Contratos Marítimos e Portuários: Responsabilidade

Transcrição

Contratos Marítimos e Portuários: Responsabilidade
Osvaldo Agripino de Castro Junior (Org.)
Prefácio Frederico Bussinger
Adão Paulo Ferreira
Augusto Grieco Sant’Anna Meirinho
Bernardo Strobel Guimarães
David William Kirk Henderson
Egon Bockmann Moreira
Frederico E. Z. Glitz
Márcio Vasconcellos
Milene Corrêa Zerek Capraro
Nara Rejane Moraes da Rocha
Norman A. Martínez Gutiérrez
Osvaldo Agripino de Castro Junior (Org.)
Paulo Campos Fernandes
Pierre-Jean Bordahandy
Véra Maria Jacob de Fradera
São Paulo
2015
Copyright © 2015
Editora: Darlene Vieira Santos
Diagramação: Flavia A. Vanderlei e Nilza Ohe
Copydesk: Desirée P. Mazzanti
Revisão: Elaine Cristina Paulino Yuasa
Capa: Gustavo Favassa
Impressão e acabamento: Graphic Express
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Contratos marítimos e portuários :
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Castro Junior. -- São Paulo : Aduaneiras, 2015.
Bibliografia.
ISBN 978-85-7129-788-3
1. Comércio exterior 2. Contratos (Direito
civil) 3. Direito marítimo 4. Direito marítimo Brasil 5. Portos - Leis e legislação - Brasil
I. Castro Junior, Osvaldo Agripino de. II. Bussinger,
Frederico.
CDU-347.79(81)
-34:656.615(81)
15-08243
Índices para catálogo sistemático:
1. Brasil : Direito marítimo
2. Brasil : Direito portuário
347.79(81)
34:656.615(81)
2015
Proibida a reprodução total ou parcial.
Os infratores serão processados na forma da lei.
EDIÇÕES ADUANEIRAS LTDA.
SÃO PAULO-SP – 01301-000 – Rua da Consolação, 77
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Dedicatória
Dedico essa obra à comunidade de pessoas que
trabalha nos portos e nos navios,
movimentando mercadorias e lutando para
facilitar o trânsito de passageiros,
durante 24 horas por dia e 365 dias por ano,
em todos os cantos do globo.
Esses trabalhadores contribuem
para a logística e a aproximação dos povos e
desenvolvem o comércio entre as nações
e, dessa forma, estreitam
laços de amizade e cooperação.
Aos “marinheiros de terra”,
aos servidores da Antaq e da Secretaria de Portos,
Conaportos, Conselheiros dos CAPs,
militares da Marinha do Brasil e
professores e servidores do Ciaga e Ciaba,
pelo que vêm fazendo pelo
Ensino Profissional Marítimo e, por consequência,
pela construção do nosso Poder Marítimo.
Agradecimentos
A Deus, pelo privilégio da vida,
à minha família, na pessoa da
esposa Viviane França Syrozinski Agripino e aos
meus filhos Osvaldo Agripino de Castro Neto
e Bernardo Agripino de Castro,
cujo amor tem sido fundamental para
minha vida e essa obra,
aos meus amigos da Escola de Formação de Oficiais
da Marinha Mercante (Efomm-Ciaga/1983),
especialmente aos que ainda navegam diariamente,
como Comandantes ou práticos, alunos e ex-alunos de
graduação, especialização (em todo o Brasil),
mestrado e doutorado, com os quais aprendo
mais do que ensino, professores e funcionários do
Programa de Mestrado e Doutorado em
Ciência Jurídica da Univali e ao
Mestrado em Engenharia de Transportes e
Gestão Territorial da UFSC e LabTrans,
aos meus parceiros de escritório
J. Haroldo dos Anjos, no Rio de Janeiro, e
Adão Paulo Ferreira, em Itajaí, Santa Catarina,
que compreenderam minhas ausências
na elaboração dessa obra.
6
Contratos Marítimos e Portuários: Responsabilidade Civil
À Universidade do Vale do Itajaí (Univali),
na pessoa dos professores
Dr. Paulo Márcio da Cruz (coordenador do
Programa de Mestrado e Doutorado em Ciência Jurídica),
e Dr. Cesar Luiz Pasold, nosso decano,
meu companheiro de viagem no Grupo de Pesquisas,
que vem fazendo um excelente trabalho com a disciplina
Teoria do Direito Portuário, e dos
reitores Dr. José Roberto Provesi (2002-2009) e
Dr. Mário César dos Santos (2010-2017),
pelo apoio permanente nas atividades
que possibilitaram discutir os temas deste livro.
Sumário
Dedicatória...............................................................................
3
Agradecimentos .......................................................................
5
Prefácio ....................................................................................
11
Apresentação ...........................................................................
15
Autores .....................................................................................
23
Parte I
Teoria Geral e Temas Atuais
1.
2.
3.
Direito Marítimo e Direito Portuário à Luz da Globalização: Breves Notas ............................................................
Osvaldo Agripino de Castro Junior
29
A Importância do Direito Comparado para a Advocacia
Marítima e Portuária ........................................................
Osvaldo Agripino de Castro Junior
81
Arbitragem Marítima e Portuária .................................... 109
Osvaldo Agripino de Castro Junior
8
Contratos Marítimos e Portuários: Responsabilidade Civil
Parte II
Contratos Marítimos
4.
O Impacto da Convenção de Viena de 1980 nos Contratos Internacionais de Transporte de Mercadorias ............ 139
Véra Maria Jacob de Fradera
Márcio Vasconcellos
5.
O Contrato de Fornecimento de Contêiner por Meio da
Sobre-Estadia: a Possibilidade de uma Ilha? ................... 171
Pierre-Jean Bordahandy
6.
Contratos de Salvamento (Salvage Contracts) ................ 217
David William Kirk Henderson
7.
Análise da Intermediação de Empresas Brasileiras de
Navegação nos Contratos de Afretamento de Navios
de Bandeira Estrangeira para Exportação de Petróleo .... 237
Paulo Campos Fernandes
Parte III
Contratos Portuários
8.
