A antropologia personalista de Emmanuel Mounier e os Direitos

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A antropologia personalista de Emmanuel Mounier e os Direitos
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Volume 4, Número 4, Ano 4, Julho 2011
Revista Pesquisa em Foco: Educação e Filosofia
ISSN 1983-3946
A antropologia personalista de Emmanuel Mounier e os Direitos Humanos
Antonio Glauton Varela Rocha*
RESUMO
O reconhecimento da Declaração dos Direitos do Homem como uma grande conquista é
quase que totalmente unânime, o que não significa que ela não seja passível de críticas. A
maioria das críticas ataca o caráter abstrato (especialmente na primeira fase das Declarações)
e o tipo de ideologia com a qual ela é comprometida. É nessa linha que se formula a crítica de
Emmanuel Mounier. Mounier não nega as Declarações dos Direitos, mas enfatiza a
importância de se rever a antropologia que lhe serve de base. A Declaração seria marcada
pelo o que ele chamou de “vícios de época”, que são os excessos de racionalismo e de
individualismo. A antropologia personalista de Mounier fala da pessoa num contexto onde os
âmbitos pessoal e comunitário são interdependentes. Esta pesquisa visa explicitar a
antropologia mounieriana e como ela está presente na crítica e na proposta de Mounier a
respeito dos Direitos Humanos, mostrar como a sua antropologia representa um
questionamento ao ordenamento político-econômico vigente, e qual seria sua visão de um
ordenamento social mais viável para a efetivação dos Direitos Humanos.
Palavras-chave: Personalismo, individualismo, comunidade, Direitos Humanos.
The personalist anthropology of Emmanuel Mounier and Human Rights
ABSTRACT
The recognition of the Declaration of the Rights of Man as a great conquest for mankind is
almost totally unanimous, but it does not mean that it is not possible to be criticized. The
majority of the criticism toward it strikes its abstract character (especially in its first phase)
and the type of ideology to which it is committed. It is in this stream of thought that
Emmanuel Mounier formulates his criticism. Mounier does not deny the Declaration of the
Rights, but he emphasizes the importance of reviewing the anthropology in which it is based
as a whole. According to his point of view, the Declaration would be marked by what he
called “vices of times”, which are the excessive rationalism and individualism. Mounier’s
personalist anthropology tells us about the individual within a context where personal and
communitarian scopes are interdependent. This research aims to explain Mounierian
anthropology and how it is present in Mounier’s proposal and critical analysis concerning the
Human Rights. We also show how his anthropology represents a questioning to the current
political-economical order, and his ideas of a more feasible social order to the effectiveness of
the Human Rights.
Key Words: Personalism, individualism, community, Human Rights.
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Revista Pesquisa em Foco: Educação e Filosofia
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*Mestrando em Filosofia, Universidade Federal do Ceará/ Capes
Os Direitos Humanos na relação entre direito e ética em sua gênese
As Declarações dos Direitos Humanos foram fruto de muita luta por emancipação e a
muito tempo adquiriram um reconhecimento quase que unânime. Entretanto, isto não diminui
a dificuldade para lhes dar efetividade nem impede de serem temas de diversas polêmicas.
Uma destas polêmicas é a respeito da legitimidade destes direitos, ou melhor, o que lhes faz
legítimos, de onde vem o seu fundamento. Os adeptos de uma concepção ôntico-valorativa do
direito irão identificar este fundamento na própria natureza do ser humano; sua essência lhe
cumularia de uma dignidade que não pode ser violada. Os adeptos de uma visão normativa ou
formalista do direito colocarão o fundamento na autoridade do consenso e na vontade do
legislador*. Há até quem defenda que atualmente a busca do fundamento é banal, pois mesmo
em um tempo onde tais buscas estão em crise, a maioria dos países já reconheceram o valor
das Declarações†, o momento seria de buscar meios para sua efetivação concreta.
Dependendo de como se entende a natureza do direito, muda também a relação que
este tem com a ética. Podemos afirmar que as primeiras Declarações supõem uma relação
intrínseca entre direito e ética. A negação dos direitos individuais é vista como injusta e deve
ser combatida, e foi o que de fato aconteceu ao nos depararmos com o contexto histórico do
surgimento das primeiras Declarações. A doutrina dos direitos naturais traziam duas
pressuposições básicas: o dignidade do homem como indivíduo e a existência de direitos
decorrentes desta dignidade. A classe burguesa acolheu esta doutrina e forçou, por meio da
Revolução, a derrocada do sistema político vigente. A Revolução foi julgada necessária
exatamente porque o regime não reconhecia qualquer dignidade aos indivíduos e
consequentemente não reconhecia também a existência de direitos individuais. Temos aqui a
pressuposição de uma ética consequencialista, pois os atos são julgados eticamente de acordo
com as conseqüências que causam‡. O valores afirmados são especialmente o bem e a justiça.
