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CINEMA
NAS TELONAS, UMA LEVA DE BONS FILMES QUE TÊM A HISTÓRIA COMO PANO DE FUNDO
retrato
WWW.RETRATODOBRASIL.COM.BR | R$ 9,50 | NO 68 | MARÇO DE 2013
doBRASIL
TECNOLOGIA
A RB68capaPSD.indd 1
GRANDES ECONOMIAS MUNDIAIS QUEREM REDUZIR O EMPREGO DE BAIXO SALÁRIO
28/02/13 09:00
retrato
doBRASIL
WWW.RETRATODOBRASIL.COM.BR | N O 68 | MARÇO DE 2013
FALE CONOSCO:
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Reprodução
5 Ponto de Vista
A ÁFRICA AMERICANA
O novo imperialismo mira os recursos
naturais do continente, mas diz que suas
intervenções têm razões humanitárias
ATENDIMENTO AO ASSINANTE
[email protected]
tel. 31 | 3281 4431
de 2a a 6a, das 9h às 17h
8 SUPREMA IRONIA
Entenda o que está em jogo no conflito
de Mali, um dos países mais miseráveis do
planeta
[Armando Sartori]
12 PALESTINOS FORA
Em Israel, com os partidos de centro
levando a melhor nas eleições, a questão
árabe ficou de lado
[Tânia Caliari]
16 QUEM DEVE CONTROLAR
O SISTEMA QUE CONTROLA?
A “governabilidade da internet” provocou
divisão na Conferência de Telecomunicações
de Dubai
[Thiago Domenici]
18 A GRANDE ARTE DE
JOAQUIM BARBOSA
Como o presidente do STF armou as
condenações de João Paulo Cunha e de
dirigentes da agência SMP&B
Reprodução
[Raimundo Rodrigues Pereira]
CARTAS À REDAÇÃO
[email protected]
Praça da República, 270 - Sala 108 - Centro
cep 01045-000 são paulo - sp
28 AS LIÇÕES DO
GUERRILHEIRO MARIGHELLA
Entre em contato com a redação
de Retrato do Brasil.
Dê sua sugestão, critique, opine.
Reservamo-nos o direito de editar
as mensagens recebidas para
adequá-las ao espaço disponível
ou para facilitar a compreensão.
Obra biográfica escrita por Mário Magalhães
lembra, entre outros episódios, as ameaças
atuais contra o PT
Retrato do BRASIL é uma publicação
mensal da Editora Manifesto S.A.
[Markus Sokol]
EDITORA MANIFESTO S.A.
PRESIDENTE
Roberto Davis
DIRETOR VICE-PRESIDENTE
Armando Sartori
DIRETOR EDITORIAL
Raimundo Rodrigues Pereira
31 CONCESSÕES À MODA ALEMÃ
O governo estuda flexibilizar os direitos
trabalhistas com apoio da CUT e dos
metalúrgicos do ABC
[Téia Magalhães]
34 SEIS FILMES E UMA HISTÓRIA
Safra de produções recentes ensaia formas
diversas de colocar na tela a História com
letra maiúscula
[Leandro Saraiva]
38 TEMPOS MODERNOS
Os EUA querem tornar obsoleta a mão de
obra barata. China, Alemanha e outros
países também
[Flávio de Carvalho Serpa]
42 O FORRÓ E SUAS METAMORFOSES
Livro sobre forrozeiros ajuda a entender as
transformações das danças e músicas dos
camponeses nordestinos
[Renato Pompeu]
44 “MINHA PÁTRIA É
A LÍNGUA PORTUGUESA”
O adiamento, pelo Brasil, da vigência
plena do acordo ortográfico com Portugal
e demais países lusófonos criou celeuma
EXPEDIENTE
SUPERVISÃO EDITORIAL
Raimundo Rodrigues Pereira
EDIÇÃO
Armando Sartori
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO
Thiago Domenici
REDAÇÃO
Lia Imanishi • Sônia Mesquita • Tânia
Caliari • Téia Magalhães
EDIÇÃO DE ARTE
Pedro Ivo Sartori
REVISÃO
Silvio Lourenço [OK Linguística]
COLABORARAM NESTA EDIÇÃO
Caco Bressane • Flávio de Carvalho Serpa
• Leandro Saraiva • Markus Sokol • Renato
Pompeu • Ricardo Viel
ILUSTRAÇÃO DA CAPA
Caco Bressane
REPRESENTANTE EM BRASÍLIA
Joaquim Barroncas
ADMINISTRAÇÃO
Mari Pereira • Maria Aparecida Carvalho •
Mariluce Prado • Neuza Gontijo
DISTRIBUIÇÃO EM BANCAS
Global Press
[Ricardo Viel, de Lisboa]
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Mensalão
a grande arte de
joaquim barbosa
Como o atual presidente do Supremo Tribunal Federal armou as condenações de
João Paulo Cunha e dos dirigentes da agência SMP&B por um suposto desvio de
dinheiro da Câmara dos Deputados
por Raimundo Rodrigues Pereira
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Está no YouTube, na sessão do dia 16 de
de agosto no julgamento da Ação Penal
470 no STF. O ministro relator já falou
por mais de três horas apresentando
seu voto pela condenação de João Paulo
Cunha e da agência de publicidade SMP&B,
quando revela um argumento do Tribunal
de Contas da União que o contradiz
completamente. Então ele tem uma espécie de
surto, sai do script, gesticula freneticamente
enquanto ataca a corte de contas
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O DIABO MORA nos detalhes, é o ditado. Para tentar entender a condenação
de João Paulo Cunha e dos dirigentes da
agência de publicidade mineira SMP&B
por desvio de dinheiro público num
contrato de publicidade de 10,7 milhões
de reais assinado pelo então presidente
da Câmara dos Deputados e a agência
no final de 2003, sugerimos que o leitor
comece revendo um curto trecho da 31ª
sessão do julgamento da Ação Penal 470
(AP 470) no Supremo Tribunal Federal,
no dia 16 de agosto do ano passado.
