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A DIALÉTICA DA INTELIGÊNCIA JURÍDICA
ENTRE A COMPLEXIDADE SOCIAL E A APLICAÇÃO ISONÔMICA DA LEI
JUSCELINO SILVA1
RESUMO: Neste artigo afirma-se que a inteligência jurídica é naturalmente
dialética e que a sua especificidade é correlacionar a dinâmica social e a justa
aplicação da lei.
PALAVRAS-CHAVE: Dialética, inteligência jurídica, complexidade social,
isonomia.
ABSTRACT: In this article it is stated that the legal intelligence is naturally
dialectic and its specificity is to correlate the social dynamics and fair law
enforcement.
KEY-WORDS: dialectic, legal intelligence, social complexity, equality.
O mito de Têmis gradativamente dá lugar à deusa Diké, cuja missão é velar as
ações dos homens punindo-os ou recompensando-os. Desse modo, a justiça da
cidade que se legitima na deusa Têmis, alcança a legalidade com Diké. Agora o
divino está mais próximo do humano. O direito encarna-se nas instituições
judiciárias. No caso da justiça democrática de Atenas, pode-se falar que a
questão de direito, isto é, conforme a lei, o direito positivo, e conforme a justiça,
1
O autor é Professor da Faculdade Batista de Minas Gerais, doutorando em Teoria do Direito
na PUC Minas e em Teologia Sistemática pela FAJE.
1
o direito natural, forma uma unidade de opostos. Por isso, a tensão ao invés de
incomodar o jurista, é o ingrediente que estimula e qualifica a sua habilidade de
julgar. Segue-se daí a equidade da justiça. Uma justiça equânime leva em conta
a particularidade dos indivíduos e os contextos. Não é a aplicação estrita da
letra da lei porque visa a legitimidade além da estrita legalidade (LALANDE,
1999, 605-606).
Δικn, Diké, é filha de Zeus e Têmis (HESÍODO, 2007, 900-901), também
conhecida como Astreia, a deusa das estrelas, e como Dikaiosyne, o espírito da
justiça. Na mitologia grega, Diké é a deusa da Justiça. Porém, diferentemente
de sua mãe, Têmis, que zela pelo cosmo, interessa-se mais pelas questões dos
homens. Por isso, desce para estar com eles. Dike se opõe à Adikia, isto é, o
espírito de injustiça e às ações erradas (SMITH, 2005, p. 1002). Segundo o mito,
a deusa aproxima-se do trono de Zeus com lamentações quando um juiz viola
a justiça (HESÍODO, 2007, 239). Esforça-se para dirimir as diferenças e os
conflitos entre os homens indicando-lhes os meios de conciliação. Torna-se o
símbolo da justiça. Porém, não a justiça cósmica de Têmis, mas a realizada pelo
juiz, que é quem humaniza a cidade aplicando a justiça. Diké aparece no
mundo dos homens como o princípio que deve orientar a ordem social
(HESÍODO, 1996). Esta também é a posição de Évelyne Scheid-Tissinier: “A
diké se apresenta por consequência como o elemento que assegura a gestão dos
mecanismos que regulam as relações humanas, por oposição a têmis, esta lei
imposta do alto e que impõe o respeito”(2008, tradução nossa)2.
Portanto, no mito de Diké, o divino e o humano compõem uma unidade. O
mito ajuda a ver o processo de mudança da sociedade grega. Na medida em
“La dikè se présente par conséquent comme l’élément qui assure la gestion des mécanismes qui
régulent les rapports des humains entre eux, par opposition à la themis, cette loi imposée d’en
haut et qui commande le respect ».
2
2
que a sociedade fica mais complexa, a deusa da Justiça desce. A partir daí podese falar da imanência da justiça, mas conservando o vínculo com a justiça
transcendente. Por isso, a iconografia jurídica representa Diké sem a venda nos
olhos. Os olhos abertos simbolizam a necessidade de olhar além das evidências
imediatas dos fatos e a balança é o signo da isonomia (FERRAZ JÚNIOR, 2003,
p. 32-33). Estes dois aspectos da justiça parecem indicar que Diké é, ao mesmo
tempo, uma justiça geral que engloba todas as virtudes exprimindo-se como
δικαιοσύνης - dikaiosine - e também é o arquétipo da justiça particular. Do
século VI a.C. em diante, os gregos se empenharão por uma justiça que, mesmo
conservando a sua matriz divinatória, ganhará cada vez mais a participação da
inteligência humana para se fazer cumprir. A palavra diké significa costume,
uso. A deusa Diké é a personificação desse conceito. Sabe-se que «costume» e
«uso» recapitulam as experiências positivas da comunidade em vista do bem
comum. Diké é a personificação dos valores da polis, por isso, é reconhecida
como a deusa da justiça «de baixo», da cidade, em continuidade à justiça «do
alto», de Têmis. Diké cuida da justiça dos homens que se concretiza nas leis e
nos julgamentos que ocorrem na cidade (CALLIES, 2011).
Sabe-se hoje, da natureza mutável dos costumes em decorrência do caráter
antropológico de sua origem. Mas, no período mítico, os costumes são
considerados dádivas dos deuses. Violá-los é ir contra a vontade de Têmis e de
Diké. A justiça legítima que, segundo o mito, vem do alto, encontra o
contraponto na legalidade da justiça recepcionada nas leis da cidade. Diké
inspira a justiça legal, positiva, estatal. É companheira dos justos e se opõe aos
injustos. É a ela, como a garantidora da isonomia nas cortes de Atenas, que
primeiramente o injustiçado recorrerá:
Eu invoco a bela Diké que vê a multidão das coisas e que senta sobre o
trono do rei Zeus, acompanhando ao alto do Céu a vida dos homens
em variadas raças, punindo a iniquidade e eliminando tudo o que é
diferente da verdade. Ela julga as ações malvadas que a iniquidade
inspira nos homens, quando eles querem realizar projetos injustos. Ela
3
é a inimiga dos perversos, mas é amiga dos bons. Ó Deusa, acolhe as
nossas invocações, até ao fim fatídico de nossa vida (CALLIES, 2006,
tradução nossa)3.
À luz de Têmis e Diké, a paz da cidade vem das decisões equânimes face ao
difícil equilíbio entre o justo e o injusto. Do ponto de vista humano, trata-se
sempre de uma opção pela virtude que é perpetuamente ameaçada pela hybris,
como uma espécie de sombra que espreita todas as ações nobres. Porém, esse
perigo será dirimido se o favor das deusas está acessível. Segundo o mito, sabese que, por sua condição divina, elas não padecem dessa limitação e, por isso,
podem ajudar os homens na superação das fraquezas e na restauração da
justiça que é a norma do Direito. Segundo a economia mítica, a justiça depende
tanto da lei do cosmos, Têmis, quanto da lei da cidade, Diké. O paralelo entre a
lei cósmica e a da cidade feito por Heráclito de Éfeso (± 535-475 a.C.) em
“Fragmento 3 114 D-K” (2011) ajuda na compreensão. Como é certo que o sol
não atravessa o caminho designado pelos deuses, o homem deve permanecer
no seu próprio caminho. Assim como seria trágico para a humanidade se o sol
desviasse o seu caminho, também é a violação das leis da cidade. Heráclito
afirma isto porque entende que «todas as leis humanas tiram sua substância da
Lei única e divina», o Logos. Portanto, diz Heráclito, permanece verdadeiro que
«aquele que fala com inteligência” tira a sua força da «coisa comum» a todos,
como a cidade tira a sua força da lei. É nisso que está a riqueza da polis: a
capacidade de humanização das relações humanas. Parece que a lógica mítica
afirma, a partir de Têmis, um direito natural transcendente, divinatório, cuja
legitimação decorre da similitude com as órbitas perfeitas dos astros. Coube à
mítica Diké transportar a legitimidade celestial da justiça para as instituições
judiciárias de Atenas.