Neste esquema qualquer ato que agrida a dignidade da pessoa é considerado mau. Para uma
ética consequencialista, também chamada teleológica, o direito deve se reportar à ética, de
modo a positivar normatividades com referência ao que é considerado eticamente bom ou
mal. É esta referência que vai ser a base para julgar se o direito analisado é justo ou não.
*
VILLA, Moreno Mariano (Org.). Dicionário de Pensamento Contemporâneo. p. 215-216.
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. p. 45.
‡
Revista Praia Vermelha: Estudos de Política e Teoria Social. In: OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Os desafios
da ética contemporânea, p. 32.
†
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Já os convencionalistas supõem um direito formalista e aqui a relação com a ética
outra. Hans Kelsen é o representante mais importante desta do positivismo jurídico, que é
uma radicalização da proposta convencionalista do direito. Kelsen afirma que o direito não
possui um plano filosófico ou da legitimidade, estas preocupações são de caráter especulativo
e não científico, cabendo à ética e à moral pensar sobre isso§. Para Kelsen o que importa é a
legalidade. Aqui só é legítimo o que é legal e basta ser legal para ser legítimo. A bem da
verdade, a legalidade ainda teria que responder a um critério de legitimidade, mas este não
seria de caráter ético, seria antes um critério técnico de coerência interna e de eficiência. Para
Kelsen a referência do direito a uma ética não é necessária, pois o direito é plenamente
independente.
Mounier irá se aproximar de uma visão ôntico-valorativa do direito e sua ética se
adequa no modelo de ética teleológica, o que o leva a considerar os Direitos Humanos como
legítimos porque assentados na dignidade da pessoa humana. E até aqui a posição de Mounier
não difere da proposta das primeiras Declarações, pois como vimos, a anterioridade da ética e
da moral em relação ao direito e também a referência a dignidade humana são aspectos
também acolhidos pelos elaboradores das primeiras Declarações dos Direitos. Destacar estes
pontos em comum é importante para entendermos que Mounier não rejeita as declarações. É
importante destacar que por trás do surgimento das Declarações dos Direitos está todo um
movimento ascendente (embora não completamente retilíneo) de reconhecimento da
dignidade da pessoa humana como um valor fundamental**. Sem dúvida que o surgimento de
uma declaração conjunta que afirme esta dignidade e a cumule de direitos é um momento
ímpar da afirmação deste valor como irrenunciável, principalmente com a positivação destes
mesmos direitos nas legislações constitucionais. Mounier não vai negar isto, mas alertar para
elementos complicadores que marcaram a gênese das Declarações. Para ele, apesar delas
marcarem uma intuição profundamente feliz, a dignidade da pessoa humana como um valor
irrenunciável, elas são comprometidas com outros valores ou ideologias que as fragilizam e
dificultam a sua efetivação; leia-se aqui especialmente o individualismo.
A atmosfera política do nascimento dos Diretos Humanos é a de luta por emancipação.
O sujeito desta luta era a burguesia que queria libertar-se dos desmandos da monarquia
absolutista. O momento histórico marcava uma inversão na estrutura social. O modelo vigente
era o da clássica estruturação orgânica da sociedade, ou seja, o todo vem antes da parte, e esta
§
VILLA, Moreno Mariano (Org.). Dicionário de Pensamento Contemporâneo. p. 215.
Cf. AGUIAR, Odílio Alves; PINHEIRO, Celso de Morais; FRANKLIN, Karen (Orgs). et. al. Filosofia e
Direitos Humanos. p. 13.
**
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sem o todo não tem subsistência. Politicamente isso significava o completo domínio do
Estado e a completa submissão do indivíduo. O quadro começa a mudar quando a uma
concentração de forças de uma classe insatisfeita somou-se o fortalecimento de teorias e de
grupos opostos ao organicismo. A doutrina dos direitos naturais, defendidas especialmente
pelos jusnaturalistas, será a base ideológica do liberalismo (o modelo proposto pela
burguesia). O que movia este mecanismo era um individualismo atomista que seria a base
ideal para contestação do Regime porque a sua efetivação representaria a negação de um
poder naturalmente superior aos indivíduos e de uma hierarquia que distinguisse os homens
em mais dignos ou menos dignos††. Se todos são iguais a legitimidade de um poder central
depende de um acordo mútuo entre estes mesmos indivíduos. Fica tudo invertido, agora é o
todo que depende das partes. O papel do Estado muda, pois se o indivíduo sozinho já é por si
só dono de direitos antes da existência do Estado, este não possui mais legitimidade para
interferir naquilo que só diz respeito à liberdade deste indivíduo.
