Optimização da gestão de lamas: tratamento
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Optimização da gestão de lamas: tratamento
Optimização da gestão de lamas: tratamento, armazenamento e destino final Elizabeth d’Almeida Duarte(1); Inês Batalha Reis(1); Miguel Bruno de Oliveira Martins(1); Carlos Pedro Trindade(2) (1) Departamento de Química Agrícola e Ambiental, Instituto Superior de Agronomia. [email protected] (2) AgroGes – Sociedade de Estudos e Projectos, Lda. [email protected] Sumário O presente trabalho apresenta uma visão inicial das tecnologias mais apropriadas para o tratamento de lamas geradas numa determinada região tipo. Os critérios de selecção têm como base a capacidade para gerir as quantidades existentes e o crescimento considerado entre a situação actual e um horizonte temporal suficientemente alargado de modo a tornar os projectos sustentáveis, sob os pontos de vista técnico, económico e ambiental. Ao nível da região, os processos de tratamento seleccionados devem ter potencial para absorver outro tipo de resíduos orgânicos que, normalmente, são problemáticos (ROB) e, também, a fracção fermentiscível dos resíduos urbanos biodegradáveis (RUB). As tecnologias seleccionadas devem ser capazes de cumprir os requisitos de qualidade actuais e futuros no âmbito da União Europeia. Serão apresentadas duas situações com características de produção de resíduos e de possibilidade de escoamento agrícola diferentes. Os modelos de gestão seleccionados contemplarão, em qualquer dos casos, a capacidade de produção de um biossólido estável e de fácil armazenamento, que cumpra os índices de qualidade estabelecidos pela EU e EUA, apresentando um elevado nível de higienização – produção de biossólidos designados por Classe A, de uso sem restrições. Os pressupostos a serem analisados na selecção das opções de tratamento, devem incluir: - Caracterização da oferta de lamas - Quantidade, tipo e acessibilidade às lamas produzidas; - Procura de fertilizantes, condicionantes do solo e/ou energia (disponibilidade/necessidades de energia eléctrica, como por exemplo, necessidades de aquecimento a nível local); - Avaliação das características das áreas rurais, actividades de construção, incluindo a requalificação ambiental de áreas degradadas; - Preço corrente da energia, baseado nos combustíveis, de modo a que a produção de energia se torne mais visível, tendo em conta os créditos verdes à energia; - Levantamento de locais disponíveis para implementação de unidades de tratamento, incluindo “zonas sanitárias”. Os dados base para a concepção de soluções para o tratamento das lamas geradas devem permitir a construção de cenários de tratamento que possam ser integrados de um modo modular, dando a resposta adequada aos níveis de qualidade exigidos a curo e médio prazo. O modelo de custos usado é sensível aos seguintes items: - custos de capital e custos operacionais e de manutenção; - custos de electricidade e créditos verdes; - custos de deposição e reciclagem agrícola. A base do modelo conceptual de gestão foi aplicado a duas sub-regiões do continente português, com população equivalente mas com diferentes características de solos e culturas. Nestas regiões “tipo” verifica-se uma produção anual de lamas de 2160 ton matéria seca de lamas urbanas, e na região “B” consideraram-se ainda cerca de 840 toneladas de ROB. Este exercício permitiu construir diferentes cenários, de modo a que os decisores tenham as ferramentas necessárias para optar pela solução mais sustentável em cada caso, onde as especificidades sociais, culturais e ambientais devem ser prioritárias. Abstract This paper discusses different strategies for the treatment, management, and application or disposal of waste water sludge, particularly the “use of land” strategy and an integrated strategy aimed at make products from sludge intended for sale in the market place. Such components/products may be “bio-solids” (mixture of sludge with other materials), energy (biogás, electricity, heat, etc). However, solutions vary from one region to another and must be based on the technical and economical capacities of each country. This issue reflects the special emphasis put on knowing the characteristics of sludge and their differences according to whether they come from one region or another. A broad range of sludge stabilization techniques should be considered ranging from low-cost and easy to - operated technologies to highly technological and costly alternatives, with local circumstances in mind. Land application is included to present the perception of this alternative under different scenarios. Alternative processes give a rapid vision of non-conventional options that may constitute an interesting approach to sludge reuse, with the intention of satisfying the needs in different regions of Portugal. Palavras Chave Lamas de ETAR; Biossólidos; Biorresíduos; Valorização agrícola de lamas; Modelo de Gestão de Biossólidos 1. Introdução Os resíduos sólidos e semi-sólidos gerados nas diversas actividades humanas das actuais sociedades causam severos problemas ambientais em todo o globo. As origens destes resíduos podem ser estações de tratamento de águas residuais urbanas (ETAR), actividades domésticas, comerciais e serviços, dando origem aos resíduos sólidos urbanos, resíduos de actividades agrícolas e de actividades industriais. A redução da produção destes resíduos ocorre em diversos cenários, variando entre prevenção, recuperação de produtos com valor, destruição e deposição final. A abordagem óptima de gestão destes resíduos depende de multi-factores: origem; quantidade; composição; região de produção (área, acessibilidades, clima);época em que são produzidos; tecnologias disponíveis para o seu tratamento e/ou valorização; custos de tratamento; custos de deposição; disponibilidade em recursos humanos qualificados de acordo com as exigências tecnológicas; política ambiental da região; aceitação pública da solução proposta, a nível local e regional. Dentro do universo dos resíduos sólidos e semi-sólidos, destaca-se a fracção constituída pelos bioresíduos. Os bioresíduos são constituídos essencialmente por material orgânico, cuja origem é biológica, em maior ou menor extensão. Como exemplo de bioresíduos, poderemos apontar: lamas de ETAR; fracção orgânica dos resíduos sólidos urbanos (FORSU); resíduos orgânicos biodegradáveis provenientes de actividades industriais (ROB); estrumes e chorumes das actividades pecuárias. O presente estudo centra-se na componente dos bioresíduos constituídos pelas lamas de ETAR. A gestão de lamas provenientes do tratamento de águas residuais urbanas é uma actividade de grande complexidade e, muitas vezes, de alto custo que, se não for devidamente efectuada, pode comprometer os benefícios ambientais e sanitários que se pretendem obter com a implementação de sistemas de saneamento. O destino final adequado das lamas de ETAR (ou lamas urbanas) constitui um aspecto fundamental para o sucesso de um sistema de saneamento. A avaliação de alternativas para o tratamento e destino final das lamas é complexa, uma vez que envolve aspectos técnicos, económicos, ambientais e legais, que ultrapassam os limites das estações de tratamento. Embora a selecção do destino final das lamas seja um processo complexo e, muitas vezes, dispendioso, tem vindo a ser negligenciado na concepção dos sistemas de tratamento. É muito comum a situação de ETAR cujos projectos não contemplaram a problemática da gestão adequada das lamas e cujo enfoque foi dado, quase exclusivamente, na eficiência de tratamento da fase líquida. Esta situação conduz ao facto de, frequentemente, a gestão das lamas de ETAR, por parte dos seus operadores, ser efectuada de um modo emergencial, sem planeamento, envolvendo elevados custos, dificuldades operacionais e, muitas vezes, gerando impactes ambientais que comprometem os benefícios dos investimentos efectuados nos sistemas de saneamento. Assim, enquanto que para as ETAR já existentes é necessário