- Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de

Transcrição

- Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de
AGOSTO/SETEMBRO 2015
A história de
resistência
do jornal dos
jornalistas
O
Do
“past up”
às novas
tecnologias,
publicação
mobilizou
greves, cobriu
manifestações
e resistiu ao
autoritarismo
regime militar
Unidade, jornal dos jornalistas
do Estado de São Paulo, completa
40 anos. O impresso nasceu em
agosto de 1975, em um dos momentos mais turbulentos da história política do país, dois meses
antes do assassinato do jornalista
Vladimir Herzog nos porões da ditadura militar.
A diretoria da época, presidida
por Audálio Dantas, assumiu o Sindicato em abril daquele ano, após
dura batalha para derrotar, através
do Movimento de Fortalecimento
do Sindicato (MFS), dez anos de
sindicalismo pelego de direita que
estava acomodado na direção da
entidade para cumprir o papel de
despolitizar a categoria e fazer o
jogo dos militares no poder.
Eleita, a nova
diretoria decidiucriar um veículo
que
representasse os novos
tempos que sopravam na entidade de classe
dos jornalistas,
mas também que
servisse de trincheira para se
opor aos ditadores de plantão.
“O jornal é uma
consequência da
vitória da oposição sindical que
foi umas das primeiras contra a ditadura a ser vitoriosa. E o objetivo da gestão, da
qual eu era presidente, era um sentido político importante de recuperação do papel do Sindicato porque
ele estava há dez anos tratando somente do lado trabalhista e deixando de lado o que nós considerávamos importante que era a questão
da censura e a resistência à ditadura”, relembra Audálio Dantas.
Ele recorda que o Sindicato não
tinha um jornal e que havia apenas
uma revista que não tinha periodi-
André Freire
Edição Especial
Audálio Dantas: “Papel histórico ainda não foi reconhecido”
cidade definida. “Então nós pensamos em um jornal de combate e de
informação de assuntos políticos e
de interesse da categoria. Isso foi
logo após a nossa posse. Ele deveria ter um caráter informativo do
que acontecia nas redações, mas
também com um sentido doutrinário. O nome tinha a ver com o
movimento que levou a vitória da
oposição que era a Unidade – uma
frente composta por pessoas de todas as tendências e, naturalmente,
de esquerda”, conta Audálio.
Segundo ele, o nome Unidade tinha o sentido de unir as diversas correntes políticas que haviam no Sindicato. “Quando nós
tínhamos decidido o título, veio a
informação que o nome pertencia
a um jornalista do Rio de Janeiro.
Entramos então em contato e ele
cedeu o nome gratuitamente para
o Sindicato. Aliás, o jornal tinha
uma característica fundamental:
era feito com a colaboração espontânea de vários companheiros, desde o criador da logomarca
até os redatores do noticiário, era
feito em mutirões. Assim, o expediente do jornal tinha dezenas de
nomes. O principal era que ele era
construído por muitas mãos dentro da orientação do Sindicato”.
Audálio conta a categoria vivia
um momento muito difícil, não somente com a censura, mas também de ordem trabalhista, com a
política salarial da ditadura, que
era absolutamente controlada.
“Os sindicatos só podiam discutir
a questão salarial em uma única
data. Era um sindicalismo totalmente amordaçado. Esse era um
dos graves problemas da época”.
Para conceber o Unidade, a
categoria, entusiasmada com a vitória do MFS, mostrou-se disposta
a colaborar, sugerindo pautas e
trabalhando de maneira solidária
e gratuita para a publicação. “Era
muito comum as notícias das redações chegarem ao Sindicato. As
pautas eram coletivas. O Unidade
foi uma proposta que empolgou a
categoria. Então, a disposição de
colaboração foi espontânea. Tudo
resultou da campanha que elegeu
a diretoria. Depois de ser distribuída a primeira edição, apareceram
novas colaborações. A categoria
estava empenhada. Hoje o Unidade está profissionalizado, mas
naquele momento, de colaboradores, ele fazia parte de resistência à
ditadura. Ele ia além da questão da
categoria. Era um instrumento de
luta”, relembra Dantas.
