Confecção de artefatos de cálculos antigos em sala de aula
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Confecção de artefatos de cálculos antigos em sala de aula
CO 06: Confecção de artefatos de cálculos antigos em sala de aula: o ábaco de Napier Bendito Fialho Machado Universidade Federal do Pará [email protected] Resumo Apresentamos neste artigo um dos diversos instrumentos históricos que fazem parte do arcabouço matemático da humanidade ao longo dos séculos, pois foram instrumentos produzidos pela tentativa humana de solucionar os problemas do cotidiano. Também, é nosso objetivo demonstrar como recriar em sala de aula um destes instrumentos: O ábaco de Napier. Para isso adotaremos os passos usados por POISARD (2006) que usa três etapas para o procedimento de construção de artefatos históricos em sala de aula: Fase da descoberta, fase de fabricação e fase de estudo. Os suportes de manipulação tentam fazer conexões entre o conteúdo direcionado abstrato e instâncias concretas desses conceitos. Os alunos se envolvem sobre a criação do artefato de maneira compartilhada através dos conceitos matemáticos envolvidos, criando um envolvimento com esta atividade de aprendizagem de matemática. Além de desenvolver a confiança do professor em sala de aula, o uso de artefatos oferece uma grande oportunidade de compreensão do conteúdo matemático e desenvolvimento mental dos alunos. Os artefatos de matemática ajudam os alunos compreender conceitos abstratos através de interações concretas. Palavras chaves: Matemática, artefatos históricos, ábaco de Napier Introdução A necessidade de somar e fazer cálculos surgiu muito cedo entre os seres humanos pelas necessidades impostas por problemas do seu cotidiano e na tentativa de solucionar esses problemas, na observação da natureza, e por fim, ao comércio. “Muitas, muitas necessidades sociais, exigem cálculos e números” (ALLEN, 2000, p. 1), (tradução nossa). Provavelmente, "o cálculo auxiliar mais antigo é a mão, sua origem provavelmente vem da numeração decimal" (MARGUIN, 1994, p 17), (tradução nossa). Assim, as primeiras ferramentas utilizadas para ajudas de cálculo eram quase certamente próprios dedos do homem, e não é por acaso que a palavra latina "dígitos" é usada para se referir a dedo, bem como uma quantidade numérica. De acordo com a necessidade de representação numérica ia crescendo, o homem arrumava meios de fazer esses registros cada vez maiores e, para isso usava os materiais prontamente disponíveis para o efeito. Pequenas pedras ou seixos foram usados para representar números maiores do que os dedos das mãos e pés, que tinham a vantagem de armazenar facilmente os resultados intermediários para uso posterior. Desta forma, que a palavra "calcular" foi derivada da palavra latina para seixo: cálculo. Um pouco mais tarde, foi o uso do entalhe esculpido em ossos e pedaços de madeira que serviu para contar algo. Mas o invento que revolucionou o mundo na área da matemática foi o ábaco. Com o passar dos anos, outros sistemas mais complexos foram sendo criados, usados e difundidos por todo o mundo. Neste artigo apresentaremos alguns instrumentos históricos que fazem parte do arcabouço matemático da humanidade ao longo dos séculos, pois foram instrumentos produzidos pela tentativa humana de solucionar os problemas do cotidiano. Também, é nosso objetivo demonstrar como recriar em sala de aula dois destes instrumentos: O ábaco de Napier e o Prontuário de Napier. Chamaremos estes instrumentos de artefatos que aparecerão ao longo deste artigo. Todos os instrumentos mencionados aqui são objetos reais, claro que neste caso são modelos de réplicas, porém, baseados em seus modelos originais a partir de livros antigos. Os artefatos matemáticos são objetos de estudo da história da Matemática, pois, “desta forma a história da Matemática oferece oportunidades para se obter uma visão mais contextual do que é a Matemática.” (MACHADO e MENDES, 2013, p. 25). Assim, para Guzmán, (1992, p. 8) Algum conhecimento da história da matemática deverá constituir uma parte indispensável de conhecimentos básicos de matemática em geral e em todos os níveis, não apenas com a intenção de que seja usada como ferramenta no seu próprio ensino, mas principalmente porque a história pode fornecer uma visão verdadeiramente humana da Ciência e da matemática. (tradução nossa) Como as atividades apresentadas são práticas e possibilitam também o desenvolvimento de habilidades cognitivas estas podem ser de importância fundamental para que professor faça com que os alunos repense o que