encontrar formas de gestão das lamas geradas adequadas à realidade de cada unidade – avaliando as intervenções necessárias a serem feitas na unidade de modo a permitir o tratamento das lamas, em termos de área disponível, possibilidades de utilização das estruturas já existentes ou, eventualmente, considerar o seu tratamento fora da ETAR. Por outro lado, no desenvolvimento de novos projectos de ETAR é fundamental, que seja contemplada a problemática das lamas e da sua gestão, o que tem implicações no próprio processo de tratamento da fase líquida, nomeadamente através da busca de soluções minimizadoras da produção de lamas e que tenham em consideração as alternativas de disposição final da lama e as exigências ambientais. As lamas provenientes do tratamento de águas residuais urbanas, geradas nas ETAR (designadas por lamas de ETAR), enquadram-se na definição de lama, no sentido lato, descrita pelo Comité Europeu de Normalização (CEN): “mistura de água e de sólidos separada de diversos tipos de água como resultado de processos naturais ou artificiais” (Working Documento on Sludge, 2000). As lamas de ETAR possuem uma composição complexa, contendo teores mais ou menos elevados de matéria orgânica e diversos nutrientes que poderão ser valiosos do ponto de vista da sua utilização agrícola. Contém, ainda, diversos contaminantes (metais pesados, pesticidas, detergentes, etc.), organismos patogénicos (vírus, ovos de helmintos, protozoários, bactérias e fungos) e compostos orgânicos biologicamente instáveis, potenciais causadores de emissão de fortes odores e de vectores de atracção (insectos, roedores, etc.), que, dependendo da sua concentração, poderão apresentar maior ou menor risco de poluição ambiental. As lamas provenientes do tratamento de águas residuais urbanas, quando devidamente tratadas e tipificadas de modo a que garantam um conjunto de requisitos de qualidade, podem designar-se por biossólidos. Para que o termo biossólido possa ser adoptado, é necessário que as lamas possuam características químicas e biológicas compatíveis com uma utilização benéfica, como, por exemplo, na agricultura. O termo biossólido é uma forma de realçar os seus aspectos benéficos em comparação com a sua mera deposição final improdutiva, como por exemplo, a deposição em aterro ou a incineração (Draft Discussion Document for the AD HOC Meeting on Biowastes and Sludges, 2003). 2 Actuais tendências de gestão de biossólidos Ao longo deste trabalho foram assumidos como base quatro princípios base, que actualmente assumem crescente importância na gestão dos resíduos: a valorização energética; a valorização orgânica; a redução de volume; o condicionamento ambiental. Outro aspecto que assume grande importância é a segurança, que se traduz na obtenção de um produto que, à luz do actual estado de conhecimento, permita a utilização sem restrições do biossólido produzido é essencial para uma estratégia sustentável de gestão. É assim indispensável, num prazo cada vez mais curto, o avanço para soluções técnicas que, face ao actual nível de conhecimentos, garantam a segurança da utilização das lamas de ETAR em terrenos agrícolas. Uma gestão sustentável de biossólidos requer considerações de ordem social, ambiental e económica. Importa considerar, não somente, o mais baixo custo, mas também as opções mais expeditas de atribuição de um destino final/valorização (Lends, 2004). Sob a óptica da sustentabilidade, a análise de alternativas de processamento e destino final de lamas de ETAR deve visar o aumento da qualidade das lamas, e a necessidade do produto ganhar um uso de elevado valor (UESPA, 2000; Working Document on Sludge. 