Evangelho segundo S. João 14,1-12. Não se perturbe o vosso

Transcrição

Evangelho segundo S. João 14,1-12. Não se perturbe o vosso
Evangelho segundo S. João 14,1-12.
Não se perturbe o vosso coração. Credes em Deus; crede também em mim. Na casa de meu
Pai há muitas moradas. Se assim não fosse, como teria dito Eu que vos vou preparar um
lugar? E quando Eu tiver ido e vos tiver preparado lugar, virei novamente e hei-de levar-vos
para junto de mim, a fim de que, onde Eu estou, vós estejais também. E, para onde Eu vou,
vós sabeis o caminho.» Disse-lhe Tomé: «Senhor, não sabemos para onde vais, como
podemos nós saber o caminho?» Jesus respondeu-lhe: «Eu sou o Caminho, a Verdade e a
Vida. Ninguém pode ir até ao Pai senão por mim. Se ficastes a conhecer-me, conhecereis
também o meu Pai. E já o conheceis, pois estais a vê-lo.» Disse-lhe Filipe: «Senhor, mostranos o Pai, e isso nos basta!» Jesus disse-lhe: «Há tanto tempo que estou convosco, e não me
ficaste a conhecer, Filipe? Quem me vê, vê o Pai. Como é que me dizes, então, 'mostra-nos o
Pai'? Não crês que Eu estou no Pai e o Pai está em mim? As coisas que Eu vos digo não as
manifesto por mim mesmo: é o Pai, que, estando em mim, realiza as suas obras. Crede-me: Eu
estou no Pai e o Pai está em mim; crede, ao menos, por causa dessas mesmas obras. Em
verdade, em verdade vos digo: quem crê em mim também fará as obras que Eu realizo; e fará
obras maiores do que estas, porque Eu vou para o Pai,
Santo Agostinho (354-430), bispo de de Hipona (Norte de África) e doutor da Igreja
Sermão 142
"Ninguém vai ao Pai sem passar por mim"
"Eu sou o caminho, a verdade e a vida." Cristo parece dizer-nos: "Por onde queres passar? Eu
sou o caminho. Onde queres chegar? Eu sou a verdade. Onde queres ficar? Eu sou a vida."
Caminhemos pois em plena segurança por este acminho; e, fora do caminho, cuidado com as
armadilhas, porque, dentro do caminho, o inimigo não ousa atacar - o caminho é Cristo - mas
fora do caminho ele monta os seus ardis...
O nosso caminho é Cristo na sua humildade; o Cristo verdade e vida é Cristo na sua grandeza,
na sua divindade. Se seguires o caminho da humildade, chegarás ao Altíssimo; se, na tua
fraqueza, não desprezares a humildade, permanecerás cheio de força no Altíssimo. Porque é
que Cristo tomou o caminho da humildade? Foi por causa da tua fraqueza que estava ali como
obstáculo intransponível; foi para te libertar dela que tão grande médico veio a ti. Não podias
ir até ele; ele veio até ti. Veio ensinar-te a humildade, esse caminho de regresso, porque era o
orgulho que nos impedia de retornar à vida que ele mesmo nos tinha feito perder...
Então, Jesus, tornando-se nosso caminho, grita-nos: "Entrai pela porta estreita!" (Mt 7,13). O
homem esforça-se por entrar mas o inchaço do orgulho impede-nos de tal. Aceitemos o
remédio da humildade, bebamos esse medicamento amargo mas salutar... O homem inchado
de orgulho pergunta: "Como poderei entrar?" Cristo responde: "Eu sou o caminho, entra por
mim. Eu sou a porta (Jo 10,7), porquê procurar noutro sítio?" Para que não te percas, ele fezse tudo por ti e diz-te: "Sê humilde, sê manso" (Mt 11,29).
São Tomás de Aquino (1225-1274), téologo dominicano, doutor da Igreja
Comentário ao evangelho de S. João, 14,2
«Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida»
Cristo é ao mesmo tempo o caminho e o fim: o caminho, pela sua humanidade, o fim, pela sua
divindade. Assim, enquanto homem que é, diz: «Eu sou o Caminho» e, enquanto Deus que é,
a isto acrescenta: «A Verdade e a Vida». Estas duas últimas palavras designam bem o fim
desse caminho, pois o fim desse caminho é o fim do desejo humano [...]. Cristo é o caminho
para se atingir o conhecimento da verdade, sendo Ele próprio a verdade: «Ensina-me, Senhor,
o teu caminho, e caminharei na verdade» (Sl 85,11). E Cristo é o caminho para se chegar à
vida, sendo Ele próprio a vida: «Hás-de ensinar-me o caminho da vida» (Sl 15,11) [...].
Se procuras pois um caminho a seguir, segue a Cristo, pois Ele próprio é o caminho: «Este é o
caminho a seguir» (Is 30,21). E comenta Santo Agostinho: «Caminha seguindo o homem e
chegarás a Deus». Porque mais vale coxear durante o caminho do que caminhar a passos
largos mas fora do caminho. Aquele que no caminho coxeia, mesmo se não avançar,
aproxima-se do seu fim: mas aquele que caminha fora do caminho, quanto mais
denodadamente correr, mais do seu fim se afastará.
Se procuras para onde ir, sê unido a Cristo, porque Ele é em pessoa a verdade a que
desejamos chegar: «Sim, é a verdade que a minha boca proclama» (Pr 8,7). Se procuras onde
ficar, fica junto a Cristo porque Ele é, em pessoa, a vida: «Aquele que me encontrar,
encontrará a vida» (Pr 8,35).
Catecismo da Igreja Católica
§ 257-258, 260
"Ninguém vai ao Pai senão por mim"
"Ó luz, Trindade bendita. Ó primordial Unidade"! Deus é beatitude eterna, vida imortal, luz
sem ocaso. Deus é amor: Pai, Filho e Espírito Santo. Livremente, Deus quer comunicar a
glória de sua vida bem-aventurada. Este é o "desígnio" de benevolência (Ef 1,9) que ele
concebeu desde antes da criação do mundo no seu Filho bem-amado, predestinando-nos à
adoção filial neste" Ef 1,5), isto é, "a reproduzir a imagem do seu Filho" (Rm 8,29) graças ao
"Espírito de adopção filial" (Rm 8,5). Esta decisão prévia é uma "graça concedida antes de
todos os séculos" (2Tm 1,9), proveniente directamente do amor trinitário. Ele se desdobra na
obra da criação, em toda a história da salvação após a queda, nas missões do Filho e do
Espírito, prolongadas pela missão da Igreja.
Toda a economia divina é obra comum das três pessoas divinas. Pois, da mesma forma que a
Trindade não tem senão uma única e mesma natureza, assim também não tem senão uma
única e mesma operação. "O Pai, o Filho e o Espírito Santo não são três princípios das
criaturas, mas um só princípio". Contudo cada pessoa divina cumpre a obra comum segundo
sua propriedade pessoal. Assim a Igreja confessa, na linha do Novo Testamento: "Um Deus e
Pai do qual são todas as coisas, um Senhor Jesus Cristo mediante o qual são todas as coisas,
um Espírito Santo em quem são todas as coisas". São sobretudo as missões divinas da
Encarnação do Filho e do dom do Espírito Santo que manifestam as propriedades das pessoas
divinas.
O fim último de toda a Economia divina é a entrada das criaturas na unidade perfeita da
Santíssima Trindade. Mas desde já somos chamados a ser habitados pela Santíssima Trindade:
"Se alguém me ama - diz o Senhor -, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará e viremos
a ele, e faremos nele a nossa morada" (Jo 14,23):
"Ó meu Deus, Trindade que adoro, ajudai-me a esquecer-me inteiramente para firmar-me em
Vós, imóvel e pacifica, como se a minha alma já estivesse na eternidade: que nada consiga
perturbar a minha paz nem fazer-me sair de Vós, ó meu Imutável, mas que cada minuto me
leve mais longe na profundidade do vosso Mistério! Pacificai a minha alma! Fazei dela o
vosso céu, vossa amada morada e o lugar do vosso repouso. Que nela eu nunca vos deixe só,
mas que eu esteja aí, toda inteira, completamente vigilante na minha fé, toda adorante, toda
entregue à vossa acção criadora" (Beata Isabel da Trindade).
Homilia de Bento XVI na vigília da noite de Páscoa
CIDADE DO VATICANO, domingo, 23 de março de 2008 (ZENIT.org).- Publicamos a
homilia pronunciada por Bento XVI na Vigília da Noite de Páscoa.
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Amados irmãos e irmãs,
No seu discurso de despedida, Jesus anunciou aos discípulos sua morte e ressurreição
iminentes, com uma frase misteriosa: «Vou partir, mas voltarei para junto de vós» (Jo 14, 28).
Morrer é partir. Embora fique ainda o corpo do morto – este pessoalmente partiu para o
desconhecido e não podemos segui-lo (cf. Jo 13, 36). Mas, no caso de Jesus, há uma novidade
única que muda o mundo. Na nossa morte, a partida é uma realidade definitiva, não há
regresso. Pelo contrário Jesus, falando da sua morte, diz: «Vou partir, mas voltarei para junto
de vós». É precisamente partindo que Ele vem. A sua partida inaugura um modo totalmente
novo e maior da sua presença. Com a sua morte, Jesus entra no amor do Pai. A sua morte é
um acto de amor. O amor, porém, é imortal. Por isso, a sua partida transforma-se numa nova
vinda, numa forma de presença mais profunda que não acaba mais. Na sua vida terrena, Jesus,
como todos nós, estava ligado às condições externas da existência corpórea: a um certo lugar
e a um determinado tempo. A corporeidade coloca limites à nossa existência. Não podemos
estar contemporaneamente em dois lugares diferentes. O nosso tempo tende a acabar. E entre
o “eu” e o “tu” existe o muro da alteridade. Certamente, no amor, podemos de algum modo
entrar na existência do outro. Mas permanece a barreira intransponível de sermos diversos.
Pelo contrário, Jesus, que agora fica totalmente transformado por meio do acto de amor, está
livre de tais barreiras e limites. É capaz não só de passar através das portas externas fechadas,
como narram os Evangelhos (cf. Jo 20, 19), mas pode também passar através da porta interna
entre o “eu” e o “tu”, a porta fechada entre o ontem e o hoje, entre o passado e o amanhã. No
dia da sua entrada triunfal em Jerusalém, quando um grupo de Gregos veio pedir para O ver,
Jesus respondeu com a parábola do grão de trigo que, para dar muito fruto, deve passar
através da morte. Predissera assim o seu próprio destino: Ele não queria simplesmente falar
então com este ou aquele Grego durante alguns minutos. Através da sua cruz, mediante a sua
partida, por meio da sua morte como o grão de trigo chegaria verdadeiramente até junto dos
Gregos, de tal modo que estes pudessem vê-Lo e tocá-Lo na fé. A sua partida torna-se uma
vinda no modo universal da presença do Ressuscitado, no qual Ele está presente ontem, hoje e
para sempre; em que abraça todos os tempos e lugares. Agora pode ultrapassar também o
muro da alteridade que separa o “eu” do “tu”. Assim aconteceu com Paulo, que descreve o
processo da sua conversão e do seu Baptismo com estas palavras: «Já não sou eu que vivo, é
Cristo que vive em mim» (Gal 2, 20). Por meio da vinda do Ressuscitado, Paulo obteve uma
identidade nova. O seu “eu” fechado abriu-se. Agora vive em comunhão com Jesus Cristo, no
grande “eu” dos crentes que se tornaram – segundo definição dele – «um em Cristo» (Gal 3,
28).
Queridos amigos, deste modo resulta evidente que as palavras misteriosas de Jesus, no
Cenáculo, agora – por meio do Baptismo – se tornam de novo presentes para vós. No
Baptismo, o Senhor entra na vossa vida pela porta do vosso coração. Já não estamos um ao
lado do outro ou um contra o outro. Ele atravessa todas estas portas. A realidade do Baptismo
consiste nisto: Ele, o Ressuscitado, vem; vem até vós e une a sua vida com a vossa
conservando-vos dentro do fogo vivo do seu amor. Passais a ser uma unidade: sim, um só
com Ele e, deste modo, um só entre vós. Num primeiro momento, isto pode parecer bastante
teórico e pouco realista. Mas quanto mais viverdes a vida de baptizados, tanto mais podereis
experimentar a verdade desta palavra. As pessoas baptizadas e crentes nunca são
verdadeiramente estranhas uma à outra. Podem separar-nos continentes, culturas, estruturas
sociais ou mesmo distâncias históricas. Mas, quando nos encontramos, reconhecemo-nos com
base no mesmo Senhor, na mesma fé, na mesma esperança e no mesmo amor, que nos
formam. Então experimentamos que o fundamento das nossas vidas é o mesmo.
