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Publicação da FUNDAÇÃO DE APOIO À TECNOLOGIA ANO I - NÚMERO 1 - DEZ'2004 e JAN/FEV'2005 03 ENTREVISTA EMERSON KAPAZ 08 EDUCAÇÃO SETORIAL E COMPETITIVIDADE NO BRASIL MARISA EBOLI 10 OS CURSOS SUPERIORES DE TECNOLOGIA, O PROFISSIONAL TECNÓLOGO E SUAS DINÂMICAS DIRCEU D’ALKMIN TELLES 16 A NOVA EDUCAÇÃO 18 MERCADO DE TRABALHO: EMPREGO E DESEMPREGO NO FIM DO SÉCULO XX FRANCISCO SCARFONI FILHO E JACYRA C. MONTANARI 25 RECARGA ARTIFICIAL DE AQÜÍFEROS IVANILDO HESPANHOL 30 TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO 32 O DESAFIO DAS ÁGUAS ANGELO ALBIERO FILHO 34 ARTE E CIÊNCIA NÃO SÃO INCOMPATÍVEIS, MAS A MÍDIA SE IMPORTA COM ISSO? ENIO SQUEFF 38 INOVAR É PRECISO, E O PAPEL DAS EMPRESAS FAZ DIFERENÇA, SIM! IMPROVISAR NÃO É PRECISO RICARDO YOUNG LUIZ CARLOS MORAES REGO GUILHERME ARY PLONSKI ENTREVISTA EDITORIAL EMERSON KAPAZ EXPEDIENTE A NOVA PROPOSTA DA FAT CÉSAR SILVA [DIRETOR-PRESIDENTE DA FAT] A DIRETORIA EXECUTIVA Diretor Presidente Prof. César Silva Diretor Administrativo Prof. Francisco Scarfoni Filho Fundação de Apoio à Tecnologia – FAT foi criada em dezembro de 1987 por um grupo de professores da Faculdade de Tecnologia de São Paulo - Fatec-SP, e caracteriza-se como uma fundação de direito privado, sem fins lucrativos. Sua criação originou-se da idéia de se ter uma entidade ágil, eficiente e eficaz que pudesse interagir e obter sinergia com o sistema produtivo, por meio do desenvolvimento de projetos de Educação, Pesquisa, Inovações Tecnológicas, Terceirização e Desenvolvimento Profissional, tendo em vista a difusão e a implantação de tecnologias. Nossa filosofia de trabalho apóia-se no atendimento diferenciado de cada projeto de assessoria, ensino, pesquisa e treinamento. A partir do conhecimento, da análise dos problemas e das necessidades da organização, a FAT propõe, desenvolve e implanta soluções específicas para cada caso. Por isso, é com enorme satisfação que estamos apresentando a primeira edição da Revista da FAT. Há algum tempo identificamos a necessidade da criação de um canal de comunicação com a sociedade, pelo qual pudéssemos compartilhar os conhecimentos adquiridos pela FAT ao longo desses 17 anos. Durante esse longo período, a FAT vem se consolidando como instituição preocupada em cumprir com suas finalidades, buscando atingir os mais elevados níveis de excelência em suas atividades. Para isso, firmamos parcerias fortes e sólidas capazes de gerar novos conhecimentos que agreguem valor aos serviços prestados, partindo, sempre, da filosofia de que o respeito a uma instituição só é adquirido a partir do momento em que se pode corresponder aos anseios da sociedade. Vivemos em uma época na qual a produção de informação é muito maior que a nossa capacidade de absorção. A Revista da FAT visa estruturar e consolidar as informações, de forma a facilitar o entendimento dos assuntos tratados. Nossa proposta, com a Revista da FAT, é difundir o conhecimento adquirido ao longo desses anos, de forma a contribuir para o desenvolvimento social, econômico e tecnológico do nosso Estado e do nosso País. CÉSAR SILVA [email protected] Diretor-presidente da FAT, professor da Fatec São Paulo e consultor na área de gestão empresarial. Diretor Técnico Prof. Luiz Roberto Vannucci CONSELHO DE CURADORES Prof. Dirceu D’Alkimin Telles Prof. Francisco Antonio Pinto Éboli Prof. Almério Melquiades de Araújo Profa. Yolanda Silvestre Prof. Victor Sonnenberg Profa. Silvia Regina Lucca Prof. Remo Alberto Fevorini Profa. Rosana Maria Siqueira -----------------------CONSELHO EDITORIAL Prof. Dr. Angelo Albiero Filho Prof. Dr. Claudio Felisoni de Angelo Prof. Dr. Dirceu D´Alkmin Telles Enio Squeff Prof. Dr. Guilherme Ary Plonski Prof. Dr. Ivanildo Hespanhol Prof. Luiz Carlos Moraes Rego Prof. Dra. Marisa Eboli Marcus Vinicius Sinval Ricardo Young Prof. Dr. Roberto Sbragia -----------------------Editor/ Jornalista Responsável Luiz da Silva de Nogueira Mtb 15.612 11 9639-6850 - [email protected] Revisão de textos Hebe Ester Lucas Projeto Gráfico/ Direção de Arte Ronie Prado Editoração Eletrônica Mariângela Bueno A ÉTICA CONCORRENCIAL NO SETOR EMPRESARIAL BRASILEIRO Emerson Kapaz é engenheiro civil e tem 48 anos. No fim da década de 1980, junto com um grupo de empresários, fundou o PNBE Pensamento Nacional das Bases Empresariais. Também participou da criação da Fundação Abrinq. Foi secretário da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento do Estado de São Paulo no governo Mário Covas. Em 2000, colaborou para a criação do Instituto Ethos, que incentiva as empresas a incorporar o conceito de responsabilidade social. Fotos Júlio Hilário, Photodisc e Folha Imagem Ilustração Enio Squeff Eleito deputado federal em 1998, participou ativamente da aprovação Fotolito, impressão e acabamento da nova Lei das S.A.s, de projetos de lei de incentivo às micro e peque- Tiragem 2.000 exemplares nas empresas, de aumento de crédito para a exportação e para tornar ------------------------ mais transparente o balanço das empresas. Foi o relator da comissão Revista da FAT - Publicação TRIMESTRAL da Fundação de Apoio à Tecnologia Ano I - Número 1 - DEZ’2004 e JAN/FEV’2005 Rua Três Rios, 131 - cj. 42 - Bom Retiro São Paulo - SP - CEP 01123-001 Telefones: (11) 3313-1200 3315-9511/ 228-8373 [email protected] Os conceitos emitidos em artigos assinados são de exclusiva responsabilidade dos autores. DEZ'2004 e JAN/FEV'2005 Ele aborda também temas como a universidade, a gestão de pessoas, o ensino tecnológico, o meio ambiente e as PPP - Parcerias Públicas Privadas. Presidente do Conselho de Curadores Prof. Kokei Uehara Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta revista em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização prévia. 02 Em entrevista inaugural da Revista da FAT, o presidenteexecutivo do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial Etco fala sobre a importância do combate à concorrência desleal no Brasil e seus reflexos na economia. especial criada para elaborar a política nacional de resíduos sólidos. Também lutou para garantir a aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente e participou da aprovação da lei que permite que as ONGs possam receber recursos públicos. Apresentou projeto para assegurar aos alunos do ensino público a inscrição gratuita nos concursos vestibulares de universidades federais e estaduais. FUNDAÇÃO DE APOIO À TECNOLOGIA 03 ENTREVISTA EMERSON KAPAZ Para situar nossos leitores, quais são os seus projetos atuais? A minha vontade maior é continuar o trabalho que venho fazendo na sociedade civil organizada, que é o de fortalecimento da concorrência leal no Brasil, por meio do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial – Etco, ou seja, continuar nessa ONG, que foi criada em janeiro de 2003, e fazer o trabalho institucional em defesa da concorrência. Um dos maiores problemas que o Brasil enfrenta hoje é a concorrência desleal, e o trabalho do Instituto vem sendo muito importante para a retomada do crescimento sustentado no Brasil. Quais são os objetivos do Etco e como se dá a sua participação na gestão da entidade? Fui convidado para ser presidente-executivo do Etco e nosso principal objetivo é o combate à concorrência desleal, que abre eixos em sonegação, contrabando e falsificação. Esses eixos nos levam a um trabalho institucional voltado para a parceria com governos estaduais, federais, com o legislativo e com o judiciário. Buscamos combater a concorrência desleal por meio do que chamamos de desvios concorrenciais tributários, que são feitos para favorecer empresas a ter preços menores ilegalmente. Nosso principal objetivo é o combate à concorrência desleal, que abre eixos em sonegação, contrabando e falsificação Quais são as estratégias da direção do Etco para ampliar e difundir o conceito de ética no País? Num primeiro momento, é importante marcar muito bem a posição do que é ética concorrencial, ou seja, a disputa entre empresas de um mesmo mercado de forma ética, pagando seus tributos, suas contribuições. Num segundo momento está sendo ampliado um conceito de discussão da questão da ética em si, porque a ética concorrencial implica também que as empresas não cedam à tentação de achar que é fácil ganhar a concorrência de uma outra empresa, não pagando imposto ou 04 DEZ'2004 e JAN/FEV'2005 não registrando funcionários. Esse é o caminho fácil. O caminho difícil é mudar o sistema tributário, é reduzir o número de taxas, é trazer para a formalidade empresas informais. O Instituto tem como parceiros empresas brasileiras dos setores de combustíveis, cigarros, cervejas e refrigerantes. Estamos abrindo a possibilidade de participação de empresas de outros segmentos, e é a partir desse instante que o trabalho começa a ganhar densidade. Quais são as ações de destaque que o Etco está desenvolvendo com resultados imediatos? Nos setores de cervejas e refrigerantes, já conseguimos uma mudança conceitual e de prática importante, que é a implantação dos medidores de vazão para controle fiscal. Em 2005, será iniciado o trabalho no setor de cervejas; a partir daí, vamos tentar passar para o setor de refrigerantes. No caso dos combustíveis, foi muito forte a diminuição de liminares na distribuição do produto, que eram dadas para as distribuidoras fantasmas, ou laranjas, para não pagarem tributos. Em um trabalho com os juízes, conseguimos resolver isso e hoje não há mais nenhuma liminar em Cide tramitando no judiciário. Para o setor de cigarros, um efeito significativo foi a prisão de Roberto Eleutério, conhecido como Lobão. Ele já está, inclusive, com sentença de prisão decretada. Além disso, outros trabalhos têm sido feitos. O mais importante deles é a criação do Conselho de Combate à Pirataria e Defesa da Propriedade Intelectual, que começa a vigorar em novembro. É um marco na virada do combate à pirataria. No quesito parceria, como as empresas/entidades podem interagir com o Etco? As empresas em geral podem procurar o Instituto, seja para uma orientação de como fazer o seu trabalho, para uma aproximação concreta ou por meio de entidades de classe. Às vezes a empresa não quer se associar, mas provoca uma discussão dentro da sua entidade de classe, e esse órgão nos procura. É nesse momento que a empresa se aproxima do Etco, inclusive para atuar no Conselho Nacional de Combate à Ilegalidade. Que outras informações sobre as atividades do Etco o senhor poderia nos relatar? As pessoas que quiserem conhecer melhor o Instituto podem acessar o nosso site, que tem informações relevantes e que são atualizadas diariamente. O endereço eletrônico é www.etco.org.br. Qual a importância do ensino tecnológico para o desenvolvimento da economia do País? Hoje a competição exige uma mão-deobra qualificada, e existem trabalhadores que não conseguem atingir um nível de graduação, ou precisam ter uma qualificação para poder estar atentos às demandas de mercado. O ensino técnico sempre foi colocado como uma das prioridades no Estado de São Paulo, ou seja, preparar bem, treinar, qualificar a mão-de-obra, principalmente por meio do ensino técnico. Hoje as empresas precisam cada vez mais desse tipo de qualificação, que é perfeita para as demandas dessa competição no futuro. Quais são as maiores dificuldades que o Brasil enfrenta atualmente nos cenários nacional e internacional? No cenário nacional, é a nossa grande dívida interna, que provoca uma permanente necessidade de superávits fiscais altos. Em segundo lugar está a estrutura tributária brasileira. Temos uma estrutura de cobrança de tributos completamente fora de sintonia com os outros países do mundo. O Brasil carece também de um planejamento estratégico de médio e longo prazo. Precisaríamos ter um projeto nacional construído com a sociedade civil organizada. Ele iria definir a política industrial, tecnológica, científica e de financiamento. Isso começaria a embasar a retomada sustentada do desenvolvimento. Outro problema é a distribuição de renda. Nosso maior drama é ver a chaga social do Brasil, essa dificuldade de crescer e distribuir renda ao mesmo tempo e, mais importante ainda, distribuir renda para poder crescer e incorporar milhões de pessoas que não recebem o suficiente para se alimentar. Na sua opinião, a reeleição de George W. Bush trará que tipo de conseqüências para a economia brasileira? Em um primeiro momento, nenhuma conseqüência mais trágica ou complicada. Talvez a médio prazo possa provocar danos ao País, caso ele continue com essa visão intervencionista e militarista em algumas nações. Isso pode provocar uma crise internacional, e a conseqüência para o Brasil poderá ser muito séria, pois dependemos do fluxo de capital estrangeiro. O que o senhor acha das PPP Parcerias Públicas Privadas? Qual é o benefício que podem trazer para a área de infra-estrutura do País? O projeto das PPPs pode significar um avanço de investimentos em infra-estrutura no Brasil. As PPPs seriam muito eficientes, desde que aprovadas de forma a não favorecer determinados grupos ou gerar possibilidades de aumentar a corrupção dentro do governo. Como conciliar o desenvolvimento industrial com a preservação ambiental? Não dá para imaginar que é possível crescer sem preservar o meio ambiente, pois, caso contrário, o País não está crescendo, está prejudicando gerações futuras e destruindo a sua capacidade de crescimento. Não consigo conceber um modelo de desenvolvimento que não tenha como précondição a preservação ambiental. Que projeções o senhor faria para a economia brasileira nesse terceiro milênio? O Brasil tem tudo para