A música em sinergia com o meio ambiente

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A música em sinergia com o meio ambiente
A música em sinergia
com o meio ambiente
Por Marina Zan e Miriam Matsuda
A música é uma linguagem artística, uma manifestação cultural e étnica que tem
culturas sonoras e instrumentos
em sua estrutura relações com outras áreas do conhecimento. Quem aprecia ou estuda
artesanais.
música, desenvolve senso rítmico, percepção musical, harmonia e criatividade.
Fernando Sardo ministra curso
Hoje, a criatividade aliada à consciência ecológica une a música à preservação amde luteria e música experimental por
biental e à consciência do reaproveitamento e da reciclagem. Assim, contribui para a
todo o Brasil, em casas culturais,
preservação do planeta e para o desenvolvimento humano.
empresas, escolas e universidades
A partir da utilização de materiais orgânicos como cabaça, bambu, madeira, pedra e
de arte, para um público variamateriais sintéticos como plástico, papel, borracha, metal, sucata, utensílios domésticos,
do, como crianças, adolescentes,
garrafas pet e diferentes tubos e peças em PVC, podem ser criados diversos instrumentos
adultos, artistas, educadores e
musicais com uma grande variedade de sonoridades a serem exploradas.
arte-educadores. Estes cursos têm
O músico, compositor, multicomo objetivo incentivar a pesquiinstrumentista, luthier, artista plássa e a construção de instrumentos
tico e arte-educador Fernando Sarmusicais feitos com matéria-prima
do, nos apresenta uma gama de posalternativa, estimulando a criativisibilidades relacionadas à consciendade e a autoria. O trabalho convida
tização ambiental por meio da recipara a busca coletiva por novas
clagem de materiais para a construplasticidades, sonoridades e timção de instrumentos musicais e para
bres. Para isso, Fernando propõe
a musicalização das pessoas, o que
em seus cursos que se criem e consvem transformando e aprimorando
truam instrumentos com diferentes
sistemas de aprendizagem da música
materiais e que, posteriormente,
para os mais variados públicos.
os alunos façam suas próprias meO trabalho de Sardo é fruto de
lodias, sendo sensibilizados para
uma pesquisa iniciada em 1980, em
explorar timbres nunca antes permúsica e luteria étnica de diversas
cebidos. Assim, se dá o lúdico méépocas e culturas. Esta pesquisa só
todo de musicalização criado por
foi possível devido ao fato do artista
ele. Seus cursos são multidisciplinaresidir na cosmopolita Grande São
res, ou seja, a música, a luteria e as
Paulo, que possibilita o contato com
artes visuais são relacionadas com
colônias e músicas de várias culturas,
outras áreas do conhecimento coentre elas: japonesa, árabe, indiana,
mo a matemática, a física, a história
africana, europeia, latino-americana À esquerda violino confeccionado com lata, cabo de
e os valores de consciência e prevassoura, colher e madeira. À direita violoncelo feito
e indígena brasileira. Deste contaservação ambiental.
com tubos, conexões e caixa de inspeção de PVC.
to surgiu uma grande variedade de
A partir dos anos 90, Fernando
instrumentos típicos que o artista se dedicou a criar, além dos instrumentos musicais, esculturas sonoras que utilizou a
reproduziu e estudou. A partir daí, princípio, em suas próprias composições musicais. No entanto, sua prática pedagógica
foram concebidos e construídos apontou que as esculturas e instalações sonoras, por sua singularidade artística, seriam
mais de 160 instrumentos musicais um ótimo recurso de interatividade, prática musical e convivência em grupo. Estas obras
entre corda, percussão e sopro, com plástico-musicais são construídas artesanalmente e proporcionam ao público a apreciamatérias-primas alternativas orgâni- ção visual, aliada à interação artística e lúdica, por meio de fontes sonoras timbrísticas
cas e sintéticas, além de esculturas e melódicas.
As esculturas sonoras, instalações mue parques sonoros. Esta pesquisa
se reflete constantemente em suas sicais e parques sonoros de autoria de Fercomposições musicais que contém nando podem ser encontradas em várias
como característica sua extensa bus- regiões do Brasil. O “Sabina — Escola Parca por timbres e sonoridades pouco que do Conhecimento” em Santo André
convencionais. Suas criações de- (SP), inaugurado em 2006, é exemplo de
monstram diversas possibilidades um espaço multidisciplinar que privilegia
de fazer música ou de simplesmente a popularização da ciência e das artes de
perceber o som produzido, seja por forma interativa. Neste local está disposobjetos do cotidiano, por objetos ta a instalação sonora “Sons Recicláveis”,
descartados (sucata), ou pelas es- que contém fontes sonoras de sopros,
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percussão e cordas. A obra foi construída com plástico, latas e mangueiras, que proporcionam completa interação do público. Já na cidade de Ouro Preto (MG), o “Vagão
Sonoro Ambiental”, localizado na estação de trem de Ouro Preto, é uma obra criada
para o desenvolvimento de conteúdos artísticos, sociais e ambientais, que recebe
estudantes de diversas idades, bem como o público em geral. O antigo vagão contém
duas salas: na primeira está a instalação sonora “Sons Recicláveis” que oferece aos
visitantes diversas possibilidades de interação com instrumentos musicais de corda,
sopro e percussão, criados e construídos com sucata de plástico, madeira, papel e
metal. A segunda sala, por sua vez, é devidamente equipada para a realização de
cursos de música, criação e construção de instrumentos musicais. Os materiais utilizados nas oficinas são recicláveis e o Vagão Sonoro conta com um projeto educativo
desenvolvido por monitores treinados pelo próprio artista para abordar conceitos de
ecologia, música e luteria.