Experimentamos que, no mais fundo do nosso íntimo, estamos ancorados à mesma identidade,
a partir da qual todas as diferenças exteriores, por maiores que sejam, resultam secundárias.
Os crentes nunca são totalmente estranhos um ao outro. Estamos em comunhão por causa da
nossa identidade mais profunda: Cristo em nós. Deste modo, a fé é uma força de paz e
reconciliação no mundo: fica superada a distância, no Senhor tornamo-nos próximos (cf. Ef 2,
13).
Esta natureza íntima do Baptismo como dom de uma nova identidade é representada pela
Igreja através de elementos sensíveis. O elemento fundamental do Baptismo é a água; ao lado
desta e em segundo lugar, temos a luz, que, na liturgia da Vigília Pascal, sobressai com
grande vigor. Lancemos apenas um olhar sobre estes dois elementos. No capítulo conclusivo
da Carta aos Hebreus, encontra-se uma afirmação sobre Cristo, na qual não aparece
directamente a água, mas, vista na sua ligação com o Antigo Testamento, deixa transparecer o
mistério da água e o seu significado simbólico. Diz o texto: «O Deus da paz fez voltar dos
mortos o Pastor grande das ovelhas em virtude do sangue de uma aliança eterna» (cf. 13, 20).
Ecoa, nesta frase, um trecho do Livro de Isaías, onde Moisés é designado como o pastor que o
Senhor fez sair da água, do mar (cf. 63, 11). Jesus aparece como o novo e definitivo Pastor
que leva a cumprimento o que Moisés tinha feito: Ele conduz-nos fora das águas mortíferas
do mar, fora das águas da morte. Neste contexto, convém recordar que Moisés tinha sido
colocado pela mãe num cesto e deposto no Nilo. Depois, pela providência de Deus, fora tirado
para fora da água, trazido da morte à vida, e assim – salvo ele próprio das águas da morte –
podia conduzir os outros fazendo-os passar através do mar da morte. Por nós, Jesus desceu às
águas obscuras da morte. Mas, em virtude do seu sangue – diz-nos a Carta aos Hebreus – foi
feito voltar da morte: o seu amor uniu-se ao do Pai e, assim, da profundidade da morte Ele
pôde subir para a vida. Agora eleva-nos a nós da morte para a vida verdadeira. Sim, isto
mesmo acontece no Baptismo: Jesus levanta-nos para Ele, atrai-nos para dentro da verdadeira
vida. Conduz-nos através do mar frequentemente tão obscuro da história, em cujas confusões
e perigos não é raro sentirmo-nos ameaçados de afundar. No Baptismo como que nos toma
pela mão, conduz-nos pelo caminho que passa através do Mar Vermelho deste tempo e
introduz-nos na vida duradoura, na vida verdadeira e justa. Agarremos bem a sua mão!
Suceda o que suceder e implicando mais ou menos connosco, não larguemos a sua mão!
Caminharemos então pela via que conduz à vida.
Em segundo lugar, temos o símbolo da luz e do fogo. Gregório de Tours refere o costume,
que em diversos lugares se conservou durante muito tempo, de tomar o fogo novo, para a
celebração da Vigília Pascal, directamente do sol por meio de um cristal: luz e fogo recebiamse novamente, por assim dizer, do céu para depois, a partir deles, se acenderem todas as luzes
e fogos do ano. Isto é um símbolo do que celebramos na Vigília Pascal. Com a radicalidade
do seu amor, no qual se tocaram o coração de Deus e o coração do homem, Jesus tomou
verdadeiramente a luz do céu e trouxe-a à terra – a luz da verdade e o fogo do amor que
transformam o ser do homem. Ele trouxe a luz, e agora sabemos quem e como é Deus. De
igual modo sabemos também como estão as coisas a respeito do homem: o que somos nós e
para que fim existimos. Ser baptizados significa que o fogo desta luz desce ao nosso íntimo.
Por isso, na Igreja Antiga, o Baptismo era chamado também o Sacramento da Iluminação: a
luz de Deus entra em nós; assim nos tornamos nós próprios filhos da luz. Esta luz da verdade
que nos aponta o caminho, não deixemos que se apague. Protejamo-la contra todas as forças
que pretendem extingui-la para nos lançar novamente na escuridão de Deus e de nós mesmos.
De vez em quando a escuridão pode-nos parecer cómoda. Posso esconder-me e passar a
minha vida dormindo. Nós, porém, não somos chamados a viver nas trevas, mas na luz. Nas
promessas baptismais, por assim dizer acendemos novamente, ano após ano, esta luz: sim,
creio que o mundo e a minha vida não provêm do acaso, mas da Razão eterna e do Amor
eterno, são criados por Deus omnipotente. Sim, creio que em Jesus Cristo, na sua encarnação,
na sua cruz e ressurreição, se manifestou o Rosto de Deus; que, n’Ele, Deus está presente no
meio de nós, nos une e conduz para a nossa meta, para o Amor eterno. Sim, creio que o
Espírito Santo nos dá a Palavra da verdade e ilumina o nosso coração; creio que, na comunhão
da Igreja, nos tornamos todos um só Corpo com o Senhor e, deste modo, vamos ao encontro
da ressurreição e da vida eterna. O Senhor deu-nos a luz da verdade. Esta luz é ao mesmo
tempo também fogo, força que nos vem de Deus: uma força que não destrói, mas quer
transformar os nossos corações, para nos tornarmos verdadeiramente homens de Deus e para
que a sua paz se torne operativa neste mundo.
Na Igreja Antiga, havia o costume de o Bispo ou o sacerdote, após a homilia, exortar os
crentes exclamando: “Conversi ad Dominum – agora voltai-vos para o Senhor”. Isto
significava, antes de mais, que eles se viravam para o Oriente – na direcção donde nasce o sol
como sinal de Cristo que volta, saindo ao seu encontro na celebração da Eucaristia. Nos
lugares onde isso, por qualquer razão, não era possível fazer-se, os crentes voltavam-se para a
imagem de Cristo na ábside ou para a cruz, a fim de se orientarem interiormente para o
Senhor. Com efeito, em última análise era deste facto interior que se tratava: da conversio, de
voltar a nossa alma para Jesus Cristo e, n’Ele, para o Deus vivo, para a luz verdadeira. Com
isto estava ligada também a outra exclamação, que ainda hoje é dirigida à comunidade cristã,
antes do Cânone: “Sursum corda– corações ao alto”, fora de todos os enredos das nossas
preocupações, dos nossos desejos, das nossas angústias, do nosso alheamento – ao alto, os
vossos corações, o vosso íntimo! Nas duas exclamações, somos de algum modo exortados a
uma renovação do nosso Baptismo: Conversi ad Dominum – sempre de novo nos devemos
afastar das direcções erradas, em que tão frequentemente nos movemos com o nosso pensar e
agir. Sempre de novo nos devemos voltar para Ele, que é o Caminho, a Verdade e a Vida.
Sempre de novo nos devemos tornar “convertidos”, com toda a vida voltada para o Senhor. E
sempre de novo devemos deixar que o nosso coração seja subtraído à força da gravidade, que
o puxa para baixo, e levantá-lo interiormente para o alto: para a verdade e o amor. Nesta hora,
agradeçamos ao Senhor, porque Ele, com a força da sua palavra e dos sacramentos sagrados,
nos orienta na justa direcção e atrai para o alto o nosso coração. E rezemos-Lhe deste modo:
Sim, Senhor, fazei que nos tornemos pessoas pascais, homens e mulheres da luz, repletos do
fogo do teu amor. Amen.
[Tradução do original italiano distribuída pela Santa Sé.
© Copyright 2008 - Libreria Editrice Vaticana]
Pregador do Papa: O homem é mais que pó?
Comentário do padre Raniero Cantalamessa à liturgia do próximo domingo
ROMA, sexta-feira, 18 de abril de 2008 (ZENIT.org).- Publicamos o comentário do padre
Raniero Cantalamessa, OFM Cap. --predicador da Casa Pontifícia-- à Liturgia da Palavra do
próximo domingo, V de Páscoa.
***
V Domingo de Páscoa
At 6, 1-7, Pd 2 ,4-9; Jo 14, 1-12
No livro do Gênesis, lê-se que depois do pecado, Deus disse ao homem: «Comerás o teu pão
com o suor do teu rosto, até que voltes à terra de que foste tirado; porque és pó, e pó te hás de
tornar» (Gn. 3, 19). Todos os anos, na Quarta-feira de Cinzas, a liturgia repete esta severa
advertência: «Recorda-te que és pó e ao pó voltarás». Se dependesse de mim, tiraria
imediatamente esta fórmula da liturgia. Justamente agora, a Igreja permite substituí-la por
outra: «Convertei e crede no Evangelho». Tomada ao pé da letra, sem as devidas explicações,
aquelas palavras são a expressão perfeita do ateísmo científico moderno: o homem não é mais
que um amontoado de átomos que se dissolverá, ao final, em outro amontoado de átomos.
O Qohélet (Eclesiastes, N do T.), um livro da Bíblia escrito em uma época de crise das
certezas religiosas em Israel, parece confirmar esta interpretação atéia quando escreve:
«Todos caminham para um mesmo lugar, todos saem do pó e para o pó voltam. Quem sabe se
o sopro de vida dos filhos dos homens se eleva para o alto, e o sopro de vida dos brutos desce
para a terra?» (Qo 3, 20-21). No final do livro, esta última terrível dúvida (quem sabe se há
diferença entre a sorte final do homem e a do animal) parece resolvida de modo positivo,
porque o autor diz: «antes que a poeira retorne à terra para se tornar o que era; e antes que o
sopro de vida retorne a Deus que o deu» (Qo 12, 7). Nos últimos escritos do Antigo
Testamento, começa, é verdade, a abrir caminho a idéia de uma recompensa dos justos depois
da morte, e até a de uma ressurreição dos corpos, mas é uma crença ainda bastante vaga no
conteúdo e não compartilhada por todos, por exemplo, pelos saduceus.
Neste contexto, podemos avaliar a novidade das palavras com que começa o Evangelho do
domingo: «Não se perturbe o vosso coração. Credes em Deus, crede também em mim. Na
casa de meu Pai há muitas moradas. Não fora assim, e eu vos teria dito; pois vou preparar-vos
um lugar. Depois de ir e vos preparar um lugar, voltarei e tomar-vos-ei comigo, para que,
onde eu estou, também vós estejais». Contêm a resposta cristã à mais inquietante das
perguntas humanas. Morrer não é – como estava nos inícios da Bíblia e no mundo pagão –
baixar ao Xeol ou ao Hades para levar ali uma vida de larvas ou de sombras; não é – como
para certos biólogos ateus – restituir à natureza o próprio material orgânico para um posterior
uso por parte de outros seres vivos; tampouco é – como em certas formas de religiosidade
atuais que se inspiram em doutrinas orientais (com freqüência mal entendidas) – dissolver-se
como pessoa no grande mar da consciência universal, no Todo ou, segundo os casos, no
Nada... É, em contrapartida, ir estar com Cristo no seio do Pai, ser onde Ele é.
O véu do mistério não se ergueu porque não pode suprimir-se. Assim como não pode
descrever o que é a cor um cego de nascimento, ou o som um surdo, tampouco se pode
explicar o que é a vida fora do tempo e do espaço quem ainda está no tempo e no espaço. Não
é Deus quem quis manter-nos na obscuridade... Nos disse, no entanto, o essencial: a vida
eterna será uma comunhão plena, alma e corpo, com Cristo ressuscitado, compartilhar sua
glória e sua alegria.
O Papa Bento XVI, em sua recente encíclica sobre a esperança (Spe salvi), reflete sobre a
natureza da vida eterna desde um ponto de vista também existencial. Começa observando que
há pessoas que não desejam em absoluto uma vida eterna, que inclusive têm medo. Para que
serve – perguntam-se – prolongar uma existência que se revela cheia de problemas e de
sofrimentos?
A razão deste temor, explica o Papa, é que não se consegue pensar na vida mais que nos
modos que conhecemos aqui embaixo; enquanto que se trata, sim, de vida, mas sem todas as
limitações que experimentamos no presente. A vida eterna – diz na encíclica – será
submergir-se no oceano do amor infinito, no qual o tempo – o antes e o depois – já não existe.