ser um país que ocupe um espaço no cenário internacional à altura do que merece. Temos matériasprimas, não temos problemas de raça, nem de religião, divisas internas, brigas regionais. Temos uma população ávida por consumir. O que nos falta é criar condições para esse desenvolvimento, principalmente na questão da distribuição de renda, e de um planejamento estratégico. Quando o Brasil desatar esses nós, teremos um crescimento vigoroso. Na área de processos e projetos, qual o atual estágio da indústria nacional? A indústria nacional tem avançado muito. Tem conseguido investir estrategicamente e se adequar rapidamente às mudanças socioambientais que o Brasil provoca. Foram dezenas de planos econômicos, mudanças de moeda, juros altos, tributos altos, e a empresa brasileira sobrevive porque consegue ter um planejamento estratégico para isso, consegue se adequar rapidamente, tem uma velocidade de adaptação muito grande. Isso transforma o empresário brasileiro em um dos mais criativos do mundo. Como o senhor vê o desenvolvimento dos programas de responsabilidade social no Brasil? Vejo muito bem. É uma área que está crescendo e ocupando a cabeça dos empresários, aumentando a percepção das empresas de que responsabilidade social é condição prioritária para ser bem-aceita pelo consumidor. Hoje responsabilidade social empresarial é uma das pré-condições para uma empresa crescer de forma vigorosa. Qual é o modelo de balanço social ideal para as organizações brasileiras? Não existe um modelo pronto. Não temos ainda um formato. Isso foi discutido no Congresso, e fui inclusive relator do projeto inicial sobre balanço social. Fizemos uma grande discussão e achamos que não havia ainda um modelo, porque balanço social poderia ser algo obrigatório, mas não daria certo. O importante é a empresa se convencer de que essa prestação de contas faz bem a ela e à sociedade. A partir daí, começa-se a definir parâmetros, paradigmas. Existem alguns conceitos de apresentações, mas cada empresa faz como achar melhor. ENTREVISTA EMERSON KAPAZ Não dá para imaginar uma empresa que tenha bons produtos sem um bom marketing. E a comunicação deve ser integrada. Não deve ser feita só para fora da empresa, como para dentro também, com os seus funcionários, com o que acontece dentro da empresa no seu dia-a-dia. Qual é a sua análise das universidades públicas do País? Como demoQual a importância dos projetos de cratizar o acesso de pessoas carentes valorização profissional para o futuro em seus cursos superiores? das empresas? Temos o melhor exemplo do que é uma A empresa que quiser estar bem no futuro boa universidade pública, apesar das difiprecisa entender que o capital humano é mais culdades. A USP, a Unicamp e a Unesp são importante que o capital fixo. Valorização universidades exemplares do ponto de vista profissional é o conceito mais relevante e de autonomia, do repasse que o governo importante, pois pode-se ter as máquinas mais vem fazendo constantemente a elas. Essa avançadas, mas se não houver gente preparada autonomia universitária está servindo de para operar, de nada adianta. exemplo para a administração das universidades federais. O que falta é uma percepção melhor do que pode significar a Acredito na universidade pública e quanto temos parceria estratégica que direcionar a ela e ao ensino de primeiro e segundo graus. É preciso ter entre universidade um ensino médio qualificado, de altíssie empresa, mas mo nível, melhor do que o privado, para existe um pouco democratizar o acesso às universidades de preconceito públicas, que são de muita boa qualidos dois lados dade no Brasil. Na área de gestão de pessoas, o que o senhor acha da adoção pelas empresas de Universidades Corporativas? É uma alternativa. Não sei se o investimento em recursos humanos pode chegar a ponto da empresa adotar práticas de Universidades Corporativas. O interessante seria uma parceria de empresas com universidades para investimentos que possam ser feitos na melhoria de cursos. Acredito também na parceria estratégica entre universidade e empresa, mas existe um pouco de preconceito dos dois lados, tanto do empresário, que acha que a universidade sonha muito, como da universidade, que acha que o empresário tem uma visão econômica pragmática demais. Essa aproximação seria fundamental e pode ser valorizada no Brasil. Como o marketing e a comunicação social podem melhorar o desempenho e a rentabilidade das organizações empresariais? São instrumentos poderosíssimos de desempenho profissional empresarial. O marketing é uma alavanca de conhecimentos da empresa, dos produtos que ela faz. Como as instituições privadas de ensino poderiam atuar em caráter filantrópico para permitir o acesso de pessoas carentes em seus cursos superiores? Dedicando uma parcela das vagas a pessoas que têm um nível baixo de renda comprovado. Seria uma possibilidade, mas é uma discussão que precisa ser aprofundada. E voltando à questão anterior, deve-se ter um adequado nível de preparação desses alunos no ensino médio. Como a tecnologia pode ser usada para melhorar a qualidade de vida dos brasileiros? A tecnologia é um instrumento poderosíssimo de melhoria de qualidade de vida, desde que tenhamos em mente que ela é um instrumento, e não um fim em si mesmo. A tecnologia tem de estar a serviço da qualidade de vida e do ser humano. Por LSNogueira [email protected] FUNDAÇÃO DE APOIO À TECNOLOGIA 05 ÍNDICE NOSSA CAPA Obra do artista plástico Enio Squeff “Vésperas Paulistanas”, 2002 óleo, aquarela e carvão sobre tela, 100 x 70 cm Publicação da FUNDAÇÃO DE APOIO À TECNOLOGIA ANO I - NÚMERO 1 - DEZ'2004 e JAN/FEV'2005 02 03 07 ENTREVISTA EMERSON KAPAZ O TEMPO NÃO APENAS NÃO PÁRA: ACELERA EDUCAÇÃO SETORIAL E COMPETITIVIDADE NO BRASIL MARISA EBOLI 10 OS CURSOS SUPERIORES DE TECNOLOGIA, O PROFISSIONAL TECNÓLOGO E SUAS DINÂMICAS DIRCEU D’ALKMIN TELLES 15 ARGUMENTO OU INSTRUMENTO? MARCUS VINICIUS SINVAL 16 A NOVA EDUCAÇÃO E O PAPEL DAS EMPRESAS RICARDO YOUNG 18 MERCADO DE TRABALHO: EMPREGO E DESEMPREGO NO FIM DO SÉCULO XX FRANCISCO SCARFONI FILHO E JACYRA C. MONTANARI 25 RECARGA ARTIFICIAL DE AQÜÍFEROS IVANILDO HESPANHOL 30 TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO FAZ DIFERENÇA, SIM! LUIZ CARLOS MORAES REGO 32 O DESAFIO DAS ÁGUAS ANGELO ALBIERO FILHO 34 ARTE E CIÊNCIA NÃO SÃO INCOMPATÍVEIS, MAS A MÍDIA SE IMPORTA COM ISSO? ENIO SQUEFF 36 AGENDA ALTEC 2005 - XI SEMINARIO DE GESTIÓN TECNOLÓGICA 37 LEITURA RECOMENDADA LANÇAMENTO DE LIVRO SOBRE AS RECENTES TRANSFORMAÇÕES NA EDUCAÇÃO 38 INOVAR É PRECISO, IMPROVISAR NÃO É PRECISO GUILHERME ARY PLONSKI 06 DEZ'2004 e JAN/FEV'2005 ACELERA Por CLAUDIO FELISONI DE ANGELO [FEA-USP] EDITORIAL CÉSAR SILVA, diretor-presidente da FAT CLAUDIO FELISONI DE ANGELO 08 O TEMPO NÃO APENAS NÃO PÁRA: Em 1347 a Europa foi vitimada pela peste bubônica. Em apenas um ano sucumbiram, vítimas da doença, nada menos que dois terços da população européia. Os marinheiros vindos da Ásia contraíram a doença e a propagaram rapidamente em razão das péssimas condições de higiene do fim da Idade Média e à enorme concentração de pessoas existente nas cidades do velho continente. Trata-se, sem dúvida, de um episódio dramático e único na história. Depois de causar um número de mortes sem precedentes, a doença praticamente desapareceu: repentinamente, do mesmo modo que havia surgido. Ela voltaria a atacar, mas não mais com a mesma força letal. Este fato incrível nos deixa ainda hoje estupefatos. Imaginem as reações das pessoas no século XIV. Muitas hipóteses foram levantadas. Os sábios franceses acreditavam que a doença era provocada pelos terremotos que estavam abalando territórios no Extremo Oriente. Outros atribuíam a causas ainda mais vagas, para não falar daqueles que julgavam tratar-se de uma punição divina. Deixa-nos também perplexos o tempo decorrido para que se descobrisse o mecanismo de transmissão da doença: nada menos que 500 anos! Somente em meados do século XIX é que se conseguiu enfim saber exatamente o que havia de fato ocorrido naquele fatídico ano de 1347. Essas considerações suscitam um paralelo. Infelizmente a Aids ainda mata. Entretanto, diferentemente do que ocorreu com a peste bubônica, ao surgirem os primeiros casos descritos com a mesma sintomatologia, no fim da década de 1970, foram necessários apenas cinco anos para que o vírus fosse perfeitamente identificado. A exemplo desses dois fatos no campo da medicina, seria possível listar muitas outras situações igualmente emblemáticas. Tais diferenças devem ser entendidas obviamente como resultantes diretas do desenvolvimento científico, particularmente o ocorrido nos dois últimos séculos. Tal expansão se explica, em boa parte, pela velocidade das comunicações. Ciência, e, conseqüentemente, desenvolvimento tecnológico, requerem geração e compartilhamento contínuo de informações. Gradativamente, graças ao progresso técnico, da simples estrada até a sofisticada comunicação eletrônica, vem se construindo, ao longo dos anos, a aldeia global em que vivemos. Esse desenvolvimento tecnológico que nos torna vizinhos globais evidentemente produz extensos efeitos políticos e econômicos. Em termos políticos, um exemplo por certo ilustraria essas mudanças. A guerra do Iraque poderia se manter pelo mesmo tempo que se estendeu a do Vietnã? Muito provavelmente não. Qual o presidente americano que suportaria a pressão dos seus eleitores vendo (on-line) seus filhos sendo mortos nos campos de batalha de um país longínquo? Na área econômica, diversas são as dimensões do impacto do desenvolvimento científico e tecnológico. Fiquemos apenas com uma: a tendência à padronização. As comunicações mais rápidas têm aproximado padrões de comportamento de consumo entre diferentes culturas. O desenvolvimento tecnológico tem imposto, por exemplo, uma forma particular de desenho dos automóveis. Por questões de aerodinâmica, todos os veículos têm assumido uma forma de cunha. Os aparelhos de TV, por sua vez, não apenas se assemelham, são praticamente iguais. Isso não ocorre apenas no caso de produtos – os serviços seguem a mesma trajetória. Se trocarmos as placas de identificação de um supermercado pelo de seu concorrente, seria difícil que um consumidor percebesse significativas diferenças operacionais que revelariam tal mudança. O mesmo ocorre com muitos outros serviços. A conseqüência desse fenômeno é uma dificuldade crescente das empresas em promover a diferenciação, tendo como resultante uma intensificação da competição. A sobrevivência torna-se muito mais complicada. Neste cenário, onde tudo se transforma velozmente, a pré-condição para seguir adiante é buscar ampliar a dotação do recurso produtivo mais valioso: a informação. É preciso, não há dúvida, investir em equipamentos, instalações e sistemas. Entretanto, o mais importante é o capital humano. O capital humano é o resultado dos investimentos em educação. O posicionamento competitivo depende de forma crescente da capacidade das pessoas em levantar, selecionar e analisar informações. A perenidade jamais foi um atributo inquestionável do mundo dos negócios: as organizações também desaparecem. No passado remoto, as leis de mercado operavam em outro ritmo: de 500 em 500 anos. Hoje, por certo, um qüinqüênio representa uma eternidade. CLAUDIO FELISONI DE ANGELO [email protected] Prof. Titular da FEA-USP. Coordenador Geral do Provar - Programa de Administração de Varejo Fundação Instituto de Administração. Lição de Anatomia do Dr. Nicolaes Tulp, 1632 Rembrandt van Rijn,1632-1696 Óleo sobre tela, 169.5 x 216.5 cm The Hague, Mauritshuis FUNDAÇÃO DE APOIO À TECNOLOGIA 07 O desenvolvimento econômico e empresarial de um país há muito deixou de se basear na produção e exportação de produtos primários e intermediários, de baixo valor agregado, para se apoiar, cada vez mais, na capacidade de as empresas desenvolverem soluções originais. Este novo cenário envolve a geração e sustentação de instituições, empresas e indivíduos, capazes de transformar o conhecimento existente em negócios e, conseqüentemente, em crescimento econômico e social. EDUCAÇÃO SETORIAL E COMPETITIVIDADE NO BRASIL Por MARISA EBOLI [FEA-USP] Essa transformação renovou e deu mais qualidade ao debate sobre a necessidade de o Brasil adotar ou não uma política industrial. Uma das propostas mais inovadoras e ao mesmo tempo polêmicas foi a de que a melhor política industrial que o país pode adotar é investir os parcos recursos públicos em educação, em vez de subsidiar setores industriais. No Brasil, presenciamos um movimento, talvez sem precedentes na nossa história, no sentido de qualificar os trabalhadores para elevar o patamar de competitividade do país. No intuito de criar uma alternativa de alta qualidade, elevada flexibilidade, focada nas necessidades dos diversos setores produtivos e de custo acessível aos interessados, surgiu a idéia de desenvolver projetos de educação setorial, dos quais participam, em consórcio, empresas, universidades e outras entidades de ensino. Essa visão completa-se com um trabalho de educação continuada que possa, inclusive, contemplar a presença de competidores em um mesmo processo de capacitação. Tais projetos fundamentam-se no conceito ampliado de Educação Corporativa ou Universidade Corporativa (UC), para atender a diversas empresas de um mesmo setor produtivo, o que lhes confere uma condição de Universidade Setorial. Valem basicamente os mesmos conceitos aplicados às UCs, só que o foco não é uma empresa e sim um conjunto de empresas. Essas iniciativas têm se revelado uma peculiaridade e uma forte tendência da realidade brasileira