rascunho do discurso
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rascunho do discurso
FUNDAÇÃO AMILCAR CABRAL ATELIER “ESTADO NAÇÃO E OS DESAFIOS DA INTEGRAÇÃO REGIONAL: O CASO DE CABO VERDE” XXX A PROBLEMÁTICA DA LIVRE CIRCULAÇÃO DE PESSOAS E BENS E O PAPEL DE CABO VERDE NA SEGURANÇA DA COSTA OCIDENTAL E DA FRONTEIRA SUL DA UNIÃO EUROPEIA1 O Tratado revisto de 1993, cuja nova versão entrou em vigor em 1995, foi um imperativo uma vez que nem o Tratado de Lagos de 1975, nem os sucessivos Protocolos Adicionais que o alteraram havia determinado a aceleração da integração económica e o reforço da cooperação política. Aliás, o tratado da CEDEAO de 1975, assinado pelos Chefes Estados durante a Conferencia de Lagos, modesto e parco em normas modeladoras de políticas comuns, mostrara-se, nos anos 80, inadequado para dar satisfação aos desafios da integração e sanear a instabilidade política e militar reinante na região. Havia, portanto, a necessidade de se reestruturar a CEDEAO de forma a: - Adequa-la ao lançamento de grandes projectos de base (estradas, telecomunicações, energia); - Intensificar as trocas comerciais intra-regionais; e - Pôr cobro ao problema de acumulação de dívidas externas tanto dos Estados membros como da própria organização. Mas foi, sobretudo, a instabilidade política e militar que se instalou na subregião que levou os Chefes de Estado e do Governo dos Estados membros reunidos em Conferência de Freetown de 1981 a assinar o Protocolo Adicional contendo a Emenda do 4º do Tratado de Lagos e que criou o Conselho de Defesa e a Comissão Especializada da Defesa. Porém, nenhuma das alterações que se fez ao Tratado de Lagos deu a eficácia normativa que permitisse a previsão e resolução atempadas dos problemas militares, económicos bem como o de deslocações em massa das populações causadas pela guerras, crises graves e outros. Um flagelo cíclico… O Tratado revisto de 1993 que substitui o Tratado de Lagos embora tenha consubstanciado os princípios da supranacionalidade e criado as instituições supranacionais de controlo e arbitragem na aplicação das decisões como sejam o Parlamento, o Tribunal Arbitral e Conselho Económico e Social da Comunidade, não 1 Painel apresentado por Manuel Amante da Rosa, Diplomata Aos 05 de Abril de 2007 1 evitou que o poder e a tomada de decisões se concentrassem demasiadamente no Secretariado -agora Comissão - e que as questões mais sensíveis sejam tratadas directamente pela Conferência. Por outro lado, os acordos elaborados no âmbito da CEDEAO muitas vezes não podem ser aplicados nem pelos Estados nem pela própria Organização. Escasseiam a determinação política e meios para a implementação das políticas comuns. Devo salientar, primeiramente, nestas considerações que, até aqui já se constatou que os resultados económicos, ao fim de mais de trinta anos de Adesão à Cedeao são praticamente marginais ou praticamente nulas e sem perspectivas encorajadoras. É de bom-tom, numa preocupação maior, esclarecer que estas reflexões devem ser enquadradas no sector da segurança das nossas gentes e ilhas, focalizando-as num plano abrangente e transversal dos nossos interesses nacionais. Inúmeras vezes, e nos níveis e sectores mais diversos do governo e da sociedade civil, tem-se vindo a questionar a permanência do país na Cedeao. Estes questionamentos tiveram o seu aparecimento logo no início da nossa Adesão e têm nos últimos tempos, se agravado devido a um número cada vez mais crescente de cidadãos oriundos dos países membros que vão, por todos os meios, chegando às nossas ilhas ao abrigo dos 8 Protocolos Adicionais sobre a livre circulação de pessoas e bens, 7 ratificados pelo nosso Parlamento. Se uma parte dos cidadãos comunitários pretende fazer das ilhas um trampolim para outras paragens a maioria vem, hoje, com intenção de aqui permanecer. Face às dificuldades naturais de integração, optam por se constituir em núcleos ou comunidades fechadas, por vezes um pouco refractários aos hábitos e costumes das gentes das ilhas. Começam os nossos irmãos do continente a fazer algo muito natural que é a reunificação familiar mas necessitam de ser orientados para que os seus filhos ou educandos integrem o sistema de ensino legal. Os efeitos conjugados da não