Sobre a histórica edição do
Unidade que denunciou o assassinato de Vladimir Herzog, Audálio diz que foi importante do ponto de vista político. “Aquela capa
toda preta só com o logotipo em
cima e o desenho embaixo ganhou vários prêmios e ficou entre
as dez melhores capas da história. A mídia não publicava tudo.
Fomos nós que conseguimos repercutir o episódio da morte do
Vlado. Outro momento glorioso
do jornal foi a publicação do documento chamado Em Nome da
Verdade, onde se contestava os
resultados do Inquérito Policial
Militar que concluiu pelo suicídio.
Este jornal tem papel histórico
que ainda não foi reconhecido”.
B
AGOSTO/SETEMBRO 2015
Unidade foi re
redemocratizaç
V
Jornalistas que
participaram
das primeiras
edições contam
a experiência
de produzir
o jornal que
já começou
fazendo história
ários jornalistas participaram
do coletivo de criação do Unidade,
a principal característica do jornal
que nasceu na gestão do Sindicato em 1975. Liderada por Audálio
Dantas, a categoria se empenhou
em produzir uma publicação que
refletisse o momento histórico, que
representasse as aspirações dos
profissionais que naquele momento se opunham à ditadura e, principalmente, que esse sentimento
estivesse representado em suas
páginas, através de fotos, textos,
cartuns, desenhos etc. Todos eram
voluntários. Ninguém era remunerado ou profissionalizado. Tudo foi
resultado do sonho de conquistar
uma “imprensa sem patrão”.
Hamilton Octavio de Souza
compunha a diretoria eleita em
1975. Junto com companheiros
como Perseu Abramo, Wilson Gomes, Vasco Oscar Nunes, Antonio
Carlos Felix Nunes, Fernando Pacheco Jordão, entre outros, foi um
dos que se empenhou em fazer
nascer o Unidade.
O ex-dirigente do Sindicato conta
que o jornal nasceu do compromisso assumido pela nova diretoria com
a categoria, ainda na campanha
eleitoral, para ativar a comunicação
entre os jornalistas. Segundo ele, a
diretoria anterior não se preocupava em fazer jornal porque apostava
no imobilismo e na despolitização
da categoria. “Foi uma iniciativa da
nova diretoria ampla. Alguns diretores ficaram encarregados de tocar o
projeto de comunicação, que era fazer um jornal tablóide mensal e um
boletim semanal”.
O Unidade foi idealizado depois de uma decisão coletiva da
diretoria. “Assumimos o Sindicato
com grande apoio e entusiasmo
da categoria. Contávamos com
muita colaboração. Lembro-me
de reuniões com muita gente,
mais de vinte pessoas. O jornal
foi produzido rapidamente. Creio
que em menos de um mês após a
reunião que montou o projeto editorial básico e decidiu as pautas.
Eu fiquei encarregado de produzir
e editar a seção “Redações”, que
reunia notas com reclamações,
Laís Oreb: “Luta para integrar revisores à red
também nas páginas do Unida
Hamilton de Souza:
“Denúncias com sigilo
de fonte”
reivindicações e denúncias das
condições de trabalho nas várias
redações”, relembra Hamilton.
O jornalista disse que não era
uma decisão fácil colaborar com o
Unidade. A seção “Redações” reproduzia denúncias e outras informações da situação vivida pela categoria no interior das empresas.
“Geralmente os jornalistas passavam as informações para o jornal
de maneira que fosse mantido o sigilo da fonte, já que muitos temiam
sofrer represálias dos patrões”.
Também havia o medo da perseguição política: “O sistema repressivo do governo ainda era forte e truculento naquele momento.
Muitos jornalistas e veículos sofreram ameaças. Em setembro e
outubro de 1975, vários jornalistas
foram presos e torturados. O Vlado foi assassinado. Mas também
havia muita disposição e ousadia
para enfrentar o sistema. Tanto é
que muitos de nós colaborávamos
com Opinião, Movimento, Jornal
da Vila, ABCD Jornal, Brasil Mulher e fazíamos os jornais dos sindicatos mais combativos da classe trabalhadora. O enfrentamento
era parte do processo de conquista da democracia. Por isso defendíamos a Anistia, a liberdade partidária, o fim da Lei de Segurança
Nacional e a liberdade sindical.