Esse detalhe está perto do final da fala
do ministro Joaquim Barbosa, o relator
da ação. Barbosa falara praticamente
sozinho durante quase quatro horas. Sua
fala fora repetitiva, pesada. Ele apresentou e reapresentou fatos que provariam
a justeza de sua condenação. Cunha, o
principal acusado, teria cometido quatro
crimes: um de corrupção passiva, por ter
recebido propina de 50 mil reais; outro,
de lavagem de dinheiro, por ter tentado
ocultar o recebimento dessa vantagem; e
dois de peculato: um por ter se beneficiado de dinheiro público, cerca de 250 mil
reais da Câmara, através da contratação
de um assessor pessoal, e outro porque
teria repassado cerca de 1,1 milhão de
reais, também da Câmara, não para a
SMP&B, mas, na verdade, para o PT.
Os 20 segundos escolhidos pelo
repórter estão perto do final da sessão.
Podem ser vistos no YouTube: AP 470,
16/08/12, 2/2. É a segunda parte da
sessão. Barbosa está cansado, nervoso,
como se pode ver nos 11 fotogramas
da página ao lado tirados desses 20 segundos. Ele vinha lendo pausadamente
seu voto – longuíssimo, 159 páginas.
Teria provado, como escreveu à página
75 e leu para o plenário, que “o crime”
estava “materializado”. Cunha teria
desviado a maior parte do dinheiro da
Câmara para o PT por ter contratado
a agência SMP&B para que não fizesse
praticamente nada. Dos quase 11 milhões pagos pela Câmara no contrato,
menos de um centésimo seria trabalho
feito efetivamente pela agência.
O cronômetro no YouTube marca
1h03min10s, ou seja, essa segunda parte
da sessão já tem uma hora, três minutos
e dez segundos de duração. Aparentemente, então, Barbosa percebe que é
preciso destacar também o contraditório,
a defesa de Cunha. Cita, nesse sentido,
um trecho da conclusão do acórdão 430
do Tribunal de Contas da União (TCU),
de 2008: o trabalho efetuado pela agência
tem um valor maior, 11,32% do contrato.
E, então, de repente, como se percebesse
a extensão da diferença entre o que vinha
afirmando e o que o TCU diz – 11% é
mil vezes 0,01% –, interrompe a leitura,
ergue a cabeça, sai do script e, como se
falasse diretamente para o espectador
da TV Justiça, que transmite a sessão,
fala, gesticulando rapidamente com o
indicador da mão direita, com a mão
inteira e com todo o braço: “Uma secretaria disse uma coisa... o que eu já citei”.
Ri rapidamente e conclui: “Foi trocada
toda a equipe, que posteriormente diz o
contrário”.
Com isso, claramente, o ministro
Barbosa tentou passar para o País a
tese de que a absolvição de Cunha e
da SMP&B pelo TCU fora armada.
No entender do repórter, isso é uma
insinuação grosseira, sem fundamento.
E é pouco provável que Barbosa mantenha esse improviso no acórdão com
a sentença a ser publicada, a princípio,
até o final deste mês de março. Não foi
o TCU que tentou armar a absolvição
dos acusados. Foram as artes do ministro
que construíram a condenação do STF.
Para condenar, Barbosa selecionou,
basicamente, informações dos meses
após o 6 de junho de 2005, quando foi
feita a denúncia do deputado Roberto
Jefferson sobre a existência do chamado
“mensalão”, e desprezou as principais
investigações feitas – das quais a do TCU
é apenas uma – que provam exatamente
o contrário, isto é, que não houve desvio
de dinheiro da Câmara dos Deputados
no contrato da Câmara com a SMP&B.
Cunha, um parlamentar com sete mandatos populares – de vereador, deputado
federal e estadual –, com uma carreira
sem mácula, foi condenado a nove anos
e quatro meses de prisão. A SMP&B era
até então uma das principais empresas de
publicidade do País, com mais de 30 anos
de atividades. Foi destruída: em menos
de dois meses não tinha mais condições
de funcionamento e demitiu todos os
seus quase 200 funcionários.
A condenação de Cunha por corrupção e o suposto desvio de dinheiro da
Câmara, logo na primeira sentença da AP
470, criaram o clima para o que alguns já
chamam hoje, como veremos no último
capítulo de nossa história, o “mentirão”,
um julgamento com condenações por
indícios, não por provas. No caso de
Cunha foi até pior: ele foi condenado
contra as provas. Ele provou que os 50
mil reais recebidos eram de um esquema
de caixa dois do PT e apresentou as testemunhas e os recibos de que gastou esse
dinheiro com pesquisas eleitorais. Mas
a maioria dos juízes preferiu condenálo pelo que supunha ter acontecido. A
ministra Cármen Lúcia, por exemplo,
disse que achava que ele tentou esconder
o fato de ter recebido os 50 mil por ter
mandado sua esposa, Márcia Regina,
receber o dinheiro e tê-lo feito às claras,
deixando recibo.
A GRANDE INVESTIGAÇÃO DA CÂMARA
Ela resultou de pedido do próprio João Paulo Cunha. Foi de 2005
a 2011 e concluiu: não houve qualquer desvio de dinheiro público
Para entender os interesses políticos por trás do escândalo chamado
“mensalão”, um episódio a ser revisto,
mesmo que rapidamente, é a eleição do
pernambucano Severino Cavalcanti, do
Partido Progressista (PP), a presidente
da Câmara dos Deputados em meados
de fevereiro de 2005. Severino ganhou
a eleição porque o PT se dividiu e apresentou um candidato dissidente, Virgílio
Guimarães (PT-MG), no mesmo pleito.
