A tarefa do tradutor. Sobre os caminhos e percalços de
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A tarefa do tradutor. Sobre os caminhos e percalços de
A tarefa do tradutor. Sobre os caminhos e percalços de traduzir Goethe Magali Moura, Fabiana Keller, Juliana Couto -UERJ Introdução Este trabalho é resultado de reflexões desenvolvidas ao longo do processo de elaboração de uma edição crítica dos dramas Götz von Berlichingen e Clavigo, de Goethe, em língua portuguesa, os quais, por sua vez, se inserem dentro de um projeto mais amplo, que é a tradução das peças do período do Sturm und Drang. A escolha dessas obras está firmada na importância das mesmas dentro desse movimento e em sua repercussão no cenário alemão da época em que foram escritas. A tarefa, que se encontra em andamento, é realizada por duas alunas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, participantes de um projeto de Iniciação Científica orientado pela Prof.ª Dr.ª Magali dos Santos Moura e fomentado pelos órgãos CNPQ, FAPERJ e SR2-UERJ. O método escolhido para o desenvolvimento do estudo é o cotejamento de edições em outras línguas, a saber, espanhol, inglês, português lusitano e brasileiro e francês, almejando manter a maior fidelidade possível ao texto original. Neste artigo, são explicitados os percalços inerentes ao processo tradutório, tais como, a tarefa de buscar elementos que se configuraram como ferramentas para a tradução, seleção de textos teóricos que orientarão na elaboração de notas e comentários para as versões em língua portuguesa e em língua alemã, bem como a descrição do método empregado, detalhando os elementos facilitadores e os empecilhos encontrados durante o processo de tradução. Goethe e o Sturm und Drang Goethe encontra-se entre os maiores nomes da Literatura Alemã, sendo, inclusive, seu maior expoente. O escritor influenciou inúmeros artistas, como, por exemplo, o renomado literato Friedrich Schiller. Sua obra inclui poesias líricas, épicas e baladas, além de contos, romances e obras autobiográficas. A carreira como autor 1 começou por um estilo raramente empregado por ele posteriormente – uma comédia, intitulada Die Mitschuldigen (Os Cúmplices). Entretanto, foi com a publicação de Götz von Berlichingen que Goethe se firmou no cenário literário alemão. Sua produção abrange desde o subjetivismo extremado do movimento Sturm und Drang até a consciência harmônica do classicismo. O Sturm und Drang surgiu na Alemanha do século XVIII como um importante movimento literário cujo intento era romper com as influências estrangeiras, fazendo surgir uma literatura de cunho nacional. Em sua primeira fase, destacam-se Christian Fürchtegott Gellert, Friedrich Gottlieb Klopstock – autor do poema épico religioso Messias – e Christoph Martin Wieland, entre outros. Com Johann Gottfried Herder, iniciou-se uma das fases mais importantes da literatura alemã. Inspirado pelo teatro expressivo de Shakespeare e na pseudopoesia épica de James Macpherson, Ossian, Herder, impulsionado também pela obra teatral de Friedrich Maximiliam von Klinger, criou as bases do estilo de época cujo significado literal é Tempestade e Ímpeto, e era esse mesmo o objetivo do movimento, que a literatura e a arte causassem um impacto imediato e poderoso. Que fosse vigorosa, selvagem, primitiva e espontânea, e acima de tudo, diferente do lirismo métrico que imperava na poesia da época. O Sturm und Drang foi consequência de um movimento anterior, a Aufklärung. Este, influenciado pela Ilustração francesa, é mais bem caracterizado em português através do termo Esclarecimento, o qual é devidamente desenvolvido no famoso texto do filósofo alemão Immanuel Kant intitulado Resposta à pergunta: O que é Esclarecimento? Na Aufklärung, acreditava-se que o homem somente se afirmava como sujeito ao exercitar sua razão – como na célebre frase de Descartes: “Penso, logo existo”. Tal pensamento ocasionou uma exploração exaustiva da ideia de razão, pois se acreditava que este seria o maior bem que um ser humano poderia possuir e, portanto, outras características inerentes à condição humana, como as emoções, por exemplo, eram marginalizadas. Com o surgimento do Sturm und Drang, as ideias desenvolvidas pela geração anterior não foram de todo renegadas, mas a exploração desmedida da razão foi duramente criticada. De acordo com o pensamento dos participantes da primeira fase desse movimento, o homem passou a ser tido como um ser constituído tanto de razão quanto de emoção, sendo