integração paulatina, a marginalização e a própria auto-segregação constituirão, a médio e longo prazo, fonte de graves preocupações para a sociedade cabo-verdiana e as suas autoridades. As nossas infra-estruturas sociais existentes, a trabalharem sempre no limite das suas capacidades, ficarão certamente mais sobrecarregadas face ao crescimento populacional, num ritmo mais elevado, destes imigrantes. O seu número actual é calculado acima dos 15 mil mas abaixo dos 20 mil, na sua maioria por homens se bem que já se constate significativa chegada de mulheres. Significariam, portanto, 4 a 4,5% da população cabo-verdiana residente ainda que esta percentagem seja mais elevada nalguns municípios. Ainda que tenhamos recolhido alguns dados avulsos, as estatísticas são inexistentes ou nulas para se fazer uma avaliação mais aprofundada destes números. Constatamos é que a grande maioria dos cidadãos dos países membros da Cedeao são jovens na faixa dos 20 a 40 anos, sem suficiente qualificação laboral mas que constituem uma considerável reserva de mão de obra, por eles proporcionada, na construção civil, no sector da segurança patrimonial de empresas e moradias e na hotelaria e turismo. A oferta de mão-de-obra nestes sectores tem se reflectido nos poucos aumentos salariais ou segurança dos vínculos laborais. São raros os casos de exacto cumprimento da legislação trabalhista no que se refere aos contratos, 2 especialmente no que concerne aos descontos devidos e a protecção social obrigatória por parte das empresas empregadoras. Algo que também acaba por se reflectir nos impostos que o Estado deixa de cobrar. Laboram, por vezes, em condições desumanas por longos períodos. Julgamos que mais de cerca de 80% destes trabalhadores não conseguiriam apresentar vínculos laborais (contrato de trabalho permanente ou temporário ou meios de subsistência legais se questionados pelas autoridades). Ainda que de forma empírica, por ausência de dados precisos, é possível que já estejam a contribuir para o PIB nacional em cerca de 2%. Acima, por exemplo, do sector da pesca artesanal entre 1990 e 2003. Outros destinos de subsistência são o comércio informal, o artesanato e outras actividades de duvidosa legalidade directamente ligados, nos tempos de hoje, aos fluxos migratórios irregulares. A grande maioria professa a religião islâmica num país de maioria cristã. As minhas perspectivas, são de que, mantendo-se a actual tendência e no caso do não agravamento da instabilidade reinante na sub-região, o seu número aumentará a uma taxa anual de cerca de 4 a 5 mil pessoas. Previsão modesta mas, que já significa um certo factor de risco para a segurança interna do País nos anos vindouros. Mas, como dizia, caso se agravem as condições de vida na nossa sub-região (factor naturalmente previsível), poderemos ter que fazer face a vagas sucessivas de imigrantes em busca de melhores condições de vida e segurança. Nenhum dos nossos Estados, ainda que num quadro de segurança firmados com países terceiros (Espanha, Portugal e outros no quadro do Frontex), tem como segurar permanentemente essas vagas. Podemos limitar as chegadas mas far-se-ão… Os países de origem, assolados por crises sucessivas (pluviometria irregular, desertificação, pressão demográfica sobre os terrenos aráveis, concentração urbana, desemprego crescente na camada jovem, instabilidade política, ausência de recursos energéticos e escassez de investimentos), não terão determinação em fazer parar essas vagas de emigrantes. É penosa esta conclusão, pelo desgaste e hemorragia que provoca nos Países de origem, mas a imigração massiva tornou-se paradoxalmente uma válvula de escape para muitos Governos na nossa sub-região. A mobilidade intra regional já é um facto evidente e é sete vezes e meia maior que para outras regiões. Atinge 8 milhões de pessoas. O aumento populacional na Cedeao, porque seremos 430 milhões em 2020 (relatório da Youth Unemployment and Regional Insecurity in West Africa das Nações Unidas) também alerta para o facto de que o número de jovens à procura de emprego e alimentos aumentará significativamente. A taxa de desemprego estimada nos jovens é três vezes mais elevada que nos adultos, a degradação do sector produtivo nos próximos anos (ainda que se constatem