O Paradoxo de Fermi
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O Paradoxo de Fermi
O Paradoxo de Fermi Aliens e a extinção da humanidade João Lourenço [email protected] O Paradoxo Um satélite, sozinho no espaço, realiza pequenas mudanças de rotina na inclinação das lentes de seu telescópio e com isso vê ainda mais longe e com mais definição nos confins do universo observável. Esse telescópio em especifico tem, entre outras, a nobre missão de procurar por planetas habitáveis - planetas cujas condições atmosféricas, geológicas e climáticas sejam semelhantes o suficiente a da Terra para que o planeta possa suportar vida. E surpreendentemente o nosso solitário amigo composto de alguns kilos da mais pura alta tecnologia, vem cumprindo a cabo a missão de comprovar que muito provavelmente não estamos sozinhos no cosmos. Esse e outros telescópios já descobriram dezenas de planetas com as condições corretas para suportar a vida. Os fatores são diversos, o principal é a distancia do planeta em relação a sua estrela, disso pode depender muitas outras condições extremamente relevantes: presença de água liquida na superfície, existência de uma atmosfera espessa, etc. Enrico Fermi, um dos muitos físicos erradicados da Europa para os EUA durante o fascismo e responsável pela criação do primeiro reator nuclear, era famoso pela sua simplicidade ao abordar questões complexas e pela sua capacidade de produzir estimativas precisas com cálculos simples para problemas que exigiam uma matemática muito mais avançada e difícil. Durante um dos primeiros testes da bomba atômica Fermi foi capaz de estimar, com um erro menor que uma ordem de grandeza, a potencia da bomba baseando-se apenas no deslocamento de pedaços de papel que jogará ao ar quando o vento produzido pela explosão o atingira. O físico, acompanhado por outros colegas, também realizou diversas estimativas sobre a existência de extraterrestres e a probabilidade de um encontro com eles e concluiu que esse encontro era provável o suficiente para já ter ocorrido. Neste dia Fermi indagou "Onde estão eles?" e colocou em cálculos e em palavras pela primeira vez o que ficou conhecido como o Paradoxo de Fermi: a aparente inexistência de extraterrestres mesmo dada à alta probabilidade da sua existência. Cálculos mais avançados revelaram que uma civilização um pouco mais avançada que a nossa poderia colonizar a galáxia em alguns milhões de anos e como as condições para a emergência de vida como a nossa na galáxia existem há muito mais tempo que isso a galáxia já deveria estar colonizada: fato refutado pela total ausência de evidencias diretas em favor da existência de outras civilizações na galáxia. A recente descoberta de dezenas de planetas habitáveis torna ainda mais gritante esse paradoxo. O Grande Filtro Das diversas soluções possíveis para esse paradoxo não seguem conclusões relevantes somente a astrobiologia (estudo da vida em outros planetas) ou para indagações metafísicas sobre se estamos sozinhos no universo - assuntos importantes nos seus próprios termos. Seguem também conclusões extremamente relevantes para o nosso futuro próximo. Se nós sabemos ser razoavelmente provável a existência de planetas que possuem as condições necessárias para o surgimento da vida e da sua evolução até uma civilização mais complexa que a nossa, se nós sabemos que é fato que existem ao menos dezenas de planetas preenchendo as condições para o surgimento de vida primitiva, mas se ao mesmo tempo sabemos também da inexistência de outras civilizações ao menos tão avançadas como a nossa isso só pode significar uma coisa: existe ao menos um passo extremamente improvável na transição que leva das condições básicas para o surgimento da vida ao surgimento de civilizações complexas e capazes de colonizar a galáxia. Esse passo fundamental foi chamado pelo economista e transhumanista[1] Robin Hanson de "O Grande Filtro" em seu artigo de mesmo nome[2]. O Grande Filtro pode ser a transição de células protocariontes para eucariontes, ou da vida unicelular para a pluricelular ou ainda o surgimento da fotossíntese. Todos esses são passos que a evolução biológica na Terra levou milhares de anos para concluir e são todos bons candidatos a grandes filtros. Nestes caso nós já passamos pela região de improbabilidade e não temos com que nós preocupar. O Grande Filtro também pode ser sobreviver à invenção de bombas nucleares, biotecnologia, nanotecnologia ou a impactos periódicos de grandes asteróides que ocorrem com uma periodicidade suficientemente alta para impossibilitar o surgimento de uma forma de vida capaz de se defender do poder de extinção deste grande impacto na janela de tempo entre um impacto e outro. Neste caso estamos passando ou vamos passar em breve pela região de improbabilidade e devemos nos preocupar. E o que os aliens tem a ver com isso? Quanto mais evidencias encontrarmos de rastros de vida em outros planetas mais devemos nos preocupar. Qualquer prova