« J'invoque la belle Dikè qui voit la multitude des choses et qui siége sur le thrône du roi Zeus,
surveillant du haut de l'Ouranos la vie des hommes aux nombreuses races, punissant l'iniquité
et mettant à l'écart tout ce qui est différent de la vérité. Elle juge les mauvaises actions inspirées
aux hommes par l'iniquité, quand ils veulent accomplir des desseins injustes. Elle est l'ennemie
des pervers et l'amie des bons. O Déesse, Viens à nos pieuses invocations, jusqu'au terme
fatidique de notre vie ».
3
4
Na lógica mítica, isto garante que o legal também seja legítimo. Se o legal não se
harmoniza com o justo, é ilegítimo. Neste caso, cumprir a lei é praticar a
injustiça. O julgamento de Sócrates é um exemplo seleto de conflito entre o legal
e o legítimo. Na “Ἀπολογία Σωκράτους”4 (PLATON, 1903) pode-se ver o
encontro entre a razão mítica, representada por Meleto, Ânito e Lição e pelos
280 juízes que o condenaram (PLATÃO, 1987, p. 9 e 53), e a razão filosófica,
representada por Sócrates. Breve retomada das questões chaves do embate
ajuda a entender a influência da tradição mítico-religiosa nas instituições
jurídicas de Atenas e como o direito natural influencia as leis da democracia
ateniense e a consciência da população. As instituições democráticas atenienses
são, ao mesmo tempo, os lugares onde Dike é lembrada como referência de
justiça e onde os cidadãos atenienses fazem as leis articulando os muitos
interesses em jogo. Em 399 a.C., Meleto, Ânito e Lição acusam a Sócrates de
impiedade, isto é, de não crer nos deuses da cidade de Atenas: "Sócrates é um
homem perigoso, que, por uma curiosidade criminosa, quer desvendar o que se
passa no céu e sob a terra, faz da impiedade uma boa causa, e ensina aos outros
esses segredos perniciosos” (PLATON, 19b-19c, tradução nossa)5 e de “[...]
corromper a juventude, não reconhecer a religião do Estado e de pôr no lugar
extravagâncias demoníacas” (PLATON, 24b-24c, tradução nossa)6. A primeira
acusação afirma que Sócrates é ateu e a segunda, que desencaminha a
juventude. Os acusadores de Sócrate atribuem o ateísmo dele ao descaso aos
deuses da cidade em geral. Diz Meleto: “por Zeus, senhores juízes, ele não crê,
4
“Apologia de Sócrates”.
« Σωκράτης ἀδικεῖ καὶ περιεργάζεται ζητῶν τά τε ὑπὸ γῆς καὶ οὐράνια καὶ τὸν ἥττω λόγον
κρείττω ποιῶν καὶ ἄλλους ταὐτὰ ταῦτα διδάσκων ».
5
« Σωκράτη φησὶν ἀδικεῖν τούς τε νέους διαφθείροντα καὶ θεοὺς οὓς ἡ πόλις νομίζει οὐ
νομίζοντα, ἕτερα δὲ δαιμόνια καινά”.
6
5
pois afirma que o sol é pedra e a lua é terra” (PLATON, 26d, tradução nossa) 7.
Isto põe Sócrates diante do juízo de Têmis e Diké. A segunda acusação é contra
o seu método filosófico, a ironia e a maiêutica, que os discípulos de Sócrates
aplicam. Isto é visto como perversão da juventude. A terceira acusação ataca o
resultado do trabalho de Sócrates, que é fortalecer as mentes mais fracas. A
maiêutica ajuda aos não cidadãos de Atenas na medida em que lhes permite
fazer a catarse de sua limitação. Isto leva à desestabilização do status quo porque
um escravo (PLATON, 1849) pode perceber-se tão capaz quanto um cidadão
ateniense. Em sua defesa, Sócrates afirme não ser ateu, mas profundamente
ligado ao daimon que o guia desde pequeno. Além disso, o seu método promove
a justiça porque ajuda as pessoas a descobrirem os seus limites e as suas
potencialidades. Se Sócrates deve alguma coisa, é isto: ter como missão a ciência
humana, ou seja, compreender o ser humano. Esta tarefa só começa porque
Sócrates quis mostrar a Querofonte que a pitonisa do templo Delfos enganou-se
quando lhe disse que Sócrates é o homem mais sábio do mundo. Ora, como
pode sê-lo se a única certeza que tem é de nada saber. Mas, parece que este é o
segredo da profecia da pitonisa: o sábio tem certeza que nada sabe, isto é, cada
situação é lugar de novo aprendizado. Sócrates é condenado por trinta votos de
diferença. Isto significa que dos 501 juízes, 230 o absolveram das acusações
(PLATÃO, 1987, p.9 e 53). Isto significa que Sócrates poderia escolher uma
fiança ou o exílio como pena alternativa à morte, mas Sócrates, seguindo a
inspiração do daimon, o gênio bom, a imanência da transcendência divina no
homem, embaraça os juízes quando pede que, se absolvido, seja alimentado no
Pritaneu enquanto viver. Aceitar a alternativa de Sócrates corresponderia
honrá-lo e desonrar o judiciário porque no Pritaneu, casa dos pritanes, juízes de
Atenas, é onde fica a chama sagrada à deusa Héstia, a deusa da família. Sócrates
coloca os juízes diante de uma aporia: a pena de morte ou a honra para a vida
toda. Os juízes optam pela primeira. Mesmo em face do desfecho dramático do
7
« Μὰ Δί᾽, ὦ ἄνδρες δικασταί, ἐπεὶ τὸν μὲν ἥλιον λίθον φησὶν εἶναι, τὴν δὲ σελήνην γῆν”.
6
julgamento de Sócrates, é permitido falar de dialética de complementaridade
entre o direito natural e o direito positivo. Na história do Direito, entende-se
por direito natural:
[...] o conjunto de regras de conduta do homem na sociedade que
procede seja da natureza animal do homem (Ulpien), seja de sua
natureza racional (Gaio, Santo Tomas de Aquino e Grotius), seja de
sua especificidade ontológica (Hobbes e Spinoza) (DUFOUR, 2011,
tradução nossa).8
Esta definição ajuda a ver as especificidades internas do direito natural. O
direito natural antigo tem formatos metodológicos e conteudísticos distintos na
sua evolução. Isto fica ainda mais evidente quando se compara o direito natural
clássico com o moderno. Sobre o direito natural clássico, fala-se de um direito
natural divino, tal qual o de Têmis e Diké; do direito do mais forte de Cálicles
(PLATON, 1826); do idealismo jurídico de Platão, no qual a referência do justo
está no mundo das ideias; do direito convencional dos sofistas entendido como
uma
convenção
social
(PLATON,
Protagoras);
do
direito
aristotélico
compreendido como enteléqueia, isto é, a realização da sociedade no bem que,
segundo o jurista Alain Papaux, da Académie Européenne de Théorie Du Droit à
Bruxelles, pode ser chamado de realismo jurídico em contraposição ao idealismo
jurídico de Platão (2005); do direito dos estoicos orientado pelo Nous que cria a
base da fraternidade humana na comunhão de uma ratio universal na qual o ser
humano tem participação privilegiada (MÉTRAL-STIKER, 2012).