níveis de crescimento de 3 a 5% quando se precisaria de crescer a pelo menos 10% ou mais) e o agravamento da má distribuição de renda na nossa sub-região farão crescer, em valores maiores, a ânsia de emigrar a qualquer custo e para onde houver potencialidades mínimas de segurança e vida melhor. Estudos das 3 Nações Unidas e da CEDEAO indicam que são os mais capazes, física e intelectualmente, a emigrar. Em suma, as possibilidades de desenvolvimento e estabilidade na nossa subregião serão escassas enquanto perdurarem as tendências demográficas, políticas económicas desajustadas e milhões e milhões de jovens permanecerem no desemprego e incertos quanto ao que o futuro lhes reserva. As nossas transacções comerciais com os países membros da Cedeao são marginais e não chegam a atingir em média 1,9% (o ponto mais alto em 2003) do comércio internacional do país. Quase que chegam a reflectir a fatia da África no comércio mundial. As nossas importações e exportações restringem-se a muito poucos itens da nossa pauta de comércio exterior. Os meandros burocráticos para a exportação de produtos, na realidade, são complexos, penosos e dependentes em larga medida do irregular transporte marítimo. É mais fácil exportar para os EUA ou Europa. Dificilmente conseguiremos reexportar ou mesmo fazer do Porto de Mindelo um hub para o transhipment para a sub-região devido ao encarecimento de ter que se fazer duas ou até mais estivas e talvez obter uma aceitação do país importador para essa escala. O master plan do Porto Autónomo de Dakar é ambicioso mas realizável. É uma estrutura portuária que há muito serve de interface (reparações navais, indústria petroquímica, ferrovias e rodovias, armazenamento) no abastecimento de cerca de 60 milhões de pessoas num raio de mil a mil e quinhentos km da capital senegalesa. Quanto à possibilidade de podermos vir a exportar para esses mercados as probabilidades são e continuarão a ser adversas. Os nossos produtos industriais, a existirem, mesmo que montados nas Zonas Industriais, serão pouco competitivos devido aos nossos elevados custos de produção (energia e água cada vez mais caras devido à subida previsível do preço de petróleo, mão-de-obra mais remunerada e uma permanente indefinição de qual será a nossa vocação exportadora). Mas é válido acreditar, no entanto, que o volume monetário das transacções informais com a sub-região seja significativo. Algo que não chega a ser devidamente controlado, incluindo as transferências de invisíveis correntes. Face a estas constatações, brevemente referidas, e perspectivando o futuro reitero que sempre numa óptica de segurança e defesa - deixo, em jeito de arremate, algumas interrogações: • Certamente que os cidadãos comunitários contribuem para o desenvolvimento económico do país! Mas em que moldes e em que medida? • Têm mesmo aumentado os índices de produtividade e reduzido os custos de produção no sector da construção civil e da Hotelaria? • Rondarão certamente os 50 mil daqui a 10 anos! Qual a gravidade dos problemas sociais que emergirão com estes imigrantes e seus descendentes? 4 • Que políticas integrativas, mais apropriadas, terão de ser implementadas, o quanto antes, para que contrariaremos a tendência desta comunidade imigrada para a "guetização"? • Que meios teremos, por ora, para fazer aplicar as disposições especificados nesses Protocolos (permanência de 3 meses, comprovação de emprego ou meio de subsistência)? E com que fundos adicionais assumiremos as expulsões que certamente mais tarde ou mais cedo se terão de fazer? • Como reforçar a segurança a nível interno, num ambiente de constante agravamento das fracturas sociais, religiosas e talvez étnicas? Estas interrogações são próprias de uma República acossada, pela primeira vez na sua curta existência, por um fenómeno social que ultrapassa as suas capacidades de previsão, tratamento e resolução. As ilhas de Cabo Verde estão a tornar-se mais um país de destino que de trânsito. Mas, ao mesmo tempo, é justo reconhecer, que o país se depara com um paradoxo: - O de necessitar dessa mão-de-obra para o crescimento rápido de construção civil já iniciado, tanto no sector das obras públicas, como no sector hoteleiro e turístico; e - Ter que fazer face aos inevitáveis