Free - Cije - Centro de Investigação Jurídico
Transcrição
Free - Cije - Centro de Investigação Jurídico
Estanislau Viana de Almeida REFORMA “VERDE”: Tributação (atividade fiscal) na defesa do meio ambiente. A experiência portuguesa e as perspectivas de aplicação no Brasil. Trabalho apresentado como requisito parcial à obtenção da Pós-Graduação pela Universidade do Porto – Portugal, ao abrigo do Protocolo com o IPCP. Profª. Dra. Glória Teixeira Porto 2011 1 REFORMA “VERDE”: Tributação (atividade fiscal) na defesa do meio ambiente. A experiência portuguesa e as perspectivas de aplicação no Brasil. Estanislau Viana de Almeida Porto 2011 2 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 04 2. A TRIBUTAÇÃO AMBIENTAL: POSSIBILIDADE............................................ 05 2.1. Custos da degradação suportados pelo poluidor......................................... 09 2.2. Aquisição de receita para a preservação...................................................... 10 2.3. Correção de condutas..................................................................................... 11 3. NORMATIZAÇÃO EM PORTUGAL..................................................................... 11 4. NORMATIZAÇÃO NO BRASIL............................................................................. 15 5. CONCLUSÃO............................................................................................................ 19 6. REFERÊNCIAS......................................................................................................... 21 7. ANEXO....................................................................................................................... 23 3 1. Introdução. A preocupação com a qualidade de vida vem sendo uma das linhas mestras dos tempos atuais. Mas essa preocupação não é recente, já que desde o último quartel do século XX diversos movimentos da sociedade civil e dos governantes já vinham buscando, paulatinamente, o reconhecimento de que é preciso um olhar especial para com o meio ambiente, seja pelos desastres ecológicos causados pelo mão humana (vazamentos de petróleo pela Exxon Valdez no Alasca em 1989; pela British Petroleum no Golfo do México em 2010; pela Companhia Americana Chevron na Bacia de Campos no Brasil em novembro último; desmatamentos descontrolados na Amazônia Brasileira, entre outros), seja pelo próprio crescimento populacional que faz aumentar a demanda por recursos naturais. Em razão disso, Governos estão premidos por buscar uma forma de equilibrar o crescimento econômico com a preservação ambiental (desenvolvimento sustentável1), de modo que se possa ocorrer uma exploração racional dos recursos naturais que sabidamente são escassos2. Um ambiente ecologicamente equilibrado é uma meta a ser perseguida e, ao mesmo tempo, um direito fundamental, que deve ser assegurado para as gerações presentes e futuras3, conforme declarado em junho de 1972, na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente na Suécia (Estocolmo)4. Nesta Conferência foi elaborado um texto formal estabelecendo-se 26 (vinte e seis) princípios de proteção ao meio ambiente. 1 IGLIORI, Danilo Camargo. Economia espacial do desenvolvimento e da conservação ambiental: uma análise sobre o uso da terra na Amazônia. Cienc. Cult. [online]. 2006, v. 58, n. 1. http://cienciaecultura.bvs.br, último acesso: 01/12/2011. 2 Quer dizer, não há o romantismo idílico da vida do homem em harmonia com a natureza, pois, em realidade, ao mesmo tempo em que a natureza se apresenta como fonte de vida, se mostra também como ameaça. Os distintos comportamentos humanos revelam esta ambivalência, pois como preservar a natureza se é de seu consumo que o ser humano retira sua fonte de existência. [...] Sendo o ser humano, ele mesmo, parte da natureza, não lhe é possível ultrapassar seu contexto natural. Sua dependência da natureza é imanente e contra isso não pode lutar. Resta-lhe resolver os princípios de sua dependência com a natureza, esclarecendo o modo como apropriá-la da forma mais satisfatória. Há, sim, uma necessidade de constante ajuste de um relacionamento insuperável do ser humano com suas bases naturais de reprodução de existência. (DERANI, Cristiane. Aplicação dos Princípios do Direito Ambiental para o Desenvolvimento Sustentável. TÔRRES, Heleno Taveira (Org.). Direito tributário ambiental. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 641-642.) 4 PASSOS, Priscilla Nogueira Calmon de. A conferência de estocolmo como ponto de partida para a proteção internacional do meio ambiente. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, Vol. 6. 2009: revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br, último acesso 06 de dezembro de 2011. 4 A partir da Conferência de Estocolmo diversos países passaram a tutelar o meio ambiente, tanto assim que, passados exatos 20 (vinte) anos da citada conferência, outra foi realizada, desta vez no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, evento que ficou conhecido como ECO-92, oportunidade em que os princípios desenvolvidos em 1972 não só foram reafirmamos, como também ampliados.5 Em sequência, outro grande encontro de nações pelo clima se seguiu, altura em que se firmou, em 1999 outro documento multinacional bastante controverso, chamado de Protocolo de Quioto, realizado na cidade japonesa de mesmo nome. Este, por sua vez, buscou compromissar de forma mais vigorosa a redução dos gases de efeito estufa, cujas discussões foram firmadas em 1999.6 O Eminente Ministro CELSO DE MELO da Suprema Corte Constitucional brasileira, com a eloquência que lhe é peculiar acentuou em julgado de sua lavra que “a ideia de que o meio ambiente constitui patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido pelos organismos sociais e pelas instituições estatais, qualificando-se como encargo irrenunciável que se impõe – sempre em benefício das presentes e futuras gerações – tanto ao Poder Público quanto à coletividade em si mesma considerada”7. É nessa atmosfera – preocupação com a sustentabilidade ambiental da exploração econômica – que se percebem movimentos discutindo modos mais eficazes dos meios de produção, buscando ainda proporcionar que os benefícios econômicos dessa produção sejam igualmente usufruídos pela população em geral.8 Portanto, e nessa perspectiva, vimos com o nosso trabalho tentar contribuir, por meio da vertente do direito fiscal9, nessa temática, notadamente com o direito comparado, para aferir como andam o direito tributário no Brasil, o fiscal em Portugal e o comunitário, este com menor ênfase e, mais especialmente, objetivando demonstrar como a ciência tributária/fiscal pode atuar de modo satisfatório na preservação de um meio ambiente ecologicamente equilibrado.10 5 Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento: http://www.mma.gov.br, último acesso em 06 de dezembro de 2011. 