3rd Draft, 2000). No caso de Portugal, a aplicação agrícola de biossólidos é considerada uma via de uso de alto valor, uma vez que os solos agrícolas portugueses são considerados pobres. Também os processos de estabilização de biossólidos com produção de energia, são consideradas vias de uso de elevado valor, uma vez que, o custo da energia eléctrica no nosso país é elevado, e Portugal tem metas a cumprir relativamente à produção de energias alternativas (Instituto dos Resíduos, MCOTA, 2003). ¾ ¾ ¾ Europeia Tendências União Na Fig. 1 ilustram-se as actuais tendências de gestão de biossólidos que podem ser adaptados a uma determinada “Região Tipo” que seja objecto de estudo. ¾ ¾ ¾ ¾ ¾ ¾ Minimização da produção de bioresíduos Minimização da deposição de bioresíduos em aterro Diminuição da produção de gases com contribuição para o efeito de estufa Diminuição do consumo de energias fósseis Promoção da obtenção de fontes de energias renováveis Incremento da recuperação / reciclagem de bioresíduos Minimização de riscos ambientais e para a saúde pública Promoção da obtenção de produtos de elevado valor Implementação de sistemas de certificação de qualidade dos produtos obtidos Portugal ¾ ¾ ¾ ¾ ¾ Tipo” Realidade da “Região Realidade Nacional ¾ ¾ ¾ ¾ ¾ ¾ ¾ ¾ Solos pobres em Matéria Orgânica e maioritariamente ácidos Elevados custos energia eléctrica Forte dependência externa de energia Baixo nível de produção energética a partir de fontes renováveis Dificuldade no cumprimentos das metas ambientais/energéticas da EU Baixo nível de controlo e monitorização de aplicação agrícola de bioresíduos Área utilizada pela agricultura e Floresta Evolução da ocupação cultural do solo Características dos solos Estrutura fundiária Potencial de valorização de lamas Heterogeneidade dos tipos de ETAR e de Lamas Heterogeneidade de tipos de ETAR, tipos de lamas e respectivas características Fig. 1 - Actuais tendências de gestão de biossólidos adaptados à “Região Tipo” 3 Análise dos processos de tratamento de lamas de ETAR Os processos de tratamento de lamas podem-se classificar em biológicos, químicos, térmicos e integrados, estes últimos constituídos por combinações dos anteriores (WEF, 1998; Schieder, 1999; Andreoli, 2001). Os processos integrados são constituídos por um pré-tratamento + processo base + pós-tratamento ou por um pré-tratamento + processo base ou, ainda, por um processo base + póstratamento. Nos processos integrados, o pré-tratamento visa a optimização do processo base e os pós-tratamento visam, essencialmente a higienização do biossólido estabilizado (Hall, 1995; Oorschot, 2000; Ødegaard, 2002; Mata-Alvarez, 2003). Na Fig. 2 apresentam-se os principais processos de tratamento de lamas de ETAR, referindo-se qual o grau de tratamento que proporcionam (estabilização ou estabilização + higienização). Digestão anaeróbia mesofílica Digestão anaeróbia Digestão anaeróbia termofílica Co-geração PROCESSOS BIOLÓGICOS Digestão aeróbia convencional Digestão aeróbia Compostagem Digestão aeróbia auto-térmica Fig. 2 - Principais processos de tratamento de lamas de ETAR (Cont.). ESTABILIZAÇÃO ESTABILIZAÇÃO + HIGIENIZAÇÃO ESTABILIZAÇÃO + HIGIENIZAÇÃO ESTABILIZAÇÃO ESTABILIZAÇÃO + HIGIENIZAÇÃO Calagem convencional PROCESSOS QUÍMICOS ESTABILIZAÇÃO + HIGIENIZAÇÃO Calagem avançada (Calagem/Pasteurização) Secagem térmica convencional PROCESSOS TÉRMICOS Secagem a baixa temperatura ESTABILIZAÇÃO + HIGIENIZAÇÃO Secagem solar PréTratamento PROCESSOS INTEGRADOS PréTratamento PROCESSO BASE PósTratamento ESTABILIZAÇÃO + HIGIENIZAÇÃO PROCESSO BASE PROCESSO BASE PósTratamento Fig. 2 - Principais processos de tratamento de lamas de ETAR 4 Matriz de avaliação dos processos de tratamento de lamas de ETAR De modo a permitir uma avaliação global dos diversos processos/tecnologias de tratamento de lamas de ETAR descritos, foi construída uma matriz de avaliação, na qual foi atribuída uma classificação dos vários critérios. Aos critérios seleccionados foi atribuída uma classificação de 1 a 5, em que o limite mínimo (1) traduz a situação menos interessante e o limite máximo (5) traduz a situação mais favorável. A classificação dos critérios foi atribuída de um modo geral, independente da região em causa. Foi, ainda, atribuída uma ponderação aos critérios classificados, ponderação essa, por ordem de importância, de 1 a 3. A ponderação de cada