em termos de UCs. Uma vez que formar continuamente um empregado é uma tarefa complexa, audaciosa e onerosa, é normal que as micro e pequenas empresas (MPEs) tenham mais restrições e dificuldades para conceber e implantar projetos eficazes de educação permanente. No entanto, não se pode desconsiderar o forte impacto das MPEs na economia brasileira. Segundo Silvano Gianni, diretor-presidente do Sebrae, aproximadamente 65% da PEA (População Economicamente Ativa) está nas micro e pequenas empresas. Para equacionar esse problema, tem-se observado um movimento crescente no Brasil de experiências bem-sucedidas de projetos de educação para setores de atividades específicos, ou para determinadas categorias profissionais. Devido à sua escala, as Universidades Setoriais podem viabilizar propostas de educação continuada hoje praticamente inacessíveis para muitas empresas desse porte. São associações, sindicatos ou organizações não-governamentais que estão realizando profícuas e revitalizadoras parcerias, muitas vezes envolvendo algumas universidades, institutos técnicos ou de ensino superior. O objetivo é formar profissionais com o perfil de competências exigido pelo setor, e também promover a Gestão do Conhecimento Setorial mediante a realização de pesquisas e prestação de serviços. Essas novas parcerias estão ativamente envolvidas em garantir que as necessidades de capacitação da força de trabalho sejam atendidas, por meio da criação de programas conjuntos de educação, e desenvolvam-se assim as competências necessárias para o sucesso numa determinada indústria ou setor produtivo. Algumas experiências no Brasil são: Educação Corporativa do Senac-SP; Rede Estratégica das UCs, criada pela Confederação Nacional das Indústrias; UniSesi Universidade Virtual do Sesi; Universidade Abrange, da Associação Brasileira de Medicina em Grupo; Universidade Corporativa da Indústria da Paraíba – Ucip; Universidade de Alimentos – UAL; Universidade Secovi, do Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo e Usen - Universidade Sebrae de Negócio, em Porto Alegre. Resumidamente, podemos dizer que essas experiências têm como objetivos comuns: • Desenvolver competências críticas para aumentar o padrão de desempenho do setor de atividade. • Tornar-se um pólo de irradiação de conhecimentos e formação de profissionais para o setor. • Propagar crenças e valores do setor de atividade (cultura setorial) e do seu ambiente dos negócios. • Formar categorias de profissionais competentes para gerar o sucesso do setor e das empresas componentes de toda a sua cadeia produtiva. • Aumentar o valor de mercado das categorias profissionais envolvidas. Desenvolver uma estrutura de rede de edu- cação, por meio de uma associação ou sindicato empresarial de um determinado setor produtivo, voltada a disponibilizar conhecimentos de interesse das empresas congregadas, com certeza ajuda a promover a capacitação e o aperfeiçoamento de suas categorias profissionais. Essas redes de educação, de modo geral, se inserem no contexto da ação principal da entidade, fornecendo meios para apoiar os esforços de melhoria da competitividade das empresas associadas e de seus respectivos setores produtivos. Nesse sentido, pode-se dizer que esses sistemas de Educação Empresarial geram um impacto positivo na competitividade das empresas, dos setores produtivos e, conseqüentemente, do país. Penso que estas reflexões iniciais, além de constituírem uma contribuição importante para o entendimento sobre os desafios e perspectivas que se colocam para a capacitação empresarial, também interessam a todos que lutam por um sistema nacional de educação de qualidade. Exige-se, no entanto, que todos os atores sociais envolvidos participem desse processo e que se integrem os esforços nas esferas pública e privada para a formulação de políticas e práticas educacionais integradas, eficazes e competitivas. MARISA EBOLI [email protected] Doutora em Administração pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), onde ministra a disciplina Educação Corporativa: Da Prática à Teoria nos cursos de pós-graduação (mestrado e doutorado). Autora do livro Educação Corporativa no Brasil: Mitos e Verdades, publicado pela Editora Gente em 2004. Atua como palestrante e consultora de empresas. FUNDAÇÃO DE APOIO À TECNOLOGIA 09 Pesquisas realizadas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), vinculado ao MEC, apontaram o crescimento de 74,7% dos CST - Cursos Superiores de Tecnologia (conhecidos como cursos profissionalizantes de nível superior ou cursos de Educação Profissional Tecnológica). No período de 2000 a 2002, esse crescimento superou a expansão dos cursos convencionais de graduação, que registrou um aumento de 36%. Os cursos superiores de tecnologia passaram de 364 (2000) para 636 (2002) no País. Nesse contexto, as instituições particulares de ensino superior responderam por 66% desses novos cursos. Dados parciais de 2004, fornecidos pela Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (SETEC), do Ministério da Educação, confirmam a continuidade desse crescimento, como mostra o Quadro 1. ANO Novos CST Autorizados (*) 2001 2002 2003 2004 (Parcial) 43 106 113 102 Quadro 1 – Expansão dos cursos superiores de tecnologia autorizados pela SETEC Fonte: MEC (*) Não incluídos os cursos mantidos por universidades estaduais e particulares. A LDB (Lei 9.394, de 20.12.1996), legislação complementar, pareceres e as novas tendências nacionais para a educação estão provocando uma incontrolável agitação nas organizações dos cursos superiores de tecnologia e na profissão de tecnólogo. OS CURSOS SUPERIORES DE TECNOLOGIA, O PROFISSIONAL TECNÓLOGO com predominância de uma delas. Esse tipo de curso é autorizado pelo Ministério da Educação (MEC) e, assim como os bacharelados e licenciaturas, confere diplomas de graduação, possibilitando a continuidade dos estudos em pós-graduação (lato e stricto sensu). Atualmente são classificados em 20 áreas profissionais definidas na legislação: Agropecuária, Artes, Comércio, Comunicação, Construção Civil, Design, Geomática, Gestão, Imagem Pessoal, Indústria, Informática, Lazer e Desenvolvimento Social, Meio Ambiente, Mineração, Química, Recursos Pesqueiros, Saúde, Telecomunicações, Turismo e Hospitalidade e Transportes. Esses cursos atendem sempre às necessidades específicas das empresas e, por isso, vêm conquistando cada vez mais espaço no mercado. Os atuais cursos superiores de tecnologia se distribuem na rede pública federal pelos CEFETs – Centros Federais de Educação Tecnológica, ligada diretamente ao MEC, na rede pública do Estado de São Paulo, na qual as FATECs - Faculdades de Tecnologia são mantidas pelo CEETEPS – Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza, e pela extensa rede privada que atravessa uma fase de grande expansão. A Figura 1 ilustra a comparação entre os cursos superiores de tecnologia e os de engenharia, envolvendo disciplinas e níveis. CURSOS DE ENGENHARIA CURSOS DE TECNOLOGIA NÍVEIS E SUAS DINÂMICAS NÍVEIS ESPECÍFICO E PRÁTICO Por DIRCEU D’ALKMIN TELLES [FATEC - SP] PROFISSIONAIS BÁSICO INCLUSIVE HUMANÍSTICO 1. Os cursos superiores de tecnologia O engenheiro de telecomunicações Mauro Sebastiany, gerente de projetos na Tellabs do Brasil. (São Paulo, SP, 22/04/2002. Foto: Fernando Santos/ Folha Imagem) 10 DEZ'2004 e JAN/FEV'2005 A formação dita tecnológica não é inovação brasileira; muito pelo contrário, a criação dos cursos superiores de tecnologia baseou-se nos cursos similares consagrados na Alemanha e em outros exemplos internacionais, como os College of Advanced Technology, da Inglaterra, os Junior College, dos Estados Unidos, os Institutes Universitaires de Technology, da França e os Tanki Daigaku, do Japão. Há notícias de que cursos tecnológicos se iniciaram no Brasil no princípio do século XX. Conceitualmente, os cursos superiores em tecnologia são cursos de graduação concebidos e desenvolvidos para atender aos segmentos atuais e emergentes das diversas atividades produtivas (industrial, construção e de serviços), tendo em vista a constante evolução tecnológica, e com elas compromissados. Devem ter currículos flexíveis, compostos por disciplinas básicas e humanísticas, de apoio tecnológico e de formação específica voltados à aplicação prática, com aberturas para o desenvolvimento da pesquisa aplicada. Conduzem ao diploma de Tecnólogo. O ensino deve ser apoiado em projetos reais, estudo de casos e em laboratórios/oficinas específicos aparelhados para reproduzir as condições do ambiente profissional. Exige uma variedade de docentes, desde os que se dediquem integralmente ao ensino, como também os que se voltem às pesquisas e, preponderantemente, os especialistas. Os CST são abertos a candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equivalente, abrangendo os diversos setores da economia. Os graduados nesses cursos são profissionais de nível superior, especializados em segmentos de uma ou mais áreas profissionais, DISCIPLINAS Figura 1 - Comparação entre os CST e o curso de engenharia com referência a disciplinas e níveis. 2. O profissional tecnólogo De acordo com o Conselho Nacional de Educação, o tecnólogo deve estar apto a desenvolver, de forma plena e inovadora, atividades em uma determinada área profissional, devendo ter formação específica para a aplicação, o desenvolvimento, a pesquisa e a inovação tecnológica, podendo atuar junto à gestão de processos de produção de bens e serviços e ao desenvolvimento da capacidade empreendedora. O tecnólogo pode atuar desde a criação até o domínio, a absorção e a difusão dos conhecimentos, atingindo o pleno atendimento das necessidades estabelecidas. Trata-se de um profissional capaz de oferecer soluções criativas e de participar de equipes habilitadas na concepção e no desenvolvimento de soluções. A interdisciplinaridade em sua formação e a polivalência em sua atuação facilitam a inserção em equipes produtivas de trabalho. O tecnólogo é o agente capaz de colocar a ciência e a tecnologia a serviço da sociedade, no atendimento de suas necessidades; é um profissional emergente no ambiente competitivo, apto a implantar e administrar sua própria empresa. Nas circunstâncias atuais e projetadas, o tecnólogo é visto como o profissional que busca sistematicamente ampliar seus conhecimentos, suas habilidades e suas aptidões, não só no âmbito FUNDAÇÃO DE APOIO À TECNOLOGIA 11 SEQUÊNCIAIS GRADUAÇÃO Fachada do prédio da Fatec-SP [Faculdade de Tecnologia]. EXTENSÃO Outros Títulos Licenciatura Plena Licenciatura Curta Tecnólogo Bacharelado (São Paulo, SP, 05/05/1998. Foto: Cleo Velleda/ Folha Imagem) Formação Específica Formação Específica PÓS-GRADUAÇÃO Stricto Sensu Complementação de Estudos Extensão A rede de FATECs, que até 2002 contava 9 (nove) unidades, foi expandida pelo CEETEPS, contando atualmente 17 (dezessete) unidades distribuídas pelo Estado de São Paulo, como mostra o Quadro 3. Cursos sequenciais de complementação de Estudos Latu Sensu Certificados Mestrado Profissional Mestrado Doutorado Especialização Diplomas Mestre Mestre Doutor Figura 2 - Cursos, diplomas e certificados na educação superior. Especialista Fonte: Cadernos do MEC (adaptado). tecnológico, como no humanístico (comunicações e relações humanas), a fim de contribuir para o desenvolvimento holístico da sociedade em harmonia com o ambiente. Para tanto, ciência e tecnologia constituem embasamentos que esse profissional utiliza para a concepção e desenvolvimento de produtos, processos e materiais, objetivando uma aplicação econômica e comprometida com o bem-estar social e do ambiente. A Figura 2 mostra o posicionamento do profissional tecnólogo na educação superior em relação à graduação, à pós-graduação e ao tipo de diplomação. Conquistar o diploma de graduação em um tempo menor e ainda ter mais chances de obter emprego são os principais atrativos para quem opta por um curso superior de tecnologia, ou graduações profissionalizantes, como também são conhecidos. Muitos afirmam que, por serem cursos mais direcionados e com maior teor prático, a absorção de seus profissionais por parte das empresas é muito grande. O fato é que o número de cursos superiores profissionalizantes vem crescendo cada vez mais e estes começam a ganhar cada vez mais adeptos. O CEETEPS, por meio do seu sistema de Acompanhamento Institucional de Egressos, verificava a empregabilidade de seus tecnólogos um ano após a graduação. No Quadro 2 verifica-se que, ao longo do período pesquisado, de 2000 a 2002, o número de trabalhadores, entre os egressos, aumenta após um ano de formatura, contrariando os demais índices em acentuada queda, no período em que o País registrou momentos difíceis no seu contexto econômico. Ano de Pesquisa Ano de Formatura 2000 2001 2002 1999 2000 2001 % sobre o Número Número de Pesquisado Concluintes 254 210 216 43.8 29,9 35,1 Estavam trabalhando Cadastro 1 ano depois 81% 82% 85% 87% 87% 88% Quadro 2 – Resultados das pesquisas de egressos de cursos superiores de graduação em tecnologia do CEETEPS Fonte: SAIE/ CEETEPS. 12 DEZ'2004 e JAN/FEV'2005 Estudantes de informática durante aula na Fatec de Mauá (SP). (Mauá, SP, 15/04/2004. Foto: Lalo de Almeida/ Folha Imagem) Faculdades de Tecnologia de São Paulo Sorocaba Jaú Baixada Santista Zona Leste Americana Taquaritinga Botucatu Guaratinguetá Indaiatuba Mauá Jundiaí Praia Grande Garça Mococa São José do Rio Preto Ourinhos (*) Número de cursos 10 4 4 3 2 2 2 2 1 1 1 1 1 1 1 1 Número de vagas por semestre 880 240 160 200 120 120 160 80 40 40 80 80 80 80 80 80 200 (*) A FATEC-Ourinhos oferece 200 vagas anuais garantidas para cursar apenas os 2 (dois) primeiros semestres. Quadro 3 - Faculdades de tecnologia do sistema CEETEPS, número de cursos e vagas. Está prevista para 2005, pelo Centro Paula Souza, a abertura de 3 (três) novas unidades, uma na zona sul da capital, outra em Carapicuíba e outra em São Bernardo do Campo. 