A emergência da razão filosófica, gradativamente leva a ruptura com Têmis e
Diké porque se desconfia de sua existência concreta. Suspeita-se que os deuses
são criações humanas. A deslegitimação dos deuses tem seu preço: a ausência
de um fundamento para o ethos desta razão que se emancipou. Na medida em
que a razão emancipada fundamenta a si mesma e recusa acomodar-se às
« l'ensemble des règles de conduite de l'homme en société procédant soit de sa nature d'être
animal (Ulpien), soit de sa nature d'être raisonnable (Gaius, saint Thomas d'Aquin et Grotius),
soit de sa spécificité ontologique (Hobbes et Spinoza) ».
8
7
explicações ingênuas dos fenômenos da natureza recorrendo às divindades, a
sociedade, em parte, não pode mais contar com o suporte que os deuses dão ao
ethos comunitário. Dois mundos se formam: aquele dos letrados e o do senso
comum. O primeiro caracteriza-se pela crítica ao politeísmo grego e pela busca
de explicação do mundo no próprio mundo. A crise ética da Grécia clássica é
mitigada temporariamente pela filosofia socrático-platônica do “mundo das
ideias”. No Ocidente, a repressão da secularização, isto é, da recusa de explicar
os fenômenos recorrendo-se aos deuses, é reforçada pelo encontro entre
filosofia grega de matriz platônica e o cristianismo na Patrística (HADOT, 2012).
A partir do século IX, o encontro entre o trono e o altar, representado por Carlos
Magno e o Papa Leão III (FOLZ, 2012), traz à tona a Escolástica. Patrística e
Escolástica, na perspectiva tradicional, retomam a lógica mítica dos deuses
gregos porque o Deus cristão senta-se no lugar de Zeus no Monte Olimpo e
também se torna a Causa sui, o motor imóvel de Aristóteles. Nos dois casos,
Zeus, o Deus dos filósofos e o Deus cristão, são amalgamados e se tornam um: o
Deus dos cristãos. A este movimento de mitização do Deus cristão, a teologia
moderna chama de onto-teologia. Trata-se de um deus ídolo profundamente
distanciado do Deus revelado em Jesus Cristo. Por isso, sua morte estava
decretada desde o nascimento como Friedrich Nietzsche (2002, p. 135) e os
teólogos da Teologia Radical o afirmam (BENT, 1968).
O direito na Escolástica tardia ancora-se na hierarquia das leis de Tomas de
Aquino (1225-1274) conforme registrado na “Summa Theologiae” (1892, I A II
AE, q. 90-95 e II A II AE, q. 57). Para ele, a lei eterna que, quanto à origem
corresponde à lei divina, sustenta o universo e integra o plano divino. Devido á
sua natureza, é incognoscível e visa nada mais do que ela mesma. Conexa à lei
eterna está a lei natural. Deve ser entendida como a participação humana na lei
eterna. A impressão da lei eterna no ser humano é o que se entende por lei
natural. Nas palavras de Tomas de Aquino: “[...] não é outra coisa do que a
8
impressão em nós da luz divina” (1892, IA IIAE, q. 91, 2, tradução nossa) 9. A lei
humana é a promulgada pelo Estado. Elas devem alinhar-se com a lei natural
de modo a fazê-la cumprir. Os tipos de direito natural clássico, não obstante as
suas diferenças internas, têm em comum o fato de que a sua legitimidade, como
o entendiam seus defensores, é exterior à sociedade.
À semelhança do que ocorreu com a emergência da razão filosófica na Grécia
clássica no século VI a.C., a Renascença e a modernidade abrem uma brecha na
consciência coletiva da cristandade. Através dela, o reprimido fez o seu
caminho de volta à consciência humana. De novo, a razão é chamada é explicar
os fenômenos da natureza a partir de suas leis internas de funcionamento.
Desde então, a mesma crítica que se abateu sobre os deuses gregos, também o
conceito onto-teológico do Deus cristão passa a receber. A primeira
consequência do retorno do oprimido é a morte do conceito clássico de Deus
como o Ocidente o construiu: um Deus que mora nas alturas e que é a Causa sui,
a explicação primeira do mundo. A segunda consequência é a morte do homem
devido à sua entrega excessiva à razão científico-técnica. O mundo se divide em
dois: o da fé, representado pelo Catolicismo Romano e pelo protestantismo, e o
mundo da ciência. Os católicos decididamente refratários a qualquer diálogo
desde o Concílio de Trento (1545-1563) até o Concílio Vaticano II (1962-1965) e
os protestantes dispostos a dialogar já que, do ponto de vista genético, recebem
grande influência do Renascimento seja no método, o ad fontes, seja na
autonomia em relação à autoridade. Esta mesma questão, à luz da leitura
sociológica de Max Weber (1864-1920) na “Die Protestantische Ethik Und Der
Geistes des Kapitalismus”10 (1904) indica que a predestinação calvinista
americana realiza parte de seu sentido teológico no trabalho e na racionalização
da prática religiosa. Esta tese responde a questão: por que certas sociedades se
9
“[...] nihil aliud sit quam impressio divini luminis in nobis”.
“Ética protestante e o espírito do capitalismo”.
10
9
desenvolvem e outras não? A resposta é que as mentalidades, os valores e as
crenças protestantes influenciam os comportamentos econômicos. Segundo
Max Weber, isto pareceria claro nos Estados Unidos onde o calvinismo, que
defende a tese de que a salvação humana decorre de um decreto de Deus e não
de ações humanas boas ou más, orienta as diferentes expressões religiosas. A
angústia calvinista de quem é ou não eleito para a salvação, é superada pelo
sucesso econômico. Os recursos da pessoa são sinais de sua eleição porque
indicam que Deus lhe quer bem. Para alcançar esta suposta certeza, é preciso
consagra-se ao trabalho como se fosse uma missão. É daí que vem a relação
entre a ética protestante e o espírito, a alma, do capitalismo: liberdade,
iniciativa, racionalidade instrumental, empreendedorismo. As controvérsias
pós-weberianas criticam o vínculo entre religião e capitalismo (SAMUELSON;
COLEMAN, 1961) e a simplicidade dele a sustentar uma causa única para um
fenômeno tão complexo (TREVOR-ROPER, 1984).