Contratos de Concessão e de Arrendamento Portuários:
Aspectos Introdutórios..................................................... 257
Osvaldo Agripino de Castro Junior
9.
Reequilíbrio Econômico-Financeiro do Contrato de Arrendamento Portuário ...................................................... 305
Adão Paulo Ferreira
10.
Revisão e Reajuste de Tarifas na Nova Legislação Portuária ................................................................................ 345
Egon Bockmann Moreira
Bernardo Strobel Guimarães
11.
Negócios Imobiliários Portuários: Aspectos Ambientais
e Urbanísticos Destacados ............................................... 365
Milene Corrêa Zerek Capraro
9
Sumário
12.
Contrato de Trabalho por Prazo Indeterminado nos Terminais Portuários de Uso Privado ................................... 395
Augusto Grieco Sant’Anna Meirinho
Parte IV
Responsabilidade Civil do Transportador
e do Operador Portuário
13.
Contrato de Crucero y Responsabilidad. El Tribunal
Supremo de Florida: Decidiendo entre el Derecho y la
Justicia ............................................................................. 421
Norman A. Martínez Gutiérrez
14.
Responsabilidad de los Transportistas de Pasajeros
por Mar en Caso de Accidente (La Importancia del
Reglamento CE 392/2009) .............................................. 445
Norman A. Martínez Gutiérrez
15.
Responsabilidade Civil do Operador Portuário ............... 465
Nara Rejane Moraes da Rocha
16.
Responsabilidade Civil do Operador Portuário: Breves
Considerações a Partir da Jurisprudência Paranaense ..... 503
Frederico E. Z. Glitz
17.
Limitação da Responsabilidade Civil: Gerenciando o
Risco nas Atividades Marítimas e Portuárias .................. 517
Osvaldo Agripino de Castro Junior
Prefácio
Honrado, mas surpreendido, de início recusei o convite do
Professor Doutor Osvaldo Agripino de Castro de Junior para prefaciar o livro Contratos Marítimos e Portuários: Responsabilidade
Civil. Direito Marítimo e Direito Portuário, segundo ele, são “duas
disciplinas jurídicas que precisam de maior atenção da academia”;
motivo que o levou a mais essa empreitada junto com diversos advogados, pesquisadores e professores, por ele coordenados.
Acabei convencido e, ao percorrer seus 17 bem escritos capítulos para cumprir a tarefa, confesso que já aprendi muito. E, talvez, a principal lição é que estamos diante de um universo multifacetado, complexo e mutante: muito ainda a ser aprendido!
O Prof. Agripino e seus companheiros têm opiniões. Não
raro opiniões contundentes, que não deixam margem a dúvidas. Mas
nem por isso o livro deixa de expor visões e opiniões divergentes;
geralmente, explicadas por aqueles que as esposam. É o caso, por
exemplo, da recorrente discussão, no ambiente portuário, sobre serviço x bem público.
O livro está estruturado do geral para o particular. Seus primeiros capítulos introduzem o leitor às “duas disciplinas” (Direito
Marítimo e Direito Portuário) e, a seguir, contextualizam-nas no âmbito de áreas contíguas do Direito.
Em seguida e, aí, cobrindo sua maior extensão, trata de aspectos particulares e específicos de ambos os temas: arbitragem,
impactos da Convenção de Viena de 1980, negócios imobiliários,
exame de diversos tipos de contratos (fornecimento de contêineres,
12
Contratos Marítimos e Portuários: Responsabilidade Civil
afretamento, salvamento, concessão e arrendamento portuário, trabalho por tempo indeterminado, cruzeiro etc.).
E, finalmente, passa ao exame de questões concretas: uma
revisão da responsabilidade civil e sua limitação, responsabilidade
do transportador, revisão e reajuste tarifário, reequilíbrio econômico-financeiro.
As informações e discussões apresentadas pelo livro são
subsídios relevantes para entendimento e atuação em um ambiente
balizado por dois movimentos, conexos, que vêm transformando tal
cenário.
Mundialmente, a chamada “globalização”: um conjunto de
reformas econômicas e institucionais, com desdobramentos sociais,
ambientais e em diversas outras áreas da economia e da organização
da sociedade; um dos temas centrais da agenda internacional no último meio século – Brasil aí incluído. Aliás, esse tema emoldura a
discussão do Capítulo 1 do livro.
E, nacionalmente, as denominadas “reformas portuárias”:
termo adotado pelas principais agências internacionais e em diversas
línguas para designar um conjunto de mudanças na forma de organizar e gerir portos e, mais amplamente, a logística.
A Lei nº 12.815/2013, a “Nova Lei dos Portos”, tratada praticamente ao longo de todo o livro, é mais uma etapa desse processo
reformador. Etapa porque, se for analisada a história brasileira dos
últimos dois séculos, se pode observar diversas outras iniciativas/
projetos, quase todos procurando enfrentar, curiosamente, a seu modo e no grau posto à época, a trilogia: gargalos logísticos, custos elevados e baixos investimentos.
Foi assim também com a “Antiga Lei dos Portos” (Lei
nº 8.630/1993), há duas décadas; no rastro do movimento “Diretas
Já”, da promulgação de uma nova Constituição (a “Constituição Cidadã”) e das primeiras eleições presidenciais diretas desde a década
de 1960. De igual forma, as reformas no chamado “Período Militar”, no governo de Juscelino Kubitschek, de Getúlio Vargas, e naquelas no alvorecer da República.
Prefácio
13
Anteriormente, no século 19, durante o Império, também as
reformas de D. Pedro II, balizadas pela “Lei das Docas” (1860), que,
na verdade, foram concebidas já por D. Pedro I, em 1828 (“Regime
de Concessão” portuária como “instrumento visando ao desenvolvimento do setor”). Todas elas com raízes na “abertura dos portos às
nações amigas”, uma das decisões quando da chegada da Família
Real, em 1808.
O objetivo do livro é a análise dos temas escolhidos, essencialmente na sua tecnicidade jurídica e implicações no funcionamento das indústrias de navegação marítima e portuária. Mas é curioso
observar que, se conexos os dois movimentos, eles trilham caminhos
distintos; SMJ.