de que a vida evolui até uma certa etapa anterior a nossa no cosmos é evidencia de que a evolução até essa etapa não pode ser assim tão improvável e de que, portanto o Grande Filtro deve estar localizado após essa etapa. Isso comprime a região de probabilidade na qual o Grande Filtro pode estar distribuído mais em direção ao tempo presente e assim aumenta a probabilidade de que ele esteja logo a seguir. Logo devemos esperar que projetos como o SETI - projeto que buscas inteligências extraterrestres - não achem absolutamente nada, pois isso seria um evidencia terrível de que tempos difíceis nos aguardam. Nas palavras do filosofo e transhumanista sueco Nick Bostrom: "... se descobrimos traços de alguma forma de vida simples - alguma bactéria ou alga - seria uma má noticia. Se acharmos fosseis de algo mais avançado, talvez algo parecido com os remanescentes de um trilobita[3] ou até mesmo o esqueleto de um pequeno mamífero, seria uma noticia muito ruim. Quando mais complexa a vida que acharmos, mais depressiva seria a noticia de sua existência. Cientificamente interessante, certamente, mas um mal pressagio para o futuro da raça humana."[4] Estimativas para o Grande Filtro Existem muitas dificuldades envolvidas em se estimar a distribuição probabilística da região de improbabilidade. O Grande Filtro pode estar distribuído temporalmente por milhares de anos em diversos passos improváveis que levam ao surgimento de civilizações avançadas. Existe uma dificuldade temporal em estimar a improbabilidade de um passo ser executado, apontada por Robin Hanson em seu artigo seminal. Imagine que uma pessoa tem de escolher uma seqüência especifica de números em 5 passos diferentes em uma janela de tempo de menos de 1 hora. No primeiro passo ela escolhe um numero de 1 a 10 e caso o numero seja o primeiro digito da seqüência especifica determinada previamente ela prossegue para o segundo passo, caso não seja ela tenta novamente. No segundo ela tem de escolher dois números de 1 a 10 que se corresponderem ao 3º e ao 4º digito da seqüência chave ela passa para o próximo passo, caso não correspondam ela tenta de novo. Assim o desafio prossegue sucessivamente até que finalmente no 5º passo ela tem de escolher um numero especifico de cinco dígitos para completar o passo. O tempo médio para realizar cada um dos passos cresce exponencialmente. O primeiro demora menos de 1s, o segundo 10s, enquanto que o ultimo passo demora em media 100h O sortudo que conseguir achar a seqüência certa em menos de 1 hora provavelmente levou menos de 1s para encontrar o primeiro digito, 10s para encontrar os dois seguintes, no entanto, ele não pode ter levado 100h para completar o quinto e ultimo passo, pois ai ele excederia o limite de 1h. Este sortudo muito provavelmente demorou algumas dezenas de minutos para completar esse passo. Conseqüentemente, dado que somos uma forma de vida que já completou um certo numero de passos, não podemos usar o tempo que demoramos em completar esses passos como estimativa direta da sua dificuldade. Apesar de os passos terem sido excetuados com uma velocidade cada vez mais rápida, disto não segue que esses passos foram fáceis. Muito provavelmente isso apenas é uma implicação do seguinte Bias (viés) Observacional: existe uma janela de tempo determinada e somente as civilizações que executam esses passos dentro da janela de tempo determinada existem e podem realizar observações. Se: (1) os passos aumentam em improbabilidade, eliminando cada vez mais uma porcentagem maior das civilizações que passam por eles e (2) as entidades observacionais aumentam em crescimento constante, decorre que se você é um observador muito provavelmente você está localizado na região de improbabilidade. Evidentemente não temos, a priori, nenhuma razão para acreditar em (1), no entanto, o ponto que se faz com isso é que, a priori, não temos nenhuma razão para se desacreditar em (1). Alem disso quando nos consideramos como integrantes “comuns” uma civilização tal como versões do principio antrópico nos aconselham certas conclusões sombrias emergem. Como as civilizações crescem em números de indivíduos, se é fato que as civilizações crescem até um certo ponto para serem extintas antes de chegarem a um estagio que a colonização da galáxia é possível então segue que a maioria dos integrantes de todas as civilizações que já existiriam se encontram mais perto do período de extinção do que longe dele. Como não sabemos exatamente em que parte da historia da nossa civilização nós nos encontramos, podemos nos considerar como um integrante aleatório e com isso estimar que temos uma probabilidade muito maior de estar perto do fim do que do começo da nossa civilização simplesmente porque a maioria dos integrantes se encontra perto do fim. Esse é mais um argumento possível a favor da idéia de que o Grande Filtro está no futuro próximo. Soluções ao Paradoxo Catástrofes Existem diversas soluções possíveis para o Paradoxo de