3. Os cursos de tecnologia do CEETEPS Os cursos superiores de tecnologia ministrados nas FATECs do Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza, que atua no Estado de São Paulo, têm uma carga horária média de 2.700 horas, com duração de 3 ou 4 anos. Com exceção dos cursos da FATEC de Ourinhos, não são modulares e não fornecem certificações intermediárias. As faculdades de tecnologia que o CEETEPS mantém têm origem em 1968 por uma Resolução do Governo do Estado de São Paulo, criando um grupo de trabalho com o objetivo de “estudar a viabilidade de implantação gradativa de uma rede de cursos superiores de tecnologia”. Foram criadas as FATECs de São Paulo e de Sorocaba. A aula inaugural foi proferida em fevereiro de 1970 pelo governador do Estado. 4. Os CST, a LDB de 1996 e os Decretos 2208/1997 e 5154/2004 A Lei Federal nº 9.394, de 20/12/1996 (LDB) estabeleceu as diretrizes e bases da educação no Brasil. Em seu Título V, define os níveis e as modalidades de educação e ensino. Neste título, em seu Capítulo I – Composição dos níveis escolares, determina: “Artigo 21 – A educação escolar compõe-se de: I – educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio. II – educação superior.” Aparentemente excluída da educação escolar, a educação profissional está enfocada no Artigo 39: “A educação profissional, integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia, conduz ao permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva.” O parágrafo primeiro deste artigo estabelece: “o aluno matriculado ou egresso do ensino fundamental, médio e superior, bem como o trabalhador em geral, jovem ou adulto, contará com a possibilidade de aptidões para a vida produtiva”. Só em 17/04/1997, por meio do Decreto 2208, é regulamentada a educação profissional referida no Artigo 39 da LDB de 1996. Esse decreto estabelece: “Artigo 1º - A educação profissional tem por objetivos: II – proporcionar a formação de profissionais aptos a exercerem atividades específicas no trabalho, com escolaridades correspondentes aos níveis médio, superior e de pós-graduação.” Ainda o Decreto 2208, agora no seu Artigo 3º, define que a educação profissional compreende os níveis básico e técnico. Por outro lado, esse mesmo decreto, em seu Artigo 10, esclarece: “Os cursos de nível superior, correspondentes à educação profissional de nível tecnológico, deverão ser estruturados para desenvolver os diversos setores da economia, abrangendo áreas especializadas, e conferirão o diploma de Tecnólogo.” (grifo nosso) O Decreto 5154, de 23/07/2004, que revoga o Decreto 2208/97, reforma a regulamentação do Artigo 39 da LDB (Educação Profissional) e estabelece: “Artigo 1º - A educação profissional, prevista no art. 39 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), observadas as diretrizes curriculares nacionais definidas pelo Conselho Nacional de Educação, será desenvolvida por meio de cursos e programas de: I - formação inicial e continuada de trabalhadores; II - educação profissional técnica de nível médio; e III - educação profissional tecnológica de graduação e de pós-graduação. Artigo 5º - Os cursos de educação profissional tecnológica de graduação e pós-graduação organizar-se-ão, no que concerne aos objetivos, características e duração, de acordo com as diretrizes curriculares nacionais definidas pelo Conselho Nacional de Educação. Artigo 6º - Os cursos e programas de educação profissional técnica de nível médio e os cursos de educação profissional tecnológica de graduação, quando estruturados e organizados em etapas com terminalidade, incluirão saídas intermediárias, que possibilitarão a obtenção de certificados de qualificação para o trabalho após sua conclusão com aproveitamento. §1º - Para fins do disposto no caput, considera-se etapa com terminalidade a conclusão intermediária de cursos de educação profissional técnica de nível médio ou de cursos de educação profissional tecnológica de graduação que caracterize uma qualificação para o trabalho, claramente definida e com identidade própria. §2º - As etapas com terminalidade deverão estar articuladas entre si, compondo os itinerários formativos e os respectivos perfis profissionais de conclusão. Artigo 7º - Os cursos de educação profissional técnica de nível médio e os cursos de educação profissional tecnológica de graduação conduzem à diplomação após sua conclusão com aproveitamento.” (grifos nossos). 5. Novas concepções e aspectos legais relativos aos CST No início da década de 1990, principalmente após a LDB de 1996, novas concepções e aspectos legais surgiram no âmbito da educação envolvendo os CST. O Quadro 4 resume os principais destaques dessa desordenada situação que envolve profundos interesses econômicos e sociais. FUNDAÇÃO DE APOIO À TECNOLOGIA 13 CONCEPÇÕES E ASPECTOS LEGAIS TEMA ANTERIORES NOVAS Alvo Ensino/Professor (o que deve ser ensinado) Aprendizagem/Alunos (o que deve ser aprendido) Foco Conteúdo Aprender Avaliação do conhecimento adquirido pelos alunos Aprovação em disciplinas Obtenção de competências (saber fazer) Avaliação das instituições Formalmente não existente • Exames aplicados nos alunos • Avaliação dos cursos • Avaliação das condições de oferecimento dos cursos Currículo mínimo Existente, para cada curso Não-exigência Carga horária mínima* Exigência, não formal • Não-exigência • Limitações impostas pelos conselhos profissionais Diretrizes curriculares Sem regulamentação • Dec. 2208/97 (já revogado) e complementos, regulamenta as diretrizes curriculares dos CST - Dec. 5154/04 revoga o Dec. 2208/97. A serem formalizados Aceitação de créditos dos alunos Obtidos em disciplinas equivalentes de cursos superiores De competências obtidas inclusive na vida profissional Certificações intermediárias Não existentes Permitidas Número de CST Leve crescimento Explosão no número de novos cursos Prazo mínimo para conclusão do CST Informalmente, 3 anos Instituições oferecendo cursos superiores de 2 anos, mas não deixam claro se são CST e se conduzirão ao diploma de Tecnólogo Quadro 4 - Dinâmica das concepções e dos aspectos legais dos CST (*) Decisão do CONFEA – Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia datada de 30/04/2004 considera mantida a carga horária mínima de 2.400 horas para a formação de profissionais dos cursos de Tecnologia para fins de registros profissionais no sistema CONFEA/CREA. No fim de 2004 estão em curso dois processos que também interferirão nos CST e na profissão de Tecnólogo. São eles: • Reforma Universitária; • Elaboração de proposta de anteprojeto da Lei de Educação Profissional e Tecnológica. Além disso, está programada a implantação de novas instituições de ensino e de cursos de graduação de “menor” duração – 2 anos (1.600 horas) –, que podem ser confundidos com os Cursos Superiores de Graduação em Tecnologia. As preocupações emergentes com essa descontrolada dinâmica são com a qualidade e reconhecimento dos CST e com a reputação do profissional tecnólogo. DIRCEU D’ALKMIN TELLES [email protected] Engenheiro civil, mestre e doutor em Engenharia pela Escola Politécnica da USP. Atualmente é professor e diretor da Fatec-SP e professor convidado da pós-graduação da Epusp. FONTES CONSULTADAS • Legislação pertinente • Cadernos do MEC • Sistema de Avaliação Institucional de Egressos - CEETEPS • Portal Univérsia • Catálogo da FATEC-SP • Revista do Tecnólogo – SINTESP • Cursos Superiores de Graduação em Tecnologia – CEETEPS • Revista Ensino Superior – SEMESP 14 DEZ'2004 e JAN/FEV'2005 COLABORADORES Assistente Técnica de Direção Maria José Zecchinato Staicov - CEETEPS Prof. Me. Décio Moreira - FATEC-SP/ SINTESP Profa. Dra. Eliana Magrini Fochi ARGUMENTO OU INSTRUMENTO? Por MARCUS VINICIUS SINVAL [SEBRAE] Diz a teoria que marketing é pesquisar, conhecer, compreender e atender às necessidades do consumidor. Seguindo esses passos, o profissional de marketing certamente terá êxito em suas empreitadas. Pois é, como se fosse simples assim. Só para variar, o grande desafio é conseguir colocar em prática, no mundo real, a teoria que se estuda e se aprende no mundo ideal. Nos livros, os modelos são perfeitos e no dia-a-dia, nem tanto. Daí uma das dificuldades em promover a tecnologia por meio da comunicação. Ora, se fiz minha lição de casa e pesquisei, conheci e compreendi as necessidades do consumidor, teoricamente deveria estar apto a apresentar-lhe a tecnologia como solução de seus problemas ou atendimento às suas necessidades. Acontece que o consumidor, aquele que vai assistir ao filme publicitário, que vai ver o outdoor e ler a revista, esse consumidor é um ser humano, como todos nós, programado geneticamente para fugir do desconforto e buscar o prazer; que tem capacidade de se adaptar, mas que também resiste natural e inconscientemente ao novo, ao desconhecido. E que palavras podem ser mais sinônimos de tecnologia do que “novo”, “pioneiro”, “inédito”? Além disso, normalmente a tecnologia, além de representar o “novo”, vem acompanhada de vários termos, também novos, para explicá-la. Neologismos e tecnicismos que mais confundem a cabeça do consumidor do que esclarecem as vantagens e conveniências de sua aplicação. E este é o ponto: a conveniência. Aquilo que pode ser novo, novíssimo, mas que se pode traduzir praticamente na vida do indivíduo por termos, expressões e palavras, todos já bem conhecidos e de uso regular. Nada que se precise aprender, mas que signifique uma nova situação, de maior facilidade, de maior conforto, de maior conveniência. Bom, mas aí voltamos ao convencional, ao popular; e aquela tecnologia, supernova, que custou anos de pesquisas e tanto investimento para ser desenvolvida, nem apareceu, não pôde ser comunicada. É assim mesmo, a tecnologia tem de aprender a falar a língua do consumidor e os profissionais de marketing e comunicação têm de aprender a língua da tecnologia, não para ensiná-la ao consumidor, mas para saber utilizá-la como ferramenta de comunicação, de relacionamento. Na era da informação, é muito importante estar em dia com as possibilidades que a tal tecnologia, que não conseguimos comunicar, pode nos proporcionar. Database, datawharehouse, datamining e uma série de outros “data-alguma coisa”, por exemplo, são algumas noções técnicas necessárias para que aconteça a comunicação com os verdadeiros conhecedores e operadores da tecnologia que vai nos ajudar a identificar e localizar o consumidor, conhecer e entender os seus hábitos e necessidades, a fim de que possamos falar com ele, não esqueçam, sobre conveniência. Existe um mundo não pequeno, mas menor do que o do consumo no varejo, que é o mundo dos negócios entre empresas, de técnicos para técnicos, business to business, em que a tecnologia pode ser comunicada pelas suas características técnicas. Na maioria dos casos, porém, tecnologia funciona muito mais e melhor como instrumento do que como argumento. MARCOS VINICIUS SINVAL [email protected] Gerente de Marketing do Sebrae-SP. Administrador de empresas, especialista em comércio exterior e em desenvolvimento de pesquisas de mercado nas áreas de planejamento e marketing. FUNDAÇÃO DE APOIO À TECNOLOGIA 15 A NOVA EDUCAÇÃO E O PAPEL DAS EMPRESAS Por RICARDO YOUNG [INSTITUTO ETHOS] Muito mais importante que repassar conhecimento é desenvolver no aluno a capacidade de aprender Texto originalmente publicado no livro Unesco Brasil “Investimentos em Educação, Ciência e Tecnologia - o que pensam os empresários”, lançado em junho de 2004. Desde o início da revolução tecnológica, vivemos uma ruptura de paradigmas em vários setores, e o impacto dessas inovações é especialmente sentido na área da educação. Até poucos anos atrás, o profissional de educação era apenas um depositário do conhecimento em determinada área. Sua função era transmiti-lo ao aluno de forma seqüencial e linear, em sessões com hora marcada. Do aluno só se esperava uma atitude passiva e cordata, pelo menos até que atingisse o nível universitário. Se havia alguma reflexão coletiva, era em poucos estabelecimentos cujas propostas de ensino eram mais avançadas, ou em nível de mestrado e doutorado, longe do dia-a-dia das escolas. Com a popularização da Internet, a partir do início da década de 1990, o conhecimento já não é mais um monopólio de poucos, e o professor deixou de ser um guardião do saber. Hoje é impossível alguém deter toda a informação, que pode ser encontrada em toda parte, num fluxo que se constrói e se renova o tempo todo. A rede mundial permitiu que o conhecimento acumulado pelas instituições fosse reunido num único meio, deixando-o à disposição de todos os interessados. Permitiu ainda que esse riquíssimo conteúdo passasse a ser atualizado e renovado permanentemente, o que conferiu à construção do conhecimento uma nova dinâmica. Essa mudança radical e veloz traz grandes desafios tanto para os alunos quanto para as instituições de ensino. O primeiro deles é que o processo de aprendizado deixa de ocorrer apenas num certo espaço de tempo ou num determinado local, passando a ser contínuo, ininterrupto. Essa nova dinâmica exige que professores e alunos reajam mais prontamente, respondam com maior rapidez. Outro desafio que se apresenta é a adoção 1 O despertar do gigante. Editora Universidade, 2003. 