BREVE HISTÓRIA DO PLANEJAMENTO URBANO DE BOGOTÁ
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BREVE HISTÓRIA DO PLANEJAMENTO URBANO DE BOGOTÁ
XIV SIMGeo Simpósio de Geografia da UDESC 2º SEMINÁRIO NACIONAL DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO ÁREA TEMÁTICA: PLANEJAMENTO TERRITORIAL, PLANEJAMENTO URBANO BREVE HISTÓRIA DO PLANEJAMENTO URBANO DE BOGOTÁ (COLÔMBIA) Análise da sua formação como cidade entre 1900 e 2014 considerando os rebatimentos das correntes do urbanismo, os modelos de cidade e o papel da renda da terra. Oscar Eduardo Pérez Moreno1 Resumo Este artigo faz uma análise abreviada da história do planejamento urbano da cidade de Bogotá (Colômbia) entre 1900 e 2014. Para isso são avaliados os planos e a regulamentação urbana que teve a cidade durante o citado período, utilizando três eixos de analise: O primeiro, relacionado com os rebatimentos das correntes de urbanismo; no segundo, consideram-se os possíveis modelos de cidade utilizados e o terceiro, refere-se ao papel da renda da terra na estruturação da cidade. Na parte final são apresentadas tanto as conclusões mais relevantes baseadas na análise proposta quanto as possíveis problemáticas que podem ser pesquisadas em relação com o tema estudado. Palavras-chave: Bogotá, urbanismo, história urbana, modelos de cidade, renda da terra. Abstract This article analyzes briefly the urban history of Bogota city (Colombia) between 1900 and 2014 by studying urban plans and urban regulations that had been improved in the city during that period, using three axes of analysis: The first is associated with the repercussions of the current city planning; the second analyzes the possible uses of planning models, and the third axe refers to the role of land rent in the structure of the city. At the end, they are presented relevant conclusions based in the proposal, and some possible problems that can be researched about urban planning. Keywords: Bogotá, town planning, planning models, land rent. 1 Arquiteto colombiano, Mestre em Estudos Urbanos e Regionais da Universidade Nacional da Colômbia e Doutorando em Arquitetura e Urbanismo do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (Niterói-Rio de Janeiro). Email:[email protected]. O autor é bolsista do Programa Estudante-Convênio de Pósgraduação PEC-PG (CAPES). Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) Florianópolis, Santa Catarina XIV SIMGeo Simpósio de Geografia da UDESC Introdução A problemática que é analisada neste artigo tem relação com o papel dos rebatimentos das distintas correntes de urbanismo; a utilização de modelos de cidade e a influência da renda da terra urbana no planejamento urbano da cidade de Bogotá (Colômbia) entre 1900-2014. Como parte da análise da citada problemática, são estudados os planos e as regulamentações mais importantes que tem tido a cidade durante os séculos XX e XXI na procura de destacar suas principais influências. O planejamento urbano de Bogotá 1900-2014 1900-1910: Um difícil começo do século e a comemoração da independência. Desde sua fundação hispânica em 1538, a cidade de Bogotá tinha tido um crescimento urbano baixo seguindo o traçado xadrez disposto pelas leis coloniais de fundação de cidades. Na virada do século, no período compreendido entre 1890 e 1910 a cidade colonial estava dando passo a uma cidade burguesa tal como tem sido denominada por alguns autores (Rey, 2010). Durante a primeira década do século XX, Bogotá experimentou um incipiente fenômeno de expansão urbana que deu inicio ao rompimento do traçado colonial que tinha como peculiaridade a mistura de atividades e de classes sociais. Essa expansão esteve acompanhada pelo vertiginoso traslado das camadas economicamente mais prósperas para o bairro Chapinero pressionados pela presença cada vez mais forte das camadas populares nos bairros tradicionais do centro da cidade (Rey, 2010:30), o que deu inicio também ao processo de segregação sócio espacial, traço peculiar da urbanização nas cidades de América Latina (Jaramillo, 1992:13) e do dominante papel da renda da terra na estruturação da cidade durante todo o século XX. Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) Florianópolis, Santa Catarina XIV SIMGeo Simpósio de Geografia da UDESC Um dos principais acontecimentos urbanos que pretendeu mudar a face dessa cidade com fortes caraterísticas físicas coloniais, iniciou-se a partir de 1870 com a conversão das praças em parques, as quais abandonaram definitivamente o carácter de cenário que tinham tido desde a colônia quando eram locais de utilidade pública com pilas de agua e lugar de mercado para ficar como instrumentos do culto à pátria (Zambrano, 1997). Assim foram construídas em 1910 as obras de comemoração do centenário da independência da Colômbia dentro da qual se destacam o Parque Centenário, o Parque da Independência e os pavilhões da Exposição Agrícola e Industrial de 1910, as quais foram inspiradas nas Exposições Universais europeias e norte-americanas e que estavam baseadas na concepção do urbanismo como problema estético-funcional, segundo o desenvolvido por Sánchez (2008) levando em conta que as intervenções feitas nesses espaços públicos tinham uma finalidade estética explicita e uma forte influencia das intervenções geométricas francesas como os Jardins de Versalhes. Figura 1. Pavilhão da Exposição Agrícola e Industrial de 1910 – Bogotá. Fonte:<http://didierreyvenegas.files.wordpress.com/2011/03/pabellon-exposicion-centenario.jpg> Acesso: 07/06/2014. 1911-1920: As primeiras regulamentações urbanas. Nesse período a cidade de Bogotá, que tinha mais de 121.257 habitantes (León, 2008), teve uma das suas primeiras regulamentações urbanas: o Acuerdo 6 de 1914, que estabeleceu o perímetro urbano da cidade e as condições para novas edificações nesse perímetro, além da cessão gratuita dos terrenos para a construção de vias ou sua desapropriação por ser de utilidade pública. Essa regulamentação foi feita para cumprir o estabelecido na Ley 97 de 1913 expedida pelo governo central, a qual obrigava às Câmaras Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) Florianópolis, Santa Catarina XIV SIMGeo Simpósio de Geografia da UDESC de Vereadores dos Munícipios a definir as condições para o crescimento urbano e permitiu a criação de impostos às construções. Essa primeira regulamentação urbana que teve a capital tinha como um dos seus objetivos conseguir que a cidade crescesse através das ruas existentes privilegiando a continuidade do traçado xadrez que tinha a cidade, o que pode ser considerada como um rebatimento da concepção do urbanismo como problema estético-funcional, já que nesse olhar tanto na arquitetura como na ordenação de uma parte da cidade, tenta-se vincular com coerência os elementos de uma totalidade (Sánchez, 2008:24). Não deixa de ser um paradoxo que este tipo de regulamentações mediante as quais foram criados impostos para as construções e a obrigação de ceder gratuitamente ou a desapropriação dos terrenos urbanos necessários para dar continuidade às ruas, tinham acontecido num governo conservador com uma forte proteção sobre a propriedade privada. Talvez as precárias condições econômicas com que o governo central do país tinha iniciado o século XX (Jaramillo, 2000:1,2), explicaria em parte a instituição de uma prática que visava que os proprietários do solo financiassem parte dos custos do processo de urbanização e por conseguinte fosse arrecadada por parte da municipalidade uma parte da renda da terra urbana do proprietário privado (Singer, 1978), a qual marcou a história da cidade em relação com à consecução de recursos para o financiamento da infraestrutura urbana através de cobros aos proprietários da terra. Figura 2. Bondes na Plaza de Bolívar em Bogotá (Sem data). Fonte: <http://www.tramz.com/co/bg/t/ts.html> Acesso: 07/06/2014. 1921-1930: A criação do impuesto de valorización e o Plano Bogotá Futuro Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) Florianópolis, Santa Catarina XIV SIMGeo Simpósio de Geografia da UDESC No ano de 1921 o Congresso da Colômbia aprova o Impuesto de Valorización através da Ley 25 de 1921. Este imposto é uma contribuição pelo incremento do preço da terra por obras públicas que inaugura una prática mais o menos ininterrompida por parte das autoridades municipais de financiar algumas obras públicas com contribuições dos proprietários dos prédios que presumivelmente recebem o impacto positivo desses investimentos (Jaramillo, 2000:1). De outro lado em Bogotá no ano de 1923 era apresentado o Plano Bogotá Futuro, primeiro plano urbano da