A Teoria da Probabilidade, segundo Borel, para sucess˜oes de

Transcrição

A Teoria da Probabilidade, segundo Borel, para sucess˜oes de
Capı́tulo 1
A Teoria da Probabilidade,
segundo Borel, para sucessões de
Bernoulli
Nous voici suffisament armés pour resoudre ”mathématiquement”le
problème da la capture du lion [. . . ] partageons le Sahara en deux: le
lion se trouvera certainement sur une des deux parties ainsi ob- tenues
[. . . ] . Considérons maintenant le demi-Sahara ainsi obtenu. Partageons-le en deux: notre lion se trouvera à coup sûr dans une des deux
moitiés. En continuant à procéder ainsi, nous obtenons des surfaces
emboı̂tées les unes dans les autres [. . . ] nous sommes sûrs de tenir le
lion.
In R. Péter, Jeux avec l’infini, p. 256
1.1
A representação binária dos números de [0, 1]
Consideremos o seguinte problema: como localizar um dado número x do intervalo ]0, 1]?
Uma ideia inspirada no algoritmo da caça ao leão no deserto do Saara é a seguinte. Na
primeira etapa, consideramos a partição do intervalo ]0, 1] em dois intervalos de igual
comprimento:
1
1
]0, 1] =]0, ] ∪ ] , 1] .
2
2
Seja α1 o código para o resultado da primeira etapa, definido da forma seguinte:
(
0 se x ∈]0, 12 ]
α1 = α1 (x) :=
1 se x ∈] 21 , 1] .
Na segunda etapa consideramos duas possibilidades e a ambas aplicamos o processo aplicado na primeira etapa. Na primeira possibilidade supomos que x ∈]0, 12 ] e consideramos
Capı́tulo 1
uma nova partição:
1 1
1
1
]0, ] =]0, 2 ]∪] 2 , ] ,
2
2
2 2
dando origem a um código α2 para o resultado da primeira possibilidade da segunda
etapa definido por:
(
0 se x ∈]0, 212 ]
α2 = α2 (x) :=
1 se x ∈] 212 , 12 ] .
Na segunda possibilidade, x ∈] 12 , 1] consideramos a partição:
1
2 3
3
] , 1] =] 2 , 2 ] ∪ ] 2 , 1]
2
2 2
2
e claro está, o código correspondente para esta segunda possibilidade:
(
0 se x ∈] 222 , 232 ]
α2 = α2 (x) :=
1 se x ∈] 232 , 1] .
Ou seja e em resumo para as duas posibilidades da segunda etapa α2 (x):
(
0 se x ∈]0, 212 ] ∪ ] 222 , 232 ]
α2 = α2 (x) :=
1 se x ∈] 212 , 12 ] ∪ ] 232 , 1] .
Exercı́cio 1. Considere um número x ∈]0, 1] arbitrário dado.
1. Represente graficamente as duas etapas do processo de codificação da posição de x que descrevemos
acima.
2. Detalhe todas as possibilidades da terceira etapa no processo que iniciámos acima, após ter efectuado uma representação gráfica dessa terceira etapa.
3. Procure dar a forma de αn para um dado n ∈ N∗ arbitrário.
Podemos aceitar agora que é válido o seguinte resultado.
Proposição 1. Dado x ∈]0, 1] existe uma sucessão (αn )n∈N∗ tal que:
(
n−1 − 1 ,
0 se x ∈] 22pn , 2p+1
2n ] p = 0, . . . , 2
αn = αn (x) :=
2p+2
n−1 − 1 .
1 se x ∈] 2p+1
2n , 2n ] p = 0, . . . 2
(1.1)
Demonstração. A demonstração é um exercı́cio que o leitor deve realizar, por exemplo,
pelo método de indução.
Observação 1. Note-se que, para cada n ∈ N∗ fica assim definida uma correspondência
que a cada x ∈]0, 1] associa αn (x) ∈ {0, 1}.
2
A Teoria da Probabilidade, segundo Borel, para sucessões de Bernoulli
Exercı́cio 2. Mostre que a correspondência x 7−→ αn (x) definida na fórmula 1.1 é uma aplicação de
]0, 1] em {0, 1}.
A questão que podemos colocar agora é a de saber até que ponto é que a sucessão
(αn )n∈N∗ , em que αn ∈ {0, 1}, permite localizar sem qualquer ambiguidade o ponto x.
Uma primeira ideia natural é a que decorre da observação que o ponto x pertence a uma
sucessão de intervalos encaixados, (In (x))n∈N∗ que foram sendo construı́dos pelas etapas
descritas acima e que tem as seguintes propriedades.
1. ∀n ∈ N∗ x ∈ In (x)
2. ∀n ∈ N∗ ∃m ∈ {0, . . . , 2n − 1} In (x) =] 2mn , m+1
2n ]
2m 2m+1
2m+1 2m+2
3. ∀n ∈ N∗ In (x) =] 2mn , m+1
2n ] ⇒ In+1 (x) =] 2n+1 , 2n+1 ] ∨ In+1 (x) =] 2n+1 , 2n+1 ] .
Exercı́cio 3. Seja, por definição tal como acima, In (x) o único intervalo da partição de ]0, 1] em 2n
intervalos iguais de comprimento 1/2n , definidos para cada n ∈ N∗ , ao qual x pertence.
1. Mostre que se verificam, de facto, as propriedades indicadas acima.
2. Mostre que se tem:
\
In (x) = {x} .
n∈N∗
O exercı́cio anterior dá, de facto, uma primeira resposta ao problema da localização
do número x. Uma segunda ideia consiste em representar o ponto x como limite de uma
sucessão de números dados a partir do algoritmo que estudámos, por exemplo como
limite da sucessão das extremidades inferiores (ou superiores) dos intervalos In (x). Pela
fórmula 1.1 sabemos que se para um dado m ∈ {0, . . . , 2n−1 } se tiver x ∈]m/2n , (m +
1)/2n ] então αn (x) é igual a 0 ou a 1 consoante m seja par ou ı́mpar. A nossa segunda
ideia consiste então em definir nestas condições, sn = sn (x) := m/2n . Naturalmente
sabemos que a sucessão (sn )n∈N∗ assim definida é convergente para x.
Exercı́cio 4. Justifique que, com a definição que acabámos de fazer, se tem que:
∀n ∈ N∗ sn < x ≤ sn +
1
2n
e conclua que então:
lim sn = x .
n→+∞
Podemos tornar mais preciso o que sabemos sobre sn se observarmos que, como:
]
m m+1
2m 2m + 1
2m + 1 2m + 2
,
] =] n+1 , n+1 ] ∪ ] n+1 , n+1 ] ,
n
n
2
2
2
2
2
2
se for sn = m/2n então, pela definição, ou se tem sn+1 = 2m/2n+1 ou se tem sn+1 =
(2m + 1)/2n+1 . Suponhamos que nos é dado s1 = α1 /2; sabemos, então, que α1 = 0 se
3
Capı́tulo 1
x ∈]0, 1/2] e α1 = 1 se x ∈]1/2, 1]. Pela observação que fizémos sabemos que s2 = 2α1 /22
ou s2 = (2α1 + 1)/22 . Temos pois que:
s2 =
α1
2α1 + 2
2
=
+ 2 , 2 ∈ {0, 1} ,
2
2
2
2
em que 2 = 1 se e só se, com as notações do processo de codificação que empregámos
acima, α2 = 1 pelo que:
α1 α2
s2 =
+ 2 .
2
2
À terceira etapa teremos que: s3 = 22 α1 /23 ou s3 = (22 α1 + 1)/23 pela primeira hipótese
ou s3 = (22 α1 + 2)/23 ou s3 = (22 α1 + 2 + 1)/23 , isto é, temos em geral que:
s3 =
22 α1 + 22 + 3
, 2 , 3 ∈ {0, 1} ,
23
em que 2 = 1 quando s2 = (2α1 + 1)/22 isto é quando e só quando, com as notações do
processo de codificação que empregámos acima, α2 = 1 sendo pois possı́vel escrever:
s3 =
22 α1 + 2α2 + 3
α1 α2
3
=
+ 2 + 3 , 3 ∈ {0, 1} .
3
2
2
2
2
Uns momentos de reflexão, recorrendo à fórmula 1.1 e eventualmente também à figura
que foi desenhada no exercı́cio 1 permitem-nos concluir que, de facto,:
s3 =
α1 α2 α3
+ 2 + 3 .
2
2
2
Podemos agora sumariar o que sabemos sobre os desenvolvimentos binários de um
dado número do intervalo ]0, 1] na seguinte proposição.
Proposição 2. Seja x ∈]0, 1] e a sucessão (αn )n∈N∗ definida pela proposição 1.
Então verifica-se que:
x=
+∞
X
αn (x)
n=1
2n
= lim
n→+∞
α
1
2
+
α2
αn +
·
·
·
+
.
22
2n
Demonstração. Suponha-se que para um dado qualquer∈ N∗ se tem:
sn =
α1 α2
αn
2n−1 α1 + 2n−2 α2 + · · · + αn
+ 2 + ··· + n =
.
2
2
2
2n
Por construção sabemos que:
x ∈ In (x) =]sn , sn +
4
1
].
2n
(1.2)
A Teoria da Probabilidade, segundo Borel, para sucessões de Bernoulli
Como se tem que
]sn , sn +
1
1
1
1
] =]sn , sn + n+1 ]∪]sn + n+1 , sn + n ] ,
n
2
2
2
2
vem pela definição adoptada que, no caso em que x ∈]sn , sn +
sn+1 = sn =
1
],
2n+1
αn+1 = 0 e,
α1 α2
αn
0
2n α1 + 2n−1 α2 + · · · + 2αn
2sn
=
=
+ 2 + · · · + n + n+1 ,
n+1
2
2
2
2
2
2
e no caso em que x ∈]sn +
1
,s
2n+1 n
sn+1 = sn +
+
1
2n+1
1
2n ]
=
tem-se αn+1 = 1 e,
α1 α2
αn
1
+ 2 + · · · + n + n+1 .
2
2
2
2
Se atendermos agora ao exercı́cio 4 fica concluı́da a demonstração. Com efeito, dado que
para todo o x ∈]0.1] e para todo o n ∈ N∗ se tem que αn (x) ∈ {0, 1}, aplicando o critério
de Weierstrass à série de funções a termos não negativos que figura no enunciado, temos
que:
+∞
+∞
X
1 − ( 12 )n+1
αn (x) X 1
1
≤
=
·
lim
=1,
2n
2n
2 n→+∞ 1 − 12
n=1
n=1
ficando assim demonstrado que a série converge sempre.
∗
Definição 1. A uma sucessão (αn )n∈N∗ ∈ {0, 1}N , verificando para um dado
número x ∈]0, 1] a fórmula 1.2, chamamos desenvolvimento binário ou
diádico de x.
Observação 2. Seja x ∈]0, 1] e seja (αn )n∈N∗ um desenvolvimento binário de x. Usaremos,
por vezes, a notação seguinte
x = .α1 α2 α3 . . . αn . . .
em analogia com a representação usual de um número real pelo seu desenvolvimento
decimal.
Podemos de alguma forma dizer que fica assim resolvida o problema da existência
para o desenvolvimento binário de um número do intervalo ]0, 1]. Uma outra questão
natural é a da unicidade deste desenvolvimento. A proposição que apresentaremos seguidamente, após alguns exemplos, responde a esta questão.
Exercı́cio 5.
1. Considere x = 1/2 e a convenção sobre notação que fizémos na observação 2.
Mostre que:
1
.1000 . . . 0 · · · =
2
e que
1
.0111 . . . 1 · · · = .
2
5
Capı́tulo 1
2. Dê outros exemplos de números de ]0, 1] admitindo dois desenvolvimentos binários distintos.
3. Formule uma conjectura sobre a forma geral dos números que admitem dois desenvolvimentos
binários distintos. Por exemplo, pode dizer-se que todos os números racionais têm dois desenvolvimentos binários distintos? Porquê ?
Proposição 3. Seja x ∈]0, 1] e duas sucessões (βn )n∈N∗ e (γn )n∈N∗ , distintas,
verificando:
+∞
+∞
X
X
βn
γn
x=
e
x
=
.
n
2
2n
n=1
n=1
Necessariamente tem-se que:
∃n0 ∈ N∗ , ∃m0 ∈ {0, 1, . . . , 2n0 } x =
m0
.
2n0
Demonstração. A hipótese feita sobre as sucessões no enunciado, implica que para um
dado n ∈ N∗ se tem que βn 6= γn . Caso contrário as sucessões não seriam distintas.
Consideremos, pois, n0 o primeiro ı́ndice da sucessão verificando a condição βn 6= γn . É
possı́vel considerar o primeiro ı́ndice uma vez que o conjunto dos inteiros é bem ordenado
e por isso todo o subconjunto dos inteiros não vazio tem primeiro elemento. Observemos
que se tem:
+∞
+∞
+∞
X
βn X γn βn0 − γn0 X βn − γn 0 =| x − x |= −
≥
.
− 2n
2n 2n0
2n n=1
n=1
n=n0 +1
Dado que se tem (βn0 − γn0 )/2n0 = 1/2n0 virá necessariamente:
+∞
X
1
βn − γn = n0 ; ,
n
2
2
n=n0 +1
o que só pode acontecer se:
∀n ∈ N∗ , n ≥ n0 + 1 (βn = 1 ∧ γn = 0) ∨ (βn = 0 ∧ γn = 1) .
Em qualquer caso x tem a forma que consta no enunciado, dado que, por exemplo, na
primeira possibilidade acima:
γ1 γ2
γn
2n0 −1 γ1 + 2n0 −1 γ2 + · · · + γn0 −1 + γn0
+ 2 + · · · + n00 =
.
2
2
2
2n0
P
n
n0
e também, atendendo a que +∞
n=n0 +1 (1/2 ) = 1/2 ,
x=
x=
6
β1 β2
βn
1
2n0 −1 β1 + 2n0 −1 β2 + · · · + βn0 −1 + (βn0 + 1)
+ 2 + · · · + n00 + n0 +1 + · · · =
.
2
2
2
2
2n0
A Teoria da Probabilidade, segundo Borel, para sucessões de Bernoulli
Pode observar-se ainda, uma vez que β1 = γ1 , . . . , βn0 −1 = γn0 −1 e que:
2n0 −1 β1 + 2n0 −1 β2 + · · · + βn0 −1 + (βn0 + 1)
2n0 −1 γ1 + 2n0 −1 γ2 + · · · + γn0 −1 + γn0
=
,
2n0
2n0
se tem γn0 = βn0 + 1 e, finalmente, como γn0 , βn0 ∈ {0, 1} vem γn0 = 1 e βn0 = 0.
A proposição anterior e sobretudo a sua demonstração permitem-nos concluir quais
são, exactamente, os pontos do intervalo [0, 1] que têm dois desenvolvimentos binários
distintos.
Definição 2. Os pontos, do intervalo [0, 1], da forma x = m/2n para n ∈ N∗ e
m ∈ {0, 1, . . . , 2n } designam-se por números diádicos.
Os desenvolvimentos binários distintos de um número diádico distinguem-se porque
um deles tem zeros, e só zeros, a partir de uma certa ordem enquanto que o outro tem
uns, e só uns, a partir de uma certa ordem.
Definição 3. A um desenvolvimento binário (αn )n∈N∗ tal que:
∃n0 ∈ N∗ ∀n ∈ N∗ n > n0 ⇒ αn = 0 .
chamamos desenvolvimento binário degenerado. Todos os outros são desenvolvimentos binários não degenerados.
∗
Notação 1. O conjunto B := {0, 1}N é o conjunto das sucessões de Bernoulli.
O conjunto Bndeg ⊂ B é o conjunto das sucessões de Bernoulli não degeneradas
definido como o subconjunto das sucessões de Bernoulli que constituem desenvolvimentos
binários não degenerados.
O resultado importante seguinte sobre o conjunto B irá permitir-nos concluir sobre a
cardinalidade dos intervalos não triviais de R. Para facilitar as notações vamos introduzir
uma noção que poderá revelar-se útil noutros contextos.
Definição 4. O delta de Kronecker δnm é dado para cada n, m ∈ N∗ por:
(
1 se n = m
m
δn :=
(1.3)
0 se n =
6 m.
Proposição 4. O conjunto B é infinitoa e não é numerávelb .
a
Um conjunto é infinito se e só se pode ser posto em bijecção com um seu subconjunto
próprio; pode verificar-se que se um conjunto contem um subconjunto infinito então o conjunto
é também infinito.
b
Um conjunto é numerável se for finito ou se puder ser posto em bijecção com o conjunto
dos inteiros N.
7
Capı́tulo 1