A “globalização” no sentido da maior uniformidade possível – inclusive com a participação do Brasil; como no caso da sua recente adesão (79º país) à Convenção de Viena de 1980, sobre venda
internacional de mercadorias (em inglês, “CISG”).
No que toca às “reformas portuárias”, todavia, há, aparentemente, uma oscilação (cíclica?) entre mais centralização e mais
descentralização; mais e menos participação das comunidades portuárias locais: é quase um consenso que o novo marco regulatório
caminhou no sentido de maior centralização do processo decisório e
de menor participação da comunidade portuária local. O caráter agora consultivo do Conselho de Autoridade Portuária (CAP) (anteriormente deliberativo) é normalmente apresentado como um exemplo
dessa mudança.
E, evidentemente, as implicações são também distintas: no
caso dos tratados internacionais, a necessidade é de se entender para
bem atuar no cenário e nas instâncias definidas. No caso nacional,
todavia, a cada mudança de leis é deflagrado processo regulamentador; e, da aplicação de uns e outros, a necessidade de nova interpretação, adequada ao novo marco regulatório e, por sua vez, nova jurisprudenciação (se é que o termo existe!?): normalmente processos
longos; razão pela qual se tem a sensação de estarmos permanentemente em reformas, o que gera insegurança jurídica, ineficiência e
inibição de novos investimentos!
14
Contratos Marítimos e Portuários: Responsabilidade Civil
Ao examinar inúmeras questões que emergem desse processo, o livro coordenado pelo Prof. Agripino dá enorme contribuição
às reflexões e aos debates; já surgidos e que, certamente, surgirão.
Finalmente, a par das análises e conclusões específicas do
escopo de cada capítulo, o leitor interessado também terá acesso a
referências históricas (algumas singulares!), exemplos da vida real e
uma vasta bibliografia.
Contratos Marítimos e Portuários: Responsabilidade
Civil, coordenado pelo Professor Doutor Osvaldo Agripino de Castro
Junior, é, assim, um misto de texto doutrinário, fonte de consulta e
roteiro de debates. E, como tal, também passará a integrar aquela
prateleira que tenho ao alcance da mão para consultas periódicas.
Frederico Bussinger
Consultor do Idelt – <http://idelt.org.br/>
São Paulo, maio de 2015.
Apresentação
A presente obra é publicada em período de crise econômica
no País, insatisfação do povo com o governo federal, morosidade na
implementação de concessões portuárias, escândalos de corrupção
envolvendo a Petrobras, inclusive parcela dos seus contratos de afretamento de embarcações, e mais de dois anos após a edição da MP
nº 595, de 5 de dezembro de 2012, que iniciou a Reforma Portuária.
Nesse cenário, o presente livro objetiva contribuir para a
redução da insegurança jurídica do setor marítimo e portuário e, por
sua vez, para o desenvolvimento do ambiente institucional desse relevante setor da infraestrutura brasileira.
Refém do curto prazo (mandato dos governos), com falta
de dados para políticas públicas e da ignorância das possibilidades e
limites da regulação, apesar da existência de um marco regulatório
setorial com potencial para desenvolver o transporte marítimo e a
atividade portuária, o governo e o setor ainda não conseguiram criar
políticas públicas de longo prazo para dinamizar esse relevante setor
da economia brasileira.
Nesse ambiente, a doutrina jurídica é relevante, especialmente nos setores marítimo e portuário, em face da capacitação ainda inadequada de grande parcela dos magistrados para compreender
as particularidades do setor. Trata-se de um problema estrutural que
vem desde o ensino jurídico nos cursos de Direito, escolas de Magistrados e provas de ingresso à carreira da magistratura.1
1
Acerca do tema: BECKMAN, Wellington; PAULO, Gerson da Silva. Pré-sal, comércio internacional e poder judiciário: royalties – histórico, doutrina e comentários. Prefácio de Osvaldo Agripino de Castro Junior. São Paulo: LEX, 2014.
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Contratos Marítimos e Portuários: Responsabilidade Civil
Esse problema ocorre, inclusive, nos tribunais federais, onde há magistrados que ainda julgam sem considerar o conhecimento especializado da academia e da doutrina, tal como o voto do ministro Humberto Gomes de Barros, do Superior Tribunal de Justiça
(AgReg em ERESP nº 279.889-AL), que causa perplexidade:
Não me importa o que pensam os doutrinadores. Enquanto for
Ministro do Superior Tribunal de Justiça, assumo a autoridade
da minha jurisdição. O pensamento daqueles que não são Ministros deste Tribunal importa como orientação. A eles, porém, não
me submeto. Interessa conhecer a doutrina de Barbosa Moreira
ou Athos Carneiro. Decido, porém, conforme minha consciência. Precisamos estabelecer nossa autonomia intelectual, para
que este Tribunal seja respeitado. É preciso consolidar o entendimento de que os Srs. Ministros Francisco Peçanha Martins e
Humberto Gomes de Barros decidem assim, porque pensam assim. E o STJ decide assim, porque a maioria de seus integrantes
pensa como esses Ministros. Esse é o pensamento do Superior
Tribunal de Justiça, e a doutrina que se amolde a ele. É fundamental expressarmos o que somos. Ninguém nos dá lições. Não
somos aprendizes de ninguém. Quando viemos para este Tribunal, corajosamente assumimos a declaração de que temos notável saber jurídico – uma imposição da Constituição Federal.
Pode não ser verdade. Em relação a mim, certamente, não é,
mas, para efeitos constitucionais, minha investidura obriga-me a
pensar que assim seja. (grifo do autor)
É urgente, portanto, uma mudança de paradigma, tal como
leciona Lenio Luiz Streck:
Para aqueles que pensam que o Direito é aquilo que os tribunais
dizem que é, o voto de Sua Excelência é um prato cheio. Só que
não é bem assim, ou, melhor dizendo, não pode ser assim (ou,
melhor, ainda bem que não pode ser assim!). Com efeito, o Direito é algo bem mais complexo do que o produto da consciência-de-si-do-pensamento-pensante, que caracteriza a (ultrapassada) filosofia da consciência, como se o sujeito assujeitasse o
objeto. Na verdade, o ato interpretativo não é produto nem da
objetividade plenipotenciária do texto e tampouco de uma atitude solipsista do intérprete: o paradigma do Estado Democrático de Direito está assentado na intersubjetividade.