critério deve ser atribuída tendo em consideração as especificidades da “Região Tipo” em estudo. A classificação final, por critério, resulta da classificação atribuída multiplicada pela respectiva ponderação. Os critérios seleccionados alvo de avaliação, e a respectiva ponderação, estão descritos no Quadro 1. Quadro 1 - Critérios de avaliação dos processos / tecnologias de tratamento de lamas de ETAR e respectiva ponderação Critério de Avaliação Obtenção de biossólido higienizado (Classe A, segundo a EPA) Obtenção de produto de elevado valor económico Potencial de emissão de odores da tecnologia Balanço energético Recuperação de nutrientes Contribuição para a formação de gases com efeito de estufa Potencial de integração de outros substractos orgânicos Exigência de reagentes e/ou materiais estruturantes Minimização da produção de biossólidos gerados / Redução dos custos de transporte Necessidade de pessoal especializado Necessidade de confinamento/tratamento de emissões gasosas Custos de manutenção Custos de investimento Área requerida Subsídios ao investimento Assim, com base na pontuação final atribuída a cada processo/tecnologia de tratamento de lamas na matriz de avaliação, e da análise detalhada a cada um dos processos melhor classificados dentro de cada grupo (processos base – biológicos, químicos e térmicos e dos processos integrados), foram seleccionados os processos mais interessantes, em termos de avaliação integrada : • Processos Base: Químicos – Calagem avançada (RBP- calagem com pasteurização em recipiente fechado) • Processos integrados: Hidrólise térmica + digestão anaeróbia com co-geração. Esta simulação, e em função das características de cada região conduzirá certamente a opções diferentes de gestão. 5 Modelo integrado de gestão das lamas de ETAR da “Região Tipo” A construção de um modelo integrado de gestão de lamas é um trabalho de elevada complexidade, em que os factores de decisão, para além da variabilidade elevada, apresentam naturezas distintas, designadamente de ordem ambiental, económico, tecnológico, social, cultural e político (EEA, 2002). Um modelo integrado de gestão, seleccionado com base num conjunto de critérios, deverá ser dinâmico no sentido de flexibilizar a sua aplicação num horizonte temporal alargado, não comprometendo os investimentos efectuados, fornecendo uma ferramenta de decisão, que permitirá a implementação de uma solução tecnológica avançada, contribuindo para o desenvolvimento sustentável da região em causa (Farneti, 1999; Fernandes, 2000; De Baer, 2000; Commission of the European Communities, 2002). A metodologia adoptada incluiu a análise das seguintes vertentes: • Conhecimento da oferta de lamas da “Região Tipo” • Conhecimento da procura de lamas da Região Tipo”, sob o ponto de vista da valorização agrícola • Análise da produção de resíduos orgânicos biodegradáveis da “Região Tipo” • Enquadramento legislativo da problemática da gestão de lamas. • Tendências futuras de estratégias de gestão de biossólidos. • Avaliação de processos/tecnologias de tratamento de lamas de ETAR. Com base na análise destas vertentes, foram utilizados os critérios de avaliação dos processos/tratamentos de lamas de ETAR previamente seleccionados de acordo com a Quadro 1 Na Fig. 3. apresenta-se uma representação esquemática da metodologia adoptada para a construção do modelo integrado de gestão de lamas da “Região Tipo”. Oferta de lamas da Região Procura de lamas da Região sob a óptica da valorização agrícola Análise da produção de resíduos biodegradáveis (ROB) da Região Enquadramento legislativo da problemática da gestão de lamas. Tendências futuras de estratégias de gestão de biossólidos. Avaliação de processos e tecnologias de tratamento de lamas de ETAR Maximização da reutilização agrícola Maximização da valorização energética Obtenção de biossólidos higienizados (Classe A) Minimização do volume de biossólidos gerados Redução dos custos de transporte Minimização do potencial de emissão de odores e de vectores de atracção Conceptualização dos Núcleos de Produção de Massa Modelo de Gestão Fig.3.