já foi pensado por outros, apropriando-se do conhecimento elaborado por matemático que vieram em tempos anteriores. (FOSSA, 2006). As atividades com artefatos podem proporcionar ao professor uma nova perspectiva sobre a sua própria prática em sala de aula, utilizando o trabalho dos alunos como uma ferramenta que informa e instrui ao mesmo tempo. Acreditamos que os alunos participem 2 mais no aprendizado quando percebem que a lição afeta suas vidas diárias e participam da construção desse conhecimento. A confecção dos artefatos Para uso em sala de aula como um recurso didático do ensino de matemática não é aconselhável que você apenas entregue os objetos já prontos e explique as regras de funcionamento, caso isso aconteça, você estará desperdiçando uma grande oportunidade de desenvolvimento da aprendizagem do aluno. Para isso adotaremos os passos usados por POISARD (2006) que usa três etapas para o procedimento de construção de artefatos históricos em sala de aula: Fase da descoberta, fase de fabricação e fase de estudo. Na fase da descoberta, que é o primeiro momento, aconselhamos que antes de confeccionar os objetos, o professor distribua a um grupo de alunos o artefato a ser trabalhado para que o grupo levante questões sobre o seu funcionamento, ou seja, que lhes se perguntem: O que isto? Como funciona? Isso permitirá que todos manipulem os objetos antes de confeccioná-los, esta fase é introdutória que irá ajuda-los na fase da montagem e preparação do objeto. Atribua um tempo definido para isso. Depois que os alunos fizerem esta exploração introdutória, você introduz a segunda fase, fabricação, que é onde cada aluno ou grupo de alunos estuda de forma de alcançar o seu objetivo que é fazer um objeto idêntico. Aconselhamos que nesta fase você deixe que os alunos deem um retoque pessoal ao seu objeto como cor, por exemplo, desde que as regras matemáticas de sua confecção não sejam alteradas para que funcione perfeitamente. Esta fase de produção é crucial para a aprendizagem dos alunos, primeiro porque eles valorizam seus próprios trabalhos, porém, o mais significativo é o que aprenderam no processo de construção, ou seja, a habilidades metacognitivas desenvolvidas. Na fase final, ou seja, na fase de estudo, onde toda a turma dispõe do seu material pronto, retomamos as questões levantadas na primeira fase: Como e por que isso funciona? É importante trabalhar em grupos de dois, três ou quatro para testar e comparar opiniões. Mas também exige que cada aluno apresente suas conclusões. Ao final somente, o professor faz suas conclusões de institucionalização do conhecimento, mostrando e explicando os por quês dos casos ainda não entendidos pela turma. 3 2.1. Os artefatos Neste artigo como já mencionamos, apresentaremos para confecção em sala de aula o artefato, ábaco de Napier. Estes instrumentos constam do livro Rabdoligea (Napier, 1617), mas que não se tornaram tão populares como os ossos de Napier que foram populares em todo o mundo por centenas de anos. O conjunto de os ossos de Napier tornou-se a primeira calculadora prática do mundo, que poderia multiplicar, dividir e encontrar raízes foi desenvolvido na Inglaterra durante a última parte do século 16. A descrição de John Napier daquilo que costumamos chamar de "Ossos de Napier" vem a nós através do livro Rabdologia (um termo cunhado por ele) ou "Cálculo com varas." Eles são descritos na parte 1 do seu livro em 1617 (escrito em latim). Esta foi a sua última contribuição para a matemática e foi publicado em latim e várias outras traduções não inglesas após a sua morte. (HANSEN, 2007, p. 6) (tradução nossa) O Ábaco de Napier1 A atividade apresentada aqui foi baseada no livro original de Napier (1617) e descrita como Arithmeticae Localis (NAPIER, 1617, p. 113) que era a terceira parte do livro Rabdologiae. Também nos apoiamos em alguns sites de atividades matemáticas2. Este instrumento de cálculo apesar de útil para sua época caiu completamente no esquecimento. O seu funcionamento era totalmente diferente do que se conhecida na época. É como um tabuleiro de xadrez, mas com base em um sistema binário, um século antes de Leibniz explicar como calcular esses números. O ábaco usa uma grade quadrada onde cada quadrado representa um valor. Os dois lados da grade são marcados Figura original do livro Rabdologiae. (NAPIER, 1617) p. 131) com crescentes potências de dois. Qualquer quadrado interno pode ser identificado por dois números nestas duas 1 John Napier (1550 – 1617). Foi um matemático escocês e inventor dos LOGARITMOS. Napier apresentou outro método de simplificar cálculos no seu livro Rabdologiae (1617) onde descreveu um método de multiplicação que usa barras com números marcados nelas. As barras de Napier, às vezes foram feitas de marfim, então elas pareciam ossos, e conduziram ao nome de ossos de Napier (Napier's bones). 