Repetindo: o Direito não é aquilo que o intérprete quer que ele
seja. Portanto, o Direito não é aquilo que o Ministro Humberto
Barros diz que é (lembremos, aqui, a assertiva de Herbert Hart,
17
Apresentação
em seu Concept of Law, acerca das regras do jogo de criquet, para usar, aqui, um autor positivista contra o próprio decisionismo
positivista propagandeado pelo Ministro no voto em questão). A
doutrina deve doutrinar, sim. Esse é o seu papel. Aliás, não fosse
assim, o que faríamos com as quase mil faculdades de Direito,
os milhares de professores e os milhares de livros produzidos
anualmente? E mais: não fosse assim, o que faríamos com o
parlamento, que aprova as leis? Se os juízes (do STJ) podem –
como sustenta o Ministro Barros – “dizer o que querem” sobre
o sentido das leis, para que necessitamos de leis? Para que a intermediação da lei?2 (grifo do autor)
No setor marítimo não é diferente, pois há julgados que, na
nossa percepção, inclusive, violam a ordem pública, tal como o acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que julgou procedente a cobrança de sobre-estadia de contêiner, mesmo que, paradoxalmente,
inexista contrato entre o transportador e o usuário dos serviços.
Embora tenhamos de cumprir as decisões judiciais, desde
que não haja possibilidade de reforma, deve-se ressaltar que um dos
deveres da academia é criticar a jurisprudência, visando a aperfeiçoá-la. Tal dever é uma das justificativas da existência de vários Programas de Mestrado e Doutorado em Direito, bem como grupos de
pesquisa, livros e revistas especializadas no País.
O citado julgado teve fundamento que a cobrança de
demurrage de contêiner se dá pelos usos e costumes no transporte
marítimo (Lex Maritima), o que não se pode tolerar, especialmente
porque juiz estatal não pode julgar contra legem (ordem pública). A
única exceção no direito brasileiro é para o árbitro, na hipótese de a
arbitragem ser por equidade, e não com base no direito. Vejamos o
acórdão:
Apelação com revisão nº 0026549-30.2011.8.26.0562
Comarca: Santos 2ª Vara Cível. Apelante: Cilomex Comercial
Importadora e Logística em Comércio Exterior S.A.
Apelada: Hand Line Transportes Internacionais Ltda.
MM. Juiz de primeiro grau: Cláudio Teixeira Villar.
2
STRECK, Lenio Luiz. Crise de paradigmas – Devemos nos importar, sim,
com o que a doutrina diz. 2014. p. 4. Mimeografado.
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Contratos Marítimos e Portuários: Responsabilidade Civil
Voto nº 14.345.
Ementa. Apelação. Ação de cobrança. Transporte marítimo. Tarifa de sobrestadia de contêineres. Sentença de procedência. Manutenção.
[…] 3. “Demurrage”. Inequívoca responsabilidade do importador pelo pagamento de sobrestadia pelo atraso na devolução de
contêiner, haja ou não cláusula contratual nesse sentido. Prática
encontrando amparo jurídico nos usos e costumes do comércio,
do pleno conhecimento de empresas como as litigantes, especializadas, ambas, em negócios tais. Hipótese em que, de todo modo,
o instrumento do contrato é expresso ao estabelecer tal responsabilidade e o unitário pela sobrestadia. 4. Contêiner. Data da restituição do equipamento Prova cujo ônus toca ao devedor Ausência
de prova impondo que se aceite a data apontada pelo credor, na
nota de débito. […] Apelação desprovida. (grifo do autor)
Por tais motivos, é importante doutrinar, especialmente
porque o Direito Marítimo, como sofre grande influência da economia internacional, é uma disciplina com forte grau de dinamismo e
que, portanto, requer um processo constante de atualização. Nesse
ambiente, assume relevância o instituto da arbitragem para solução
de conflitos, tema que será abordado na Parte I – Teoria Geral e Temais Atuais –, tendo em vista que a maioria dos conflitos no setor é
direito disponível.
Além disso, há uma preocupação permanente em reconhecer o Direito Marítimo e o Direito Portuário e sua relação com o Direito Regulatório do Transporte Aquaviário e da Atividade Portuária,
como instrumentos importantes para a eficácia dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil3 e desenvolvimento do
setor marítimo e portuário.
Ressalto, ainda, que vários capítulos dessa obra decorrem
de uma série de seminários no PPCJ/Univali, no Mestrado e Douto3
Conforme art. 3º da Lei Maior: “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover
o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação.”
Apresentação
19
rado em Direito Marítimo Internacional da IMO, em Malta, consultoria jurídica, inclusive como assistente técnico em perícias complexas no setor, árbitro e expert witness em arbitragens, interface com
os técnicos do LabTrans, da UFSC, aulas, cursos e seminários no
Brasil e no exterior, e a publicação de artigos jurídicos sobre Direito
Marítimo e Direito Portuário.
Esta obra é fruto de mais de 30 anos de atuação nos setores
marítimo e portuário, primeiro como Oficial de Náutica da Marinha
Mercante, tendo pilotado durante quatro anos vários tipos de navios,
quando pude viajar para 27 países e operado em mais de 65 portos e,
desde 1992, como advogado e professor universitário.
Desde 2005, realizamos mais de 12 congressos e seminários para discutir os problemas do setor marítimo e portuário, assim
como do controle aduaneiro no Brasil, que envolveram autoridades
dos 1º e 2º escalões dos órgãos intervenientes na infraestrutura do
comércio exterior, bem como especialistas do Brasil e do exterior.