Severino, com 124 votos, e Virgílio,
com 117, tinham sido derrotados no
primeiro turno pelo candidato oficial
do PT, Luiz Eduardo Greenhalgh, que
tivera 207 votos. No segundo turno,
Severino bateu Greenhalgh por 300 a
195 votos. Virgílio foi o homem que
apresentou Marcos Valério, mineiro de
Curvelo como ele e diretor financeiro
das empresas de publicidade DNA e
SMP&B, a Delúbio Soares, o tesoureiro
do PT, a quem Valério ajudou na tarefa
de obter dinheiro para o partido.
Na nossa história, a candidatura de
Virgílio contra o candidato oficial do
seu partido serve para ressaltar o fato
conhecido de que o PT é formado por
várias correntes. O grande apoio a Severino e a baixa votação de Greenhalgh no
segundo turno mostram ainda que a já
então chamada base aliada estava longe
de ser petista. A vitória de Severino, a
rigor, foi o fato que puxou o enredo da
trama política para um lado: contra o PT
e a favor da invenção do “mensalão”.
No caso da Câmara, ajudou a criar a
historinha contra o ex-presidente da
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ABr
casa. Da assessoria do pernambucano
emerge Alexis Souza, o operador na
produção do principal documento usado
por Barbosa na condenação de Cunha e
dos dirigentes da agência SMP&B.
Alexis é um funcionário da Câmara
ligado ao PP. Com Severino na presidência, Alexis foi para a chefia da Secretaria
de Controle Interno (Secin) da Câmara.
Quando Severino renunciou à presidência, sete meses depois, Alexis tornou-se
assessor da bancada de deputados do PP.
Até meados de fevereiro estava no gabinete da vice-presidência da Câmara, ocupada pelo deputado Eduardo da Fonte,
também do PP de Pernambuco, como
Severino. Foi lá que Alexis conversou
com RB no início de fevereiro. Pouco
antes, o repórter desta história tinha
revisto, no YouTube, a condenação de
Cunha por Barbosa e citou para Alexis
o fato de o ministro ter destacado o seu
documento na condenação. Aparentemente, Alexis ficou orgulhoso com o
reconhecimento, mas pediu para que não
fossem registradas as avaliações que fez
inicialmente sobre a natureza política do
“mensalão”. Sua presença se destaca na
história contada a seguir primeiro pelo
relatório e depois por seus depoimentos
nos autos da grande investigação feita
pela Câmara dos Deputados a respeito
do contrato SMP&B-Câmara assinado
em dezembro de 2003.
A investigação começou com um
pedido formal do deputado Cunha a
Severino: que a Câmara oficiasse ao
Tribunal de Contas da União para ser
feita uma investigação do contrato. O
pedido foi feito a 7 de julho de 2005,
logo que Cunha foi apontado como
receptor de dinheiro do chamado
valerioduto e surgiu a tese de que isso
20
fora uma propina para ele aprovar o
contrato com a SMP&B. Severino não
só encaminhou o pedido ao TCU como
deu ordem a Alexis, segundo o próprio
repete em seus depoimentos, para realizar uma investigação sobre o caso.
E o chefe da Secin a fez, de imediato.
Quando, de 25 de julho a 3 de agosto
de 2005, o TCU mandou uma equipe
da sua Terceira Secretaria de Controle
Externo (3ª Secex) à Câmara para uma
investigação inicial, Alexis repassou a
essa equipe as conclusões a que tinha
chegado. O trabalho da 3ª Secex seguiu
em frente e foi desembocar no acórdão
Cunha pediu que
Severino pedisse
uma investigação
ao TCU. Severino
pediu esta e mais
outra: a de Alexis
430 do TCU, de 2008, que absolve
Cunha e a SMP&B. Esse acórdão é
o mesmo torpedeado pela diatribe de
Barbosa citada no início deste artigo.
A investigação e as conclusões do TCU
serão examinadas no segundo capítulo
de nossa história. Por enquanto, se
descreverá a investigação da Câmara,
que começa com o relatório de Alexis
e é a que o repórter considera mais
importante.
O relatório final dessa investigação
é de 26 de fevereiro de 2010 e está ao
final do oitavo volume de um conjunto
de 1.929 páginas. Basicamente, ela se
desenvolve em três etapas: 1) a iniciada
com o pedido de Cunha, a 7 de julho
de 2005, e comandada por Alexis, que
produz dois relatórios: um dois meses
depois, em setembro, e outro, a seguir, em outubro; 2) a conduzida pelo
Núcleo Jurídico da administração da
Câmara, entre o final de 2005 e meados de 2006; 3) e a que se passa daí em
diante, conduzida por uma Comissão
de Sindicância (CS) criada pela direção
administrativa da Câmara na época em
que era presidente da Casa o deputado
Aldo Rebelo (PCdoB-SP). Como as comissões de sindicância só podem, pelo
estatuto da Câmara, funcionar por 30
dias, prorrogáveis por mais 30, a rigor
foram nomeadas oito dessas comissões,
sempre com o mesmo presidente e praticamente com os mesmos funcionários,
o que permite considerá-las uma só.
Nas suas conclusões finais, a CS diz
que sua investigação consumiu 480 dias
de trabalho, descontados os 1.115 dias
nos quais os autos tramitaram entre os
diversos órgãos interessados, que são: a
Comissão de Ética e Decoro Parlamentar
da Câmara, na qual Cunha foi julgado
e absolvido; a Comissão Parlamentar
Mista de Inquérito (CPMI) dos Correios,
cujo relatório foi publicado no início de
2006 e enviado à Procuradoria-Geral da
República (PGR); a Polícia Legislativa
da Câmara, que fez inquéritos sobre a
denúncia de crimes que teriam sido cometidos na apresentação de propostas e
na execução dos contratos; a Procuradoria-Geral da República, que apresentou
a denúncia contra Cunha e outras 39
pessoas do grupo dos chamados “mensaleiros” ao Supremo Tribunal Federal,
logo depois do relatório da CPMI; e,
finalmente, o próprio STF, por meio do
ministro Joaquim Barbosa, que presidiu
o inquérito da PGR e, após a aceitação da
denúncia pela corte suprema, tornou-se
o relator da AP 470.