que um conceito não se sobrepunha ao outro, pelo contrário, deveria haver um equilíbrio entre eles. Não houve uma ordem cronológica para que a Aufklärung deixasse de existir e abrisse caminho para o nascimento do Sturm und Drang. Obras de variados movimentos foram publicadas na 2 mesma época. Assim, no ano de 1779, vieram a lume Nathan, o sábio (Nathan der Weise) de Gothold Ephraim Lessing, tido como o ápice da Aufklärung, e a primeira versão da obra classicista de Goethe, Iphigenia de Tauris (Iphigenie auf Tauris), sendo que, dois anos mais tarde, foi publicado um grande drama do Sturm und Drang, Os Bandoleiros (Die Räuber), de Friedrich Schiller. Essas informações comprovam que ideologias de distintos movimentos coexistiram na Alemanha da época, pois a Aufklärung surgiu em 1720 e findou em 1785, enquanto o Sturm und Drang teve início em 1767 e terminou entre 1785 e 1790. Nesse último estilo de época, surge o conceito de gênio. Segundo Kant, essa palavra “denota o espírito humano, o que foi concedido ao homem a partir de seu nascimento, e desta fonte brotam as ideias que lhe ocorrem ao longo da vida” (SANTANA, s.d.). A arte, então, se desprende das finalidades da Aufklärung. Não havia mais a necessidade de criar obras para “educar” as pessoas, os artistas alcançaram uma liberdade criativa. Os dramas, aos moldes dos de Lessing, tornaram-se dispensáveis, pois o pensamento em voga não era mais aquele que defendia a ideia de um homem que se afirmava somente ao utilizar sua razão, as paixões existiam e não poderiam ser rejeitadas. Os artistas desprenderam-se, então, das amarras da arte pedagógica. Duas importantes ideias do Sturm und Drang que confrontam claramente os princípios da Aufklärung são: a entrega às paixões pode ser sinal de força, não de fraqueza; e nenhum homem é livre de ser acometido por paixões, não importa o quão racional seja. O gênio, então, era o próprio artista, que possuía uma “força criadora” que o capacitava a produzir obras originais. Ao contrário da ênfase dada na Aufklärung à trindade “corpo, alma e espírito” (“Leib, Seele und Geist”), no Sturm und Drang, o coração passava a ser visto como o centro do gênio. O que justifica a defesa do pensar e sentir em vez de somente pensar e refletir. O coração do gênio era a morada de suas forças, valores e sentimentos. Essa acentuação da emoção não constituiu um movimento no qual os artistas se encerravam em suas “torres de marfim” e cultivavam, isolados, as belas letras. Os objetivos desses jovens eram a reflexão e a discussão a respeito da forma como a sociedade daquele período histórico se constituía, de modo que se constata que esse estilo de época não repudiava a razão, apenas rejeitava o extremismo, isto é, não se deveria priorizar razão ou emoção, mas equilibrá-las. Para tanto, a capacidade engenhosa era de vital importância. Os “heróis” do Sturm und Drang não foram criados para servir de parâmetro moral, mas para que o comportamento das personagens se aproximasse do 3 comportamento do homem comum e para que o público reconhecesse neles o seu próprio modo de agir e seu cotidiano, nisto consiste a importância do movimento e a influência exercida na formação da modernidade. Esse estilo de época não só influenciou a arte e a literatura de seu tempo, como também a formação das vanguardas, impregnando com seus ideais os séculos XIX e XX. O Expressionismo, vanguarda artística em voga na Alemanha durante a República de Weimar, na década de 1920, propunha, a exemplo do Sturm und Drang, um resgate dos impulsos primitivos da emoção que resultasse num contato direto entre o espectador e o impulso criativo gerador da obra. O processo de tradução A escolha dessas obras está firmada em sua importância dentro do movimento conhecido como Sturm und Drang e em sua repercussão no cenário alemão da época em que foram escritas. O processo tradutório proposto inclui também a análise do período histórico, a observação da intertextualidade, característica tão presente nos textos de Goethe e no uso da língua como processo de valorização do povo. Os principais objetivos desta pesquisa são desenvolver as habilidades de tradutor e pesquisador nas alunas-pesquisadoras a partir dos conhecimentos adquiridos acerca da língua e literatura alemãs e apresentar ao público brasileiro versões críticas e de estudo de obras do período de juventude do mais importante escritor alemão. É preciso acrescentar que o público-alvo deste trabalho não se restringe unicamente aos estudiosos de