Não será um contínuo suceder-se de dias do calendário, mas como o momento pleno de
satisfação, no qual a totalidade nos abraça e nós abraçamos a totalidade.
Com estas palavras, o Papa alude talvez, tacitamente, à obra de um famoso compatriota seu. O
ideal do Fausto, de Goethe, é de fato precisamente alcançar a plenitude de vida e tal satisfação
que o faça exclamar: «Detêm-te, instante, és tão belo!». Creio que esta é a idéia menos
inadequada que podemos ter da vida eterna: um instante que desejaríamos que não acabasse
nunca e que – diferentemente de todos os instantes de felicidade daqui de baixo – não
terminasse jamais! Vêm-me à memória as palavras de um dos cantos mais amados pelos
cristãos de língua inglesa: «Amazing grace». Diz: «E quando ali tenhamos estado há dez mil
anos, / brilhando como o sol, / o tempo que nos fica para louvar a Deus / não será inferior que
quando tudo começou» (When we've been there ten thousand years, / Bright shining as the
sun, / We've no less days to sing God's praise / Than when we've first begun.)
[Traduzido por Zenit]
S. Bernardo (1091-1153), monge de Cister e doutor da Igreja.
Tratado sobre os graus de humildade.
«Para ir para onde eu vou, vós sabeis o caminho»
«Eu sou o caminho, a verdade e a vida».
O caminho, é a humildade, que conduz à verdade. A humildade é o sofrimento; a verdade é o
fruto do sofrimento. Tu poderás perguntar-me: como é que sabes que Ele fala de humildade,
se apenas diz: «Eu sou o caminho»? Porém é Ele mesmo que responde quando acrescenta:
«aprendei de mim que sou manso e humilde de coração»(Mt 11,29). Ele apresenta-se portanto
como exemplo de humildade e de mansidão. Se tu O imitares, não andarás nas trevas mas
terás a luz da vida (Jo 8, 12). O que é a luz da vida senão a verdade? Ela ilumina todo o
homem que vem a este mundo (Jo 1,9); ela mostra-lhe a verdadeira vida...
Eu vejo o caminho, é a humildade; eu desejo o fruto, é a verdade. Mas que fazer se a estrada é
demasiado difícil para que eu possa chegar até onde desejo? Escutai a Sua resposta: «Eu sou o
caminho, quer dizer o viático que te sustentará ao longo desta estrada».
Àqueles que se enganam e não conhecem o caminho, Ele exclama: «Sou eu que sou o
caminho»; àqueles que duvidam e não acreditam: «Sou eu que sou a verdade»; aos que já
estão em marcha mas se fatigam: «Eu sou a vida».
Escutai ainda isto: «Eu te bendigo Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste isto - esta
verdade secreta - aos sábios e aos inteligentes, quer dizer aos orgulhosos, e as revelaste aos
pequeninos, quer dizer aos humildes» (Lc 10,21) ...
Escutai a verdade a falar àqueles que a procuram: «Vinde a mim, vós que me desejais e sereis
saciados com os meus frutos» (Eccl 24,19) e ainda «Vinde a mim, vós todos os que sofreis e
tombais sob o peso do vosso fardo que eu vos aliviarei» ( Mt 11, 28).
Vinde, diz- Ele. Mas para onde? Até mim, a verdade. Por onde? Pelo caminho da humildade.
„Na casa do Pai há muitas moradas“ … Jo 14,2
1. Eu quis comer esta ceia agora / pois vou morrer, já chegou minha hora.
[:Comei, tomai e meu corpo e meu sangue que dou. / Vivei no amor. / Eu vou preparar a
ceia na casa do Pai.:]
2.
3.
4.
5.
6.
7.
Comei, o páo é meu corpo imolado / por vós perdão para todo pecado.
E vai nascer do meu sangue a esperanca / o amor, a paz, uma nova aliança.
Eu vou partir, deixo o meu testamento. / Vivei no amor, eis o meu mandamento.
Irei ao Pai; sinto a vossa tristeza. / Porém, no céu, vos peparo outra mesa.
De Deus virá o Espírito Santo / que vou mandar enxugar vosso pranto.
Eu vou, mas vós Me vereis novamente. / Estais em Mim e Eu em vós ´stou presente.
Waldeci Farias - Cantemos ….. n° 670
Santa Catarina de Sena (1347-1380), terceira dominicana, doutora da igreja, co-padroeira da
Europa
Oração 16
«Na casa de meu Pai há muitas moradas»
Tu queres, Pai eterno, que te sirvamos segundo a tua vontade, e conduzes os teus servidores
de diferentes maneiras e por diversas vias. Assim tu mostras que não devemos de modo algum
julgar as intenções do homem pelos actos que nos apercebemos do exterior... A alma que na
tua luz vê a luz (Sl 35,10) regozija-se ao contemplar em cada homem as tuas formas variadas,
as tuas vias inumeráveis. Porque ainda que caminhem por diferentes vias, eles não correm
menos pela estrada da tua ardente caridade. De resto, sem isso eles não seguiriam
verdadeiramente a tua verdade. É por isso que vemos alguns correr por um caminho de
penitência, estabelecida na mortificação corporal; outros estabelecidos sobre a humildade e a
mortificação da sua própria vontade; outros sobre uma fé viva; outros sobre a misericórdia; e
outros todos abertos ao amor ao próximo, depois de se terem esquecido de si mesmos.
Por este modo de ver, a alma... desenvolve-se e adquire a luz sobrenatural pela qual descobre
a largueza sem medida da tua bondade. Como têm o sentido do real, esses que vêem a tua
vontade em todas as coisas! Em todas as acções dos homens, eles consideram a tua vontade
sem julgar a das criaturas. Compreenderam bem e receberam a doutrina da tua verdade,
quando diz: «não julgueis segundo as aparências» (Jo 7,24).
Ó Verdade eterna, qual é o teu ensinamento? Por que caminho é que tu queres que vamos ao
Pai? Que via nos convém seguir? Não posso ver outra estrada que não seja a que pavimentaste
com as virtudes verdadeiras e reais da tua ardente caridade. Tu, Verbo eterno, tu a aspergiste
com o teu sangue; é ela a via.
„Eu sou o caminho, a verdade e a vida“ – Jo 14,6
Vós sois o caminho, a verdade e a vida, o Pão da alegria descido do céu.
1. Nós somos caminheiros * que marcham para os céus. * Jesus é o caminho * que nos
conduz a Deus.
2. Da noite da mentira, * das trevas para a Luz, * busquemos a Verdade, verdade é só
Jesus.
3. Pecar é não ter vida, * pecar é não ter luz; * tem vida só quem segue * os passos de
Jesus.
4. Jesus, Verdade e Vida, * caminho que conduz * as almas peregrinas * que marcham
para a luz.
Pe. Vigne - Cantos e orações, 118
S. Boaventura ( 1221-1274), franciscano, Doutor da Igreja
Itinerário Espiritual para Deus
«Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida»
Aquele que volta resoluta e plenamente os olhos para Cristo contemplando-o
suspenso na cruz, com fé, esperança e caridade, devoção, admiração,
exultação, reconhecimento, louvor e júbilo, esse celebra a Páscoa com Ele,
quer dizer que se põe a caminho para atravessar o Mar Vermelho graças à vara
da Cruz (cf. Ex 14,16). Deixando o Egipto, entra no deserto para aí saborear
o «maná escondido» (Ap 2,17) e repousar com Cristo no túmulo, como morto
exteriormente, mas experimentando ¾ na medida em que os seus progressos o
permitam ¾ aquilo que foi dito na cruz ao ladrão companheiro de Cristo:
«Hoje estarás comigo no paraíso» (Lc 23,43)...
Nesta travessia, se se quiser ser perfeito, importa deixar toda a
especulação intelectual. Qualquer ponta de desejo deve ser transportada e
transformada em Deus. Eis o segredo dos segredos, que « ninguém conhece
excepto aquele que o recebe» (Ap 2,17) ...Se procuras como isso acontece,
interroga a graça, não o saber, a tua aspiração profunda e não o teu
intelecto, o gemido da tua prece e não a tua paixão pela leitura. Interroga
o Esposo e não o professor, Deus e não o homem.
„Eu sou o caminho, a verdade e a vida“ – Jo 14,6
[:O Evangelho é Boa-nova que Jesus veio ao mundo anunciar:]
1.
2.
3.
4.
[:Ele é o caminho, a verdade e a vida / da ovelha perdida / que o Pai mandou salvar:]
[.Ele pediu que a sua Boa-Nova / que o mundo hoje renova / fosse a Igreja anunciar.]
[:O Pai mandou que Ele aqui viesse um dia / para nos dar alegria / de viver no seu amor.]
[:A sua Igreja é a coluna da verdade / comunhão na caridade / para o mundo transformar.]
Pe. José Freitas Campos - Cantemos ….. n° 453
„Eu sou o caminho, a verdade e a vida“ – Jo 14,6
1. Porque és, Senhor, o Caminho / que devemos nós seguir: Nós Te damos hoje e
sempre / toda gloria e louvor.
2. Porque és, Senhor, a Verdade / que devemos aceitar:
3. Porue és, Senhor, plena Vida / que devemos nós viver:
Irmã Maria T. Kolling - Cantemos ….. n° 459
«Amor, maior valor do Reino»; por dom Amaury Castanho
BRASÍLIA, quinta-feira, 8 de julho de 2004 (ZENIT.org).- Publicamos a seguir artigo de dom
Amaury Castanho, bispo emérito de Jundiaí (SP), intitulado «Amor, maior valor do Reino». O
texto foi divulgado essa quinta-feira pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).
Amor, maior valor do Reino
Depois de lembrar que o anúncio do Reino de Deus, em alguns textos do Novo Testamento,
também chamado de Reino dos Céus, é tema central na pregação de Cristo, lembrei algumas
parábolas narradas pelo divino Mestre a seu respeito: a do pequeno grão de mostarda que
acaba se transformando em uma grande árvore, a do agricultor que semeia a boa semente, a
do joio e do trigo que crescem lado a lado.
Cristo em sua vida pública não trata, explícita e deliberadamente, sobre os valores que
distinguem o Reino de Deus do reino do Maligno. Mas é fácil perceber, no conjunto da
mensagem do Nazareno, que o Reino de Deus se caracteriza pelo amor e a justiça, a pobreza e
a paz, a graça divina, a verdade e a simplicidade. No coração humano, nas famílias, nos
grupos e na sociedade, espaços do Reino, devem encontrar-se tais valores que excluem, como
é evidente, o ódio e a negativa ao perdão, as injustiças e discriminações, o pecado e o erro, o
exagerado apego aos bens materiais, a violência e o orgulho.
De todos esses valores que acabam gestando a nova sociedade dos homens, o que Santo
Agostinho de Hipona chamava “Cidade de Deus”, em clássico livro da patrística latina, o
amor, a caridade, são, sem dúvida, o valor maior, o mais importante e mais característico dos
valores do Reino.
Pensam alguns, erradamente, que nos livros do Antigo Testamento, chamados da Lei e dos
Profetas, prevalece a “Lei de Talião”: olho por olho, dente por dente. Ao amigo, amizade, ao
inimigo, o ódio. Na realidade, a prevalência da onipotência criadora de Javé, a justiça daquele
que é chamado de “Rei dos Exércitos”, não exclui a lei do “amor ao próximo como a si
mesmo”. É o que se pode ler no livro Levíticos, capítulos 18 e 19, ou outras passagens
veterotestamentárias.
Prevalecem, entretanto, em todo o longo período da história que precede o advento e a
pregação de Cristo, a justiça divina e a justiça humana.
A proclamação do amor, da caridade, no sentido de benevolência para com o próximo, de
virtude sobrenatural, faz parte integrante e destacada do célebre Sermão da Montanha,
narrado de modo mais completo pelo evangelista Mateus nos capítulos quinto, sexto e sétimo
do seu Evangelho. Impressionam entre as bem-aventuranças a da mansidão, a dos
misericordiosos e dos pacíficos. “Bem aventurados, felizes, os mansos porque possuirão a
terra, os misericordiosos porque alcançarão misericórdia, os pacíficos porque serão chamados
filhos de Deus!” (Mt 5,5 ; 7 e 9). Mansidão, misericórdia e construção da paz, sem dúvida são
atitudes que brotam do amor, fluindo da caridade.