6 http://www.greenpeace.org.br/clima/pdf/protocolo_kyoto.pdf. 7 Brasil. STF: Plenário, ADI 3.540-MC/DF, DJ/I de 03/02/2006. 8 A questão ambiental é, em essência, subversiva, posto que é obrigada a permear e a questionar todo o procedimento moderno de produção e de relação homem-natureza, estando envolvida com o cerne da conflituosidade da sociedade moderna. (idem, p. 643). 9 No Brasil, direito tributário é o mesmo que direito fiscal em Portugal. 10 A crescente urgência de proteção do meio ambiente tem modificado a visão sistêmica da participação do Estado, das pessoas e das empresas no contexto de preservação do planeta em favor das gerações futuras, 5 2. A tributação ambiental: possibilidade. Tributação ambiental pode ser conceituada como sendo o “emprego de instrumentos tributários para orientar o comportamento dos contribuintes à protesto do meio ambiente, bem como para gerar os recursos necessários à prestação de serviços públicos de natureza ambiental.11 Atualmente, a sociedade busca dos Governos uma posição mais proativa, intervencionista, em que é precisamente na preservação do meio ambiente que essa preocupação é bastante sentida. Afinal, como dito alhures, o direito a um ambiente ecologicamente equilibrado, saudável e preservado é um escopo perseguido inconteste pelo mundo global que se instalou.12 Não se admite mais a atuação livre da economia a qualquer custo. Há que se ter responsabilidade sócio-ambiental de todos os atores (Governo e sociedade: produtor e consumidor). Nesse curso de ideias, calha novamente as palavras do jurista constitucional da Corte Suprema antes indicado, quando do mesmo julgado: (...) atento à circunstância de que existe um permanente estado de tensão entre o imperativo de desenvolvimento nacional (CF, art. 3º, II), de um lado, e a necessidade de preservação da integridade do meio ambiente (CF, art. 225), de outro, torna-se essencial reconhecer que superação desse antagonismo, que opõe valores constitucionais relevantes, dependerá da ponderação concreta, em cada caso concreto, dos interesses e direitos postos em situações de conflito, em ordem a harmonizá-los e a impedir que se aniquilem reciprocamente, tendo-se como vetor interpretativo, para efeito da obtenção de um mais justo e perfeito equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, o princípio do desenvolvimento sustentável, tal como formulado nas conferências internacionais (...)13 inclusive no que toca à atuação da tributação como ferramenta para alcançar este objetivo. (CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Tributação e tutela do meio ambiente. Aspectos relevantes de direito ambiental. Campos dos Goytacazes. GRAFBEL. 2009: p. 147) 11 COSTA, Regina Helena. Tributação Ambiental. FREITAS, Vladimir Passos de (Org.). Direito ambiental em evolução - N° 1. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2004. p. 303. 12 Idem: DERANI, Cristiane. 13 Brasil. Idem: STF: Plenário, ADI 3.540-MC/DF, DJ/I de 03/02/2006. 6 Portanto, aquela velha visão, ainda muito utilizada no direito fiscal, de que os tributos servem exclusivamente para que o Estado arrecade com a finalidade precípua de criar receita para a mera prestação de serviços públicos não é mais suficiente14. Esta é uma visão distorcida da realidade atual.15 Explorando a doutrina, é possível perceber que os primeiros instrumentos tributários no sentido da defesa ambiental podem ter-se iniciado ainda em 1920 pela dogmática econômica proposta por Arthur Cecil Pigou.16 Para este economista existem as chamadas externalidades, sejam elas positivas ou negativas, decorrentes das atividades produtivas que poderiam ser afastadas, ou pelo menos minoradas, com a inserção dos custos sociais decorrentes dessa atividade econômica desenvolvida.17 Eis as notas de Amaral sobre Pigou18: A solução pigouviana consiste, sobretudo, em fazer com que os preços sejam os corretos, ou seja, computam-se os custos sociais produzidos pela poluição, acrescentando-o ao preço de mercado, por meio de imposto unitário, cujo tipo impositivo coincide, idealmente, com o custo marginal da poluição. [...] Um imposto pigouviano se baseia em que isso tenha que internalizar o real valor do meio ambiente no preço do produto. Ou seja, o conceito defende que se deve taxar os usuários por suas atividades nocivas (atuação poluidora).19 14 A principal finalidade de muitos tributos (que continuarão a surgir em volume e variedade sempre maiores pela progressividade transfigurada dos tributos de finalismo clássico ou tradicional) não será a de um instrumento de arrecadação de recursos para o custeio das despesas públicas, mas a de um instrumento de intervenção estatal no meio social e na economia privada. (BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 3 ed. São Paulo: Lejus, 2002, p.587.) 15 Esse modelo de reforma tributária traz a novidade: tributos impostos não pelo Estado mas pela Natureza. Essa é talvez a grande novidade que o sistema tributário nos reserva para este início de milênio, com tributos orientados por uma nova lógica em que a simples satisfação do apetite estatal é insuficiente para justificar a imposição tributária. Não se trata apenas de tributar mas de tributar racionalmente, mostrando a lógica e a coerência do sistema com os valores sociais e constitucionalmente eleitos. (FERRAZ, Roberto. Tributação e meio ambiente: o green tax no Brasil (a contribuição de intervenção da emenda 33/2001). MARINS, James (Coord.). Tributação e meio ambiente. Curitiba: Juruá, 2007. p. 96-97) 16 SILVEIRA, Stefano José Caetano da. Externalidades negativas: as abordagens neoclássica e institucionalista. Rev. FAE, Curitiba, v.9, n.2, p.39-49, jul./dez. 2006. 17 Idem. 18 AMARAL, Paulo Henrique do. Direito Tributário Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pág. 53. 