma
© LE MAT
longa história de criação de redes, parcerias
e federações mais formais. Por sua vez, estas
estruturas apoiam os seus membros de
diferentes formas.
Os agentes de ESS escolhem as formas e os
mandatos de cooperação mais apropriados num
DOCUMENTO DE TRABALHO
73
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Diferentes experiências nacionais revelam que a
emergência de novas redes é frequentemente o
resultado de falta de flexibilidade das estruturas
de ESS existentes em tomar em consideração
novas realidades e novas abordagens. As
parcerias entre a ESS institucionalizada e a ESS
emergente continuam a ser exceção mais que a
regra.
Uma construção da base para o topo
é característica das redes e federações
bem-sucedidas; as redes de sucesso
estão radicadas nas comunidades e nas
realidades territoriais. As redes mais fortes
são as redes baseadas em estruturas locais e
regionais. Tiram partido do apoio de um vasto
conjunto de parceiros e o seu contributo para
o desenvolvimento socioeconômico pode ser
demonstrado claramente no terreno.
O poder das redes também está relacionado com
a sua capacidade de responder às necessidades
prioritárias dos seus membros. A maioria das
redes começa como grupos de defesa, mas
74
DOCUMENTO DE TRABALHO
rapidamente criam os seus próprios serviços
e/ou ferramentas de desenvolvimento para
alcançar objetivos comuns. Por seu turno, estas
iniciativas reforçam as redes e a capacidade
de atuação, porque se tornam úteis ou mesmo
indispensáveis para os seus membros.
A governança transparente e participativa é uma
característica das redes dinâmicas, em particular
no caso de redes novas. A participação dos
membros é a base para as atividades de redes
emergentes e continua a ser essencial para
que as redes consagradas consigam identificar
prioridades e executar satisfatoriamente os
mandatos de representação e de promoção.
Todas as redes têm um papel no reforço da
ES através da aprendizagem inter pares ou da
aprendizagem com a experiência internacional.
Aprender com outras experiências de ESS,
a nível local, regional ou nacional, tem sido
claramente um processo enriquecedor para os
agentes de ESS em todo o mundo.
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Estudo de Caso 4.1: Criação de uma nova rede nacional de ESS na Bolívia
Agentes principais
OESS, organizações comunitárias, pequenos produtores, organizações de comércio justo, ONG
A situação
Em 2005, agentes de ESS bolivianos participaram no Encontro Intercontinental sobre a Globalização da
Solidariedade, organizado pela RIPESS em Dacar, no Senegal, e em eventos de ESS regionais realizados
em Cochabamba (2005) e Havana, Cuba (2007). Inspirada por estas experiências de aprendizagem, a Red
Nacional de Comercialización Comunitaria (RENAC) iniciou um processo de criação de uma rede nacional de
ESS.
A preocupação do novo governo boliviano com a democratização econômica facilitou significativamente a
criação desta rede. Fortalecida por este contexto favorável, a ideia de criar uma estrutura nacional de ESS
e organizações de comércio justo na Bolívia surgiu num encontro nacional realizado em 2007. Em 2008, o
Movimento Boliviano para a Economia Solidária e o Comércio Justo (Movimiento de Economia Solidaria y
comercio justo de Bolivia, ou “MES y CJ”) foi oficialmente criado.
O que foi feito
Esta rede multissetorial liga 75 organizações e 5.000 associações comunitárias. Em conjunto, representam
mais de 80.000 pequenos produtores. Organizações firmadas como, por exemplo, a União Nacional de Arte
Popular, a Federação de Produtores de Café Bolivianos e o Conselho Nacional de Produtores de Quinoa, são
membros da rede. Tem por missão promover, desenvolver e divulgar a economia solidária e as práticas de
comércio justo. Procura promover um diálogo social sobre as políticas de ESS e de comércio justo. Tem
por objetivo tornar-se uma referência nacional e internacional para a Bolívia. Solidariedade, transparência e
respeito mútuo são os princípios e valores fundamentais deste movimento.
Apesar dos seus recursos limitados, o MES y CJ realizou numerosas iniciativas. Organizou eventos para
promover a conscientização e a sensibilização para a ESS, produziu ferramentas de comunicação e
organizou reuniões para desenvolver a colaboração entre responsáveis governamentais e membros da
rede. Inspirado pela Secretaria Nacional de Economia Solidária do Brasil, o MES y CJ propôs a criação de
um Departamento Nacional de Economia Social junto do Ministério das Pequenas e Médias Empresas. Foi
desenvolvido um plano estratégico para definir as ações principais e as prioridades da rede.
O MES y CJ procura responder às muitas dificuldades que os pequenos produtores enfrentam para
produzir e vender os seus produtos. Mais de 60% das empresas agrícolas são tão pequenas que não estão
registradas oficialmente.
DOCUMENTO DE TRABALHO
75
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Estudo de Caso 4.1 (Contd.): Criação de uma nova rede nacional de ESS na
Bolívia
Por conseguinte, são marginalizadas e ignoradas pelas políticas públicas. Os membros do MES y CJ
identificaram a ESS como uma oportunidade de ser abrangidos por uma política pública favorável e de
definir um quadro legal que lhes dá acesso aos mercados de comércio justo.
A rede assumiu a tarefa de criar um entendimento comum dos desafios e uma mensagem comum entre
os seus membros e de defender esta perspectiva junto do governo. Apesar de os seus membros serem
forçados a concentrar a sua energia em questões imediatas de sobrevivência, a rede tem desenvolvido com
êxito atividades de formação e uma estratégia de acesso a novos mercados.
Em colaboração com parceiros como o Centro de Estudos Internacionais e Cooperação (CECI), uma ONG
canadense, e o Ministério da Produção e Microempresas da Bolívia, tem organizado formação, incluindo
formação de formadores, cuja missão é ajudar as associações filiadas a melhor compreender os conceitos
e princípios fundamentais da ESS. Um importante objetivo destas iniciativas é a capacitação interna de
sensibilização e diálogo político.
76
DOCUMENTO DE TRABALHO
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Estudo de Caso 4.1 (contd.): Criação de uma nova rede nacional de ESS na
Bolívia
A criação de uma rede nacional também permitiu aos agentes de ESS na Bolívia participar em iniciativas
de ESS regionais na América Latina e reforçar a capacidade de diálogo com o governo e com outras partes
interessadas. Os seus membros lançaram novas iniciativas, incluindo a criação de uma marca comercial
comum para exportar o seu produto – Sariwisa, que significa na língua indígena Aymara: “A nossa estrada,
de onde vimos, quem somos e para onde vamos”. Esta marca comercial tem sido testada com sucesso em
mercados canadenses para produtos feitos de lama e de alpaca.
O que se pode aprender
A construção de uma rede nacional na Bolívia é uma ilustração expressiva de como a colaboração entre
OESS pode reforçar a sua capacidade coletiva para intervir no combate à pobreza e melhorar as condições
de vida das pessoas. A nova rede enfrenta desafios importantes no seu propósito de reforçar a ESS na
Bolívia. No entanto, a experiência boliviana mostra que é possível estruturar uma rede significativa num
período de tempo relativamente curto quando o contexto é favorável. A eleição de um governo nacional
defensor da ESS foi um fator importante na agilização do desenvolvimento da rede. O contato com outras
redes nacionais na região foi outro fator favorável.
© OIT / Crozet M.
Endereço de correio eletrônico: [email protected]
Shaw Trust é um dos três maiores fornecedores de emprego no setor terciário para pessoas com deficiência no Reino Unido. Proporciona
oportunidades de emprego e de formação.