2 http://www.xtec.cat/~jjareno/activitats/napier/text/activitat_1.htm http://www.s-v-w.co.uk/napiermaths/make-napier-s-promptuary.html http://courses.cs.vt.edu/~cs1104/Napier/Chessboard.html 4 faces, sendo uma delas verticalmente abaixo do quadrado interior e o outro à sua direita. O valor do quadrado é o produto destes dois números. A confecção do Ábaco De maneira geral o ábaco de Napier é construído em um tabuleiro semelhante ao do jogo de damas e numerado em base dois pelo que sabemos hoje, porém, Napier não tinha o conceito de base 2. Ele usou uma notação diferente: a=1; b=2; c=4; d=8... Assim, por exemplo, 37, que na base 2 é 100101 = 25 + 22 +20 foi escrito como fca. Napier mostrou como mudar de notação decimal para a sua notação e para trás, e como calcular as somas, diferenças, produtos, quocientes e raízes quadradas no seu tabuleiro. (BAGGE e EHRENFEUCHT, 2012, p. 23) Com a cartolina faça um tabuleiro como o indicado abaixo. O tamanho de cada casinha deve ser compatível ao tamnho de duas tampinhas de refrigerantes. O ideal é usar um tabuleiro de damas ou xadrez. Você poderá usar um tabuleiro de xadrês ou dama, já pronto, apenas acrescente os números. O ábaco de Napier é simplesmente um quadrado 8x8 (Extensivo a outros quadrados) e um conjunto de fichas (tampinhas) para registrar os números. Na margem inferior e do lado direito estão escritos os valores das primeiras potências de 2. Um número é escrito e decomposto na soma de suas potências é marcando nos quadrados com uma tampinha guia. Observe o exemplo, como está escrito o número 185. Com o material pronto você vai marcar o quadrado quando o número for ímpar com a tampinha, subtrair 1 e dividir por 2; caso resultado desta divisão continuar ímpar, use o mesmo procedimento, porém, se o resultado for 5 par, deixe o quadrado vazio e divida por dois. Cada um desses procedimentos funciona para cada quadrado menor. Em uma operação com dois números isso deve ser feito para os dois, sendo um de cada vez. Veja este exemplo de dois números, 89 e 41. Adição Após a marcação destes números, vamos ver um exemplo de como se procede para fazer a soma destes. Vamos usar o mesmo exemplo com os números 89 e 41 e ver como fica a adição 89+41 usando o ábaco de Napier. Veja como ficam os números arrumados no ábaco (tabela) construído por você e marcados com as tampinhas de refrigerantes. Para somar os números é muito simples, como cada número está marcado com as tampinhas sobre as suas potências (1, 2, 4, 8, 16, 32, 64, 128, etc.), é só arrastar as tampinhas de cima para a última linha (1), mesmo que nesta casa já tenha alguma ficha, ou não. Veja. Em seguida, onde ficarem duas tampinhas retire uma, e arraste a outra para outra casa à sua esquerda, se lá existir também outra tampinha, faça o mesmo procedimento, até que fique somente uma tampinha em cada casa abaixo. Veja abaixo. 6 Subtração A subtração pode ser feita de forma semelhante à adição, mas removem-se as tampihas em vez de acumulá-las. Por exemplo, para subtrair 125-72. Primeiramente se escrevem os dois números como nas orientações iniciais, que neste caso ficará assim: No subtraendo (número menor) se complementa 1 da seguinte forma: olhe atentamente para cada casa logo abaixo à esquerda do minuendo (neste caso, a coluna 64). Se a casa estiver vazia, ponha uma tampinha, caso esteja prenchida, retire a tampinha. Agora se adicionam os dois números para se fazer a correção. Lembre-se que onde ficarem duas tampinhas retire uma e arraste a outra para a esquerda, se ficarem duas novamente, repita o processo, se, no entanto, ficarem três tampinhas em uma mesma casa, uma é retirada, fica uma e a outra vai para a esquerda. 7 Em seguida transporte a tampinha da última casa mais à esquerda para a primeira casa à direita. Agora é só ler o resultado. Multiplicação A multiplicação é uma das operações que se torna mais fácil com o ábaco de Napier, uma vez que os números estejam escritos corretamente, o cálculo se reduz a um movimento diagonal através do tabuleiro (ábaco) como o movimento do bispo no xadrez. Para multiplicar trabalha-se com os dois lados do tabuleiro: o inferior e direito. Vamos multiplicar 18.15 = 270 Para preparar o fator de multiplicação você deve marcar as potências dos números antes, com as tampinhas (faça o emsmo processo para decompor os números, usando par ou ímpar, como no início da atividade), mas desta vez na parte laderal (por fora). Essas marcas irão ajudar na hora de calculá-los. Por exemplo, marcar o 18 na a parte inferior e 13 ao lado direito. 