Seguindo a tendência antropocêntrica da Renascença e da modernidade,
aparece o direito natural de ordem racional. A legitimidade do direito natural
moderno decorre da ratio juris, que é a esfera ontológica do direito. Nasce daí o
jusracionalismo de feição grotiusiana, hobbesiana, lockiana e rousseauiana. Se
comparado com o direito natural antigo e escolástico, o jusracionalismo
estabelece uma mudança de paradigma porque não é mais o cosmocentrismo
ou a transcendência divina que orienta o direito, mas sim a transcendência da
razão. Hugo Grotius (1583-1645) funda o direito natural ancorado na ratio iuris
como sustentado em “De Jure Belli ac Pacis”11 (1625). Esta passagem ao direito
natural racional, ou jusracionalismo, ampara-se em dois princípios caros à
modernidade: o individualismo e o utilitarismo da natureza humana. Isto
significa que as pessoas antecedem a sociedade que fundam de comum acordo,
11
“Direito da guerra e da paz”.
10
são iguais por natureza, são competitivas, são naturalmente inclinadas à
segurança e dadas aos cálculos nas suas relações. Conforme a filósofa
Maryvonne Longeart, da Université de Laval, com o contrato social busca-se a via
média entre o direito divino e o direito da força (LONGEART, 2012). Devido ao
progresso das ciências e da infração antropológica, uma nova visão de mundo
nasce com a viragem moderna. Os fenômenos devem ser considerados segundo
suas leis internas e nas relações uns com os outros. Na perspectiva sociológica,
evoca-se o positivismo científico de Augusto Comte (1798-1857). Na cena
jurídica, o positivismo põe em cheque a concepção de uma norma superior
como reclama o direito natural clássico. Desde então, as opiniões divergem.
Para uns o direito tira a sua autoridade de si mesmo. É o positivismo jurídico
legitimado na força coercitiva do Estado (KELSEN, 2003). Para outros, o direito
tira sua autoridade da consciência coletiva (Émile Durkheim) ou da
solidariedade social, conforme Léon Duguit (1859-1928), como se lê no seu
“Traité de Droit Constitutionnel”12 (1921). Ao contrário disso, o marxismo
afirma que a história é determinada pela luta de classes. O direito é apenas o
produto de certa configuração histórica da sociedade. Neste sentido, o direito é
um meio de expressão da classe dominante. É a tese de Karl Marx em “Zur
Kritik der Hegelschen Rechtsphilosophie“13 (1843). Thomas Hobbes (1588-1679),
devido à sua visão negativa do homem, entende que o contrato que funda a
sociedade caracteriza-se pela submissão total a um terceiro que detém o poder
absoluto. Esta tese aparece na sua magnum opus “The Leviathan” (HOBBES,
1660). A submissão total e o poder absoluto total fundam o estado civil. Isto é
necessário para que não haja um retorno ao estado de natureza. Neste contexto,
o que dissolve o estado é a discussão do poder na medida em que o homem
julga o que é permitido ou proibido não pela lei, mas por sua consciência.
12
“Tratado de Direito Constitucional”.
13
“Contribuição à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel”.
11
Quando isso começa a ocorrer, retorna-se rapidamente ao estado de natureza. O
jurista alemão Samuel von Pufendorf (1632-1694) critica a categoria hobbesiana
de “estado de natureza”. Para ele, a natureza do homem não é o da guerra de
todos contra todos, mas o da paz. Com afirma em “De Jure Nature et Gentium”,
o ser humano “forma uma sociedade para ajuda mútua e troca de
compromissos que direcionarão suas ações e os conduzirão ao mesmo fim e ao
bem comum”14 (PUFENDORF, 1672, book VII, p. 969).
Para John Locke (1632-1704), o estado de natureza funda-se na harmonia e na
liberdade racional. Isto assegura a conservação pessoal, a punição de quem
ameace a sua vida e a posse da propriedade. A passagem do estado de natureza
ao estado de sociedade ocorre por mútuo consentimento, mas diferentemente
de Thomas Hobbes, não se trata de submissão absoluta e poder absoluto,
porque isto seria pior que o estado de natureza. Como se lê em “Two Treatises
on Government” (LOCKE, 1680-1690), a regra de John Locke para fundar o
estado civil é a regra da maioria. Esta substitui a do poder absoluto de uma
pessoa. Desde então, esta máxima orientará todo pensamento liberal. Isto não
significa que a maioria tenha de antemão a resposta certa porque sempre ficará
a dúvida se a posição da maioria deve prevalecer por ser mais racional ou por
ser mais forte. Não obstante isso, o estado civil é estabelecido por um contrato
de associação e de submissão condicional. Se o governo falha na promoção da
segurança, deve ser destituído. Entendendo que o estado civil funciona
adequadamente, os cidadãos entregam ao estado a sua segurança e o poder de
punir para benefício do corpo político. Porém, para evitar o abuso de poder fazse necessária a divisão de dois poderes: o poder legislativo e o poder executivo,
que em John Locke, também exerce a função judiciária. A teoria do contrato
“Form a society for mutual aid, and exchange promises that they will direct their actions and
strength to the same end and the common good".
14
12
social de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) parte do mesmo postulado de John
Locke: os indivíduos têm vontades e interesses comuns. Porém, diferem na
concepção do contrato social. Para Jean-Jacques Rousseau não existe um estado
de natureza. Esta contestação a Thomas Hobbes aparece tanto em “Discours sur
l’origine et les fondements de l’inegalité parmi les hommes »15 (1755) e « Du
contrat social ou Principes Du Droit Politique16 (1762). Para ele, o bom selvagem
já seria um ser moral. Isto significa que um homem em estado de natureza não
tem poder para ser bom ou mal porque não sabe querer nem uma coisa nem
outra. Jean-Jacques Rousseau renuncia tanto a busca das origens históricas da
humanidade quanto o mito do bom selvagem. Orienta-se pela antropologia
positiva, isto é, pela análise do estado atual do homem. Esta leva-o ao exame da
natureza humana e à vida social. Segundo a intuição de Maryvonne Longeart:
“o estado de natureza é o natural em cada um de nós” (2012, tradução nossa) 17.
A
concepção
antropológica
rousseauniana
abre
outro
horizonte
de
compreensão de homem e de sociedade. Pode-se falar de uma condição neutra
no qual o homem pode ser levado ao mal ou ao bem. Talvez o melhor exemplo
desta oportunidade de refazer os caminhos da história, seja a criança. Para isso,
é preciso pensar a liberdade social e a liberdade política. Evoca-se a Maryvonne
Longeart: “o homem natural, o homem do contrato social (ou de Émile),
contrariamente ao homem da natureza, é um homem que trouxe á perfeição
suas capacidades naturais no lugar de pervertê-las” (2012, tradução nossa)18.
Desta concepção antropológica positiva do ser humano nasce uma teoria de
contrato social que não aliena totalmente o ser humano como em Thomas
15
«Discurso obre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens »
16
“Do Contrato Social ou Princípios do Direito Político”.
17
“l’état de nature est le naturel en chacun d’entre nous”.
“L’homme naturel, l’homme du contrat social (ou de l’Émile), contrairement à l’homme de la
nature, est un homme qui a porté à la perfection ses capacités naturelles au lieu de les
pervertir”.
18
13
Hobbes, nem aliena-o parcialmente como em John Locke. Por isso, cada cidadão
unido ao todo, obedece apenas a si mesmo e permanece assim livre como antes.