19 Os ditos green taxes, tributos ecologicamente orientados, são aqueles que influenciam na decisão econômica de modo a tornar mais interessante a opção ecologicamente orientada. Na verdade, nada mais devem fazer que refletir a realidade dos custos da atividade econômica ecologicamente desorientada. Na atividade econômica as decisões são orientadas pelo binômio custo/benefício e assim, ainda que não seja critério exclusivo, o custo é critério de extrema relevância nas decisões diárias, não apenas do empresário mas de todos. Ora, se os custos da degradação ambiental não forem refletidos nos preços, as decisões econômicas nunca serão ecologicamente corretas. A função do green taxes é precisamente essa: ‘internalizar’ (neologismo de origem norte-americana) os 7 Porém, essa ideia somente teve algum efeito prático, concreto, para o ambiente a partir dos ventos soprados nos anos 70 (setenta), por certo, estes ainda envoltos nos debates fervilhantes da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente. Aliás, foi a esta altura que as primeiras taxas ecológicas, taxas verdes ou green taxes apareceram, momento em que se desenvolveu mais fortemente o princípio do poluidorpagador20 e do usuário-pagador, que foi utilizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE em matéria ambiental: O princípio deve ser usado para alocar os custos da prevenção da poluição e das medidas de controle para incentivar o uso racional dos escassos recursos e para evitar distorções no comércio internacional e no investimento, este é o chamado "princípio do poluidor-pagador ". Este princípio significa que o poluidor deve arcar com as despesas das medidas decididas pelas autoridades públicas para assegurar um meio ambiente aceitável. Em outras palavras, os custos dessas medidas devem refletir no custo dos bens e serviços que causam a poluição, seja na produção, seja no consumo. Tais medidas não devem ser acompanhadas por subsídios que criem distorções significativas no comércio internacional e no investimento.21 custos ambientais, isto é, trazer para o custo de cada bem ou mercadoria o custo que seu consumo representa em termos ambientais. (Idem. FERRAZ, Roberto) 20 Assenta-se este princípio na vocação redistributiva do Direito Ambiental e se inspira na teoria econômica de que os custos sociais externos que acompanham o processo produtivo (v.g., o custo resultante dos danos ambientais) precisam ser internalizados, vale dizer, que os agentes econômicos devem levá-los em conta ao elaborar os custos de produção e, consequentemente, assumi-los. Busca-se, no caso, imputar ao poluidor o custo social da poluição por ele gerada, engendrando um mecanismo de responsabilidade por dano ecológico, abrangente dos efeitos da poluição não somente sobre bens e pessoas, mas sobre toda a natureza. Em termos econômicos, é a internalização dos custos externos. Em outro modo de dizer, averba Cristiane Derani, durante o processo produtivo, além do produto a ser comercializado, são produzidas ‘externalidades negativas’. São chamadas externalidades porque, embora resultantes da produção, são recebidas pela coletividade, ao contrário do lucro, que é percebido pelo produtor privado. Daí a expressão ‘privatização de lucros e socialização de perdas’, quando identificadas as externalidades negativas. Com a aplicação do principio do poluidor-pagador, procura-se corrigir este custo adicionado à sociedade, impondo-se sua internalização. Por isto, este princípio é também conhecido como o princípio da responsabilidade. O princípio não objetiva, por certo, tolerar a poluição mediante um preço, nem se limita apenas a compensar os danos causados, mas sim, precisamente, evitar o dano ao ambiente. Nesta linha, o pagamento pelo lançamento de efluentes, por exemplo, não alforria condutas inconsequentes, de modo a ensejar o descarte de resíduos fora dos padrões e das normas ambientais. A cobrança só pode ser efetuada sobre o que tenha respaldo na lei, pena de se admitir o direito de poluir. Trata-se do princípio poluidor-pagador (poluiu, paga os danos), e não pagadorpoluidor (pagou, então pode poluir). Esta colocação gramatical não deixa margem a equívocos ou ambiguidades na interpretação do princípio. A Declaração do Rio, de 1992, agasalhou a matéria em seu Princípio 16, dispondo que “as autoridades nacionais devem procurar promover a internalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, tendo em vista a abordagem segundo a qual o poluidor deve, em princípio, arcar com o custo da poluição, com a devida atenção ao interesse público e sem provocar distorções no comércio e nos investimentos internacionais”. (MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 5ª edição. São Paulo, Revista dos Tribunais. 2007, p. 770) 21 Tradução livre deste autor: "The principie to be used for allocating costs of pollution prevention and control measures to encourage rational use of scarce resources and to avoid distortions in international trade and investment is the so-called 'Polluter-Pays Principie'. This principie means that the polluter should bear the expenses of carrying out the above-mentioned measures decided by public authorities to ensure that the environment is in an acceptable state. In other words, the costs of these measures should be reflected in the costs 8 Já o usuário-pagador22 parte do pressuposto de que deve haver uma contrapartida remunerada (preço) pela utilização de determinado recurso natural (bem público), a ser vertida em favor desse mesmo recurso natural. Em linhas gerais, a tributação ambiental pode operar com as seguintes vertentes – sem prejuízo, é claro, de servir como verdadeiro instrumento de proteção ao meio ambiente, a saber: a) custos da degradação suportados pelo poluidor; b) aquisição de receita para a preservação; c) correção de condutas. 2.1 Custos da degradação suportados pelo poluidor of goods and services which cause pollution in production and/or consumption. Such measures should not be accompanied by subsidies that create significam distortions in international trade and investment." 22 Originário igualmente de práticas adotadas na atual União Européia, o princípio do usuário-pagador pode parecer uma reduplicação do seu congênere, o principio do poluidor-pagador. Na realidade são diferentes e, de algum modo, complementares. Busca o princípio evitar que o “custo zero” dos serviços e recursos naturais acabe por conduzir o sistema de mercado à hiperexploração do meio ambiente. Por isso, cresce no mundo o movimento pelo pagamento por serviços ecológicos como incentivo à conservação. É o que ocorre, por exemplo, na Costa Rica, onde contribuições cobradas sobre água e gasolina são revertidas para proprietários de florestas, em troca da preservação dos recursos hídricos e do sequestro de carbono da atmosfera. Na França a empresa de água PerrierVitel paga US$ 230 por hectare/ano a fazendeiros das proximidades para que mantenham suas nascentes protegidas com vegetação.