Os custos e os méritos de inovar

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Os custos e os méritos de inovar
2003/11/26
OS
CUSTOS E OS MÉRITOS DE INOVAR
Alexandre Reis Rodrigues
John Warden é um nome praticamente desconhecido fora dos círculos militares americanos.
Apesar disso, este coronel da Força Aérea Americana, é tão somente o homem a quem são devidos
grande parte dos sucessos das últimas intervenções militares americanas. É ele que esteve na
origem, como autor, das novas teorias de utilização do poder aéreo que permitiram ao Exército
Americano concluir com sucesso todas as operações terrestres em que estiveram ultimamente
envolvidos, num curtíssimo espaço de tempo, sem necessidade de chegar à confrontação frontal
com as tropas inimigas e com um mínimo de baixas.
Alguns analistas, para frisar a importância do seu papel, não hesitam em defender que na Guerra do
Golfo de 1991, em que pela primeira vez as suas ideias foram postas em prática, devia ser ele a face
do sucesso alcançado e não Colin Powell nem Norman Schwarzkopf, então os dois primeiros
responsáveis militares.
Estes dois generais, porém, tiveram o mérito de terem aceite o totalmente inovador plano de
campanha aérea que Warden desenvolveu para a operação, enquanto trabalhava no Pentágono, a
chefiar um grupo de trabalho, com a designação “Checkmate”. O curioso é que só a circunstância de
o chefe do estado-maior adjunto para Operações e Planeamento do Pentágono se encontrar
ausente, de licença, terá permitido a Warden, seu subordinado, agarrar a oportunidade de fazer
avançar as suas ideias. Doutra forma, teriam prevalecido as ideias tradicionais da Força Aérea que
continuava a defender que o papel do poder aéreo era apoiar as forças terrestres no terreno e fazer a
interdição das forças inimigas.
Warden tinha uma ideia diferente, aparentemente inspirada na sua experiência de combate no
Vietname, cuja estratégia aérea sempre tinha considerado poder ter sido mais eficaz. Como não
tinha preocupações em procurar apoio fora da sua linha de dependências, sempre que necessário
para tornear oposições, o que regra geral conseguia, teve dissabores e a marginalização pela
hierarquia da Força Aérea. Esta acabou por se conformar com a situação porque o general
Schwarzkopf ao ser confrontado com o plano de campanha elaborado por Warden aceitou o
essencial do respectivo conceito. Um conceito que se centrava quase exclusivamente no ataque aos
centros vitais de funcionamento do país.
O coronel Warden vinha desde há algum tempo recomendando uma reformulação da estratégia
aérea para ter em conta as novas capacidades disponíveis, na área do armamento de precisão, por
considerar que só assim seria possível tirar total partido da vantagem tecnológica. No seu conceito,
as novas capacidades militares, se devidamente utilizadas, permitiriam sobretudo retirar ao inimigo
a capacidade de fazer a guerra, privando-o dos seus centros vitais de condução política, de produção
de energia, de transportes, de comunicações, etc., com reduzidos custos de vidas humanas.
No seu entender, com a posse de armamento aéreo de precisão, o planeamento de uma campanha
aérea devia agora processar-se em novos termos; a questão principal já não era definir quantos
aviões seriam necessários para atingir um alvo mas sim definir quantos alvos poderiam ser
atribuídos a cada avião. Seria assim possível, com o mesmo número de aviões, planear ataques em
vários frentes, a ocorrerem em simultâneo, em vez de planear em sequência, de uma forma
geralmente previsível para o inimigo. [1]
Tudo isto parece hoje muito óbvio mas não o foi durante algum tempo para a elite dos oficiais do
Tactical Air Command que, na sua maioria, desprezava as ideias de Warden. Não fosse a
insistência deste e sobretudo a sua disponibilidade para enfrentar as dificuldades, é muito provável
que a condução da Guerra do Golfo se tivesse processado segundo uma linha substancialmente
diferente. Não teria sido também despoletado, pelo menos não tão cedo, uma reformulação geral
dos conceitos de operação, agora abrangendo todos os ramos, o que levou ao conceito de
operações rápidas e decisivas, [2] em que se passou a basear o essencial das intervenções
militares americanas.
[1] As vantagens da posse de armamento de precisão ficam bem patentes em algumas
comparações simples. Durante a 2ª Grande Guerra, numa passagem aérea para bombardeamento,
o impacto alcançado tinha em média um erro de desvio de cerca de 700 metros. Por isso para
garantir 90 por cento de sucesso seria necessário lançar 9.000 bombas. Escusado será fazer notar
a questão dos resultantes danos colaterais e a atrição sobre os próprios meios. O coronel Warden
estimou que com dois esquadrões de F-117 (46 aviões), a campanha aérea para destruir a
capacidade produtiva alemã, na 2ª Grande Guerra, teria sido concluída em apenas seis semanas.
Na Guerra do Golfo, as bombas de precisão, que então era um terço do total das bombas lançadas,
foram responsáveis pela destruição de dois terços do total dos alvos.
[2] Ver artigos de 4 Maio e 26 Outubro, com o título “Operações Rápidas e Decisivas”.