cidade o qual estava baseado na concepção do urbanismo como racionalidade técnico-científica considerando que visava a construção de uma ordem espacial urbana adaptada à nova sociedade (Sánchez, 2008:47) através do controle planejado da construção da infraestrutura e do crescimento da cidade plasmado num plano de ensanche da cidade (Cortés, 2007:165), em minha opinião com base no estipulado por Cerdà para Barcelona na segunda metade do século XIX e com alguns traços bastante tímidos da estética da Cidade Jardim proposta por Ebenezer Howard em 1898 (Hall,1995). O citado Plano Bogotá Futuro foi regulamentado através do Acuerdo 58 de 1923 que permitiu a construção de urbanizações baseadas nesse plano. A cidade terminaria os anos vinte do século com uma população de 235.421 habitantes em 1928 (León, 2008). Figura 3. Plano Bogotá Futuro de 1923 Fonte:<http://www.bogotaendocumentos.com/temas/otros-sectores-degobierno/planeacion/todos/176/?page=1> Acesso: 07/06/2014. 1931-1940: O papel do austríaco Karl Brunner e do alemão Leopoldo Rother. Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) Florianópolis, Santa Catarina XIV SIMGeo Simpósio de Geografia da UDESC Com a fundação do Departamento de Urbanismo em 1928 e com o cambio de condições a partir da crise mundial do capitalismo em 1929 e da apertura da República Liberal em 1930, a cidade viveu um período de numerosas iniciativas privadas e de uma grande quantidade de obras públicas (Cortés, 2007:166). Neste cenário, dois arquitetosurbanistas estrangeiros foram protagonistas: O austríaco Karl Brunner que chegou ao país em 1933 para dirigir o Departamento de Urbanismo de Bogotá (Maya, 2004a) e o alemão Leopoldo Rother que veio à Colômbia em 1936 para trabalhar na Direção de Edifícios Nacionais em Bogotá aproveitando o chamado do presidente Alfonso López Pumarejo do partido liberal (Rueda, 2005), onde foi encargado para desenhar e construir a Cidade Universitária de Bogotá. Karl Brunner desempenhou diversas atividades em Bogotá entre 1933 e 1948 sendo diretor do Departamento de Urbanismo, professor da Universidade Nacional da Colômbia e arquiteto-urbanista (Maya, 2004a). Sua concepção do urbanismo ficou plasmada nos seus Manuales de Urbanismo publicados pela Prefeitura de Bogotá em 1939 e 1940 sendo significativo nesses manuais, além das referencias à Cidade Jardim e ao subúrbio norteamericano, o uso que fiz das experiências das “colônias obreiras” promovidas na Alemanha e em Viena na década de 1920 (Cortés, 2007:173). Baseado no anterior é possível considerar ao austríaco como o máximo representante da tradição como urbanismo como problema estético-funcional na cidade, levando em conta que nas suas abordagens teóricas quanto nas suas obras: “a arquitetura e o urbanismo são uma mesma coisa, existe uma unidade entre o espaço interior e o espaço exterior de uma edificação” (Sánchez, 2008:24). Com a construção de bairros exclusivos na zona norte da cidade seguindo a estética do modelo da Cidade Jardim e de bairros obreiros na zona sul, Bogotá continua com uma lenta recomposição do uso do seu solo urbano quebrando a gradiente de valores que antes tinha onde os maiores valores se apresentam no centro principal e diminuem nos limites do perímetro da cidade (Singer, 1978:29). Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) Florianópolis, Santa Catarina XIV SIMGeo Simpósio de Geografia da UDESC De outra parte, a cidade de Bogotá continua com a prática de financiar obras públicas a partir da arrecadação de mais-valias fundiárias. Um exemplo foi a aprovação na Câmara de Vereadores da cidade do Acuerdo 24 de 1936 e do Acuerdo 11 de 1937, os quais visavam o financiamento das obras do quarto centenário da fundação da cidade através do Impuesto de Valorización. Para 1938, o ano dessa comemoração, a cidade tinha 330.312 habitantes (León, 2008). Figura 4. Resumo dos projetos do Brunner para Bogotá (em cinza) baseado no plano desta cidade em 1933. Fonte: Maya (2004a). 