Germanística, mas estende-se ao público brasileiro em geral, pois este projeto também visa aproximar da Época de Goethe – em que grandes pensadores e literatos se encontravam em plena atividade – a parcela do público brasileiro que não possui conhecimentos de língua alemã, pois, até o presente momento, importantes textos críticos e literários permanecem sem traduções em português brasileiro. Götz von Berlichingen foi o primeiro drama de grande repercussão do autor alemão e, no entanto, permanece pouco conhecido no Brasil, bem como Clavigo e outras obras que farão parte deste projeto. A tradução e a edição crítica dessas obras culminarão na inserção de nosso país na esfera de países com edições críticas em língua nativa e contribuirá para que continuemos adentrando no campo de independência 4 intelectual, cooperando de modo eficaz para o debate de ideias de forma democrática, independente da necessidade de conhecimento de outras línguas para que se possa preencher a lacuna existente no acesso a obras seminais em língua portuguesa. Em Götz, Goethe se mostra em plena maturidade dramática, laçando-se com força ao grande estilo trágico, criando personagens de uma diversa e rica humanidade. Entenda-se por maturidade dramática o fato de o escritor ter atingido um grau de densidade em sua obra que não havia alcançado até então e que o projetou como um importante autor de dramas. A estonteante sucessão de cenas põe-se a serviço de um realismo literário absolutamente novo, que reveste a ação de um dinamismo extraordinário e que retrata tanto personagens da nobreza quanto das camadas plebeias e camponesas. O drama não só resgatava o passado histórico germânico, como também – assim como a tradução da Bíblia por Lutero – reafirmava a língua do país. Götz von Berlichingen é, de fato, representante do herói feudal alemão dos tempos imperiais, bem como do herói universal de todos os tempos. A tradução dessa peça, rica em fatos históricos e de linguagem cuidadosamente selecionada, configurou-se em um grande desafio. Em particular, as características linguísticas escolhidas pelo autor para escrever seu drama fizeram deste um trabalho árduo. Goethe, em reação à linguagem pomposa e nobre da tragédia clássica, construiu suas personagens de modo que as falas se aproximassem da realidade e soassem familiares. Ao fazer uso quer de expressões do século XVI, quer de termos populares e bíblicos, ou ainda de termos jurídicos, por exemplo, ele conseguiu dar grande vivacidade à sua trama. Alguns aspectos importantes do texto de Goethe em “Götz von Berlichingen”: Gramática: Os aspectos gramaticais da peça trazem em si as características da linguagem popular como, por exemplo, o uso de elisões e contrações verbais: ich komm (= ich komme), stehn (= stehen), leucht (= leuchtet); o uso de formas arcaicas, como stund (= stand), meß (= miß), beutst (= bietest) ou ainda o emprego da locução arcaica auf daß, bem como o emprego de wann em lugar de wenn. Vocabulário: O uso de termos regionais ou arcaicos: schmeißen (= werfen), geleiten (= begleiten) ou Teutschland (= Deutschland); de termos franceses: Kompanie, sondieren, impertinent; locuções populares: sich hinaus scheren (= bater em retirada), es frißt mich am Herzen (= corrói-me o coração); locuções e termos bíblicos: “O Ihr 5 Ungläubigen! Immer Zeichen und Wunden!” (= Oh, vós incrédulos! Sempre buscando sinais e maravilhas!) e “... du wirst mit mir in die Grube fallen.” (= ...irás comigo para a cova!), além das elipses que ocorrem frequentemente, sobretudo na presença de um advérbio de movimento, como no caso das cenas de combate (por exemplo, herausgeführt, que constitui toda uma proposta (= sie wurden herausgeführt)) também fazem parte da riqueza vocabular e das dificuldades do processo de tradução desse drama. Contudo, essas não foram as principais dificuldades. Para que este trabalho fosse realizado, a escolha dos dicionários e de outros materiais com que se iria trabalhar também foi de extrema importância. Logo no primeiro ato, uma pequena palavra fez com que o processo de tradução ficasse interrompido até que todas as pesquisas fossem feitas para adequar a tradução ao sentido real da frase. A expressão “Schwerenot”, sem tradução exata para o português, fez com que fosse necessária a comparação com outras traduções – método escolhido neste caso em particular – para tentar a aproximação do sentido do texto. O resultado encontrado foi: em inglês: Zounds! (contração de “God’s wounds” – pelas chagas de Cristo!); em francês: mille tonnerres! (com mil trovões!); em espanhol: ¡Mil truenos! (Mil trovões!) e em português de Portugal: “com mil diabos!”