Demonstração. Seja por definição para cada m ∈ N∗
am = (δ1m , δ2m , . . . , δnm , . . . ) .
É claro que am ∈ B e verifica-se imediatamente que para m, p ∈ N∗ se m 6= p então
am 6= ap . Como o conjunto {am : m ∈ N∗ } é infinito e está contido em B temos que B é
infinito. Para demonstar que B é não numerável vamos supor o contrário e deduzir uma
contradição usando o processo diagonal de Cantor. Suponhamos que B é numerável e
consideremos (b(m) )m∈N∗ uma enumeração de B Note-se que para cada m ∈ N∗ se tem
(m)
que b(m) = (bn )n∈N∗ . Seja agora por definição c = (cn )n∈N∗ definido para n ∈ N∗ por:
cn := 1 − b(n)
n .
(1.4)
Verifica-se imediatamente que, por construção c ∈ B. Pela definição da fórmula 1.4,
para todo o m ∈ N∗ tem-se que c 6= b(m) pelo que c ∈
/ B, o que é contraditório.
(m)
Exercı́cio 6. Disponha as sucessões (bn )n∈N∗ e c = (cn )n∈N∗ numa tabela e justifique a denominação,
processo diagonal de Cantor para o processo seguido na construção de c.
Exercı́cio 7. Mostre que a correspondência de ]0, 1] em Bndeg que a x associa o correspondente desenvolvimento binário não degenerado é uma aplicação bem definida que é bijectiva. Conclua que ]0, 1]
é infinito e não numerável.
Exercı́cio 8. Mostre que qualquer intervalo de R não vazio e não reduzido a um ponto é infinito e não
é numerável. Mostre que R é infinito e não é numerável.
1.2
O princı́pio de Borel
[. . . ] Nous [. . . ] porterons notre attention sur une fraction decimale de
10 chiffres après la virgule: a = 0, 3141592653. On peut se demander
quelle est la probabilité d’obtenir precisément ce nombre a en tirant au
sort successivement les divers chif- fres au moyen, par exemple, de
roues analogues à celles que l’on emploie pour le tirage au sort des
numéros gagnants d’une loterie.
In E. Borel, Probabilité et certitude, p. 65.
8
A Teoria da Probabilidade, segundo Borel, para sucessões de Bernoulli
1.2.1
Breve apresentação do modelo de Kolmogorov
Supomos que o leitor está familiarizado com as ideias e as técnicas elementares da teoria
das probabilidades. Estas ideias foram apresentadas a partir de modelos para fenómenos
simples que convém recordar agora. Por exemplo, foram estudados o modelo de Bernoulli
para o lançamento de uma moeda ao ar, o modelo binomial para o lançamento de um
número finito de moedas idênticas ao ar, o modelo de Pascal, para o lançamento de de
um dado, ou de um número finito de dados idênticos ao ar, etc. Estes modelos, para
os fenómenos que admitem a descrição simples em linguagem natural que acabámos
de fazer, foram estudados identificando-se, em cada caso ou exemplo, um ou vários
acontecimentos a que se procurava atribuı́r uma probabilidade a partir de hipótese de
regularidade e/ou simetria postuladas para o modelo.
Exemplos simples e o teorema de Stone
Tomemos por exemplo o modelo, a que chamaremos modelo binomial, para o lançamento
de um certo número n ∈ N∗ de moedas idênticas e equilibradas ao ar. Pode considerar-se
o mesmo modelo para n lançamentos independentes de uma moeda equilibrada ao ar.
O lançamento de uma moeda tem dois resultados possı́veis: cara e coroa. Se convencionarmos que o resultado cara é representado pelo algarismo um e o resultado coroa é
representado pelo algarismo zero então para representar um lançamento de um número
n de moedas idênticas e equilibradas ao ar podemos usar um n-uplo de {0, 1}n . Um
lançamento de um número n de moedas idênticas e equilibradas ao ar é encarado como
uma realização de um fenómeno e o conjunto
{0, 1}n = {0, 1} × · · · × {0, 1} = {(α1 , . . . , αn ) : ∀i ∈ {0, . . . , n} αi ∈ {0, 1}} ,
como a totalidade das realizações do fenómeno em estudo. Foram estudados problemas
tais como atribuir uma probabilidade a um acontecimento definido como subconjunto
de realizações do fenómeno. Por exemplo, considere-se o seguinte problema. Determine
a probabilidade do seguinte acontecimento a que chamará A: no lançamento só há uma
moeda com caras, todas as outras são coroas. Partindo do pressuposto que as moedas
são equilibradas tem-se que:
∀(α1 , . . . , αn ) ∈ {0, 1}n P [{(α1 , . . . , αn )}] =
1
.
2n
Como se tem:
A = {(1, 0, . . . , 0), (0, 1, . . . , 0), . . . (0, 0, . . . , 1)} ,
virá que P[A] = n/2n . O modelo para o estudo probabilı́stico de um dado fenómeno tem
assim como componentes:
• O conjunto das realizações do fenómeno, denotado usualmente por Ω.
• Os acontecimentos definidos como subconjuntos de realizações. Sobre os acontecimentos é possı́vel efectuar operações lógicas como a conjunção de dois ou mais
9
Capı́tulo 1
acontecimentos, a disjunção de dois ou mais acontecimentos, é possı́vel considerar
o acontecimento contrário de um dado acontecimento, o acontecimento certo (Ω)
e, o seu contrário, o acontecimento impossı́vel (∅).
• A probabilidade de um dado acontecimento que, geralmente, é determinada a
partir de hipóteses de simetria impostas ao modelo (como por exemplo supor que
as moedas são equilibradas) e que corresponde a uma quantificação da confiança
que temos na realização desse acontecimento.
Note-se que nem sempre todas estas três componentes aparecem perfeitamente identificadas num modelo probabilı́stico de um dado fenómeno. No modelo do lançamento
de um número n de moedas idênticas e equilibradas ao ar convencionámos que uma
realização seria o resultado do lançamento apenas porque essa convenção permite obter
respostas a algumas das questões que é possı́vel colocar sobre o fenómeno. Um outro
modelo poderia exigir a especificação de todas as condições fı́sicas que estão subjacentes
a um dado lançamento e, se tal fosse feito daria origem a um modelo, certamente, muito
complicado e difı́cil de tratar. Ainda que a escolha do conjunto das realizações fosse
outra é sempre possı́vel considerar acontecimentos do tipo: só há uma moeda com caras,
todas as outras são coroas e por isso o conjunto das realizações não é essencial no modelo.
O essencial, num dado modelo, é que seja dada a famı́lia A dos acontecimentos dotada
das operações boleanas:
• Disjunção de acontecimentos: dados dois acontecimentos A e B, o acontecimento
A + B realiza-se quando se realiza A ou quando se realiza B.
• Conjunção de acontecimentos: dados dois acontecimentos A e B, o acontecimento
A × B realiza-se quando se realizam A e B.
• Negação de um acontecimento: dado um acontecimentos A o acontecimento ¬A
realiza-se quando se não se realiza A.
• Existe um acontecimento certo 1 e o seu contrário, o acontecimento impossı́vel 0.
Exercı́cio 9. Mostre que (A, +, ×) é uma álgebra de Boole, isto é, mostre que:
1. ∀A, B, C ∈ A A + (B × C) = (A + B) × (A + C).
2. ∀A, B, C ∈ A A × (B + C) = (A × B) + (A × C).
3. ∀A ∈ A A + 0 = A , A × 0 = 0 , A + 1 = 1 , A × 1 = A.
4. ∀A ∈ A A + ¬A = 1 , A × ¬A = 0 , ¬(¬A) = A.
Com efeito, um resultado notável - o teorema de Stone - diz-nos que sempre que
nos seja dada (A, +, ×) uma álgebra de Boole, representando para nós a famı́lia de
acontecimentos de um dado modelo probabilı́stico, existe um conjunto Ω e (B, ∪, ∩),
uma álgebra de Boole de subconjuntos de Ω, tais que (A, +, ×) é isomorfa a (B, ∪, ∩).
Fica assim sempre resolvido o problema da existência ou da determinação do conjunto
10
A Teoria da Probabilidade, segundo Borel, para sucessões de Bernoulli
das realizações para um dado modelo desde que estejam determinados os acontecimentos
do modelo. A demonstração deste teorema pode ser consultada nas obras [6][p. 9] e [5][p.
174] e sendo técnicamente acessı́vel faz apelo a noções topológicas não triviais.
Um exemplo fundamental: as sucessões de Bernoulli
Consideremos a generalização do exemplo estudado anteriormente que corresponde ao
modelo para o lançamento de uma infinidade numerável de moedas independentes e
equilibrada ao ar. Podemos considerar como espaço das realizações:
∗
Ω := {0, 1}N = {(α1 , α2 , . . . , αn , . . . ) : ∀n ∈ N∗ αn ∈ {0, 1}} .
Podemos considerar o acontecimento A definido, tal como antes: saiu apenas uma cara
e todas as outras moedas saı́ram coroas. Podemos representar o acontecimento como
reunião das realizações que o compõem, isto é, usando a notação relativa ao delta de
Kronecker introduzida com a fórmula 1.3:
A=
+∞
[
{(δ1n , δ2n , . . . , δnn , . . . )} .
n=1
Observemos que nesta representação temos que um dado acontecimento é representado
por uma união de uma infinidade numerável de acontecimentos elementares, cada um
dos quais corresponde a uma única realização. Este exemplo mostra que o conceito de
álgebra de acontecimentos é insuficiente para o estudo de modelos envolvendo conjuntos
infinitos de realizações. O conceito útil, nestes casos é o de álgebra-σ que passamos a
detalhar seguidamente.
O modelo de Kolmogorov
O que acabámos de expor torna natural o modelo de Kolmogorov para um fenómeno
probabilı́stico. Assim neste modelo considera-se um trio (Ω, B, P) em que:
• Ω é o conjunto das realizações;
• B é uma álgebra σ de subconjuntos de Ω isto é B ⊂ P(Ω) e verifica:
1. Ω ∈ B.
2. ∀A ∈ B Ω − A ∈ B.
3. ∀A1 , A2 , · · · ∈ B ∪n∈N∗ An ∈ B.
• P é uma função aditiva σ e normalizada de conjuntos, denominada probabilidade,
isto é uma aplicação de B em [0, 1] que verifica
1. P[Ω] = 1.
2. ∀A1 , A2 , · · · ∈ B dois a dois disjuntos,Pisto é tais que para m, n distintos,
Am ∩ An = ∅ se verifica P[∪n∈N∗ An ] = n∈N∗ P[An ].
11
Capı́tulo 1
Os estudos que vamos prosseguir serão feitos usando como quadro conceptual subjacente o modelo de Kolmogorov.
Exercı́cio 10. Mostre que no modelo de Kolmogorov se verifica que:
1. ∀A, B ∈ B , A ∪ B ∈ B.
2. ∀A, B ∈ B , A ∩ B = ∅ ⇒ P[A ∪ B] = P[A] + P[B].
3. P[∅] = 0.
1.2.2
O princı́pio de Borel
Na secção 1.1 partimos de um dado ponto do intervalo unitário da recta real e elaborámos um processo para o localizar, definindo o desenvolvimento binário associado a
esse número. Este desenvolvimento binário, que varia com o ponto do intervalo unitário
considerado, é dado por uma sucessão de variáveis - funções do ponto considerado - que
tomam valores num conjunto de dois elementos, zero e um.
Nesta secção vamos inverter o ponto de partida considerando como variável inicial
não o ponto do intervalo unitário mas as sucessões de variáveis que tomam valores em
{0, 1}. Poderemos assim introduzir o princı́pio de Borel que estipula a equivalência
entre os dois processos seguintes: tirar ao acaso um número do intervalo unitário e
efectuar uma infinidade de lançamentos independentes, ao ar, de uma moeda equilibrada.
A formulação matemática rigorosa do princı́pio de Borel poderá ser estudada com a
profundidade adequada no final destas lições.
Considere-se α uma variável aleatória com a lei de Bernoulli de parâmetro 1/2. Quer
isto dizer que, por exemplo:
P[α = 1] =
1
= 1 − P[α = 0] .
2
Esta variável aleatória pode representar, por exemplo, o modelo de um lançamento ao ar
de uma moeda equilibrada. Com efeito, o resultado de um tal lançamento tem duas eventualidades que, usualmente, designamos por cara ou coroa e que, no modelo da variável
de Bernoulli, representaremos por 1 e 0 respectivamente. Por outro lado a moeda sendo
equilibrada aponta para que se devam considerar iguais as probabilidades de cada uma
das eventualidades e, daı́, o parâmetro 1/2 no modelo. Considere-se agora uma sucessão
(αn )n∈N∗ de variáveis aleatórias independentes e identicamente distribuı́das com α, isto
é cada uma delas sendo uma variável aleatória com a lei de Bernoulli de parâmetro 1/2.
Esta sucessão é, naturalmente, um modelo matemático aceitável, para uma infinidade
numerável de lançamentos independentes, ao ar, de uma moeda equilibrada. Defina-se
agora a variável aleatória X por:
X=
+∞
X
αn
n=1
12
2n
.
A Teoria da Probabilidade, segundo Borel, para sucessões de Bernoulli
Dado que αn ∈ {0, 1} a série no membro à direita, na definição de X acima, é sempre
convergente pelo que a definição de X faz sentido. A questão natural neste contexto é
a de determinar a distribuição ou a lei de X. Sabendo que, por construção, X toma
valores em [0,1], considere-se a ∈]0, 1] e procuremos determinar:
FX (a) := P[X ≤ a] = P
" +∞
X αn
n=1
2n
#
≤a
.
Dado que todas as variáveis αn tomam os valores zero e um e fazem-no P