(...) Funda-se este princípio no fato de os bens ambientais - particularmente os recursos naturais – constituírem patrimônio da coletividade, mesmo que, em alguns casos, possa incidir sobre eles um justo título de propriedade privada. Sabemos, outrossim, que recursos essenciais, de natureza global – como a água, ar e o solo – não podem ser “apropriados” a bel talante. Com ou sem tarifas e taxas, os usuários de recurso naturais arcam com custos, ou seja, pagam sempre pelo uso direto desses recurso ou pelos serviços destinados a garantir a qualidade ambiental e o equilíbrio ecológico. O poluidor que paga, é certo, não paga pelo direito de poluir: este “pagamento” representa muito mais uma sanção, tem caráter de punição e assemelha-se à obrigação de reparar o dano. Em síntese, não confere direito ao infrator. De outro lado, o usuário que paga, paga naturalmente por um direito que lhe é outorgado pelo Poder Público competente, como decorrência de um ato administrativo legal (que, às vezes, pode até ser discricionário quanto ao valor e às condições); o pagamento não tem qualquer conotação penal, a menos que o uso adquirido por direito assuma a figura do abuso, que contraria o direito. É importantíssimo criar uma mentalidade objetiva a respeito deste princípio do usuário-pagador, porquanto o uso dos elementos naturais e o usufruto do patrimônio ambiental (nacional, estadual ou municipal) podem afetar o interesse social maior, que é o de grande referencial do bem trazido para o uso dos interessados. Seria supérfluo dizer que, em caso de uso de bens ambientais para fins econômicos geradores de lucro para empreendedores privados, o pagamento não é apenas justo, é necessário e impositivo. (idem. MILARÉ, Édis. p. 772-774) 9 Como sabido os custos para a recuperação de áreas degradas do meio ambiente são muito altos; não só pelo elevado valor monetário, mas, igualmente, pelo tempo dispendido (um bioma degradado leva anos para a sua efetiva recuperação e é variável de acordo com a biodiversidade atingida). Portanto, considerando a internalização das externalidades negativas nas atividades produtivas de quem polui, estes custos deixam de ser arcados pela sociedade em geral, passando a sê-lo por quem produziu o resultado nefasto. Com esse conceito, o próprio agente poluidor é o responsável pelos danos decorrentes de sua atividade. Nada mais é que aplicação do princípio do poluidor-pagador.23 Finda por ser uma forma de reorientar uma atividade econômica de elevado risco de degradação ambiental, na medida em que se realiza uma seletivização das atividades. Ao se graduar a taxação dos tributos com esse viés, incentivam-se as atividades nãopoluidoras ou pelo menos as que agreguem um menor potencial para tal. 2.2 Aquisição de receita para a preservação O produto da arrecadação dos green taxes é totalmente alocado na defesa do bioma (ambiente), haja vista que os impostos verdes não têm uma natureza puramente arrecadatória, mas sim prestam-se para agregar a atividade estatal financiando a preservação ambiental. É tipicamente um tributo de natureza extrafiscal, pois visa ordenar e regular a atividade econômica sob o espectro ambiental: proteção, preservação e recuperação do meio ambiente. A finalidade de mera arrecadação deixa de ser a principal, pois o maior interesse do Governo é que determina conduta por este idealizada seja efetivada pelo sujeito passivo, podendo, até mesmo, fazer com que não este não pague tributo algum. Em suma, o contribuinte pagará, se e, mais a depender de sua conduta.24 No mesmo sentido, Élida Séguin25: “A extrafiscalidade dos tributos, agasalhada no art. 151, I, do Pacto Social, determina-lhe outra função além de arrecadar verba para o Poder Público. Constituições anteriores, como a Emenda Constitucional de 1969 (art. 19, § 2º), já definiam este instituto como forma de atingir a Justiça Social. É utilizada para alcançar objetivos diversos, tais como a correção de situações 23 COLOMBO, Silvana Raquel Brendler. Aspectos conceituais do princípio do poluidor-pagador. Rev. eletrônica Mestr. Educ. Ambient. ISSN 1517-1256, Volume 13, julho a dezembro de 2004. 24 AGUIAR, Joaquim Castro. Direito da cidade. Rio de Janeiro. Renovar, 1996. p. 165. 25 O direito ambiental: nossa casa planetária. 3ª ed. revista e atualizada, Rio de Janeiro. Forense. 2006, p. 263. 10 indesejadas, a condução da economia, o desenvolvimento de uma área, a preservação de um local etc. Consiste no manejo dos instrumentos tributários com objetivos diversos dos precipuamente pretendidos pelo fisco, ou seja, não arrecadatórios, facultando ao contribuinte escolher entre alternativa de gravame mais suave, largamente empregada para incentivar a conservação cultural.” Outrossim, na medida em que se ordena, se (re)direciona a atividade econômica, finda também por orientar comportamentos que o Governo visa restringir ou mesmo incentivá-los. Aqui o desiderato é alcançado quando propõe ao contribuinte benefícios fiscais, tais como: subvenções, isenções, créditos presumidos, bonificações, etc. 2.3 Correção de condutas Por fim, é possível ainda extrair uma outra função para essas green taxes, que é a de propiciar a correção de condutas reprováveis ao ambiente, uma vez que desencoraja a poluição e ainda corrige essas mesmas condutas, por meio da taxação, induzindo o poluidor a buscar soluções mais baratas que a de apenas pagar a tributação ambiental.26 Esses papéis, funções, dos impostos verdes podem ser alcançadas pela criação dos tributos em si, ou pela: a) concessão de incentivos fiscais; b) progressividade e diferenciação de alíquotas. Essas funcionalidades foram defendidas por Cláudia Soares em seu escrito: A inevitabilidade de se avançar para a tributação ambiental...também em Portugal.27 Delineadas em linhas gerais, a possibilidade e a necessidade do estabelecimento das taxes greens, para o momento verificaremos como os ordenamentos jurídicos de Portugal e do Brasil tratam o tema. 3. 26 Normatização em Portugal. CARVALHO, Edson Ferreira de. Meio ambiente & direitos humanos. Curitiba: Juruá, 2006, p. 484. 27 O aproveitamento do sistema fiscal para proteger o ambiente é susceptível de assumir diversas formas, as quais se podem agrupar, no essencial, em quatro vias: a adopção de impostos ambientais, a introdução de elementos ecológicos na estrutura dos tributos existentes (“agravamentos ecológicos de impostos”), a criação de benefícios fiscais destinados à promoção do desenvolvimento sustentável e uma reestruturação de todo o sistema fiscal orientada pela missão ecológica. (SOARES, Cláudia Dias. A inevitabilidade de se avançar para a tributação ambiental...também em Portugal. Revista da Ordem dos Advogados. Lisboa. Vol. I / II. Nov. 2004.) 