problemas de integração social, controlo e segurança interna que um surto de imigrantes irregulares certamente colocará. Ainda assim, deve-se ter em consideração, na análise desta questão, que devemos, na medida do possível, evitar de fazer um linkage no binómio CEDEAO/imigração irregular para se evitar a nível nacional classificações menos apropriadas e que poderiam fazer tábua rasa do nosso passado e história recente. Ainda que possam ser as duas faces da mesma moeda, a abordagem do seu tratamento é forçosamente diferente. Deve-se considerar, à partida, que Cabo Verde, esteja dentro ou fora da Cedeao, continuará a ser ponto de destino e de trânsito para os imigrantes da subregião enquanto facultar aos seus cidadãos e residentes bem-estar e segurança. As ilhas da Boa Vista, Sal, Maio e Santiago estão somente a 2 ou 3 dias viagem de piroga da costa vizinha. Não foram até hoje encontrados mecanismos suficientes que obstaculizassem totalmente as correntes migratórias mundiais. A evolução das civilizações é delas tributária porque a diversidade e a heterogeneidade cultural sempre serão um elemento catalizador desse enriquecimento. Perante estas observações que alternativas mais viáveis se apresentam quanto à imigração irregular? Uma primeira visão seria aquela que tenderia a manter o actual status - a de assumirmos os Protocolos Adicionais sobre a livre circulação de pessoas, todos 5 assinados e ratificados na década de 90 e se ser estritamente rigoroso no seu cumprimento quanto às exigências de controlo à entrada e permanência no país. Solução de todo não passível de exacto cumprimento. Não se possuem meios de controlo, tanto a nível dos departamentos competentes como no próprio aparelho policial. Os resultados são os que se têm visto. E este estado de situação se deve essencialmente à crónica falta de meios de que as nossas forças policiais e de fiscalização padecem. O controlo e fiscalização, que exigiriam grandes meios, teriam que ser feitos, tanto à entrada como a montante dos fluxos de chegada (empresas empregadoras dessa mão-de-obra, através de mecanismos judiciais e administrativos mais eficazes na expulsão dos ilegais com toda a carga negativa que sempre representa e detecção antecipada das redes de imigração ilícita). Mas, dificilmente se conseguirá evitar que venham cada vez em maior número e que por cá permaneçam engrossando, possivelmente numa fase mais adiantada, o desemprego, os problemas sociais e quiçá aprofundando a pobreza e fracturas sociais. Um outro cenário alternativo é soberanamente se suspender a execução dos Protocolos alegando especificidades que resultam da insularidade, reduzida dimensão da população cabo-verdiana, regressão da sua taxa de crescimento populacional e insuficientes infra-estruturas sociais. Algo que tenderia a diminuir os fluxos mas não os erradicaria totalmente. Até onde se pode ir, em termos estatutários, a suspensão, ainda que temporária ou denúncia desses Protocolos não é possível. Estes instrumentos adicionais ao Acordo base da CEDEAO não prevêem tais dispositivos. O próprio texto base deste instrumento geral de integração não prevê a denúncia destes protocolos ou outros. Alguns estudiosos entendem, no entanto, que Cabo Verde poderia soberanamente decidir pela exigência do visto e outros requisitos à entrada dos cidadãos comunitários. Facto que provocaria certamente maiores críticas e poderia levar a que a Cedeao, apesar de não ser ainda um órgão supranacional, assumisse a intenção de poder aplicar algumas medidas retaliatórias que de momento não se descortina. Não existem antecedentes de algum Estado-Membro ter tomado tal decisão de suspensão de algum Protocolo da organização. O que ocorreu foi a tal retirada da Mauritânia ao abrigo do Artigo 64º do Acordo Base. Caso as nossas propostas possam vir a não ser consideradas - o que é perfeitamente plausível - tendo em vista que o escopo principal duma organização de integração são os pressupostos da livre circulação de pessoas e bens, não restará a Cabo Verde outra opção a não ser a denúncia ao Acordo de Base da Cedeao. Mas devemos estar atentos, como tenho dito, à questão da integração dos cidadãos da comunidade aqui residente com o fito de não diferirmos os custos com factores que poderão