independenten
mente uma das outras é natural pensar que o resultado da soma da série +∞
n=1 αn /2 é
um qualquer número do intervalo [0, 1]. Daı́ que seja natural, pelo princı́pio usual das
probabilidades elementares, afirmar que:
P[X ≤ a] =
quantidade de pontos em [0, a]
.
quantidade de pontos em [0, 1]
Admitindo1 apenas que uma forma de levantar a indeterminação que decorre do facto
de se ter para qualquer intervalo [0, a] que a ”quantidade de pontos em [0, a]”é infinita,
consiste em substituir ”quantidade de pontos em [0, a]”por ”comprimento de [0, a]”,
teremos:
comprimento de [0, a]
=a.
(1.5)
P[X ≤ a] =
comprimento de [0, 1]
Fazendo fé nesta apresentação, muito intuitiva, podemos concluir que X tem a lei uniforme sobre [0, 1]. O que acabámos de ver justifica admitirmos como válido o seguinte
princı́pio.
Princı́pio 1 (de Borel; primeira formulação). O modelo probabilı́stico correspondente
a tirar um número ao acaso no intervalo [0, 1] é equivalente ao modelo correspondente
a efectuar, uma infinidade numerável de vezes, lançamentos, independentes, de uma
moeda equilibrada ao ar 2 .
Observação 3. O Princı́pio de Borel é de facto um teorema. Pode mostrar-se que X tem
distribuição uniforme em [0, 1] se e só se (αn (x))n∈N∗ , a sucessão dada pelo desemvolvimento binário não degenerado de X, é uma sucessão de Bernoulli, isto é, é uma sucessão
de variáveis aleatórias independentes e identicamente distribuı́das com a lei de Bernoulli
de parâmetro 1/2 (veja-se [4, p. 56]).
1
Esta admissão é, nesta altura, uma hipótese arbitrária, mas muito rica em consequências, que poderá
vir a ser justificada rigorosamente com o auxı́lio do processo de construção dos espaços de medida
produto.
2
Como veremos mais adiante neste curso, este princı́pio é de facto um teorema da teoria da medida
e do integral. Com efeito, Steinhauss demonstrou que o espaço de medida ([0, 1], L([0, 1]), λ) é isomorfo,
no sentido da teoria da medida (existência de uma bijecção bi-mensurável) ao espaço produto {0, 1}N .
13
Capı́tulo 1
A medida de Lebesgue
No estudo heurı́stico que fizémos acima para a determinação da lei da variável X fomos
levados a utilizar o comprimento de um subintervalo de [0, 1], como o valor da probabilidade de uma variável uniformemente distribuı́da em [0, 1] tomar os seus valores
nesse intervalo (veja-se a fórmula 1.5). Para utilizarmos o modelo de Kolmogorov é necessário seguir esta associação um pouco mais longe. Por analogia com as propriedades
enunciadas na subsecção 1.2.1 para a função aditiva σ de probabilidade no modelo de
Kolmogorov supomos que, denotando por λ a função definida sobre os subintervalos de
[0, 1] tal que,
∀a, b ∈ [0, 1] , a ≤ b , λ([a, b]) = λ(]a, b]) = λ(]a, b[) = λ([a, b[) = b − a ,
se tem que λ, como aplicação, se pode estender aos subconjuntos de [0, 1] que se podem
representar como união de subintervalos de [0, 1] de tal forma que, por exemplo:
∀a, b, c, d ∈ [0, 1] , a ≤ b < c ≤ d , λ([a, b] ∪ [c, d]) = λ([a, b]) + λ([c, d]) ,
(1.6)
verificando-se uma propriedade semelhante para qualquer outro tipo de intervalos. Estudaremos adiante a construção rigorosa de uma aplicação definida numa famı́lia de
subconjuntos de [0, 1] que verifica a propriedade 1.6 e a que chamaremos a medida de
Lebesgue. De momento, admitiremos que uma tal aplicação existe.
Princı́pio 2 (de Borel; segunda formulação). Se E for um contecimento no modelo correspondente a efectuar, uma infinidade numerável de vezes, lançamentos, independentes,
de uma moeda equilibrada ao ar e Ẽ for o acontecimento correspondente no modelo probabilı́stico correspondente a tirar um número ao acaso no intervalo [0, 1] então:
P[E] = λ(Ẽ) .
1.2.3
Aplicações do princı́pio de Borel
Caras no primeiro lançamento
Consideremos, no modelo do lançamento de uma infinidade de moedas ao ar, o acontecimento, E dado por sai caras no primeiro lançamento. Tem-se então que:
n
o
∗
E := (ωn )n∈N∗ ∈ {0, 1}N : ω1 = 1 .
O acontecimento correspondente, no modelo da tiragem de um número ao acaso no
intervalo [0, 1], é dado por:
(
)
+∞
X
1
α
1
n
e := x ∈ [0, 1] : x = +
E
, αn ∈ {0, 1} =] , 1] .
2
2n
2
n=2
Pelo princı́pio de Borel tem-se que:
e = λ(] 1 , 1]) = 1 .
P[E] = λ(E)
2
2
14
A Teoria da Probabilidade, segundo Borel, para sucessões de Bernoulli
Exercı́cio 11. Considere, para N ∈ N∗ , o espaço de probabilidade Ω = {0, 1}N munido da famıılia de
acontecimentos P(Ω), que é a famı́lia de partes de Ω, e da probabilidade P definida sobre os acontecimentos por:
#A
#A
∀A ∈ P(Ω) P[A] =
= N .
#Ω
2
1. Mostre que se A = {(α1 , . . . , αn ) ∈ Ω : α1 = 1} ∈ P(Ω), então, P[A] = 1/2.
2. Compare o resultado obtido na alı́nea anterior com o estudo que fez neste primeiro exemplo de
aplicação do princı́pio de Borel.
Os primeiros N lançamentos formam uma sucessão prescrita
Suponha que fixa um inteiro N ∈ N∗ e que fixa uma sequência, com comprimento N
de zeros e uns, denominada (a1 , . . . , an ). No modelo do lançamento de uma infinidade
de moedas ao ar, considere o acontecimento, E, os primeiros N lançamentos coincidem
com a sequência (a1 , . . . , an ). Tem-se então que:
n
o
N∗
∗
E := (ωn )n∈N ∈ {0, 1} : ω1 = a1 , · · · , ωn = an .
Da mesma forma que utilizámos, no exemplo anterior, o acontecimento correspondente
no modelo da tiragem de um número ao acaso no intervalo [0, 1] é dado por:
(
)
+∞
X
a
a
a
α
1
2
n
N
e := x ∈ [0, 1] : x =
E
+ 2 + ··· + N +
, αn ∈ {0, 1} .
2
2
2
2n
n=N +1
Considere-se o ponto s do intervalo ]0, 1] definido por:
s :=
N
X
ak
k=1
2k
,
e Observando agora
isto é a parte prescrita da representação binária
ponto x ∈ E.
P+∞ de um
0
αn
que a parte não prescrita, dada por s := n=N +1 2n , pode tomar valores no intervalo
0
]0, 1/2N ], pois αn = 0 ou αn = 1, e que x = s + s tem-se:
e =]s, s + 1 ] .
E
2N
O princı́pio de Borel diz-nos agora que:
e = λ(]s, s + 1 ]) = 1 .
P[E] = λ(E)
2N
2N
Exercı́cio 12. Considere o modelo introduzido no exercı́cio 11 com as correspondentes notações.
1. Mostre que se a1 , . . . , aN ∈ {0, 1} e A = {(a1 , . . . , an )} ∈ P(Ω), então, P[A] = 1/2N .
2. Compare o resultado obtido na alı́nea anterior com o estudo que fez neste segundo exemplo de
aplicação do princı́pio de Borel.
15
Capı́tulo 1
Caras na N -ésima jogada
Na descrição deste exemplo adoptamos um estilo mais sumário. Fixa-se um inteiro N
não nulo e, no modelo da tiragem de uma infinidade de moedas equilibradas ao ar,
consideramos o acontecimento definido por sai caras à N-ésima jogada. Tem-se que:
n
o
∗
E := (ωn )n∈N∗ ∈ {0, 1}N : ωN = 1 .
Do mesmo modo que nos exemplos anteriores tem-se que:
(
)
N
−1
+∞
X
X
α
1
α
n
n
e := x ∈ [0, 1] : x =
E
+ N +
, αn ∈ {0, 1} .
2n
2
2n
n=1
n=N +1
Se considerarmos, por definição:
s = s(α1 , . . . , αN −1 ) =
N
−1
X
n=1
αn
1
+ N ,
n
2
2
e Como (α1 , . . . , αN −1 ) é um elemento arbitrário de {0, 1}N −1
então ]s, s + 1/2N ] ⊂ E.
e como #{0, 1}N −1 = 2N −1 há exactamente 2N −1 escolhas distintas para s. Observe-se
0
0
0
agora que para duas dessas escolhas s e s os intervalos ]s, s + 1/2N ] e ]s , s + 1/2N ] são
disjuntos (porquê?), logo:
[
1
e=
E
]s(α1 , . . . , αN −1 ), s(α1 , . . . , αN −1 ) + N ]
2
N −1
(α1 ,...,αN −1 )∈{0,1}
sendo a reunião disjunta, pelo que, por aplicação do princı́pio de Borel:
e = 2N −1 × λ(]s, s + 1 ]) = 1 .
P[E] = λ(E)
2N
2
Exercı́cio 13. Considere o modelo introduzido no exercı́cio 11 com as correspondentes notações.
1. Mostre que se A = {(α1 , . . . , αN ) ∈ Ω : αN = 1} ∈ P(Ω), então, P[A] = 1/2.
2. Compare o resultado obtido na alı́nea anterior com o estudo que fez neste terceiro exemplo de
aplicação do princı́pio de Borel.
Nos primeiros N lançamentos há exactamente k caras
Neste último exemplo de aplicação do princı́pio de Borel consideramos fixos um inteiro
não nulo N e um inteiro k ∈ {1, . . . , N } e, no modelo de uma infinidade de lançamentos
de uma moeda ao ar, o acontecimento dado por: nos primeiros N lançamentos há,
exactamente, k em que saiem caras. Então:
(
)
N
X
∗
N
E := (ωn )n∈N∗ ∈ {0, 1} :
ωn = k
n=1
16
A Teoria da Probabilidade, segundo Borel, para sucessões de Bernoulli
e, do mesmo modo que nos exemplos anteriores tem-se que:
(
)
+∞
N
X
X
α
n
e := x ∈ [0, 1] : x =
E
∧
αn = k , αn ∈ {0, 1} .
2n
n=1
n=1
Consideremos, tal como no exemplo anterior,
s = s(α1 , . . . , αN ) =
N
X
αn
n=1
2n
,
e Havendo C N formas de escolher (α1 , . . . , αN ) ∈
então, também, ]s, s + 1/2N ] ⊂ E.
k
{0, 1}N de tal modo que haja exactamente k elementos da sequência iguais a 1, tem-se
que:
e=
E
[
(α1 ,...,αN −1 )∈{0,1}N −1 ,
]s(α1 , . . . , αN −1 ), s(α1 , . . . , αN −1 ) +
PN
n=1
1
]
2N
αn =k
sendo a reunião disjunta, pelo que, por aplicação do princı́pio de Borel:
e = C N × λ(]s, s +
P[E] = λ(E)
k
1
1
]) = CkN × N .
2N
2
Exercı́cio 14. Considere o modelo introduzido no exercı́cio 11 com as correspondentes notações.
P
N
N
1. Mostre que se A = {(α1 , . . . , αN ) ∈ Ω : N
n=1 αn = k} ∈ P(Ω), então, P[A] = Ck × 1/2 .
2. Compare o resultado obtido na alı́nea anterior com o estudo que fez neste quarto exemplo de
aplicação do princı́pio de Borel.
Observação 4. Os exercı́cios, sugeridos no final de cada um destes exemplos de aplicação
do princı́pio de Borel, mostram que sempre que o acontecimento descrito envolve apenas
um número de jogadas limitado por um certo inteiro, a determinação da correspondente
probabilidade pode fazer-se com recurso a um modelo em que o espaço de probabilidade
é finito. Esse tipo de modelos foi estudado na disciplina introdutória de Probabilidades
e Estatı́stica.
O exemplo seguinte mostra que tal não é o caso se a definição do acontecimento fizer
intervir um número de jogadas não limitado.
Ruı́na no jogo de Bernoulli
Suponha que decide apostar no jogo que descrevemos a seguir. O jogador inicia o jogo
com uma fortuna de X unidades monetárias (u.m.) e considera uma infinidade numerável
de lançamentos ao ar de uma moeda equilibrada, ordenados pelos inteiros não negativos
e não nulos. Para cada tal inteiro observa o resultado do correspondente lançamento.
17
Capı́tulo 1
Se saiu cara o jogador ganha uma u.m. e a sua fortuna acresce de uma u.m. e, se saiu
coroa, o jogador perde uma u.m. e a sua fortuna decresce de uma u.m.
O jogador pode contabilizar a sua fortuna, após N lançamentos, definindo-a como a
soma da fortuna inicial com a totalidade dos ganhos e perdas obtidos nos primeiros N
lançamentos. O jogo termina num dado lançamento, com número de ordem N0 , assim
que a fortuna, após N0 lançamentos, for igual a zero; é, por definição, a ruı́na do jogador.
Observe-se que o conjunto de todas as realizações do jogo que conduzem à ruı́na é um
acontecimento bem definido.
Exercı́cio 15. Considere como modelo para o lançamento de uma infinidade numerável de moedas ao ar
∗
o espaço {0, 1}N com a convenção de que um resultado de caras, num dado lançamento, é representado
por 1 e um resultado de coroa é representado por 0.
1. Mostre que o acontecimento dado pela ruı́na do jogador se pode representar como a disjunção de
uma infinidade numerável de acontecimentos definidos por: ocorre a ruı́na do jogador à k-ésima
jogada, para k = 1, . . . ,.
2. Conclua que o acontecimento, ocorre a ruı́na do jogador, não pode ser definido por condições
relativas a um número de lançamentos limitado por um dado inteiro positivo não nulo.
Com o objectivo de formalizar convenientmente o acontecimento dado pela ruı́na do
jogador, vamos definir as funções de Rademacher3
1.2.4
As funções de Rademacher
As funções de Rademacher têm como domı́nio natural o intervalo ]0, 1]. Seja, pois,
x ∈]0, 1] e (αn (x))n∈N∗ o correspondente desenvolvimento binário não degenerado.
Definição 5. Para k ∈ N∗ , a k-ésima função de Rademacher, Rk , é dada por:
Rk (x) := 2αk (x) − 1 .
Observação 5. É imediato verificar que:
(
+1 se αk (x) = 1
Rk (x) :=
−1 se αk (x) = 0 .
(1.7)
(1.8)
Em consequência, se convencionarmos que, no jogo definido no exemplo 1.2.3, à saı́da de
caras - no lançamento - corresponde 1 e à saı́da de coroa corresponde 0, fica claro que
Rk (x) descreve o ganho, ou perda, obtido na jogada de ordem k da realização do jogo
(αn (x))n∈N∗ .
3
Hans Adolph Rademacher (1892–1969), matemático de origem alemã radicado nos E.U.A. após fuga