A vitória sobre o regime era também uma vitória do individualismo sobre o modelo
organicista. A Declaração dos Direitos de 1789 coroa os valores do individualismo liberal.
Isto não é de todo negativo, pois esta vitória representa sim uma emancipação humana
significativa. Mounier reconhece que a revolta burguesa “... não era inteiramente desordenada
e anárquica. Nela fremiam exigências legítimas da pessoa. Mas logo se desviou para uma
concepção de indivíduo tão estreita que ela trazia em si desde o início o seu princípio de
decadência” ‡‡. Por isso, em relação a esta perspectiva Mounier irá contrapor uma Declaração
de cunho não individualista, mas personalista; a referência são as exigências das pessoas.
Temos aqui a pressuposição de uma antropologia diferente o que exigiria uma reformulação
das declarações. Podemos dizer que sem o humano não há Direitos Humanos, o que nos
remete a uma necessária reflexão sobre o homem, aqui especificamente sobre a antropologia
de Mounier.
A noção de Pessoa no pensamento de Mounier
No que tange a temática da natureza humana, Percebemos em Mounier certos traços
de Heidegger e também do existencialismo, especialmente de Gabriel Marcel, por isso não
poderia conceber o homem como um ser fixado em uma definição rigorosa, no sentido mais
pesado da noção de natureza. No entanto, se para ele o essencialismo não é exato, a postura de
††
‡‡
BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. p. 45-46; Cf. Id. Ibid. p.11-16.
MOUNIER, Emmanuel. Manifesto ao Serviço do Personalismo. p. 24.
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boa parte dos existencialistas – de querer delimitar o homem naquilo que ele se faz – também
não é exata; ou seja, se por um lado nenhuma essência pode esgotar o sentido da pessoa, por
outro lado não estamos diante do puro fazer-se. Mounier defende que existe uma base
ontológica mínima a respeito da pessoa. Ao falar da pessoa Mounier usa a expressão
permanência aberta. “Permanência” indica que Mounier não elimina por completo a noção
de natureza. “Aberta” indica que as escolhas e ações possuem papel fundamental para a
formação da pessoa. Logo, para Mounier, a pessoa é também aquilo que se faz.
Uma boa analogia usada por Mounier para entendermos a expressão permanência
aberta é dizer que essas estruturas não são como estruturas arquitetônicas, se assim o fosse,
esgotaria e tornariam completamente previsíveis e determinadas as escolhas do homem. Essas
estruturas são como as notas musicais. São sempre sete, mas para além deste aparente limite,
inúmeras melodias surgem daí, sem previsibilidade e determinação.
Podemos tentar compreendê-la melhor seguindo o que Mounier nos orienta,
destacando alguns aspectos que são como que estruturas que nos aproximam do
§§
mistério pessoal . São eles: encarnação, comunicação e vocação.
Em sua fala sobre a encarnação, Mounier busca superar o dualismo
idealista que separa radicalmente espírito e matéria. A inserção no natural não
é uma violência feita à condição normal do espírito***, como se a corporeidade fosse um mal à
pessoa. A consciência, em suas mais altas atividades, deve sempre pressupor um corpo que
lhe sustém. Mas a valorização de Mounier em relação ao corpo não se confunde
com
materialismo.
enquanto
estes
A
sua
acabam
crítica
por
também
esquecer-se
se
dirige
aos
de
aspectos
materialistas,
que
também
são
fundamentais ao homem, especialmente a interioridade e a transcendência
†††
.
Mounier defende a unidade fundamental da pessoa como corpo e espírito. Em
suas palavras: “O homem é corpo exatamente como é espírito, é integralmente
corpo e é integralmente espírito”
também
vê
o
enraizamento
humano
‡‡‡
. Nesta condição de encarnação, Mounier
na
história,
nos
seus
contextos
e
a
presença dos vários elementos que marcam os condicionamentos que a pessoa
não pode negar. Entretanto a existência de condicionamentos e limitações
não pode ser motivo para conformismo e estagnação, recorrendo a Nietzsche
Mounier diz que a pessoa é feita para superar-se. A pessoa deve ser capaz de
superar os obstáculos que o corpo e a natureza podem lhe impor e ir além. Imerso em
§§
MOUNIER, Emmanuel. O Personalismo. p. 19.
SEVERINO, Antônio Joaquim. A Antropologia Personalista de Emmanuel Mounier. p. 46.