vir a ser muito altos senão incomportáveis. Para tal, deve-se: - Proceder a avaliações de quantos cidadãos comunitários já preenchem os requisitos para lhes ser facultado, em querendo, a nacionalidade caboverdiana; 6 - Flexibilizar a concessão de autorização de residência permanente; - Incentivar às famílias que tenham crianças para que utilizem os estabelecimentos oficiais de ensino para educação dos mesmos: - Possibilidade de se poder adoptar a reunificação familiar; - Criar um organismo estatal de aconselhamento e protecção dos seus direitos; - Analisar a legislação em vigor e actualiza-la, se necessário, flexibilizando, no que concerne aos vistos de permanência e trabalho; e - Se pensar na adopção na concessão de vistos sazonais para o trabalho temporário. O Governo, muito atento, entretanto, a esta sensível problemática, apelou, em Dezembro último, através do Ministro dos Negócios Estrangeiros, aos outros membros da Cedeao da necessidade de Cabo Verde poder usufruir de um estatuto especial como país insular afectado por especificidades próprias e em que a lógica continental prevalecente acaba por em certa medida não beneficiar o arquipélago. No decorrer deste ano Cabo Verde deverá submeter um conjunto de propostas com vista a obter um estatuto especial. Mas quero crer devido a problemas outros que surgirão na sequência das nossas alegações que iremos abrir a caixa de Pandora. Esta actuação insere-se igualmente num pesado cadernos de encargo, na acção externa, para o país no corrente ano: - O de entabularmos negociações preliminares para obter, através de tortuosas negociações, um estatuto especial com a Cedeao, eivado de um certo desengajamento, mais próximo de uma Adesão à la carte, escolhendo o que mais corresponde, em termos de contrapartidas, aos interesses nacionais: e - Um outro, também de longo fôlego, não menos difícil e complexo, junto da União Europeia, buscando vantagens económicas necessárias e imprescindíveis ao desenvolvimento e à inserção de Cabo Verde no mercado mundial. Foi assim que, sem uma dimensão futura que assentasse num pendor de cariz económico e estratégico, que Cabo Verde enveredou pelos ventos que nos finais da década de 70 permitiam uma apertada bolina. Verificamos, portanto, amiúde que os objectivos que à época nos guiaram no processo da nossa Adesão à Cedeao estão hoje parcialmente se não de todo ultrapassados. As perspectivas de desenvolvimento do país, na altura, eram muito modestas. O contexto histórico e político em que surgiu Cabo Verde justificava uma integração baseada em pressupostos ainda que meramente geográficos e de apoio dispensado na sub-região para a extirpação dos últimos redutos coloniais na sub-região. É, na realidade, forçoso reconhecer que passamos a integrar um espaço geográfico que mal se conhecia, mas na qual se depositavam esperanças. Conviria igualmente expressar que o 7 contexto internacional se caracterizava por fortes efeitos da guerra-fria em África (conflitos na periferia dos blocos), que os custos das matérias-primas não tinham sofrido a erosão que hoje patenteiam e poucos, se não raros, eram os ventos democráticos que sopravam pela sub-região. Há algum tempo que o marasmo e a indefinição em traçar metas adequadas, devido às guerras civis, muitas de extrema violência, nos Estados Membros e o acelerado crescimento populacional tornaram a organização numa mera caixa de ressonância política de alguns líderes políticos. Nestas condições, por demais conhecidas por todos vós, como unificar, através da integração, sujeitos cuja interioridade se acha desintegrada? Este estado de situação vem colidindo, algumas vezes, com os interesses estratégicos definidos pelos sucessivos Governos caboverdianos no que concerne às suas opções para um desenvolvimento sustentado do país, ancorado noutras organizações e países pertencentes a outros Continentes. Os pressupostos que nos guiaram numa abordagem multilateral integracionista acabaram por nunca ser realizados. A dinâmica do processo cooperativo de integração foi desvanecida pelos anseios próprios da edificação e consolidação dos Estados recém independentes. A Cedeao, apesar da vontade política dos líderes dos seus Estados Membros, tornou-se uma organização pouco articulada e incapaz - financeira e politicamente - de poder corresponder às solicitações do pormenorizado programa de integração que foi formatando. Como afirma, lamentando, Abass Bundu, Ex-Secretário-Executivo, não existe uma cultura de integração e até de desenvolvimento geral na sub-região. Continua alertando, este notável especialista do desenvolvimento, que em nenhum dos países as estratégias de desenvolvimento conseguiram “estrangular os desequilíbrios estruturais das economias nacionais”. O pesado aparelho administrativo, que apoia o Secretário Executivo, é burocrático e, por vezes, refém de interesses variados dos políticos dos Estados Membros. Não é raro escutar, a cada etapa e crise, comentários nos meios diplomáticos que a Cedeao precisaria de ser profundamente remodelada e os seus conteúdos programáticos completamente revistos. Ciente desta necessidade, a reunião de Ouagadougou, em 19 de Janeiro último, que transformou o Secretariado Executivo em Comissão da CEDEAO e proceder à reestruturação das Instituições para as tornar mais eficazes. Julgo que esta última terá sido a quarta reestruturação da Cedeao desde a sua criação em 28 de Maio de 1975. Um único país, a Nigéria, detém quase 60% da sua população. Mais da metade do PIB regional, possui das maiores reservas de recursos naturais e exerce, como tal, toda a sua influência. Pouca margem de manobra é destinada aos países mais pequenos e do qual Cabo Verde é a lanterna vermelha em termos de população e território. Mesmo a nível do PIB em USDPPC (paridade de poder de compra) é o penúltimo (2004-Nações Unidas). Apesar da marcada heterogeneidade da região as economias são pouco diversificadas. O PIB por cabeça é inferior a 500,00 usd e o PIB regional é de cerca de 130 mil milhões de usd, o comércio intra regional permanece reduzido (13%) e com 8 pouca tendência para evolução. O PIB da África do Sul é 1,6 maior que o da CEDEAO, o da Bélgica e o de Portugal, maiores 2,7 e 1.2 respectivamente. Foram identificados pela Small Arms Survey, edição publicada o ano passado, 35 organizações armadas (pró e anti governamentais, grupos de autodefesa) na Cedeao, sem contar com os pequenos grupos alguns até de cariz religioso. Todos eles representam uma ameaça para a segurança regional e humana. O recrutamento, por vezes forçado, para engrossar as fileiras destes grupos é junto da juventude. Algo que tem sido possível devido à ausência de desenvolvimento económico e desemprego generalizado. Fazer parte de grupos armados tornou-se uma forma de ganhar a vida na sub-região. A instabilidade sub-regional tem feito enfraquecer sobremaneira, as estruturas estatais, principalmente os órgãos de segurança (as forças armadas e policiais). Este estado de permanente degradação social e económica tem levado à criação de redes de tráfico humano, de armas e de narcotráfico na sub-região, esta com origens no lado oposto do Atlântico, para abastecimento de um mercado em franco crescimento na Europa Apesar da moratória da Cedeao quanto à importação, exportação e fabricação de armas ligeiras o contrabando permanece constante e não tem sido possível evitar que os artesãos/ferreiros da sub-região deixem de as fabricar. A existir, no entanto, alguns progressos nesta política eles ainda são muito tímidos e pouco visíveis. A Comissão tem se multiplicado, de forma regular, e estou certo de que o continuará a fazer, em submeter às Reuniões Ministeriais e Cimeiras, Acordos, Protocolos e ajustes que raras vezes se adequaram às realidades e/ou foram maioritariamente cumpridas. Os Projectos mais ambiciosos são: um único banco central, uma única zona monetária, uma câmara de compensação para reduzir a utilização das outras nove moedas da sub-região, título de viagem e passaporte da Cedeao, política agrícola comum, zona de livre comércio, união aduaneira no final deste ano, tarifa exterior comum, master plan para o transporte de energia. A Comissão tem na realidade feito uma fuga em frente na esperança de que os conflitos internos se apazigúem, que os Estados se engajem finalmente num processo integrativo, que os fundos aumentem, que as economias dos seus membros deixem de ser concorrenciais para se tornarem complementares, se enverede por uma via agroindustrial com um sistema educacional