Capítulo Introdutório

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Capítulo Introdutório
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A PSICOLOGIA
DO AMBIENTE:
RESENHA HISTÓRICA
A PSICOLOGIA DO AMBIENTE: RESENHA HISTÓRICA
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«Por causa dum cravo perdeu-se uma ferradura;
a falta da ferradura inutilizou um cavalo;
por falta de um cavalo perdeu-se um cavaleiro;
por falta de um cavaleiro perdeu-se um batalhão;
por falta de um batalhão perdeu-se uma batalha;
por falta de uma vitória perdeu-se um reino;
tudo isto por falta duma ferradura.»
Norwood Hanson, Patterns of Discovery, p. 50.
A preocupação com o meio ambiente faz parte do discurso da sociedade ocidental de há uns anos a esta parte e a temática de que se ocupa a
Psicologia do Ambiente e investigações relacionadas, começou a tomar
forma a partir dos anos sessenta do século passado. Esta preocupação
surge na sociedade ocidental com os discursos políticos relativos aos problemas do meio ambiente, sendo o conceito de uma boa qualidade de vida
ambiental, uma referência obrigatória dos programas políticos de todos os
governos e, nas últimas décadas, objecto de reivindicações e conquistas
sociais. As mudanças radicais no campo do social e no da política, precipitaram esse nascimento, a partir daquela década. No entanto, deve-se
acrescentar que as condições subjacentes a essas mudanças, começaram a
desenvolver-se entre os anos quarenta e cinquenta do século passado. O
fim da Grande Guerra Mundial trouxe consigo, não apenas o sentido de
uma nova era de paz, prosperidade e democracia, mas também uma maior
exigência relativamente a lugares, espaços, bens, serviços e equipamento
social e tecnológico que não teve paralelo em toda a história da civilização ocidental. Vale a pena registar a importância do aumento demográfico quando nos referimos a alterações substanciais em termos ambientais: durante a maior parte da história da humanidade, calcula-se que apenas existissem cerca de dez milhões de pessoas habitando o nosso planeta. Hoje aproximamo-nos rapidamente dos seis biliões e a tendência é
para quadruplicar a cada setenta anos (Veitch e Arkklin, 1995, p. 230);
segundo dados oficiais das Nações Unidas, os países em desenvolvimento
são responsáveis por 95% do crescimento demográfico mundial, o que
implicará necessariamente profundas transformações económicas, sociais
e ambientais, em particular nos estilos de vida. Os problemas que irão
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surgir provocarão, concerteza, alterações ambientais, o que, citando Corraliza (1997), levarão a que a humanidade enfrente enormes problemas. A
psicologia, face a esta problemática, tentou superar as deficiências de
conhecimento e alterar os seus paradigmas e preocupou-se em unificar
abordagens que estavam tradicionalmente separadas sobre as questões
ambientais, como por exemplo, o cognitivismo e o comportamentalismo.
A psicologia ambiental formou-se, então, a partir de duas correntes teóricas, uma externa à psicologia e outra interna. Segundo Bechtel, Craik e
Stokols (1996), considerar essa dupla natureza era fundamental para a
compreensão das dificuldades sentidas em encontrar uma unidade teórica,
uma vez que, desde o início, as influências dessas duas correntes se intercruzaram e combinaram esforços de cariz tanto teórico como prático. No
que respeita à vertente externa, podem-se identificar várias tendências
provenientes da influência de disciplinas como a Arquitectura, a Geografia e a Bio-Ecologia. Uma parte da corrente Gestaltista (Psicologia da
Percepção) e da Psicologia Social, embora seja por vezes incluída a teoria
ecológica (James Gibson), é devida à ênfase posta no papel exercido
pelos factores físicos do ambiente. Esta corrente recebe posteriormente a
influência de Egon Brunswik, cuja influência foi notória na formação da
Psicologia Ecológica (Ökopsychologie em alemão e Environmental Psychology em inglês) de Roger Garlock Barker (1986). Apesar de serem
recentes estes esforços, conceitos como ecossistema e ecologia fazem já
parte do vocabulário científico do século XIX.
Com as suas aplicações aos «factores humanos», a Psicologia Experimental alargou de forma positiva a sua participação na indústria e nos
serviços, permitindo, posteriormente, a autonomização da Psicologia
Social. Esta expandiu-se de forma acelerada, em particular no que respeita ao estudo da formação e mudança de atitudes, dos processos e técnicas relativas aos pequenos grupos e aos conflitos inter-grupais. Foi
neste período que Kurt Lewin (1947) e alguns dos seus alunos, como
Morton Deutsch (1951), Leon Festinger (1957), Stanley Schachter (1951,
1954), Roger Barker e Wright (1954) e Barker (1968), começaram a aplicar a concepção da teoria de campo nas suas pesquisas subordinadas aos
mais diversos problemas de índole social. Na origem do pensamento de
Lewin encontra-se a ideia de que a investigação social podia e devia ser
aplicada a problemas concretos, tendo aquela, por isso, que ocorrer no
mundo real. Não podemos deixar de considerar a importância que alguns
sociólogos eminentes merecem, nomeadamente os fundadores da Escola
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de Chicago (R. Erza Park, Ernest Burgess e Louis Wirth), ao transporem
as suas preocupações científicas para a realidade quotidiana, em particular as referências às problemáticas urbanas.