†††
MOUNIER, Emmanuel. ¿Que es el Personalismo? p. 21-22.
‡‡‡
MOUNIER, Emmanuel. O Personalismo. p. 39.
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determinações materiais e tudo mais que lhe faz um ser natural, a pessoa é também consciente
e livre, voltada para a transcendência que o próprio corpo pode dar impulso. Em suma, o
homem não é apenas matéria impessoal, não é só gênero, ele se singulariza através de uma
dupla transcendência em relação à natureza: “... só ele conhece esse universo que o absorve e
só ele o pode transformar, ele, o menos armado e o menos poderoso dos grandes animais. E, o
que é infinitamente mais, é capaz de amar”
§§§
. Por conhecer o que lhe determina e o que é
limitação, o homem consegue ir além do que parece muitas vezes insuperável.
Já a vocação é o que me diferencia das outras pessoas no meu modo de
escolher, de agir e me engajar. Sem essa especificidade minha existência
****
. Essa condição de especificidade concede à pessoa
nunca seria pessoal
uma grandeza em dignidade, pois ela é única e irrepetível. Mas, por outro
lado, esta sua dignidade é também o motivo de sua humildade, pois todas as
pessoas são iguais em dignidade
††††
. Destaque-se ainda, que para Mounier a
vocação pessoal é decifrada incessantemente durante toda a vida. Trata-se
de um processo dinâmico, a pessoa não é já completamente pronta, faz-se
também.
Esse
tornar-se
pessoa,
e
especialmente
o
tornar-se
si
mesmo
(autenticidade), é uma busca incessante e faz-se nas escolhas diárias, é
como a busca por atender um “chamamento silencioso numa língua que passamos
a vida a traduzir”
‡‡‡‡
.
Ao falarmos de comunicação é preciso inicialmente destacar que o
personalismo parte de um pressuposto base: a comunicação é a experiência
fundamental da pessoa
§§§§
. No processo de personalização a pessoa precisa
descentrar-se, sair de si. Desse modo, percebemos como em Mounier, a noção
de pessoa está estreitamente ligada à noção de comunidade. Por isso o
personalismo se opõe radicalmente ao individualismo
*****
.
A presença do outro marca a pessoa desde a sua mais tenra infância, constituindo-se
como um primeiro espelho através do qual o “eu” começa a se formar, não antes, mas
simultaneamente ou depois do “nós”. Esta situação relacional não é de per si conflituosa, diz
Mounier, contrariando Sartre. Para Mounier a situação de conflito não é necessária e própria
de tal encontro, acontecendo por causa de uma postura possessiva e egoísta previamente
§§§
MOUNIER, Emmanuel. O Personalismo. p. 43.
A negação desta especificidade, feita de diversos modos, é elemento chave para a formação do fenômeno da
massificação.
††††
MOUNIER, Emmanuel. O Personalismo. p. 93.
‡‡‡‡
MOUNIER, Emmanuel. O Personalismo. p. 92.
10
Cf. SEVERINO, Antônio Joaquim. A Antropologia Personalista de Emmanuel Mounier. p. 81.
*****
Cf. MOUNIER, Emmanuel. O Personalismo. p. 62.
****
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constituída. Numa outra postura, a de disponibilidade, a relação entre sujeitos é possível e
também a comunicação.
Entretanto cada pessoa é livre e pode escolher viver como se não
existissem os outros. Em O personalismo Mounier afirma que a comunicação
como experiência fundamental não é uma verdade evidente. Na realidade,
“desde o princípio da história que são mais os dias consagrados à guerra do
que os consagrados à paz”
†††††
. No entanto, levando em conta o contexto
contemporâneo de crítica do primado absoluto do sujeito – crítica na qual o
personalismo se insere – a dificuldade de se defender a concepção de um
indivíduo completamente isolado
ferrenhos
críticos
e
é cada
questionadores
vez maior,
sobre
a
e Mounier
autenticidade
de
é um
dos
uma
vida
levada como se os outros não tivessem valor algum, a não ser de utilidade.
Comunicação e individualismo: implicações sobre os direitos humanos
Embora falar da pessoa sempre envolva a sua completude, pois na realidade as suas
dimensões não se separam, ao menos metodologicamente vamos fazer uma separação para
tratar mais especificamente da dimensão pessoal da comunicação, pois é esta a dimensão da
pessoa que especialmente nos interessa para entendermos como a antropologia personalista de
Mounier influencia na sua compreensão dos direitos humanos e na conseqüente crítica às
Declarações dos Direitos até então feitas.