de Breslau, por motivo das suas posições pacifistas, no tempo do nazismo; contribuı́u, notalvelmente,
nas áreas da análise e da teoria analı́tica dos números (veja-se [3]).
18
A Teoria da Probabilidade, segundo Borel, para sucessões de Bernoulli
Exercı́cio 16. Mostre que no contexto do exemplo 1.2.3 e da observação anterior 5 se verificam as
proposições seguintes.
1. Para k ∈ N∗ , função Sk (x) definida, no intervalo ]0, 1] como a soma dos ganhos e perdas até à
jogada k inclusivé, na realização do jogo (αn (x))n∈N∗ é dada por:
Sk (x) :=
k
X
Rl (x) .
l=1
2. No modelo da tiragem ao acaso de um número do intervalo ]0, 1] o acontecimento E dado pela
ruı́na do jogador é dado por:
+∞
[
e=
ek ,
E
E
k=1
onde se tem
ek := {x ∈]0, 1] : ∀l ∈ {1, 2, . . . , k − 1} Sl (x) + X > 0 ∧ Sk (x) + X = 0} .
E
ek )k∈N∗ são dois a dois disjuntos.
3. Os acontecimentos (E
A determinação da probabilidade da ruı́na do jogador, P[E], pelo princı́pio de Borel levaria à determinação de
+∞
[
ek ) ,
λ(
E
k=1
Efectuaremos esta determinação quando estudarmos em detalhe a medida de Lebesgue.
As propriedades elementares da medida de Lebesgue, evocadas na secção 1.2.2 não se
e nem E
ek se podem representar, em geral, como uniões
podem utilizar uma vez que nem E
finitas de intervalos.
1.3
Leis dos Grandes Números
Considere-se o modelo para o fenómeno de uma infinidade numerável de lançamentos
independentes, ao ar, de uma moeda equilibrada em que se representa o resultado caras
por 1 e o resultado coroa por 0. O espaço das realizações do fenómeno é, naturalmente
∗
Ω = {0, 1}N e uma realização ω ∈ Ω do fenómeno será representada por uma dada
sucessão de zeros e uns, ω = (αn )n∈N∗ . Considere-se para cada n ∈ N∗ :
sn (ω) := α1 + · · · + αn
(1.9)
Uns momentos de reflexão permitirão ao leitor convencer-se que a quantidade sn (ω) representa o número de vezes em que o lançamento resultou em caras nos primeiros n
lançamentos da realização ω. Na hipótese da moeda ser equilibrada, o resultado caras
(1) e o resultado coroa (0) são igualmente prováveis em cada lançamento. Em consequência, para ω - realização tı́pica do fenómeno - sn (ω)/n, que representa a frequência
da ocorrência de uns nos primeiros n lançamentos, deverá estar próxima de 1/2, desde
que n seja suficientemente grande.
19
Capı́tulo 1
Com auxı́lio de software adequado4 determinámos uma sequência a := (an )n∈N∗ que
simula uma sequência de 10000 zeros e uns independentes e tal que cada termo da
sequência valha zero ou um, com igual probabilidade.
P Sabemos nque a uma tal sequência
se associa, de modo único, um número real x(a) = 10000
n=1 an /2 . No caso da simulação
efectuada, obtivémos, como primeira aproximação, x(a) = 0.738724. Seguidamente,
apresentamos uma representação gráfica da sequência
n
sn (a)
1X
=
ai , n = 1, . . . , 10000 .
n
n
i=1
0.52
0.51
2000
4000
6000
8000
10000
0.49
0.48
0.47
0.46
Figura 1.1: Uma ilustração da lei forte dos grandes números
Observação 6. A sequência (sn (a)/n)n=1,...,10000 manifesta, claramente, uma tendência
assimptótica para o valor 1/2 não deixando de apresentar, também, oscilações notáveis
em torno deste valor.
0
Insistimos no facto desta figura depender da sequência a. Uma sequência a , distinta
de a daria lugar, em geral, a uma figura distinta da apresentada. No entanto, a propósito
dessa outra figura poder-se-ia repetir, ipsis verbis, o que afirmámos no parágrafo anterior,
0
substituindo(sn (a)/n)n=1,...,10000 por (sn (a )/n)n=1,...,10000 .
As leis dos grandes números, no contexto do modelo em estudo - as sucessões de
Bernoulli - são formulações matemáticas que descrevem o comportamento assimptótico
da sucessão (sn (ω)/n)n∈N∗ , para realizações ω ∈ Ω tı́picas do fenómeno. No seguimento
dos nossos estudos esclareceremos o sentido a dar ao termo tı́pico neste contexto.
1.3.1
Lei Fraca dos Grandes Números
Na primeira formulação do comportamento assimptótico da sucessão (sn )n∈N∗ , que vamos expor a seguir, será posto em evidência que, para qualquer > 0, a probabilidade
4
Usámos o programa MathematicaTM. Em apêndice pode consultar o Notebook que produziu os
resultados apresentados a seguir.
20
A Teoria da Probabilidade, segundo Borel, para sucessões de Bernoulli
do acontecimento composto pelas realizações do fenómeno em que a distancia de sn /n a
1/2 excede , tende para zero quando n tende para mais infinito.
Para formular a lei fraca dos grandes números consideramos o modelo da tiragem de
um número ao acaso no intervalo ]0, 1]. Ao abrigo do princı́pio de Borel sabemos que
este é um modelo equivalente ao modelo inicial. Seja, então, x ∈]0, 1] e (αn (x))n∈N∗ o
correspondente desenvolvimento binário não degenerado. Seja por definição:
∀n ∈ N∗ sn (x) = α1 (x) + α2 (x) + · · · + αn (x) .
Teorema 1 (Lei fraca dos grandes números).
sn (x) 1
∀ > 0
lim λ
x ∈]0, 1] :|
− |> =0.
n→+∞
n
2
(1.10)
Antes de demonstrarmos este resultado importante devemos consagrar algum tempo
a estudar algumas das possı́veis interpretações do enunciado. De forma intuitiva, a ideia
que este resultado encerra consiste em fixar um minorante para a distancia entre sn (x)/n
e 1/2, que denominámos , considerando-se em seguida o conjunto das realizações x em
que sn (x)/n dista de 1/2 mais do que . À medida que n cresce para infinito, a medida
de Lebesgue desse conjunto tende para zero. Dito de outra forma, considere-se > 0 e
n0 fixos. Dado que:
|
sn0 (x) 1
− |> n0
2
⇔
(
sn0 (x)
1
sn (x)
1
< − ) ∧ ( 0
> + ) ,
n0
2
n0
2
pode interpretar-se a lei fraca dos grandes números, pelo princı́pio de Borel, dizendo que
a probabilidade do conjunto das realizações x ∈]0, 1] em que sn0 (x)/n0 dista de 1/2 mais
do que é arbitrariamente pequena desde que n0 seja suficientemente grande.
O exercı́cio seguinte de simulação computacional tem como objectivo possibilitar ao
leitor uma familiarização com a variedade de aspectos que pode assumir a sucessão cujo
comportamento assimptótico se estuda.
Exercı́cio 17 (Facultativo). Escolha software (uma folha de cálculo ou linguagem de programação adequada) que permita gerar com facilidade números pseudo-aleatórios5 . Fixe = 0.015.
1. Programe a obtenção de um número pseudo-aleatório que simule uma variável aleatória X tal que:
P[X = 1] =
1
= P[X = 0] .
2
2. Programe uma lista L que simule
P(X1 , . . . , XN ), ou seja, N observações independentes da variável
aleatória X e determine sN = N
i=1 Xi . O valor de N deverá ser fixado inicialmente em 250 e
depois aumentar até aos 10000 em passos de 250.
5
Os números pseudo-aleatórios são gerados em computador a partir de programas baseados em congruências ou outros processos simples e não são, por isso, verdadeiramente aleatórios. No entanto,
têm propriedades estatı́sticas que os tornam adequados para representar números, realmente, aleatórios.
Veja-se para um primeiro contacto com a noção de número pseudo aleatório [10][p. 738] ou [8][p. ] e
para um estudo mais aprofundado [7][p. 161].
21
Capı́tulo 1
3. Crie uma lista C(N ) à qual junta 1 (um) se | sN /N − 1/2 |> e 0 (zero) no caso contrário.
4. Repita a alı́nea 2 e a seguinte M vezes e determine #{i ∈ C(N ) : i = 1}/M . O valor de M
deverá ser fixado em função do equipamento e da linguagem que utilizar e poderá ser igual a 300.
5. Represente graficamente #{i ∈ C(N ) : i = 1}/M em função de N , segundo as indicações dadas
na alı́nea 2 e comente o resultado obtido.
A figura seguinte representa o resultado obtido numa resolução deste exercı́cio6 . Se
assumirmos que #{i ∈ C(N ) : i = 1}/M representa uma estimativa para a probabilidade
do acontecimento relevante no enunciado da lei fraca dos grandes números, constata-se
na figura que esta probabilidade tende para zero quando N cresce.
0.35
0.3
0.25
0.2
0.15
0.1
0.05
2000
4000
6000
8000
10000
Figura 1.2: Uma ilustração da lei fraca dos grandes números
Demonstração. (Lei fraca dos Grandes Números) A demonstração repousa sobre uma
desigualdade importante, denominada desiguladade de Tchebychev, que o leitor provavelmente já estudou na disciplina introdutória de Probabilidades e Estatı́stica.
No primeiro passo da demonstração consideramos uma transformação elementar do
conjunto cuja probabilidade se vai estimar. Para tal, utilizam-se as funções de Rademacher. Assim, tem-se que:
(
)
n
sn (x) 1
1
1X
x ∈]0, 1] :|
− |> =(a) x ∈]0, 1] :|
αi (x) − |> =(b)
n
2
n
2
i=1
(
)
n
X
(1.11)
= x ∈]0, 1] :|
(2αi (x) − 1) |> 2n =(c)
i=1
= x ∈]0, 1] :| Sn (x) |2 > (2n)2
,
em que as igualdades indicadas se justificam pelas razões seguintes.
6
Veja-se em apêndice o conjunto de instruções no programa Mathematica TM que permitiu obter
esta figura.
22
A Teoria da Probabilidade, segundo Borel, para sucessões de Bernoulli
(a) Por definição: sn (x) =
Pn
i=1 αi (x);
(b) Cálculo algébrico simples;
P
(c) Pela definição Sn (x) = ni=1 Ri (x) e porque se pode elevar, ao quadrado, ambos
os membros, não negativos, de uma desigualdade sem introduzir novas soluções.
No segundo passo vamos estudar uma versão da desigualdade de Tchebytchev, para
as funções em escada, e uma aplicação desta desigualdade à estimativa em estudo. As
funções em escada são as funções constantes por intervalos.
Definição 6. Uma função f :]0, 1] −→ R é em escada no intervalo ]0, 1] sse:
∃ n ∈ N∗ ; 0 = c0 < c1 < · · · < cn−1 < cn = 1 ; α1 , . . . , α1 ∈ R :
∀i = 0, . . . , n − 1 ∀x ∈]ci , ci+1 ] f (x) = αi+1 .
(1.12)
De acordo com esta definição, uma função definida no intervalo ]0, 1] é em escada7
se este intervalo se pode decompor num partição de um número finito de subintervalos,
fechados à direita e abertos à esquerda, de tal forma que f seja constante sobre cada um
dos subintervalos.
Exercı́cio 18. Sejam f e g funções em escada no intervalo ]0, 1] e γ um número real.
1. Mostre que γ × f , f + g e f × g são ainda funções em escada no intervalo ]0, 1].
P
2. Mostre que Sn (x) = n
i=1 Ri (x) é uma função em escada no intervalo ]0, 1].
3. Mostre que | Sn (x) |2 é uma função em escada no intervalo ]0, 1].
Proposição 5 (Desigualdade de Tchebytchev). Seja f uma função em escada
no intervalo ]0, 1] tomando valores não negativos. Então, para qualquer > 0:
1
λ ({x ∈]0, 1] : f (x) > }) <
Z
1
f (x)dx .
0
Demonstração. (Desigualdade de Tchebytchev) Observe-se que uma função constante
por intervalos com domı́nio limitado, é necessáriamente integrável à Riemann. Seja f
uma função em escada no intervalo ]0, 1] tomando valores não negativos. Com as notações
da definição 1.12 o integral de Riemann da função f pode facilmente ser calculado como
7
Esta definição de função em escada particulariza a noção de função constante por intervalos pelo
que poderemos vir a encontrar, noutros contextos, outras definições, mais gerais, de função em escada.
23
Capı́tulo 1
o resultado da soma, finita, das áreas dos rectangulos ]ci , ci+1 ] × [0, αi+1 ]. Assim tem-se
que:
Z 1
n−1
X
f (x)dx =
(ci+1 − ci ) × αi+1 .
0
i=0
Seja > 0 arbitrário. Dado que a função f toma valores não negativos, os números αi
para i = 1, . . . , n são não negativos pelo que o valor da soma à direita só pode decrescer
se lhe retirarmos os termos em que αi ≤ . Logo:
n−1
X
X
i=0
i∈{0,...,n−1},αi+1 >
(ci+1 −ci )×αi+1 ≥
X
(ci+1 −ci )×αi+1 > ×
(ci+1 −ci ) .
i∈{0,...,n−1},αi+1 >
Observe-se que a soma mais à direita representa a medida de Lebesgue do conjunto
dos pontos x ∈]0, 1] tais que f (x) > . Com efeito, este subconjunto é formado pelos
intervalos ]ci , ci+1 ] para os quais αi+1 > . Em consequência:
Z
1
X
f (x)dx > ×
0
(ci+1 − ci ) = × λ ({x ∈]0, 1] : f (x) > }) ,
i∈{0,...,n−1},αi+1 >
tal como querı́amos demonstrar.
Exercı́cio 19. Represente graficamente, em pelo menos duas figuras distintas, uma ilustração da demonstração da desigualdade de Tchebytchev.
Observação 7. Em consequência da desigualdade de Tchebytchev temos que:
sn (x) 1
λ
x ∈]0, 1] :|
− |> = λ {x ∈]0, 1] :| Sn (x) |2 > (2n)2 } ≤
n
2
Z 1
1
≤ 2 2
| Sn (x) |2 dx
4n 0
(1.13)
O terceiro passo e último passo da demonstração da lei fraca dos grandes números
consiste em estimar o integral que figura no termo mais à direita na cadeia de desigualdades 1.13 e que envolve as funções de Rademacher. Observe-se que:

! n
n
X
X
X
| Sn (x) |2 =
Ri (x) 
Rj (x) =
Ri (x)Rj (x) =
i=1
=
n
X
i=1
24
Ri2 (x) +
j=1
X
i,j∈{1,...,n},i6=j
i,j∈{1,...,n}
Ri (x)Rj (x) .
A Teoria da Probabilidade, segundo Borel, para sucessões de Bernoulli
Em consequência tem-se que:
Z
1
2
| Sn (x) | dx =
0
n Z
X
i=1
1
Ri2 (x)dx
0
X
+
i,j∈{1,...,n},i6=j
Z
1
Ri (x)Rj (x)dx =
0
=n,
uma
j, qualquer integral da forma
R 1 vez que pelo exercı́cio 26 se tem que, para iR 6=
1 2
R
(x)R
(x)dx
é
nulo
e
para
qualquer
i
o
integral
R
i
j
i (x)dx vale 1.
0
0
Para concluir a demonstração basta observar que pela estimativa obtida em 1.13 e
pelo cálculo que acabámos de efectuar:
λ
Z 1
sn (x) 1
1
1
x ∈]0.1] :|
− |> < 2 2
| Sn (x) |2 dx =
n
2
4n 0
4n2
(1.14)
pelo que se segue a conclusão enunciada.
1.3.2
Lei Forte dos Grandes Números
O enunciado da lei forte dos grandes números aproxima-se mais da formulação aproximada e intuitiva que consta da observação 6 e da figura a que esta observação se
refere. Em contrapartida, a demonstração é mais elaborada. Em traços largos e com as
notações da introdução a esta secção - a secção das leis dos grandes números - (veja-se
∗
a página 19), o enunciado seguinte diz-nos que para ω ∈ {0, 1}N , uma realização tı́pica
do fenómeno, se tem que limn→+∞ sn (ω)/n = 1/2. Ou ainda, de outra forma, é nula a
probabilidade do conjunto das realizações do fenómeno em que limn→+∞ sn (ω)/n ou não
existe ou, existindo, difere de 1/2. Tal como aconteceu para a lei fraca, formulamos a lei
forte sob a interpretação que o princı́pio de Borel nos permite. Seja então x ∈]0,
Pn1], o correspondente desenvolvimento binário não degenerado (αn (x))n∈N∗ e sn (x) = i=1 αi (x).
Teorema 2 (Lei Forte dos Grandes Números).
sn (x)
1
λ
x ∈]0, 1] : lim
=
=1.
n→+∞
n
2
(1.15)
Comentário 1. Fica assim esclarecido o significado de realização tı́pica do fenómeno
no contexto das matérias que estamos a estudar. Com efeito, a lei forte dos grandes
números diz-nos que o conjunto das realizações do fenómeno x ∈]0, 1] em que se verifica
limn→+∞ sn (x)/n = 1/2 tem medida de Lebesgue 1 ou, no modelo equivalente - segundo
o princı́pio de Borel - tem probabilidade 1. Estas realizações podem, pois, considerarse tı́picas do fenómeno observado uma vez que é nula a probablidade de observar uma
realização do fenómeno em que o comportamento da sucessão (sn (x)/n)n∈N∗ seja distinto
do anunciado pela lei forte dos grandes números.
25
Capı́tulo 1
Observação 8. Uma vez que se tem a seguinte partição:
[
sn (x)
1
]0, 1] =
x ∈]0, 1] : lim
=
n→+∞
n
2
[
sn (x)
1
x ∈]0, 1] : lim
não existe ou difere de
n→+∞
n
2
e que λ(]0, 1]) = 1, é óbvio que o enunciado do teorema na fórmula 1.15, é equivalente
a:
sn (x)
1
=0.
(1.16)
λ
x ∈]0, 1] : lim
não existe ou difere de
n→+∞
n
2
Dado que este último conjunto não se pode em geral decompor na união finita de intervalos disjuntos, torna-se necessário esclarecer o que entendemos por conjunto de medida
de Lebesgue nula.
Os conjuntos de medida de Lebesgue nula
Seja I(]0, 1]) a famı́lia dos intervalos de R contidos em ]0, 1].
Definição 7. Seja A ⊂]0, 1]. A tem medida de Lebesgue nula, escrevendo-se
então λ(A) = 0, se e só se:
∀ > 0 ∃(In )n∈N ∈ I(]0, 1])
N
A⊂
+∞
[
n=0
In ∧
+∞
X
λ(In ) < .
(1.17)
n=0
Comentário 2. Segundo esta definição, um conjunto tem medida de Lebesgue nula se
e só se, para cada > 0 se pode encontrar uma cobertura do conjunto por intervalos
tal que a soma da série dos comprimentos desses intervalos seja inferior a . Afirma-se
assim que um conjunto tem medida de Lebesgue nula se for subconjunto de uma união
- eventualmente infinita numerável - de intervalos cuja soma da série dos comprimentos
é tão pequena quanto se queira.
Na proposição seguinte apresentam-se algumas propriedades e alguns exemplos notáveis
de conjuntos de medida de Lebesgue nula.
26
A Teoria da Probabilidade, segundo Borel, para sucessões de Bernoulli
Proposição 6. Sejam A e B subconjuntos de ]0, 1] e seja Q o conjuntos dos
números racionais.
1. A ⊂ B ∧ λ(B) = 0 ⇒ λ(A) = 0
2. ∀x ∈]0, 1] λ({x}) = 0
3. Seja (An )n∈N uma sucessão de subconjuntos de ]0, 1] com medida de Lebesgue nula. Então:
+∞
[
λ(
An ) = 0 .
n=0
4. λ(Q∩]0, 1]) = 0 e (R − λ(Q∩]0, 1])) = 1
Demonstração. Para demonstrar a propriedade 1, observe-se que como A ⊂ B, se se
tiver que
+∞
+∞
[
X
B⊂
In ∧
λ(In ) < ,
n=0
n=0
+∞
[
+∞
X
então também se verifica que:
A⊂
In ∧
n=0
λ(In ) < ,
n=0
pelo que se tem λ(A) = 0.
A propriedade 2 decorre do facto de se ter:
∀ > 0 ∀x ∈]0, 1] ∀n ∈ N{x} ⊂]x −
2n+3
,x +
2n+3
[.
Assim sendo tem-se que:
{x} ⊂
+∞
[
]x −
n=0
, x + n+3 [ e
n+3
2
2
+∞ X
λ ]x −
n=0
2
,x +
n+3
+∞
X
1
[
=
= <
n+3
n+2
2
2
2
n=0
A demonstração da propriedade 3 é um pouco mais elaborada mas alguns minutos de
reflexão tornam-na acessı́vel. Seja (Am )m∈N uma sucessão de subconjuntos de ]0, 1] com
(m)
medida de Lebesgue nula e seja > 0. Para cada m ∈ N seja (In )n∈N uma sucessão
de intervalos de ]0, 1] tais que, segundo a definição de conjuntos de medida de Lebesgue
nula, se tenha:
+∞
+∞
[
X
Am ⊂
In(m) e
λ(In(m) ) < m+2 .
2
n=0
n=0
(m)
Observe-se que (In )(n,m)∈N×N é uma famı́lia indexada por um conjunto infinito numerável N×N. Com efeito - veja o exercı́cio 20 - existe uma aplicação bijectiva b = (b1 , b2 )
27
Capı́tulo 1
de N em N × N. Seja agora por definição:
(b (n))
Jn := Ib2 1(n)
∈ I(]0, 1]) .
É imediato verificar que:
+∞
[
[
Am ⊂
m=0
In(m)
=
+∞
[
Jn .
n=0
(n,m)∈N×N
Por outro lado tem-se também que:
+∞
X
λ(Jn ) =
n=0
X
(n,m)∈N×N
λ(In(m) )
=(a)
+∞
X
+∞
X
m=0
n=0
!
λ(In(m) )
≤
+∞
X
m=0
1
= <.
2m+2
2
Note-se que a igualdade referida com o ı́ndice (a) decorre do facto de para as somas de
séries duplas a termos positivos ser indiferente a ordem pela qual se efectuam as somas
das duas séries simples (veja-se [9][p. 175 e 196]).
A demonstração da propriedade 4 recorre àos resultados obtidos nas propriedades 2
e 3 uma vez que Q sendo numerável Q∩]0, 1] também é, pelo que se pode escrever:
Q∩]0, 1] =
+∞
[
{rn } .
n=0
Como para qualquer n ∈ N se tem que λ({rn }) = 0 - pela propriedade 2 - conclui-se que
λ(Q∩]0, 1]) = 0, pela propriedade 3. A igualdade mais à direita no enunciado decorre
de se ter a partição:
]0, 1] = (Q∩]0, 1]) ∪ (R − Q∩]0, 1])
e λ(]0, 1]) = 1.
Observação 9. Com um raciocı́nio semelhante ao utilizado a demonstração da propriedade 4, pode mostrar-se que todo o subconjunto de ]0, 1] infinito e numerável tem medida
de Lebesgue nula.
Exercı́cio 20 (Facultativo). O objectivo deste exercı́cio é mostrar que existe uma bijecção entre N × N
e N, construindo-a.
1. Represente graficamente R := {0, 1, 2, 3, 4, 5} × {0, 1, 2, 3, 4, 5} no referencial ortonormado usual
do plano e o caminho, no plano, definido pela seguinte sequência de pontos desse reticulado: [1] =
(0, 0), [1] = (0, 0), [2] = (1, 0), [3] = (0, 1), [4] = (0, 2), [5] = (1, 1), [6] = (2, 0), [7] = (3, 0), [8] =
(2, 1), [9] = (1, 2), [10] = (0, 3), [11] = (0, 4), [12] = (1, 3), [13] = (2, 2), [14] = (3, 1),[14] = (4, 0),
etc. Observe que o caminho assim definido passa uma e uma só vez pelos pontos do reticulado
R. Assim sendo, o algoritmo para a construção do caminho é um bom ponto de partida para a
definir a bijecção procurada. Formule, em linguagem natural as regras de contrução da extensão
deste caminho a N × N.
28
A Teoria da Probabilidade, segundo Borel, para sucessões de Bernoulli
2. Para um par (n, m) ∈ N2 defina, P (n, m), o peso desse par, por P (n, m) := n + m. Represente
graficamente uma pirâmide com o vértice em [1] = (0, 0) e colocando na mesma linha os pares com
o mesmo peso, ordenando cada linha da esquerda para a direita sendo a ordem para os pontos,
em cada linha, a ordem indicada na construção do caminho referida na alı́nea 1.
3. Mostre que o número de ordem do elemento mais à esquerda em cada linha é:
(n + m)(n + m + 1)
+1
2
e verifique que os pares da linha de peso (n + m) se podem representar por:
(n + m) − (−1)n+m (n + m)
(n + m) + (−1)n+m (n + m)
+ (−1)n+m k,
− (−1)n+m k ,
2
2
para k = 0, 1, . . . , n + m.
4. Conclua que a aplicação N que ao par (0, 0) associa o inteiro N(0, 0) = 1 e ao par (n, m) associa
o inteiro:
N(n, m) =
n + (−1)n+m n
m − (−1)n+m m
(n + m)(n + m + 1)
+1+
+
,
2
2
2
é uma bijecção de N × N em N∗ . Conclui-se, imediatamente, que a aplicação M := N − 1 é a
bijecção pretendida.
Os números normais
Em abstracto, a lei forte dos grandes números afirma que o conjunto dos números não
normais tem medida de Lebesgue nula. Tomando em consideração as propriedades dos
conjuntos de medida de Lebesgue nula e a observação 9 ocorre, naturalmente, a seguinte
questão: será o conjunto dos números não normais
sn (x)
1
c
∗
N = x ∈]0, 1] : (
)n∈N não converge para
n
2
um conjunto númeravel?
De facto, tal não acontece. Este conjunto é infinito e não numerável. Esta constatação, que vamos justificar seguidamente, confirma-nos, de outro modo, que a lei forte
dos grandes números é um resultado não trivial.
Considere-se Φ a correspondência que a um número x ∈]0, 1], tendo um dsenvolvimento binário não degenerado (αn (x))n∈N∗ , ou seja, com as notações introduzidas na
observação 2,
x = .α1 (x)α2 (x)α3 (x) . . . αn (x) . . .
associa o número Φ(x) ∈]0, 1] tendo o desenvolvimento binário não degenerado, (αn (Φ(x)))n∈N∗ ,
dado por:
Φ(x) = .α1 (Φ(x))α2 (Φ(x))α3 (x) . . . αn (Φ(x)) · · · =
= .α1 (x)11α2 (x)11α3 (x)11 . . . 11αn (x)11 . . .
Uns segundos de reflexão convencerão o leitor que o desenvolvimento de Φ(x) é construı́do
a partir do desenvolvimento de x por um processo simples. Com efeito, na sucessão
29
Capı́tulo 1
dada por (αn (Φ(x)))n∈N∗ , os termos de ordem 1, 4, 7, . . . , 3n + 1, . . . para n = 0, 1, 2, . . .
correspondem os termos α1 (x), α2 (x), α3 (x), . . . , αn+1 (x), . . . ; para k 6= 3n + 1, em que
n = 0, 1, 2, . . . , tem-se que αk (Φ(x)) = 1. Em sı́ntese pode dizer-se que:
(
αn (x) se k = 3n + 1, n ∈ N
∀k ∈ N∗ αk (Φ(x)) =
(1.18)
1 no caso contrário.
Dado que, por construção, a sucessão (αn (Φ(x)))n∈N∗ é não degenerada, o número de
]0, 1]
+∞
X
αk (Φ(x))
Φ(x) :=
2k
k=1
fica determinado univocamente pelo que Φ é uma aplicação injectiva de ]0, 1] em ]0, 1].
Exercı́cio 21. Redija cuidadosamente a demonstração de que Φ é uma aplicação bijectiva de ]0, 1] em
Φ(]0, 1]).
Observe-se agora que, por construção, para n ∈ N∗ e qualquer x ∈]0, 1]:
s3n (Φ(x)) ≥ 2n ,
pelo que
2
sn (Φ(x))
s3n (Φ(x))
2n
≥ lim inf
≥ lim inf
=
n∈N∗
n∈N∗ 3n
n
3n
3
e, logo, Φ(x) ∈
/ N. Em consequência, tem-se que:
lim inf
∗
n∈N
Φ(]0, 1]) ⊂ Nc ⊂]0, 1] .
Uma vez que Φ é bijectiva, e ]0, 1] em Φ(]0, 1]), tem-se que:
#]0, 1] = #Φ(]0, 1]) ≤ #Nc ≤ #]0, 1] .
O teorema de Cantor–Schroeder–Bernstein permite-nos concluir que:
#Nc = #]0, 1] ,
isto é, que Nc tem a mesma cardinalidade que ]0, 1] sendo, por isso, infinito e não
numerv́el.
Observação 10. Os números normais que, de acordo com a lei forte dos grandes números,
são os números tı́picos do intervalo ]0, 1] têm propriedades muito interessantes8 . No
entanto, é muito difı́cil exibir um número normal. Sabe-se que o número n cujo desenvolvimento decimal é dado por
n := .1234567891011121314151617 . . .
é normal (veja-se [2][p. ]) mas por exemplo, ainda se ignora se π − 3 ou e − 2 são normais
ou não.
8
Uma dessas propriedades é que no desenvolvimento binário (ou decimal), dum número normal, se
podem encontrar todos os livros escritos até hoje ou que se venham a escrever um dia (veja-se [1][p.
68–75]).
30
A Teoria da Probabilidade, segundo Borel, para sucessões de Bernoulli
A demonstração da lei forte dos grandes números
A demonstração que vamos apresentar inicia-se de modo semelhante à da lei fraca mas
melhora-se a velocidade de convergência, para zero, da estimativa da medida de Lebesgue
do conjunto relevante.
Demonstração. Considerem-se as notações usadas na demonstração da lei fraca dos grandes números. Em resultado de mais uma aplicação da desigualdade de Tchebytchev,
tem-se que, para n ∈ N∗ :
sn (x) 1
− |> = λ {x ∈]0, 1] :| Sn (x) |4 > (2n)4 } <
λ
x ∈]0, 1] :|
n
2
(1.19)
Z 1
1
4
<
| Sn (x) | dx .
16n4 4 0
Mais uma vez, da mesma forma que na demosntração da lei fraca, note-se que:

! n
! n
!
n
n
X
X
X
X
| Sn (x) |4 =
Ri (x) 
Rj (x)
Rl (x)
Rk (x)
i=1
=
=
+
j=1
X
l=1
k=1
Ri (x)Rj (x)Rl (x)Rk (x) =
i,j,l,k∈{1,...,n}
n
X
X
Ri4 (x) +
Ri (x)Rj3 (x)
i=1
i,j∈{1,...,n},i6=j
X
X
+
Ri2 (x)Rj2 (x)+
i,j∈{1,...,n},i6=j
Ri (x)Rj (x)Rl2 (x)+
i,j,l∈{1,...,n},i6=j6=l,i6=l
+
X
Ri (x)Rj (x)Rl (x)Rk (x) .
i,j,l,k∈{1,...,n},i6=j6=l6=k6=i6=l,j6=k
R1
Invocando novamente o exercı́cio 26, para estimar o 0 | Sn (x) |4 dx tal como fizémos
na demonstração da lei fraca, tem-se:
Z 1
Z 1
n Z 1
X
X
4
4
| Sn (x) | dx =
Ri (x)dx +
Ri2 (x)Rj2 (x)dx =
0
i=1
0
i,j∈{1,...,n},i6=j
0
= n + C24 × C2n = n + 3n(n − 1) = 3n2 − 2n ≤ 3n2 .
considerando apenas os termos não nulos. Reportando esta estimativa na desigualdade 1.19 temos que:
Z 1
sn (x) 1
1
3
− |> <
| Sn (x) |4 dx ≤
.
(1.20)
λ
x ∈]0, 1] :|
4
4
n
2
16n 0
16n2 4
Iremos em seguida aproveitar esta estimativa construir uma cobertura adequada do
conjuntodos números não normais cuja medida de Lebesgue seja tão pequena quanto
queiramos. Para tal necessitamos de um resultado simples de análise que é enunciado
no lema seguinte.
31
Capı́tulo 1
Lema 1. Para qualquer η > 0 existe uma sucessão (n )n∈N∗ de números reais positivos,
tal que:
1. A sucessão (n )n∈N∗ decresce para zero:
lim ↓ n = 0
n→+∞
2. A velocidade de convergência para zero da sucessão (n )n∈N∗ é contrabalançada
pela velocidade de convergência para +∞ da sucessão (n2 )n∈N∗ de tal forma que:
+∞
X
n=1
3
<η
16n2 4n
Demonstração. Procura-se uma sucessão (n )n∈N∗ decrescente para zero e tal que a série
de termo geral (3/16n2 4 )n∈N∗ seja convergente, tendo uma soma majorada estritamente
por η. Tal é possı́vel se se tiver para β > 1:
n2 4n ' nβ .
Seja então, por definição, para qualquer n = 1, 2, . . . :
4n :=
c3
√ ,
16 n
onde c é uma constante, em relação a n ∈ N∗ , cujo valor determinaremos em função
√
de η. É imediato verificar que a sucessão de termo geral n := (3c/ n)1/4 satisfaz as
duas condições do enunciado desde que se escolha c, em função de η, suficientemente
grande.
Para concluirmos a demonstração vamos mostrar que (N )c tem medida de Lebesgue
nula, segundo a definição. Como Sn é uma função em escada, pode deduzir-se que o
conjunto:
sn (x) 1
x ∈]0, 1] :|
− |> = {x ∈]0, 1] :| Sn (x) |> 2n}
n
2
é uma união finita de subintervalos de ]0, 1]. Seja η > 0 qualquer. Seja (n )n∈N∗ uma
sucessão que satisfaça as condições do lema 1 acima. Observe-se agora que se
+∞
\
sn (x) 1
x∈
− |≤ n ,
x ∈]0, 1] :|
n
2
n=1
então
lim |
n→+∞
sn (x) 1
− |= 0 ,
n
2
pelo que x ∈ N, isto é:
N ⊂
c
+∞
[
n=1
32
sn (x) 1
− |> n
x ∈]0, 1] :|
n
2
.
A Teoria da Probabilidade, segundo Borel, para sucessões de Bernoulli
Dado que o conjunto mais à direita nesta inclusão é uma união numerável de intervalos
e que, pela construção do lema e pela estimativa 1.20:
X
+∞ +∞
X
3
sn (x) 1
− |> n } ≤
<η,
λ {x ∈]0, 1] :|
n
2
16n2 4n
n=1
n=1
tem-se, pela definição de conjunto de medida de Lebesgue nula, que λ(Nc ) = 0, isto é, a
lei forte dos grandes números.
1.4
Exercı́cios
Alguns dos enunciados seguintes figuram também nas folhas de exercı́cios.
Exercı́cio 22. Prove que o conjunto B das sequências de Bernoulli não é numerável usando o argumento
da diagonal de Cantor.
Exercı́cio 23. Seja ω ∈ I =]0, 1].
P
i
1. Mostre que ω pode ser escrito na forma ∞
i=1 ai /2 , ai = 0, 1. Mostre que esta expansão é única
quando nos restringimos a desenvolvimentos binários não degenerados.
P
i
2. Mostre que para qualquer inteiro k, ω ∈ I pode ser escrito na forma ∞
i=1 ai /k , ai = 0, 1, ..., k −1.
Mostre ainda que esta expansão é única quando nos restringimos a desenvolvimentos k-ários não
degenerados.
[1]
Exercı́cio 24. Um número é escolhido ao acaso em [0, 1]. Qual a probabilidade de:
1. o primeiro algarismo não nulo do desenvolvimento decimal ser 1 ?
2. o segundo algarismo significativo do desenvolvimento decimal ser 5 ?
Exercı́cio 25. Um jogador tem uma fortuna inicial de uma unidade monetária, calcule a probabilidade [1]
de ruina na 1, na 3 e na 5 jogada. Mostre que a probabilidade de eventual ruina é pelo menos de 70 %.
[2]
Exercı́cio 26. Mostre que
Z
Rγ1 Rγ2 ...Rγn dx = 0 ou 1
I
para qualquer sequência γ1 ≤ γ2 ≤ ... ≤ γn . Quando é que a resposta é 1?
ek , [1]
Exercı́cio 27. Sejam Rk :]0, 1] −→ R, k ∈ N∗ as funções de Rademacher. Defina, para cada k ∈ N∗ , R
a função de Rademacher sobre toda a recta real, requerendo que a função seja periódica de periodo um,
ek (x+1) = R
ek (x) para todo o x ∈ R. Com esta definição mostre que R
ek+1 (x) = R
ek (2x)
ou seja, fazendo R
ek (x) = R
e1 (2k−1 x).
e, por indução, que R
[2]
Exercı́cio 28. Mostre que
Rn (x) = −sgn[sin(2π2n−1 x)]
excepto num número finito de pontos.(Para qualquer número a, sgn(a) é 1 se a > 0 e -1 se a ≤ 0).
Mostre, também, que:
en (x) = −sgn[sin(2π2n−1 x)]
R
excepto numa infinidade numerável de pontos.
33
Capı́tulo 1
[1]
Exercı́cio 29. Prove que
2t − 1 =
∞
X
−k
Rk (t)2
.
k=1
[1]
Exercı́cio 30. Qualquer número ω ∈]0, 1] tem um desenvolvimento ternário
∞
X
ak 3−k
k=1
com ak = 0, 1, 2 (ver exercı́cio 23). Podemos tornar este desenvolvimento único selecionando, sempre
que exista ambiguidade, o desenvolvimento não degenerado. Com esta convenção, define-se
Tk (ω) = ak − 1.
Desenhe o gráfico de Tk para k = 1, 2, 3. Consegue encontrar uma fórmula geral?
[1]
Exercı́cio 31. Obtenha uma fórmula recursiva para os Tk semelhante à fórmula encontrada para os Rk
no exercı́cio 28.
[3]
Exercı́cio 32. Mostre que o conjunto dos números não normais é denso em [0, 1].
[2]
Exercı́cio 33.
1. Mostre que existe uma constante positiva c tal que, para todo n ∈ N,
Z 1
[Sn (x)]6 dx ≤ cn3 .
0
2. Seja An = {w ∈]0, 1] : |Sn (w)| > εn}. Mostre que λ (An ) ≤ cε−6 n−3 .
[2]
Exercı́cio 34. Mais geralmente, mostre que existe um número positivo ck tal que, para todo o n ∈ N,
Z 1
[Sn (x)]2k dx ≤ ck nk .
0
[3]
Exercı́cio 35. Prove o seguinte refinamento da lei forte dos grandes números:
∀δ >
[2]
1
2
lim
n→+∞
Sn
=0.
nδ
Exercı́cio 36. Prove que
1
Z
etSn (x) dx =
0
Indicação : Prove por indução. Escreva
Z 1
Z
etSn (x) dx =
0
et + e−t
2
(1.21)
n
.
1
etSn−1 (x) eRn (x) dx.
0
Divida o intervalo [0, 1] em 2n−1 intervalos iguais onde em cada um deles Rn−1 é constante. Mostre que
t
Z
Z
e + e−t
etSn (x) dx =
etSn−1 (x) dx
2
J
J
se J é um desses sub-intervalos.
34
A Teoria da Probabilidade, segundo Borel, para sucessões de Bernoulli
[2]
Exercı́cio 37. Do exercı́cio anterior, obtenha a fórmula
2k t
n Z 1
d
e + e−t
Sn (x)2k dx =
.
dt
2
0
t=0
[2]
Exercı́cio 38. Seja f uma função monótona não negativa definida no intervalo unitário. Prove a
desigualdade de Chebyshev
Z
1 1
λ({ω ∈ I; f (ω) > α}) <
f (x)dx
α 0
com o integral da direita sendo o integral de Riemann.
1.5
Exercı́cios Complementares
∗
Exercı́cio 39. Seja, para cada α ∈ [0, 1] com desenvolvimento binário (αn )nεN∗ ∈ [0, 1]N e, para cada
n ∈ N∗ seja Pn (α), a posição de um ponto na recta real, definida, por indução, por:
• Po (α) = 0
• ∀n ≥ 1 Pn (α) ∈ Z ⇒ Pn+1 (α) = Pn (α) + Rn+1 (α)
Mostre que para todo o α ∈ [0, 1], salvo talvez num conjunto de medida de Lebesgue nula, se verifica:
lim
n→∞
Pn+1 (α)
=0.
n+1
∗
Exercı́cio 40. Considere o jogo dado por (αn )n∈N∗ ∈ {0, 1}N , uma sucessão infinita de lançamentos
de uma moeda equilibrada ao ar. Sempre que numa tiragem saia coroas (0), o jogador perde 1 unidade
monetária, sempre que numa tiragem saia caras (1), o jogador ganha 1 unidade monetária.
1. Mostre que a soma dos ganhos e perdas, à N –ésima tiragem, é dada por:
N
X
Rh (α) .
h=1
2. Para 0 < δ < 1 seja AN (δ) o acontecimento definido por: ”A soma dos ganhos e perdas, à Nésima
jogada, é maior ou igual que δN e menor ou igual que −δN ”. Mostre que:
P[AN (δ)] ≤
1
.
δ2 N
Exercı́cio 41. Seja α ∈]0, 1] e consideremos o seu desenvolvimento ternário não degenerado (αn )n∈N∗ ∈
∗
{0, 1, 2}N . Seja β ∈ {0, 1, 2}, fixo, e defina-se:
(
2
αk = β
Rk (α) =
−1 αk 6= β .
1. Mostre que
R 1 PN
o
h=1
Rh (α) dα = 0.
R1
Ri (α)Rj (α)dα = 0 desde que i 6= j.
o
2
R 1 PN
3. Mostre que o
R
(α)
dα = 2N .
h
h=1
2. Mostre que
35
Capı́tulo 1
Exercı́cio 42. Diremos que um conjunto A ⊆ R verifica a propriedade T se e só se, sendo J a famı́lia
de todos os intervalos de de R,
∀ > 0 ∃p ∈ N ∃I1 , · · · , Ip ∈ J A ⊆
p
[
Ik ∧
h=1
p
X
λ(Ik ) < .
h=1
1. Mostre que se A verificar a propriedade T, então A é de medida de Lebesgue nula.
2. Mostre que o fecho de um conjunto, na topologia ususal de R, que verifica a propriedade T, também
verifica a propriedade T.
3. Dê exemplo de um conjunto de medida de Lebesgue nula, que não verifica a propriedade T.
Exercı́cio 43. Seja o jogo dado por uma sucessão infinta de lançamentos independentes de uma moeda
∗
equilibrada ao ar. Seja α ≡ (αn )n∈N∗ ∈ {0, 1}N uma realização do jogo. Sempre que numa tiragem saia
coroa (0) o jogador perde +1 e sempre que saia caras (1) o jogador ganha 1. Suponha que o jogador tem
uma fortuna inicial de dois. Determine a probabilidade de ruı́na à segunda jogada. Poderá tirar proveito
da representação gráfica de um esquema em árvore.
Exercı́cio 44. Seja α ∈]0, 1] e consideremos o correspondente desenvolvimento binário (αn )n∈N∗ ∈
∗
{0, 1}N . Seja por definição
n
1X
Xn (α) =
Rh (α) .
n
h=1
R1
1. Obtenha uma expressão para o etXn (α) dα .
2K
R1
2. Baseando-se no resultado que obteve na alı́nea anterior determine uma expressão para: o Xn (α)
dα
.
Exercı́cio 45. Considere o conjunto
o
n
∗
M := α ≡ (αn )n∈N∗ ∈ {0, 1}N : ∃no ∈ N∗ ∀n ≥ no αn = 1 .
1. Mostre que λ(M ) = 0 .
2. Conclua que, com probabilidade um, no desenvolvimento binário de α ∈ M a sequência 10 aparece
uma infinidade de vezes.
∗
Exercı́cio 46. Considere o jogo dado por (αn )n∈N∗ ∈ {0, 1}N , uma sucessão infinita de lançamentos
de uma moeda equilibrada ao ar. Sempre que, ao N–ésimo lançamento saia coroas (0), o jogador perde
1/2N unidades monetárias e sempre que ao N–ésimo lançamento, saia caras (1), o jogador ganha 1/2N
unidades monetárias.
1. Determine a expressão da soma dos ganhos e perdas ,ao N–ésimo lançamento, usando as funções
de Rademacher.
P
n
2. Determine a probabilidade da soma dos ganhos e perdas, no jogo α = ∞
n=1 αn /2 , ser positiva.
Exercı́cio 47. Seja α ∈]0, 1] e consideremos o seu desenvolvimento não degenerado em base 3, (αn )n∈N∗ ∈
{0, 1, 2}N . Seja β ∈ {0, 1, 2}. Defina-se:
(
2
αk = β
Rk (α) =
−1 αk 6= β
36
A Teoria da Probabilidade, segundo Borel, para sucessões de Bernoulli
1. Mostre que:
1
Z
t(
e
PN
h=1
Rh (α))
dα =
o
2e−t + e2t
3
N
.
2. Em função da alı́nea anterior, obtenha uma expressão para:
1
Z
0
N
X
!2L
Rh (α)
dα .
h=1
Exercı́cio 48. Seja ω ∈]0, 1]; Mostre que, para cada inteiro k fixo, ω se pode representar na forma
ω=
∞
X
ai
,
i
k
i=1
com ai ∈ {0, 1, 2, · · · , k − 1}. Mostre que esta representação é única se se verificar que:
∀i ∈ N∗ ∃j ≥ i aj 6= 0 .
Exercı́cio 49. Mostre que a correspondência τ :]0, 1] −→]0, 1] que a um ponto α ∈]0, 1] com desenvolvimento binário não degenerado (αn )n∈N∗ associa o ponto β := τ (α) com desenvolvimento binário não
degenerado (βn )n∈N∗ dado por:
(
αk+1 n = 3k + 1, k ≥ 0
βn :=
1
n 6= 3k + 1, k ≥ 0
pode ser usada para definir uma aplicação injectiva τ , que verifica: τ (]0, 1]) é um conjunto não numerável
de números não normais.
1.6
Resoluções
Resolução:[Exercı́cio 4] Para a resolução do exercı́cio vamos proceder por indução. Seja
x ∈]0, 1] qualquer fixo. Como vimos imediatemente a seguir ao enunciado do exercı́cio,
a propriedade é válida para n = 1, 2, 3. Suponhamos que se tem então:
sn (x) =
α1 (x) α2 (x)
αn (x)
m(x)
+
+ ··· +
= n
2
n
2
2
2
2
em que m(x)/2n é a extremidade inferior do intervalo de comprimento 1/2n a que x
pertence. Tem-se pois:
m(x) m(x) + 1
2m(x) 2m(x) + 1
2m(x) + 1 2m(x) + 2
x∈
,
=
,
∪
,
2n
2n
2n+1
2n+1
2n+1
2n+1
Se se tiver x ∈]2m(x)/2n+1 , (2m(x) + 1)/2n+1 ] então tem-se pelas definições αn+1 (x) = 0
e por isto:
sn+1 (x) =
α1 (x) α2 (x)
αn (x) αn+1 (x)
m(x)
2m(x)
+
+ ··· +
+
= sn (x) = n = n+1
2
n
n
2
2
2
2
2
2
37
Capı́tulo 1
e sn+1 (x) continua a ser a extremidade inferior do intervalo de comprimento 1/2n+1 a
que x pertence. Do mesmo modo se se tiver que x ∈](2m(x)+1)/2n+1 , (2m(x)+2)/2n+1 ]
então αn+1 (x) = 1,
sn+1 (x) = sn (x) +
1
2n+1
=
m(x)
1
2m(x) + 1
+ n+1 =
n
2
2
2n+1
e sn+1 (x) é ainda a extremidade inferior do intervalo de comprimento 1/2n+1 a que x
pertence ficando assim demonstrada, por indução, a propriedade enunciada no exercı́cio,
uma vez que se tem:
1
x ∈ sn (x), sn (x) + n ,
2
dado que o comprimento dos intervalos à ordem n é 1/2n . Pelo teorema das sucessões
enquadradas tem-se que limn→+∞ sn (x) = x.
♦
Resolução:[Exercı́cio 22] Suponhamos C numerável. Podemos então representá-lo
na forma C = {Cm : m ∈ N∗ } ficando entendido que se m 6= n então Cm 6= Cn . Pela
definição, isto é,
(
)
∞
X
αh
C = α ∈ [0, 1] : α =
, αh ∈ [0, 2]
zh
h=1
podemos então associar a cada Cm o seu desenvolvimento ternário Cm = (αhm )h∈N∗ com
αhm ∈ {0, 2} .
Representemo-los sob a forma de um quadro