8 Marque o 18 em cada uma das linhas que estão marcando o número 13. Depois, você pode remover as marca (tampinhas) do lado de fora dos dois números. Agora mova todas as tampinhas na sequência de um movimento diagonal (da esquerda para direita e de baixo para cima). Em seguida, faça a soma, de baixo para cima, usando as mesmas regras já descritas nesta atividade anteriormente, só que desta vez, o movimento das tampinhas é para cima (onde ficarem duas tampinhas retire uma e arraste a outra para cima, se ficarem duas novamente, repita o processo, se, no entanto, ficarem três tampinhas em uma mesma casa, uma é retirada, fica uma e a outra vai para a cima). 9 Agora é só ler o resultado. Conclusão Acreditamos que o trabalho de recriação de artefatos matemáticos em sala de aula, não só desenvolve a prática como envolve o aprofundamento tanto da área do assunto em si, mas também do conhecimento pedagógico, e é uma tarefa que não é fácil, porém, é emocionalmente e desafiadora. Procuramos mostra neste artigo, como os professores podem ganhar uma nova perspectiva sobre a sua própria prática de sala de aula, utilizando o trabalho dos alunos como uma ferramenta que informa e instrui. Além de desenvolver a confiança do professor em sala de aula, o uso de artefatos oferece uma grande oportunidade de compreensão do conteúdo matemático e desenvolvimento mental dos alunos. Os artefatos de matemática ajudam os alunos compreender conceitos abstratos através de interações concretas. Também, o trabalho com artefatos em sala de aula facilitam a participação e aumento do desempenho dos alunos. Como os objetos nos fascinam, eles prontamente se envolvem com eles, porque os artefatos carregam histórias, eles são eficazes para o ensino de matemática, ciências, estudos sociais e linguagem das artes. Descobrir e contar as histórias de objetos ajuda os alunos a assimilarem os dados em um padrão ordenado. Nossas mentes reconhecem e lembram padrões. Artefatos envolvem os alunos na aprendizagem de maneira eficaz. Em outras palavras, artefatos ensinam por si só, porque eles capturam nossa imaginação. Nós, seres humanos somos muito curiosos. Queremos saber (ou imaginar) o que aconteceu com o objeto antes de nós, antes de sua aparição em nossas vidas. Como é feito? De onde veio? Quem o encontrou? Como foi usado antes? Como chegou até 10 nós? Ah, este é o material de histórias! Tudo isto aprofunda o fascínio, a curiosidade aumenta e fortalece o envolvimento dos alunos. Apresentando com artefatos em sua prática em sala de aula reforça todas as fases do processo de aprendizagem. Enfim, o uso de artefatos em sala de aula, permite ensinar e avaliar a matemática de uma forma imaginativa e criativa, além de ampliar a compreensão de um contexto. REFERÊNCIAS ALLEN, G. Donald. The Origins of Mathematics. 2000. Disponível em: https://myweps.com/moodle/pluginfile.php/18175/mod_resource/content/1/origins.pdf. Acessado em 23/09/2014 BAGGE, Patrícia. EHRENFEUCHT Andrzej. Number Words and Arithmetic: A Story of Numbers. HPM-Americas Section Meeting. October 26/28/2012. Disponível em: http://www.math.nmsu.edu/~breakingaway/notes/number%20words%20berkeleyn.pdf Acessado em: 25/02/2014. FOSSA, John Andrew. Recursos pedagógicos para o ensino da matemática a partir das obras de dois matemáticos da Antiguidade. In: MENDES, Iran Abreu et. al. A história como um agente de cognição na Educação Matemática. Porto Alegre: sulina, 2006. p. 137182. HANSEN. Jim. John Napier's Bones. Jim's Math and Science . 2007. Disponível em: http://www.17centurymaths.com/contents/napier/jimsnewstuff/Napiers Bones/NapiersBones.html, acessado em 15/09/2010. MACHADO, Benedito Fialho e MENDES, Iran Abreu. Vídeos didáticos de história da matemática: Produção e uso na educação básica. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2013 – (Coleção história da matemática para professores). MARGUIN, Jean Histoire des instruments et machines à calculer : trois siècles de mécanique pensante, 1642-1942. Paris : Hermann, Éd. des Sciences et des Arts, 1994 NAPIER, John (1550–1617). Rabdologiae, Libre duo. Edinburgh , 1617 POISARD, Caroline. La fabrication et l’étude d’instruments à calculer. CultureMath: Franch, 2006. Disponível em: http://culturemath.ens.fr/nodeimages/images/Dossier.pdf. Acessado em: 10/06/2010 11