Uma marca da contemporaneidade é sem dúvida a redescoberta da dimensão da
intersubjetividade. Diversos teóricos apontam a fragilidade da teoria que defendia que o
sujeito era o constituidor do sentido da realidade. Muitas destas críticas se deram no âmbito
da teoria do conhecimento e centraram-se na temática da linguagem. Mounier reverte esta
perspectiva para o campo ético-político e aponta os limites e os perigos da proposta
individualista.
Mounier descreve o individualismo como:
... um sistema de costumes, de sentimentos, de idéias e de instituições que organiza
o indivíduo partindo de atitudes de isolamento e de defesa. Foi a ideologia e a
estrutura dominante da sociedade burguesa ocidental entre o século XVIII e o
século XIX. (...) É a própria antítese do personalismo e o seu mais direto
‡‡‡‡‡
adversário.
†††††
‡‡‡‡‡
MOUNIER, Emmanuel. O Personalismo. p. 59.
MOUNIER, Emmanuel. O Personalismo. p. 61-62.
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O individualismo era a proposta oposta a um sistema organicista que negava a
existência individual das pessoas e enfatizava a importância do todo em detrimento da parte.
A reação, como já falado acima, foi a busca de uma inversão do quadro social. Na proposta
individualista a base de tudo é o indivíduo, sai-se da máxima generalização para a máxima
individualização. Esta reviravolta foi fundamental, pois o modelo que acabou se sobressaindo
– o liberalismo – dava ao homem um lugar em dignidade nunca antes visto. Direitos básicos,
antes negados, como a liberdade de expressão e a garantia de um espaço privado que
garantisse certa autonomia e iniciativa, foram as conquistas mais exaltadas.
Apesar desta inegável emancipação humana, pois ao menos ganhava certas garantias
antes completamente negadas, esta concepção tinha um problema de base: a descrição
atomizante da pessoa. É questionável se o contexto onde estas idéias surgiram (luta contra o
estatismo organicista) permitiria naquele momento uma outra visão de homem que não a
individualista, mas certamente tal visão possui sérios limites e a sociedade gerada a partir
desta concepção carregaria os mesmos vícios.
Para suplantar um extremo foi-se ao outro extremo, o individualismo separa os
homens em “átomos” isolados. Não que a sociabilidade seja completamente erradicada – tanto
que depois será necessário um acordo mútuo entre os indivíduos a fim de legitimar um
contrato social –, mas passa a ser um momento posterior. Primeiro o indivíduo é autosuficiente, detentor de direitos e de poderes, só depois busca os outros indivíduos. É muito
problemático querer fundar uma sociedade com tal concepção de homem, pois a sociedade
não é apenas “... uma justaposição de seres isolados, independentes, soberanamente livres (...),
proprietários ciumentos dos seus direitos...” §§§§§, ou ao menos não deveria ser. Um dos mais
significativos exemplos da confiança na instância individual como motor e elemento
suficiente para animar o comunitário é a doutrina da mão invisível no liberalismo clássico.
Mounier ironiza esta postura: “Cada um por si, e todos estarão bem servidos, eis aí, nos
costumes, a transcrição desta sábia doutrina” ******. Para Mounier não se pode querer construir
uma sociabilidade consistente a partir do cada um por si porque, ao contrário do que
defendem os teóricos do individualismo, Mounier nos lembra que a pessoa não é
essencialmente isolada, individualidade e socibilidade são elementos constitutivos da pessoa
em igual modo. A linguagem com que agora poderia expressar-se livremente não é um fruto
do privado (nos lembra Wittgenstein), a compreensão da realidade não é fruto de uma
racionalidade isolada e recebe as marcas de um condicionamento histórico e cultural (nos
§§§§§
MOIX, Candide, O Pensamento de Emmanuel Mounier, p. 144.
Esprit, nº 103, agosto, 1941, p. 701. “Por uma carta da unidade francesa”. (PEM, p. 144).
******
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lembra Gadamer), a construção da personalidade e o desenvolvimento pessoal não são
possíveis se ignoramos os outros (nos lembra Mounier). Ora, se é na sociedade que os
Direitos Humanos devem adquirir reconhecimento, como se dará um justo reconhecimento
destes direitos se esta sociedade se baseia numa concepção equivocada de homem? Por isso,
para Mounier uma concepção mais coerente sobre os Direitos Humanos deve passar por uma
reformulação da noção de homem (entendido não meramente como indivíduo, mas como
pessoa) e também por reformulação da noção de sociedade onde estes direitos seriam melhor
efetivados.