DOCUMENTO DE TRABALHO
77
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Estudo de caso 4.2: Reforço da silvicultura comunitária no Nepal
Agentes principais
Grupos de utilizadores de florestas comunitárias
A situação
A silvicultura comunitária é uma prática generalizada no Nepal. É uma atividade de sucesso porque foram
adotadas medidas de inclusão, participação e devolução através de grupos de utilizadores comunitários.
O capital social e humano gerado pela sinergia da ação, defesa dos direitos e recursos coletivos tem sido
instrumental na eleição de representantes para dar voz nacional à ESS no setor da silvicultura.
Os produtos florestais não madeireiros (PFNM), em especial as plantas medicinais, constituem um conjunto
de recursos florestais capazes de melhorar as condições de vida das populações rurais. Muitas áreas do
Nepal, em particular a região de montanhas de grande altitude e de colinas de média altitude, possuem
PFNM valiosos. Alguns PFNM são comercialmente rentáveis, existindo uma cadeia de comercialização dos
produtos estabelecida entre o coletor, o comerciante e o produtor.
No entanto, os potenciais retornos da maior parte dos PFNM continuam por explorar, devido à falta de
tecnologia de valor acrescentado ou de capital, a impostos ou direitos de exploração excessivos e a
condições de comércio injusto impostas aos coletores locais. Esta situação mina os incentivos locais à
proteção e à coleta sustentável dos recursos PFNM.
O que foi feito
As sementes para a criação de uma federação nacional foram lançadas em visitas de estudo e
em eventos de criação de redes e de formação. Em 1991, alguns grupos de utilizadores de florestas
comunitárias no Distrito de Dhankuta, no leste do Nepal, organizaram um evento para todos os grupos
de utilizadores do seu distrito. Esta ideia foi posteriormente repetida em outros distritos e acabou por ser
integrada em workshops de criação de redes a nível distrital para a preparação dos planos de trabalho anuais
dos Gabinetes Florestais do Distrito. O primeiro seminário nacional foi realizado em 1993. O número crescente
de workshops de criação de redes distritais contribuiu para impulsionar a criação da rede nacional em 1995.
A Federação dos Utilizadores de Florestas Comunitárias do Nepal (FECOFUN) é uma federação nacional de
utilizadores florestais que defende os direitos dos grupos de utilizadores de florestas comunitárias a nível
local, nacional e regional. A FECOFUN tem cerca de 5 milhões de membros, incluindo agricultores rurais
(homens e mulheres, jovens e idosos) de quase todos os 75 distritos do Nepal. Desde a sua criação em
1995, a FECOFUN tem sido instrumental como representante das preocupações dos grupos de utilizadores
de florestas comunitárias em deliberações sobre formulação de políticas e o futuro das florestas e na
melhoria das condições de vida dos seus membros através da criação de novas empresas comunitárias e
cooperativas. A FECOFUN é uma organização autônoma, não partidária, socialmente inclusiva, sem fins
lucrativos e a maior organização da sociedade civil do Nepal.
78
DOCUMENTO DE TRABALHO
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Estudo de caso 4.2(contd.): Reforço da silvicultura comunitária no Nepal
A FECOFUN tem uma missão ambiciosa. Visa promover e proteger os direitos dos utilizadores de
florestas comunitárias através do reforço de capacidades, empoderamento econômico, gestão de
recursos sustentáveis, apoio técnico, atividades de sensibilização e de atuação como grupo de pressão,
desenvolvimento de políticas e criação de redes nacionais e internacionais. Defende os valores da
democracia inclusiva, do equilíbrio entre os gêneros e da justiça social.
A FECOFUN está particularmente preocupada com o papel das mulheres na silvicultura comunitária e de
grupos desfavorecidos, cujo potencial continua por realizar no Nepal. Tradições patriarcais, a hierarquia
de castas, leis discriminatórias, a exclusão social de grupos étnicos e a pobreza combinam-se para
tolher as vozes e limitar as opções. Os grupos de utilizadores são compostos por coletores mutuamente
reconhecidos de produtos florestais, mas nem todos os utilizadores das florestas têm igual acesso
a recursos privados ou o mesmo grau de dependência da floresta comunitária. Perante as divisões
tradicionais, hierarquias e outras formas de exclusão prevalecentes na sociedade nepalesa, a FECOFUN
considera essencial capacitar diferentes tipos de utilizadores, em particular as mulheres, os mais pobres, os
sem terra, os membros de castas inferiores e os grupos étnicos, para participar nas deliberações e definir
procedimentos para o acesso e distribuição equitativos dos recursos florestais.
DOCUMENTO DE TRABALHO
79
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Estudo de caso 4.3: Da criação de redes locais à solidariedade
internacional: o caso do CGM, um consórcio de cooperativas sociais
italianas
Agentes principais
Cooperativas sociais, o movimento cooperativo italiano
A situação
Em 1991 foi adotada uma nova lei italiana sobre cooperativas sociais que favoreceu o rápido
desenvolvimento desta forma inovadora de cooperativas. Uma cooperativa social italiana é uma forma
particularmente bem-sucedida de cooperativa com várias partes interessadas. Uma cooperativa social de
“tipo A” reúne membros que são prestadores e beneficiários de um serviço social. Uma cooperativa de “tipo
B” reúne trabalhadores permanentes e ex-desempregados que pretendem inserir-se no mercado laboral.
Atualmente existem cerca de 9.000 cooperativas sociais com mais de 300.000 membros, 30.000 voluntários
e 25.000 pessoas desfavorecidas em processo de inserção.
As cooperativas sociais estão limitadas a oferecer serviços ou emprego numa única localidade, pelo que
são de dimensão muito reduzida, possuindo, de acordo com estudos realizados, uma força de trabalho
típica de 33 trabalhadores por cooperativa. Estas restrições criaram certos obstáculos à expansão e à
obtenção de acesso a serviços empresariais e apoios. A solução para este problema foi a criação de
consórcios geográficos que ligam todas as cooperativas sociais de uma localidade ou região. Estas
cooperativas sociais são quase sempre membros de uma das quatro federações de cooperativas italianas
existentes. Os consórcios diferem de outras redes porque se baseiam num acordo conjunto entre os
membros com compromissos de cooperação firmes.
O que foi feito
O consórcio nacional CGM (Consorzio Gino Mattarelli) foi criado em 1987 e é hoje o maior consórcio italiano
de cooperativas sociais. O CGM promove e apoia ativamente o desenvolvimento das cooperativas sociais.
Oferece apoio ao desenvolvimento de competências através da transferência das melhores práticas e da
partilha de informação. Realiza pesquisa para estudar e melhorar o funcionamento e o desenvolvimento das
cooperativas sociais. O CGM e os seus membros regionais são particularmente ativos na abertura de novos
mercados em resultado de negociações com autoridades públicas e empresas privadas interessadas na
aquisição de bens e serviços fornecidos pelas cooperativas sociais.
Com os anos, o CGM reuniu 75 consórcios territoriais e criou seis subsidiárias especializadas. Em 1998, o
CGM criou o Consórcio Financeiro CGM. As suas atividades incluem financiamento direto aos membros
através de parcerias celebradas com membros, instituições financeiras e mutuários sem fins lucrativos. O
Consórcio Financeiro CGM, enquanto organização nacional, pode apoiar membros de regiões em que as
taxas de juro se mantêm muito elevadas e o acesso ao crédito é mais difícil.
O consórcio solidário comunitário CGM reúne membros que prestam serviços a idosos, pessoas com
deficiência e pessoas com problemas de saúde mental. Outras sub-redes estão organizadas em torno de
iniciativas ambientais e de artes e ofícios.