1941-1950: O Plano Piloto de Le Corbusier e o Plano Regulador de Wiener e Sert. Na década dos anos de 1940 a cidade teve varias regulamentações como o Acuerdo 15 de 1940 que definiu o perímetro urbano da cidade e o Acuerdo 21 de 1944 que regulamentou a cidade por zonas “com o fim de estabelecer um desenvolvimento ordenado y racional da cidade” (Consejo de Bogotá, 1944). Estas regulamentações tinham como foco a o urbanismo como racionalidade técnico-científica (Sánchez, 2008), considerando sua ênfase funcionalista que visava melhorar as condições de higiene, circulação e controlar os usos urbanos e o crescimento da cidade. Entretanto, durante a década de 1940 houve numerosas manifestações que revelavam o descontento com a orientação dada por Karl Brunner e especialmente com a falta de um plano regulador, figura de desde os anos trinta era necessária para poder ordenar o que se considerava como a expansão urbana caótica (Cortés, 2007:173). Precisamente para suprir este vazio o Congresso da República promulgou a Ley 88 de 1947 obrigando à maioria de cidades a fazer um plano regulador para definir a urbanização da cidade no futuro. Nesse cenário é que acontece a maior expressão do urbanismo Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) Florianópolis, Santa Catarina XIV SIMGeo Simpósio de Geografia da UDESC funcionalista que teve a cidade com a aprovação, através do Decreto 185 de 1951, do Plano Piloto feito por Le Corbusier e a e a realização em 1953 do Plano Regulador realizado por José Luís Sert e Paul Lester Wiener da Town Planning Associates, os quais tinham desenvolvido, para a cidade, propostas aplicando os conceptos dos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna – CIAM e do modelo da Cidade das Torres (Hall, 1995). Outro acontecimento marcante para a cidade na década foi o assassinato em 1948 do candidato à presidência Jorge Eliecer Gaitán, que provocou uma serie de protestos violentos conhecidos como o Bogotazo, os quais mudaram radicalmente o próprio centro da cidade, além de dar origem a uma profunda violência nacional que provocou amplas migrações com destino as grandes cidades (Zambrano, 1997), que no caso de Bogotá acrescentou a presença de habitantes “marginais” com características fortemente rurais na periferia da cidade, fenômeno que é explicado a profundidade por Samuel Jaramillo (1992). Por outra parte, nesta década é expedida a Ley 1 de 1943 que reforma o Impuesto de Valorización desligando o monto que poderia ser cobrado do custo da obra, e fixa como referencia o maior valor que a atuação estatal induz nas propriedades. Assim, esta contribuição passa de ser um simples mecanismo de financiamento de obras para ser uma ferramenta de arrecadação de mais-valias fundiárias (Jaramillo, 2000:1). Figura 5. Plano Diretor de Le Corbusier para Bogotá. Disponível em: <http://photos1.blogger.com/blogger/3270/2794/1600/1.jpg> Acesso: 07/06/2014. 1951-1960: Obras sem plano urbano durante a ditadura e começo da cidade das torres Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) Florianópolis, Santa Catarina XIV SIMGeo Simpósio de Geografia da UDESC Em 1951 a cidade inicia a década com 715.250 habitantes (León, 2008). As famílias mais prósperas da cidade que tinham passado a maior parte das suas vidas morando no centro, empezaram a se deslocar para o norte a setores como Chapinero, Chicó e os municípios vizinhos como Usaquén e Suba; enquanto os novos habitantes com menores recursos que vinham dos departamentos mais próximos como Cundinamarca, Boyacá e os Santanderes se localizaram na zona sul e oeste da cidade (León, 2008). Esta dinâmica começava a consolidar a aguda segregação social como traço fundamental do crescimento urbano da cidade (Jaramillo, 1992:13). Precisamente, durante a ditadura militar do General Gustavo Rojas Pinilla que aconteceu entre 1953 e 1957, os citados municípios vizinhos e mais outros quatro foram anexados a Bogotá através da Ordenanza 7 de 1954 e do Decreto 3640 de 1954 em um aparente esforço por controlar a ordem pública que tinha realmente a intenção de incorporar uma grande quantidade de terras urbanizáveis (Cortés, 2006) em oposição às abordagens do modelo da cidade na região (Hall, 2005) estabelecidas por Le Corbusier nas propostas das escalas regional e metropolitana do seu Plano Piloto as quais não tinham considerado a conurbação com os municípios vizinhos (Cortés, 2007:177). Além disso, durante a ditadura forma promovidas obras como o Aeroporto El Dorado e o Centro Administrativo Oficial na zona oeste da cidade, as quais estavam baseadas na construção da Avenida El Dorado, rodovia que permitiu