O Sindicato dos Jornalistas foi
muito importante na luta contra a
ditadura porque a categoria estava vivendo um período de muita
combatividade e de muita entrega às transformações políticas e
sociais. O jornal Unidade foi uma
Revisão solidária
grande referência nesse processo”, conta Hamilton.
A jornalista Laís Oreb, que
compunha também a diretoria do
Sindicato em 1975, fez a revisão
Hélio de Alm
do assas
ningu
AGOSTO/SETEMBRO 2015
C
Fotos: Comunicação SJSP
referência na
zação do Brasil
a integrar revisores à redação foi travada
m nas páginas do Unidade
Hélio de Almeida: “ Assinei a capa
do assassinato do Vlado quando
ninguém assinava matérias “
do primeiro número do Unidade.
Ela lembra que naquela época
não havia computador e a revisão
foi realizada manualmente, sobre
uma prova corrigida na gráfica, já
que ainda não existiam as impressoras como conhecemos hoje.
“A nova diretoria, eleita através Movimento de Fortalecimento do Sindicato (MFS), tinha
como intenção mudar a cara da
entidade que até então era presidida por diretorias “pelegas”.
Eles tinham uma linha editorial
que defendia as empresas. Em
meio a um período político conturbado de regime militar, no qual
o Sindicato dos Jornalistas conseguiu intervir fazendo oposição
ao governo e informando a categoria, se decidiu colocar as mãos
na massa e criar um jornal para
jornalistas feito por jornalistas.
Assim nasceu o jornal Unidade”.
Laís conta que, nesse período, a
única publicação que existia no Sindicato era uma revista que também
se chamava Unidade, mas que era
desconhecida da categoria. Isso no
início dos anos 70. “Mas, devido ao
alto custo da revista, optou-se pela
adoção do formato tablóide”.
Para isso, continua, foi formada
uma comissão responsável pela
produção da publicação que trabalhava com colaboradores em todas
as áreas: projeto gráfico (boneco
do jornal), sugestões de pauta, artigos, matérias, revisão, montagem
de página (past up).
Segundo Laís, que então trabalhava no Estadão, os revisores de
jornais da época realizaram uma
campanha
para que pudessem trabalhar junto com
as redações e
não ligados à
área industrial
do jornal. “Na
época, o setor
de revisão era
imenso. Tinha
quase cem jornalistas
que
pertenciam ao
setor industrial
e o trabalho era
por produtividade. “Começamos a
fazer um movimento para desvincular a revisão desta área e passar
para a redação, já que quem trabalhava na revisão era jornalista.
Esta luta também foi travada através das páginas do Unidade”.
Laís lembra que a revisão do
Unidade na gráfica foi bastante
trabalhosa. “Nos revezávamos
em vários grupos e períodos para
revisar o material na gráfica, que
ficava em Pinheiros (bairro pau-
listano que fica a cerca de meia
hora distante da sede do SJSP).
Era uma loucura! Então fazíamos
o seguinte: a primeira turma saía
e ia direto para a gráfica. Como
ninguém tinha carro, a gente ia de
ônibus mesmo. Eram uns quatro
grupos de vinte pessoas. Foi um
negócio muito bacana de solidariedade. Eu tenho uma das revisões (reprodução do original
abaixo) do Unidade que guardo
até hoje”, conta.
Quando pronto, o Unidade
causou entusiasmo na categoria.
“Quando saiu o jornal, todo mundo queria ver. Na primeira edição o
projeto gráfico foi criticado porque
havia um branco na margem superior da página. Para algumas pessoas, essa diagramação desperdiçava papel. Queriam que todo espaço da página fosse aproveitado,
como era feito nos jornalões”.
O que chateou a Laís é que
ela vivenciou o fim do departamento de revisão dos jornais.
“Com a mudança da estrutura do
departamento de revisão para a
redação, muita gente foi demitida
e eu fui revisar sozinha o editorial
- antes era uma dupla que fazia
as correções. Então, resolvi procurar um advogado e entrei com
pedido de revisão de contrato por
perseguição a dirigente sindical
e não fui mais trabalhar no Estadão. Mudei de emprego enquanto o processo corria e, depois de
muitos anos, fiz um acordo judicial e, com o dinheiro fui para
Europa.