Baruch Spinoza defende uma ideia semelhante no seu “A theologico-political
treatise”19 (2010). Isto ocorre na medida em que todos se alienam a favor da
sociedade e retomam o que entregam a sociedade na justa medida de igualdade
de todos. Esta entrega supera o contrato de submissão de Thomas Hobbe e John
Locke. Neste contexto, as pessoas perdem a liberdade natural, mas ganham as
alegrias dos direitos garantidos pela lei que elas mesmas se deram porque a
mesma pessoa obedece e promulga lei.
A crítica de Leo Strauss (1899-1973) ao jusracionalismo recai sobre o abandono
da ideia do justo universal defendida pelo direito natural clássico. Ela aparece
em “Natural Right and History”20 (1965). Para Strauss, o positivismo jurídico
equivoca-se quando corta o laço entre fato e valor porque fica à mercê da lógica
dos legisladores e dos tribunais. Esta tendência decorre da entrega da
inteligência jurídica à infração cientificista do historicismo e do positivismo da
modernidade. Mas, sabe-se de leis e de decisões que não correspondem à
justiça. Para Leo Strauss, este sentido de inadequação é dado pelo direito
natural. Aqui ele aproxima-se do conceito socrático da perfeição da ideia de
alguma coisa está na subjetividade humana. Strauss acredita que manter-se
nesta linha permite à sociedade procurar sempre o melhor caminho. Porém, na
“Grundlegung zur Metaphysik der Sitten”21 (1791), Immanuel Kant (1724-1804)
afirma que o lócus fundacional da moral e do direito é exclusivamente a razão.
Para o filósofo Javier Herrero, isto significa ter a consciência de agir segundo a
razão prática e não segundo o contrato social decorrente do estado de natureza
19
“Um tratado político-teológico”.
20
“Direito Natural e História”.
21
“Fundamentação da metafísica dos costumes”.
14
ou de um contrato primitivo (HERRERO, 2001, p. 18). O limite entre o universo
fenomênico e o da coisa em si é preenchido pela liberdade humana à luz da
razão pura prática. Isto pede que se faça a distinção entre conhecer e pensar.
Conhecer é próprio do universo fenomênico; pensar é natural da razão em si
mesma. É aí que estão os princípios a priori da razão, isto é, a metafísica dos
costumes. Eles regulam o mundo fenomênico através da afirmação do dever,
sentimento de respeito e do conhecimento moral da razão dos homens em
geral. A isto Kant chama boa vontade. Esta para ser boa em si mesma deve
promover ações por puro respeito à lei prática. Por isso, pode-se afirmar que a
faculdade da razão prática é o imperativo categórico, isto é, prescreve uma ação
incondicionalmente que significa agir segundo a máxima da universalidade,
isto é, de uma ação que promova o bem universal e que, por isso, qualquer ser
humano poderia realizar. Se isto ocorre, a razão “surge com pleno domínio
sobre todos os outros móbiles subjetivos e se impõe incondicionalmente”
(HERRERO, 2001, p. 27). A ambiguidade da existência humana pelo fato de
pertencer ao mundo inteligível e ao mundo sensível traz a possibilidade da
autonomia absoluta, agir conforme a reta ratio ou agir entregue às inclinações,
que é a absoluta heteronomia. Diz Javier Herrero:
Como o mundo inteligível contém o fundamento e as leis do mundo
sensível, o ser puramente racional tem que considerar sua vontade
(pura) como legisladora e o ser sensível terá que pensar-se como
submetido a essa lei do mundo inteligível que é o mundo da razão
(Herrero, 2001, p. 28).
Esta moldura teórica kantiana altera profundamente a teoria do Direito Natural,
porque a legalidade da sociedade política não se fundamenta na transferência
de direitos individuais e/ou privados. Baseia-se no reconhecimento de um
dever, segundo a lei da razão. A fraternidade humana na racionalidade valida a
transubjetividade e estabelece a dialética entre a individualidade e a
universalidade. Para isso, é necessário que as pessoas ajam segundo a lei da
vontade racional cuja síntese pode ser expressa pelo reconhecimento da
15
capacidade da razão ser a legisladora universal. A dignidade humana na razão
impede que qualquer pessoa seja tratada como meio. Deve-se lembrar então da
lei do fim, isto é, que o ser humano jamais deve ser tratado como meio para um
fim, mas como fim em si mesmo. Isto gera os princípios de igualde e equidade
que a sociedade deve tutelar juridicamente. O princípio do Direito é a
racionalidade universal e procedimental. Isto significa dizer que os limites da
liberdade externa de alguém são postos pelo Direito Positivo. A possibilidade
de sua observância assenta-se sobre a possibilidade de ser reconhecida por
outro ser racional. Diz Javier Herrero:
O princípio do Direito põe a liberdade em concordância
consigo mesma e atua como princípio de consistência do
mundo externo, abrindo o mesmo espaço da liberdade,
delimitado pela demarcação da lei jurídica e igualmente
atribuída a cada um (HERRERO, 2001, p. 33).
Isto permite construir uma comunidade universal à luz do direito da pessoa, do
direito político e do direito internacional. Decorre daí que “o critério de contrato
caracteriza como juridicamente inadmissíveis leis que tratam iguais de modo
desigual e que conduzem a uma distribuição desigual de direitos e deveres”
(HERRERO, 2001, p. 34). Isto permite medir, mesmo que parcialmente, o grau
de justiça das leis. Por isso, pode-se dizer “que todos nós temos tanto um direito
a uma ordem de paz internacional, como também a obrigação de engajar-nos na
realização desse estado de paz jurídica mundial” (HERRERO, 2001, p. 35).
O processo de democratização do direito ocidental leva à recepção de elementos
do direito natural nas constituições inglesa, americana e francesa. Em 1948, a
luta pela justiça ganha expressão mundial com a Declaração Universal dos
Direitos Humanos. A positivação do direito natural clássico e moderno abrange
quatro gerações (LE ROY, 1996). A primeira geração abarca os direitos civis e
políticos. São direitos civis da primeira geração: a liberdade das pessoas no que
16
respeita a ir e vir, o direito à vida, a não ser preso arbitrariamente, não ser
torturada e escravizada, a escolher com quem se casar, quantos filhos ter,
direito à propriedade privada e contratar quem quiser. São direitos civis: o
direito ao voto, à resistência à opressão, ao culto, à liberdade de consciência, à
liberdade de ensino, à liberdade de comunicação e à liberdade de associação. A
segunda geração é aquela que garante aos cidadãos exigir direitos sociais do
Estado. São direitos sócio-econômicos e culturais. Se a primeira geração
concentra-se na individualidade, a segunda volta-se para a coletividade. A
título de exemplo, pode-se citar: o direito ao trabalho, à cobertura social, à
educação, à saúde física e mental, à alimentação, à habitação, à segurança, à
greve, à liberdade sindical, à vestimenta, ao repouso e ao lazer, etc. As duas
gerações dos direitos humanos são recepcionadas na Declaração Universal dos
Direitos Humanos de 1948.