Não existe a menor dúvida de que
a CS foi criada para ajudar a esclarecer
a denúncia básica do “mensalão”: a de
que o PT usara dinheiro público para
realizar seu projeto político pela compra
de voto dos parlamentares. E, a esse
respeito, também não existe a menor
dúvida nas quase 2 mil páginas dos autos:
o contrato da Câmara com a SMP&B
foi absolutamente legal, os pagamentos
à agência estavam de acordo com os
termos contratados e todos os trabalhos
previstos nele foram realizados.
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Reprodução
ABr
Não é o que disse e repete Alexis. A
primeira parte do seu relatório, entregue a 28 de setembro de 2005, condena
completamente a licitação feita durante
a gestão de Cunha. Ela não teria um
objeto bem definido, não incluiria um
indispensável parcelamento de tarefas
e teria a participação de empresas com
sinais de conluio entre si. A licitação
teria sido, ainda, julgada por critérios
subjetivos, entre os quais o preconceito
da comissão licitante contra uma das
concorrentes, a empresa Ogilvy, por ela
ter adquirido a Denison Propaganda,
vencedora de licitação semelhante realizada em 2001, quando o presidente da
Câmara era Aécio Neves (PSDB-MG).
No segundo documento, de outubro,
Alexis analisa sete de 52 processos de
compra de serviços conduzidos pela
SMP&B através de tomada de preços
entre três fornecedores para cada compra e diz ter encontrado neles inúmeros
sinais de irregularidade, entre os quais:
a presença de empresas de existência
duvidosa; a falsificação de propostas
de serviços para simular concorrência;
a introdução de elementos estranhos
em pesquisa de opinião pública, com
perguntas que citavam o ex-chefe da
Casa Civil José Dirceu e o próprio presidente da Câmara, João Paulo Cunha;
e, finalmente, a falta de comprovação
da veiculação de anúncios em 76 jornais do interior. Nesse segundo documento, Alexis faz também a avaliação
que, depois, o ministro Barbosa usaria
com, digamos, uma ênfase exagerada.
Alexis diz que a SMP&B não tinha feito
praticamente nada: 99,9% dos serviços
do contrato teriam sido terceirizados.
Barbosa multiplicou isso por, como
diriam os matemáticos, 10-1 (10 à potência menos 1): em vez de a agência
ter feito apenas 0,1%, um décimo por
cento dos serviços, teria feito apenas
0,01%, um centésimo por cento dos
serviços.
Alexis entregou esse segundo relatório com Severino já fora do comando da
Casa, depois da posse de Aldo Rebelo, a
28 de setembro de 2005. Logo a seguir,
a revista Época, semanário das Organizações Globo, de 28 de novembro publica matéria dizendo que Alexis havia
entregado, ao novo presidente, carta de
renúncia a seu mandato na Secin, que
só terminaria em 2006. Seu relatório
é, visivelmente, a base da matéria, que
diz haver “fraudes e mais fraudes” no
contrato em discussão. Tudo indica,
no entanto, que Alexis nem chegou a
ser efetivamente secretário de Controle
Interno da Câmara. O deputado Cunha
pretende entrar com um embargo ao
acórdão a ser publicado pelo STF com
sua condenação, no qual declarará que
o relatório de Alexis é nulo de pleno
direito porque ele não foi nomeado
efetivamente diretor da Secin. Foi indicado para o cargo por Severino, mas
a nomeação não se consumou porque
necessitava de aprovação dos outros
integrantes da mesa da Câmara e isso
não ocorreu. E, a despeito de Joaquim
Barbosa dizer que o relatório de Alexis
era de um colegiado, a investigação da
Câmara não conseguiu esclarecer quem
elaborou o relatório com ele, embora
repetidamente lhe tenha pedido esses
nomes. O relatório só tem a assinatura
de Alexis, que alega ter sido isso uma
decisão sua, para proteger de represálias
os demais participantes.
O debate do relatório de Alexis
continuou na Câmara após sua saída da
Secin. No final de 2006, a Câmara decidiu instalar a CS já citada, que só começou a funcionar meio ano depois, como
vimos. Enquanto isso não ocorria, a
9 de novembro, o Núcleo Jurídico da
casa encaminhou o relatório de Alexis
para os cinco membros da Comissão
Especial que havia realizado a licitação
do contrato. Num documento assinado por todos os cinco, essa comissão
refutou as acusações ponto por ponto.
No essencial, disse que o contrato era
a cópia melhorada do que havia sido
usado pela Câmara para a licitação que
acabara resultando na contratação da
agência de publicidade Denison em
2001, quando o presidente era o mineiro Aécio Neves. Esse contrato
O PT SE DIVIDE, PERDE A CÂMARA E, DA BASE ALIADA, NASCE O “MENSALÃO”
A eleição de Severino Cavalcanti (PP-PE) a presidente da Câmara dos Deputados,
em fevereiro de 2005, criou uma das bases para a invenção do “mensalão”. A vitória do pernambucano foi tornada possível pela divisão do PT, que apresentou dois
candidatos: Luiz Eduardo Greenhalgh, o oficial, e Virgílio Guimarães, o dissidente,
cujo cartaz se vê na foto. Severino era da chamada “base aliada”, mas o auxiliar
nomeado por ele para dirigir a Secretaria de Controle Interno da Câmara (Secin) foi
o articulador do relatório que é a principal peça do ministro Barbosa para torpedear
decisão do Tribunal de Contas da União de 2008 que absolveu tanto Cunha como a
SMP&B. A vitória de Cunha, em 2003, na foto da página à esquerda, a de Severino,
ao alto e, ao lado, numa montagem publicada na internet, Severino faz o V de Vitória
diante do cartaz de Virgílio, na campanha de 2005.