Uma sociedade pluralista como base dos Direitos
A antropologia mounieriana entende o homem como ser ao mesmo tempo particular e
social, daí que a individualidade precisa da sociabilidade para se desenvolver; não de uma
sociabilidade que dissolve o indivíduo, mas de uma individualidade que se configura como
espaço de plenificação da pessoa, que, apesar de ter uma dignidade única, não se configura a
partir do isolamento. Por isso Mounier é categórico ao afirmar que a pessoa não se realiza a
não ser na comunidade. Tudo isso deixa claro que para Mounier uma formulação dos Direitos
Humanos não deve ser feita a partir uma perspectiva individualista. Numa declaração
personalista não poderia faltar um foco no valor da comunidade, o que já é bem visível no
título da Declaração que Mounier elaborou junto ao grupo Esprit, inicialmente em 1941, na
clandestinidade, pois parte da França havia sido invadida pelos Nazistas e a revista foi
fechada, e depois em 1945, com uma versão já revisada e publicada quando Esprit pôde voltar
à atividade. Trata-se da Declaração dos Direitos das Pessoas e das Comunidades; uma
declaração que foi uma das bases da constituição francesa de 1946 e que influenciou também
na constituição italiana (do mesmo ano) através de alguns de seus constituintes que eram
personalistas.
A declaração tem inspiração federalista, o que é uma das marcas do pensamento
político de Mounier. Neste aspecto ele é influenciado por Georges Gurvitch e, através deste,
tece um diálogo com a proposta de Proudhon. Destes Mounier acolhe a necessidade de
descentralização política no Estado, mas não tem uma visão tão pessimista a respeito do
Estado quanto Proudhon. Mounier não quer extinguir Estado, o que ele quer é a constituição
de um Estado Pluralista, ou melhor, “... um Estado organizado ao serviço de uma sociedade
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pluralista” ††††††. Com isso ele de certo modo resgata, junto com outros teóricos defensores do
pluralismo, a doutrina dos “corpos intermédios” da qual o maior teórico foi Montesquieu
‡‡‡‡‡‡
. Claro que esta tese não é resgatada de modo integral, os pluralistas modernos não
pretendiam resgatar os mesmos grupos que Montesquieu destacava (a nobreza e o clero), mas
as diversas formas de organização que pudessem assegurar uma luta conjunta pelos interesses
e direitos comuns das pessoas. Este tipo de organização social não se compatibiliza bem nem
com o estatismo nem com o individualismo, pois o primeiro não aceita e existência de
sociedades intermediárias por querer manter o poder direto sobre as pessoas e o segundo
porque prioriza o valor individual sobre o comunitário. O pluralismo defende que para
defender as pessoas dos desmandos de um poder central, o poder deve ser fragmentado em
vários grupos, e esses grupos devem ser os mais plurais possíveis para que se evite o
monopólio do poder por parte de um grupo. O Estado manteria sua unidade a partir da
permanência de um poder central, mas que não tivesse poderes sobre todos os assuntos da
nação, mas somente os de interesse estritamente comum como a segurança e certa
normatividade que coibisse o rivalismo entre os grupos. A proposta pluralista de Mounier é
latente nesta afirmação:
A pessoa deve ser protegida contra todos os abusos do poder, (...) todo poder não
controlado tende para o abuso. Esta proteção exige um estatuto público da pessoa e
uma limitação constitucional dos poderes do Estado: equilíbrio do poder central
pelos poderes locais, organização do recurso dos cidadãos contra o Estado, hábeas
§§§§§§
corpus, limitação dos poderes da polícia, independência do poder judiciário.
Mounier defende a proposta pluralista porque vê nesta concepção de sociedade a
valorização sobre as comunidades que julga necessária. Para ele estas sociedades
intermediárias não são somente os grupos de interesse comum, mas também as comunidades
naturais, que para ele, especialmente a família, grupos lingüísticos, culturais, ou seja, grupos
onde as pessoas já nascem inseridos. A família é a comunidade natural mais basilar a nação é
a comunidade natural mais universal*******. Para Mounier nação e Estado não se confundem.
††††††
BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política. p. 926.
Montesquieu foi um dos grandes autores defensores da necessidade de limitação do poder estatal, pois
como ele mesmo diz, o poder sempre tende ao excesso. Ele propôs dois modos de limitação dos poderes do
Estado. Uma forma é a mais conhecida, é a separação dos poderes (executivo, legislativo e judiciário); foi a
forma consagrada pelo liberalismo político a partir da revolução francesa e que está inclusive presente
textualmente na Declaração dos Direitos do Homem e dos Cidadãos. A outra forma é a doutrina dos corpos
intermédios, com a qual ele diferenciava o poder monárquico e o poder despótico pela existência de corpos
intermédios entre o Estado e o povo.