O CGM, em parceria com o Consórcio CTM Altromercato para o Comércio Justo e com a Federação dos
Organismos Cristãos e do Serviço Internacional de Voluntariado (FOCSIV), criou a SolidaRete, uma fundação
de solidariedade internacional. Com base na sua convicção na necessidade de criar um movimento mundial
de ESS, esta fundação apoia ativamente o desenvolvimento da empresa social fora da Europa.
80
DOCUMENTO DE TRABALHO
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Capítulo 5: Contribuição da
ESS para a Agenda de Trabalho
Decente da OIT
5.1 Introdução
A ESS, graças aos seus objetivos sociais e
econômicos combinados e aos seus princípios
de funcionamento, está bem posicionada para
dar a sua contribuição às políticas e desafios do
desenvolvimento (p. ex., estratégias de redução
da pobreza e objetivos de desenvolvimento
do milênio), mediante o cumprimento de
diferentes funções essenciais, incluindo a ajuda a
populações vulneráveis, a prestação de serviços, a
representação de vários grupos e a atuação como
grupo de pressão.
Este capítulo descreve como as OESS contribuem
ou poderiam reforçar a sua contribuição para
a implementação de um quadro internacional
específico, a Agenda de Trabalho Decente
da OIT. A OIT considera que a Agenda de
Trabalho Decente oferece uma base para um
quadro de desenvolvimento global mais justo
e estável. Através de uma análise sistemática
dos quatro pilares da Agenda de Trabalho
Decente procuraremos demonstrar que existe,
de fato, uma congruência clara entre os objetivos
perseguidos pelas OESS e os objetivos da Agenda
de Trabalho DecenteEste capítulo descreve como
as OESS contribuem ou poderiam reforçar a sua
contribuição para a implementação de um quadro
internacional específico, a Agenda de Trabalho
Decente da OIT. A OIT considera que a Agenda
de Trabalho Decente oferece uma base para um
quadro de desenvolvimento global mais justo e
estável. Através de uma análise sistemática dos
quatro pilares da Agenda de Trabalho Decente
procuraremos demonstrar que existe, de fato, uma
congruência clara entre os objetivos perseguidos
pelas OESS e os objetivos da Agenda de Trabalho
Decente.
Quadro 5.1: O que é o trabalho
decente?
O conceito de trabalho decente resume
as aspirações do ser humano no domínio
profissional, as suas aspirações relativamente
a oportunidades e remuneração; direitos,
voz e reconhecimento; estabilidade familiar e
desenvolvimento pessoal; justiça e igualdade
de gênero. Em última análise, estas várias
dimensões do trabalho decente reforçam a paz
nas comunidades e na sociedade. O trabalho
decente reflete as preocupações de governos,
trabalhadores e empregadores que, em conjunto,
conferem à OIT a sua identidade tripartite única.
O trabalho decente contempla quatro objetivos
estratégicos inseparáveis e interligados que
se reforçam mutuamente: princípios e direitos
fundamentais no trabalho e normas internacionais
do trabalho; oportunidades laborais e salariais;
proteção social e seguridade social; e diálogo
social e tripartismo. Estes objetivos são válidos
para todos os trabalhadores, homens e mulheres,
em ambas as economias formal e informal; no
emprego assalariado ou trabalhando por conta
própria; nos campos, fábricas e escritórios; em
sua casa ou na comunidade. A OIT considera
que o trabalho decente desempenha um
papel fundamental nos esforços de redução
da pobreza e constitui um meio de alcançar
um desenvolvimento equitativo, inclusivo e
sustentável. (...) A OIT desenvolve uma agenda
para a comunidade do trabalho, representada
pelos seus constituintes tripartites, com o objetivo
de mobilizar os seus recursos consideráveis para
criar essas oportunidades e para ajudar a reduzir e
a erradicar a pobreza.
www.ilo.org/global/About_the_ILO/Mainpillars/
WhatisDecentWork/lang—en/index.htm
DOCUMENTO DE TRABALHO
81
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Definir, promover e garantir as normas do trabalho
e os direitos no trabalho é um dos quatro pilares
da Agenda de Trabalho Decente. A OIT adotou
mais de 180 Convenções e 200 recomendações
cobrindo todos os aspetos do mundo do
trabalho. Em 1998, a Conferência Internacional
do Trabalho (CIT) adotou uma Declaração sobre
Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho,
que define um conjunto de normas do trabalho
fundamentais (liberdade de associação e abolição
do trabalho forçado, discriminação e trabalho
infantil) considerados direitos humanos básicos
e um pilar fundamental do trabalho decente. Em
âmbito mais global, a Declaração sobre Justiça
Social para uma Globalização Equitativa da OIT, de
junho de 2008, declara que o compromisso da OIT
para com o progresso da ESS é fundamentado na
convicção de que, num mundo globalizado, “as
empresas produtivas, rentáveis e sustentáveis, em
conjunto com uma economia social forte e com
um setor público viável, são essenciais para o
desenvolvimento econômico sustentável e para a
criação de oportunidades de emprego”.
As OESS, através dos seus valores sociais e
operações participativas podem desempenhar,
de fato, um papel na promoção das normas do
trabalho e na realização dos direitos laborais. Nos
países do Sul, isto é particularmente válido para os
trabalhadores informais, que constituem a maior
parte do mercado laboral. Ao organizar e fornecer
serviços a trabalhadores da economia informal,
as OESS, frequentemente em colaboração com
organizações de empregadores e de trabalhadores,
contrariam a falta de respeito pelos direitos laborais
dos trabalhadores informais e a adoção de medidas
inapropriadas e resolvem alguns dos problemas
cotidianos individuais e coletivos dos trabalhadores.
A promoção das OESS pela OIT oferece ainda a
oportunidade de reforçar a aplicação e o peso das
normas laborais no seio da economia informal.
82
DOCUMENTO DE TRABALHO
5.2.1 O papel das cooperativas
As cooperativas oferecem múltiplas vantagens
para enfrentar os graves desafios encontrados pelo
setor informal, como a concorrência feroz entre os
trabalhadores, más condições de trabalho, salários
baixos e tempo insuficiente para participar em
organizações coletivas.
As estruturas cooperativas podem juntar as
preocupações econômicas e comerciais dos
trabalhadores do setor informal, reforçar a sua ação
e apoiar as suas exigências comuns junto de outros
agentes econômicos e das autoridades.
Em 2010, um inquérito geral da OIT sobre as
contribuições dos seus países membros confirmou
que a promoção das cooperativas no seio da OIT
está em linha com a Declaração sobre Princípios
e Direitos Fundamentais no Trabalho, de 1998, e
outras Convenções. O inquérito provou claramente
que a promoção do papel das cooperativas com o
intuito de alcançar a inclusão social de todos os seus
membros, incluindo das pessoas desfavorecidas,
contribui para os objetivos da Convenção N.º 122
relativa à Política de Emprego.1
Os trabalhadores migrantes são um grupo
particularmente vulnerável, uma vez que são
frequentemente obrigados a aceitar empregos
com condições laborais muito deficientes e/ou na
economia informal, em especial em épocas de crise
quando os sistemas econômicos vivem períodos de
turbulência.
© LE MAT.
5.2 Promoção e realização
das normas do trabalho e dos
direitos no trabalho
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Quadro 5.2: O Sindicato Nacional
de Motoristas de Moto-Táxis no
Benin
Criado em 1995, no Benin, o Sindicato Nacional
de Motoristas de Moto-Táxis (Union Nationale
des Conducteurs de Taxi-Moto ou UNACOTAMO)
é uma organização independente filiada na
Confederação de Sindicatos do Benim (CGTB),
que também ajudou a fundar esta organização.