Fermi. Uma das menos especulativas é a de que os inúmeros eventos causadores de destruição em massa ocorrem com uma freqüência alta o suficiente para que a janela de tempo em que a evolução da vida é possível seja pequena demais para o surgimento de civilizações avançadas. Por exemplo, imaginemos um evento de extinção em massa que ocorra uma vez a cada 500.000 anos - um grande asteróide, por exemplo. Via de regra a probabilidade de uma espécie animal ser extinta por uma grande catástrofe é diretamente proporcional a sua complexidade[5]. Mais complexidade, mais adaptabilidade ao ambiente, maior à dependência da espécie nesse ambiente e logo menor as chances de que a espécie sobreviva a uma radical mudança no ambiente provocada, por exemplo, pela colisão de um grande asteróide. Segue que um evento de destruição em massa que ocorra a cada 500.000 anos tem a propriedade de eliminar a maioria dos organismos que possam ser candidatos a se desenvolverem numa civilização complexa nos próximos 500.000 anos e possivelmente colonizar a galáxia. Existem muitos eventos catastróficos - asteróides, supervulcanismo, raios gama - que podem ser responsáveis por essas extinções periódicas e que são suficientemente recorrentes em qualquer planeta habitável no cosmos. Alem desses eventos naturais existem outros riscos catastróficos associados ao nascimento de novas tecnologias que podem muito bem explicar porque as civilizações nunca passam de um certo grau de avanço tecnológico - bomba nuclear, biotecnologia, nanotecnologia. Esta solução é apoiada por grande parte dos dados sobre catástrofes globais reunidos no livro Global Cathastrofic Risks, editado por Nick Bostrom. Bolhas de civilizações expansionistas Outra solução, menos pessimista, é baseada num modelo matemático que prevê que uma civilização com auspícios colonizadores e expansionistas irá permanecer num planeta apenas o tempo suficiente para minerar a energia necessária para expelir sondas colonizadoras em direção a outros planetas. Esse modelo, elaborado por Robin Hanson[6], prevê uma bolha expansionista em que a maioria dos planetas habitados se localiza na superfície da bolha e dentro da bolha restam apenas os planetas já explorados e inabitados. Nesse modelo a maior parte do volume do universo observável é composto por planetas inabitados, seja planetas fora da bolha ainda inexplorados ou planetas dentro da bolha já explorados. Ele compatibiliza uma galáxia colonizada com a ausência de observações de planetas habitados. Civilizações pós-biologicas No outro extremo dessa solução que se baseia numa civilização extremamente expansionista está a apontada pelo cosmologo e transhumanista Milan Cirkovic. Nesta solução se argumenta que civilizações mais avançadas que a nossa vão ir alem dos seus impulsos biológicos de expansão[7]. Tais civilizações irão preferir uma maior eficiência em utilizar seus recursos disponíveis do que se embrenhar em custos projetos colonizadores e expansionistas. Baseando-se no primado da eficiência, os aparatos tecnológicos dessas civilizações não iram emitir nenhuma energia na forma de ruídos que possam ser detectados por nós. Este modelo compatibiliza a existência de civilizações avançadas com a ausência de observação. Conclusão Se a proposta menos especulativa a mais ortodoxa de se resolver o Paradoxo de Fermi for adotada, se as lentes de algum telescópio um dia focarem pequenos microrganismo fossilizados ou quaisquer outros rastos de vida alienígena isso seria um indicativo de que o Grande Filtro está próximo de nós e uma noticia terrível. Desta maneira podemos ver como uma noticia aparentemente boa podese tornar terrível apos à devida reflexão racional. Se vamos ou não sobreviver à aparição de novas tecnologias - com potencias cada vez maiores de destruirão - será decidido não só por fatores que fogem ao nosso controle como onde o Grande Filtro está localizado como também a um uso dedicado da analise racional que vai alem das implicações imediatas de um fato. Notas [1] Participante do movimento intelectual que prega o uso racional da tecnologia para melhorar a condição humana [2] HANSON, Robin. The Great Filter - Are We Almost Past It? Preprint. Disponivel em: http://hanson.gmu.edu/greatfilter.html [3] Artrópodes característicos do Paleozóico [4] BOSTROM, Nick. Where are they? Why I hope the search for extraterrestrial life finds nothing. MIT Technology Review, Maio/Junho exemplar, 2008. pp. 72-77 [5] WARD. Peter D. Mass extinctions. IN: SOLLIVAN, Woodruff T. (ed.) Planets and Life: The Emerging Science of Astrobiology. Cambridge University Press (2007) [6] HANSON, Robin. Burning the Cosmic Commons: Evolutionary Strategies of Interstellar Colonization. Forthcoming in Icarus. Disponivel em: http://hanson.gmu.edu/filluniv.pdf [7] CIRKOVIC, Milan. Against the Empire Journal of the British Interplanetary Society, vol. 61, in press (2008). Disponivel em: http://arxiv.org/ftp/arxiv/papers/0805/0805.1821.pdf