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também previa o pagamento, por parte
da Câmara, de três tipos de serviços a
serem produzidos ou supervisionados
pela agência: 1) os de criação própria de
peças publicitárias; 2) os de supervisão
de serviços de terceiros, que não os de
veiculação de publicidade; e 3) os de
veiculação de publicidade. Em relação
à criação própria, a Câmara pagaria
com base numa tabela de preços do
Sindicato das Agências de Propaganda do Distrito Federal, e a SMP&B
daria um desconto de 80% sobre o
total. Sobre os serviços de terceiros, a
agência receberia uma comissão de 5%.
Quanto à veiculação de publicidade,
dos descontos de 20% normalmente
concedidos pelos veículos – TVs, jornais, revistas –, 5% seriam repassados
à Câmara pela agência.
Feitas as contas, como faria depois
o ministro revisor da AP 470, Ricardo Lewandowski, no julgamento do
caso, chega-se à conclusão de que os
trabalhos da SMP&B, pelos termos do
contrato, valeram: 948,3 mil reais pelo
serviço de acompanhamento e planejamento da veiculação de publicidade;
129,5 mil reais pela comissão devida ao
acompanhamento de serviços de terceiros; e 14,6 mil reais pelos trabalhos próprios de criação (veja as conclusões de
Lewandowski no quadro com sua foto,
nesta página). Por esse detalhamento
feito pelo ministro revisor, fica evidente
que a conta de Barbosa para chegar ao
0,01% implicou excluir os outros dois
rendimentos aos quais a SMP&B tinha
direito pelo contrato e considerar apenas os 14,6 mil reais. Foi uma contabilidade criativa, digamos, mas não muito
honesta. Nos autos estava também, para
comparação, o contrato feito antes, em
2001, pela Câmara, ganho pela agência
Denison. Como deu um desconto de
100% nos trabalhos próprios, a Denison, pelo critério de Barbosa, não fez
absolutamente nada.
No total, o valor dos serviços da
SMP&B, por contrato, é de 1,09 milhão
de reais, ou 11,32% do total de 10,7
milhões, como dizem Lewandowski
A CONDENAÇÃO É “CEREBRINA”, NÃO TEM QUALQUER BASE
TÉCNICA, DIZ O MINISTRO
quarto, com 251 mil. Na lista das editoras de jornais e
revistas, a Abril, da revista Veja, ficou em primeiro, com
334 mil; os diários O Estado de S. Paulo e Folha de S.Paulo
aparecem em segundo, cada um com 247 mil; e a Editora
Globo, em terceiro, com 166 mil.
Lewandowski disse que a acusação, repetida diversas
vezes por Barbosa, de que a SMP&B realizara “serviços
ínfimos”, não dera “praticamente nenhuma contrapartida”
pelo contrato, fora “mera recebedora de honorários” e
que a finalidade do contrato era “repassar dinheiro para
a agência”, era “cerebrina”, não tinha “qualquer base
técnica” e a licitação fora “absolutamente lícita e regular”.
Reprodução You Tube
No voto com o qual reviu a condenação de Joaquim Barbosa
ao petista Cunha e à SMP&B, o ministro Ricardo Lewandowski
apresentou a relação minuciosa dos veículos de comunicação
contratados pela Câmara por meio da agência, citando expressamente todos os principais jornais e redes de TV do País.
Em sua lista, tirada dos recibos encontrados nos autos,
entre as empresas de TV, a Globo veio à frente, por ter
recebido 2,7 milhões de reais do total de 7 milhões gastos
na campanha; o SBT ficou em segundo, com 708 mil reais;
a Record, em terceiro, com 418 mil; e a Bandeirantes, em
e o TCU, e não 0,1%, como diz o
relatório de Alexis, nem muito menos
0,01%, como disse Barbosa no seu
frenesi acusatório. Os cinco membros
da Comissão de Licitação afirmaram
também que as eventuais fraudes na
apresentação de propostas tinham sido
encaminhadas para a Polícia Legislativa
da Câmara dos Deputados (PL-CD) e
estavam sendo investigadas. A Secretaria de Comunicação Social da Câmara
(Secom) tinha sido dirigida na gestão
de Cunha por Márcio Araújo, também
integrante da Comissão de Licitação e
um dos principais responsáveis pelos
problemas encontrados na licitação e
aplicação do contrato, segundo Alexis.
O setor jurídico da Câmara mobilizou, então, a nova direção da Secom,
da gestão Rebelo, para responder
às acusações de pagamentos feitos
indevidamente. Eram várias. Uma se
referia a campanha de cerca de 850 mil
reais com anúncios de promoção das
atividades da Câmara em 153 jornais,
sendo 76 deles fora das capitais. Esse
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montante correspondia a 21% do valor
total dos anúncios, mas seus comprovantes não tinham sido localizados e
constava no relatório de Alexis a suspeita de que fossem falsos. Em meados
de janeiro de 2006, no entanto, a nova
Secom encontrou a grande maioria das
comprovações e ficou faltando apenas
uma dúzia delas.
Perto do final de 2006, a CS apresentou seu primeiro relatório. Resumiu
toda a história: as alegações do relatório de Alexis, o exame que o então
diretor da Secin fez nos contratos de
compra de serviços e materiais e das
veiculações de publicidade e as primeiras conclusões da 3ª Secex do TCU. E
concluiu: 1) quanto à elaboração do
edital: “nada” havia de desabonador; 2)
quanto ao tipo de licitação, com base
na chamada “melhor técnica”, que o
relatório de Alexis considerara muito
subjetivo: o tipo de melhor técnica,
por se tratar de trabalho intelectual,
era, de fato, o mais indicado, como já
fora na licitação de 2001. Além disso,
a SMP&B assumira o menor preço
entre os apresentados por mais sete
concorrentes; 3) e, quanto à avaliação
das propostas de compra de serviços
e materiais: “não encontrou nenhuma
irregularidade administrativa”. Por fim,
a conclusão da CS era que o processo
deveria ser encerrado e os autos, arquivados.