a comunicação do centro da cidade com o novo aeroporto. Estas não faziam parte de nenhum plano urbano e eram contrários aos postulados do plano Piloto (Cortés, 2007:180) O inicio da materialização parcial do chamado modelo da Cidade das Torres (Hall, 2005) aconteceu em 1951 com a construção do primeiro conjunto oficial de multifamiliares: o Centro Urbano Antonio Nariño, o qual seria inspirado na Unité d´habitation de Le Corbusier em Marselha (Maya, 2004b:36), sendo um claro rebatimento das propostas dos bairros residenciais europeus do pós-guerra considerando que nesse momento tanto na Colômbia quanto em Europa, embora em contextos muito diferentes, a política habitacional era dominada pela necessidade de: “fornecer novas casas com a maior rapidez possível”, tal como é explicado por Donatella Calabi (2012:320). Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) Florianópolis, Santa Catarina XIV SIMGeo Simpósio de Geografia da UDESC Figura 6. Centro Urbano Antonio Nariño em Bogotá (Sem data). Fonte: <http://unalhistoria3.blogspot.com.br/2013/08/centro-urbano-antonio-narino-cuan-1952.html> Acesso: 07/06/2014. 1961-1970: O protagonismo do plano viário e da zonificação. O período de ditadura militar na Colômbia finalizou em 1958 com a implantação da aliança política entre os partidos liberal e conservador que foi conhecida como o Frente Nacional. Bogotá teve a possibilidade de ter novamente prefeitos civis dentro dos quais se destacaram na década de 1960 o arquiteto Jorge Gaitán Cortés (Prefeito entre 1961 e 1966) e o engenheiro civil Virgilio Barco Vargas (Prefeito entre 1966 e 1969). Baseados nos princípios do urbanismo moderno dos CIAM e das cidades norteamericanas durante a administração do Jorge Gaitán Cortés foram desenvolvidos, entre outros: o Plano Vial (aprovado através do Acuerdo 38 de 1961), as normas específicas (mediante o Acuerdo 51 de 1963) para colocar em funcionamento o Plano Regulador de Wiener e Sert, que não tinha sido oficializado, e foi produzido o texto La Planificación en Bogotá de 1964 (Cortés, 2007:182). Estes fatos representam tanto a continuidade da utilização na cidade do urbanismo como racionalidade técnico-científica (Sánchez, 2008) que tinha iniciado com os Planos Director e Regulador e que foi interrompido pela ditadura, quanto o inicio do rebatimento do modelo da cidade à beira da autoestrada (Hall, 2005) que tinha tido suas primeiras expressões com a construção das Avenidas de las Américas, Norte e El Dorado. Outro fato marcante para a cidade durante a década foi o crescimento da área planificada que passou de 6.100 Ha. no Plano Piloto a 16.500 Ha. em 1964 (Cortés, 2007:182) quando a cidade chegou a uma população 1'697.311 (León, 2008), sendo importante destacar que além das contrapartidas associadas à infraestrutura necessária para a urbanização e em alguns casos mediante o arrecadação do pago do Impuesto de Valorización que foi utilizado fortemente na Colômbia durante a década de 1960 Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) Florianópolis, Santa Catarina XIV SIMGeo Simpósio de Geografia da UDESC (Jaramillo, 2000:2), a cidade teve que fazer grandes investimentos valorizando prédios privados (Salazar, 2005:201) sem a respectiva arrecadação da mais-valia fundiária das terras rurais que foram incorporadas ao perímetro urbano durante este período. Devido ao incremento da população e ao importante papel de entidades estatais a cidade apresentou uma proliferação de grandes projetos habitacionais (Maya, 2004b:38,39) que aliás de visar uma produção massiva de habitação (como por exemplo na conhecida Ciudad Kennedy) procurava uma experimentação técnica que levou a soluções bastante inovadoras e de grande qualidade (como por exemplo nas Torres del Parque do arquiteto Rogelio Salmona). Figura 7. Avenida Carrera 68 em Bogotá na década de 1960. Fonte:<http://www.virgiliobarco.com/es/galeria-de-fotos#!prettyPhoto[744]/13/> Acesso: 07/06/2014. 