O UNACOTAMO procura abordar os problemas
laborais fundamentais enfrentados pelos seus
membros motoristas, incluindo más condições
de trabalho (doenças profissionais), falta de
formação e inexistência de relações laborais entre
os motoristas e os seus alegados “empregadores”
(os donos das motos). O UNACOTAMO enfrenta
estes problemas com iniciativas sociais e
solidárias (p. ex., organizações mutualistas de
saúde) e atuando como grupo de pressão junto
das autoridades públicas e dos “empregadores”
com vista a melhorar os direitos laborais dos
motoristas.
Fonte: Social Alert, 2005
A coordenação entre os constituintes da OIT e as
organizações de migrantes pode ser reforçada para
garantir o cumprimento das Convenções N.ºs 111
sobre Discriminação (Emprego e Trabalho) e 97
sobre os Trabalhadores Migrantes.
Quadro 5.3: Uma cooperativa
de trabalhadores migrantes na
Indonésia
Na Cidade de Malang, na Indonésia, (uma das
principais áreas de trabalhadores migrantes do
país), um grupo de trabalhadores migrantes
regressados ao país decidiu em 2005 criar a
cooperativa Koperasi TKI Purna Citra Bumi Mandiri
Esta cooperativa oferece produtos financeiros e
serviços à medida das necessidades de pessoas
que não têm acesso a instituições bancárias. Em
2009, esta cooperativa fornecia uma vasta gama de
produtos, desde produtos alimentares e agrícolas
a fertilizantes e microcrédito. Com um total de 29
membros, abrangendo 100 famílias migrantes,
a cooperativa dispõe atualmente de ativos no
total de 13.000 USD. O número de membros
continua a crescer à medida que beneficiam da
aplicação produtiva de remessas, crédito para
saúde e educação e atividades geradoras de renda.
A cooperativa está registrada formalmente no
Gabinete Cooperativo do Distrito de Malang.
http://www.ilo.org/global/about-the-ilo/newsroom/
features/WCMS_110094/lang--en/index.htm
5.2.2 Eliminação do trabalho infantil
A eliminação do trabalho infantil é outra área
em que as OESS podem dar uma importante
contribuição. O Programa Internacional para a
Eliminação do Trabalho Infantil da OIT coopera há
anos com OESS cujas atividades estão em linha
com a abordagem multidimensional necessária para
erradicar o trabalho infantil.
DOCUMENTO DE TRABALHO
83
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Quadro 5.4: O papel das
cooperativas na abolição efetiva
do trabalho infantil
Quadro 5.4 (cont.): O papel das
cooperativas na abolição efetiva
do trabalho infantil
As cooperativas desempenham um papel
importante na eliminação do trabalho infantil, pelo
que a sua capacidade deveria ser reforçada para
garantir que possam apoiar os seus membros e
comunidades a adotarem processos de produção
sem recurso ao trabalho infantil.
As cooperativas têm-se distinguido em todo o
mundo por um conjunto de iniciativas destinadas
a eliminar o trabalho infantil. Seguem-se alguns
exemplos destas iniciativas:
Em particular, as cooperativas podem ajudar
os seus membros a eliminar o trabalho infantil
mediante ações de sensibilização, de prestação
de informação e de fornecimento de serviços
técnicos e financeiros. As cooperativas, através
da participação democrática dos seus membros,
podem reforçar os processos de diálogo social,
dando voz aos pequenos agricultores em
decisões que afetam a governança das cadeias
de abastecimento e políticas mais abrangentes.
Com o apoio das cooperativas, as cadeias de
abastecimento podem adotar normas voluntárias
e assegurar processos de produção sem recurso
ao trabalho infantil.
Além de influenciar e apoiar os seus membros,
o movimento cooperativo pode advogar a
eliminação do trabalho infantil a nível regional,
nacional e internacional, incluindo através da
atuação como grupo de pressão em favor da
ratificação e aplicação das Convenções da OIT
relevantes (p. ex., Convenção N.º 138 sobre
a Idade Mínima e a Convenção N.º 182 sobre
as Piores Formas de Trabalho Infantil). A OIT
produziu materiais de formação para habilitar
as cooperativas a eliminar o trabalho infantil (p.
ex., o “Pacote de recursos de formação para
cooperativas agrícolas sobre a eliminação de
trabalho infantil perigoso” (2009)).
84
DOCUMENTO DE TRABALHO
melhorar as condições de vida dos seus
membros e das pessoas nas comunidades que
servem para prevenir o recurso ao trabalho
infantil (p. ex., cooperativas de comercialização
de café na Costa Rica e na Nicarágua,
cooperativa de comercialização de cacau no
Belize);
ajudar as comunidades em que estão situadas
a erradicar todas as formas de trabalho
infantil, em colaboração com o setor privado,
e através de cadeias de abastecimento (p. ex.,
cacau de comércio justo na Bolívia, Farmapine
Ghana Limited no Gana, MIGROS na Suíça e
projetos de escolas na Índia, uma cooperativa
de artes e ofícios no Quênia, uma cooperativa
de tecelagem de tapetes no Paquistão,
cooperativas de costura na Índia);
garantir que as cadeias de abastecimento dos
seus produtos não usam trabalho infantil (p.
ex., a Mountain Equipment Cooperative no
Canadá, o Cooperative Group no Reino Unido,
a Coop Italia em Itália, a Coop Norden na
Dinamarca, a Toys Made Without Child Labour
no Sri Lanka).
Dados retirados do relatório “Cooperating Out of
Child Labour: Harnessing the untapped potential
of cooperatives and the cooperative movement
to eliminate child labour” (OIT, 2009), elaborado
no âmbito do Programa Cooperativo da OIT, em
colaboração com o Programa Internacional para
a Eliminação do Trabalho Infantil (IPEC) da OIT e
com a Aliança Cooperativa Internacional (ICA).
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
5.3 Garantir emprego decente
e renda
O segundo pilar da Agenda de Trabalho Decente
defende a criação de maiores oportunidades para
as mulheres e os homens para garantir emprego
decente e renda.
De acordo com a OIT, nunca houve uma necessidade
tão grande de colocar o emprego no centro das
políticas econômicas e sociais. No que diz respeito
ao emprego, o relatório de 2009 do Diretor-Geral
da OIT assinala que os países em desenvolvimento
foram particularmente atingidos pela perda de
emprego em indústrias do setor formal, sobretudo
direcionadas para a exportação. Esta perda de postos
de trabalho tenderá a aumentar ainda mais as fileiras
de trabalhadores informais, incluindo na agricultura,
o que irá aumentar a concorrência entre as profissões
de baixa renda (OIT, 2009, p. 8).
Quadro 5.5: Um novo modelo
econômico em Lima, Peru
No Programa para a Eliminação do Trabalho Infantil
no Setor dos Tijolos em Huachipa, perto de Lima
(Peru), o Programa Internacional para a Eliminação do
Trabalho Infantil (IPEC) da OIT está a cooperar com
a ONG AIDECA, que tem experiência no domínio
do desenvolvimento centrado em temas sociais e
tecnológicos e na cimentação de alianças públicoprivadas, com vista a oferecer um novo modelo
econômico para as famílias que produzem tijolos.
A AIDECA desenvolveu um plano para um novo tipo
de forno e um sistema de produção que combina
eficiência com facilidade de funcionamento, baixos
custos de manutenção e baixo consumo de energia.
Foi constituída uma nova ONG comunitária, gerida
pelos beneficiários, para a governança e a gestão
comunitárias de uma fábrica de tijolos para o
desenvolvimento social, destinada a famílias que
não deixem os seus filhos menores trabalhar. 50%
dos lucros são reinvestidos e os outros 50% são
destinados para projetos sociais e educacionais. A
AIDECA elaborou programas sobre governança e
tomada de decisões para aumentar a capacidade de
gestão da fábrica de tijolos pelos beneficiários.
http://www.ilo.org/ipec/Partners/NGOs/lang--en/
index.htm
A OIT estima que aproximadamente 73% dos
trabalhadores da África subsaariana trabalhem em
empregos precários. A crise econômica e financeira
representa uma séria ameaça ao investimento em
infraestruturas e bens de produção, que são vitais
para a continuação do desenvolvimento da região.