Pouco mais adiante lê-se em São Mateus, um do Grupo dos Doze que conviveram
diuturnamente com Cristo por três anos: “Ouvistes o que foi dito aos antigos: ‘Não matarás,
pois quem matar será castigado em julgamento do tribunal... olho por olho, dente por dente...
amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo’... Eu, porém, vos digo: se estás para fazer a tua
oferta diante do altar e te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa a tua
oferta diante do altar e vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão... não resistas ao mau e se
alguém te ferir na face direita, oferece-lhe também a outra... Amai os vossos inimigos, fazei o
bem aos que vos odeiam, orai pelos que vos maltratam e perseguem. Deste modo sereis filhos
do vosso Pai celeste, que faz nascer o sol tanto sobre os bons quanto sobre os maus... Se
amais somente os que vos amam, que recompensa tereis? Não fazem assim também os
publicanos? Se saudais apenas os vossos irmãos, que fazeis de extraordinário? Não fazem
assim também os pagãos? Sede perfeitos como é perfeito o vosso Pai que está nos céus!” (Mt
5, 21-48).
São palavras que não se encontram em nenhum outro livro sagrado e menos ainda em
qualquer dos clássicos gregos ou latinos. Bastariam para revolucionar os relacionamentos
entre os indivíduos e povos. Mas é apenas o que o Mestre proclamou do alto da montanha da
Galiléia, no início de sua pregação. Durante toda a sua vida, e particularmente nas suas
últimas horas, ele irá ainda mais longe, destacando o amor comovente na parábola do bom
samaritano e, de modo especial, no Cenáculo de Jerusalém, quando despedindo-se dos Doze
lhes dirá: “Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros como Eu vos amei! Ninguém
tem mais amor do que aquele que dá a vida por seus amigos. Vós sereis meus amigos se
fizerdes o que vos mando. O que vos mando é que vos ameis uns aos outros!” (Jo 14, 12-17).
Em outros termos não menos impressionantes, o Apóstolo Paulo dirá o mesmo em sua
primeira Carta aos Coríntios, em página que poderia ter o título de “Hino ao Amor, à
Caridade”: “Ainda que eu falasse a língua dos homens e dos anjos... mesmo que eu tivesse o
dom da profecia e conhecesse todos os mistérios e toda ciência... ainda que distribuísse todos
os meus bens em sustento dos pobres e entregasse o meu corpo para ser queimado, se não
tiver a caridade, o amor, de nada valeria! A caridade é paciente. Não é invejosa. A caridade
não é orgulhosa. Não é arrogante, nem escandalosa. Não busca os próprios interesses. Não se
irrita. Não guarda rancor. Não se alegra com as injustiças. Tudo desculpa, tudo crê, tudo
espera, tudo suporta. A caridade jamais acabará... Por ora subsistem a fé, a esperança e a
caridade. Porém, a maior delas é a caridade!” (I Cor 13, 1-13). Como as palavras do divino
Mestre, essa página do Apóstolo Paulo tem a força de converter o homem e de revolucionar a
história. Realmente, o amor que se doa e solidariza, que acolhe, perdoa e partilha, é o valor
primeiro, que mais e melhor identifica o Reino de Deus...
Dom Amaury Castanho
Bispo Emérito de Jundiaí
Recordo-vos que o dinheiro compra tudo!...
Pode comprar:
O prazer, mas não o amor;
Um espetáculo, mas não a alegria;
Um escravo, mas não um amigo;
Uma mulher, mas não uma esposa;
Uma casa, mas não um lar;
Alimento; mas não o apetite;
Remédios, mas não a saúde;
Calmantes, mas não a paz;
Indulgências, mas não o perdão;
Terra, mas não o Céu!
Evangelho segundo S. João 14,7-14.
Se ficastes a conhecer-me, conhecereis também o meu Pai. E já o conheceis, pois estais a vêlo.» Disse-lhe Filipe: «Senhor, mostra-nos o Pai, e isso nos basta!» Jesus disse-lhe: «Há tanto
tempo que estou convosco, e não me ficaste a conhecer, Filipe? Quem me vê, vê o Pai. Como
é que me dizes, então, 'mostra-nos o Pai'? Não crês que Eu estou no Pai e o Pai está em mim?
As coisas que Eu vos digo não as manifesto por mim mesmo: é o Pai, que, estando em mim,
realiza as suas obras. Crede-me: Eu estou no Pai e o Pai está em mim; crede, ao menos, por
causa dessas mesmas obras. Em verdade, em verdade vos digo: quem crê em mim também
fará as obras que Eu realizo; e fará obras maiores do que estas, porque Eu vou para o Pai, e o
que pedirdes em meu nome Eu o farei, de modo que, no Filho, se manifeste a glória do Pai. Se
me pedirdes alguma coisa em meu nome, Eu o farei.»
Santo Hilário (c. 315 - 367), bispo de Poitiers, doutor da Igreja
Sobre a Trindade, 7, 34-36
"Senhor, mostra-nos o Pai e isso nos basta"
Jesus disse: "Se me conhecêsseis, conheceríeis também o meu Pai. Mas já o conheceis e o
vistes". Vê-se o homem Jesus Cristo. Os apóstolos têm diante dos olhos o seu aspecto
exterior, isto é, a sua natureza de homem, ao passo que Deus, liberto de toda a carne, não é
reconhecível no miserável corpo carnal. Como é então que conhecer a Cristo pode ser
também conhecer o Pai?
Estas palavras inesperadas perturbam o apóstolo Filipe; a fraqueza do seu espírito humano
não lhe permite compreender uma afirmação tão estranha... Então, com a impetuosidade
que lhe permitiam a sua familiaridade e a sua fidelidade de apóstolo, ele interroga o
Mestre: "Senhor, mostra-nos o Pai e isso nos basta!" Não é que ele deseje contemplar o
Pai com os seus olhos físicos, mas pede para compreender aquilo que vê com os seus
olhos. Porque, vendo o Filho na sua forma humana, ele não compreende como, desse
modo, tinha visto o Pai...
O Senhor responde-lhe então: "Há tanto tempo que estou convosco e não me conheces,
Filipe?" Repreende-o por ignorar quem ele era... Porque é que não o tinham reconhecido,
a ele que há tanto tempo procuravam? É que, para o reconhecerem, era preciso reconhecer
que a divindade, a natureza do Pai, estava nele. Na verdade, todas as obras que ele tinha
feito eram próprias de Deus: caminhar sobre as águas, dar ordens aos ventos, realizar
coisas impossíveis de compreender, tais como mudar a água em vinho ou multiplcar os
pães..., afugentar os demónios, expulsar as doenças, dar remédio às enfermidades do
corpo, corrigir as malformações congénitas, perdoar os pecados, devolver a vida aos
mortos. Eis tudo o que o seu corpo de carne tinha feito, e tudo isso lhe permite proclamarse Filho de Deus. Daí a sua reprimenda e a sua queixa: por causa da realidade misteriosa
do seu nascimento humano, não se tinham apercebido da natureza divina que realizava
estes milagres nessa natureza humana que o Filho tinha assumido.
Santo Ireneu de Lião (cerca de 130-cerca de 208), bispo, teólogo e mártir
Contra as Heresias
"Quem me vê, vê o Pai"
O homem, por si mesmo, nunca verá Deus, mas Deus poderá ser visto pelos homens que Ele
quiser, se o quiser, quando quiser, como quiser; porque Deus tudo pode. Foi visto outrora
graças ao Espírito, segundo a profecia; foi visto graças ao Filho, nos termos da adopção; será
visto no Reino dos Céus, nos termos da paternidade. Porque o Espírito prepara
antecipadamente o homem para acolher o Filho de Deus, o Filho condu-lo ao Pai e o Pai dálhe a incorruptibilidade e a vida eterna que resultam para cada um de nós da visão de Deus.
Porque aqueles que vêem a luz estão na luz e participam do seu esplendor. Ora o esplendor de
Deus dá a vida; aqueles que vêem Deus participam assim na Sua Vida.
Santo Ireneu de Lyon (c. 130-c. 208), bispo, teólogo e mártir
Contra as heresias, IV, 5
“Quem me vê, vê o Pai”
O esplendor de Deus dá a vida: os que vêem a Deus terão, pois, parte na vida. É por isso que
aquele que é inalcançável, incompreensível e invisível se oferece para ser visto,
compreendido e tomado pelos homens; fá-lo para dar a vida àqueles que o tomam e o vêem.
Porque, se a sua grandeza é insondável, também a sua beleza é inexprimível e é graças a ela
que Ele se mostra e que dá a vida àqueles que o vêem.
É impossível viver sem a Vida; não há vida fora da participação em Deus; e esta participação
em Deus consiste em ver a Deus e em usufruir da sua bondade. Assim, pois, os homens verão
a Deus a fim de viverem […], de acordo com aquilo que Moisés afirma no Deuteronómio:
“Nesse dia, veremos, porque Deus falará ao homem e ele viverá” (Dt 5,24). Deus é invisível e
inexprimível […], mas todos os seres aprendem, pelo seu Verbo, que há um só Deus Pai, que
contém todas as coisas e dá a existência a todas as coisas, de acordo com aquilo que o Senhor
também diz: “Ninguém jamais viu a Deu s; o Filho único, que está no seio do Pai, é que O
deu a conhecer” (Jn 1,18).
Orígenes (c.185-253), presbítero e teólogo
A Oração, 31
«O que pedirdes em meu nome Eu o farei, de modo que, no Filho, se manifeste a glória
do Pai»
Quer-me parecer que quem se dispõe a orar deverá recolher-se e procurar preparar-se um
pouco para conseguir ficar mais atento, mais concentrado no todo da sua oração. Deve
também afastar do seu pensamento a ansiedade e a perturbação, e esforçar-se por lembrar a
grandeza de Deus de quem se aproxima, pensar também que será ímpio se a Ele se apresentar
sem a necessária atenção, sem algum esforço, mas com uma espécie de à vontade; deve,
enfim, rejeitar todos os pensamentos excêntricos.
Ao começar a oração, devemos apresentar, digamos, a alma antes das mãos, erguer a Deus o
espírito antes dos olhos, libertar o espírito da terra antes de o elevarmos para o oferecer ao
Senhor do universo, depor, enfim, quaisquer ressentimentos por ofensas que cremos ter
sofrido, se de facto desejamos que Deus esqueça o mal cometido contra Ele próprio, contra os
nossos semelhantes, ou contra a boa razão.
Dado que podem ser muitas as atitudes do corpo, o gesto de erguer as mãos e os olhos aos
céus deve claramente ser preferido a todos os outros, para assim exprimirmos no corpo a
imagem das disposições da alma durante a oração [...], mas as circunstâncias podem por vezes
levar-nos a rezar sentados [...] ou mesmo deitados [...]. No que diz respeito à oração de
joelhos, esta torna-se necessária sempre que acusamos os nossos pecados perante Deus, e Lhe
suplicamos que deles nos cure e nos absolva. Essa atitude é o símbolo da humilhação e da
submissão de que fala Paulo, quando escreve: «É por isso que eu dobro os joelhos diante do
Pai, do qual recebe o nome toda a família, nos céus e na terra» (Ef 3, 14-15). Trata-se da
genuflexão espiritual, assim chamada porque todas as criaturas adoram a Deus no nome de
Jesus e humildemente a Ele se submetem. O apóstolo Paulo parece fazer uma alusão a isso
quando diz: «Para que, ao nome de Jesus, se dobrem todos os joelhos, os dos seres que estão
no céu, na terra e debaixo da terra» (Fl 2,10).
São Bernardo (1091-1153), monge cisterciense e doutor da Igreja
Homilia sobre o Aqueduto
«Se Me conhecêsseis, conheceríeis também Meu Pai»
Aquele que disse: «Eu estou no Pai e o Pai está em Mim» afirma igualmente: «Eu saí de Deus
e venho d’Ele» (Jo 8, 42) … O Verbo fez-Se carne e habitou desde então entre nós (Jo 1, 14).
Habita com toda a certeza nos nossos corações pela fé; habita na nossa memória, habita no
nosso pensamento, desce até à nossa própria imaginação. Outrora, de facto, que ideia poderia
o homem ter de Deus, senão talvez a de um ídolo fabricado pelo seu coração? Deus era
incompreensível e inacessível, invisível e perfeitamente incapaz de ser apreendido pelo
pensamento. Mas, agora, Ele quis que O pudéssemos compreender, quis que O pudéssemos
ver, quis que O pudéssemos apreender pelo pensamento.
De que maneira? – perguntas. Sem dúvida alguma estando deitado numa manjedoura,
repousando no regaço da Virgem, pregando na montanha, passando a noite em oração; não
menos do que estando pregado na cruz, experimentando a lividez da morte, livre entre os
mortos e imperando sobre o inferno; finalmente, ressuscitando ao terceiro dia, mostrando aos
apóstolos a marca dos cravos, sinais da sua vitória, e, por último, penetrando, à vista deles,
nos segredos do céu.