Esses eventos realizados no PPCJ da Univali, em Itajaí,
contaram com a presença de mais de 5.000 participantes e de 280 palestrantes de diversas entidades, como STJ, Antaq, SEP, Universidades de Alicante (Espanha) e Perugia (Itália), LabTrans/UFSC, Cade,
IMLI/IMO (Malta), Receita Federal, Abratec, ABTP, Abtra, Porto de
Itajaí, Porto Itapoá, Portonave, APM-T, Appa, Porto de São Francisco do Sul, Porto de Imbituba, Porto de Santos, Syndarma, ABDM,
OAB, Instituto Iberoamericano de Derecho Marítimo (Brasil, Panamá e Portugal), Secex, MDIC, Polícia Federal, bem como os cursos
de Comércio Exterior, Logística, Relações Internacionais, Direito
Aduaneiro e Comércio Exterior, Gestão Portuária, dentre outros.
Nesse período, tive oportunidade de palestrar e dar cursos
sobre Direito Marítimo, Direito Portuário e Regulação da Infraestrutura de Transportes e Portos nos EUA e Brasil, em diversos eventos
no Brasil e no exterior, dentre os quais: University of Macau/China,
Universidade Nacional Autónoma do México, Harvard University
(Center for Business and Government) e International Maritime Law
Institute, IMO/Malta.
20
Contratos Marítimos e Portuários: Responsabilidade Civil
Acrescento, ainda, que a produção docente e discente do
PPCJ tem sido publicada em diversos livros, periódicos jurídicos e
revistas do setor no Brasil e no exterior, dentre as quais: Oxford University Press (Volume II: Shipping Law),4 Revista Direito e Política5
e Revista Novos Estudos Jurídicos,6 ambas do PPCJ, e Revista Direito Aduaneiro, Marítimo e Portuário, editada pela IOB/Síntese/Sage,
bimensal, cujo volume 1 é de mar./abr. 2011, da qual fazemos parte
do Conselho Editorial.
Devo mencionar que, no livro, há uma preocupação constante com o déficit institucional existente na regulação do setor, que
não é somente da Antaq, mas de outras instituições, como Cade, SEP,
Cias. Docas, Conselho de Autoridade Portuária, Autoridade Portuária, Congresso Nacional e Poder Judiciário.
No Brasil, parece-me que as leis apontam para um caminho
e as instituições caminham em outro sentido. Há sempre um hiato,
um território com espaço regulatório não habitado, que precisa de
pontes para ser atingido. Evidentemente que todas as ineficiências
no sistema de infraestrutura de transportes terrestres ou de acesso
aquaviário ao porto refletem no porto e, por sua vez, na ineficiência
da logística como um todo.
Nesse cenário, surge o livro Contratos Marítimos e Portuários: Responsabilidade Civil, escrito com base na nova Lei dos
Portos, ora apresentado, que pretende expor/discorrer sobre alguns
temas relevantes, a partir dos contratos marítimos e portuários, com
ênfase na responsabilidade civil, por meio de 17 capítulos de um
grupo qualificado de professores, advogados e pesquisadores brasileiros e estrangeiros que se dedicam a melhorar o ambiente institucional dos transportes marítimos e dos portos brasileiros.
A obra está dividida em quatro partes. A Parte I é introdutória e discorre sobre a Teoria Geral do Direito Marítimo e Direito
4
5
6
CASTRO JUNIOR, Osvaldo Agripino de; PASOLD, Cesar Luis. Law of
Harbours and Pilotage. In: ATTARD, David Joseph et al. (Org.). The IMLI
Manual on International Maritime Law – Volume II: shipping law. London:
Oxford University Press, 2015.
Disponível em: <www.univali.br/direitoepolitica>.
Disponível em: <www.univali.br/nej>.
Apresentação
21
Portuário, e trata de temas atuais e relevantes que envolvem as citadas disciplinas e seus contratos. A Parte II apresenta os contratos
marítimos, por meio do impacto da Convenção de Viena de 1980, de
Compra e Venda Internacional e seu impacto nos contratos de transportes, assim como contrato de fornecimento de contêiner, contratos
de salvamento e de afretamento de navios estrangeiros.
A Parte III trata dos contratos portuários por meio de cinco capítulos, com os seguintes temas: arrendamento portuário e seu
reequilíbrio econômico-financeiro; revisão e reajuste de tarifas portuárias; negócios imobiliários portuários e contrato de trabalho nos
terminais portuários de uso privado.
Por fim, a Parte IV trata da responsabilidade civil do transportador marítimo e do operador portuário por meio de cinco capítulos, com os seguintes temas: (i) contrato de cruzeiro marítimo e
responsabilidade do transportador; (ii) responsabilidade do transportador marítimo de passageiros em caso de acidente e (iii) do operador portuário; (iv) responsabilidade civil do operador portuário, com
breves considerações a partir da jurisprudência paranaense; e (v) limitação da responsabilidade civil nas atividades marítimas e portuárias, tema pouco abordado na doutrina brasileira.
Trata-se, portanto, de uma obra composta de temas e por
autores, com formação jurídica, que compreenderam a relevância
dos transportes marítimos e dos portos no cenário nacional.
Osvaldo Agripino de Castro Junior
Rio de Janeiro/Itajaí, inverno de 2015.
Autores
Adão Paulo Ferreira
Advogado (OAB/SC 12708) e sócio do Agripino & Ferreira Advocacia e
Consultoria. Consultor credenciado do Sebrae/SC. Professor no curso de
Direito do Centro Universitário para o Desenvolvimento do Alto Vale do
Itajaí (Unidavi) e na Universidade do Contestado (UnC). Graduado em
Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali/1997). Pós-graduado em Direito Contemporâneo pela Universidade do Contestado, Curitibanos (UnC/2007). Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali/2012). Membro da Comissão de Direito Marítimo e
Portuário da OAB/SC. Coordenador da Escola Superior da Advocacia da
13ª Subseção OAB/SC. E-mail: [email protected]
Augusto Grieco Sant’Anna Meirinho
Mestre em Direito Previdenciário (PUC-SP). Especialista em Direito do Trabalho (USP) e em Relações Internacionais pela Universidade
Cândido Mendes. Doutorando em Direito Previdenciário (PUC-SP). Bacharel em Ciências Náuticas (Ciaga/Efomm). Ex-procurador Federal da
Advocacia-Geral da União. Procurador do Trabalho do Ministério Público
da União e professor universitário.