Além do mais, o prejuízo suscetível de ser
causado pelo protecionismo global e a queda de
investimento direto estrangeiro em resultado da
crise não devem ser subestimados (OIT, 2009b).
Em Gana, por exemplo, o número de postos de
trabalho gerados pelo investimento estrangeiro
sofreu uma diminuição de 126% entre 2007 e 2008
(Willem te Velde, 2009). Em áreas rurais existe uma
grave escassez de trabalho decente (OIT, 2008), um
mercado de trabalho rural deficiente, um baixo nível
de organização/representação dos trabalhadores
rurais, subemprego e baixa renda. A feminização
das atividades agrícolas, que resultou da migração
dos homens em busca de atividades que gerem
melhores rendimentos, está a aumentar.
O relatório Tendências Globais do Emprego, de
2010, da OIT confirma que, apesar de alguns sinais
de recuperação, os níveis elevados de desemprego
vão persistir em 2010 em todas as partes do mundo,
refletindo a incerteza que perdura no mercado
laboral, a deterioração das condições de trabalho e
da qualidade do emprego, o aumento do trabalho a
tempo parcial e a existência de mercados laborais
desalentadores que se traduzirão por uma menor
participação dos trabalhadores (OIT, 2010, p. 42).
Como as OESS perseguem objetivos econômicos
e sociais, desempenham um papel importante
na criação e garantia de emprego decente e de
renda. As cooperativas têm sido tradicionalmente
empregadores importantes no domínio da ESS em
vários países do Norte e do Sul. Segundo a Aliança
Cooperativa Internacional (Chavez, 2008):
As cooperativas são o maior empregador
privado na Suíça e o segundo maior
empregador na Índia; na Índia, só as
cooperativas de laticínios geram cerca de
13 milhões de empregos para famílias de
agricultores, enquanto em França e na Itália
são responsáveis por mais de um milhão de
postos de trabalho, só para citar alguns fatos
conhecidos. A nível estadual, provincial e local
também são importantes, como, por exemplo,
DOCUMENTO DE TRABALHO
85
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
no Québec (Canadá), onde uma cooperativa
financeira, o Grupo Desjardins, é o principal
empregador, ou no Estado do Wisconsin,
Estados Unidos, onde 71% dos postos de
trabalho estão no setor cooperativo.
As oportunidades de criação de emprego e de
geração de renda dependem muito do acesso aos
recursos necessários.
Os serviços de microfinanciamento social,
prestados por muitas OESS (p. ex., grupos de
autoajuda, uniões de crédito, associações de
serviços financeiros, cooperativas de poupança
e crédito e associações de poupança e crédito
rotativo) permitem às pessoas com acesso limitado
a serviços financeiros clássicos poupar, garantir e
contrair empréstimos em condições acessíveis junto
de instituições que controlam total ou parcialmente.
Este mecanismo foi reconhecido na resolução da
OIT de 2002 sobre o setor informal, que apresenta
o microfinanciamento como uma ponte que ajuda
os operadores informais a inserir-se na economia
mainstream. As instituições de microfinanciamento
social e solidário contribuem para o trabalho
decente através da criação de condições para
trabalho assalariado e trabalho autônomo, da
redução da vulnerabilidade (reduzindo, p. ex.,
as estratégias de adaptação irreversíveis) e da
capacitação de pessoas vulneráveis mediante
processos de decisão participativos.
O trabalho decente também depende dos mercados
existentes e potenciais. Esta é outra área em que
a ESS pode ter um papel importante. O setor do
comércio justo, em particular, tem sido um meio
de proporcionar não só mercados domésticos
mas também mercados estrangeiros, e de criar
empregos que cumprem as condições de trabalho
decente. A ESS pode criar novos mercados em
múltiplas áreas. As OESS criam um elevado número
de “empregos verdes”, que procuram atenuar e
prevenir as inúmeras ameaças ambientais que
pendem sobre o planeta.
Deveriam ser apoiadas nesta missão, porque
oferecem um meio de compensar perdas de
emprego além de criar valor agregado através
destas atividades a longo prazo.
Quadro 5.6: Organizações locais
criam empregos em Gana e Nepal
Kuapa Kokoo em Gana é um símbolo de sucesso
e de esperança. Esta empresa coletiva, que foi
criada em 1993, possui atualmente quase 40.000
membros em 1.650 sociedades aldeãs e emprega
mais de 250 pessoas. É uma cooperativa de
produtores, uma empresa de comercialização de
cacau (o cacau é produzido pelos membros da
cooperativa) e um fundo fiduciário que gere os
excedentes das vendas nos canais do mercado
livre. Esta empresa coletiva tem a característica
muito especial de ter sido lançada durante a
liberalização dos mercados do cacau no Gana, um
processo que os fundadores identificaram como
uma oportunidade de criar uma empresa rentável
(Wanyama, 2008).
Em uma outra parte do mundo, no Nepal,
Mahaguthi (Artes e Ofícios com Consciência) é
uma organização de comércio justo que produz,
comercializa e exporta produtos artesanais
nepaleses. Mahaguthi fornece os mercados
doméstico e internacionais e tem três lojas
baseadas no Vale de Kathmandu.
© OIT / Crozet M.
Esta organização reúne mais de 1.000 produtores
individuais, 50% dos quais vivem em áreas
remotas e montanhosas. Muitos destes produtores
são mulheres que têm a oportunidade de usar as
suas competências tradicionais em casa, o que
lhes permite obter um rendimento extra.
Um trabalhador num negócio varejista que beneficiou dos
serviços da Shaw Trust. A Shaw Trust é o terceiro maior
fornecedor de emprego no setor terciário para pessoas com
deficiência e pessoas desfavorecidas, em Londres, Reino Unido.
86
DOCUMENTO DE TRABALHO
www.mahaguthi.org
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
© OIT / Crozet M.
O setor informal continua a ser um enorme desafio
para a Agenda de Trabalho Decente. Segundo o
relatório de 2002 da CIT (OIT, 2002, p. 4), a forma
mais significativa de ver a situação das pessoas que
se encontram na economia informal é em termos
dos déficits de trabalho decente:
os empregos de má qualidade, improdutivos e
não remunerados que não são reconhecidos ou
protegidos pela lei, a ausência de direitos laborais,
uma proteção social inadequada, e a ausência de
representação e de voz são mais pronunciados na
economia informal, em especial na base da pirâmide
e entre as mulheres e os jovens. Considerando os
princípios organizacionais específicos de algumas
unidades da economia informal (ver capítulo 1), é
possível apoiar a formalização de algumas unidades
como organizações sociais e solidárias.
Quadro 5.7: Associação de
trabalhadoras independentes na
Índia
Na Índia, a Associação de Trabalhadoras
Autônomas (SEWA) é um sindicato registrado
desde 1972. É uma organização de mulheres
pobres independentes que ganham a vida como
trabalhadoras autônomas ou organizadas em
pequenas empresas. Entre muitos outros serviços,
a SEWA organizou 84 cooperativas (cooperativas de
laticínios, cooperativas de artesãs, cooperativas de
serviços e cooperativas de trabalho, cooperativas
agrícolas, cooperativas de comércio e venda), que
reúnem 11.610 membros. As mulheres fornecem o
capital social e as cooperativas dão-lhes trabalho.