16 DEZ'2004 e JAN/FEV'2005 2 de uma nova postura em relação ao ato de ensinar. O professor se tornou ao mesmo tempo aprendiz e consultor do processo de construção do conhecimento. Na verdade, O sociólogo italiano todas as pessoas passaram a ser potencialDomenico de Masi, mente aprendizes e consultoras desse durante entrevista processo. Assim, professor e aluno estão em São Paulo (SP). sendo desafiados a lidar com sua relação de maneira diferente, já que ambos são agentes Foto: Ormuzd Alves/ do conhecimento e essa condição exige Folha Imagem outro grau de interação. Essa nova postura imprime uma qualidade diferenciada no processo de aprendizagem, permitindo apenas para o trabalho e o lucro. É preciso outras formas de colaboração entre eduoferecer a formação total”. Para De Masi, cador e educando, bem como uma maior formação total significa “educar não apenas sociabilização do aluno – caminho para a para o trabalho, mas também para o estudo e construção da cidadania. para o ócio; para as satisfações e necessidades Segundo o educador Claudio de Moura mais essenciais do ser humano: o amor, a Castro, da Rede Pitágoras de amizade, a diversão, o conPara a nova educação que se Belo Horizonte, “quanto mais vívio, a solidariedade, a propõe, muito mais importante tempo ouvindo passivamente beleza. Significa formar o que repassar conhecimento é a aula, menos se aprende”. cidadão em toda a sua desenvolver no aluno a capaciEm sua opinião, a particiamplitude de homem dade de aprender. Isso redefine o papel da escola, atribuindo-lhe pação ativa do aluno é esseneconômico, estético, social outros objetivos, entre os quais: cial: “Educação requer ouvir, e ético”2. falar, ler, discutir, escrever, Portanto, mais do que • estimular e aprofundar as habilidades cognitivas do aluno; trocar idéias. Se não são prapassar conhecimento, a nova • incentivar sua capacidade ticadas todas essas atividaeducação forma indivíduos de discernimento, de trabalhar des, o ensino está aleijado, que aprendem a aprender, a com processos lógicos e fica faltando o outro lado. tornar-se ativos na busca da sistêmicos que lhe permitam correlacionar as informações Portanto, não se pode espeinformação, utilizando coobtidas e distinguir o que rar grandes resultados”1. mo ferramentas básicas a de fato é relevante; Concordamos com o sofilosofia, a matemática e ou• encorajá-lo a buscar seus ciólogo italiano Domenico tras línguas, além de seu valores e os da comunidade que de Masi, autor de obras como próprio idioma. A dimensão o cerca, e a refletir sobre eles; • desenvolver suas habilidades O ócio criativo e A sociedade pósfilosófica conduz o aluno à de comunicação. industrial, para quem “a escola lógica formal e ao desendeve estar sempre se atualizanvolvimento de valores, que é a base para a fordo e acompanhando as mudanças da mação da cidadania; a matemática o capacita a sociedade. Se o mundo precisa de pessoas criaoperar o pensamento abstrato aplicado na tivas, a escola deve estimular esse lado. Não prática; desenvolver a linguagem falada e podemos mais continuar formando os jovens escrita permite ao educando expressar suas Entrevista à revista Nova Escola, da Fundação Victor Civita, em outubro de 2000. conscientizar de que apenas contratar talentos idéias com mais eficácia e entender melhor o prontos no mercado não é a solução. Mais do que ouve, enquanto o aprendizado de línguas que isso, é preciso investir no aperfeiçoamento estrangeiras o auxilia a lidar com outras do público interno, com a criação de um sociedades e outros valores, aproximando-o do espaço para seu desenvolvimento contínuo, mundo globalizado. que pode ser tão simples como a qualificação É uma educação para o desenvolvimento, de um operário por seu sindicato, ou tão comque capacita as pessoas continuamente nesse plexo quanto o desenvolvimento de uma uninovo conjunto de habilidades. O grande versidade corporativa para complementar desafio é criar condições para que o educando a formação acadêmica dos profissionais da se aproprie desse novo ferramental e desenvolempresa em sua área de va sua criatividade, seu senso Em resumo, uma agenda de eduatuação. de observação, tornando-se cação ideal para o nosso país teria Para acumular e atualizar uma pessoa mais produtiva e de contemplar os seguintes pontos: o conhecimento necessário ao realizada. O novo educador é • inclusão digital; incremento de seu desemmenos responsável pela trans• desenvolvimento das penho, a empresa pode agir missão de conhecimento e habilidades cognitivas; de várias maneiras. A mais pela instigação à investi• capacitação do aluno aquisição sistemática de gação filosófica e pelo monipara sociabilizar-se; • diversidade cultural e informação em instituições toramento da maneira como o universalidade, incluindo o ensino especializadas e a emulação aluno está usando o ferramende línguas estrangeiras; da já mencionada universital colocado à sua disposição. • reflexão filosófica - capacidade dade corporativa são exemSeu papel é o de navegador do para refletir sobre valores; • formação da cidadania na plos disso. Outra forma de educando na aventura de busconcepção clássica, incluindo-se garantir que o conhecimento car o conhecimento em toda a introjeção de valores como contínuo se verifique é estaparte, inclusive na sala de o processo coletivo, a construção belecer uma nova interativiaula. Cabe também ao profescoletiva do conhecimento, dade com os centros de sor criar condições para que o o intercâmbio e o diálogo, o respeito à diversidade e a pesquisa, tendo em vista um aluno amplie seu relacionacompreensão da cidadania como princípio lógico, mas muitas mento, tanto no plano social dimensão da própria educação. vezes ignorado: a criação como no virtual. de conteúdo pela universidade é importante para as empresas tanto quanto é importante para as instituições A contribuição das empresas acadêmicas a aplicação pela empresa do Embora a educação seja por princípio uma conteúdo que elas produzem. atribuição do Estado, a participação da iniUm exemplo de sucesso de interatividade ciativa privada é extremamente desejável. de empresas com um centro de pesquisas é a Como diz Moura Castro, “educação e escola verdadeira revolução ocorrida no agribusiness não são assuntos de governo, mas de todos”. brasileiro nas últimas décadas, graças ao fabuPortanto, as empresas, um dos pólos mais loso conhecimento gerado pelas várias dinâmicos e inovadores da sociedade, podem unidades da Empresa Brasileira de Pesquisa e devem contribuir para o desenvolvimento Agropecuária (Embrapa). Dentre as muitas da educação em nosso país. iniciativas de sucesso, destaca-se a inclusão do Essa contribuição pode se dar de pelo cerrado brasileiro no sistema de produção de menos duas maneiras: 1) pela formação de grãos. Quando a agroindústria passou a utiseus colaboradores, que concorrerão para a lizar as tecnologias e os cultivares desenvolviconstrução do conhecimento de que a dos pela Embrapa, as áreas que compõem o empresa necessita; 2) pelo apoio a projetos cerrado tornaram-se responsáveis por 41% da que beneficiem a educação da comunidade produção brasileira de soja, arroz, feijão e em que a empresa se localiza. milho. A soja, por exemplo, foi plenamente Tornando-se co-responsável pela formação adaptada às condições do País, que se tornou o de seus funcionários, a empresa cria condições segundo maior produtor do mundo (58 mipara que a construção do conhecimento lhões de toneladas na safra 2003/2004) e é hoje necessário ao seu desenvolvimento seja cono maior exportador mundial do produto (8,2 tínua. O empresário deve compreender que o bilhões de dólares em 2003). conhecimento, cujo processo é dinâmico e infindável, deixou de ser um bem que se possa comprar no mercado, pela contratação de pesApoio à comunidade local soas talentosas ou pela aquisição de tecnologia. A segunda maneira que mencionamos de Na verdade, a evolução do conhecimento pascontribuir para o desenvolvimento da edusou a se dar de forma dialógica. Devemos nos cação no País é a empresa agir na própria comunidade de entorno, ajudando a promover condições para que os centros de educação locais cumpram seu papel de forma adequada. Essa participação pode se dar por meio de apoio a organizações não-governamentais que atuem na área da educação. Um exemplo disso é o apoio de empresas à atuação do Comitê para a Democratização da Informática (CDI) em favor da inclusão digital de populações carentes em todo o País. A organização já instalou cerca de 800 unidades de sua Escola de Informática e Cidadania em 20 Estados brasileiros e em dez outros países, com mais de 4,1 mil computadores instalados em toda a rede, tendo formado mais de 501 mil alunos, com o apoio de 1,7 mil educadores e cerca de mil voluntários. Outro bom exemplo são as empresas que apóiam o projeto de aceleração de aprendizagem feito pelo Instituto Ayrton Senna para o Estado de Pernambuco, em parceria com a Secretaria Estadual de Educação. A primeira etapa começou em maio de 2003 e engloba 48 municípios pernambucanos. Até 2009, o programa prevê alfabetizar anualmente 20 mil alunos com idade entre 8 a 14 anos, bem como acelerar a aprendizagem de outros 447 mil crianças e adolescentes que acumulam reprovações, reduzindo assim a distorção entre a idade e a série que freqüentam. A empresa pode também atuar diretamente nos centros de educação da comunidade em que está instalada, seja criando condições para que esses centros tenham acesso efetivo a recursos, seja treinando professores, por exemplo. Ou estabelecendo parceria com uma escola pública local, desde que essa parceria se dê na área de atuação da empresa. É importante observar esse aspecto, pois somente atuando em sua área de competência a empresa pode agregar valor. Se isso não for possível, é aconselhável não agir diretamente, mas por meio de parceria com uma ONG, como nos casos já citados. Seja de que modo for, investir nessa nova educação, reestruturada, participativa, estimulante, é preparar cidadãos que irão edificar uma sociedade mais justa e eqüitativa para todos os brasileiros. RICARDO YOUNG [email protected] Empresário da área de educação, presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Ethos e atualmente presidente do UniEthos - Educação para a Responsabilidade Social e o Desenvolvimento Sustentável. FUNDAÇÃO DE APOIO À TECNOLOGIA 17 MERCADO DE TRABALHO: EMPREGO E DESEMPREGO NO FIM DO SÉCULO XX Por FRANCISCO SCARFONI FILHO E JACYRA C. MONTANARI [PUC-SP] RESUMO: Após um período inusitado com baixos índices de desemprego, conquistas salariais e sociais que ampliaram seu poder de compra e lhe trouxeram maior segurança e bem-estar, o trabalhador se vê, hoje, com a reestruturação produtiva, à mercê de um mercado de trabalho polarizado e diante de um sindicato desmobilizado, sem poder de luta. O objetivo deste artigo é mostrar as mudanças ocorridas no mercado de trabalho nos últimos 20 anos e as conseqüências da reestruturação produtiva sobre as relações de trabalho e sobre o dimensionamento do mercado de trabalho, com a redução do número de empregos formais que vem ocorrendo no Brasil. 1. Introdução ABSTRACT: After an unusual period of low unemployment rates, social and salary advances that improved the workers’ purchase power and brought them more security and satisfaction, with the productive reorganization, the workers find themselves today, at the mercy of a polarized job market and a weak Union. The subject of this article is to show the changes that happened in the job market in the last twenty years and the effects of the productive reorganization on the job relationships and the size of the job market, and the consequent reduction of the formal employment in Brazil. PALAVRAS-CHAVE: Reestruturação produtiva, relações de trabalho, emprego e desemprego. KEYWORDS: productive reorganization, job relationships, employment and unemployment. 18 DEZ'2004 e JAN/FEV'2005 A sociedade, de maneira geral, e o mercado de trabalho, em particular, vêm sendo afetados significativamente pela reestruturação produtiva (econômica, tecnológica e organizacional) nas empresas com uso intensivo de recursos informacionais e pelo processo de globalização em andamento, que provoca, entre outros efeitos, o rápido deslocamento de empresas entre países e, nesses, entre regiões. A velocidade dessas mudanças assusta e causa as mais diversas reações nas pessoas, direta ou indiretamente atingidas por esse processo, podendo significar ameaça ou oportunidade no novo contexto. De qualquer forma, o tipo de reação a essas transformações depende diretamente da capacidade de cada um de se adaptar às condições exigidas pela nova economia para a sobrevivência das empresas1. É por meio do trabalho que produtos e serviços são gerados para a satisfação das necessidades humanas, proporcionando renda para a aquisição desses bens e serviços, além de ser possível fonte de realização profissional e satisfação pessoal, fatores que afetam a auto-estima. No mundo capitalista, como se sabe, a forma predominante de inserção no processo produ- tivo e de prestação de serviços é o trabalho assalariado, isto é, o emprego. Nas últimas décadas, a elevação das taxas de desemprego tem sido uma das questões globais mais candentes, pois todos os países do mundo, em escalas e proporções diferentes, têm sido afetados. Esse problema não se vincula somente a aspectos econômicos e de justiça social, mas seus reflexos também podem ser sentidos nas esferas coletiva e individual dos trabalhadores. O objetivo deste artigo é mostrar as mudanças ocorridas no mercado de trabalho nos últimos 20 anos e as conseqüências da reestruturação produtiva sobre as relações de trabalho e sobre o dimensionamento do mercado de trabalho, com a redução do número de empregos formais que vem ocorrendo no Brasil. 