11 De acordo com o preâmbulo da Constituição da República de Portugal, este é um Estado de Direito democrático e que por isso, entre outros, tem por desígnio garantir os direitos fundamentais aos seus cidadãos.28 Reflete a norma maior, nada mais nada menos, o que se expôs anteriormente: o de que o direito a um ambiente equilibrado e bem cuidado é um direito fundamental de todos. Dito isto, verifica-se do texto da Constituição portuguesa que é dever do Estado assegurar o direito ao ambiente com sustentabilidade, tendo por parceira a sociedade como um todo.29 Como se verifica, a Nação Lusa deve procurar alinhar as suas políticas públicas com os objetivos ambientais, tornando compatíveis as políticas fiscais com a proteção ambiental e a qualidade de vida, bem assim o desenvolvimento econômico-social. Esses primados, conforme já destacado, foram objeto de deliberação na Conferência de Estocolmo. Sérgio Vasques30, analisando a situação portuguesa, assevera que somente nos últimos 20 (vinte) anos é que Portugal se afastou do conceito de fiscalidade como instrumento 28 A Assembleia Constituinte afirma a decisão do povo português de defender a independência nacional, de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de estabelecer os princípios basilares da democracia, de assegurar o primado do Estado de Direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno. 29 Artigo 66.º (Ambiente e qualidade de vida) 1. Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender. 2. Para assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos: a) Prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão; b) Ordenar e promover o ordenamento do território, tendo em vista uma correcta localização das actividades, um equilibrado desenvolvimento sócio-económico e a valorização da paisagem; c) Criar e desenvolver reservas e parques naturais e de recreio, bem como classificar e proteger paisagens e sítios, de modo a garantir a conservação da natureza e a preservação de valores culturais de interesse histórico ou artístico; d) Promover o aproveitamento racional dos recursos naturais, salvaguardando a sua capacidade de renovação e a estabilidade ecológica, com respeito pelo princípio da solidariedade entre gerações; e) Promover, em colaboração com as autarquias locais, a qualidade ambiental das povoações e da vida urbana, designadamente no plano arquitectónico e da protecção das zonas históricas; f) Promover a integração de objectivos ambientais nas várias políticas de âmbito sectorial; g) Promover a educação ambiental e o respeito pelos valores do ambiente; h) Assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com protecção do ambiente e qualidade de vida. 30 VASQUES, Sérgio; Guilherme Waldemar D’oliveira. A evolução da tributação ambiental em Portugal. Revista Fórum de Direito Tributário – RFDT, Belo Horizonte, ano 5, n. 28, p. 251-266, jul./ago. 2007. 12 único do fomento econômico e que tanto caracterizaram o século XX, passando recentemente a articular a fiscalidade a serviço do meio ambiente. A partir daí, multiplicou-se a legislação protetiva. Para Soares31, o sistema de tributação português pode ter uma linha voltada à salvaguarda do meio ambiente de várias maneiras e ainda: Podem, então, adoptar se basicamente duas perspectivas no tratamento da tributação ambiental: a resposta problema-a-problema ou a reestruturação compreensiva do sistema fiscal. A opção coloca-se também entre a adaptação do sistema fiscal existente, conceito introduzido por Jacques Delors sob a denominação “tax shift”, em 1993, com “Growth, Competitiveness, Employment: the challenges and way forward into the 21th century”, e a criação de novas figuras fiscais. Opção essa que implica uma troca entre a eficiência e a eficácia e que depende das condições sócioeconómicas subjacentes, do sistema fiscal existente, das espécies de degradação ambiental em causa e da estrutura reguladora em que os instrumentos fiscais de protecção ambiental devem funcionar. Pois bem, no sentido dessa evolução da legislação ambiental e na mesma direção de Soares, a doutrinadora Glória Teixeira32, de forma bastante didática, esquadrinhou – por ocasião da Conferência realizada na Faculdade de Direito do Porto/Portugal que foi dedicada ao “princípio do poluidor-pagador” – algumas indicações normativas referentes à tributação do ambiente do Sistema Fiscal português: 5. A Tributação do Ambiente no Sistema Fiscal Português A. O CIRS: - os art.° 78.° n.° 1 ai) f) e 85°: a dedução à colecta dos encargos com imóveis e equipamentos novos de energias renováveis; B. O CIRC: - o art.° 10.° n.° 1 ai) c): a isenção de IRC aplicável a pessoas colectivas de mera utilidade pública que prossigam, exclusiva ou predominantemente, fins de defesa do meio ambiente; - os artigos 39.° n.° 1 al) d) em conjugação com o art.° 40.°: a dedutibilidade como gasto da provisão para a recuperação paisagística de terrenos; C. O CIMA e o seu 'modesto contributo' para o ambiente: - o art.° 9." n.° 26: a isenção de imposto aplicável às prestações de serviços efectuadas por empresas funerárias e de cremação, bem como as transmissões acessórias dos mesmos serviços; - o art." 69.° e ss. que estabelece o regime de tributação com base na margem efectiva de vendas, no caso dos revendedores de combustíveis líquidos; 31 Idem: SOARES, Cláudia Dias. 32 Manual de direito fiscal, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2010, p. 512-514. 13 - É criticável em sede de IVA, por exemplo, a exclusão, na lista I relativa a bens e serviços sujeitos a taxa reduzida, na rubrica 2.24, dos serviços de manutenção dos espaços verdes, confinando a redução de taxa à beneficiação ou conservação do 'imóvel morto' ; - ver na Lista II, rubrica 2.4, a sujeição a taxa intermédia dos aparelhos, máquinas e outros equipamentos exclusiva ou principalmente destinados: a captação e aproveitamento de energia solar, eólica e geotérmica; captação e aproveitamento de outras formas alternativas de energia; produção de energia a partir da incineração ou transformação de detritos, lixos e outros resíduos; mediação e controlo para evitar ou reduzir as diversas formas de poluição; D. O CIEC: – o art.' 71.°-A que estabelece uma isenção total ou parcial para os biocombustíveis, puros ou quando incorporados na gasolina e no gasóleo (ver ainda art.° 78.°-A relativo ao controlo fiscal dos biocombustíveis); E. A reforma da tributação automóvel: - O Código do Imposto sobre Veículos e o Código do Imposto Único de Circulação: a consideração na base tributável do fator ambiental (os critérios de emissão de dióxido de carbono e o uso de motores híbridos); - A conformidade com o princípio da equivalência (art.° 1.°); F. Os Impostos sobre os Imóveis: - o CIMI: art.° 112º números 3, 8 e 9 e a tributação mais gravosa dos prédios devolutos há mais de 1 ano, dos prédios urbanos degradados e dos prédios rústicos com áreas florestais em situação de abandono; G. O Código do Imposto de Selo: - art.° 7.° n.° 1 al) s): estão isentos do Imposto de Selo os registos e averbamentos relativos a veículo que utiliza exclusivamente energia eléctrica ou solar, ou outra forma não poluente de energia; H. O Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF): - art.° 24.°: isenção em sede de IRC aplicável aos fundos de investimento imobiliário em recursos florestais; - art.º 45.