1971-1978: As normas de urbanização de fragmentos urbanos e o planejamento econômico integral. Na década de 1970 se inicia com força o período do planejamento econômico para o desenvolvimento com a criação do Departamento Nacional de Planeación, o assessoramento da Comissão Econômica para a América Latina e a realização do Plan de Desarrollo Nacional La Cuatro Estrategias (Cortés, 2007:185,186). Uma das estratégias deste tipo de planejamento no país foi a criação de um sistema que dirigisse a poupança privada ao setor da construção que foi conhecido como Unidad de Poder Adquisitivo constante (UPAC) o qual deu um grande impulso às incorporadoras. Em Bogotá foram produzidos vários documentos que visavam orientar o desenvolvimento da cidade e realizados os Programas Integrales de Desarrollo Urbano mediante os quais foram construídas a maioria de obras de infraestrutura na decáda Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) Florianópolis, Santa Catarina XIV SIMGeo Simpósio de Geografia da UDESC (especialmente nas áreas informais) que estavam a cargo do Instituto de Desarrollo Urbano criado em 1972. Os citados programas, em minha opinião foram um rebatimento do que acontecia na Europa nessa época onde “a partir dos anos de 1970 os instrumentos urbanísticos identificam-se cada vez mais com uma serie de procedimentos que visa regular, de forma duradoura, as relações e comportamentos de um conjunto de grupos sociais, locais e de interesse” (Calabi, 2012:360). Entretanto as regulamentações da cidade não acompanharam as abordagens do planejamento econômico e continuaram realizando um planejamento de fragmentos de cidade através da zonificação à qual se adicionou o aumento das densidades na cidade (Cortés, 2007: 193,194) sem que fossem arrecadadas as mais-valias urbanas que o cambio normativo permitia o que ocasionou que os proprietários da terra na cidade ficassem com uma renda que na ótica de Marx é algo furtado e um retorno injusto já que eles não contribuem em nada (Harvey,1980:158). Neste cenário a cidade continua privilegiando o modelo norte-americano em relação com a utilização do automóvel, a construção de autoestradas e de centros comerciais com padrão americano, como o Centro Comercial Unicentro construído em 1976 e acompanhado posteriormente de um projeto de moradia de alto padrão que foi um exemplo do deslocamento das camadas de população mais prósperas para áreas mais ao norte da cidade consolidada, além de uma marcante desatenção nas áreas periféricas informais de uma cidade de más de 2'855.065 habitantes (León, 2008) que recebia cada dia mais população. Figura 8. Centro Comercial Unicentro em Bogotá - 1976. Fonte: <http://www.banrepcultural.org/blaavirtual/historia/bogotacd/hit10e.htm>. Acesso: 07/06/2014. Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) Florianópolis, Santa Catarina XIV SIMGeo Simpósio de Geografia da UDESC 1979-1989: O Acuerdo 7 de 1979 e a continuação do planejamento baseado no mercado imobiliário. Como parte do olhar econômico do planejamento iniciado na década de 1970 foi aprovado o Plan General de Desarrollo para a cidade (Acuerdo 7 de 1979), o qual, segundo Cortés (2007:198,201), teve como foco central tentar “dar uma nova função à normativa urbana, como um elemento que pode e (deve) impulsar o mercado imobiliário, e por tanto ser médio de valorização dos prédios urbanos”. Desta maneira no planejamento da cidade continuo como protagonista a concepção do urbanismo como racionalidade técnicocientífica (Sánchez, 2008) através da zonificação focada nos interesses dos proprietários privados da terra, o que evidencia um dos traços da urbanização nas cidades da América Latina: A debilidade dos aparatos administrativos locais que são geralmente incapazes de regular o funcionamento das aglomerações urbanas (Jaramillo, 1992:14). Durante a primeira parte da década de 1980 foram finalizados os últimos conjuntos de habitação estatais na periferia e no centro da cidade. Logo o protagonismo do Estado na produção de habitação mudou radicalmente para dar passo paulatinamente “a um esquema de subsidio à demanda” (Salazar, 2005:202), o que aumentou a intervenção do setor privado que “tinha sido favorecido pelos modelos económicos e políticas governamentais dos anos de 1970” (Maya, 2004b:48) e que se poderia encaixar na utilização de um modelo de Cidade do Empreendimento segundo o desenvolvido por Peter Hall (2005). Outro fato marcante que aconteceu na cidade e que reforça a utilização deste tipo de modelo foi a realização de duas grandes operações urbanas, a primeira de renovação chamada Parque Central Bavaria (Salazar, 2005), que permitiu