. Em português brasileiro optou-se pelo uso da expressão “Com mil demônios”. O fato de o drama já ter sido traduzido para o português lusitano não foi um agente facilitador do processo de tradução, já que uma parcela dos termos utilizados pelo tradutor não fazem parte do vocabulário brasileiro ou não são de uso frequente como, por exemplo, a expressão “acepipe inesperado”, que também aparece logo no primeiro ato. Acepipe, segundo o dicionário Michaelis, significa: sm (ár. az-zibîb) Guisado bem feito, guloseima, iguaria delicada e apetitosa, petisco, pitéu. Na tradução, optou-se por “dádiva de Deus”. A expressão “manjar dos deuses” também poderia ter sido usada. Ainda objetivando aproximar o público brasileiro das obras de Goethe, o drama Clavigo, denominado por muitos como uma “tragédia da alma”, também está sendo traduzido. Nessa peça, o escritor criou um protagonista conflituoso, influenciável e indefinível, isto é, nenhum padrão de comportamento a ser seguido. Este personagem não é um herói de excepcionais qualidades, pelo contrário, é um homem bastante comum e, em alguns momentos, até mesmo ordinário. O autor apresenta um texto livre das amarras pedagógicas da Aufklärung, no qual seus personagens estão à mercê de suas 6 razões e sensações e se esforçam para vencer seus conflitos. Observa-se na tragédia, portanto, um conflito crucial da literatura alemã: o abandono do extremo racionalismo da Aufklärung e a tentativa dos adeptos do movimento Sturm und Drang de equilibrar razão e paixões. É importante destacar que o processo de pesquisa de fontes teóricas e de edições das obras trabalhadas para realizar o cotejamento e a tradução propriamente dita foram concluídos. A pesquisa encontra-se em fase de revisão das traduções e leitura de textos teóricos com a finalidade de reunir materiais para a elaboração das edições críticas. Ao adquirir experiências práticas em relação ao processo tradutório, as alunaspesquisadoras tiveram a oportunidade de entrar em contato com técnicas de tradução e desenvolver as suas próprias, como, por exemplo, a tarefa de realizar suas traduções para, somente então, recorrer ao cotejamento. Esse método tem como finalidade evitar a “contaminação” por ideias alheias, pois se objetivou manter a maior fidelidade possível aos originais. A comparação com outras traduções, portanto, figurou como um facilitador do processo, dado que, ao encontrar dificuldades para traduzir determinados termos, a observação do trabalho de outros tradutores possibilitou o encontro do mais adequado. A escolha do material de apoio de ambas as traduções, tais como dicionários, recursos da web e digitais representou também um papel importantíssimo nesse processo. Os dicionários utilizados foram o Langenscheidt, o Dicionário de sinônimos, de Antenor Nascentes, o Dicionário Analógico da Língua Portuguesa – Ideias afins / thesaurus, de Francisco Ferreira dos Santos Azevedo, além dos dicionários online Michaelis, Priberam, o Deutsches Wörterbuch, de Jacob Grimm e Wilhelm Grimm, o TransDEPT e o programa Aulete Digital. A ferramenta de tradução do Google também se mostrou muito útil nas línguas francesa e espanhola, no entanto, exigiu maior cuidado e atenção, sendo utilizada somente para a compreensão geral dos textos e não como tradutor. Os livros teóricos utilizados para a pesquisa foram: “Obras Completas de Johann W. Goethe – Tomo III”, que traz uma ideia geral sobre as peças e seus personagens, o “Königs Erläuterungen und Materialien – Band 8”, que, além de uma curta biografia sobre o autor, traz a análise e a interpretação de Götz von Berlichingen e, por fim, os livros “Geschichtliche Hintergründe zu Götz von Berlichingen”, que explica resumidamente a situação histórica da peça, conta um pouco sobre a personagem principal e traz uma linha do tempo que, durante a tradução, mostrou-se muito útil, pois 7 faz transparecer a intensa pesquisa que o autor teve que fazer para escrever seu livro, e Goethes Clavigo, Erläuterung und literarhistorische Würdigung, que discorre sobre aspectos relativos à estrutura e ao conteúdo da trama, o que possibilitou à alunatradutora uma visão mais contextualizada da obra. O processo de tradução de Clavigo foi árduo, como toda tarefa dessa natureza, mas sem dificuldades excepcionais. A linguagem empregada por Goethe na obra não é extraordinariamente complexa, o