- Metodologia adoptada para a construção de um modelo integrado de gestão de lamas da “Região Tipo” 6 Cenários de gestão de lamas Face à realidade da produção de lamas de cada “Região Tipo”, haverá que ponderar entre efectuar uma gestão individualizada, ao nível de cada ETAR ou efectuar um modelo de gestão conjunta que possa incluir sistemas complementares de tratamento. Assim, haverá, em primeiro lugar que ponderar sobre a possibilidade e sustentabilidade de aplicação de cada um dos cenários de gestão: •Cenário Base – assente na gestão individualizada por unidade de produção de lamas, com escoamento directo das lamas geradas para reutilização agrícola Neste cenário, considera-se mais adequada a gestão individualizada das lamas geradas em cada ETAR, sem intervenção na qualidade das mesmas, considerando o seu escoamento directo para aplicação agrícola. Só poderá ser aplicado em regiões onde a dificuldades de gestão as lamas se não coloca, quer pelo regime de produção, quer pelo seu quantitativo, quer ainda pela área disponível para a valorização agrícola. • Cenário Alternativo – Construção de modelos de gestão individualizados por zona de produção, com a integração dos sistemas de tratamento efectuando uma análise conjunta que poderá conduzir á construção de sistemas de tratamento avançado de forma a permitir gerir, com maior facilidade e segurança a valorização agrícola Neste último cenário são majorados os critérios de gestão de biossólidos prioritários, nomeadamente: • maximização da reutilização agrícola • valorização energética • potencial de integração de ROB • obtenção de biossólidos higienizados (Classe A, segundo a EPA) • minimização do potencial de emissão de odores e de vectores de atracção 7 Aplicação e discussão da metodologia adoptada Assumiu-se que o regime de produção de lamas objecto de gestão é contínuo. São incluídas as ETAR cujo o lay-out da fase liquida dá origem a uma produção contínua de lamas (processos e lamas activadas, leites percoladores, valas de oxidação, etc.) os mais comuns a nível nacional. Dentro das ETAR que apresentam este regime de produção de lamas, considerou-se as ETAR com equipamentos de desidratação fixos que operam diariamente e, consequentemente, dão origem a uma produção de lamas diárias passível de serem geridas (armazenadas/escoadas), tais como, filtros de banda e centrifugas. São ETAR que, de um modo geral, servem uma população equivalente a 10 000 HE/dia e inferior a 60 000 HE/dia. O modelo pode ainda absorver as lamas geradas nas ETAR com dimensão inferior a10 000 HE/dia que tenham estruturas de desidratação ou utilizando equipamentos móveis de desidratação que dão origem a uma produção de lamas em regime não contínuo constituídas por exemplo leitos de secagem, limpezas de lagoas, etc. A título de demonstração da aplicação da metodologia descrita, forram consideras 2 diferentes regiões de Portugal continental, que apresentam equivalente população e potencial de produção de lamas mas que contém alguma diversidade nos factores com influência ao nível dom escoamento de lamas. Quadro 2 – Principais características das Regiões Estudadas Produção de Lamas Região A Região B População Equivalente Servida 173000 171500 Quantidade de Lamas * 182 ton MS/mês 180 ton MS/mês ROB - 70 ton MS/mês Superfície total (ha) 613 649 306 350 Superfície Agrícola Utilizada (SAU) (ha) 566 257 217 017 Superfície agrícola não utilizada (ha) 3 093 13 438 Matas e florestas sem culturas sob-coberto (ha) 34 838 73 511 Outras formas de utilização das terras (ha) 9 461 2 384 pH Ligeiramente ácidos a neutros Ácidos a muito ácidos Textura Fina Grosseira Relevo Plano Acidentado a Plano Matéria Orgânica Baixo a Muito baixo Baixo (*) consideraram-se, em média, 35g MS/HE/dia Distribuição da Ocupação do Solo Tipo de Solos Fonte : INE, Recenseamento Geral da População, 2001 e INE Recenseamento geral da Agricultura, 1999 A região A apresenta muito