°: isenção em sede de IMI aplicável aos prédios urbanos objeto de reabilitação urbanística; - art.° 53.°: isenção em sede de IRC aplicável às entidades gestoras de sistemas integrados de gestão de fluxos específicos de resíduos devidamente licenciadas nos termos legais; - art.° 62.°: a consideração como gastos fiscais, dos donativos concedidos a organizações não governamentais do ambiente e associações, institutos e fundações que prossigam atividades de defesa do ambiente. I. A relevância crescente da tributação local e da adequação dos impostos e taxas locais às especificidades ambientais locais; J. A importância do sistema de emissões da União Europeia e a repercussão direta dos custos ambientais sobre as indústrias poluentes (a atribuição de licenças e os direitos de emissão). Muito embora o sistema fiscal português não seja indene de críticas33, a olhos visto o ideário ambiental em Portugal não se pauta em discursos retóricos e em infindáveis discussões 33 (…) o “sistema” desde há muito por um conjunto desconexo e incoerente de medidas, mais gerado pelo jogo das pressões e arranjos do que por políticas coerentes. A “política” de benefícios é, desde há muito, sobretudo causa de um conjunto forte de distorções e deficiências, constituindo um dos maiores pontos fracos dos sistema fiscal, (…) (Centro de Estudos Fiscais, Reavaliação dos benefícios fiscais. Manual do Grupo de Trabalho, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal (180), 1998, citado por TEIXEIRA, Glória. Manual de direito fiscal, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2010, pág. 35-36) 14 parlamentares, mas em políticas fiscais ambientais efetivas, diversamente do que ocorre no Brasil. Veja-se adiante. 4. Normatização no Brasil. Como se perceberá, Brasil e Portugal têm princípios similares quanto ao ambiente, mas, diversamente do Estado Lusitano, que vem conseguindo avanços mais perceptíveis, o ambiente legislativo fiscal brasileiro é muito tímido e consoante alerta SIRVINSKAS34, há ainda que se observar que é muito “...grande quantidade de tributos existentes em nosso sistema jurídico. Há quem fale em mais de cinquenta tributos vigorando no Brasil.”, porém continua que mesmo sendo “...insuficientes, há alguns tributos nas diversas esferas da federação concedendo imunidades, isenções ou agravando mais severamente os empresários que manipulem produtos altamente tóxicos, obrigando-os a encontrar alternativas para a substituição desses produtos.”35 Em termos fiscais-tributários, é digno de nota que a Constituição Federal Brasileira é minuciosa ao dispor sobre o Sistema Tributário Nacional36; todavia, o referido Sistema somente lista as normas que limitam as ações da ordem econômica. Por esta razão, entre os tributos existentes, nenhum prevê qualquer forma de tributação mais expressiva sobre atividades destruidoras do meio ambiente, ou agressivas aos recursos naturais não-renováveis. Como em qualquer outro ordenamento jurídico contemporâneo, é com as atividades fiscais (tributárias) que o Estado Brasileiro consegue receitas para proporcionar a vida regular em sociedade37, entre outros, distribuindo a riqueza ou mesmo modelando as atividades dos contribuintes. 34 SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de direito ambiental, 6ª ed. revista, atualizada e ampliada, São Paulo: Saraiva, 2008, pág. 179-180) 35 Idem. 36 Brasil. Constituição Federal: Capítulo I do Título VI. (www.planalto.gov.br, último acesso em 12/12/2011). 37 É consensual que o principal objectivo da tributação é o da arrecadação de receita para cobertura de gastos públicos essenciais. Para além deste objectivo prioritário podem os estados prosseguir outros objectivos tais como o da redistribuição da riqueza, assumindo aqui uma relevância especial o princípio da progressividade, ou o controlo da economia e da sociedade, através de uma influencia directa ou indirecta no comportamento dos contribuintes. Recentemente, o problema da redistribuição da riqueza (nacional e internacional) tem vindo a ser encarado seriamente não só pela classe politica mas também pelas próprias organizações internacionais. Para além dos mecanismos tradicionais utilizados em sede de impostos sobre o rendimento ou sobre o consumo (sistema de taxas progressivas), bem como da importância das contribuições obrigatórias para a segurança social como 15 É com este aparato que se mantém a máquina estatal em funcionamento, aqui incluídos não só gastos correntes para a manutenção de bens, serviços, salários dos servidores/empregados do Governo, mas igualmente para a implementação dos investimentos necessários ao bem estar da coletividade, que são expressos pela execução das políticas públicas: saúde, segurança, educação etc. É um mal necessário, mas sem o qual não há como se agir em favor da sociedade38. Como já tivemos oportunidade de estabelecer, a tributação ambiental abrange 02 (duas) dimensões: uma meramente arrecadatória ou fiscal e outra guiada pela extrafiscalidade ou regulação, estes últimos dirigido para (re)direcionar o comportamento dos contribuintes, incentivando-os a brotar condutas que privilegiem a conservação ambiental. Calcada nessas ideias e ainda nas limitações formais e materiais da Constituição Federal de 1988, o Estado Brasileiro, em princípio, já estaria aparelhado para iniciar uma implementação mais exitosa de instrumentos fiscais, conduzindo-se por uma atuação proativa. Tanto assim que há dispositivos na Carta Política dirigidos à preservação do ambiente39, o que não poderia ser diferente, já que é comezinho que os recursos naturais são finitos e devem ser preservados. principal veículo de redistribuição de rendimento, as atenções voltam-se agora para as transferências de rendimento ou riqueza inter-geracionais, particularmente relevantes perante o quadro actual de envelhecimento populacional, consequência directa da quebra de natalidade e do aumento da esperança media de vida. (TEIXEIRA, Glória. Manual de direito fiscal, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2010, pág. 35) 38 Como dever fundamental, o imposto não pode ser encarado nem como um mero poder para o estado, nem como um mero sacrifício para os cidadãos, constituindo antes o contributo indispensável a uma vida em comunidade organizada em estado fiscal. Um tipo de estado que tem na subsidiariedade da sua própria acção (económico-social) e no primado da autorresponsabilidade dos cidadãos pelo seu sustento o seu verdadeiro suporte. (Nabais, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos – contributo para a compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo. Coimbra: Almedina, 1998.) 