A CS deixou aberta, no entanto, a
questão da investigação de eventuais
fraudes na apresentação de propostas
para as compras de serviços e materiais,
a despeito de todas as compras e serviços terem sido considerados realmente
feitos. Para saber se as propostas falsas
existiram e se teriam falseado a concorrência em um conluio de perdedores
com ganhadores se deveria constituir
uma nova Comissão de Sindicância.
Aparentemente, a investigação, do ponto de vista da apuração do “mensalão”,
o “crime histórico” do suposto desvio
de dinheiro público para o PT, estava
encerrada. Restavam malfeitos de detalhe numa concorrência como muitas outras. A apresentação de propostas falsas
para simular concorrência não deveria
ser tolerada, mas faria parte de outra
investigação, menor. Possivelmente, é
a aceitação da denúncia do “mensalão”
pelo STF, em agosto de 2007, que leva
à reinstalação da Comissão de Sindicância por mais seis períodos de dois
meses cada, três no mandato de Arlindo
Chinaglia (PT-SP) como presidente da
Câmara (2007-2008) e mais três no de
Michel Temer (2009-2010).
No entanto, como a CS foi praticamente a mesma, como se disse, o que
ela faz é basicamente eliminar uma lista
de problemas remanescentes, especialmente quanto às fraudes porventura
existentes nas propostas perdedoras e
os anúncios da campanha da Câmara
publicados em jornais do interior cujos
comprovantes ainda não tinham sido
todos encontrados. Os trabalhos nesse
período têm esse sentido e a CS resolve
encerrá-los definitivamente no início
de 2010, como citado. Faz, então, um
balanço final dessas pendências: tinham
sido analisados os 40 procedimentos
de contratação de compras e serviços,
impugnados, de modo geral, pelo relatório de Alexis. Os ganhadores dessas
contratações tinham executado todos
esses contratos e apresentado as notas
Não há ilegalidade,
diz a Comissão de
Sindicância
convocada e
reconvocada
oito vezes
fiscais correspondentes. À base de três
propostas para cada contratação, eram
119 empresas – uma delas havia apresentado duas propostas. A CS oficia
então a todas as 79 empresas perdedoras para saber se realmente tinham
apresentado as propostas derrotadas e,
assim, confirmar a existência, de fato, de
concorrência. Resultado da consulta: 11
empresas não foram localizadas, 24 não
mandaram resposta e 44 responderam,
das quais 36 confirmaram as propostas
em poder da comissão e seis não confirmaram.
Que mais a sindicância da Câmara
deveria fazer? Já tinha concluído que
a licitação vencida pela SMP&B fora
benfeita e os serviços tinham sido
executados sem que tivesse havido
qualquer desvio de dinheiro público.
Do ponto de vista do que deveria ser o
objetivo central do STF, provar ou não
se houve o famoso “mensalão” – em
essência, o desvio de dinheiro público
da Câmara para a compra de votos
pelo PT –, o caso estava liquidado.
A sindicância deveria prosseguir para
apurar todos os eventuais malfeitos nas
40 contratações, para descobrir se os
seis que negaram ter feito as propostas
tinham sido substituídos por falsários
e se os 35 que não foram localizados
ou não responderam tinham, talvez,
algo a esconder? Um exemplo de uma
investigação dessas que foi bem longe
sem qualquer resultado razoável foi feita num contrato de produção de textos
para a primeira-secretaria da Câmara,
na época ocupada pelo deputado Geddel Vieira Lima, vencido pela empresa
GLT com uma proposta de 10 mil
reais mensais e perdido pelas empresas
Cogito e Agenda, que apresentaram
propostas de 11 mil e 11,3 mil reais
mensais, respectivamente.
O diligente Alexis diz, em depoimento de junho de 2008 à PL-CD, que
teria sido avisado pelo TCU, logo após
o início de sua investigação, de que a
proposta da Cogito tinha sido assinada
por uma funcionária da Câmara, o que
implicaria uma contravenção penal.
Afirma ainda que, por esse motivo, ouviu a funcionária e a encaminhou para
exame grafotécnico depois de ela negar
ter assinado o documento.
Essa investigação prosperou. Foi
aberto um inquérito policial pela PLCD e localizados os dirigentes das três
empresas, que se submeteram a exame
grafotécnico. Abriu-se também um inquérito na Polícia Federal (PF). Dois de
seus agentes foram a Belo Horizonte
para ouvir uma funcionária da SMP&B
sobre o caso. Nos autos da investigação
da Câmara, essa história desaparece
depois que o dirigente da GLT, a
empresa da proposta vencedora, não
comparece para prestar depoimento e
apresenta atestado médico creditando
sua ausência ao fato de ter se submetido a operação de catarata. No entender do repórter, quem tentar ir mais
longe no esclarecimento de eventuais
malfeitos semelhantes, que possam ter
existido no contrato SMP&B-Câmara,
dizendo que faz isso para esclarecer o
“mensalão”, confunde e não esclarece
nada. Embora possa até pensar que
está combatendo o desvio de dinheiro
público para fins políticos escusos, na
prática pode mesmo é estar desviando
dinheiro público de atividades que
poderiam ser concebidas de modo
mais sensato.
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dois fatos embaralhados, e um deles é falso
A história de Simone, diretora da SMP&B, é outra prova:
o STF desprezou o crime existente e inventou um outro
Num ato recente, no auditório da Associação Brasileira de Imprensa, no Rio de
Janeiro, pela anulação do julgamento do
“mensalão”, com a presença de cerca de
800 pessoas, a colunista social Hildegard
Angel deu um depoimento emocionante
no qual misturou a história da morte
de três parentes no período da ditadura
militar – sua mãe, Zuzu Angel, e dois
irmãos – com a defesa dos condenados
no “mensalão”. Disse que, no julgamento
militar de um de seus irmãos, quando ele
já estava morto, fatos levaram a junta militar a decretar sua absolvição. Hildegard rebatizou o “mensalão” como “mentirão”,
pelo fato de, no julgamento da AP 470,
o STF ter ignorado direitos elementares
dos acusados e fatos básicos da história,
que a própria ditadura levou em conta no
caso de seu irmão, pelo menos para uma
absolvição póstuma.