De todos estes acontecimentos, não haverá algum que suscite em nós um pensamento
verdadeiro, fervoroso, santo? Pensando em qualquer deles, não importa qual, é em Deus que
eu penso, e através de todos eles, Ele é o meu Deus. A verdadeira sabedoria é meditar nesses
acontecimentos … Foi esta mesma suavidade que Maria bebeu amplamente nas alturas para a
derramar sobre nós.
Evangelho segundo S. João 14,6-14.
Jesus respondeu-lhe: «Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém pode ir até ao Pai
senão por mim. Se ficastes a conhecer-me, conhecereis também o meu Pai. E já o conheceis,
pois estais a vê-lo.» Disse-lhe Filipe: «Senhor, mostra-nos o Pai, e isso nos basta!» Jesus
disse-lhe: «Há tanto tempo que estou convosco, e não me ficaste a conhecer, Filipe? Quem me
vê, vê o Pai. Como é que me dizes, então, 'mostra-nos o Pai'? Não crês que Eu estou no Pai e
o Pai está em mim? As coisas que Eu vos digo não as manifesto por mim mesmo: é o Pai,
que, estando em mim, realiza as suas obras. Crede-me: Eu estou no Pai e o Pai está em mim;
crede, ao menos, por causa dessas mesmas obras. Em verdade, em verdade vos digo: quem crê
em mim também fará as obras que Eu realizo; e fará obras maiores do que estas, porque Eu
vou para o Pai, e o que pedirdes em meu nome Eu o farei, de modo que, no Filho, se
manifeste a glória do Pai. Se me pedirdes alguma coisa em meu nome, Eu o farei.»
Santo Hilário (cerca de 315-367), bispo de Poitiers, doutor da Igreja
De Trinitate
Os apóstolos mostram-nos o caminho da vida
O Senhor não nos deixou um ensinamento incerto ou duvidoso acerca dos seus mistérios e
não nos abandonou ao erro que pode nascer de uma compreensão ambígua. Escutemo-lo pois
quando Ele revela aos apóstolos o inteiro conhecimento desta fé; com efeito, Ele disse: "Eu
sou o caminho, a verdade, a vida; ninguém vai ao Pai senão por mim." Aquele que é o
Caminho não nos deixou errar por estradas sem saída. A Verdade não nos deixou enganados
com mentiras. A Vida não nos entregou ao erro que mata. E, uma vez que Ele manifestou,
para nossa salvação, os doces nomes do seu desígnio - Caminho para nos conduzir à verdade,
Verdade para nos estabelecer na Vida -, reconheçamos qual é o sacramento que nos conduz a
esta vida: "Ninguém vai ao Pai senão por mim." O caminho que nos conduz ao Pai passa pelo
Filho...
No mistério do corpo que tomou, o Senhor manifesta a divindade que está no Pai: "Se me
conheceis, conhecereis também o Pai; a partir de agora, conhecê-lo-eis e tê-lo-eis visto".
Distinguiu o tempo da vista e o do conhecimento, porque diz que já vimos aquilo mesmo que
deveremos conhecer.
Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona (norte de África) e doutor da Igreja
Discurso sobre os Salmos, Sl 86
Santos Filipe e Tiago, apóstolos, fundações da Cidade Santa (Ap 21, 19)
“O seu fundamento está sobre os montes santos. O Senhor ama as portas de Sião” (Sl. 86, 12). […] “Sois concidadãos dos santos e membros da família de Deus, edificados sobre o
alicerce dos apóstolos e dos profetas, com Cristo por pedra angular” (Ef 2, 19-20). […] Cristo,
pedra angular, e as montanhas, ou seja, os apóstolos e os grandes profetas que transportam o
conjunto da cidade, formam uma espécie de edifício vivo. Este edifício vivo tem uma voz que
ressoa agora no vosso coração. É Deus, hábil operário, que se serve de mim para insistir
convosco, a fim de que tomeis o vosso lugar nesta construção – quais pedras talhadas, de
quatro lados iguais. […]
Reparai na forma de uma pedra perfeitamente quadrada: é a imagem do cristão. Por muitas
tentações que sofra, o cristão não cai; pode ser violentamente empurrado, como que revirado,
mas não cai. Porque, seja de que lado se faça cair uma pedra quadrada, ela continua de pé.
[…] Sede, pois, semelhantes a pedras quadradas, preparados para todos os choques; e que,
qualquer que seja a força que vos empurre, não consiga fazer-vos perder o equilíbrio. […]
Levantar-vos-eis para tomardes o vosso lugar neste edifício, por meio de uma vida cristã
sincera, pela fé, a esperança e a caridade. A cidade santa é formada pelos seus próprios
cidadãos; os mesmos homens são, simultaneamente, pedras e cidadãos, porque estas pedras
são vivas. “Vós mesmos, como pedras vivas, entrai na construção de um edifício espiritual” (1
Ped 2, 5). […] Por que motivo são os apóstolos e os profetas os fundamentos da cidade?
Porque a sua autoridade sustenta a nossa fraqueza. […] Por eles, entramos no reino de Deus;
eles são, para nós, os pregadores da salvação. E, quando entramos por eles na cidade,
entramos nela por Cristo – porque Ele mesmo é a porta (Jo 10, 9).
Paulo VI, Papa de 1963-1978
Mensagem para o Dia das Vocações 1971
«Dar-vos-ei pastores» (Jr 3,15)
Os apóstolos, fiéis à memória de Jesus, reuniam-se com os novos crentes porque tinham
encontrado nEle, não só o Pastor da sua alma, mas, mais ainda, o Chefe dos pastores. Logo
que chegou a hora de regressar ao Pai, deixando este mundo, Jesus quis escolher e chamar
outros «pastores segundo o seu coração» (Jr 3,15). Fê-lo por livre escolha, para que
continuem a Sua missão no mundo inteiro, até ao fim dos tempos. Serão Seus enviados, Seus
mensageiros, Seus apóstolos. Serão pastores só em Seu nome, para bem do rebanho e na força
do Seu Espírito, ao qual deverão permanecer fiéis.
O primeiro de todos, Pedro, depois da tripla profissão de amor para com Jesus, foi nomeado
pastor das Suas ovelhas e dos Seus cordeiros (Jo 21,15). Depois, todos os apóstolos. E depois
deles, outros ainda, e todos no mesmo Espírito. E todos, em todos os tempos, deverão guiar o
rebanho do Senhor que lhes foi confiado, não como dominadores, mas como modelos do
rebanho (1Pe 5,3), com total desinteresse e todo o empenho do seu coração. Só assim,
poderão receber um dia a recompensa merecida, quando reaparecer o Chefe dos pastores.
Cardeal Joseph Ratzinger [Papa Bento XVI]
Retiro pregado no Vaticano, 1983
A oração em nome do Filho
A oração cristã é uma oração em nome do Filho. Se S. Lucas se contenta em aludir à
identidade da oração dos filhos e do Filho, em S. João este elemento essencial torna-se
explícito: “Orar em nome do Filho” não é uma simples fórmula, um simples conjunto de
palavras. Para nos deixarmos penetrar por este nome, temos de aceitar um processo de
identificação, temos de aceitar o caminho da conversão e da purificação, que nos leva a
tornarmo-nos filhos, ou seja, à realização do baptismo na constante penitência. Assim
respondemos ao convite do Senhor: “Quando Eu for elevado da terra, tudo atrairei a Mim”
(Jo, 12, 32).
Quando proferimos a fórmula litúrgica “por Cristo, Nosso Senhor”, é toda esta teologia que
está presente. Dia após dia, estas palavras convidam-nos a percorrer o caminho da
identificação com Jesus, o caminho do baptismo, isto é, da conversão e da penitência.
Evangelho segundo S. João 14,15-16.23-26.
«Se me tendes amor, cumprireis os meus mandamentos, e Eu apelarei ao Pai e Ele vos dará
outro Paráclito para que esteja sempre convosco, Respondeu-lhe Jesus: «Se alguém me tem
amor, há-de guardar a minha palavra; e o meu Pai o amará, e Nós viremos a ele e nele
faremos morada. Quem não me tem amor não guarda as minhas palavras; e a palavra que
ouvis não é minha, mas é do Pai, que me enviou». «Fui-vos revelando estas coisas enquanto
tenho permanecido convosco; mas o Paráclito, o Espírito Santo que o Pai enviará em meu
nome, esse é que vos ensinará tudo, e há-de recordar-vos tudo o que Eu vos disse.»
Santo Hilário (c. 315-367), bispo de Poitiers, doutor da Igreja
A Trindade, 2, 31-35
«Eu apelarei ao Pai e Ele vos dará outro Paráclito para que esteja sempre convosco: o
Espírito de verdade»
«Deus é espírito» diz o Senhor à Samaritana [...] ; sendo Deus invisível, incompreensível e
infinito, não será num monte nem num templo que Deus deverá ser adorado (Jo 4, 21-24).
«Deus é espírito» e um espírito não pode ser circunscrito, nem contido; pela força da sua
natureza, ele está em todo o lado e de local algum está ausente ; em todo o lado e em tudo
superabunda. Por isso é preciso adorar a Deus, que é espírito, no Espírito Santo [...].
O apóstolo Paulo outra coisa não diz quando escreve : «o Senhor é o Espírito e onde está o
Espírito do Senhor, aí está a liberdade» (2 Co 3, 17) [...]. Que cessem portanto os argumentos
daqueles que recusam o Espírito. O Espírito Santo é um, por todo o lado foi
derramado, iluminando todos os patriarcas, os profetas e o coração de todos
quantos participaram na redacção da Lei. Inspirou João Baptista já no seio de sua mãe; foi
por fim infundido sobre os apóstolos e sobre todos os crentes para que conhecessem a verdade
que lhes é dada na graça.
Qual é acção do Espírito em nós? Escutemos as palavras do próprio Senhor : «Tenho ainda
muitas coisas a dizer-vos, mas não sois capazes de as compreender por agora. É melhor para
vós que Eu vá, pois, se Eu não for, o Paráclito não virá a vós; mas, se Eu for, Eu vo-lo
enviarei. Quando Ele vier, o Espírito da Verdade, há-de guiar-vos para a Verdade completa»
(Jo 16, 7-13) [...]. São-nos reveladas, nestas palavras, a vontade do doador, assim como a
natureza e o papel d'Aquele que Ele nos dá. Porque a nossa fragilidade não nos permite
conhecer nem o Pai nem o Filho ; o mistério da encarnação de Deus é difícil de compreender.
O dom do Espírito Santo, que se faz nosso aliado por sua intercessão, ilumina-nos [...].
Pregador do Papa: Cristão deve ser «outro Cristo» e «outro Paráclito»
Comentário do Pe. Cantalamessa à liturgia do próximo domingo
ROMA, sexta-feira, 25 de abril de 2008 (ZENIT.org).- Publicamos o comentário do Pe.
Raniero Cantalamessa, OFM Cap. – pregador da Casa Pontifícia – à Liturgia da Palavra do
próximo domingo, VI de Páscoa.
VI Domingo de Páscoa
Atos 8, 5-8.14-17; 1 Pedro 3,15-18; João 14, 15-21
Ser paráclitos
No Evangelho Jesus fala aos discípulos sobre o Espírito usando o termo «Paráclito», que
significa consolador, ou defensor, ou as duas coisas. No Antigo Testamento, Deus é o grande
consolador de seu povo. Este «Deus da consolação» (Rm 15, 4) se «encarnou» em Jesus
Cristo, que se define de fato como o primeiro consolador ou Paráclito (Jo 14, 15). O Espírito
Santo, sendo aquele que continua a obra de Cristo e que leva a cumprimento as obras comuns
da Trindade, não podia deixar de definir-se, também Ele, Consolador, «o Consolador que
estará convosco para sempre», como Jesus o define. A Igreja inteira, depois da Páscoa, teve
uma experiência viva e forte do Espírito como consolador, defensor, aliado, nas dificuldades
externas e internas, nas perseguições, na vida de cada dia. Nos Atos dos Apóstolos lemos: «A
Igreja se edificava e progredia no temor do Senhor e estava cheia da consolação (paráclesis!)
do Espírito Santo» (9, 31).