Bernardo Strobel Guimarães
Advogado. Mestre e doutor em Direito pela Fadusp. MBA em Gestão Estratégica de Empresas pela Isae/FGV. Professor da Faculdade de Direito da
PUC-PR.
David William Kirk Henderson
Advogado maritimista e sócio do Henderson Advogados Associados.
Membro do Instituto Ibero-Americano de Direito Marítimo.
Egon Bockman Moreira
Advogado. Mestre e doutor em Direito pela UFPR. Professor da Faculdade
de Direito da UFPR. Professor visitante na Faculdade de Direito de Lisboa
(2011). Professor convidado do Centro de Estudos de Direito Público e
24
Contratos Marítimos e Portuários: Responsabilidade Civil
Regulação (Cedipre), da Faculdade de Direito de Coimbra (2012). Professor visitante nas Universidades de Nankai e Jilin, China (2012).
Frederico E. Z. Glitz
Doutor em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do
Paraná (2011). Mestre em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná (2005). Especialista em Direito dos Negócios Internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina (2003). Especialista em Direito Empresarial pelo Instituto de Ciências Sociais do Paraná
(2002). Graduado em Direito pela Universidade Federal do Paraná (2000).
Professor titular da Unochapecó e da Unicuritiba. Membro do Núcleo
Stricto Sensu em Direito da Unochapecó. Membro do Conselho Editorial
de vários periódicos especializados nacionais e da Revista Education and
Science without Borders (Cazaquistão). Vice-presidente da Comissão de
Propriedade Intelectual da OAB/PR. Membro do Instituto dos Advogados
do Paraná (IAP). Diretor Científico do Instituto de Pesquisas em Comércio Internacional e Desenvolvimento (Inter). Componente da lista de árbitros da Câmara de Arbitragem e Mediação da Federação das Indústrias do
Paraná (Camfiep). Atualmente, desenvolve pesquisas nos seguintes temas:
cidadania, atores internacionais, atores privados e regulação internacional,
contratos internacionais.
Márcio Vasconcellos
Advogado, sócio de Matter, Boettcher & Zanini Advogados. Mestre em
Direito Civil e Empresarial pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e graduado
pela mesma instituição. Coach do time da UFRGS para o Willem C. Vis
International Commercial Arbitration Moot.
Milene Corrêa Zerek Capraro
Doutoranda na UFPR e mestre em Ciência Jurídica pela Univali. Membro do Grupo de Pesquisa Regulação da Infraestrutura e Juridicidade da Atividade Portuária e advogada. Membro da Comissão de Direito
Marítimo, Portuário e Aduaneiro da OAB/PR. Professora do Grupo
Marista e em pós-graduações. Especialista em Direito Empresarial pelo
IBEJ – Curitiba-PR.
Nara Rejane Moraes da Rocha
Advogada em Brasília, mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do
Vale do Itajaí (Univali) e doutoranda em Direito Constitucional na Universidade de Buenos Aires. E-mail: [email protected]
Norman A. Martínez Gutiérrez
Estudou Direito na Universidad Nacional Autónoma de Honduras (UNAH).
Em 1997, foi contratado pela Direção-Geral da Marinha Mercante de
Autores
25
Honduras. Mestre (1998) e doutor em Direito Marítimo Internacional cum
laude (2010) pelo IMO International Maritime Law Institute (IMLI), onde leciona desde 1999, e é catedrático titular (Senior Lecturer). Professor
convidado de várias universidades no exterior e do Programa de Mestrado
e Doutorado em Ciência Jurídica da Univali. Recebeu os títulos de Advogado dos Tribunais da República de Honduras (2005). Tem atuado como
consultor marítimo internacional desde 2000 e expert da Organização
Marítima Internacional em 2003. Autor de Limitation of liability in
International Maritime Conventions: the relationship between global limitation conventions and particular liability regimes, Routledge, London, New
York, 2011 <http://www.routledge.com/books/details/9780415601405/> e
de Limitação da responsabilidade civil no transporte marítimo, Renovar, em
coautoria com Osvaldo Agripino de Castro Junior. Coordenador dos livros
Serving the Rule of International Law y Serving the Rule of International
Maritime Law: essays in honour of professor David Joseph Attard e do
The IMLI Manual on International Maritime Law. Norman é membro
do conselho editorial do Benedict’s Maritime Bulletin e tem publicado vários artigos em revistas jurídicas em todo o mundo. Palestrante em várias
conferências internacionais e redigiu legislação para governos em
várias áreas de Direito Marítimo. Em 2011, o governo de Honduras outorgou-lhe o Diploma de Reconhecimento pelos relevantes serviços prestados
à comunidade marítima internacional e, em particular, à promoção do bom
nome da República de Honduras.
Osvaldo Agripino de Castro Junior
Advogado (UERJ/1992), sócio do Agripino & Ferreira Advocacia e Consultoria e inscrito na OAB/SC e OAB/RJ. Pós-doutor em Regulação de
Transportes e Portos comparada pelo Center for Business and Government
da Harvard University. Bacharel em Ciências Náuticas (Ciaga/1983) e piloto de navios durante quatro anos, tendo viajado para 27 países. Doutor
em Direito e Relações Internacionais (CPGD-UFSC), Visiting Scholar na
Stanford Law School. Professor de Direito Marítimo e Direito Regulatório
do Mestrado e Doutorado em Ciência Jurídica da Univali <www.univali.br/
ppcj>, Itajaí, e do Mestrado em Engenharia de Transportes e Gestão Territorial da UFSC/LabTrans.
Paulo Campos Fernandes
Advogado e engenheiro naval. Funcionário da Petrobras.