39 Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...) III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos; (...) VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; VII - preservar as florestas, a fauna e a flora; (...) XI - registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios; Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. 16 Analisando-se o Sistema Tributário Brasileiro – que, repita-se, não contempla disposição expressa alguma no quesito da tributação ambiental – em conjunto com as disposições antes descritas, é perfeitamente possível se extrair interpretações que colimem para a finalidade da preservação ambiental. Há terreno fértil para uma intensiva atuação ambiental de natureza fiscal40. A taxação apresenta grande potencial para a proteção das fontes da água, podendo ser usada para tributar o consumo e o uso como receptor de efluentes. A proteção de um rio pode ser feita regulamentando ou cobrando impostos de pequenos poluidores, proibindo ou desestimulando as indústrias a lançar resíduos sem tratamento na água ou exigir que a municipalidade trate o seu esgoto antes de despejá-lo no rio mais próximo. As emissões de CO2 podem ser desestimuladas mediante a instituição do imposto sobre combustíveis, alcançando-se assim as emissões resultantes da decisão de bilhões de indivíduos ao dirigir um carro, cozinhar e usar carvão, gás e lenha para gerar energia.41 A tributação, digamos, “verde” é sem dúvida, um instrumental robusto e apto o bastante para se poder promover a defesa, a salvaguarda e a recuperação do ambiente.42 Infelizmente, em que pese essa moldura normativa ser viável43, o Brasil ainda está bastante contido em sua reforma verde, diversamente de outros Estados soberanos. Inclusive, após Estocolomo, Rio de Janeiro e Japão muitos já empreenderam, e ainda o fazem, as chamadas reformas fiscais verdes, ou melhor, realizam o que alguns denominam de Environmental Tax Reform - ETR ou Ecological Tax Reform ou Green Tax Reform. Esse movimento de modificação da legislação fiscal (seja criando ou adaptando as já existentes) tornou-se realidade, como já tivemos oportunidade de salientar, em muitos estados 40 ... a Constituição Federal é riquíssima em dispositivos atinentes à matéria ambiental e também à matéria tributária, o que possibilita, no nosso entender, o exercício da tributação ambiental de uma maneira bastante ampla. (COSTA, Regina Helena. Tributação Ambiental. FREITAS, Vladimir Passos de (Org.). Direito ambiental em evolução - N° 1. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2004. p. 308) 41 CARVALHO, Edson Ferreira de. Meio ambiente & direitos humanos. Curitiba: Juruá, 2006, p. 484. 42 De fato, também os instrumentos tributários podem e devem ser utilizados para fins de defesa do meio ambiente. Lembramos que a atividade financeira – dentro da qual se insere a tributária – não é um fim em sim mesma. Neste sentido, é meramente instrumental, já que dá ao Estado os meios pecuniários de que necessita para atingir os fins que lhe são apontados pela Constituição (prover a educação, a cultura, o lazer; melhorar a saúde da população, dar- lhe segurança, prestar-lhe serviços públicos etc.). (...) Como vemos, as possibilidades de utilização dos instrumentos tributários para a defesa do meio ambiente são praticamente infinitas. (CARRAZZA, Roque Antônio. Direito Constitucional Tributário. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 687-691.) 17 europeus44, na penúltima década do século passado – anos 90 (noventa) – e na primeira do século presente. Visam essas alterações legislativo-fiscais a intensificação da maior incidência de tributação nas atividades que continham um maior impacto ambiental (emissão de poluentes) e, ainda, a desoneração fiscal sobre os investimentos, os salários e as rendas das pessoas jurídicas (empresas). Essa dúplice finalidade vem sendo chamada de duplo dividendo, já que trazia em seu bojo 02 (dois) efeitos bastante atraentes para o Environmental Tax Reform, em 02 (duas) dimensões: uma ambiental e outra socioeconômica. A partir da utilização da fórmula fiscal antes mencionada, foi possível verificar que, nos países europeus vinculados à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, a taxação verde reverteu-se em um efetivo controle dos gases poluentes de efeito estufa e, bem assim, criou empregos e o aumento do Produto Interno Bruto – PIB, uma vez que a renda fiscal auferida com o tributo verde foi utilizada para diminuir a carga fiscal dos fatores produtivos, desonerando-a. Todavia, pouca ênfase desse movimento fiscal-verde se verifica no Estado Brasileiro, ao contrário do Português (como já foi acentuado) e nos demais Estados europeus e isso, muito embora seja o Brasil uma nação carente de investimentos e detentora de uma grande biodiversidade em constante ameaça (por exemplo: a Floresta Amazônica, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense, o Cerrado ou Savana Sul-americana, Semiárido Nordestino, a extensa Zona Costeira, entre outros). Apesar disso, de forma muito incipiente, em data não muito distante, criaram-se as Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico – CIDE, especialmente, para o que aqui nos interessa, a dos combustíveis. Todavia, essa inovação não veio com o viés “verde”, mas sim para poder propiciar o consumo do etanol (álcool combustível de produção nacional), em detrimento dos combustíveis fósseis tradicionais (esses em grande maioria objeto de importação). Ou seja, a preocupação ambiental não era o objeto de início, mas sim o fomento econômico dos produtores de etanol. É certo que o etanol traz em sua queima uma menor emissão de gases poluentes do que os combustíveis fósseis (gasolina, querosene, nafta...), o que a CIDE-combustíveis acabou por proporcionar. 44 Grã-Bretanha, Alemanha, Noruega, Suécia, Finlândia, Dinamarca, Bélgica, Holanda, Áustria, Itália, Suíça, Portugal, Grécia e Irlanda. 18 Porém, ainda assim, estando a preservação ambiental, por meio de instrumentos fiscais-tributários, na pauta do dia, diversas propostas sobre a implantação de tributos ambientais no Brasil estão neste momento em discussão no Parlamento, com vistas à reforma constitucional tributária, as quais incluem até mesmo a introdução do Princípio do Poluidor/Usuário Pagador, mas, como sói acontecer, são discussões intermináveis, com muitos interesses em jogo para além da preservação ambiental. Uma fórmula mais eficaz para o presente e que, não necessariamente precisa incluir novos tributos, é valer-se do atual sistema tributário e ajustá-lo para os mecanismos ambientais, tais como: mudanças de comportamento do sujeito passivo (estímulos e desestímulos) e benefícios fiscais. Por fim, mais uma vez sob o escólio de SIRVINSKAS 45, chama-se a atenção, que o Mercosul - do qual o Brasil não é só um dos signatários, mas também um dos líderes -, assim como a União Européia, também tem preocupações ambientais e, mesmo assim, não parece ser bastante para que o Brasil encontre efetivamente eco em políticas públicas ambientais efetivas. 