Devemos agora tirar disso uma conseqüência prática para a vida. Temos de nos converter em
paráclitos! Ainda que é certo que o cristão deve ser «outro Cristo», é igualmente certo que
deve ser «outro Paráclito». O Espírito Santo não só nos consola, mas nos faz capazes de
consolar os demais. A consolação verdadeira vem de Deus, que é o «Pai de toda consolação».
Vem sobre quem está na aflição; mas não se detém aí; seu objetivo último se alcança quando
quem experimentou a consolação se serve dela para consolar por sua vez o próximo, com a
mesma consolação com a qual ele foi consolado por Deus. Não se conforma em repetir
estéreis palavras de circunstância que deixam as coisas iguais («Ânimo, não te desalentes;
verás que tudo sai bem!»), mas transmite o autêntico «consolo que dão as Escrituras», capaz
de «manter viva nossa esperança» (Rm 15, 4). Assim se explicam os milagres que uma
simples palavra ou um gesto, em clima de oração, são capazes de fazer à cabeceira de um
enfermo. É Deus quem está consolando essa pessoa através de você!
Em certo sentido, o Espírito Santo precisa de nós para ser Paráclito. Ele quer consolar,
defender, exortar; mas não tem boca, mãos, olhos para «dar corpo» a seu consolo. Ou melhor,
tem nossas mãos, nossosolhos, nossa boca. A frase do Apóstolo aos cristãos de Tessalônica:
«Confortai-vos mutuamente» (1Ts 5, 11), literalmente se deveria traduzir: «sede paráclitos
uns dos outros». Se a consolação que recebemos do Espírito não passa de nós aos demais, se
queremos retê-la de forma egoísta para nós, logo se corrompe. Daí o porquê de uma bela
oração atribuída a São Francisco de Assis, que diz: «Que não busque tanto ser consolado
como consolar, ser compreendido como compreender, ser amado como amar...».
À luz do que disse, não é difícil descobrir que existem hoje, ao nosso redor, paráclitos. São
aqueles que se inclinam sobre os enfermos terminais, sobre os enfermos de aids, quem se
preocupa em aliviar a solidão dos anciãos, os voluntários que dedicam seu tempo às visitas
nos hospitais. Os que se dedicam às crianças vítimas de abuso de todo tipo, dentro e fora de
casa. Terminamos esta reflexão como os primeiros versos da Seqüência de Pentecostes, na
qual o Espírito Santo é invocado como o «consolador supremo»:
«Vinde, ó Pai dos pobres, vinde, autor de todos os dons, vinde, Luz dos corações. Consolador
supremo, doce hóspede da alma, suave refrigério. Repouso no trabalho, brandura no
ardor, consolo no pranto».
Pregador do Papa: Espírito Santo atua no mundo
Comentário do Pe. Cantalamessa sobre a liturgia do domingo de Pentecostes
ROMA, sexta-feira, 25 de maio de 2007 (ZENIT.org).- Publicamos o comentário do Pe.
Raniero Cantalamessa, ofmcap. -- pregador da Casa Pontifícia -- sobre a liturgia do próximo
domingo, solenidade de Pentecostes.
***
Enviai, Senhor, o vosso Espírito, e renovai a face da terra
Domingo de Pentecostes
Atos 1, 1-11; Romanos 8, 8-17; João 14, 15-16.23b-26
Na tarde de Páscoa, Jesus no cenáculo «soprou sobre eles [seus discípulos] e lhes disse:
‘Recebei o Espírito Santo’» [Jo 20, 19-23, ndr.]. Este sopro de Cristo evoca o gesto de Deus
que, na criação, «soprou sobre o homem, feito de pó do chão, um alento de vida, e tornou-se o
homem um ser vivente» (Gn 2, 7). Com aquele gesto, Jesus vem dizer, portanto, que o
Espírito Santo é o sopro divino que dá vida à nova criação, como deu vida à primeira criação.
O Salmo responsorial sublinha este tema: «Enviai, Senhor, o vosso Espírito, e renovai a face
da terra» [Sal 103, 1-34. ndr.].
Proclamar que o Espírito Santo é criador significa dizer que sua esfera de ação não se
restringe só à Igreja, mas se estende a toda a criação. Nenhum tempo, nenhum lugar estão
privados de sua presença ativa. Ele atua na Bíblia e fora dela; atua antes de Cristo, no tempo
de Cristo e depois de Cristo, ainda que nunca separadamente d’Ele. «Toda verdade, de onde
quer que venha dita -- escreveu Santo Tomás de Aquino --, vem do Espírito Santo». Certo: a
ação do Espírito de Cristo fora da Igreja não é a mesma que dentro da Igreja e nos
sacramentos. Lá Ele atua por poder, aqui por presença, em pessoa.
O mais importante, a propósito do poder criador do Espírito Santo, não é compreendê-lo ou
explicar suas implicações, mas experimentá-lo. E o que significa experimentar o Espírito
como criador? Para descobrir isso, partimos do relato da criação. «No princípio Deus criou os
céus e a terra. A terra era caos e escuridão acima do abismo, e um vento de Deus soprava
sobre as águas» (Gn 1, 1-2). Deduz-se que o universo já existia no momento em que o
Espírito intervém, mas ainda era informe e tenebroso, caos. É depois de sua ação quando o
criado assume contornos precisos; a luz se separa das trevas, a terra do mar, e tudo adquire
uma forma definida.
O Espírito Santo é, portanto, Aquele que permite passar -- a criação -- do caos ao cosmos, o
que faz assim algo belo, ordenado, limpo (cosmos vem da mesma raiz que cosmético, e quer
dizer belo!), realiza assim um «mundo», segundo o duplo significado dessa palavra. A ciência
nos ensina hoje que este processo durou bilhões de anos, mas o que a Bíblia quer dizer-nos,
com linguagem simples e imaginativa, é que a lenta evolução da vida e a ordem atual do
mundo não ocorreu por acaso, obedecendo a impulsos cegos da matéria, mas por um projeto
aplicado nele, desde o início pelo criador.
A ação criadora de Deus não se limita ao instante inicial; Ele está sempre em ato de criar.
Aplicado ao Espírito Santo, isso significa que Ele é sempre o que faz passar do caos ao
cosmos, isto é, da desordem à ordem, da confusão à harmonia, da deformidade à beleza, da
velhice à juventude. Isso em todos os níveis: no macrocosmos e no microcosmos, ou seja, no
universo inteiro assim como em cada homem.
Devemos crer que, apesar das aparências, o Espírito Santo atuando no mundo e o faz
progredir. Quantos novos descobrimentos, não só no campo físico, mas também no moral e
social! Um texto do Concílio Vaticano II diz que o Espírito Santo está atuando na evolução da
ordem social do mundo («Gaudium et spes», 26). Não é só o mal que cresce, mas também o
bem, com a diferença de que o mal se elimina, termina consigo mesmo, enquanto que o bem
se acumula, permanece. Certamente ainda existe muito caos ao nosso redor: caos moral,
político social; o mundo tem ainda muita necessidade do Espírito Santo; por isso não devemos
cansar-nos de invocá-lo com as palavras do Salmo: «Enviai, Senhor, o vosso Espírito, e
renovai a face da terra!».
[Tradução realizada por Zenit]
ZP07052501
Evangelho segundo S. João 14,15-21.
«Se me tendes amor, cumprireis os meus mandamentos, e Eu apelarei ao Pai e Ele vos dará
outro Paráclito para que esteja sempre convosco, o Espírito da Verdade, que o mundo não
pode receber, porque não o vê nem o conhece; vós é que o conheceis, porque permanece junto
de vós, e está em vós.» «Não vos deixarei órfãos; Eu voltarei a vós! Ainda um pouco e o
mundo já não me verá; vós é que me vereis, pois Eu vivo e vós também haveis de viver.
Nesse dia, compreendereis que Eu estou no meu Pai, e vós em mim, e Eu em vós. Quem
recebe os meus mandamentos e os observa esse é que me tem amor; e quem me tiver amor
será amado por meu Pai, e Eu o amarei e hei-de manifestar-me a ele.»
Homilia de Bento XVI ao celebrar a missa em Varsóvia
VARSÓVIA, sexta-feira, 26 de maio de 2006 (ZENIT.org).- Publicamos a homilia que Bento
XVI pronunciou nesta sexta-feira durante a celebração eucarística na Praça Pilsudski, em
Varsóvia.
***
Seja louvado Jesus Cristo!
Queridos irmãos e irmãs em Cristo Senhor: «Junto convosco desejo elevar um canto de
gratidão à Divina Providência, que me permite hoje estar aqui como peregrino». Com estas
palavras, há 27 anos, começou sua homilia em Varsóvia meu querido predecessor, João Paulo
II. Faço minhas essas palavras e dou graças ao Senhor que me concedeu poder chegar hoje a
esta histórica Praça. Aqui, na vigília de Pentecostes, João Paulo II pronunciava as
significativas palavras da oração: «Que desça teu Espírito e renove a face da terra». E
acrescentou, «Desta terra!». Neste mesmo lugar o povo se despediu, em uma solene cerimônia
fúnebre, do grande primaz da Polônia, o cardeal Stefan Wyszynski, de quem nestes dias
recordamos o vigésimo quinto aniversário de sua morte.
Deus uniu estas duas pessoas não só mediante a mesma fé, a mesma esperança e o mesmo
amor, mas também mediante as mesmas vivências humanas, que uniram ambos intimamente
com a história deste povo e da Igreja que vive nele.
Ao início de seu pontificado, João Paulo II escreveu ao cardeal Wyszynski: «Na Sede de
Pedro não estaria este Papa polonês, que hoje, cheio de temor a Deus, mas também de
confiança, começa o novo pontificado, sem tua fé, que não se esvaiu ante a prisão e o
sofrimento, sem tua heróica esperança, sem tua confiança até o fim na Mãe da Igreja; sem
Jasna Gora e sem todo este período de história da Igreja em nossa Pátria, ligado a teu serviço
de bispo e de primaz» (Carta de João Paulo II aos poloneses, 23 de outubro de 1978). Como
não dar graças a Deus pelo que sucedeu em vossa pátria, no mundo inteiro, durante o
pontificado de João Paulo II? Ante nossos olhos aconteceram mudanças de inteiros sistemas
políticos, econômicos e sociais. As pessoas de vários países reconquistaram a liberdade e o
sentido da dignidade. «Não esqueçamos as grandes obras de Deus» (Cf. Salmo 78, 7). Eu
também vos agradeço por vossa presença e por vossa oração. Obrigado ao cardeal primaz
pelas palavras que me dirigiu. Saúdo todos os bispos aqui presentes. Alegra-me ver a
participação do senhor presidente e das autoridades públicas e locais. Abraço com o coração
todos os poloneses que vivem na pátria e no exterior.
«Permanecei firmes na fé!». Acabamos de escutar as palavras de Jesus: «Se me amais,
guardareis meus mandamentos; e eu pedirei ao Pai, e Ele vos dará outro Consolador, para que
esteja convosco para sempre, o Espírito da verdade» (João 14, 15-17a). Com estas palavras,
Jesus revela o profundo laço que existe entre a fé e a profissão da Verdade Divina, entre a fé e
a entrega a Jesus Cristo no amor, entre a fé e a prática de uma vida inspirada nos
mandamentos. Estas três dimensões da fé são fruto da ação do Espírito Santo. Esta ação
manifesta-se como força interior que põe em harmonia os corações dos discípulos com o
Coração de Cristo e os faz capazes de amar os irmãos como Ele os amou. A fé é um dom, mas
ao mesmo tempo é uma tarefa.
«Ele nos dará outro Consolador – o Espírito da Verdade». A fé, como conhecimento e
profissão da verdade sobre Deus e sobre o homem, «vem da pregação, e a pregação, pela
Palavra de Cristo», diz São Paulo (Romanos 10, 17). Ao longo da história da Igreja, os
apóstolos pregaram a palavra, preocupando-se por entregá-la intacta a seus sucessores, que
por sua vez a transmitiram às gerações sucessivas, até nossos dias. Muitos pregadores do
Evangelho deram a vida precisamente por causa da fidelidade à verdade da palavra de Cristo.
Deste modo, do cuidado da verdade nasceu a Tradição da Igreja. Como nos séculos passados,
também hoje há pessoas ou ambientes que, descuidando desta Tradição de séculos, querem
falsificar a palavra de Cristo e tirar do Evangelho as verdades que, segundo eles, são
demasiado incômodas para o mundo moderno. Trata-se de dar a impressão de que tudo é
relativo: inclusive as verdades de fé dependeriam da situação histórica e do juízo humano.