Uma mulher pode ser membro de uma ou mais
cooperativas. As cooperativas são geridas por
uma comissão executiva de trabalhadoras eleitas
democraticamente. A maior cooperativa é o Banco
SEWA, com 125.000 membros.
www.sewa.org
A educação e a formação são fatores fundamentais
dos objetivos da Agenda de Trabalho Decente.
As OESS, como por exemplo as cooperativas,
podem desempenhar um papel específico, não
só na aplicação do princípio cooperativo da
educação/formação e informação, mas também
no desenvolvimento de abordagens inovadoras
Reparações num edifício de uma rua central de Moscou (sem
medidas de segurança adequadas).
no terreno. O desenvolvimento da ESS pode ser
promovido entre futuros líderes e empresários.
Os colégios cooperativos do Reino Unido e de
vários países africanos de língua inglesa (p. ex.,
Etiópia, Quênia e Tanzânia) e estruturas como a
Universidade Africana para o Desenvolvimento
Cooperativo (AUCD) (antigo Institut Supérieur
Panafricain d’Economie Coopérative (ISPEC) em
Cotonou) têm cursos de formação ligados às
cooperativas e um número crescente de cursos
mais generalistas orientados para a economia
geral. Numa perspectiva mais ampla, várias OESS
oferecem atividades de formação profissional que
visam dar aos trabalhadores mais oportunidades de
encontrar emprego.
As OESS dão particular atenção aos grupos
vulneráveis (p. ex., mulheres, soropositivos,
trabalhadores migrantes, pessoas com deficiência)
que enfrentam barreiras no acesso ao mercado
de trabalho. Por exemplo, empresas sociais
podem desenvolver serviços para satisfazer as
necessidades de grupos vulneráveis ou podem
contratar pessoas, numa base temporária ou
permanente, que tenham maior dificuldade em
acessar o mercado de trabalho. Deste modo,
DOCUMENTO DE TRABALHO
87
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
as empresas sociais desempenham um papel
importante na inserção laboral.
O desenvolvimento local e a ESS são encarados
como ferramentas complementares que lutam
pela democracia, o estabelecimento de parcerias
e a capacitação (Schwettman, 2006). Tal como
a ESS, o desenvolvimento econômico local
oferece oportunidades de aplicar abordagens
inovadoras para enfrentar a crise de emprego. O
desenvolvimento econômico local centra-se nas
vantagens competitivas locais. Fornece meios
de identificar novas oportunidades de criação de
postos de trabalho e de geração de renda e ajuda a
melhorar a qualidade do emprego em geral, através
da participação de partes interessadas locais, e
da implantação de uma atividade econômica num
determinado local.
O desenvolvimento econômico local caracterizase pelo recurso a processos participativos em que
atores públicos e privados são convidados a intervir.
Os efeitos deste diálogo social são quantificados
não só em termos de novas parcerias econômicas,
mas também em termos de coesão social e de
transparência institucional.
Quadro 5.8: A Fundação Júpiter
cria empregos na Finlândia
Na Finlândia, a Fundação Jupiter (um centro de
orientação profissional) foi criada em 2001 por
empresas da economia social, organizações sem
fins lucrativos, autoridades públicas, a empresa
de gestão de resíduos regional e uma paróquia,
com o objetivo de reunir diferentes experiências,
conhecimentos, competências e outros recursos
e desenvolver os melhores serviços de emprego
e inclusão para partes desfavorecidas da
população. O objetivo da “inclusão na sociedade
e no mercado de trabalho” foi combinado com
princípios de desenvolvimento ambientalmente
sustentável. A reciclagem tornou-se o principal
negócio da fundação.
88
DOCUMENTO DE TRABALHO
A missão da Fundação Jupiter é apoiar os
jovens, os desempregados de longa duração,
os imigrantes, as pessoas com necessidade de
reabilitação física ou mental antes de entrar no
mercado de trabalho e outros que necessitem
de ajuda para encontrar emprego, formação
ou reabilitação. Os departamentos de trabalho
incluem: o EKOCENTER (desmantelamento e
reparação de eletrodomésticos e equipamentos
de escritório, reciclagem de materiais de
construção, gestão do ponto de recolha de
resíduos problemáticos da cidade, lavagem de
camiões e de outros veículos); artes e ofícios
(p. ex., estofos de mobiliário, reciclagem de
vestuário, fabricação de produtos têxteis da marca
Jupiter e impressão sobre tecido); carpintaria e
construção (restauro de mobiliário de madeira,
fabricação de novos produtos de madeira,
construção em pequena escala e renovação de
habitações); gestão da Boutique de Reciclagem
Jupiter e do Café Jupiter (140 almoços e produtos
de café para pessoal da Jupiter e clientes
externos); e serviços de limpeza.
http://www.revesnetwork.eu/public/Local_Partn
ership_and_Recycling.pdf
5.4 Reforço e ampliação da
proteção social
A crise financeira de 1997 salientou a importância
da proteção social em vários países asiáticos em
que os mecanismos de proteção social tinham
sido gravemente negligenciados. Reconheceu-se
que, se esses mecanismos tivessem existido antes
dessa crise, a recessão econômica não teria tido um
impacto tão severo nas suas populações (Norton et
al., 2001). Consequentemente, tem sido dada maior
atenção à proteção social nos últimos anos. O que
aconteceria a cerca de 80% da população mundial
que não tem acesso a prestações de seguridade
social adequadas? E o que aconteceria às pessoas
que apenas têm uma cobertura social mínima e em
que as prestações se limitam a riscos profissionais,
maternidade e pensão?
© OIT / Crozet M.
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Criança vende fruta nas ruas de Adis Abeba, Etiópia.
A OIT sublinha que a austeridade imposta
em muitos países pode afetar a qualidade e a
disponibilidade dos serviços públicos e que as
mulheres e as jovens em particular estão em risco
de sofrer as consequências em termos de benefícios
sociais. As perdas de renda sofridas pelas mulheres
terão efeitos mais negativos no longo prazo que as
perdas de renda dos homens.
As medidas de combate à pandemia do HIV/AIDS
também poderão ser afetadas pela redução de
esforços da comunidade internacional (em particular
do financiamento de tratamentos contra a AIDS),
favorecendo o avanço da doença, que tem estado a
regredir nos últimos anos (Banco Mundial, 2009).
A participação da ESS na proteção social é
facilmente compreensível, porque não raro as
OESS são organizações compostas de membros
e as suas atividades centram-se frequentemente
nas pessoas que não têm acesso aos produtos e
serviços gerados pela economia ortodoxa. Enquanto
organizações compostas por membros, estão
frequentemente bem posicionadas para detectar
o surgimento de problemas econômicos e sociais,
de grupos de risco e de novas necessidades. A
maioria das OESS que participam em programas de
proteção social:
gere mecanismos de seguros, como microplanos
de seguros de saúde;
facilita o acesso dos seus membros a
mecanismos de seguros, como as cooperativas
(p. ex., as cooperativas de saúde), as
mutualidades (p. ex., seguro de saúde
mutualista), as associações (p. ex., os sindicatos)
e as instituições de microfinanciamento.
Em muitos países do Norte, as OESS são
importantes fornecedoras de planos de seguros
de saúde. As mutualidades fornecem planos de
seguros competitivos (em comparação com o
setor privado) e outros serviços adicionais, como
serviços de representação de pacientes e serviços
de prevenção, educação sanitária, informação e
aconselhamento para os membros (AIM, 2008).
Estes serviços adicionais não só capacitam os
pacientes, permitindo-lhes tomar melhores
decisões, como também reduzem os custos
individuais e agrupados da saúde.
Nos países em desenvolvimento, encontrar formas
de fornecer cobertura relevante e eficaz aos
trabalhadores informais e às suas famílias é uma
prioridade.55 A OIT considera que uma estratégia
55 A fair globalization – The role of the ILO, Report of the
Director-General on the World Commission on the Social
Dimension of Globalization (92.ª Sessão, 2004).