§§§§§§
MOUNIER, Emmanuel. O Personalismo. p. 195.
*******
MOUNIER, Emmanuel. O Personalismo. p. 186; 190.
‡‡‡‡‡‡
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Nação é um grupo mais amplo que reúne uma série de tradições e elementos que
circunscrevem o espaço de vida da pessoa. “O Estado é um instrumento artificial e
subordinado, mas necessário”
†††††††
. Do que se trata esta subordinação? É o serviço que ele
deve prestar às pessoas, pois para Mounier é o Estado que existe para o homem e não o
homem que existe para o Estado. Trata-se de “... um instrumento ao serviço das sociedades e
através destas, contra estas se preciso for, ao serviço das pessoas”. Ou seja, o Estado deve
reconhecer a importância das comunidades, dar-lhes certa autonomia, mas sempre tendo por
base a configuração destas comunidades como espaço de realização da pessoa. A partir do
momento em que uma destas comunidades não cumpre este fim, deve sofrer a sanção
necessária para que se preserve a dignidade das pessoas que as compõem. Vemos daqui que
uma sociedade personalista é fundamentalmente pluralista, por isso reconhece o papel
importantíssimo das comunidades, mas antes de tudo baseia-se na centralidade da pessoa em
sua dignidade.
Uma civilização personalista é uma civilização cujas estruturas e espírito estão
orientados para a realização da pessoa (...). As coletividades naturais são aqui
reconhecidas na sua realidade e na sua finalidade própria, diferente da simples
soma dos interesses individuais e superior aos interesses do indivíduo(...). Elas têm,
todavia, por fim último por cada pessoa em estado de poder viver como pessoa,
quer dizer, em estado de poder atingir um máximo de iniciativa, de
‡‡‡‡‡‡‡
responsabilidade, de vida espiritual”.
Para Mounier a pessoa é um absoluto em relação a qualquer outra realidade material
ou social ou em relação a qualquer outra pessoa. Ela não é meramente parte de um todo, de
modo que ninguém – pessoa, comunidade ou instituição – pode utilizá-la como meio§§§§§§§.
Um Estado organizado ao serviço de uma sociedade pluralista deve, pois, ter em vista tanto o
valor das comunidades com das pessoas********. Para garantir tal situação Mounier reconhece
no Estado um poder de jurisdição, certa autoridade de coação que se justifica enquanto
†††††††
MOUNIER, Emmanuel. Manifesto ao Serviço do Personalismo. p. 259)
MOUNIER, Emmanuel. Manifesto ao Serviço do Personalismo. p. 83.
§§§§§§§
Cf. MOUNIER, Emmanuel. Manifesto ao Serviço do Personalismo. p. 85.
********
Com estas explicações sobre como Mounier entende a comunidade e qual seu fim, evita-se os equívocos
de se identificar a proposta de Mounier com a do coletivismo. Sem este risco, pode-se compreender melhor o
que significa a valorização que Mounier dar à comunidade. A importância que Mounier lhe dar é de fato crucial,
pois a comunidade é o espaço aonde a pessoa irá se desenvolver como pessoa, não apenas é um espaço, é o único
espaço possível. A comunidade tem como fim a realização da pessoa, mas ela não pode ser entendida como um
mero instrumento para obtenção de interesses individuais, primeiro porque seria uma postura que contradiria a
condição da pessoa como ser social, e também porque a realização pessoal, que está em questão e é a finalidade
da comunidade, inclui também o desenvolvimento da pessoa como ser responsável, e a responsabilidade implica
o reconhecimento do valor do outro.
‡‡‡‡‡‡‡
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instrumento de preservação da dignidade da pessoa. O direito entra como uma mediação
necessária para dar garantia institucional à pessoa††††††††.
Mounier falara que a proteção das pessoas contra o abuso do poder exige um estatuto
público da pessoa. Este estatuto não seria apenas uma formulação dada por uma convenção.
Para Mounier o direito positivo deve expressar direitos que emanam da própria dignidade da
pessoa. Por isso ele redige um estatuto, como acima já foi dito e destaca a necessidade de
positivação do mesmo. Embora a formulação dos direitos que ele enumera não seja
necessariamente a que melhor expressa as exigências das pessoas, e Mounier mesmo
reconhece que não quer colocar a Declaração que ele compõe como universalmente válida
(pois outras melhores formulações podem surgir), ao menos o espírito que move esta
declaração deve ser visto como sempre válido.