maior área agrícola, onde as pastagens permanentes e as terras aráveis são predominantes e com uma floresta constituída por Montados de Sobro e Azinho. Nas culturas permanentes o olival é ocupa a maioria da área, seguido da vinha. Nas terras aráveis os cereais praganosos e oleaginosas, maioritariamente de sequeiro são dominantes, seguidos do milho. Os solos são maioritariamente próximos da neutralidade ocorrendo algumas zonas com ligeiramente ácidos e outras com ligeiramente alcalinos. A estrutura fundiária é marcada por grandes parcelas, de relevo maioritariamente plano e por uma estrutura da povoamento muito concentrado. A região B com uma área agrícola de 200 mil ha repartida equitativamente pelos três principais grupos, pastagens permanentes e pousios, culturas permanentes e terras aráveis, com uma predominância do Olival dentro das culturas permanentes e alguma importância das frutas frescas e do vinho. As terras aráveis repartem-se por culturas forrageiras, seguidas pelos cereais de sequeiro pelo e milho. A floresta ocupa áreas de solos pobres principalmente muito declivosos, constituída principalmente por pinhal e algum eucaliptal. Os solos são ácidos e pobres em Matéria Orgânica e a estrutura fundiária é bastante heterogénea, coexistindo parcelas de muito diversa dimensão. Composição da SAU (ha) Distribuição das Parcelas em função da Dimensão 600 000 Pastagens Permanentes e Pousio 500 000 Terra arável limpa 400 000 Culturas permanentes 100% 60% 200 000 40% 100 000 Região A 80% 300 000 Região B 20% 0 A 0% B < 0,2 ha 0,2 - 0,5 ha Culturas permanentes Vinha Olival Frutos frescos área (ha) área (ha) 40 000 20 000 1 a 2 ha 2 a 5 ha > 5 ha Terras Aráveis 50 000 30 000 0,5 - ha 180 000 Batata e Horticolas 150 000 Prados temporárias e culturas forrageiras 120 000 Cereias e Oleagiosas 90 000 Milho 60 000 30 000 10 000 0 0 A B A B Fig.4 - Características da ocupação agrícola (Fonte ; INE, Recenseamento geral da Agricultura ,1999). Do ponto de vista da possibilidade de utilização de lamas no sector agrícola as principais características são apresentadas no Quadro 3. Quadro 3 – Principais factores para a aplicação agrícola de lamas Região A Região B Grande área disponível para aplicação de lamas Forte interesse pela matéria orgânica e por correctivos alcalinizantes Grande disponibilidade de áreas e estrutura fundiária muito favorável Fraco potencial de valorização, uma vez que são praticadas culturas de muito baixo rendimento(cereais e pastagens) Povoamento muito concentrado Sem problemas de proximidade às habitações Estrutura fundiária onde é possível encontrar zonas com parcelas grandes e outras muito repartidas Potencial de valorização dos biossólidos constituído principalmente pelas culturas permanentes e algumas áreas de batata e milho Coexistência de áreas exclusivamente agrícolas com outras de ocupação mista. Face às características as regiões apresentadas, foram seleccionadas as regiões B como prioritárias para a aplicação de sistemas de tratamento avançado, uma vez que se não considera prioritário a sua implementação e regiões com as características da A. Saliente-se que, a não opção pelos sistemas centralizados de tratamento avançado de lamas se justifica por razões económicas mas igualmente por razões ambientais, uma vez que face ao actual estado do conhecimento, e desde que sejam cumpridos os requisitos legais, é claramente vantajosa a aplicação de lamas em solos sujeitos a agricultura extensiva. Quanto à opção pelos sistemas de tratamento a aplicação dos critérios anteriormente descritos aponta para duas soluções tecnológicas designadas por solução 1 (Fig.5) e solução 2 (Fig. 6). As soluções descritas dão origem a dois tipos de biossólidos designados por B1 e B2, cuja composição analítica vem ilustrada no Quadro 4. Solução 1 – Calagem avançada (RDP – pasteurização em recipiente fechado) Cal viva (ton/mês) 75 Alimentação MO (ton/mês): 1429 MS (%): 17,5 MS (ton/mês): 250 BIOSSÓLIDO B1 MO (ton/mês): 1504 MS (%): 22,9 MS (ton/mês): 344 