Capa do Herzog
O artista gráfico Hélio de Almeida participou dos primeiros Unidades. Ele é o autor da capa premiada que denunciou o assassinato de
Herzog. Como jornalista sindicalizado contribuiu de maneira voluntária
e solidária com aquela edição.
Hélio conta que o jornalista
Otávio Pena Costa (o Pena Branca) era também da diretoria de
1975 e incentivou a mudança do
Unidade. “Vamos mudar esse jornal porque os tempos vão mudar.
Então eu fiz a capa do Vlado que
ainda era com o antigo logotipo e
a diagramação antiga. Nos anos
90, fiz um projeto gráfico com uma
tipologia tipográfica que tinha a ver
com a escrita jornalística”.
Hélio conta que até as reuniões para elaborar o Unidade
eram feitas “na clandestinidade”.
“Era uma época difícil. A gente se
reunia não só no Sindicato, mas
fora também, porque não se sabia
quem dedurava. Quanto colaborei
com o Unidade estava na revista Veja – fabricando ela porque
ainda não existia - e teve toda a
confusão com o Vlado, a quem
conheci na revista Visão”, conta ele. “O Sindicato era um lugar
frequentado por nós porque era a
nossa casa, nos sentíamos protegidos ali. Na época em que a Istoé
mudou para a Consolação, perto
do Sindicato, então saíamos da
revista e íamos para o sede discutir o Unidade”.
O artista gráfico relembra que
naquela época era necessário tomar cuidado com que se falava.
“Eu assinei a capa que denunciava o assassinato do Herzog quando ninguém assinava as matérias.
Acho que não aconteceu nada comigo porque o jornal deu uma mexida com os militares. Geisel (um
dos presidentes militares) ficou um
pouco temeroso com as consequências que ocorreram com o assassinato e ficou com um pé atrás.
Sabíamos que existiam os olheiros nas redações que, em muitas
vezes, eram jornalistas. Foi uma
época que tínhamos que tomar
cuidado com o que se falava”.
AGOSTO/SETEMBRO 2015
Julho de 1997 - nº 187
Setembro de 1975 - nº 02
Abril de 1976 - nº 09
Maio de 1979 - edição extra
Algumas capas
do Unidade
Junho/julho de 1981 - nº 61
Depois de 40 anos de muita história noticiada pelo jornal dos jornalistas, fica difícil selecionar as principais edições que manchetaram
as lutas que marcaram época e pautaram a informação pelo lado
dos trabalhadores de Comunicação.
Foram anos de muita resistência à repressão do golpe militar, de
combate para resgatar um país democrático, de greves históricas
para conquistar direitos e ampliar conquistas.
A primeira edição já publicava como manchete principal a chamada “Nosso pobre mercado de trabalho”. Destaque também para a
histórica e premiada primeira página que noticiou o assassinato
de Vladimir Herzog, ignorado pela grande mídia. Sem falar nas
que noticiaram as greves dos jornalistas, especialmente a de
1979. Na última edição, a manchete principal foi “Na luta contra
as demissões”. Seguimos em luta.
Nos últimos anos, a direção do Sindicato está empenhada em
resgatar o papel do Unidade como a principal fonte de informação impressa dos jornalistas em todo estado de SP, investindo
no sonho e na prática de produzir uma “imprensa sem patrão”.
Nas lutas, nas ruas e nos locais de trabalho, a organização da
categoria para continuar resistindo e o fortalecimento do SJSP
para continuar a defender a liberdade e autonomia sindicais são
pautados e noticiados pelo jornal dos jornalistas. Buscamos a
mais perfeita tradução da palavra Unidade. Continuamos a escrever nossa história.
Maio de 1979 - edição extra
Maio de 1979 - edição extra
Fevereiro/março 1981 - nº 59
Setembro de 2005 - nº 278
Agosto de 2005 - nº 277
Setembro de 1982 - edição extra
Outubro de 2014 - nº 371
Agosto de 2012 - nº 351
Junho de 2013 - nº 359
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