Declaração dos Direitos das Pessoas e das Comunidades ‡‡‡‡‡‡‡‡
Trata-se de uma declaração composta de 43 artigos divididos em três seções: direitos
das pessoas; direitos das comunidades; direitos do Estado. Não é nosso objetivo aqui
examinar artigo por artigo, o que seria uma empresa muito longa e ademais alguns artigos não
repetem o que já foi dito nas outras Declarações e o que mais nos interessa aqui são as
especificidades do pensamento de Mounier sobre o assunto.
Os artigos são precedidos por uma breve introdução (ou preâmbulo). Lá Mounier
destaca que a autoridade do Estado sobre uma determinada comunidade humana se baseia em
uma dupla raiz: 1) O bem das pessoas; 2) A vida e o desenvolvimento normal destas no seio
das comunidades naturais onde elas são colocadas: famílias, nações, agrupamentos
geográficos ou lingüísticos, comunidades de trabalho, agrupamentos por afinidades ou por
crenças. Vemos aqui a clara afirmação da importância para a pessoa, tanto do aspecto
individual quanto do comunitário. O segundo ponto denota a já comentada inspiração
pluralista de seu pensamento. Vamos a alguns artigos:
No primeiro artigo, antes de falar de direitos Mounier fala de responsabilidade. Para
Mounier quando se fala de direitos não se pode esquecer do outro, o que está implicado na
existência da responsabilidade. Os direitos enumerados são “... a integridade da pessoa física e
††††††††
MOUNIER, Emmanuel. O Personalismo. p. 196.
COSTA, Daniel da. A Emergência e a Insurgência da Pessoa Humana na História: Ensaio sobre a
construção do conceito de “Dignidade Humana” no personalismo de Emmanuel Mounier. 2009. 771f.
Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Faculdade de Filosofia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. pp.
748-755.
‡‡‡‡‡‡‡‡
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moral, a liberdade sob suas diversas formas, a associação, o trabalho, o lazer, a segurança, a
igualdade diante da lei”.
No segundo artigo Mounier da igualdade diante dos direitos independente de raça,
classe ou sexo, mas faz questão de dizer que esta igualdade não nega as particularidades de
cada pessoa, pois “... os seres humanos são desiguais por seus talentos...”.
O artigo sexto traz um alerta importante para o nosso tempo especificamente, quando a
mídia consegue chegar tão fortemente na intimidade das pessoas. Ele fala da necessidade de
se proteger a integridade das pessoas contra todo tipo de manipulação feita através de
propaganda ou outro mei0 de sugestão que possam enfraquecer a pessoa em sua vontade livre.
O oitavo artigo fala da inviolabilidade da vida privada. O que mostra que apesar da
importância da comunidade, a particularidade da pessoa não é mero detalhe. Uma verdadeira
comunidade só se faz a partir da afirmação de cada pessoa em sua especificidade.
Dos artigos 16 ao 26 Mounier trata de direitos sociais, especialmente o trabalho. Aqui
percebemos alguma influência do marxismo, especialmente quando ele afirma que o trabalho
não pode ser tratado como uma mercadoria (artigo 18).
A partir do vigésimo-sétimo artigo Mounier trata dos direitos das comunidades, é a
segunda seção da declaração. O capítulo inaugural desta seção evidencia claramente sua
inspiração pluralista. Ele fala da existência de comunidades naturais nascidas fora dos Estado
e que representam um limite ao poder do estatal.
No artigo 29 Mounier fala da nação e do seu “... direito absoluto à independência de
sua cultura, de sua língua, de sua vida espiritual...”. Aqui está em questões externas, a relação
entre as diversas nações. Para o nosso tempo isso representa o respeito que cada povo deve ter
em relação aos outros povos e suas particularidades. No tempo de Mounier isto também
estaria em vista, mas aqui ele se defrontava com uma questão ainda mais delicada: a
colonização. Este artigo se mostra claramente a favor das diversas lutas por liberdades dos
povos ainda colonizados. O artigo ainda fala de questões internas à própria nação ao afirmar a
obrigação de preservar a coesão interna ao mesmo tempo respeitando as comunidades
regionais, étnicas, lingüísticas ou religiosas.
O artigo 37 fala de uma comunidade internacional, juridicamente traduzida como uma
sociedade de Estados organizada federativamente. No Manifesto ao serviço do Personalismo
Mounier já fala desta utopia federativa como diretriz motora.
A terceira seção, intitulada Direitos do Estado, é mais efetivamente um conjunto de
diretrizes sobre o poder necessário do Estado e a sua também necessária limitação. Reforça-se
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o modelo pluralista de limitação do poder estatal especialmente através das comunidades
naturais, (artigo 38), da regulação constitucional do estado; da separação dos poderes e da
necessidade de autonomia do judiciário (artigo 41).
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