2. Breve histórico do mercado de trabalho nos últimos 20 anos O mercado de trabalho e a questão do emprego têm sido fatores preocupantes, pois, do pós-guerra até meados da década de 1970, houve um período de empregos estáveis, bem remunerados e conquistas Entendendo-se por nova economia aquela cujas características fundamentais são a intensificação do uso da informação e do conhecimento pelos agentes econômicos para gerar produtividade e competitividade, impondo uma nova organização das atividades produtivas. 1 sociais estabelecidas. Hoje as tendências são outras. Estudos recentes mostram um aumento significativo do emprego precário, do trabalho informal, queda generalizada nos salários reais e crescimento das taxas de desemprego. O problema do aumento do desemprego nos países desenvolvidos tem sido acompanhado por transformações tecnológicas que ocorrem em larga escala e grande velocidade, refletindo num rápido declínio do emprego industrial, principalmente nos países europeus com sólidas políticas de bem-estar social. O processo de reestruturação econômica, fruto da combinação ou conjugação da introdução de novas tecnologias e novas técnicas organizacionais, conduz a uma redução no emprego industrial em todos os países. Porém, de acordo com Castells (1999, p. 230), apesar da tendência geral, o declínio do emprego industrial é irregular, “indicando de maneira clara a variedade fundamental das estruturas sociais de acordo com as diferenças políticas, econômicas e das estratégias empresariais. Assim, enquanto o Reino Unido, os Estados Unidos e a Itália vivenciavam rápida desindustrialização (reduzindo a percentagem de emprego industrial, em 1970-90, de 38,7% para 22,5%; de 25,9% para 17,5%; de 27,3% para 21,8%, respectivamente), o Japão e a Alemanha presenciavam uma queda moderada da participação de sua força de trabalho industrial: de 26,0% para 23,6% no caso do Japão e de 38,6% para um nível ainda bastante alto de 32,2% em 1987, no caso da Alemanha”. A taxa média anual de desemprego nos países desenvolvidos aumentou de 5,1% em 1974-79 para 7,4% em 1980-97. Essa tendência vem acompanhada de um processo de desaceleração do crescimento econômico e a característica marcante da queda da importância do emprego industrial vem ocorrendo em favor do emprego no setor de serviços, ao mesmo tempo em que se confirma a tendência secular de queda do emprego no setor agrícola. A América Latina teve seu desenvolvimento prejudicado durante a década de 1980 pela crise da dívida e pela deterioração dos preços das commodities no mercado internacional, pois, até esse período, 20 DEZ'2004 e JAN/FEV'2005 os países latino-americanos, com exceção do Brasil, dependiam fortemente dessas exportações. A queda dos preços dos produtos primários se deve ao aumento da produtividade agrícola nos países desenvolvidos e à transformação tecnológica que substituiu matérias-primas tradicionais por produtos sintéticos. Porém, de acordo com Castells, os fatores mais decisivos e os reais complicadores do desenvolvimento da América Latina foram o endividamento irresponsável ocorrido nos anos 70 e as políticas monetárias nos anos 80 na tentativa de conter a crise. Esses fatos comprometeram o desenvolvimento nas últimas duas décadas, com sensíveis reflexos no mercado de trabalho. Na América Latina, a incapacidade de geração de empregos tem sido uma propensão clara e, diante do baixo dinamismo da economia, do aumento da produtividade devido às transformações tecnológicas, do aumento da população e da liberação das importações, o número de desempregados vem se elevando, registrando taxas de dois dígitos na Argentina (17,4%), no Uruguai (11,7%), na Venezuela (11,4%) e na Colômbia (10,2%) em 1995. No Brasil, essa taxa era de 5,2% (GONÇALVES e PELEGRINO, 1997, p. 31). Durante a década de 1970, o Brasil viveu um período conhecido como “milagre econômico”, com altas taxas de crescimento da economia e, em conseqüência, aumento da proporção de empregados em empresas privadas de 41,7% para 52,2%; de empregos públicos de 7,3% para 8,8% e redução do número de autônomos de 33,8% para 25,2% e a de não remunerados de 9,3% para 5,3%. Nesse período, o desenvolvimento era financiado pela abundância e facilidade de acesso ao crédito internacional, levando o país a se endividar de maneira descontrolada. Na década de 1980, a história passou a ser diferente. Os países desenvolvidos estavam preocupados em resolver seus problemas de inflação e suas crises internas causadas pelos elevados custos das políticas de bem-estar social e pela rigidez dos investimentos em capital fixo do período fordista, iniciando a reestruturação do sistema financeiro internacional para salvaguardar os seus interesses, principalmente nos países devedores. Neste momento, o Brasil foi submetido a um choque múltiplo e simultâneo provocado pela alta da taxa de juros internacionais, pela recomposição do preço do petróleo, pela deterioração das relações do comércio internacional com a queda dos preços das com- Desempregados fazem fila na regional de Santo Amaro, em São Paulo, durante cadastramento em busca de vaga para empregos temporários. O desemprego deve aumentar até o início de 2002 por causa da desaceleração da economia, corte de vagas e grande número de demissões. (São Paulo, SP, 04/10/2001. Foto: Moacyr Lopes/ Folha Imagem) modities e, como conseqüência, o sistema financeiro internacional se afastou, dificultando o acesso a novos créditos. Ocorreu um processo de estagnação da economia, já que as receitas obtidas tiveram de ser utilizadas para cobrir as obrigações financeiras advindas do processo de endividamento descontrolado da década de 1970. O crescimento pouco expressivo da economia compromete o processo de desenvolvimento do País e poucas mudanças ocorrem até 1986, quando algumas alterações no mercado de trabalho são notadas: a proporção de empregados em firmas particulares cai de 50,5% em 1986 para 48,8%, em 1990, aumenta a proporção de empregados públicos, de 9,2% para 9,7%, de não remunerados de 7,7% para 8,1% e de empregadores de 3,5% para 4,7% (SINGER, 1996, p. 3). Esse aumento da proporção de empregadores e de não remunerados entre 1986 e 1990 sugere que houve alguma descentralização do capital, com a multiplicação de pequenas firmas, nas quais trabalham o empregador, empregados registrados e não registrados. Esses empregadores podem ser trabalhadores demitidos que, com os recursos da rescisão do contrato de trabalho, montam um negócio próprio e empregam parentes e amigos próximos. Pode-se inferir que nos anos 80 houve alguma alteração na dinâmica do mercado de trabalho, com os primeiros sinais de aumento do desemprego urbano e deterioração das condições de trabalho com o aumento da informalidade, apesar dos níveis relativamente baixos. A grande alteração ocorreu na década de 1990, com o nível da atividade econômica atingindo índices bastante baixos, afetando diretamente o mercado de trabalho, cujo processo de desestruturação, com a retração das atividades econômicas e com a alteração qualitativa das estruturas produtivas existentes, provocou uma acentuada redução na capacidade de geração de empregos formais e, por esses motivos, pela primeira vez na história a economia nacional mostrou-se incapaz de gerar postos de trabalho em termos absolutos. De acordo com dados do IBGE, nas duas últimas décadas a economia brasileira teve os piores desempenhos do século, quando a taxa média de crescimento econômico ficou em 1,6% para os anos 80 e em 2,7% para os anos 90. A correlação entre a falta de dinamismo da economia e a elevação das taxas de desemprego é direta. Estima-se que durante os anos 90 cerca de 3,3 milhões de empregos formais deixaram de existir na economia, atingindo principalmente a indústria de transformação em diversos segmentos, como o têxtil, o metalúrgico, o mecânico, o químico e o farmacêutico, além da indústria de construção civil e o setor de serviços financeiros. Há muito tempo as pesquisas de opinião pública registram o desemprego como a maior preocupação da população, afetando as pessoas de maneiras diferentes. Entre 1989 e 1998, o desemprego cresceu relativamente mais entre os homens de mais idade (40 anos ou mais), cônjuges e para os de maior escolaridade. Ocorreu também alteração no tempo de desemprego médio: de 15 semanas, em 1989, para 36 semanas, em 1998, atingindo 40 semanas no início de 1999. O mercado de trabalho no Brasil tem sofrido os efeitos do processo de ajuste estrutural da economia e o mais importante é o crescimento da taxa de desemprego, que chegou ao nível de 8%, no fim de 1998, 7,6% no fim de 1999 e 7,1% no fim de 2000, conforme dados do IBGE. Por outro lado, o crescimento do desemprego tem convivido com salários reais crescentes, o que pode significar que quem conseguiu manter seu emprego teve ganhos reais de renda nos últimos anos e quem não o conseguiu teve de procurar alternativas fora do trabalho formal. O panorama econômico mundial é pouco alentador, pois a estagnação das três maiores economias do planeta – Estados Unidos, Europa e Japão – já arrasta quase todos os países à recessão. A reestruturação produtiva em andamento baseia-se na racionalização de custos e na redução de ineficiências, utilizando-se de tecnologias poupadoras de mão-de-obra, cujos efeitos na geração de desemprego não são compensados pelos investimentos feitos nas empresas da nova economia, alterando as relações de trabalho e, em muitos casos, tornando-as cada vez mais precárias. 3. As novas relações de trabalho O final do século XX assiste a uma mudança nas relações de trabalho devido, sobretudo, à intensificação da competitividade entre as empresas. O sistema de produção fordista, cujos fundamentos são a segmentação do trabalho, a desqualificação da mão-de-obra e o controle excessivo sobre o trabalhador, passa a ser questionado quando o modelo japonês de produção começa a ser conhecido por seus produtos de qualidade e baixo custo. Tais aspectos são conseqüência de uma mão-de-obra polivalente e de uma tecnologia de organização A médica Teresa Sacchetta é especialista em informática médica e trabalha como webmanager do Laboratório Fleury. (São Paulo, SP, 26/09/2001. Foto: Juca Varella/ Folha Imagem) até então desconhecida do Ocidente: Justin-Time (JIT), Círculo de Controle de Qualidade (CCQ), Kaizen, Células de Produção (CEP), etc. A reestruturação produtiva (conjugação da introdução de novas tecnologias e novas técnicas gerenciais) pela qual os países industrializados tiveram de passar para poder ser competitivos, tem provocado o surgimento de novas e variadas relações de trabalho. Tanto se pode registrar a preocupação de empregadores em ter a sua mão-de-obra altamente motivada por meio do enriquecimento do trabalho ou por meio de participação nos lucros, como também uma relação de trabalho autoritária marcada pela intensificação de seu uso, pelo controle excessivo sobre o trabalhador e pela total dissociação entre concepção e execução. Os estudos feitos por Kern & Schumann (1989) sobre os Controladores de Sistemas nas indústrias alemãs automotivas e químicas mostra um grupo de trabalhadores de produção altamente qualificado, motivado e de difícil supervisão. Tais trabalhadores têm FUNDAÇÃO DE APOIO À TECNOLOGIA 21 suas atividades valorizadas, pois precisam estar a par das mudanças. São os primeiros a perceber as irregularidades na maquinaria e a corrigi-las. Além disso, precisam ter competência social para desenvolver uma melhor comunicação com engenheiros e técnicos. É a polivalência que os transforma em ilhas no mercado de trabalho alemão. Junto a esses trabalhadores polivalentes são encontrados aqueles sem qualificação, que fazem parte de estruturas dualistas com alta tecnologia/baixa tecnologia, como linhas equipadas com robôs e pintura. Em seus estudos sobre a reestruturação produtiva no Brasil-França-Japão, Hirata (1998, p. 9) mostra que a introdução da microeletrônica no processo produtivo e da tecnologia japonesa de organização (JIT/TQC) não diminuiu o ritmo de trabalho e o sofrimento do trabalhador. Segundo a autora, “ao contrário, a produção flexível e seus estoques conduziu, segundo a pesquisa sobre condições de trabalho (C.T.), a uma maior intensificação do trabalho. Entre 1984 e 1993, o percentual de assalariados que declarou ter seu ritmo de trabalho determinado pela demanda dos clientes ou do público passou de 39% para 58%”. No que se refere ao sofrimento no trabalho, além do provocado pela ameaça permanente de demissão, há, segundo Dessous e Torrente (1996, apud DEJOURS, 1998, p. 28), “o sofrimento dos que temem não satisfazer, não estar à altura das imposições da organização do trabalho: imposições de horário, de ritmo, de formação, de informação, de aprendizagem, de nível de instrução e de diploma, de experiência, de rapidez de aquisição de conhecimentos teóricos e práticos e de adaptação à ‘cultura’ ou à ideologia da empresa, às exigências do mercado, às relações com clientes, os particulares ou o público, etc.