1 1 1
1

 C1 = α1 α2 α3 · · · αp



2 2 2
2


 C2 = α1 α2 α3 · · · αp
C3 = α13 α23 α33 · · · αp3


..


.



 C = αp αp αp · · · αp .
p
1
2
3
p
9
e seja β = (βn )n∈N∗ ζ com a seguinte representação em base 3
∀n ∈ N∗ βn = 2 − αnn · · · (∗)
(1.22)
Como para todo o n ∈ N αnn ∈ {0, 2} será também βn ∈ {0, 1} pelo que por construção
β ∈ C. Mas por outro lado: ∀m ∈ N∗ β 6= Cm . Com efeito, caso contrário, se para
mo ∈ N∗ fosse β = Cmo então terı́amos ∀n ∈ N∗ βn = αnmo .
mo . A hipótese feita de
Ora isto contradiz a definição 1.22 que implica que βmo 6= αm
o
que C é numerável engendra uma contradição pelo que C não é numerável.
Observação 11. C é, obviamente, infinito.
9
38
Observe-se, no quadro, a diagonal usada para construir β.
A Teoria da Probabilidade, segundo Borel, para sucessões de Bernoulli
♦
Resolução:[Exercı́cio 26] Observe-se que podemos supôr sempre que γ1 < γ2 <
· · · < γn . Com efeito, seja p1 ∈ {1, . . . , n} o primeiro inteiro tal que γp1 +1 > γp1 . Tem-se
então que:
Rγ1 · Rγ2 · · · Rγn = Rγp1p · Rγp1 +1 · · · Rγn
1
Seja agora p2 ∈ {p1 + 1, . . . , n} o primeiro inteiro tal que γp2 +1 > γp2 . Tem-se, em
consequência, que:
Rγ1 · Rγ2 · · · Rγn = Rγp1p Rγp2p−p1 · Rγp2 +2 · · · Rγn
1
2
Por indução podemos pois encontrar um número finito de inteiros p1 , · · · , pm ∈
{1, · · · , n} tais que:
−pm−1
Rγ1 · Rγ2 · · · Rγn = Rγp1p Rγp2p−p1 · Rγp3p−p2 · · · Rγpm
pm
1
2
3
onde p1 < p2 < · · · < pm .
Observando que para todo o p inteiro e γ inteiro
Rγ2p ≡ 1 e Rγ2p+1 ≡ Rγ2p · Rγ ≡ Rγ
bastará observar as paridades dos expoentes p1 , p2 −p1 , · · · , pm −pm−1 guardando apenas
aqueles que são ı́mpares sejam q1 , q2 , · · · , q` tendo-se então que:
Rγ1 · · · · · Rγn = Rγi1 · · · Rγiq
em que i1 , · · · , iq ∈ {p1 , · · · , pm } e correspondem aos q1 , · · · , q` . É óbvio que i1 < · · · <
iq .
R1
Sejam então γ1 < Γ2 inteiros e determine-se 0 Rγ1 (α)Rγ2 (α)dα.
Observe-se que sobre cada um dos intervalos diádicos em que Rγ1 é constante, e vale
+1 ou −1, Rγ2 oscila um número par de vezes entre os valores +1 e −1. Com efeito, num
intervalo de comprimento 2γ11 , onde Rγ1 é constante, há 2γ11 : 2γ12 = 2γ2 −γ1 intervalos de
comprimentos 2γ12 que é obviamente um número par. Assim sendo, podemos escrever:
1
Z
Rγ1 (α)Rγ2 (α)dα =
γ1 −1
k=2
X
Z
(±1)
0
k+1
2γ1
k
2γ 1
k=0
Rγ2 (α)d(α)
Como o integral de Rγ2 (α), sobre um intervalo 2kγ1 , k+1
2γ1 , vale zero temos que o
integral de Rγ1 Rγ2 em [0, 1] é zero. Do mesmo modo se procede para 3 funções com
γ1 < γ2 < γ3 .
γ1 −1
Z 1
Z k+1
k=2
X
2γ1
Rγ2 (α) · Rγ3 (α)dα
Rγ1 (α)Rγ2 (α)Rγ3 (α)dα =
(±1)
0
k+1
2γ1
Z
k
2γ1
Z
Rγ2 (α) · Rγ3 (α)dα =
`=(k+1)2γ2 −γ1 −1
=
k
2γ1
k=0
X
`=k2γ2 −γ1
(±1)
Z
`+1
2γ 2
`
2γ 2
(k+1) γ −γ
2 2 1
2γ2
k
2γ 2
2γ2 −γ1
Rγ2 (α) · Rγ3 (α)d(α) =
Rγ3 (α)dα = 0
39
Capı́tulo 1
Por indução teremos que para qualquer n, inteiro não nulo e γ1 < γ2 < · · · < γn
inteiros não nulos será
Z 1
Rγ1 · · · · · Rγn dα = 0
0
É óbvio que se γ1 ≤ γ2 ≤ · · · ≤ γn o integral valerá 1 quando e só quando fôr:
−pm−1
Rγ1 · · · Rγn = Rγp1p Rγp2p−p1 · Rγp3p−p2 · · · Rγpm
pm
1
2
3
com p1 , p2 − p1 números pares. Nesta circunstância teremos Rγ1 · · · · · Rγn ≡ 1 pelo que
o integral valerá 1, se houver pelo menos um expoente ı́mpar o integral será zero.
♦
Resolução:[Exercı́cio 27] As fórmulas que se pretende demonstrar dizem respeito à
extensão periódica de Rk , a késima função de Rademacher, a R. Esta extensão que denotaremos por R̃k é, por definição, uma função definida em R com perı́odo 1, verificando
portanto:
• ∀x ∈ R
R̃k (n + 1) = R̃k (n)
• ∀x ∈ [0, 1] R̃k (n) = Rk (n)
S
É certo que R = n∈Z ]n, n + 1]. Esta igualdade resulta de ser N bem ordenado e R
arquimediano. Em consequência, para cada x ∈ R existe Nn ∈ Z e xn ∈]0, 1] tais que
n = Nn + xn . (Ponha-se xn = n − Nx onde Nn é tal que x ∈]Nn , Nn + 1].) Podemos
pois escrever:
R̃k+1 (x) = R̃k+1 (Nx + xn ) =(1) R̃k+1 (αn ) =(2) R̃k+1 (αn ) =(3) Zαk+1 − 1
onde justificamos:
(1) por ser R̃k+1 periódica de perı́odo 1 e Nx ∈ Z i.e. Nn múltiplo inteiro do perı́odo;
(2) por ser R̃k+1 extensão de R̃k+1 a R e xn ∈]0, 1];
(3) se fôr αn ≡ (αn )n∈N∗ o desenvolvimento binário de αn .
Da mesma forma, podemos escrever:
α2 α3
αn+1
R̃k (2x) =R̃k (2Nx + 2xn ) = R̃k (2αn ) = R̃k α1 +
+ 2 + ··· + n + ··· =
2
2
2
!
!
∞
∞
X αn+1
X αn+1
=(5) R̃k
=(6) Rk
=(7) Zαk+1 − 1
n
2
2n
(4)
n=1
n=1
onde justificamos:
(4) e (6) por argumentos semelhantes aos argumentos para justificar (1) e (2) res-pectivamente;
(5) por serα1 = 0 ou α1 = 1 e R̃k ser periódica de perı́odo 1;
40
A Teoria da Probabilidade, segundo Borel, para sucessões de Bernoulli
(7) dado que R̃k (β) é por definição 2βk − 1 em que βk é o k ésimo termo do desenvolvimento binário de β, isto é, é o inteiro de {0, 1} que se encontra como numerador
da fracção que tem como denominador 2k .
É trivial que: R̃k (x) = R̃k−1 (2n) = R̃k−2 (22 n) = R̃1 (2k−1 n) usando-se, tal como já
foi demonstrado, que:
R̃k (x) = R̃k−1 (2x).
♦
Resolução:[Exercı́cio 28] Vejam-se as notações de correcção do exercı́cio 27 anterior.
Demonstraremos o seguinteresultado:
R̃n (x) = − sinal sen(2π2n−1 x) ,
excepto talvez numa famı́lia numerável de pontos.
Observe-se que, em função do que já foi visto em [5],
R̃n (n) = R̃1 (2n−1 n)
pelo que a igualdade que pretendemos demonstrar é equivalente a:
R̃1 (2n−1 n) = − sinal sen(2π2n−1 n) .
Com a mudança de variável y = 2n−1 x temos ainda
R̃1 (Y ) = − sinal [sen(2πy)]
Dado que y = Ny + αy com Ny ∈ Z e αy ∈]0, 1] será:
R̃1 (Ny + αy ) = − sinal [sen(2πNy + 2παy )] .
Ainda atendendo à periodicidade, de R̃1 e do seno, e ao facto de R̃1 ser extensão de
R1 e αy ∈]0, 1]
R1 (αy ) = − sinal [sen(2παy )] .
1
Ora, para αy ∈ 0, 2 , R1 (αy ) = −1 e como nestas condições 2παy ∈]0, π], temos
que − sinal[sen(2παy ] = −1 se αy 6= 21 e +1 se αy = 12 . Para αy ∈] 12 , 1] temos que
2παy ∈]π, 2π] pelo que R1 (αy = +1 e − sinal [sen(2παy )] = 1 . Em resumo, o resultado
1
com N ∈ Z e
que pretendemos demonstrar é válido em R salvo para x = 21 + N x 2n−1
n ≥ 1.
♦
Resolução:[Exercı́cio 29]
∞
X
k=1
Rk (t)2−k =(1)
∞
X
k=1
(2αk − 1)2−k =(2) 2
∞
X
αk
k=1
2k
−
∞
X
1 (3)
= 2t − 1
2k
k=1
Onde as justificações são como a seguir se indica:
41
Capı́tulo 1
(1) Por definição Rk (t) = 2αk − 1 onde t ≡ (αk )k∈N∗ é ????? desenvolvimento binário
de t ∈]0, 1];
(2) A série cujo termo geral é a somaPdos termos
gerais de duas séries convergentes
∞ αk é
convergente
visto que α2kk ≤ 21k e
é uma série convergente. Ora
k=1 2k
P∞ 1
k=1 2k = 1.
P
αk
(3) Por definição t = ∞
k=1 2k .
♦
Resolução:[Exercı́cio 30] A função Tk é uma função em escada que só toma três
valores (−1, 0, 1) sendo constante em cada um dos 3k intervalos de comprimento 31k em
que fica dividido o intervalo [0, 1]. A função Tk é contı́nua em ]0, 1] salvo nos pontos
da forma 3mk com m ∈ {0, · · · , 3k }, admitindo nestes pontos os limites à esquerda e à
direita, a saber, respectivamente
Lc (
m
m
m
Tk (x) = Tk ( k ) 6= Lc :=
Tk (x) =: Ld ( k ) .
) :=
limm
limm
k
m
m
z
z
z
n→ k , x< k , m6=0
n→ k , x> k , m6=0
z
z
z
z
A forma geral do gráfico de Tk pode ser descrito do modo seguinte. Tk toma, sucessivamente, os valores −1, 0, 1 à medida de x ∈]0, 1] vai crescendo de zero para 1, nos
sucessivos intervalos de comprimento z1k começando por tomar o valor −1 no primeiro
intervalo, isto é ]0, z1k ]. Para o intervalo de ordem m ∈ {1, · · · , z k }, isto é ] m−1
, zmk ], se
zk
fôr m = p3 + r com p ∈ N e r ∈ {1, 2, 0} a divisão euclidiana de m por 3, será


−1 se r = 1
Tk (n) =
0 se r = 2


1 se r = 0.
♦
Resolução:[Exercı́cio 31] A fórmula de recorrência a obter é para k ∈
∀x ∈ R
T̃k+1 (n) = T̃k (3x). A prova faz-se considerando T̃k a extensão periódica de perı́odo 1 de
Tk a R e usando o mesmo tipo de argumentos que os que foram usados nas resoluções
dos exercı́cios 27 e 28.
♦
Resolução:[Exercı́cio 32] Observe-se que se α ∈]0, 1] for um número diádico então α
∗
terá necessariamente um desenvolvimento binário da forma (αn )n∈N∗ ∈ {0, 1}N tal que
para no ∈ N∗ dado será:
∀n > no αn = 1
N∗
Assim sendo teremos que para n > no será
sn (α)
n − no
≥
n
n
Em consequência limn→+∞ sn (α)/n = 1, pelo que α é não-normal. Se denotarmos
D o conjunto dos números diádicos então temos que D ⊆ No , onde N representa os
números normais.
42
A Teoria da Probabilidade, segundo Borel, para sucessões de Bernoulli
É trivial agora que D = [0, 1]. Seja x ∈ [0, 1]. Suponhamos que x 6= 0, 1 e que para
Log
> 0 se tem: X =]n − , n − [⊆]0, 1[. Seja no tal que 2n1o < 2 no > 1 − Log2
terá que
m
existir então pelo menos um ponto diádico da forma 2no no intervalo X . Com efeito,
no },
este intervalo tem comprimento 2 e os pontos diádicos, da forma 2m
no , m ∈ {0, · · · , 2
estão separados uns dos outros por uma distância que vale 2n1o ; pela escolha de no , temos
1
2no <2 .
o
o
Em consequência D ⊆ N ⊆ [0, 1] como D = [0, 1] terá que ser N = [0, 1].
Observação 12. Se x = 0 ou 1 far-se-á a mesma prova mas com um intervalo da forma
]0, [ ou ]1 − , 1[
♦
Resolução:[Exercı́cio 33]
(SN (x))2 =
N
X
!2
Ri (x)
=
i=1
N
X
N
X
Ri2 +
i=1
i,j=1
i6=j
2
= (SN
(x))3 = N 3 + 3N 2