A história de Simone Vasconcelos,
diretora da SMP&B, uma das pessoas
responsáveis pela administração do
dinheiro da agência, confirma essa avaliação: fatos básicos da história na qual
ela foi envolvida e direitos elementares
de sua defesa foram ignorados pelo
Supremo. RB foi encontrá-la na casa de
parentes, no interior de Minas, durante o
Carnaval. Dores na coluna fizeram com
que ela ficasse de pé durante a maior
parte do tempo da entrevista, de cerca
de uma hora. Simone trabalhou seis
anos na SMP&B, depois de 15 como
funcionária administrativa no governo
de Minas. Assinou inúmeros pagamentos
pela agência. Na página ao lado, junto
com sua foto, está o recibo de um deles,
de 860.742,57 reais para a TV Globo, e
a história de outro, de 300 mil reais para
um certo Davi Rodrigues. O da Globo é
um dos que a emissora recebeu por propaganda veiculada para a Câmara, pelo
contrato da SMP&B. Como se viu no
voto do ministro Lewandowski, citado
anteriormente, a veiculação de publicidade pela televisão, jornais, revistas e
internet corresponde a mais de 65% das
despesas desse contrato. E a TV Globo
foi a que mais recebeu: 2,73 milhões
do total. O pagamento a Rodrigues é
igualmente muito significativo. Como
está nos autos da AP 470, Rodrigues
foi o intermediário de um doleiro que
recebia numa agência do Rural o dinheiro depositado por Simone e, depois, o
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enviava ao exterior, para uma conta de
Duda Mendonça no BankBoston, nas
Bahamas.
Como também está nos autos, Duda,
que foi o publicitário da campanha de
Lula para presidente em 2002 e fez outras
campanhas para o PT em 2004, confessou ter recebido 15,5 milhões de reais do
partido, sendo 10,5 milhões na conta do
BankBoston nas Bahamas. O que um pagamento tem a ver com o outro? Ambos
são assinados por Simone, mas se ligam
a duas histórias completamente distintas.
Uma, a da TV Globo, se refere a um
contrato absolutamente legal, analisado
exaustivamente e aprovado por diversos
órgãos. Foi vencido pela SMP&B em licitação com mais sete concorrentes, em que
nenhum contestou o resultado. O outro é
um pagamento pelo famoso “caixa dois”.
Em nenhum momento, a despeito da fúria
da maioria dos juízes do STF e da quase
unanimidade da grande mídia que os
açulava, ninguém disse que Duda recebeu
esse dinheiro porque estava envolvido no
suposto “maior escândalo de corrupção
da história da República, no qual o PT
corrompeu o processo político brasileiro
comprando voto de deputados”.
Por que Simone foi condenada a 12
anos e sete meses de prisão, inclusive por
crime de evasão de divisas, se o próprio
Duda, que indubitavelmente recebeu o
dinheiro que chegou a ele por meio da
assinatura de Simone num cheque, foi absolvido? Porque o STF embaralhou dois
fatos: 1) o crime do caixa dois, que existiu,
do qual Simone foi uma das executoras
e no qual estão o dinheiro recebido por
Duda e mais o de duas dúzias de políticos
e intermediários seus; e 2) o “mensalão”,
uma criatura fictícia, batizada com esse
nome pelo deputado Roberto Jefferson
em junho de 2005 e animada finalmente
pelo STF com sua sentença no julgamento da AP 470 no final do ano passado.
O dinheiro que Simone disponibilizava ao PT, por ordem de Marcos
Valério, era de empréstimos tomados
pela SMP&B dos bancos mineiros Rural
e BMG e repassados ao partido. Simone
apenas cumpria ordens. Foi arrolada
como integrante de uma “quadrilha publicitária” porque o crime de formação
de quadrilha exige quatro integrantes e
a acusação só tinha três donos efetivos
na agência de publicidade: Ramon Hol-
lerbach, Cristiano Paz e Marcos Valério.
A “quadrilha publicitária” a que Simone
“pertencia” foi subordinada a outra: a
“quadrilha política”, em que estaria o
chefão de todos, José Dirceu, ex-ministro
da Casa Civil do governo. Também teria
havido o incentivo de uma terceira, a
“quadrilha de banqueiros”, liderada pela
presidente do Banco Rural, Kátia Rebelo.
E isso tudo porque três quadrilhas articuladas e com um propósito grandioso
ficavam bem na teoria do “maior crime da
história da República”. Simone parece ser
uma mulher forte. Tem noção das forças
poderosas que foram desencadeadas para
a construção da história do “mensalão” e
o apoio entusiasmado dos seus familiares,
além de uma leve esperança de que a
verdade seja restabelecida.
O ministro Barbosa disse, na sua sentença contra Cunha e a SMP&B, que se
apoiava em três decisões colegiadas. Uma
delas, a de Alexis, como vimos no capítulo
anterior, tudo indica, não é válida e não
se sabe se é, de fato, colegiada. A terceira
é a do TCU, com a qual encerraremos
nossa história. E a segunda, por fim, é a
de uma equipe do Instituto Nacional de
Criminalística, órgão da Polícia Federal
encarregado, entre outras coisas, da análise de documentos. Nossa história não
entrará em detalhes dessa investigação
por três motivos: 1) ela é confusa, tanto
que foi usada pelo ministro Barbosa para
condenar os acusados e pelo ministro
Lewandowski para absolvê-los; 2) os
técnicos encarregados de realizá-la não
conseguiram separar as atividades da
SMP&B nas três modalidades previstas
expressamente no contrato – ao que tudo
indica, por não serem especialistas no assunto, como insistem tanto os defensores
de Cunha como os da SMP&B; e 3) a
principal acusação que é feita, a de que os
trabalhos da empresa IFT – Ideias, Fatos
e Textos, do jornalista Luiz Costa Pinto,
de assessoria a Cunha, não foram confirmados, está em absoluta contradição com
a avaliação do processo que resultou no
acórdão do TCU de 2008, em cujos autos
estão, claramente, os comprovantes da
realização dos serviços.