DOCUMENTO DE TRABALHO
89
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
de alargamento da cobertura de seguridade social
deve basear-se em dois tipos diferentes de direitos
individuais: um direito que resulta do pagamento
de contribuições ou impostos; e 2) direitos que
incluem um “limiar” ou uma seguridade social
básica universal. Esse limiar pode ser gradualmente
consolidado à medida que o desenvolvimento
econômico avança e/ou surgem novas
necessidades. Em colaboração com a Organização
Mundial da Saúde e com outras organizações das
Nações Unidas, a OIT lidera o desenvolvimento do
conceito de um piso de proteção social destinado a
proteger as pessoas durante e após uma crise. Um
piso de proteção social poderia ser composto por
dois elementos principais que ajudem a realizar os
direitos humanos:
Serviços essenciais: garantir a disponibilidade
e continuidade e o acesso a serviços públicos
(p. ex., água e saneamento, saúde, educação e
apoio ao trabalho social centrado na família);
Transferências sociais: um conjunto básico de
transferências sociais essenciais, em numerário
e em espécie, pagas para ajudar os pobres e as
pessoas vulneráveis; melhoraria a segurança
alimentar e a nutrição e forneceria uma
segurança de renda mínima, bem como o acesso
a serviços essenciais, incluindo a educação e os
cuidados de saúde.
As OESS em países em desenvolvimento há mais
de 20 anos que fornecem, por exemplo, planos
de seguro de saúde comunitários, em particular a
trabalhadores rurais e informais não abrangidos por
sistemas de seguridade social nacionais. Em alguns
países, estas iniciativas de seguro de saúde têm
sido integradas nos regimes de seguros de saúde
nacionais. Outros grupos socioeconômicos (p. ex.,
os professores) também criaram mutualidades de
saúde para beneficiar de programas de seguro de
saúde complementares. Estes tipos de organizações
prevalecem em especial na África Central e na África
Ocidental. Um número crescente destas iniciativas
é organizado em redes e federações para poder
representar melhor o seu movimento e oferecer
serviços de apoio administrativos e financeiros.
90
DOCUMENTO DE TRABALHO
Quadro 5.9: Elaboração de projeto
legislativo sobre organizações
mutualistas sociais
Os países membros da União Econômica e
Monetária do Oeste Africano (UEMOA) agarraram
a oportunidade de futuro dada pela ESS. Em 2004,
a UEMOA lançou um projeto em grande escala,
em conjunto com a OIT e com a Agência Francesa
de Cooperação Internacional, de elaboração de
um projeto de legislação sobre “organizações
mutualistas sociais” (cobrindo riscos de saúde e
sem excluir o alargamento a outros riscos sociais,
como seguro de vida e seguro de reforma) para
todo o território africano ocidental.
A OIT realizou o trabalho de preparação sobre
este projeto legislativo, adotando uma abordagem
participativa (que incluiu autoridades de saúde,
mutualidades e suas estruturas de apoio, bem
como autoridades públicas nacionais) com o
objetivo de identificar necessidades no setor e de
aquilatar as expectativas dos vários agentes sobre
a legislação. Quando o projeto ficou concluído,
o Conselho de Ministros da UEMOA adotou o
projeto regulamentar das organizações mutualistas
sociais para a UEMOA em junho de 2009.
A pandemia do HIV/AIDS constitui uma grande
preocupação no domínio da proteção social e no
contexto da Agenda de Trabalho Decente. É sabido
que as organizações da sociedade civil têm realizado
grandes esforços em resposta à pandemia. As
associações e outras organizações comunitárias, em
particular, criaram instalações para a prestação de
cuidados gerais (psicossociais e médicos) a pessoas
infectadas com o vírus e que vivem com o HIV/
AIDS. Em muitos países, o setor público inspirouse claramente nestas práticas inovadoras para
conceber as políticas públicas. As ligações entre
estes agentes públicos e privados deveriam ser
reforçadas no âmbito de esforços para intensificar a
prestação de cuidados a doentes soropositivos e o
combate à doença.
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
Quadro 5.10: Planos de seguro de
saúde em Gana
O seguro de saúde formal é relativamente recente
em Gana, embora seja prestado apoio em épocas
de necessidade (p. ex., para cuidados de saúde
e por morte) há muitas décadas através de redes
informais tradicionais baseadas em capital social e
solidariedade. Apesar de haver cuidados de saúde
disponíveis, sobretudo prestações fornecidas
contra pagamento em numerário, preocupações
com as crescentes desigualdades inerentes ao
sistema são antigas e levaram recentemente à
implementação de um Plano Nacional de Seguro
de Saúde (NHIS).
Existem três tipos de seguro de saúde principais
no país: planos de seguro de saúde mutualistas
(ou comunitários) distritais (operam num distrito e
podem ser subscritos por todos os residentes do
distrito); 2) planos de seguro de saúde comerciais
privados (planos com fins lucrativos, não restritos
a uma região ou distrito específico, que podem
ser subscritos por todos os residentes em Gana);
e 3) planos de seguro de saúde mutualistas
(comunitários) privados (destinados a grupos de
pessoas específicos, por exemplo, membros de
um clube, de uma igreja ou de qualquer outra
organização).
Dados fornecidos pela sede do NHIS ganês
em Acra indicam que, em 2008, cerca de 12,5
milhões de ganeses, ou 61% dos 20,4 milhões
que compõem a população total do país, se
tinham inscrito no NHIS (NHIS, 2009). Os números
mais expressivos, em termos absolutos, são de
membros da região de Ashanti (2,8 milhões), da
região de Brong Ahafo (1,5 milhões), da região
metropolitana de Acra (1,4 milhões) e da região
oriental (1,4 milhões).
Do total de pessoas subscritas, cerca de 6,3
milhões (ou uma percentagem ligeiramente
superior a 50%) são crianças com menos
de 18 anos; 867.000 (6,9%) têm mais de 70
anos e 303.000 (2,4%) são classificados como
“indigentes”, estando todos, em princípio, isentos
do pagamento de contribuições.
A experiência ganesa mostra que um país,
cuja força de trabalho na economia informal
representa 90% da população ativa, pode
enfrentar com sucesso desafios como
financiamento insuficiente, baixa qualidade de
serviço e exclusão, através da introdução e
convergência progressiva de múltiplos planos
de proteção social de saúde que vão desde
programas comunitários a um serviço nacional
de seguro de saúde para diferentes grupos
populacionais. Esta experiência indica que a
garantia do acesso a todos os cidadãos, dando
simultaneamente prioridade aos pobres, é um
fator importante para o seu êxito.
OIT, 2010, p. 97
Quadro 5.11: Ajuda às pessoas
com HIV/AIDS no Uganda
A Organização de Apoio à AIDS (TASO), a famosa
organização ugandesa criada em 1987, facultou o
acesso de mais de 20.000 soropositivos a terapia
antirretroviral graças, sobretudo, aos esforços
de cerca de 1.500 trabalhadores comunitários
soropositivos que receberam formação no sentido
de prestar aconselhamento e sensibilizar os
seus pares para a importância de não abandonar
o tratamento. Perante o êxito da sua ação, a
TASO tornou-se um parceiro fundamental das
políticas nacionais de combate ao HIV/AIDS no
Uganda, e ajudou, sem dúvida, a reduzir a taxa de
soropositividade (que continua calculada em 6,7%
dos adultos na faixa etária dos 15-49 anos).