No seguimento das ideias de Lewin e colaboradores, Urie Bronfenbrenner (1979) desenvolveu o conceito de ecologia do desenvolvimento
humano, tendo criado um enfoque psicossocial, cuja notoriedade ultrapassou os limites dos estudos sobre desenvolvimento humano, dado que
enfatizou os processos causais bidireccionais entre os indivíduos e o meio
ambiente. No entanto, o laboratório não foi excluído como local para o
desenvolvimento de teorias mais abstractas e generalistas. Embora tenha
sido um período extremamente fértil, durante o qual o campo teórico se
foi alargando, aumentaram também os problemas devido à validade das
premissas envolvidas na pesquisa laboratorial. Estas premissas simplificavam o mundo real, não apenas pela sua quase exclusiva preocupação
com os sujeitos experimentais (alunos universitários), mas também porque assumiam a existência de indicadores de atitudes e comportamentos
sociais simplificados. Como se disse anteriormente, a inexistência de um
corpo teórico fundamentado, que permitisse aos psicólogos resolver problemas sociais concretos (insucesso escolar, pobreza, preconceitos
raciais) com os quais eram confrontados, originou algum cepticismo por
parte daqueles. Aspectos como o excesso populacional, a territorialidade,
o espaço pessoal, a aprendizagem e a competência ambiental, tinham até
aquela altura sido ignorados. Foram estas questões que originaram a
emergência da Psicologia Ambiental. Os protestos esporádicos e relativamente ineficazes de grupos ecologistas que se preocupavam fundamentalmente com a protecção dos espaços naturais, deram origem, a partir dos anos sessenta do século passado, a um novo movimento, mais
entusiástico, que alargou as suas preocupações aos espaços urbanos, ao
controlo populacional, ao uso de energias alternativas, à poluição atmosférica, sonora, da água e às catástrofes ambientais. Este movimento
ambientalista, que começou associado aos grupos conservacionistas,
promoveu a criação das primeiras áreas naturais protegidas nos Estados
Unidos da América e depois alastrou-se à Europa. Estas novas preocupações criaram uma nova e crescente consciencialização face à qualidade da
vida urbana (liberdade individual e de escolha, expressão estética) ultrapassando a mera questão de sobrevivência. Aparecem nesta década grupos ambientalistas como o Greenpeace (1971), é celebrado pela primeira
vez o Dia da Terra (1970), é publicado em 1972 o livro Os Limites do
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Crescimento e na Comunidade Europeia dá-se a primeira discussão sobre
o ambiente, tendo sido publicada as respectivas Actas do 1º Programa de
Acção sobre o Ambiente. Finalmente realizou-se em Estocolmo a 1ª Conferência das Nações Unidas sobre o ambiente, com a participação de
numerosos países, entre os quais Portugal e foi de primordial importância
o aparecimento do Clube de Roma.
Estas posições originaram que uma parte substancial de investigadores (psicólogos, sociólogos, ecologistas, economistas), mas também
governantes, tivessem uma visão interdisciplinar e integrada que lhes
permitisse dar uma resposta concreta a todos estes problemas, muito em
particular a partir dos anos setenta, embora, segundo Stokols (1978) e Pol
(1993), a maioria dos estudos realizados até esta data apenas dizia respeito à influência do ambiente sobre os indivíduos. A reciprocidade das
inter-relações pessoa-ambiente sempre esteve presente no espírito dos
investigadores e esta preocupação será motivo de investigação cerca de
uma década depois. Desta forma, a abordagem científica da interdependência entre o homem e o ambiente chega finalmente às ciências sociais,
através do conceito de ecologia social, pertença tanto do interesse da
sociologia como da psicologia. Como é evidente, nos contextos que acabámos de descrever, era inevitável a emergência e o desenvolvimento da
Psicologia Ambiental como um novo campo científico, onde a integração
do esforço interdisciplinar, de conceitos e teorias, com base em pesquisa
empírica, nos mais variados níveis de organização societal, toma forma
definitiva a partir dos anos oitenta. Segundo Veitch e Arkklin (1995, p.
29), «a psicologia ambiental realiza, especialmente a partir da década de
80, um movimento em direcção a considerar mais enfaticamente a acção
dos indivíduos sobre os ambientes, assumindo mais integralmente a
interdependência sujeito-ambiente proposta na equação de Lewin. Assim,
a pessoa não reage somente aos ambientes, mas também os conforma,
actua neles em função de planos, objectivos, intenções, preferências e
expectativas». Nesta perspectiva, segundo Corraliza (1997), o mesmo
ambiente natural é fruto de ambições humanas, desejos, actos e atitudes.
São exactamente estes problemas ambientais complexos a que a Psicologia do Ambiente se dedica, não se restringindo às relações entre indivíduos e grupos, mas também, e muito em particular, às relações que
estes estabelecem com o meio que os rodeia. Por este motivo, Levy-Leboyer e Duron (1991), referem nomeadamente que tendo em conta a
complexidade dos problemas humano-ambientais, a influência das mudan-
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ças globais e a degradação ambiental, a falta de concordância científica e
o tipo de riscos envolvidos, é necessário que conheçamos melhor as
reacções humanas face a um sério perigo envolvido em grau de incerteza.
Por isso, Altman (1975) e Stokols (1995) afirmam ser necessário a procura de modelos explicativos integrados para o comportamento humano,
unindo conceptualmente noções como privacidade, territorialidade, espaço
pessoal e aglomeração.

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