5. Conclusão. Por este breve estudo, procurou-se demonstrar que a adoção de medidas fiscais, incrementada por outros instrumentos, tende a resultar na alteração da conduta, com expressivos benefícios para o meio ambiente, sem necessariamente acarretar obstáculo para o desenvolvimento econômico. 45 Idem. SIRVINSKAS, Luís Paulo. pág. 615-616: a) Tratado de Assunção, firmado em 23 de março de 1991, que tem dois objetivos a serem alcançados: aproveitamento dos recursos disponíveis e preservação do meio ambiente; b) Resolução nº 22/1992, que criou uma Reunião Especializada em Meio Ambiente – REMA, mais tarde transformada no 6º Subgrupo de Trabalho do Mercosul, cujo objetivo é fixar diretrizes sobre o meio ambiente, que, por sua vez, já baixou diversas diretrizes: − Resolução nº 09/91 (emissão de ruídos e substancias contaminantes de veículos); − Resolução nº 84/94 (limites máximos de emissão de gases contaminantes); − Resolução nº 85/94 (limites máximos de ruídos veiculares); − Resolução nº 03/92 (a respeito de embalagens e equipamentos alimentares em contato com alimentos); − Resolução nº 62/92 (normas sobre resíduos de praguicidas em produtos agrícolas); − Resolução nº 53/93 (introdução/liberação de agentes de controle no meio ambiente); − Resolução 57/93 (política energética no âmbito do Mercosul); − Resolução 67/93 (fiscalização sanitária animal). 19 A legislação já existente e outras experiências normativas que estão sendo expandidas no âmbito da União Europeia podem auxiliar na criação de critérios mais contundentes para a reforma tributária “verde” no Brasil. A adoção de ações fiscais “verdes” impulsiona a busca por tecnologias mais limpas e eficientes e ainda faz expandir novos domínios pautados pela preservação ambiental, mitigando-se, assim, no futuro, o eventual impacto econômico sentido por essas medidas fiscais da atualidade. Entretanto, como já se disse, tudo dependerá da efetiva definição de um norte, quanto ao objetivo político de proteção do meio ambiente saudável que se pretende seguir. Não basta a previsão formal no seio da Carta Maior. É preciso concretizar ações.46 “Se devidamente aplicados, estes instrumentos tributários permitirão reduzir os conflitos entre crescimento econômico e proteção ambiental”47. Afinal, a importância de equilibrar o trade-off entre desenvolvimento e conservação ambiental é medida que se impõe.48 46 (…) a grande distância entre a previsão abstrata de restrições e a aplicação concreta das mesmas revela-se como o grande desafio a ser enfrentado por nossos governantes para que a proteção ao meio ambiente no Brasil deixe de ser apenas uma aspiração. (idem: CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo, p. 171) 47 MOTTA, Ronaldo Seroa da. Proposta de tributação ambiental na reforma tributária brasileira, http://ambientes.ambientebrasil.com.br, último acesso em 01/12/2011. 48 Idem: IGLIORI, Danilo Camargo. 20 Referências − AGUIAR, Joaquim Castro. Direito da cidade. Rio de Janeiro. Renovar, 1996. − AMARAL, Paulo Henrique do. Direito Tributário Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. − BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 3 ed. São Paulo: Lejus, 2002. − Brasil: Constituição da República Federativa do Brasil. − Brasil: www.planalto.gov.br. − Brasil: www.senado.gov.br. − Brasil: www.stf.jus.br. − CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Tributação e tutela do meio ambiente. Aspectos relevantes de direito ambiental. Campos dos Goytacazes. GRAFBEL. 2009. − CARRAZZA, Roque Antônio. Direito Constitucional Tributário. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. − CARVALHO, Edson Ferreira de. Meio ambiente & direitos humanos. Curitiba: Juruá, 2006. − COLOMBO, Silvana Raquel Brendler. Aspectos conceituais do princípio do poluidor-pagador. Rev. eletrônica Mestr. Educ. Ambient., Volume 13, julho a dezembro de 2004. − COSTA, Regina Helena. Tributação Ambiental. FREITAS, Vladimir Passos de (Org.). Direito ambiental em evolução - N° 1. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2004. − Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento: http://www.mma.gov.br, último acesso em 06 de dezembro de 2011. − DERANI, Cristiane. Aplicação dos Princípios do Direito Ambiental para o Desenvolvimento Sustentável. TÔRRES, Heleno Taveira (Org.). Direito tributário ambiental. São Paulo: Malheiros, 2005. − FERRAZ, Roberto. Tributação e meio ambiente: o green tax no Brasil (a contribuição de intervenção da emenda 33/2001). MARINS, James (Coord.). Tributação e meio ambiente. Curitiba: Juruá, 2007. − http://www.greenpeace.org.br/clima/pdf/protocolo_kyoto.pdf. 21 − IGLIORI, Danilo Camargo. Economia espacial do desenvolvimento e da conservação ambiental: uma análise sobre o uso da terra na Amazônia. Cienc. Cult. [online]. 2006, v. 58, n. 1. http://cienciaecultura.bvs.br, último acesso: 01/12/2011. − MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 5ª edição. São Paulo, Revista dos Tribunais. 2007. − MOTTA, Ronaldo Seroa da. Proposta de tributação ambiental na reforma tributária brasileira, http://ambientes.ambientebrasil.com.br, último acesso em 01/12/2011. − Nabais, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos – contributo para a compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo. Coimbra: Almedina, 1998. − O direito ambiental: nossa casa planetária. 3ª ed. revista e atualizada, Rio de Janeiro. Forense. 2006. − PASSOS, Priscilla Nogueira Calmon de. A conferência de estocolmo como ponto de partida para a proteção internacional do meio ambiente. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, Vol. 6. 2009: revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br, último acesso 06 de dezembro de 2011. − Portugal: Constituição da República Portuguesa. − SILVEIRA, Stefano José Caetano da. Externalidades negativas: as abordagens neoclássica e institucionalista. Rev. FAE, Curitiba, v.9, n.2, jul./dez. 2006. − SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de direito ambiental. 6ª ed. revista, atualizada e ampliada, São Paulo: Saraiva, 2008. − SOARES, Cláudia Dias. A inevitabilidade de se avançar para a tributação ambiental...também em Portugal. Revista da Ordem dos Advogados. Lisboa. Vol. I / II. Nov. 2004. − TEIXEIRA, Glória. Manual de direito fiscal. 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2010; − VASQUES, Sérgio; Guilherme Waldemar D’oliveira. A evolução da tributação ambiental em Portugal. Revista Fórum de Direito Tributário – RFDT, Belo Horizonte, ano 5, n. 28, jul./ago. 2007. 22 Anexo 23