estruturado e… que os seus membros paguem atempadamente as quotas e contribuições fixadas. Interessa, neste caso em apreço, dizer que a integração regional é um acto voluntário e edificado numa base colectiva que tem por fim uma identidade e construção comunitária num espaço de vizinhança geográfica delimitada. Ainda que os elementos teóricos da integração possam indicar, no caso da Cedeao, que nos pendemos para a teoria desenvolvimentista (a integração como meio e como condição de desenvolvimento) os factores que afloram ao longo destes três decénios e especialmente após as últimas revisões do Acordo de Base são mais próximos da escola neoclássica 9 (livre circulação dos factores de produção e o levantamento de todas as barreiras tarifárias e não tarifárias e obstáculos à livre circulação de pessoas e bens). Cabo Verde tem, devido à sua reduzida dimensão económica, populacional, linguística, étnica, religiosa e separação física do Continente, se colocado, quase que naturalmente, na periferia da Cedeao. Até hoje, muito raros foram os quadros caboverdianos que trabalharam no Secretariado, que participaram regularmente das suas reuniões ou que conhecem de forma razoável a organização. As taxas de presenças de Delegações cabo-verdianas nas reuniões técnicas e políticas são baixas e sem um fio condutor ou estratégia negocial na defesa dos nossos interesses, a não ser na década de 80 no que se refere ao Pacto Militar. A Comissão nacional da Cedeao apesar de criada não se reúne. No entanto, o país tem pesados encargos anuais com a organização. E agora ainda mais devido ao Parlamento da Cedeao e aos órgãos judiciais criados. As quotas e contribuições são bem mais elevadas se comparadas com as das Nações Unidas e/ou mesmo da União Africana. As nossas dívidas à organização ultrapassam hoje os 15 milhões de Usd, juntando as quotas, contribuições e taxas aduaneiras da Cedeao cobradas. A Mauritânia, como referimos atrás, abandonou a CEDEAO após algum período de maturação e apesar de ter uma economia, a nível da CEDEAO, muito mais integrada que a nossa. As suas explicações aos países membros foram convincentes e após uma curta crispação de alguns membros conseguiu normalizar as suas relações com todos eles. Ainda que algumas vozes críticas tenham afirmado, na altura, que essa opção de se querer aproximar do Magreb e do Mediterrâneo correspondesse a uma atitude de se integrar numa região bem mais dinâmica economicamente. Mas os mauritanianos continuam, ainda hoje, com uma enorme diáspora muito espalhada pela CEDEAO. São, na realidade, detentores do pequeno comércio de subsistência dos locais (centro e periferias das cidades) onde estão instalados. Dominam o comércio daqueles que não podem comprar mais que 100gr de manteiga, três pães, chícara de óleo ou açúcar por dia. Apesar dos progressos consideráveis que temos feito e nos prestarmos a passar para os PMA o espectro do factor vulnerabilidade em Cabo Verde continua, mesmo assim, cada vez mais presente. Ele também se deve e fundamentalmente à exiguidade dos factores constitutivos do poder nacional (defesa, segurança, meios energéticos, população, economia e área territorial). Com estas limitações o país não pode garantir sozinho, em condições de razoabilidade, a defesa e segurança do seu reduzido e descontínuo espaço territorial e vasta zona marítimo. Precisamos sempre de ter em conta que somos, na realidade, um Estado exíguo ainda que a nossa extensão marítima quase alcance os 800.000 km2. Mas também é necessário considerar que estamos numa zona de confluência marítima -o terço médio atlântico - com peso estratégico e político devido à intensa circulação marítima e aérea e proximidade à costa ocidental africana. Uma localização geográfica que permite incluir Cabo Verde na classificação, segundo o Prof. Adriano Moreira, de Estado Funcional, em termos de segurança e vizinhança, enquanto sujeito internacional confiável. 