A partir de 1970, fala-se de uma terceira geração dos direitos humanos que
respondem à concepção de mundo visto como uma aldeia global. Reivindica-se
então, mesmo que embrionariamente, o direito à paz, à livre determinação dos
povos, ao desenvolvimento, a um meio ambiente saudável, ao uso sustentável
dos recursos naturais, ao regime democrático que integre a todos sem distinção,
ao direito das minorias, etc.. A quarta geração trata dos direitos de pessoas
vulneráveis, a saber: os deficientes, os idosos e as crianças. As medidas
protetivas incluem: o direito à proteção contra toda forma de negligência, de
crueldade, de exploração, de discriminação, saúde física e mental, à tratamento
justo e igualitário. Um dos baluartes brasileiros da solidariedade social, mesmo
que um crítico contundente da globalização, é Milton Santos (1926-2001). Como
consultor das Organizações das Nações Unidas a sua inteligência crítica e
emocional é fator de humanização do mundo e de expurgação das formas sutis
de denominação da consciência humana (SANTOS, 2000).
17
O percurso histórico dos documentos que recepcionam os direitos mencionados
ajuda a ver a sua conquista gradual na história jurídica. O Cilindro de Ciro de
539 a.C. está na origem deste processo de positivação do direito natural. O rei
persa Ciro, após a conquista do Império Babilônico, promulga um decreto, hoje
conhecido como cilindro de Ciro, no qual estabelece a liberdade dos escravos, a
igualdade de raça e a liberdade religiosa (FINKEL, 2012). Este constitui-se uma
inspiração para o mundo contemporâneo. A Organização das Nações Unidas
traduziu-o para todas as nações membros. A Magna Carta da Inglaterra de 1215
é o primeiro documento europeu conhecido que limita o poder do rei John
(1166-1216). Ele é pressionado a assinar a Magna Carta por ter violado os
costumes e direitos antigos dos ingleses (BREAV, 2012). Deste modo, tinha-se a
expectativa que o feito não ocorreria de novo sem consequências graves para
ele. São direitos sustentados pela Carta: Igreja livre de interferência
governamental, os cidadãos podem adquirir e herdar propriedades, os cidadãos
devem ser protegidos de impostos exorbitantes, as viúvas de posses podem
escolher casar ou não, a igualdade dos cidadãos perante a lei, é estabelecido o
rito processual e punição para o suborno e a má conduta oficial. A “Petition of
Rights”22 (1628) é outra importante referência da positivação de princípios do
direito natural. Trata-se de um documento elaborado pelo Parlamento Inglês e
enviado ao Rei Charles I da Inglaterra em defesa das liberdades civis que
estavam sendo violadas por ele. Segundo este documento, nenhuma taxa
deveria ser estabelecida sem o consentimento do Parlamento, nenhuma pessoa
deveria ser presa sem motivo, nenhum soldado pode aquartelar-se na casa do
cidadão e a lei marcial não pode ser usada em tempo de paz. Outro documento
fundamental é a Declaração de Independência dos Estados Unidos de 4 de julho
de 1776, escrita por Thomas Jefferson. Nela destacam-se os direitos individuais
e os direitos de revolução. É a Constituição Americana promulgada em 1787
que garantirá os direitos básicos dos cidadãos já expressos na Declaração de
22
Petição de Direitos.
18
Independência. Porém, será em 15 de dezembro de 1791 com o Bill of Rights
(1791), uma lista de dez emendas à Constituição Americana, que limita os
poderes do governo federal dos Estados Unidos e protege os direitos dos
cidadãos, residentes e visitantes no território americano, que esses direitos
alcançam a legalidade e influenciam a Europa. Outro documento fundamental
no processo de positivação do direito natural é a Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão (1789) que recolhe as aspirações da Revolução Francesa e
será adotada pela Assembleia Nacional Constituinte como o primeiro passo na
elaboração da constituição da República da França promulgada em 1793. A
Declaração afirma que todos os cidadãos têm direito à liberdade, à propriedade
e à resistência a opressão. Sustenta que a necessidade de lei deriva do fato de
que “[...] o exercício do direito natural de cada homem tem somente aqueles
limites que asseguram a outros membros da sociedade o gozo dos mesmos
direitos. Estes limites podem ser estabelecidos apenas pela lei” (art. VI) 23. O
último documento desta série histórica é A Declaração Universal dos Direitos
Humanos proclamada pela Organização das Nações Unidas (ONU- 1948). De
modo resumido, os trinta artigos são como segue: 1. Livre e igual no
nascimento; 2. Não à discriminação; 3. Direito à viver livremente; 4. Ninguém
deve ser escravizado; 5. Nenhuma tortura; 6. Direitos universais em qualquer
parte; 7. Iguais perante a lei; 8. Protegido por lei; 9. Nenhuma detenção injusta;
10. Direito a julgamento; 11. Inocente até prove o contrário; 12. Direito à
privacidade; 13. Direito a ir e vir; 14. Direito a asilo político; 15. Direito a uma
nacionalidade; 16. Direito a casamento e família; 17. Direito à propriedade; 18.
Direito à liberdade de pensamento; 19. Direito à liberdade de expressão; 20.
Direito à reunião; 21. Direito à democracia; 22. Direito à segurança social; 23.
Article IV- La liberté consiste à pouvoir faire tout ce qui ne nuit pas à autrui : ainsi l’exercice
des droits naturels de chaque homme n’a de bornes que celles qui assurent aux autres Membres
de la Société, la jouissance de ces mêmes droits. Ces bornes ne peuvent être déterminées que par
la Loi.
23
19
Direito dos trabalhadores; 24. Direito à diversão; 25. Direito a comida e abrigo
para todos; 26. Direito à educação; 27. Direitos de autor; 28. Direito a mundo
livre e justo; 29. Direito a viver responsavelmente; 30. Ninguém pode tirar os
seus direitos.24 A Carta das Nações Unidas inaugura a era dos acordos
internacionais dos direitos humanos entre os países signatários e desde então
passa a ser matéria de regulação do Direito Internacional (HENKIN, 1993, p.
375-376).
24
Sugere-se vivamente os 30 artigos dos Direitos Humanos em vídeo. Disponível em:
<http://br.humanrights.com/#/videos/born-free-and-equal>
<http://br.humanrights.com/#/videos/dont-discriminate>
<http://br.humanrights.com/#/videos/right-to-live-free>
<http://br.humanrights.com/#/videos/no-slavery>
<http://br.humanrights.com/#/videos/no-torture>
<http://br.humanrights.com/#/videos/universal-rights>
<http://br.humanrights.com/#/videos/equal-before-the-law>
<http://br.humanrights.com/#/videos/protected-by-law
<http://br.humanrights.com/#/videos/no-unfair-detainment>
<http://br.humanrights.com/#/videos/right-to-trial>
<http://br.humanrights.com/#/videos/innocent-till-proven-guilty>
<http://br.humanrights.com/#/videos/right-to-privacy>
<http://br.humanrights.com/#/videos/freedom-to-move>
<http://br.humanrights.com/#/videos/right-to-asylum>
<http://br.humanrights.com/#/videos/right-to-asylum>
<http://br.humanrights.com/#/videos/marriage-and-family>
<http://br.humanrights.com/#/videos/right-to-ownership>
<http://br.humanrights.com/#/videos/freedom-of-thought>
<http://br.humanrights.com/#/videos/freedom-of-expression>
<http://br.humanrights.com/#/videos/right-to-assembly>
<http://br.humanrights.com/#/videos/right-to-democracy>
<http://br.humanrights.com/#/videos/social-security>
<http://br.humanrights.com/#/videos/workers-rights>
<http://br.humanrights.com/#/videos/right-to-play>
<http://br.humanrights.com/#/videos/food-and-shelter-for-all>
<http://br.humanrights.com/#/videos/right-to-education>
<http://br.humanrights.com/#/videos/copyright>
<http://br.humanrights.com/#/videos/fair-and-free-world
<http://br.humanrights.com/#/videos/fair-and-free-world>
<http://br.humanrights.com/#/videos/no-one-can-take-your-rights>
Acesso em: 10/04/2012.