RDP Energia a fornecer (MW.h/mês) 52 Fig. 5 - Diagrama de fluxos mensal referente à unidade centralizada de processamento de lamas geradas na “Região Tipo” - Solução 1 Solução 2 – Hidrólise térmica + digestão anaeróbia mesofílica com co-geração Filtrado eliminado (m3/mês) 2030 Água (m3/mês) 1072 Alimentação MO (ton/mês): 1429 MS (%): 17,5 MS (ton/mês): 250 HIDRÓLISE TÉRMICA HIDRATAÇÃO MO (ton/mês): MS (%): MS (ton/mês): Vapor Excedente de água quente CALDEIRA 2500 10,0 250 DIGESTÃO ANAERÓBIA DESIDRATAÇÃO MECÂNICA Biogás (m3/mês): 88688 Energia térmica CO-GERAÇÃO BIOSSÓLIDO B2 MO (ton/mês): 367 MS (%): 40,0 MS (ton/mês): 294 Energia eléctrica (Mw.h/mês) 196 Fig. 6 - Diagrama de fluxos mensal referente à unidade centralizada de processamento de lamas geradas na “Região Tipo” - Solução 2 Quadro 4 – Caracterização analítica sumaria dos biossólidos produzidos para a região B Biossólidos MS (%) SV (%)* N (%)* P (%)* K (%)* Mg (%)* Ca (%)* pH B1 23 55-60 3-4 1-2 0,2-0,3 0,3-0,4 15-20 11-12 B2 40 50-55 3-4 3-4 0,6-0,7 0,8-0,9 6-7 7-8 *percentagem relativa à MS Nota 1: nos biossólidos B3 e B4 cerca de 15% do azoto encontra-se na forma amoniacal. Nota 2: nos biossólidos B3 e B4 cerca de 65% de fósforo encontra-se na forma de fosfato. 8 Conclusões A gestão de lamas de ETAR, em diferentes regiões deve ser baseada numa análise rigorosa e desagregada das sua principais características de produção, do tipo dos solos e das actividades culturais efectuadas, da possibilidade de integração de outro tipo de resíduos orgânicos e da susceptibilidade ambiental da região. A solução a encontrar deve considerar elevado nível de flexibilidade, permitindo uma progressiva adaptação a novas exigências legais e à evolução das quantidades de bioresíduos gerados. Deste modo para cada região poderá haver uma modelo de gestão de lamas assente em soluções tecnológicas diferentes de forma a responder de forma adequada às necessidades locais. Ao longo deste trabalho demonstrou-se a aplicação de uma metodologia base que pensamos poder constituir uma ferramenta útil para a melhor adaptabilidade dos sistemas de gestão de lamas. A base do modelo conceptual de gestão foi aplicado a duas sub-regiões do continente português, com população equivalente mas com diferentes características de solos e culturas. Nestas “Regiões Tipo” verifica-se uma produção anual de lamas de 2160 ton matéria seca de lamas urbanas, e na região “B” consideraram-se ainda cerca de 840 toneladas de ROB. Este exercício permitiu construir diferentes cenários, de modo a que os decisores tenham as ferramentas necessárias para optar pela solução mais sustentável em cada caso, onde as especificidades sociais, culturais e ambientais devem ser prioritárias. Os cenários de gestão devem permitir permite, à luz do actual conhecimento, obter a maior segurança relativamente à aplicação de lamas, à produção energética essencial à sustentabilidade da nossa sociedade e à valorização orgânica com melhoria significativa dos solo.. No entanto, do ponto de vista económico devem constituir investimentos sustentáveis sem necessidade de apoio permanente de recursos públicos. 9 – Bibliografia Ahring, B.K., Angelidaki, I., Johansen, K. (1992). Co-digestion of organic solid waste, manure and organic industrial waste. In: Waste Management International, Ed. ThoméKozminsky, K.J., pp.661-666. Germany. Andreoli, C.V., Von Sperling, M., Fernandes, F. (2001). Princípios do Tratamento Biológico de Águas Residuárias. Lodos de Esgotos: Tratamento e Disposição Final. Ed. Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental, DESA-UFMG, Companhia de Saneamento do Paraná, SANEPAR. Commission of the European Communities, Brussels, 16.4.2002, COM (2002)179 final. Towards a Thematic Strategy for Soil Protection.. http://europa.eu.int/eurlex/com/pdf/2002/com2002_0179en01.pdf. De Baer, L. (2000). Anaerobic Digestion of Solid Waste: State of Art. Water Science and Tecnhnology, 41 (3), pp.283-290. 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