a construção de um complexo de torres para empresas e habitação em terrenos privados de uma antiga fábrica no centro da cidade (sem a respectiva arrecadação de mais-valias fundiárias urbanas) e a segunda, de urbanização público-privada da zona centro-oeste denominada Ciudad Salitre (Salazar, 2005 e Maya, 2004b). Ao final da década se destaca a aprovação, depois de muitos intentos frustrados, a aprovação no Congresso da Ley 9 de 1989 de Reforma Urbana que é uma das leis que Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) Florianópolis, Santa Catarina XIV SIMGeo Simpósio de Geografia da UDESC define o direito urbanístico colombiano (Maldonado, 2006:26) e que desenvolve, entre outros, instrumentos para à arrecadação de mais-valias fundiárias urbanas. Figura 9. Ciudad Salitre em Bogotá (Sem data). Fonte: <http://www.javeriana.edu.co/Facultades/Arquidiseno/educacion_continua/documents/ProyEstrategicos.pdf> Acesso: 07/06/2014. 1990-1999: A continuidade do urbanismo imobiliário através do Acuerdo 6 de 1990 e as limitações na propriedade na Constituição de 1991. Ao começo da década de 1990 é aprovado o Estatuto para el Ordenamiento Físico del Distrito Especial de Bogotá (Acuerdo 6 de 1990). A abordagem desta regulamentação pode se situar na mesma linha do Acuerdo 7 de 1979 já que, como é explicado por Cortés (2007:208): “a definição de níveis, tratamentos e o jeito de ser aplicados no Acuerdo 6 de 1990 privilegia a concepção da cidade como um espaço a produzir, derivada do desenvolvimento da indústria da construção e do mercado imobiliário” e “as exigências de espaço para a cidade, para a produção, para a habitação, para todos os usos ficam supeditadas às leis da oferta e da demanda”, continuando com o protagonismo da concepção do urbanismo como racionalidade técnico-científica (Sánchez, 2008) que tinha iniciado na cidade desde a década de 1940 onde as “sucessivas modalidades da zonificação tem flexibilizado de maneira progressiva as normas em matéria de usos e de área edificável autorizada para os terrenos sem contraprestação alguma por parte do setor imobiliário, que de esta maneira tem obtido de maneira gratuita importantes rentas (Vejarano, 2012:4). No ano de 1991 foi reformada por primeira vez de maneira integral a Constituição Política Colombiana de 1886 envolvendo a noção de direitos-deveres e de direitos coletivos no campo urbanístico e ambiental surgindo um regímen constitucional da propriedade que superou a tradição civilista da propriedade redefinindo sua função social (Maldonado, 2006:33). Com base nessa reforma constitucional foi expedida a Ley 388 de 1997 de Desarrollo Territorial, que adotou um novo marco legal, institucional e técnico Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) Florianópolis, Santa Catarina XIV SIMGeo Simpósio de Geografia da UDESC para o planejamento territorial da Colômbia, destacando-se a exigência de formular Planes de Ordenamiento Territorial (POT), que tinham a intenção de permitir aos municípios fazer planejamento territorial de largo prazo e superar o planejamento baseado exclusivamente em normas urbanas e planos setoriais independentes (Salazar, 2005:202). Por outra parte, com a chegada à prefeitura da cidade de Jaime Castro (1992-1994), Antanas Mockus (1995-1997 e 2001-2003) e Enrique Peñalosa (1998-2000), a gestão administrativa, os comportamentos dos cidadãos e a infraestrutura da cidade mudam radicalmente criando o que León (2008) chama como o “novo ambiente de Bogotá no começo do século XXI”. Além disso, reconhece respeito aos prefeitos citados, que “ao primeiro relaciona-se com o saneamento financeiro; ao segundo com o estabelecimento da cultura ciudadana; e ao terceiro, com a realização de importantíssimas obras, entre outras transmilenio, ciclorutas, megablibliotecas”. Este último, em minha opinião fundamenta suas atuações urbanas tendo como referências parciais as grandiosas operações europeias dos anos de 1990 (Calabi, 2012) e o urbanismo como médio de transformação social (Sánchez, 2008). Figura 10. Antigo centro de coleta de lixo que virou Biblioteca El Tintal na zona oeste de Bogotá (Sem data). Fonte: <http://farm2.static.flickr.com/1298/689074460_a17edcbf34.jpg> Acesso: 07/06/2014. 