Ri Rj + 3N 
i,j=1
i6=j
Z
1
[SN (x)]6 dx = N 3 + 3N 2
o
N
X

+
o
1


N
X
2
i,j=1
i6=j
1
Z
Ri Rjdx + 3N
o
o



Ri Rj  + 
N
X
3

Ri Rj 
i,j=1
i6=j

Z
i,j=!
i6=j
Z
Ri Rj [SN (x)]6 =
i,j=1
i6=j

N
X
N
X
Ri Rj = N +
1


N
X
2

Ri Rj  dx+
i,j=!
i6=j
3
N
X

Ri Rj  dx
i,j=1
i6=j
Sabemos que
Z
1
Rγ1 Rγ2 · · · Rγn dx = 1
0
se com γ1 ≤ γ2 ≤ · · · ≤ γn podemos extrair γk1 < γk2 < · · · < γkt com kt ≤ n tal que
Rγ1 · Rγ2 · · · · · Rγn = Rγαk1 · Rγαk2 · · · · · Rγαkt
1
1
t
em que k1 , k2 , · · · , kt são pares.
Este integral vale zero no caso contrário.
R1
Daqui concluı́mos que 0 Ri Rjdx = 0, i ≤ j, donde
N Z
X
i,j=1
i6=j
1
Ri Rj dx = 0
o
43
Capı́tulo 1
Resta-nos estudar os restantes casos

2
Z 1 X
N

Ri , Rj  dx
o
i,j=1
2
N
N
X
X


Ri Rj  =
Ri Rj RK Rl


i,j=1
i6=j

Z
o
1


N
X
i,j,k,l=1
i6=j
K6=l
2
Z
N
X

Ri , Rj  dx =
i,j=1
i6=j
i,j,k,l=1
i6=j
K6=l
1
Ri Rj RK Rl dx = M N (N − 1)
o
Vejamos quais são os casos em que o integral vale um, ou seja, em que as igualdades
entre os ı́ndices são tais que as funções têm expoentes pares. Os casos existentes são:
1. Rα4 , este caso não é possı́vel, pois implicarı́a i = j = K = l, o que não pode
acontecer
2. Rα2 Rβ2 , α 6= β. Este caso já é possı́vel. Seja M ∈ N o número de caos deste tipo
existente. Para cada caso, temos N (N − 1) ocorrências
Rα2 Rβ2
”α- existem N números disponı́veis para este ı́ndice
”β- como α 6= β existem N − 1 números disponı́veis para este ı́ndice

3
Z 1 X
N


Ri Rj  dx

o



i,j=1
i6=j
N
X
i,j=1
i6=j
3

Ri Rj  =
X
Rα1 Rα2 Rα3 Rα4 Rα5 Rα6
αi ε{1,··· ,N }
iε{1,··· ,N }
α1 6=α2
α3 6=α4
α5 6=α6
Este caso é análogo ao anterior, tendo em conta que os casos são:
1. Rα6
2. Rα4 Rβ2 , α 6= β
3. Rα2 Rβ2 Rγ2 , α 6= β 6= γ
44
A Teoria da Probabilidade, segundo Borel, para sucessões de Bernoulli
Não sendo possı́vel 1 e 2, pois exigem igualdade entre os ı́ndices que não podem
acontecer devido às condições α1 6= α2 , α3 6= α4 , α5 6= α6 . O único caso existente é 3.
Seja s o número de casos deste tipo existentes. Para cada caso temos N (N − 1)(N − 2)
ocorrências.
3






Z 1 X


 dx = sN (N − 1)(N − 2)

R
R
R
R
R
R
α
α
α
α
α
α
6
5
4
3
2
1


o  α ε{1,··· ,N }

i

 iε{1,···
,6}

 α1 6=α2
α3 6=α4
α5 6=α6
1
Z
[SN (x)]6 dx = N 3 + 3M N 2 (N − 1) + sN (N − 1)(N − 2) ≤
o
≤ n3 + δ(3N 3 − 3N 2 + N 3 − 3N 2 + 2N ) =
= N 3 + δ(4N 3 − 3N 2 + 2N ) = (4δ + 1)N 3 −
− 3δN 2 + 2N ≤ (4δ + 1)N 3 + 2N 3 = (4δ + 3)N 3
(NOTA: ≤→
N εN
; Seja δ = max(M, 1))
δεN
An = {wε]0, 1] : |Sn (w)| > εn} = wε]0, 1] : |Sn (w)|6 > ε6 n6
Aplicando a desigualdade de Chebyshev, temos:
Z 1
1
1
µ(An ) ≤ 6 6
[SN (x)]6 dx ≤ 6 6 C3 n3 = ε−6 n−3 C3
ε n o
ε n
♦
Resolução:[Exercı́cio 34] O método é semelhante ao que foi aplicado para os casos
em que K = 2 ou 3. Usaremos a fórmula multinomial a saber:
(R1 + R2 + · · · + RN )P =
X
P1 + P2 + · · · + PN = P
P1 , · · · , PN ∈ N
P!
PN
RP1 RP2 · · · RN
.
P1 !P2 ! · · · PN ! 1 2
Tomando em conta o que sabemos sobre integrais de produtos de funções de Rademacher:
Z 1
Z 1
X
2k!
2PN
2P1 2P2
2K
R1 R2 · · · RN dα
(R1 +· · ·+RN ) dα =
2P1 ! · · · 2PN !
o
o
P1 + p2 + · · · + PN = K
P1 , · · · , PN ∈ N
45
Capı́tulo 1
dado que os outros termos, os que correspondem aos expoentes ı́mpares nas funções de
Rademacher, desaparecem quando integrados sobre o intervalo [0, 1]. R1
N
Observe-se que teremos N termos da forma o Rk2K (α)dα e teremos
termos da
2
forma
Z 1
2k!
R2K−2 (α) · Ri2 (α)dα para k 6= i
(2k − 2)!2! o k
que corresponde a um dos p1 , · · · , pN igual a 2K − 2 e um outro igual a 2. Termos deste
tipo darão origem na soma a uma quantidade do tipo:
2k!
N (N − 2)
×
(2K − 2)!2!
2!
isto é, a um termo em N 2 . Podemos supôr que N > K dado que se pretende uma
majoração para todo o N .
A questão consiste então em saber qual a maior potência de N que é possı́vel obter
dado que, para K fixo , esta potência é que condicionará o crescimento da expressão.
Quando forem, K entre P1 , · · · , PN , iguais a 1 será, então, para os termos correspondentes:
Z 1
2k!
Rk21 (α) · · · Rk2k (α)dα
2! · · · 2! o
Kvezes
N
−K+1)
= N (N −1)···(N
havendo
termos desta espécie que somados darão um termo
K!
K
da forma:
2K!
2
K −1
1
K
1−
1−
N
1−
N
N
N
2k · K!
A maior potência existente é assim N k o que mostra que para uma certa constante CK
será:
Z 1
(SN (α))2k dα ≤ CK N K .
o
♦
10 ]
Resolução:[Exercı́cio 34; segunda resolução


[SN (x)]2K = N +
N
X
K

Ri Rj 
=
i,j=1
i6=j
Z
o
10
46
1
[SN (x)]2K dx =
K
X
K−M
N
X


CM N M 
Ri Rj 

i,j=1
i6=j
M =0
K
X

CM N M
M =0
Esta resolução foi proposta pelo Dr. João Cabral.
Z
o
1


N
X
i,j=1
i6=j
K−M

Ri Rj 
dx
A Teoria da Probabilidade, segundo Borel, para sucessões de Bernoulli

Z
o
1


N
X
K−M

Ri Rj 
dx =
i,j=1
i6=j
1
Z
X
Rα1 Rα2 · · · Rα2K−2M −1 Rα2K−2M dx(1)
αi ε{1,cdots,N }
iε{1,2,cdots,2(KM )−1,2(KM )}
α1 6=α2 ;α2 6=α3 ;··· ;α2K−2M −1 6=α2K−2M
o
Analogamente ao exercı́cio 15, é necessário analisar quando é que
Z 1
Rα1 Rα2 · · · Rα2K−2M −1 Rα2K−2M dx = 1
o
O caso que envolve o maior número de ocorrências é do tipo
Rβ2 1 Rβ2 2 · · · Rβ2 K−M −1 Rβ2 K−M ; β1 6= β2 6= · · · 6= βK−M −1 6= βK−M
onde temos N (N − 1) · · · (N − (K − M − 1))(N − (K − M )) ocorrências. Qualquer
outro caso envolvendo expoentes pares, envolveria igualdades entre os βi , diminuindo o
número de factores no produto N (N −1)(N −2) · · · (N −(K −M )), donde seria reforçado
por este valor. Seja tr o número de casos possı́veis em (1), o número de ocorrências é
sempre majorado por N (N − 1) · · · (N (K − M )), donde
Z
X
1
Rα1 Rα2 · · · Rα2K−2M −1 Rα2K−2M dx ≤
αi ε{1,··· ,N }
(ε{1,2,··· ,2(K−M )−1,2(K−M )}
α1 6=α2 ,α3 6=α4 ,··· ,α2(K−M )−1 6=α2(K−M )
o
≤ tM
Z
1
2K
[SN (x)]
o
dx ≤
K
X
N (N − 1)
N (K − M )
···
≤ tM N K−M
≤N
≤N
M
CM N tM N
K−M
=N
K
PK
M =0 cM tM
M =0
CK
♦
Resolução:[Exercı́cio 35] Seguimos a demonstração da lei forte dos grnades números
e consideramos:
AN () = {α ∈]0, 1] : |SN (α)| > N } =
n
o
= α ∈]0, 1] : (SN (α))2k > 2k N 2k
para k inteiro qualquer. Pela desigualdade de Chebyshev
Z 1
1
Ck
λ(AN ()) < 2k 2k ×
(SN (α))2k dα < 2k k
N
N
0
usando também a majoração obtida no exercı́cio anterior.
47
Capı́tulo 1
Tal como na prova de lei P
forte consideramos agora que é uma função de N N tal
Ck
< δ onde δ é um parâmetro positivo fixado
que limN →∞ N = 0 e ainda ∞
N <1 P2k
N
Nk
a
Nb
previamente. Bastará para tal que 2k
N =
com a.b constantes tais que:
∞
X
∞
Ck X 1
Ck
=
<δ
P2k
a
N K−b
N Nk
N <1
N <1
Para tal bastará que K − b > 1 e que a seja suficientemente grande dados K, b e δ.
Pondo BN = {α]0, 1] : |SN (α)| > N N } será obviamente:
∞
∞
X
CK
Ck X 1
λ(BN ) ≤ 2k K e
< δ.
λ(BN ) =
a
N K−b
N N
N <1
N <1
Para α ∈
√
2k
T∞
N <1
1
será |SN (α)| ≤ N · N pelo que para > SN1(α)
≤ N N 2 − =
+
N2
1
b
−− 2k
2
aN
.
b
Esta última quantidade terá como limite zero se for 12 − − 2k
< 0 ou de forma
K−(K−2)
K−b
= K1 . Podemos
equivalente: > 2K . Podemos pois concluir assim. Dado >
2K
nessa altura mostrar que (BN )N ∈N forma uma cobertura de
α ∈]0, 1] : lim
N →∞
SN (α)
1
N 2 +
C
=0
P
o que ficou escrito acima.
♦
tal que ∞
N =1 λ(BN ) < δ, de acordo com
PN
p p+1
Resolução:[Exercı́cio 36] SN (x) = i=1 Ri (x) constante em ] 2N , 2N ], pε{0, 1, · · · , 2N −
1}
1. N = 1, S1 (x) = R1 (x)
(
R1 (x) =
−1, xε]0, 12 ]
1, xε] 12 , 1]
2. Suponhamos que SN (x) é constante em ] 2pN , p+1
], pε{0, 1, · · · , 2N − 1}
2N
SN +1 (x) =
N
+1
X
i=1
Ri (x) =
N
X
Ri (x) + RN +1 (x) = SN (x) + RN +1 (x)
i=1
Consideremos o intervalo ] 2pN , p+1
] , com pε{0, 1, · · · , 2N }. Sabemos, por hipótese
2N
que SN (x) é constante neste intervalo seja Kp esse valor
48
p p+1
2p 2p + 1
2p + 1 2p + 2
,
=
,
∪
,
2N 2N
2N +1 2N +1
2N +1
2N
A Teoria da Probabilidade, segundo Borel, para sucessões de Bernoulli
RN +1 (x) =
SN +1 (x) =



−1, xε] 2N2p+1 , 22p+1
N +1 ]


2p+2
1, xε] 22p+1
N +1 , 2N +1 ]

2p
2p+1

 Kp − 1, xε] 2N +1 , 2N +1 ]


Kp +
(2)
2p+2
1, xε] 22p+1
N +1 , 2N +1 ]
A participação de oredem N +1 obtem-se a partir da partição de ordem N , dividindo
cada um dos intervalos desta em 2 de amplitude 2N1+1 . Podemos então concluir, a partir
de (2), o resultado desejado. Consideremos a partição de ordem N − 1
N −1
2−1
[ p
p+1
,
]0, 1] =
2N −1 2N −1
p=0
Seja Jp =
Z
i
p
, p+1
2N −1 2N −1
tSN (x)
e
i
Z
dx =
e
Jp
t(SN −1 (x)+RN (x))
Jp
tK tRN (x)
e
2p+1
2N
= etK
Z
etK
= N −1
2
R1
Demonstremos que
o
1. N = 1
Z 1
Z
tR1 (x)
e
dx =
2p
2N
tK
e−t dx +
e−t + et
2N
etSN (x) dx =
1/2
tR1 (x)
e
Z
dx = e
Z
2p+1
2N
2p+2
2N
et dx
e−t + et
2
e−t +et
2
N
tR1 (x)
dx+
e
= etK
Z
o
etSN (x) dx =
]0, 1] =
2N
−1
[
p=0
e−t +et
2
Z
dx +
2p+2
2N
2p+1
2N
!
dx
=
e−t + et
=
2N
etSN −1 (x) dx.
Jp
por indução
Z
dx =
1/2
R1
tRN (x)
!
1
Z
e
2p
2N
2p+1
2N
=
o
2. Suponhamos que
etSN −1 (x) · etRN (x) dx =
=
Jp
= intJp e
o
Z
1/2
Z
−t
1
e dx+
o
1/2
et dx =
e−t + et
2
N
p p+1
Jp , com Jp = N , N
2
2
49
Capı́tulo 1
Z
1
e
tSN +1 (x)
Z
dx =
o
tSN +1 (x)
N
2 −1
Jp
∪p=o
e
dx =
N −1 Z
2X
p=o
etSN +1 (x) dx =
Jp
2N −1
−t
Z
X e−t + et Z
e + et
tSN (x)
=
etSN (x) dx =
e
dx =
2N −1
2
2
J
J
∪
p
p
p=o
p=o
−t
Z 1
N
+1
e + et
etSN (x) dx =
=
.
2
o
R1
etSN (x) dx,
♦
ou seja, g(t) é um integral pa-
Resolução:[Exercı́cio 37] Seja g(t) = o
ramétrico, donde
Z 1
SN (x)etSN (x) dx
g 0 (t) =
o
É fácil obter que
g
(2K)
1
Z
(t) =
[SN (x)]2K etSN (x) dx
o
R1
donde g (2K) (0) = o [SN (x)]2K dx
Mas, por outro lado, sabemos que
Z
1
tSN (x)
e
dx =
o
donde g (2K) (t) =
g
(2K)
d 2K
dt
Z
e−t +et
2
1
(0) =
"
dx(=)
o
Z
=
1
N
N
2K
[SN (x)]
e−t + et
2
d
dt
2K e−t + et
2
N #
=
t=0
[SN (x)]2K dx
o
Resolução:[Exercı́cio 36] .
♦
♦
Bibliografia
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