Pierre-Jean Bordahandy
L.L.B. (Université de Pau et des Pays de l’Adour, França), Diploma em
Direito Espanhol (Universidad de Zaragoza, Espanha), Criminal Sciences
(Université de Pau et des Pays de l’Adour, França) e DESS em Direito dos
Transportes (University of Aix-en-Provence, França). L.L.M. em Direi-
26
Contratos Marítimos e Portuários: Responsabilidade Civil
to Internacional Privado e Direito Marítimo (Universidade de Estocolmo,
Suécia), Diploma de Direito Comparado (University of Aix-en-Provence,
França). Trabalhou dois anos como advogado da Lasry Vitrage France
S.A., quando se especializou em temas jurídicos relacionados à carga, seguro, contratos de venda e de distribuição. Especialista em transporte de
contêiner na TC Beirne School of Law. Professor de Direito Marítimo e
Direito do Comércio Internacional e especialista em International
Maritime Arbitration. Entre 2006 e 2008, foi palestrante na Law School of
the University of Adelaide. Doutor em Direito Marítimo (The University
of Queensland) e Doctorat d’Etat em Direito Privado (University of
Aix-Marseille), que foram obtidos pela cooperação entre o Centre de
Droit Maritime et des Transports (CDMT – University of Aix-Marseille) e
o Maritime and Shipping Law Unit (Maslu – University of Queensland).
A tese é denominada The Legal Implications of the Concept of Shipping
Containers. Pierre-Jean é Research Scholar do Maritime and Shipping Law
Unit (Maslu), na University of Queensland, membro da French-Australian
Chamber of Commerce and Industry (Facci) da Austrália do Sul e da
Maritime Law Association of Australia and New Zealand (MLAANZ). As
pesquisas de Pierre-Jean têm sido publicadas na Europa, EUA, Austrália e
Brasil.
Véra Maria Jacob de Fradera
Sócia-fundadora do escritório Fradera & Gonçalves Advogados. Mestre
e doutora em Direito pela Universidade de Paris II. Professora no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS). Professora visitante nas universidades de Paris,
Rennes, Strasbourg, León, Burgos e Veneza. Membro da Société de
Législation Comparée, membro da European Community Studies
Association. Presidente da seção brasileira da Association Henri Capitant
des Amis de la Culture Juridique Française. Head coach do time da UFRGS
para o Willem C. Vis International Commercial Arbitration Moot, desde
2000.
Parte I
Teoria Geral e Temas Atuais
1.
Direito Marítimo e Direito Portuário à
Luz da Globalização: Breves Notas
Osvaldo Agripino de Castro Junior*
Sumário: Introdução. Parte I – Direito Marítimo: conceitos relevantes. I.1 – O
transporte marítimo no mundo globalizado. I.1.1 – International Chamber of
Shipping (ICS). I.1.2 – International Shipping Federation (ISF). I.2 – Empresa transnacional. I.3 – Navio. I.4 – Direito Marítimo: aspectos destacados.
Parte II – Direito Marítimo: relação com outros ramos do direito, a Lex Mercatoria
e a Lex Maritima. II.1 – Direito Marítimo e Lex Mercatoria. Parte III – Direito Portuário. III.1 – Aspectos destacados da reforma portuária. Conclusão. Referências.
Introdução
De forma introdutória e conceitual, este capítulo objetiva
contribuir para a compreensão dos aspectos principais do Direito
Marítimo e do Direito Portuário à luz da globalização, a fim de melhor interpretar os contratos marítimos e portuários, porque inexiste interpretação e, por sua vez, aplicação sem pré-compreensão da
norma jurídica. Nesse setor, em face da insegurança jurídica do ambiente institucional, grandes valores e complexidade das operações,
a doutrina importa muito.
Acerca dos contratos marítimos, deve-se mencionar que os
mais relevantes são o contrato de transporte marítimo de coisa ou de
*
Advogado (UERJ/1992), sócio do Agripino & Ferreira Advocacia e Consultoria e inscrito na OAB/SC e OAB/RJ. Pós-doutor em Regulação de Transportes e Portos comparada pelo Center for Business and Government da Harvard
University. Bacharel em Ciências Náuticas (Ciaga/1983) e piloto de navios
durante quatro anos, tendo viajado para 27 países. Doutor em Direito e Relações Internacionais (CPGD-UFSC), Visiting Scholar na Stanford Law School.
Professor de Direito Marítimo e Direito Regulatório do Mestrado e Doutorado em Ciência Jurídica da Univali <www.univali.br/ppcj>, Itajaí, e do Mestrado
em Engenharia de Transportes e Gestão Territorial da UFSC/LabTrans.
30
Contratos Marítimos e Portuários: Responsabilidade Civil
pessoa e o contrato de afretamento de embarcação, ou seja, de utilização. No Direito Portuário, os dois principais contratos são o de
armazenagem e o de prestação de serviços (que envolve manuseio,
carga e descarga), bem como o de arrendamento portuário, regido
pelas Leis nºs 12.815/2013 e 8.987/1995 (Lei de Concessões).
Esses contratos não serão tratados neste capítulo, porque
serão abordados nos demais capítulos. Neste, serão apresentadas as
principais características do Direito Marítimo e do Direito Portuário, para que, ao longo deste livro, o(a) leitor(a) possa navegar com
maior segurança jurídica nos contratos marítimos e portuários e no
tema da responsabilidade civil.
Assim, o Direito Marítimo1 será abordado à luz do Direito
Internacional Privado brasileiro e da Lex Maritima, ora considerada
como usos e costumes usados no transporte marítimo internacional,
bem como será indicada bibliografia básica sobre o tema, a fim de
reduzir o impacto da globalização da economia na ordem pública
doméstica.
Nesse cenário, este capítulo pretende, ainda, revigorar a
Teoria Geral do Direito Marítimo e do Direito Portuário. O Direito
Marítimo é uma disciplina autônoma2 que tem como objeto regular
as relações jurídicas que se dão em torno do navio, como contratos
de transporte de bens e pessoas, contratos de afretamento de embarcações, responsabilidade civil, ressaltando-se que o navio opera
1
2
Sobre o tema, com maior profundidade, com a abordagem de vários temas relevantes para o Direito Marítimo, por meio de artigos que tratam da regulação
econômica do setor de transportes marítimos, contratos internacionais, cabotagem, NVOCC, Direito Ambiental Marítimo, Representação do Brasil na IMO,
dentre outros: CASTRO JUNIOR, Osvaldo Agripino de (Coord.). Direito
marítimo, regulação e desenvolvimento. Prefácio de Wesley O. Collyer. Belo
Horizonte: Fórum, 2011.