Mas a Igreja não pode calar o Espírito da Verdade. Os sucessores dos apóstolos, junto com o
Papa, são os responsáveis pela verdade do Evangelho, e também todos os cristãos estão
chamados a compartilhar esta responsabilidade, aceitando suas indicações autorizadas. Todo
cristão está obrigado a confrontar continuamente suas próprias convicções com os ditames do
Evangelho e da Tradição da Igreja em seu compromisso por permanecer fiel à palavra de
Cristo, inclusive quando esta é exigente e humanamente difícil de compreender. Não temos de
cair na tentação do relativismo ou da interpretação subjetiva e seletiva das Sagradas
Escrituras. Só a verdade íntegra pode-no abrir à adesão a Cristo, morto e ressuscitado por
nossa salvação.
De fato, Cristo diz: «Se me amais...». A fé não significa só aceitar um certo número de
verdades abstratas sobre os mistérios de Deus, do homem, da vida e da morte, das realidades
futuras. A fé consiste em uma relação íntima com Cristo, uma relação baseada no amor
daquele que nos amou antes (Cf. 1 João 4, 11), até a entrega total de si mesmo. «A prova de
que Deus nos ama é que Cristo, sendo nós ainda pecadores, morreu por nós» (Romanos 5, 8).
Que outra resposta podemos dar a um amor tão grande, a não ser um coração aberto e
disposto a amar? Mas o que quer dizer amar a Cristo? Quer dizer fiar-se dele, inclusive na
hora da prova, segui-lo fielmente inclusive na Via Crucis, com a esperança de que logo
chegará a manhã da ressurreição. Se confiamos nele não perdemos nada, mas ganhamos tudo.
Nossa vida adquire em suas mãos seu verdadeiro sentido. O amor por Cristo se expressa com
a vontade de pôr em sintonia a própria vida com os pensamentos e os sentimentos de seu
Coração. Isto se consegue mediante a união interior, baseada na graça dos Sacramentos,
reforçada com a oração contínua, com o louvor, com a ação de graças e a penitência. Não
pode faltar uma atenta escuta das inspirações que Ele suscita através de sua Palavra, através
das pessoas com as quais nos encontramos, das situações de vida de todos os dias. Amá-lo
quer dizer permanecer em diálogo com Ele, para conhecer sua vontade e realizá-la
prontamente.
Mas viver a própria fé como relação de amor com Cristo significa estar dispostos a renunciar
a tudo o que constitui a negação de seu amor. Por este motivo, Jesus disse aos apóstolos: «Se
me amais guardareis meus mandamentos». Mas, quais são os mandamentos de Cristo?
Quando o Senhor Jesus ensinava as multidões, não deixou de confirmar a lei que o Criador
havia inscrito no coração do homem e que havia formulado nas tábuas dos Dez Mandamentos.
«Não penseis que vim para abolir a Lei e os Profetas. Não vim para abolir, mas para dar
cumprimento. Sim, asseguro-vos: o céu e a terra passarão antes que passe um “i” ou um
acento da Lei sem que tudo suceda» (Mateus 5, 17-18). Agora, Jesus mostrou-nos com nova
clareza o centro unificador das leis divinas reveladas no Sinai, ou seja, o amor a Deus e ao
próximo: «amar [a Deus] com todo o coração, com toda a inteligência e com todas as forças, e
amar o próximo como a si mesmo vale mais que todos os holocaustos e sacrifícios» (Marcos
12, 33). E mais, Jesus em sua vida e em seu mistério pascal levou a cumprimento toda a lei.
Unindo-se a nós através do dom do Espírito Santo, leva conosco e em nós o «jugo» da lei, e
deste modo se converte em uma «carga leve» (Mateus 11, 30). Com este espírito, Jesus
formulou a lista das atitudes interiores de quem trata de viver profundamente a fé: Bemaventurado os pobres de espírito, os que choram, os mansos, os que têm fome e sede de
justiça, os misericordiosos, os puros de coração, os que trabalham pela paz, os perseguidos
por causa da justiça... (Cf. Mateus 5, 3-12).
Queridos irmãos e irmãs, a fé enquanto adesão a Cristo revela-se como amor que impulsiona a
promover o bem que o Criador inscreveu na natureza de cada um e cada uma de nós, na
personalidade de todo ser humano e em tudo o que existe no mundo. Quem crê e ama
converte-se deste modo em construtor da verdadeira «civilização do amor», na qual Cristo é o
centro. Há 27 anos, neste lugar, João Paulo II disse: «A Polônia se converteu em nossos
tempos em terra de testemunho especialmente responsável» (Varsóvia, 2 de junho de 1979).
Peço-vos, cultivai este rico patrimônio de fé que vos transmitiram as gerações precedentes, o
patrimônio do pensamento e do serviço desse grande polonês, o Papa João Paulo II. Sede
fortes na fé, transmiti-la a vossos filhos, daí testemunho da graça que haveis experimentado
de um modo tão abundante através do Espírito Santo em vossa história. Que Maria, Rainha da
Polônia, mostre-vos o caminho para seu Filho e vos acompanhe no caminho para um futuro
feliz e cheio de paz. Que não falte nunca em vossos corações o amor por Cristo e por sua
Igreja. Amém!
[Traduzido por Zenit]
ZP06052604
Da Liturgia Latina
Sequência do Espírito Santo
"Ele vos dará um outro Defensor que ficará convosco para sempre"
Vinde, ó Espírito Santo,
vinde, amor ardente,
acendei na terra
vossa luz fulgente.
Vinde, pai dos pobres,
na dor e aflições,
vinde encher de gozo
nossos corações.
Benfeitor supremo
em todo o momento,
habitando em nós
sois o nosso alento.
Descanso na luta
e na paz encanto,
no calor sois brisa,
conforto no pranto.
Luz de santidade,
que no céu ardeis,
abrasai as almas
dos vossos fiéis.
Sem a vossa força
e favor clemente,
nada há no homem
que seja inocente.
Lavai nossas manchas,
a aridez regai,
sarai os enfermos
e a todos salvai.
Abrandai durezas
para os caminhantes,
animai os tristes,
guiai os errantes.
Vossos sete dons
concedei à alma
do que em Vós confia:
virtude na vida,
amparo na morte,
no Céu alegria.
Santo Agostinho (354-430) bispo de Hipona (África do Norte) e doutor da Igreja
Sermão 155
Pentecostes, o coroamento da Páscoa
O povo judeu celebrava a Páscoa, como sabeis, com a imolação de um cordeiro que depois
comia com pães ázimos. Esta imolação do cordeiro prefigurava a imolação de Jesus Cristo, e
os pães ázimos a vida nova purificada do velho fermento… E, cinquenta dias depois da
Páscoa, este mesmo povo festejava o momento em que Deus dera, sobre o Monte Sinai, a Lei
escrita com sua mão, com seu dedo. À figura da Páscoa sucede a Páscoa em plenitude; Jesus
Cristo foi imolado e fez-nos passar da morte à vida. A palavra Páscoa significa «passagem»
…
Cinquenta dias depois, o Espírito Santo, «o dedo de Deus» (Lc 11, 20) desce sobre os
discípulos. Mas vede que diferença, nas circunstâncias, com o Sinai. Lá, o povo mantinha-se
ao longe, sendo o temor e não o amor a dominá-lo… Pelo contrário, quando o Espírito Santo
desceu sobre a terra, os discípulos estavam todos reunidos num mesmo lugar, e o Espírito,
longe de atemorizá-los do alto da montanha, entra na casa onde estavam reunidos.
«Viram, diz a Escritura, umas línguas, à maneira de fogo, que se iam dividindo». Era um fogo
que semeava desde longe o temor? De maneira nenhuma! Essas línguas de fogo poisaram
sobre cada um deles e eles começaram a falar diversas línguas conforme o Espírito lhes
inspirava que se exprimissem. Escutai a língua que fala e compreendei que é o Espírito quem
escreve, não sobre a pedra, mas nos corações (2 Co 3,3. Assim, pois, a lei do Espírito de vida,
Evangelho segundo S. João 14,21-26.
Quem recebe os meus mandamentos e os observa esse é que me tem amor; e quem me tiver
amor será amado por meu Pai, e Eu o amarei e hei-de manifestar-me a ele.» Perguntou-lhe
Judas, não o Iscariotes: «Porque te hás-de manifestar a nós e não te manifestarás ao mundo?»
Respondeu-lhe Jesus: «Se alguém me tem amor, há-de guardar a minha palavra; e o meu Pai o
amará, e Nós viremos a ele e nele faremos morada. Quem não me tem amor não guarda as
minhas palavras; e a palavra que ouvis não é minha, mas é do Pai, que me enviou». «Fui-vos
revelando estas coisas enquanto tenho permanecido convosco; mas o Paráclito, o Espírito
Santo que o Pai enviará em meu nome, esse é que vos ensinará tudo, e há-de recordar-vos
tudo o que Eu vos disse.»
S. Gregório Magno (cerca de 540-604), Papa, doutor da Igreja
Homilia 30
"O Espírito Santo vos ensinará tudo; ele vos recordará tudo o que Eu vos disse"
É o Espírito Santo que vos ensinará tudo. Porque, se o Espírito não tocar o coração dos que
escutam, é vã a palavra dos que os ensinam. Que ninguém atribua a um mestre humano a
compreensão que tem do seu ensinamento. Se o Mestre interior não agir, a língua do meste
exterior que fala trabalhará no vazio.
Vós todos, que aqui estais, entendeis a minha voz da mesma maneira; e contudo não captais
de igual forma o que ouvis. A palavra do pregador é inútil se não for capaz de acender o fogo
do amor nos corações. Aqueles que diziam: "Não estava o nosso coração a arder enquanto Ele
nos falava no caminho e nos explicava as Escrituras?" (Lc 24,32) tinham recebido esse Fogo,
da boca da própria Verdade. Quando se ouve uma homilia, o nosso coração anima-se e o
espírito começa a desejar os bens do Reino dos Céus. O amor autêntico que o enche chega a
arrancar-lhe lágrimas, mas este ardor enche-o também de alegria. Como é bom ouvir este
ensinamento que vem do alto e se torna em nós como que um facho que arde, que nos inspira
palavras inflamadas! É o Espírito Santo o grande artífice destas transformações em nós.
S. Nicolau Cabasilas (cerca 1320-1363), teólogo laico grego
A Vida em Cristo, IV, 6-8
«Se alguém me ama..., meu Pai amá-lo-á, e habitaremos nele»
A promessa vinculada à mesa eucarística faz-nos habitar em Cristo e Cristo em nós, porque
está escrito: «Permanece em Mim e Eu nele» (Jo 6,56). Se Cristo habita em nós, de que
necessitaremos? O que nos poderá faltar? Se permanecemos em Cristo, que mais poderemos
desejar? Ele é ao mesmo tempo nosso hóspede e nossa morada. Nós somos felizes por sermos
sua habitação! Que alegria em sermos nós próprios a morada de um tal hóspede! Que bem
poderia faltar aos que ele trata deste modo? Que teriam eles de comum com o mal, os que
resplandecem numa tal luz? Que mal poderia resistir a tanto bem? Mais ninguém pode morar
em nós ou vir assaltar-nos quando Cristo se une a nós deste modo. Ele rodeia-nos e penetra o
mais profundo de nós mesmos; ele é a nossa protecção, o nosso refúgio; ele encerra-nos de
todos os lados. Ele é nossa morada, e é o hóspede que enche toda a sua casa.
Porque nós não recebemos uma parte dele mas ele próprio, não um raio de luz mas o sol..., a
ponto de formar com ele um só espírito (1Cor 6,17) ... A nossa alma está unida à sua alma, o
nosso corpo ao seu corpo e o nosso sangue ao seu sangue... Como disse S. Paulo: «O nosso
ser mortal é absorvido pela vida» (2Cor 5,4) e «Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em
mim» (Gal 2,20).
Cardeal Joseph Ratzinger [Papa Bento XVI]
O Deus de Jesus Cristo
"O Defensor, o Espírito Santo que o Pai vos enviará em meu nome"
Ao invés das palavras "Pai" e "Filho", o nome do "Espírito Santo", a terceira pessoa divina,
não é a expressão de uma especificidade; pelo contrário, ele designa o que é comum a Deus.
Ora é precisamente aí que aparece o que é "próprio" da terceira pessoa: é "o que existe em
comum", a unidade do Pai e do Filho, a Unidade em pessoa. O Pai e o Filho são um na
medida em que vão para além de si mesmos; são um nesta terceira pessoa, na fecundidade do
dom. Estas afirmações nunca poderão ser mais do que meras aproximações; só pelos seus
efeitos podemos reconhecer o Espírito. Por consequência, a Escritura nunca descreve o
Espírito Santo em si; fala apenas da forma como ele vem até ao homem e como se diferencia
dos outros espíritos...