2000-2014: O Plano de Ordenamento Territorial e os instrumentos de arrecadação de mais-valias fundiárias urbanas O século XXI na Colômbia começa com um marcante aumento da violência relacionada com as atividades dos grupos guerrilheiros e paramilitares o que provocou entre 2000 e 2009 o deslocamento forçado de quase três milhões de pessoas (DPS, 2010). A maioria deles terminaria morando nas periferias marginais das grandes cidades do país Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) Florianópolis, Santa Catarina XIV SIMGeo Simpósio de Geografia da UDESC como Bogotá, situação que é um exemplo da negação do direito à cidade como forma superior dos direitos, tal como foi entendido por Lefebvre (Paquot, 2011:86). Nesse cenário no ano 2000 é aprovado o primeiro Plan de Ordenamiento Territorial de Bogotá (POT) através do Decreto 619 de 2000, o qual foi modificado e finalmente compilado no Decreto 190 de 2004. Apesar da incorporação no POT de instrumentos que limitavam os direitos da propriedade privada como a arrecadação de mais-valias fundiárias urbanas (regulamentada mediante o Acuerdo 118 de 2003) e do Reparto Equitativo de Cargas y Beneficios em áreas no urbanizadas e em algumas zonas de renovação urbana, continua o protagonismo da concepção do urbanismo como racionalidade técnico-científica (Sánchez, 2008) ao serviço dos interesses privados do modelo da cidade do empreendimento (Hall, 2005) através da densificação e do aumento da área edificável nos setores da cidade já consolidados, os quais foram autorizados mediante os instrumentos de regulamentação do POT: as Unidades de Planeamiento Zonal (UPZ). Ao respeito tal como tem sido proposto por Vejarano (2012:2): “deve ser motivo de pesquisa, também urgente, as razões e as modalidades concretas de obstrução ao desenvolvimento à utilização sistemática dos princípios e instrumentos adotados pela Lei 388 de 1997 que em muitas ocasiões têm sido disfarçados, encobertos e torcidos com o léxico e a lógica da zonificação”. Entretanto, a cidade continua utilizando a arrecadação da Contribución de Valorización por beneficio local para a construção de infraestrutura urbana a través dos Acuerdos 25 de 1995 e 180 de 2005, sendo parte de um grande impulso que esta ferramenta teve nos primeiros anos do século XIX para financiar especialmente a infraestrutura urbana que precisavam as cidades no desenvolvimento do seu ordenamento territorial (Montaña, 2011:19). No ano 2013 mediante o Decreto 364 de 2013, o POT foi modificado de forma excepcional visando fazer uma simplificação normativa que envolvia a eliminação da zonificação com o principio de adaptar a cidade às novas práticas sociais (Ascher, 2010:86), adequar o ordenamento territorial às mudanças climáticas e o aumento da arrecadação de mais-valias fundiárias urbanas mediante um reparto de cargas e benefícios para toda a cidade. Porem, o plano foi suspendido provisionalmente em março de 2014 pelo Consejo de Estado devido aos supostos problemas na sua aprovação. Será necessário Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) Florianópolis, Santa Catarina XIV SIMGeo Simpósio de Geografia da UDESC analisar esse fato para confirmar se é ou não outra obstrução à utilização dos princípios e instrumentos da Lei 388 de 1997. Figura 11. Ponte da Calle 100 em Bogotá construído mediante arrecadação da Contribución de Valorización entregue em 2011. Fonte: <http://santiagomora0102.files.wordpress.com/2012/03/puente-calle-100.jpg>. Acesso: 29/04/2014. Conclusões O presente artigo tem duas conclusões que podem virar temas de pesquisa posteriores: A primeira tem relação com o continuo protagonismo da concepção do urbanismo como racionalidade técnico-científica no planejamento da cidade, no periodo estudado, através da zonificação focada nos interesses dos proprietários privados da terra. Na segunda, destaca-se a continua apropriação das rendas da terra geradas pelas atuações urbanísticas da prefeitura da cidade promovida pela debilidade administrativa para utilizar instrumentos relacionados com a arrecadação de mais-valias fundiáris urbanas. BIBLIOGRAFIA CITADA Arrubla, Mario (1996) Síntesis de Historia Política Contemporánea. Em Colombia Hoy Melo, Jorge (1996). Editorial Presidencia de la República. Santa Fe de Bogotá. Colección Biblioteca Familiar Colombiana. 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