Finalmente, quanto ao esforço de
Barbosa para desmoralizar a conclusão do
TCU, ele não a estudou, ao que tudo indica. O que cita como sendo uma decisão
colegiada da corte de contas é o relatório
preliminar apresentado pela equipe de
inspeção da 3ª Secex do tribunal, após a
visita à Câmara e a consulta ao trabalho
de Alexis Souza, já citadas. Inclusive, esse
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Aloísio Moraes
ELA FOI ENFIADA NUMA DAS TRÊS QUADRILHAS
DO “MENSALÃO” POR FALTA DE QUÓRUM
Simone, entre outras funções na SMP&B, administrava o
caixa da agência por meio de instruções de Marcos Valério.
Nesse caixa basicamente entrava dinheiro de duas origens.
Uma delas eram os clientes, como a Câmara, com a qual
tinha o contrato ganho em dezembro de 2003. Desse dinheiro saíam pagamentos como o feito pela TED que se vê
ao lado da foto de Simone. É uma transferência eletrônica,
por meio do BRB, Banco de Brasília. Mostra 860.742,57
reais sendo repassados da conta da SMP&B no Banco Rural
para a TV Globo. Foi feita no dia 17 de janeiro de 2005.
RB teve acesso, ainda, ao cheque, de 21 de fevereiro de 2003,
no valor de 300 mil reais, também assinado por Simone, por
relatório da Secex, de agosto de 2005,
repetia o argumento apresentado depois
em forma exagerada por Barbosa, de que
os serviços do contrato tinham sido terceirizados pela SMP&B em 99,9%. Pedia,
ainda, que fossem ouvidos, em 15 dias, o
presidente da Câmara, João Paulo Cunha;
o diretor da Secom, Márcio Araújo; e o
diretor-geral da Câmara, Sergio Contreras,
e os ameaçava com multa de 252 mil reais,
equivalentes ao valor do trabalho do IFT
prestado ao presidente da Câmara, serviço
esse que o relatório considerava ilegal.
Além disso, no detalhe, também pedia a
Cunha, Araújo e Contreras explicações
sobre os mesmos pontos cobrados na
investigação da Secin.
Essa posição foi sendo desmontada
totalmente à medida que a investigação do
TCU evoluía. Já em meados de setembro
de 2005, o secretário da 3ª Secex decidiu
que todas as medidas determinativas do
primeiro relatório deveriam aguardar o
exame do mérito da questão. No início de
outubro, o então ministro relator do caso
no TCU, Lincoln Rocha, reduziu ainda
mais o caráter repressivo das propostas:
acolheu apenas a de sobrestar a prestação
meio do qual saiu dinheiro do caixa da SMP&B para o PT
pagar uma parte do que devia a Duda Mendonça, o marqueteiro de Lula, na sua vitoriosa campanha para presidente em
2002. O dinheiro para Duda vinha de empréstimos tomados
pela SMP&B nos bancos mineiros Rural e BMG.
O dinheiro que entra e sai de um caixa não tem nem carimbo
de origem nem de destino, é certo. Porém, o STF embaralhou
as histórias: a do caixa dois, existente, e a do “mensalão”, do
“grande escândalo de corrupção da República”, inventada.
É claro, como no caso do dinheiro de Duda, que a SMP&B
operava um caixa dois para o PT. Mas ela tinha apenas três
donos. Por lei, para uma quadrilha é preciso haver quatro
pessoas. Simone, que era apenas funcionária, entrou no
enredo do “mensalão” por falta de quórum.
de contas da Câmara dos Deputados do
exercício de 2004 e determinou à 3ª Secex
que acompanhasse o desdobramento
das investigações na Câmara e analisasse
especialmente a prestação de contas da
assessoria denunciada, a dos serviços
prestados pela IFT.
Com a criação da Comissão de Sindicância da Câmara, em meados de 2006, e
para verificar mais informações enviadas
ao TCU, o novo ministro relator do caso,
Benjamin Zymler, enviou nova equipe da
Secex para mais uma inspeção na Câmara,
feita nos primeiros dias de março de 2007.
A preocupação principal era verificar a
possibilidade de terem ocorrido pagamentos por serviços não realizados. Em
relação à IFT, que estava no topo das preocupações, a Secex considerou corretas as
explicações dadas pela Câmara e a suspeita
foi afastada. Outras irregularidades, no
entanto, ainda continuaram em análise.
A questão das contratações de terceiros foi esclarecida logo depois. A 3ª Secex
concordou com a avaliação da Câmara de
que elas correspondiam não aos 99,9%
apresentados pela Secin, mas a 88,68%, e
o relator Zymler disse que, nas auditorias
realizadas pelo TCU em diversos órgãos e
entidades da administração pública federal
na área de publicidade e propaganda no
segundo semestre de 2005, os contratos
examinados mostraram graus semelhantes
de terceirização. Posteriormente, o TCU
aceitou a explicação dada pela Câmara
para praticamente todas as outras pendências e, a 19 de março de 2008, o caso
foi levado ao plenário do tribunal, tendo
como relator o ministro Raimundo Carreiro, que apresentou voto, acompanhado
unanimemente pelos membros da corte,
considerando as informações prestadas
pela direção-geral da Câmara “suficientes
para demonstrar a regularidade nos atos
de gestão analisados”. Ao final, Carreiro
lembrou que as eventuais propostas falsas
apresentadas por perdedores de concorrências, como a da Cogito Consultoria,
deveriam ser analisadas em inquéritos policiais, como efetivamente, no exemplo, a
Câmara continuava fazendo. Por fim, após
recomendar o aprimoramento do modelo
de contrato da Câmara para as próximas
licitações que visarem a contratar agência
de publicidade, deu o caso por encerrado
e mandou arquivar os autos.
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