Judas Tadeu pergunta: "Senhor, como é possível que te queiras manifestar a nós e não ao
mundo?" A resposta de Jesus parece ignorar a pergunta: "Se alguém me amar, guardará a
minha palavra e nós viremos a ele e faremos nele a nossa morada". Na realidade, essa é a
resposta exacta à pergunta do discípulo e à nossa própria pergunta sobre o Espírito. Não se
pode expor o Espírito de Deus como se fosse uma mercadoria. Só o pode ver aquele que o tem
em si. Ver e vir, ver e ficar, estão juntos e são indissociáveis. O Espírito Santo permanece na
palavra de Jesus e essa palavra não se obtém com discursos, mas com a constância, com a
vida.
Evangelho segundo S. João 14,23-29.
Respondeu-lhe Jesus: «Se alguém me tem amor, há-de guardar a minha palavra; e o meu Pai o
amará, e Nós viremos a ele e nele faremos morada. Quem não me tem amor não guarda as
minhas palavras; e a palavra que ouvis não é minha, mas é do Pai, que me enviou». «Fui-vos
revelando estas coisas enquanto tenho permanecido convosco; mas o Paráclito, o Espírito
Santo que o Pai enviará em meu nome, esse é que vos ensinará tudo, e há-de recordar-vos
tudo o que Eu vos disse.» «Deixo-vos a paz; dou-vos a minha paz. Não é como a dá o mundo,
que Eu vo-la dou. Não se perturbe o vosso coração nem se acobarde. Ouvistes o que Eu vos
disse: 'Eu vou, mas voltarei a vós.' Se me tivésseis amor, havíeis de alegrar-vos por Eu ir para
o Pai, pois o Pai é mais do que Eu. Digo-vo-lo agora, antes que aconteça, para crerdes quando
isso acontecer.
S. Bernardo (1091-1153), monge cisterciense e doutor da Igreja
Sermão 27, 8-10
"Viremos a ele e nele faremos a nossa morada"
"O Pai e eu, dizia o Filho, viremos a casa dele, quer dizer, a casa do homem que é santo, e
iremos morar junto dele". E eu penso que era deste céu que o profeta falava quando dizia: "Tu
habitas entre os santos, tu, a glória de Israel" (Sl 21,4 Vulg). E o apóstolo Paulo dizia
claramente: "Pela fé, Cristo habita nos nossos corações" (Ef 3,17). Não é, pois, de surpreender
que Cristo se deleite em habitar nesse céu. Enquanto que para criar o céu visível lhe bastou
falar, para adquirir esse outro teve de lutar, morreu para o resgatar. É por isso que, depois de
todos os seus trabalhos, tendo realizado o seu desejo, Ele diz: "Eis o lugar do meu repouso
para sempre, é ali a morada que eu tinha escolhido" (Sl 131,14)...
Agora, portanto, "porquê te desolares, ó minha alma, e gemeres sobre mim?" (Sl 41,6). Pensas
que podes também encontrar em ti um lugar para o Senhor? Que lugar em nós é digno de tal
glória? Que lugar chegaria para receber a sua majestade? Poderei ao menos adorá-lO nos
lugares onde se detiveram os seus passos? Quem me concederá ao menos poder seguir o rasto
de uma alma santa "que Ele tenha escolhido para seu domínio"? (Sl 31,12)
Possa Ele dignar-se derramar na minha alma a unção da sua misericórdia, para que também eu
seja capaz de dizer: "Corro pelo caminho das tuas vontades, porque alargaste o meu coração"
(Sl 118,32). Poderei talvez, também eu, mostrar-lhe em mim, senão "uma grande sala toda
preparada, em que Ele possa comer com os seus discípulos" (Mc 14,15), pelo menos "um
lugar em que Ele possa repousar a cabeça" (Mt 8,20).
Evangelho segundo S. João 14,27-31.
«Deixo-vos a paz; dou-vos a minha paz. Não é como a dá o mundo, que Eu vo-la
dou. Não se perturbe o vosso coração nem se acobarde. Ouvistes o que Eu vos
disse: 'Eu vou, mas voltarei a vós.' Se me tivésseis amor, havíeis de alegrar-vos por
Eu ir para o Pai, pois o Pai é mais do que Eu. Digo-vo-lo agora, antes que aconteça,
para crerdes quando isso acontecer. Já não falarei muito convosco, pois está a
chegar o dominador deste mundo; ele nada pode contra mim, mas o mundo tem de
saber que Eu amo o Pai e actuo como o Pai me mandou. Levantai-vos, vamo-nos
daqui!»
S. Columbano (563-615), monge, fundador de mosteiros
Instrução 11
«É a minha paz que vos dou»
Moisés escreveu na Lei: «Deus fez o homem à Sua imagem e à Sua semelhança» (Gn 1, 26)...
Cabe-nos pois a nós reflectir, para o Nosso Deus, para o nosso Pai, a imagem da Sua
santidade... Não sejamos pintores de uma imagem diferente... e, para que não inscrevamos em
nós a imagem do orgulho, deixemos que o próprio Cristo pinte em nós a Sua imagem. Ele
pintou-a quando disse: «Dou-vos a paz. Deixo-vos a minha paz».
Mas de que nos serve saber que essa paz é boa, se não cuidamos dela? Aquilo que é bom
habitualmente é frágil; e os bens preciosos reclamam cuidados maiores e uma atenção mais
vigilante. Muito frágil é a paz que se pode perder por uma palavras apressada ou uma pequena
mágoa infligida a um irmão. Ora, nada agrada mais aos homens do que falar a despropósito e
ocupar-se do que não lhes diz respeito, proferir discursos vãos e criticar os ausentes. Daí que
aqueles que não podem dizer: «o Senhor deu-me a língua dum discípulo para que eu saiba
reconfortar pela palavra aquele que está abatido» (Is 50, 4), que esses se calem ou, se dizem
uma palavra, que seja uma palavra de paz... «A plenitude da lei é o amor» (Rm 13, 8). Que se
digne inspirá-lo em nós o nosso bom Senhor e Salvador Jesus Cristo, autor da paz e Deus do
amor.
Jean Tauler (c. 1300-1361), dominicano de Estrasburgo
Sermão 23, para o domingo depois da Ascensão
«Deixo-vos a paz; dou-vos a minha paz»
Na provação, o homem que não quer nem deseja sinceramente se não a Deus deve refugiar-se
Nele e esperar com paciência que a paz regresse. [...] Quem sabe onde e como agradará a
Deus voltar a cumulá-lo dos Seus dons? Coloca-te pacientemente ao abrigo da vontade divina,
que vale cem vezes mais do que os impulsos de uma virtude brilhante. [...] Porque os dons de
Deus não são o próprio Deus, e só Dele devemos gozar, e não dos Seus dons. Mas a nossa
natureza é de tal maneira ávida, de tal maneira voltada para si mesma, que se insinua por toda
a parte, apoderando-se daquilo que não lhe pertence, e manchando assim os dons de Deus,
impedindo a nobre acção de Deus. [...]
Mergulha, pois, em Cristo, na Sua pobreza e na Sua pureza, na Sua obediência, no Seu amor,
e em todas as Suas virtudes. Foi Nele que foram concedidos ao homem os dons do Espírito
Santo, a fé, a esperança e a caridade, a verdade, a alegria e a paz interiores, no Espírito Santo.
É também Nele que se encontra o abandono e a suave paciência, e tudo se recebe de Deus
com um coração semelhante.
Tudo quanto Deus Se permite decretar, seja prosperidade ou adversidade, alegria ou dor, tudo
isso deve concorrer para o bem do homem (Rom 8, 28). A menor das coisas que acontecem ao
homem é eternamente vista por Deus, pré-existe Nele, acontece como Ele a quis, e não de
outra forma. Estejamos pois em paz! Essa paz em todas as coisas que só se aprende no
verdadeiro desprendimento e na vida interior. [...] Tal é a herança do homem nobre que está
solidamente fixado no repouso da alma em Deus, no desejo de Deus, que ilumina todas as
coisas; tudo isso é purificado passando por Cristo.
S. Serafim de Sarov (1759-1833), monge russo
Homilias
A paz em Jesus Cristo
Não há nada de melhor do que a paz em Jesus Cristo...
Quando o homem alcança o estado de paz, faz radiar sobre os outros a luz de uma razão
iluminada. Antes ele deve repetir estas palavras: “Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho”.
(Mt 7,5)
Esta paz, este tesouro inestimável, nosso Senhor Jesus Cristo deixou-a aos seus discípulos
antes da sua morte.
Devemos esforçarmo-nos por todos os meios por guardar a paz da alma e não sermos
perturbados pelas ofensas que vêm do próximo. É preciso suportar as ofensas com indiferença
e criar uma disposição de espírito, como se essas ofensas não nos dizessem respeito e se
dirigissem a outras pessoas.
Este exercício pode assegurar ao coração humano a tranquilidade a aí fazer uma morada de
Deus. Se é impossível não se inquietar é preciso procurar pelo menos segurar a língua,
segundo o salmista: “Na minha agitação eu não podia falar” (Sl 76,5).
Para guardar a paz da alma, é necessário banir o desânimo, é necessário procurar ter um
espírito alegre, e isento de tristeza. Quando o homem tem grande falta do que é necessário
para o corpo, é-lhe difícil de dominar o desencorajamento; isso diz respeito evidentemente às
almas fracas.
Para conservar a paz interior, é preciso também evitar cuidadosamente censurarmos os outros.
Conserva-se a paz não julgando o próximo, guardando silêncio. Neste estado, o espírito
recebe as revelações divinas.
O homem que está empenhado em seguir a via da atenção interior, deve antes de tudo ter o
temor de Deus, que é o começo da sabedoria.
No seu espírito devem estar sempre gravadas estas palavras proféticas: “Servi o Senhor com
temor, exultai de alegria mas com tremor” (Sl 2,11).
Imitação de Cristo, tratado espiritual do século XV
Livro 1, cap. 11
"Dou-vos a minha paz"
Poderíamos gozar de grande paz se não não nos importássemos com o que dizem e fazem os
outros e que não nos diz respeito. Como permanecer longamente em paz quando nos metemos
nos assuntos dos outros, quando procuramos ocupações por fora, quando nunca ou muito
pouco nos recolhemos? Felizes os simples, porque possuirão grande paz! Porque é que alguns
santos foram tão perfeitos e contemplativos? Porque se aplicaram a fazer morrer todos os seus
desejos terrestres: dessa forma, puderam agarrar-se a Deus de todo o seu coração e dedicar-se
livremente à sua vida espiritual. Mas nós estamos demasiado invadidos pelos nossos desejos;
preocupamo-nos demasiado com o que se passa... É raro que nos desembaracemos de um só
defeito; o cuidado do progresso quotidiano não nos entusiasma e, por isso, mantemo-nos frios
ou mornos.
Se estivéssemos verdadeiramente mortos para nós mesmos, sem as nossas preocupações
interiores, também poderíamos saborear as coisas divinas, ter alguma experiência de
contemplação. O maior obstáculo, o único obstáculo, é que estamos demasiado presos às
nossas paixões e aos nossos desejos para entrarmos no caminho perfeito dos santos. Quando
nos acontece a menor contrariedade, deixamo-nos abater demasiado depressa e voltamo-nos
para as consolações humanas. Se nos esforçássemos, como homens fortes, a permanecer
firmes no combate, receberíamos certamente o socorro de Deus porque Ele está sempre
pronto a ajudar os que lutam e contam com a sua graça... Oh! se tu soubesses que paz viria a
ti, que alegria irradiaria sobre os outros, como serias mais cuidadoso com o teu avanço
espiritual!...
Santo [Padre] Pio de Pietrelcina (1887-1968), capuchinho
"Um pensamento"
"Dou-vos a minha paz"
O Espírito de Deus é espírito de paz; mesmo na altura das nossas faltas mais graves, ele faznos sentir uma dor tranquila, humilde e confiante, devido precisamente à sua misericórdia.
Pelo contrário, o espírito do mal excita, exaspera e faz-nos experimentar, na altura das nossas
faltas, uma espécie de cólera contra nós mesmos; contudo, é para connosco mesmos que
devíamos exercer a primeira das caridades. Portanto, quando és atormentado por certos
pensamentos, essa agitação não provém nunca de Deus mas do demónio; sendo Deus um
espírito de paz, o que ele te dá é a serenidade.