que possibilitou que sua tradução fosse realizada por uma aluna de graduação com nível B1 de proficiência em língua alemã. Alguns termos, obviamente, necessitaram maior atenção por parte da tradutora, pois, como dito anteriormente, o objetivo era manter a fidelidade em relação ao texto original. Pode-se destacar como exemplo desse aspecto a tradução da palavra Klugheit, presente na seguinte fala de Saint George: “Ja diese Klugheit, alles, mein Freund, was Sie jemals von Überlegung bewiesen haben, nehm ich in Anspruch.” (GOETHE 1774) Houve uma reflexão por parte da aluna-pesquisadora e da orientadora durante o processo de revisão, para decidir se o termo em língua portuguesa mais adequado seria “esperteza”, “inteligência” ou “sensatez”. Após uma demorada análise das possibilidades, julgou-se que o último termo seria o mais apropriado para o contexto. A tradução, portanto, foi elaborada do seguinte modo: “Sim, esta sensatez, meu amigo, evoco tudo que outrora demonstrastes como prudência.” (idem) É importante acrescentar que não se buscou transpor palavra por palavra do idioma alemão para a língua portuguesa, já que a tarefa de tradução não se limita ao nível linguístico, pois critérios como a inteligibilidade da tradução perante a cultura que a lerá se mostrou como um fator vital a ser considerado por um tradutor. Portanto, o fato de não traduzir determinadas expressões idiomáticas de maneira literal, visando a manter a coerência das obras em português brasileiro pode ser interpretado como uma tentativa de manter uma proximidade entre os conteúdos do original e da tradução, já que não ignoramos o fato de o processo tradutório estar intrinsecamente ligado ao momento histórico no qual a tradução se realiza e à ideia de tradução que o tradutor possui. Esta questão é comentada por Rosemary Arrojo em Oficina de tradução: Assim, ainda que um tradutor conseguisse chegar a uma repetição total de um determinado texto, sua tradução não recuperaria nunca a totalidade do “original”; revelaria, inevitavelmente, uma leitura, uma interpretação desse texto que, por sua vez, será, sempre, apenas lido e interpretado, e nunca totalmente decifrado ou controlado. (ARROJO 1997: 22) 8 É possível perceber, portanto, que o tradutor deixa muito de si em suas traduções. Por esse motivo, não é raro constatar que a mesma obra pode ser traduzida e interpretada de distintas maneiras por distintos tradutores e leitores. Cada tradução carrega singularidades específicas. Longe de querer traduzir palavra por palavra dos textos de Goethe, o que se procurou foi manter a fluência e a naturalidade das obras originais, tendo a consciência de que muito ainda há para ser feito para se atingir um bom nível de tradução e para que as traduções sejam agradáveis para quem as desejar ler. Considerações finais O desempenho do papel de tradutora representou uma experiência árdua e única para as orientandas, além de lhes ter proporcionado a aproximação e a utilização de todo o aprendizado da língua alemã. Contudo, este é ainda um trabalho inacabado, pois, há um longo caminho a ser percorrido até que todo o projeto de tradução com notas de Götz von Berlichingen, Clavigo e outras peças do jovem Goethe esteja completo. O processo de tradução das obras seminais de Goethe não poderia ficar somente no âmbito da tradução em si, literal e impessoal. A leitura de textos teóricos que versam sobre os dramas influenciou diretamente a maneira como eles foram traduzidos. Na esperança de que este trabalho venha, futuramente, a corroborar para o enriquecimento literário do público brasileiro em geral, há todo um esforço por parte das envolvidas no projeto a fim de que este possa ter continuidade e visibilidade não somente no âmbito acadêmico, mas no meio literário em geral. Referências bibliográficas ARROJO, Rosemary. Oficina de Tradução - A teoria na prática. São Paulo: Ed. Ática, 3ª ed., 1997. BERNHARDT, Rüdiger. Königs Erläuterungen und Materialien - Erläuterungen zu Johann Wolfgang von Goethe - Götz von Berlichingen. Hollfeld: C. Bange Verlag, 5ª ed., 2010. 9 GREMPLER, Georg. Goethes Clavigo, Erläuterung und literarhistorische Würdigung. Halle a. S.: Verlag von May Niemeyer, 1911. Disponível em: http://www.archive.org/details/goethesclavigoer00gremuoft, acesso em 22/08/2010. JORGENSEN, Sven-Aage; BOHNEN, Klaus & OHRGAARD, Per. “Aufklärung, Sturm und Drang, frühe Klassik 1740-1789”. In: Boor, Helmut de & Newald, Richard (org.). 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