ONUSIDA, 2008; www.tasouganda.org e
Sidaction/ONUSIDA/OMS, 2005
DOCUMENTO DE TRABALHO
91
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
5.5 Reforço e ampliação do
diálogo social
A OIT define o diálogo social como todos os tipos
de negociação, consulta ou troca de informação
entre um ou mais representantes de governos,
empregadores e trabalhadores sobre temas
de interesse comum relacionados com política
econômica e social. O diálogo social tem como
principal objetivo promover a criação de consensos
e a participação democrática das principais partes
interessadas no mundo do trabalho. Estruturas e
processos de diálogo social bem-sucedidos têm o
potencial de resolver questões econômicas e sociais
importantes, encorajar a boa governança, promover
a paz e a estabilidade social e laboral, e fomentar o
progresso econômico. O diálogo social é um fator
crucial de coesão social entre os agentes de uma
sociedade. Especialmente em tempos econômicos
difíceis, a coesão social pode deteriorar-se em
resultado de uma concorrência acrescida entre os
trabalhadores.
Muitas OESS, porque são organizações comunitárias
e, por conseguinte, próximas das preocupações
que afetam as pessoas e as comunidades, estão
frequentemente bem posicionadas para detectar
o surgimento de problemas econômicos e sociais,
de grupos de risco e de novas necessidades.
As práticas das OESS, porque são inclusivas e
estimulam métodos de decisão e funcionamento
transparentes, desenvolvem uma cultura de diálogo
social que pode lançar uma nova luz sobre as
questões de governança. As estruturas de diálogo
social tripartite clássicas poderiam beneficiar de uma
consulta ou associação com OESS, bem como com
outros agentes da sociedade civil que representam
populações vulneráveis no mundo do trabalho (p. ex., mulheres, trabalhadores migrantes, grupos sem
proteção social, pessoas sem trabalho decente).
Uma melhor cooperação entre as OESS (p. ex.,
cooperativas) e outras organizações baseadas em
membros (p. ex., sindicatos ou organizações de
empregadores) pode trazer vantagens mútuas.
Por exemplo, os sindicatos palestinianos criaram
uma interface com as cooperativas, porque estão
interessados em sindicalizar os seus membros.
Por outro lado, as cooperativas podem resolver os
problemas da informalidade, um território ainda
92
DOCUMENTO DE TRABALHO
desconhecido para muitos sindicatos, porque
podem contribuir para alcançar algo parecido com
proteção laboral e seguridade social, em particular
nas áreas rurais (Escritório Regional da OIT para os
Estados Árabes).
No âmbito da OIT, a Aliança Cooperativa
Internacional (ICA) subscreveu um Memorando
de Entendimento (2003) com a OIT e beneficia
de estatuto consultivo nos organismos da OIT
(Conselho de Administração e Conferência
Internacional do Trabalho, em conformidade com
Constituição da OIT (artigo 12.º, §3). No plano
europeu, a Cooperative Europe (Região Europeia
da CIT) lidera um conjunto de ações destinadas a
reforçar a participação das cooperativas no diálogo
social europeu e a obter reconhecimento como
parceiro social transetorial pela Comissão Europeia
(Cooperative Europe, 2007).
Períodos de crise são acompanhados por planos
de recuperação e por planos de reforma dos
sistemas que contribuíram para a crise. Para
garantir que estas reformas são relevantes, esses
planos devem ser elaborados em conjunto com
os parceiros sociais, bem como em consulta com
outros agentes econômicos, incluindo agentes
de ESS. As reformas elaboradas por este método
merecem uma maior adesão das várias partes
interessadas o que, por seu turno, facilitará a
aplicação. A associação de parceiros sociais e de
OESS em medidas de monitoramento e avaliação
destas políticas públicas e outras negociações
a nível empresarial, setorial ou intersetorial só
pode melhorar a apreciação dos resultados e dos
ajustamentos a introduzir. Processos recentemente
lançados para projetar, implementar e avaliar
estratégias de redução da pobreza demonstraram
que as OESS, e as cooperativas em particular, nem
sempre têm estado envolvidas nos procedimentos
(Develtere & Pollet, 2008); isto pode ser
explicado por uma ausência de estruturas
federativas (verticais) nas cooperativas.
É, no entanto, particularmente importante
consultar as OESS no âmbito das negociações em
curso sobre planos de recuperação, porque estas
organizações estão centradas no desenvolvimento
econômico e social de longo prazo, por vezes
em maior profundidade que outros agentes
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
da sociedade civil, e porque são apoiadas pela
confiança dos seus membros, beneficiários e
utilizadores.
Por último, é importante ampliar o diálogo social
através de uma consulta de OESS que inclua
não só o plano nacional, mas também os planos
supranacional e internacional. Negociações
a estes níveis, bem como práticas de diálogo
social inovadoras, permitirão encontrar soluções
conjuntas para a crise econômica e financeira no
curto e no médio prazo.
5.6 Conclusões principais
As OESS, graças aos seus objetivos sociais e
econômicos combinados e aos seus princípios
de funcionamento, estão bem posicionadas para
dar a sua contribuição às políticas e desafios do
desenvolvimento, como estratégias de redução
da pobreza e objetivos de desenvolvimento do
milênio.
As OESS contribuem ou poderiam reforçar
a sua contribuição para a implementação de
um quadro internacional específico, a Agenda
de Trabalho Decente e os seus quatro pilares:
normas laborais e direitos no trabalho, emprego
decente e renda, proteção social e diálogo social.
Enquanto empregadoras, as OESS promovem as
normas laborais e os direitos no trabalho através
de mecanismos organizacionais participativos.
Também desempenham um papel fundamental
junto de grupos vulneráveis que veem negados
os seus direitos laborais (p. ex., trabalhadores
informais, trabalhadores migrantes, crianças que
trabalham).
Dado que as OESS perseguem objetivos
econômicos e sociais, elas desempenham
um papel importante na criação e garantia de
emprego decente e de renda. As cooperativas
têm sido tradicionalmente empregadoras
importantes no domínio da ESS em vários países
do Norte e do Sul. As OESS também contribuem
significativamente para facultar o acesso a
recursos (financiamento social), para criar
mercados (comércio justo, empregos verdes) e
para proporcionar educação e formação.
Oferecem ainda inúmeras oportunidades de
ajudar a formalizar algumas unidades informais
ao abrigo de estruturas organizacionais sociais
e solidárias e a melhorar o desenvolvimento das
economias locais.
Nos países do Norte, as OESS já são importantes
fornecedoras de planos de proteção social (p.
ex., seguros de saúde). Nos países do Sul, onde
existe um enorme déficit de proteção social, as
OESS (p. ex., mutualidades) procuram tornar
os planos de proteção social eficazes, baratos e
acessíveis a um vasto conjunto de pessoas que
não estão abrangidas pelos planos de seguridade
social existentes. Em alguns países, estes
esforços são articulados com reformas globais
dos sistemas de proteção social a nível nacional.
Também em outros domínios, como o HIV/
AIDS, as OESS fornecem serviços inovadores a
soropositivos e contribuem para a aplicação de
políticas de saúde públicas.
Os métodos de decisão e funcionamento
inclusivos e transparentes que caracterizam
as OESS marcam uma cultura de diálogo que
poderia lançar uma nova luz sobre questões
associadas à governança e ao diálogo social. As
estruturas de diálogo social tripartite clássicas
poderiam beneficiar de uma consulta ou
associação com OESS, bem como com outros
agentes da sociedade civil que representam
populações vulneráveis no mundo do trabalho. A
colaboração entre os parceiros sociais clássicos
e as OESS poderia ser reforçada no âmbito
de esforços conjuntos para resolver questões
econômicas sociais.
DOCUMENTO DE TRABALHO
93
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DOCUMENTO DE TRABALHO
ACADEMIA SOBRE A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA
DOCUMENTO DE TRABALHO
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