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Os direitos humanos em Belo Horizonte, desde 1993, são implementados pela
Coordenadoria de Direitos Humanos e Cidadania (CMDH) 25. Trata-se de uma
iniciativa pioneira que visa a implementação de políticas públicas para
defender, promover e garantir os Direitos Fundamentais. Para isso, elabora,
propõe e realiza programas, serviços e ações que garantam a justiça no trato
humano e a superação das desigualdades e de injustiças oriundas das múltiplas
formas de discriminação. Para cumprir seus objetivos, a instituição tem os
seguintes programas: 1. O Programa CAVIV - Centro de Apoio às Vítimas de
Violência; 2. O Centro de Referência pelos Direitos Humanos e Cidadania de
Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (CRLGBT); 3. O Programa
de Orientação Jurídica e Formação em Direitos Humanos e Cidadania; 4. O
Observatório de Direitos Humanos ; 5. O Programa Espaço da Cidadania.
A Constituição Brasileira de 1988 no Título I, “Dos Princípios Fundamentais”,
nos artigos 3º e 4º ; no Título II, “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”,
artigos do 5º ao 9º e no Capítulo IV, artigo 14 transforma os direitos humanos
tipificados nos documentos internacionais em norma constitucional de
aplicabilidade imediata26. Os direitos humanos contemplados na Carta de 1988
correspondem às quatro gerações de direitos: os direitos pessoais e políticos, os
direitos sociais e os direitos à paz e à proteção das minorias. Neste sentido, a
Constituição Brasileira é uma das mais avançadas no mundo. Deve-se enfatizar
que direito é sempre uma conquista a ser reiterada pela sociedade para fazer
cumprir o que a lei preceitua. Por isso, persistirá por um bom tempo a distância
Coordenadoria de Direitos Humanos (CMDH) - Rua Espírito Santo, 505 - 11º andar - Centro.
Site:
http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/comunidade.do?evento=portlet&pIdPlc=ecpTaxonomiaMe
nuPortal&app=direitosdecidadania&tax=27342&lang=pt_BR&pg=5569&taxp=0&. Acesso em
10/04/2012.
25
Cf. Legislação nacional e internacional sobre os direitos humanos. Disponível em:
<http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/lg.htm>
e
<http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/lg_internacional.htm>. Acesso em: 10/04/2012.
26
21
entre o preceituado pela lei e o alcançado de fato. Isto pode ser incômodo aos
mais sensíveis, mas é positivo se visto como uma meta para o Estado Brasileiro
reduzir as desigualdades sociais. A constitucionalista Flávia Piovesan entende
que desde a promulgação da Constituição brasileira de 1988, exige-se uma
inteligência jurídica com competência diferenciada. Isto significa superar a
lógica conservadora e formalista da formação jurídica distanciada da realidade
social e pautar a prática jurídica pelos princípios da constitucionalidade e da
defesa dos direitos humanos. Em suas palavras:
Devemos nos orientar pela lógica democrática instaurada pela
Constituição Federal de 1988 e pelos tratados de direitos humanos,
incorporando seus valores na qualidade de agentes propagadores de
uma ordem renovada, democrática e respeitadora dos direitos
humanos (PIOVESAN, In: KATO, 2008, p. 25-35).
Entretanto, talvez o maior entrave à emergência de uma inteligência jurídica
mais humanista não seja apenas a mudança da natureza dos cursos jurídicos
com enfoques em competências diferençadas. Como o afirma Marco Antônio
Villa (2011), Trata-se também de considerar a paradoxo endêmico que perpassa
a história político-jurídica do Brasil. A discrepância entre o direito posto e a sua
efetiva concretização efetiva que se sustenta letargia dos políticos e na
acomodação da sociedade brasileira.
Do ponto de vista filosófico-político, são possíveis regras jurídicas gerais
aplicáveis em toda parte em todo lugar e em qualquer época? É por aí que a
crítica aos direitos humanos é feita. O filósofo irlandês Edmund Burke (17291797) critica a filosofia e aplicabilidade da Revolução Francesa (1790). Para ele, a
Revolução levaria a France e à Europa à tirania política. O jurista inglês Jeremy
Bentham (1748-1832) em “Anarchical fallacies” escrito em 1791 e 1795
(BOWRING, 1843) protesta contra a declaração dos direitos humanos porque é
a lei que cria o direito e é por ela que o soberano governa. Para ele, não há
direitos naturais porque são tão genéricos que se tornam ineficazes. Por sua vez,
22
o filósofo e historiador francês Michel Villey (1914-1988) escreve no “Le droit et
les droits de l’homme” (2008) que a expressão “direitos do homem” é infeliz
porque não existiria tal coisa. Não obstante a importância das críticas, parece
que a expansão gradual dos direitos humanos hoje no Planeta apontam para o
acerto das medidas empregadas.
Na pós-modernidade, a distância entre o universo religioso e o científico é
reduzida. Porém, busca-se ainda hoje a melhor maneira de adequar o ethos
ocidental ao vazio que se instaura devido à secularização do Ocidente. Entendese por secularização a gradativa renuncia de Deus para explicar os fenômenos
da natureza. A racionalidade moderna, caracterizada por explicar os fenômenos
a partir de suas leis internas, se comparada com a lógica da pré-modernidade
que os explica recorrendo aos argumentos de autoridade ou às proposições
divinas, é vazia ontologicamente (ISAMBERT, 2012). Noutras palavras, não há
um deus no alto para sustentar a nova racionalidade. Os fenômenos da
natureza, na medida em que se auto-explicam, não apontam para alguém fora
do mundo, mas para a autogenia da natureza. Se de um lado, este pressuposto
da modernidade escandaliza a razão mítica; por outro, ele é a naturalização da
antiga concepção religiosa. Isto encaixa-se na lógica feuerbachiana e
psicanalítica. O primeiro, Ludwig Feuerbach, afirma que o Deus cristão como
ele o percebeu, é uma projeção antropomórfica (1989). O segundo, Sigmund
Freud, afirma que se trata de uma neurose coletiva (1929). Segundo a lógica
moderna, o Deus cristão, tal como a onto-teologia o apresenta, é a sublimação
dos desejos humanos. Na sua formação, ele segue o mesmo processo que
caracteriza os mitos gregos. Nesse caso, a modernidade apenas tira o véu que
ocultava o homem por detrás de Deus. Como Têmis e Diké, o Deus cristão ontoteológico é o instrumento de coerção social e da permanência do status quo.