Vagão Sonoro Ambiental — Projeto Trem da Vale, em Mariana/MG.
Fotos: Fernando Sardo
Fernando projetou e construiu também “brinquedos sonoros” e instrumentos
musicais para Parques Sonoros que possibilitam interatividade e proporcionam convívio com a música, as artes visuais e, naturalmente, sugerem lazer e recreação. Estes
podem ser encontrados em espaços públicos ou privados e fazem parte de projetos
educativos e sociais. Por meio deles são notados ganhos expressivos na educação
musical, estímulo à criatividade e aprendizado na área de luteria, ciência, arte e ecologia. Um exemplo é o “Parque Lúdico Musical” que, assim como o “Vagão sonoro
ambiental” citado acima, faz parte do “Projeto Trem da Vale – Fundação Vale do Rio
Doce”, um projeto de revitalização das estações e linha de trem de Ouro Preto e
Mariana (MG). Localizado na cidade de Mariana, o parque faz parte hoje da rota cultural da cidade. Parte do material utilizado na construção dos brinquedos musicais é
sucata da própria ferrovia, o que demonstra que a preservação do meio-ambiente, as
artes e a recreação podem ser atividades complementares.
Já em São Caetano do Sul (SP) o “Parquinho Sonoro” foi construído para crianças
com necessidades especiais. Alguns dos instrumentos foram concebidos para usuários com deficiência auditiva. Nestes, as mãos são posicionadas para que a vibração
do som seja sentida pelo tato. Outros instrumentos foram projetados para crianças
Na móia o deficiente auditivo coloca as mãos nas laterais dos
tambores para sentir a vibração sonora produzida pela mola.
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Gangorra pau de chuva com
adaptação para cadeirante.
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Legenda: O “Quero-Quero” é feito com madeira de eucalipto e aço inox. Suas penas
são representadas por 16 flautas, oito de
cada lado, afinadas em uma escala de Dó
Maior Diatônica. Cada flauta está conectada a uma bomba de ar que representa a
cauda do pássaro. O público interage com
a escultura tocando as flautas, movimentando as bombas de ar. Esta escultura está
instalada no SESC Bertioga/SP.
com necessidades de locomoção. A gangorra, por exemplo, produz um som similar
ao pau de chuva indígena, que ecoa de
acordo com o movimento do brinquedo, e
possui em um dos lados uma cadeira com
encosto e apoio para os pés.
Hoje, com mais de 160 diferentes instrumentos musicais e esculturas sonoras
criados, Sardo os utiliza em suas composições para apresentações musicais e
trilhas sonoras para espetáculos de dança,
teatro, cinema e televisão, que realiza com
o grupo GEM (Grupo Experimental de Música), fundado por ele em 2003. O grupo
participou em 2011, do Festival Europália
Brasil, na Bélgica, em Antuérpia e Gent,
com a apresentação do show “O Som
e a Matéria”. Este trabalho reproduzido
em CD, assim como o disco “Bambuzais”
(1999), é elaborado somente com composições musicais próprias, instrumentos e
esculturas sonoras de sua criação.
Ideias simples para
criação de brinquedos
com materiais
recicláveis
Carrinho de embalagem de
desinfetante com rodinhas de PET.
Avião de pregador e palito de sorvete.
Fernando Sardo e suas criações.
Sardo também integra o projeto “Reciclar é show” que tem o apoio do Maestro
João Carlos Martins e a participação da arte-educadora Flávia Maia do grupo Barbatuques. Esta é uma iniciativa da Tang, que inclui a fabricação de instrumentos musicais
a partir de materiais reciclados e permite que os alunos aprendam a tocar os instrumentos fabricados por suas próprias mãos. Cerca de 50 mil estudantes de mais de
100 escolas da rede pública de ensino do Brasil participarão deste projeto.
Muito se pode fazer pelo meio ambiente e pelo desenvolvimento humano. Fernando o faz pela música, pela criatividade e pela integração de diversos segmentos
que resultam em obras de arte memoráveis.
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Carrinhos de rolo de papel higiênico.
Mobile de colher.
Fonte: internet
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