Nessa linha de revigoramento do Direito Marítimo brasileiro, sem, contudo,
aprofundar as relações da disciplina nos ambientes interno (agência reguladora
independente – Antaq) e internacional (supranacional – OMC, Unctad e IMO):
ANJOS, José Haroldo dos; GOMES, Carlos Rubens Caminha. Curso de direito marítimo. Rio de Janeiro: Renovar, 1992, do qual tivemos oportunidade
de colaborar; MARTINS, Eliane Maria Octaviano. Curso de direito marítimo.
3. ed. São Paulo: Manole, 2008. v. 1 e 2.
Direito Marítimo e Direito Portuário à Luz da Globalização:…
31
num ambiente de regulação interna (Antaq, Conit,3 DPC,4 dentre outros), externa ou supranacional (IMO, OMC, Organização Mundial
das Aduanas – OMA, dentre outras) e transnacional (sem regulação
ou baixa intensidade de regulação, no caso das bandeiras de (in)conveniência).
Ademais, o ambiente institucional dos setores marítimo e
portuário, em face da capacitação ainda inadequada de parcela dos
magistrados para compreender as especificidades do setor, tem causado grande insegurança jurídica. Trata-se de um problema estrutural que vem desde o ensino jurídico nos cursos de Direito, escolas de
Magistrados e provas de ingresso à carreira da magistratura.5
Esse problema ocorre, inclusive, nos tribunais federais, onde há magistrados que ainda julgam sem considerar o conhecimento especializado da academia e da doutrina, tal como o voto do ministro Humberto Gomes de Barros, do Superior Tribunal de Justiça
(AgReg em ERESP nº 279.889-AL), que causa perplexidade:
Não me importa o que pensam os doutrinadores. Enquanto for
Ministro do Superior Tribunal de Justiça, assumo a autoridade
da minha jurisdição. O pensamento daqueles que não são Ministros deste Tribunal importa como orientação. A eles, porém, não
me submeto. Interessa conhecer a doutrina de Barbosa Moreira
ou Athos Carneiro. Decido, porém, conforme minha consciência. Precisamos estabelecer nossa autonomia intelectual, para
que este Tribunal seja respeitado. É preciso consolidar o entendimento de que os Srs. Ministros Francisco Peçanha Martins e
Humberto Gomes de Barros decidem assim, porque pensam assim. E o STJ decide assim, porque a maioria de seus integrantes
pensa como esses Ministros. Esse é o pensamento do Superior
3
4
5
Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte, criado pela Lei
nº 10.233/2001, cuja primeira reunião se deu no segundo semestre de 2009, ou
seja, quase uma década após sua criação.
Diretoria de Portos e Costas, com sede no Rio de Janeiro, exerce importante
atuação na esfera da autoridade marítima brasileira, que é o Comandante da
Marinha.
Acerca do tema: BECKMAN, Wellington; PAULO, Gerson da Silva. Pré-sal,
comércio internacional e poder judiciário: royalties – histórico, doutrina e comentários. Prefácio de Osvaldo Agripino de Castro Junior. São Paulo: LEX,
2014.
32
Contratos Marítimos e Portuários: Responsabilidade Civil
Tribunal de Justiça, e a doutrina que se amolde a ele. É fundamental expressarmos o que somos. Ninguém nos dá lições. Não
somos aprendizes de ninguém. Quando viemos para este Tribunal, corajosamente assumimos a declaração de que temos notável saber jurídico – uma imposição da Constituição Federal.
Pode não ser verdade. Em relação a mim, certamente, não é,
mas, para efeitos constitucionais, minha investidura obriga-me a
pensar que assim seja. (grifo do autor)
É urgente, portanto, uma mudança de paradigma, tal como
leciona Lenio Luiz Streck:
Para aqueles que pensam que o Direito é aquilo que os tribunais
dizem que é, o voto de Sua Excelência é um prato cheio. Só que
não é bem assim, ou, melhor dizendo, não pode ser assim (ou,
melhor, ainda bem que não pode ser assim!). Com efeito, o Direito é algo bem mais complexo do que o produto da consciência-de-si-do-pensamento-pensante, que caracteriza a (ultrapassada) filosofia da consciência, como se o sujeito assujeitasse o
objeto. Na verdade, o ato interpretativo não é produto nem da
objetividade plenipotenciária do texto e tampouco de uma atitude solipsista do intérprete: o paradigma do Estado Democrático de Direito está assentado na intersubjetividade.
Repetindo: o Direito não é aquilo que o intérprete quer que ele
seja. Portanto, o Direito não é aquilo que o Ministro Humberto
Barros diz que é (lembremos, aqui, a assertiva de Herbert Hart,
em seu Concept of Law, acerca das regras do jogo de criquet, para usar, aqui, um autor positivista contra o próprio decisionismo
positivista propagandeado pelo Ministro no voto em questão). A
doutrina deve doutrinar, sim. Esse é o seu papel. Aliás, não fosse
assim, o que faríamos com as quase mil faculdades de Direito,
os milhares de professores e os milhares de livros produzidos
anualmente? E mais: não fosse assim, o que faríamos com o
parlamento, que aprova as leis? Se os juízes (do STJ) podem –
como sustenta o Ministro Barros – “dizer o que querem” sobre
o sentido das leis, para que necessitamos de leis? Para que a intermediação da lei?6 (grifo do autor)
No setor marítimo não é diferente, pois há julgados que, inclusive, violam a ordem pública, tal como o acórdão do Tribunal de
6
STRECK, Lenio Luiz. Crise de paradigmas – Devemos nos importar, sim,
com o que a doutrina diz. 2014. p. 4. Mimeografado.

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