23
As teorias religiosas de Ludwig Feuerbach e de Sigmund Freud são admitidas
pela teologia contemporânea de matriz pós-moderna (GEFFRÉ, 1988). Parece
consensual entre os teólogos cristãos que a onto-teologia, que caracteriza a
teologia clássica, apegada à verdade dos conceitos, deu ao Ocidente um deus
ídolo. Entende-se por onto-teologia a compreensão de Deus como a explicação
do universo e cujas características são antíteses do ser humano: homem-fraco,
Deus-onipotente; homem-pecador, Deus-santo; etc. A esta figura de Deus, a
teologia contemporânea esforça-se por reconstruir. Ela reconhece que o homem,
se o quiser, pode existir sem Deus e Deus sem o homem. A experiência Deus
emergiria como luz no interior da própria razão sem deixar de ser o Filho de
Maria. Esta internalização de Deus privilegiada pela teologia pós-moderna
chama-se teísmo crístico porque o Filho de Maria que morreu e ressuscitou dá
ao mundo outra figura de Deus: Deus crucificado. Pode-se dizer então que “é
próprio de Deus [...] tornar-se outro permanecendo Deus”27 (GEFFRÉ, 1988, p.
166, tradução nossa). Por aí aparece a dialética divino-humana hoje: “ ‘o vir-aser de Deus’ no homem” e o vir-a-ser do homem em Deus. Para Claude Geffré,
“a criação do homem só tem sentido como possibilidade para Deus existir em
um outro do que ele mesmo” (GEFFRÉ, 1988, p. 161, tradução nossa) 28. O Deus
de Jesus manifesta-se como fraco e sofredor. Quando se entrega à dor, Deus
entrega-se à autonomia da criação e à liberdade humana que tanto pode
entregar-se ao mal como, em Deus mesmo, o superar. Como o disse Dietrich
Bonhoeffer: “Deus no mundo é fraco e indefeso e é exatamente assim que ele
nos está presente e nos ajuda”(BONHOEFFER, 1963, p. 81, tradução nossa)29.
Esta nova linguagem unifica o discurso sobre Deus e o homem porque “[...]
« C’est le propre de Dieu [...] de devenir autre tout en restant Dieu ».
27
“La création de l'homme n'a de sens que comme possibilité pour Dieu d'exister dans un autre
que lui-même”.
28
« Dieu dans le monde est faible et sans défense, et c'est exactement la façon dont elle est dans
le présent et nous aide ».
29
24
finalmente, ela levou a sério o mistério de humanização de Deus em Jesus
Cristo, de sorte que a realidade de Deus se descobre como a realidade do
homem”30 (GEFFRÉ, 2012, tradução nossa). Na lógica cristã, o Cristo é o lugar
da justiça no cristianismo. O corpo crucificado por uma decisão injusta, é o
lugar da justiça e do perdão através da força da Ressurreição. A Trindade
divina, Pai-Filho-Espírito Santo, é o fundamento transcendente-imanente da
justiça e por onde a isonomia, a igualdade, pode tirar a dor da injustiça e da
morte. Sentido lato, isto não resolve o problema de um fundamento para a ética
contemporânea porque até então há todo um aparato ritualístico que acaba por
exigir a conversão ao cristianismo de quem queira ser ético. Sabe-se que isso é
aversivo a muitas pessoas e uma questão delicada nas relações entre as grandes
religiões mundiais: Islamismo, Judaísmo e Cristianismo. É um problema que a
teologia das religiões pode ajudar a resolver (GEFFRÉ, 2006).
O estudo de Têmis e Diké como introdução ao estudo da justiça aristotélica
permite ver que eles são projeções dos anseios do homem antigo e que por
detrás deles, como o mostrou Ludwig Feuerbach (1989), está o próprio homem
hipostasiado de divino. Entretanto, enquanto este segredo permanece oculto, já
que quem vê a Deus morre (UNAMUNO, 2010), ele conserva a legitimidade e o
poder de coerção social. A justiça transcendente de Têmis provoca o temor dos
homens e Diké, a justiça imanente, dá-lhes a certeza de que os desvios da lei
serão punidos, assim como as ações justas serão recompensadas. Nos dois
casos, Têmis e Diké, podem ser entendidas, segundo a Teoria Psicanalítica,
como o alter-ego do homem grego, isto é, “a necessidade narcísica de um outro
similar ao self, um fator de desenvolvimento do self” (OPPENHEIMER, In:
“Ce nouveau langage ne sépare plus le discours sur Dieu et le discours sur l'homme. Il a pris
finalement au sérieux le mystère de l'humanisation de Dieu en Jésus-Christ, en sorte que la
réalité de Dieu se découvre comme la réalité de l'homme ».
30
25
MIJOLLA, 2005, Tradução nossa)31. Esta categoria psicanalítica corresponde à
identificação com o pai, que ocorre entre os 4 a 10 anos no desenvolvimento da
criança. O mito visto sob esta lente corresponderia à infância da racionalidade
humana. No ambiente mítico, aquele que erra sabe que Têmis desce veloz do
Monte Olimpo para punir quem quebra a regra social e, com isso, reestabelecer
a ordem na cidade. Esta ação transcendente de Têmis é completada por sua
filha Diké que, de agora em diante, é a justiça encarnada na cidade: uma justiça
imanente que está nas instituições, mas que também busca o seu lugar na alma
humana. Diké quer que os costumes sejam observados e que através de leis
justas e de instituições criadas para esse fim, o ato justo seja compensado e o ato
injusto seja combatido na cidade.
Porém, sabe-se hoje que o tabu é o segredo dos deuses (FREUD, 1970). Uma
deusa nas alturas é mais santa do que uma deusa que “suja as mãos” no quintal
da nossa casa. Esta proximidade entre o divino e o humano, que é fruto da
complexificação da cidade, é o primeiro passo da razão para reorganizar o
psiquismo partido à época em que os deuses foram criados pelo espírito
humano para aplacar seus medos e delirar seus anseios (Teogonia, Hesiodo).
Assim, como em Gênesis 3, a descoberta da razão é classificada de pecado pelos
teólogos judeus, esta mesma descoberta na cultura grega clássica é exorcizada
pela cultura religiosa tradicional. Mas, o processo de secularização, isto é, de
ver o mundo sem deuses, está lançado. Têmis e Diké, depois de cumprirem o
papel vital no psiquismo humano, começam a agonizar e em breve serão apenas
lembranças da infância cultural do Ocidente. Desvela-se, para horror e
satisfação do homem, que o destino da razão é compreender-se a si mesma em
face do mistério que a envolve. Segundo Gênesis 3, 10, quando a razão se autopercebe, a princípio não vê beleza. Diz: “ouvi a tua voz no jardim, tive medo
« [...] the narcissistic need of an other similar to the self, a factor in the development of the
self”.
31
26
porque estava nu, e me escondi”. Ainda hoje a razão ainda tem medo e sente-se
nua, mas mesmo assim gradativamente ousa avançar ao encontro de si mesma
porque este é o caminho naturalmente humano. A heteronomia, isto é, a norma
que vem de fora, passa a ser autonomia, a norma que o próprio homem se dá.
Parece que é isso que ocorre com a justiça que a democracia ateniense regula e
implementa através das instituições democráticas.
27
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