10 Factores importantes às organizações intercontinentais de segurança colectiva e países que acabam por colocar Cabo Verde cada vez mais dentro do anel de segurança do flanco sul da União Europeia e da NATO. Estes atributos conferem a Cabo Verde um considerável valor estratégico próximo de uma zona litoral com certa instabilidade, possuidora de potenciais jazigos de hidrocarbonetos e no centro das rotas de abastecimento de produtos necessários para os países da aliança transatlântica. É minha convicção, nesta fase, que os caminhos externos cabo-verdianos deixaram de ser, convergentes com os da organização sub-regional de integração económica. Cabo Verde faz cada vez mais um percurso ascendente e difundente, graças a um quadro de estabilidade macroeconómica, que lhe permite melhorar os seus índices económicos, em termos de diversificação do seu relacionamento, do seu crescimento e desenvolvimento, que exigem a continuação das opções estratégicas adoptadas. Encontramo-nos, graças a uma política bem definida pelo Governo, num processo dinâmico de crescimento e relações económicas, através de investimentos maciços, que extrapolam, do ponto de vista estratégico e geopolítico, a nossa subregião. Como observador atento julgo que, a cada dia, se torna mais complexa a gestão da nossa permanência dentro da organização sub-regional, a CEDEAO e ao mesmo tempo procurarmos um estatuto de parceria estratégica com a União Europeia. Devido à abordagem multilateral que sempre tem caracterizado o nosso relacionamento com a sub-região, pese embora alguns Acordos bilaterais importantes, dos quais destaco os Acordos de Delimitação das nossas fronteiras marítimas com o Senegal e com a Mauritânia, fomos passando, nestes três decénios, ao largo de um aprofundamento das nossas relações económicas com o Senegal, Guiné Bissau e outros que mais nos são próximos e interessam em termos de parceria e complementaridade porque entendo que os há. Julgo igualmente que a chapéu da multilateralidade subregional se tornou no principal obstáculo ao aprofundamento das relações com os nossos vizinhos do Continente, especialmente no sector económico. A implementação da vertente bilateral pode ser o caminho mais viável para nos inserirmos na sub-região económica e culturalmente. A solução possível é, portanto, a de aprofundarmos o nosso relacionamento a nível bilateral sem pensarmos de momento numa integração económica. Um projecto que deixaremos para mais tarde quando os nossos interesses voltarem a convergir e Cabo Verde não tiver o espectro da vulnerabilidade sempre a pairar por cima da sua cabeça. Mas devemos, contudo, no âmbito multilateral, reforçar a nossa acção diplomática junto da União Africana, fazermos parte do grupo regional da África Ocidental e continuar a participar de algumas das OIG da nossa sub-região (tais como o CILSS, a OICMA, org. internacional da luta contra os gafanhotos migradores africanos, o COAS, Comunidade oeste africana da saúde, a OCCGE, org. de coordenação e cooperação para a luta contra as grandes endemias) e outras que nos interessem. Somos africanos, marcados pela mestiçagem, ainda que impregnados de uma cultura atlântica -se realmente a podemos assim definir - com padrões de comportamentos mais próximos das manifestações culturais Brasileiras e Caraibenhas. Mas também entendo que o nosso futuro nunca poderá ser inteiramente desligado do Continente. Como outros 11 países, neste e outros Continentes, o Estado de Cabo Verde deve estar atento ao que mais lhe interessa no menu da integração e relacionamento que lhe é dado a escolher. A opção, por conseguinte, na linha do meu raciocínio sem engajar, com esta opinião, qualquer instituição ou organização, é accionar o mecanismo de retirada da CEDEAO logo que estiverem reunidas as condições e assim se vier a decidir. O Tratado, de 28 de Maio de 1975, que instituiu a CEDEAO, prevê, no seu artigo 64, um único mecanismo de retirada da Comunidade que é o da notificação ao Secretariado Executivo do seu desejo (retirada), mediante um pré - aviso de um ano. Findo o prazo de um ano, se o mesmo Estado não retirar a sua notificação, deixará, então, de ser membro da CEDEAO. Antes de terminar este exercício que me exigiu profundas reflexões e investigações de mais de quatro anos gostaria de, humildemente, agradecer a vossa paciência e atenção e vos dizer que me guiei pela óptica do que achei ser o interesse nacional dos cabo-verdianos e que imprimi às ideias atrás referidas os princípios éticos que devem guiar um investigador na busca de soluções ou alternativas. Muito obrigado. 12