“ De um lado, a reestruturação produtiva exige do trabalhador habilidades e competências tais como: autonomia, fidelidade, responsabilidade, comunicação, flexibilidade, etc. e, do outro, traz a insegurança no emprego e na renda (MATTOSO, 1994, p. 531-536), com a redução de empregos estáveis e permanentes para empregos temporários, de tempo parcial e muitas vezes sem carteira assinada, como acontece no Brasil. Segundo Mattoso (1994, p. 525), a instabilidade e a insegurança no trabalho e na renda são resultado do que ele chama de 2 “modernização conservadora”, que passa a considerar as políticas de proteção ao trabalhador, no que se refere às relações de trabalho e à segurança do emprego, responsáveis pelo crescimento do desemprego, reduzindo, dessa forma, os empregos estáveis ou permanentes. Quanto à renda, a “modernização conservadora” introduz a flexibilização do salário em lugar da negociação coletiva entre empresas e sindicatos. Essa flexibilização, segundo Mattoso (1994) torna os rendimentos do trabalho instáveis e também amplia a concentração da renda, acentuando a desigualdade social. A terceirização, outro resultado da reestruturação produtiva, surge para melhorar a eficiência empresarial e contribui para a precarização das relações e das condições de trabalho, visto que as empresas terceirizadas não têm as mesmas políticas de contratação, remuneração e recompensas da empresa núcleo. Segundo Hirata (1997, p. 25), o trabalhador japonês “com carreira estável coexiste com o receio de passar do ‘núcleo’ para a periferia precária dos subcontratados de diferentes tipos com que conta a organização industrial japonesa para funcionar”. Finalmente, a reestruturação produtiva traz novas formas de controle sobre o trabalhador. Uma delas é a desmobilização dos sindicatos por meio da adoção, por parte da empresa, do papel sindical, impedindo, por meio de sua política de pessoal, possíveis conflitos coletivos. Uma outra forma de controle e que também contribuiu para o enfraquecimento do sindicato é a mudança da empresa para regiões de pouca ou nenhuma experiência fabril, com grande oferta de mão-de-obra e alternativas escassas de emprego. Isso faz com que haja menor rotatividade de pessoal e nenhuma mobilização coletiva no sentido de reivindicação salarial e outros benefícios sociais. Além disso, permite à empresa ter “liberdade para reformular as relações de produção de acordo com os seus interesses” (SINGER, 1996, p. 10). Uma terceira forma de controle é a vigilância constante sobre o trabalhador efetuada pelo grupo de trabalho, pela supervisão e pelos clientes internos. Os sistemas JIT e Total Quality Control (TQC) favorecem a evidência dos erros, pois não permitem estocar, nem esconder peças erradas. Não há gargalos na produção com o sistema JIT/TQC. O controle e a vigilância aumen- tam mais quando é instituída a avaliação do desempenho vinculada ao aumento salarial. 4. As novas relações de trabalho no Brasil A década de 1970 foi, para o Brasil, um período de grande expansão das indústrias e do emprego industrial (milagre econômico), devido à entrada de capital estrangeiro em países do Terceiro Mundo em processo de industrialização para atender aos mercados dos países industrializados (Estados Unidos, Europa e Japão) com produtos mais baratos, elaborados por uma mão-deobra menos qualificada e pior remunerada. No que se refere à gestão da mão-deobra, esta se caracterizava por políticas organizacionais que não a valorizavam. A gestão de pessoal baseava-se no autoritarismo, com trabalho altamente fragmentado, rotineiro e monótono, condições estas para recrutar pessoal sem qualificação e incentivar sua alta rotatividade. O fim dos anos 70 e início dos anos 80 são marcados por constantes greves dos trabalhadores e pelo fortalecimento dos sindicatos, que, até então, vinham tendo um papel pouco atuante. Esse período coincide com a implantação nas empresas dos Círculos de Controle de Qualidade (CCQ), que tiveram pouca duração. Isso porque as empresas não modificaram suas formas de organização do trabalho nos moldes do modelo japonês, nem o seu modo de gerir as pessoas, mantendo ainda um comportamento autoritário, impedindo muitas vezes seus funcionários de participar das reuniões ou boicotando as idéias apresentadas. Os CCQs foram abandonados e substituídos, na segunda metade dos anos 80, por programas de Qualidade Total (Total Quality Control), mas esbarrando ainda na resistência dos empresários no sentido de modernizar suas formas de organização do trabalho, como, por exemplo, maior autonomia do trabalhador em relação às suas atividades, maior participação nas decisões e a formação de equipes de traba-lho. O trabalhador brasileiro, em vez de ser polivalente, é um “multitarefeiro”2, porque é um mero executor de tarefas em vez de ser multifuncional. Expressão usada pelo prof. Ruy de Quadros Carvalho no curso “Educação, Trabalho e Progresso Técnico” – PUC/SP, 1997. 22 DEZ'2004 e JAN/FEV'2005 Com a abertura do mercado brasileiro a produtos estrangeiros similares aos nacionais e com a crise econômica dos anos 90, que restringiu o consumo interno, as empresas brasileiras não viram outra saída a não ser se modernizarem para poder competir. É justamente no fim dos anos 80 e início dos 90 que há, por parte das empresas, um grande investimento na microeletrônica. As máquinas de controle numérico (CNC) tiveram um índice de crescimento de 42% em relação aos investimentos, em 1988, passando de 742 unidades para 1.052 unidades instaladas, em 1989. Os sistemas CAD/CAM tiveram, em 1989, um índice de crescimento de aproximadamente 280% em relação a 1988, quando o número de unidades instaladas passa de 700 para 2.650. (Sobracon: Retrospectiva da década de 80 do setor de automatização industrial. LEITE, M.P., 1994, p. 567). Quanto à tecnologia de organização japonesa (JIT/TQC), as empresas brasileiras encontraram e encontram problemas em sua implantação devido à baixa escolaridade do trabalhador constatada por Humphrey (1994) e Fleury (1995). A baixa qualidade da educação brasileira, no que diz respeito ao ensino fundamental, não condiz com as necessidades das empresas hoje. O trabalhador precisa ser alfabetizado e conhecer bem português e matemática para poder trabalhar com dados estatísticos. Ler e interpretar desenhos, tomar decisões sobre o seu trabalho e ter autonomia. São poucos os trabalhadores com essas qualificações. Daí a corrida das empresas com programas de alfabetização e treinamentos técnicos nos anos 90, apesar desses treinamentos serem em número menor, se comparados com os treinamentos comportamentais. Segundo Leite (1994, p. 577), “o treinamento destina-se a programas comportamentais ou motivacionais, que se caracterizam basicamente pela preocupação em despertar nos trabalhadores uma postura cooperativa com relação às estratégias gerenciais e que não podem ser confundidos com treinamentos destinados a formar trabalhadores mais qualificados”. Ainda no que se refere ao treinamento, parece haver diferenças de tratamento entre o homem e a mulher no local de trabalho. Aos homens é dada a chance de se qualificar por meio de treinamentos que lhes habili- tam a trabalhar com as novas tecnologias (CNC, CAD/CAM E CLP) e com o CEP (Controle Estatístico do Processo) e às mulheres ficam reservados os trabalhos menos “nobres”, mais rotineiros e monótonos (HIRATA, 1998, p. 12-13). Nos mesmos moldes das empresas européias e americanas que se estruturaram e implantaram o modelo japonês de produção, intensificando o trabalho, também as brasileiras acabaram procedendo dessa forma. Em pesquisa com supervisores de produção realizadas por Montanari (1994, p. 55 e 1998, p. 106), respectivamente em uma empresa de autopeças e em outra de transportadores de interiores, a reestruturação produtiva e a implantação na produção de JIT/TQC em ambas levaram à intensificação do trabalho, como ilustra o discurso dos supervisores: “Hoje a gente trabalha, não vamos dizer assim sob pressão, mas trabalhamos atrás de metas cirradas. Metas que não é qualquer um que tem condições físicas e psicológicas para suportar...” “A carga de trabalho é estressante. As pressões caem sobre você e você precisa ter habilidade de repassar isso. A carga de trabalho e estresse é maior e é uma questão de administração... É como se estivesse trocando o pneu com o carro andando, mas tendo de manter o nível de produção e a qualidade.” 5. A precarização das relações de trabalho Se, de um lado, a reestruturação produtiva leva à maior produtividade e exige uma mão-de-obra mais qualificada, autônoma e responsável, de outro, para obter maior flexibilidade e ganhar em economia, a empresa terceiriza tudo aquilo que não faz parte do seu negócio principal. A terceirização tem por objetivo o ganho em produtividade por meio da redução de custos e do acesso a tecnologias de ponta, sem, entretanto, investir nessa tecnologia. O investimento fica por conta da empresa terceirizada. A redução de custos, pelo que se pode observar, é a redução da mão-de-obra, acompanhada da precarização das relações de trabalho, como: salários reduzidos e benefícios sociais menores que os da empresa núcleo, jornadas mais extensas de trabalho, contrato temporário de trabalho, etc. A precarização do trabalho não está restrita aos países em desenvolvimento: ela vem acontecendo também nos desenvolvidos. A pesquisa realizada por Hirata (1997) no Brasil-França-Japão sobre “Reestruturação produtiva, trabalho e relações de gênero”, mostra que a precarização não está atingindo apenas os laços empregatícios (contrato de trabalho, carteira profissional assinada, etc.), mas também a essência da organização do trabalho. Ela cria, além da intensificação do trabalho, a dependência do trabalhador com os seus pares e chefia. A reestruturação produtiva gera também a polarização da mão-de-obra. De um lado, temos um grupo de trabalhadores qualificados, bem pagos, com empregos estáveis e, de outro, um grupo com trabalhos temporários, tempo parcial e alguns ainda sem carteira assinada, como é o caso do Brasil. Há ainda a polarização da mão-de-obra segundo o gênero. Ao trabalhador masculino são conferidos trabalhos mais qualificados, criativos e maiores salários do que à mulher trabalhadora. No Japão, segundo Hirata (1997), a mulher é obrigada a trabalhar em tempo parcial, com baixa remuneração e em condições bastante precárias. Na França, o recrutamento é feito em função de uma igualdade aparente entre o homem e a mulher. No entanto, as mulheres vão pouco a pouco sendo excluídas dos trabalhos qualificados, conforme a entrada da microeletrônica e da nova tecnologia de organização na produção. No Brasil, não há trabalho em tempo parcial (lei constitucional de 1988) e as mulheres são contratadas para a produção com salários mais baixos e com discriminação na função – como auxiliares de produção e os homens como operadores. Dessa forma, a reestruturação produtiva para as mulheres, em vez de melhorar a sua qualificação e seu nível salarial, tem efeito contrário: tira-lhes as chances de crescimento e desenvolvimento profissional, impõe-lhes ritmos de trabalho mais intensos do que aos homens e exclui-lhes a chance de usar sua criatividade e habilidades que, como menciona Leite (1995, p. 339), são da natureza da mulher, tais como: atenção, concentração e destreza manual. Nos Estados Unidos, segundo Paul Singer (1996), há uma divisão do mercado de trabalho a partir do fim dos anos 60 e início dos 70 em dois segmentos. O primário, com altos salários, emprego estável e perspectivas de carreira, e o secundário com situação contrária, ou seja, salários mais baixos, porém, os trabalhadores são empregados com o mesmo tipo de contrato que os do segmento primário. São pertencentes ao segmento secundário: faxineiros, garçons, mensageiros, recepcionistas, estoquistas e vendedores de nível baixo. FUNDAÇÃO DE APOIO À TECNOLOGIA 23 Com a entrada da microeletrônica na produção, os trabalhos rotineiros e repetitivos foram substituídos por robôs, gerando demissões em massa de trabalhadores que não conseguem, em curto prazo, ter acesso a novos empregos. Em primeiro lugar, porque as mulheres acabam assumindo, em tempo parcial, os postos de trabalho e, em segundo lugar, porque o seguro-desemprego muitas vezes paga melhor do que as novas ocupações. Segundo Paul Singer (1996), nos Estados Unidos os trabalhadores mais atingidos pelo desemprego foram os da produção; em seguida, vêm os trabalhadores de escritórios e técnicos, como engenheiros, secretárias, contadores, mecânicos, eletricistas. No que se refere à precarização do trabalho, os trabalhadores mais atingidos são os que pertencem ao segmento secundário, como garçons, recepcionistas, mensageiros, etc. A precarização só acontece nos países desenvolvidos e nos em desenvolvimento porque as empresas conseguiram a desmobilização dos sindicatos. Entre outras razões, isso ocorreu devido às políticas de cooptação de pessoal ou, como mencionado anteriormente, pelo deslocamento das empresas para regiões com pouca ou nenhuma experiência sindical e com escassa oferta de trabalho para mobilizar os trabalhadores na luta pela ampliação dos seus direitos. Assim, as empresas se fortalecem e ditam as regras que mais lhes convêm no que diz respeito às relações de trabalho. Como menciona Paul Singer (1996, p. 9) quanto à precarização: “A flexibilidade extensa procura traduzir para a gestão do pessoal o que representa o método just-in-time na gestão de estoques. Trata-se de evitar estoques de mão-de-obra sem utilidade imediata”. declínio do emprego industrial, principalmente nos países europeus com sólidas políticas de bem-estar social. Uma das principais conseqüências é a precarização das relações de trabalho e das condições de trabalho, que se dá de maneira irregular, refletindo as diferenças políticas, econômicas, tecnológicas e as estratégias empresariais de cada país. Os países em desenvolvimento tiveram seu crescimento e desenvolvimento econômico prejudicados na década de 1980 pela crise da dívida e pela deterioração dos valores do comércio internacional, fatos que não só comprometeram o desenvolvimento nas últimas duas décadas, mas também tiveram sensíveis reflexos na geração de empregos e nas relações e condições de trabalho. No Brasil, com o baixo índice de crescimento econômico nas décadas de 1980 e 1990, houve extinção de postos de trabalho ocasionada pela destruição de estruturas existentes na economia industrial, sendo que os investimentos feitos na nova estrutura econômica não são suficientes para absorver o contingente de trabalhadores desempregados, além da questão da qualificação dos trabalhadores, que se torna fator impeditivo de acesso aos novos postos de trabalho. FRANCISCO SCARFONI FILHO 6 – Considerações finais Retomando o objetivo deste artigo, devido às mudanças ocorridas no mercado de trabalho e nas suas relações de trabalho nos últimos 20 anos, em função da reestruturação produtiva que atingiu todos os países, desenvolvidos e em desenvolvimento, pode-se observar que o desemprego nos países desenvolvidos tem sido acompanhado por transformações tecnológicas que ocorrem em larga escala e grande velocidade, refletindo num rápido Professor Pleno da Fatec-SP. Mestre em Administração, FGV-SP. Doutorando em Ciências Sociais (PUC-SP). JACYRA C. MONTANARI Professora das Faculdades Costa Braga. Doutoranda em Ciências Sociais (PUC-SP). BIBLIOGRAFIA CASTELLS, M. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 2000. v 1, p. 230. DEJOURS, C. A banalização da injustiça social. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998. p. 28. __________. Reestruturação produtiva, novas tecnologias e novas formas de gestão da mão-de-obra. In: O mundo do trabalho: Crise e mudança no final do século. São Paulo: Página Aberta, 1994. p. 563-588. FIORI, J. L. Estados e moedas no desenvolvimento das nações. Petrópolis: Vozes, 1999. __________. Inovação tecnológica e relações de trabalho: A experiência brasileira à luz do quadro internacional. In: A máquina e o equilibrista. São Paulo: Paz e Terra, 1995. p. 339. FLEURY, A. Qualidade e produtividade na estratégia competitiva das empresas industriais brasileiras. In: A máquina e o equilibrista. São Paulo: Paz e Terra, 1995. p. 96. MATTOSO, J. E. L. 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Os métodos de infiltração são mais econômicos e permitem utilizar a capacidade de remover poluentes da camada insaturada e do próprio aqüífero, estabelecendo as condições para projeto dos sistemas de tratamento e percolação designados por tratamento solo-aqüífero ou TSA. Esses sistemas proporcionam níveis de tratamento elevados em termos de compostos orgânicos (remoção de DBO, DQO, CODT), organismos patogênicos (coliformes fecais, criptosporídeos, giardia e vírus) e compostos inorgânicos (nitrogênio e metais pesados), a custos bastante inferiores aos associados a tratamento avançados convencionais, construídos na superfície. 1. Introdução A prática de recarga artificial de aqüíferos com efluentes domésticos tratados vem encontrando aplicação em diversas partes do mundo, tanto em regiões áridas e semi-áridas como em áreas com disponibilidade hídrica elevada. No Brasil, a prática, que é ainda pouco conhecida, vem suscitando reações de hidrogeólogos, biólogos, engenheiros ambientais e conservacionistas em geral, que a consideram uma metodologia com grande potencial para contaminar as águas subterrâneas. A recarga natural de aqüíferos subterrâneos se realiza diretamente, através da precipitação pluviométrica e de run-off, ou através de rios, lagos e reservatórios. A recarga natural é evidentemente efetuada sem qualquer controle ou seleção, podendo vir, também, a poluir os aqüíferos subjacentes. A condição mais crítica é, entretanto, quando a recarga é influenciada pela atividade antrópica não planejada ou inconsciente, submetendo os aqüíferos a um processo de contaminação por infiltração e/ou lixiviação associada à aplicação, no solo, de efluentes ou biossólidos e de fertilizantes e biocidas. Ocorre, ainda, pela infiltração de micropoluentes orgânicos e IVANILDO HESPANHOL [email protected] Professor titular da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, presidente do Centro Internacional de Referência em Reuso de Água-CIRRA/IRCWR. www.usp.brcirra FUNDAÇÃO DE APOIO À TECNOLOGIA 25 2. Objetivos e vantagens A recarga artificial, vista como uma modalidade de reuso, pode atender a uma gama significativa de objetivos, entre os quais: • proporcionar tratamento adicional de efluentes; A infiltração e percolação de efluentes tratados se beneficia da capacidade natural de biodegradação, sorção, hidrólise, precipitação, complexação, troca iônica, filtração, etc. dos solos, proporcionando um tratamento in situ e permitindo, em função do tipo de efluente utilizado, dos métodos de recarga, de condições hidrogeológicas e dos usos previstos, eliminar a necessidade de sistemas de tratamento avançados. O sistema de tratamento proporcionado pelo conjunto da camada insaturada e do aqüífero propriamente dito é designado por Tratamento Solo-Aqüífero, ou TSA. O processo de recarga contribui, ainda, para a perda de identidade entre efluentes tratados e a água subterrânea, reduzindo o impacto psicológico do reuso para fins benéficos diversos. A recarga artificial permite: • aumentar a disponibilidade de água em aqüíferos potáveis ou não potáveis; Esta é uma das principais vantagens da recarga artificial, particularmente em áreas carentes de recursos hídricos. A transformação de esgotos em água com qualidade para o atendimento de usos benéficos, tais como a irrigação, se constitui, também, em benefício ambiental, evitando a descarga de efluentes em corpos d’água. • proporcionar reservatórios de água em substituição a reservatórios superficiais; Alguns usos de água, que apresentam demanda sazonal, requerem grandes reservatórios para armazenamento ou métodos alternativos de descarga nos períodos de 26 DEZ'2004 e JAN/FEV'2005 • prevenir subsidência de solos; A subsidência de solos, definida como "movimento para baixo ou afundamento do solo causado pela perda de suporte subjacente", constitui problema relevante em áreas onde ocorre excessivo bombeamento de água de aqüíferos não suficientemente recarregados naturalmente. A recarga de aqüíferos afetados por subsidência elimina ou minimiza o fenômeno da subsidência. • prevenir a intrusão de cunha salina em aqüíferos costeiros. O bombeamento excessivo de água subterrânea de aqüíferos adjacentes a áreas costeiras pode provocar a intrusão de água salina, tornando-os inadequados como fontes de água potável ou para outros usos que não toleram salinidade elevada. Baterias de poços de injeção, ou bacias de infiltração, podem ser construídos em áreas críticas, criando barreiras para evitar a intrusão salina. • Sistemas de infiltração superficial Ocorrendo condições locais e características hidrogeológicas favoráveis, a recarga BACIA DE RECARGA POÇO DE RECUPERAÇÃO POÇO DE OBSERVAÇÃO POÇO DE OBSERVAÇÃO PARA O SISTEMA DE ABASTECIMENTO DUNA COM LENTES DE SILTE E ARGILA ELEVAÇÃO DO NÍVEL DE ÁGUA NÍVEL DE ÁGUA ORIGINAL AQÜÍFERO CALCÁREO ARENOSO CAMADA IMPERMEÁVEL Figura 1 - Esquema de um sistema de recarga artificial através de bacia de infiltração RETARDAMENTO ELIMINAÇÃO VOLATIZAÇÃO (CCL4, C2CL4, ETC) O2 TRANSFORMAÇÕES BIOQUÍMICAS PRECIPITAÇÃO HIDRÓLISE COMPLEXAÇÃO SORÇÃO TROCA IÔNICA FILTRAÇÃO • Injeção direta através de poços A recarga por meio de injeção direta requer a construção de poços projetados especificamente para esta finalidade, estendendo-se através da camada insaturada até o aqüífero. Os efluentes recuperados são injetados diretamente, sob pressão, geralmente em aqüíferos profundos e bem confinados. A injeção direta é a mais adequada quando os aqüíferos são muito profundos ou quando a topografia local ou a disponibilidade de área torna a técnica de infiltração impraticável ou excessivamente custosa. Essa metodologia tem sido empregada com êxito para a proteção de aqüíferos costeiros visando evitar a intrusão de água salgada. Há uma grande experiência internacional sobre a proteção de salinização de aqüíferos costeiros, podendo ser salientados os que operam na região de Los Angeles (Coastal Barrier Project, Orange County Sanitation District), em El Paso, Texas (Fred Harvey Water Reclamation and Groundwater Recharge Project) e no Sultanato de Omã (Muskat e Salalah). Os custos envolvidos na injeção direta são significativamente elevados tanto no que se refere à construção de poços como em relação aos níveis de tratamento necessários para a proteção da qualidade de água do aqüífero. DISPERSÃO HIDRODINÂMICA Há dois métodos básicos para se processar a recarga de aqüíferos: DILUIÇÃO SOLO DIVERSAS FASES ESCOAMENTO VERTICAL 3. Técnicas de recarga artificial pode ser efetuada por meio de sistemas de infiltração superficiais, tais como bacias de infiltração, canais modificados ou dotados de bermas ou ainda por meio de esquemas de inundação controlada. A Figura 1 mostra, esquematicamente, como a recarga é efetuada através de bacias de infiltração. O efluente, após tratamento adequado, é recalcado para a bacia de infiltração, de onde percola até o aqüífero. Na figura são mostrados os poços de observação, que poderiam ter sido construídos na fase de elaboração dos perfis hidrogeológicos do local, e os poços de recuperação. A percolação através do solo superficial, camada insaturada e o escoamento no próprio aqüífero podem, dependendo das características locais, possibilitar níveis de tratamento significativos. A remoção de organismos patogênicos e de compostos orgânicos e inorgânicos depende da qualidade do efluente a ser infiltrado e das características hidrogeológicas da camada insaturada e do aqüífero. Essa caracterização do solo é efetuada por meio de estudos granulométricos e de perfis geológicos obtidos na zona de infiltração, fornecendo informações sobre tipos de solos, perfil litológico da camada insaturada e do aqüífero, níveis de água, gradiente regional, locação e volumes estimados da recarga natural, características de poços e bombeamentos existentes, parâmetros do aqüífero (transmissividade, condutividade hidráulica saturada, vazão específica, etc.), características de qualidade da água do aqüífero em termos dos principais cátions e ânions, poluição existente ou potencial oriunda de aterros ou quaisquer outras fontes e quaisquer outros contaminantes do solo que possam ser lixiviados durante a recarga. A Figura 2 mostra, esquematicamente, os diversos processos e operações unitárias que podem ocorrer na zona insaturada, promovendo a diluição, o retardamento e a eliminação de poluentes presentes nos efluentes infiltrados. No aqüífero, por meio de escoamento horizontal, podem, também, ocorrer processos de filtração, precipitação e transformações bioquímicas, colaborando para o polimento final do efluente infiltrado, antes que este atinja os poços de recuperação. As áreas hachuradas indicam, aproximadamente, a eficiência relativa da remoção de poluentes, de acordo com a profundidade do aqüífero. Note-se que a camada superior de solo é a que tem maior potencial de remoção devido à formação, à medida que a infiltração ocorre, de “smutzdecke”, como ocorre em filtros lentos de areia. FASE ÚNICA ESCOAMENTO HORIZONTAL • que o aqüífero possa servir como um eventual sistema de distribuição, permitindo eliminar canais ou linhas troncos; Dependendo das condições locais, os poços de recuperação da água infiltrada podem ser localizados em diversos pontos críticos de demanda, permitindo redução de custos associados a sistemas de distribuição e de reservatórios de regularização. Efluentes tratados são injetados nos aqüíferos confinados, estabelecendo um gradiente hidráulico no sentido do mar, que previne a penetração de água salgada no aqüífero. ZONA INSATURADA baixa demanda. Esses reservatórios, quando construídos na superfície, demandam grandes áreas e estão sempre associados a custos elevados. Além dos impactos ambientais que causam, reservatórios superficiais são afetados por poluição, evaporação, desenvolvimento de gostos e odores devido à proliferação de algas, produção excessiva de macrófitas e outros problemas que implicam custos de operação e manutenção. ZONA SATURADA inorgânicos presentes em áreas degradadas, ou de combustíveis e chorume, oriundo de aterros sanitários ou depósitos de lixo a céu aberto. A engenharia de recursos hídricos desenvolveu, com a finalidade de aumentar a disponibilidade de água e de, eventualmente, resolver problemas localizados, a tecnologia de recarga artificial, utilizando efluentes adequadamente tratados. Essa prática, designada como “recarga gerenciada”, permite o aumento das reservas subterrâneas com velocidade muito maior do que as que ocorrem naturalmente, proporcionando, ainda, maior segurança em termos de proteção dos aqüíferos, uma vez que a qualidade da água de recarga é adequadamente monitorada. (CO2) NÍVEL DE AQÜÍFERO (N2) (H2S) (CH4) Figura 2 - Remoção de poluentes na camada insaturada e no aqüífero 4. Determinação experimental da capacidade do solo em remover poluentes Tratamento solo-aqüífero A capacidade do aqüífero em remover poluentes, designada como Tratamento Solo-Aqüífero, ou TSA, é avaliada por meio de ensaios de laboratório, efetuados em colunas com 0,30 m de diâmetro. Amostras indeformadas representativas são coletadas na área de infiltração e colocadas em uma bateria de colunas para permitir, simultaneamente, a recarga com diversas taxas de infiltração. Essas taxas variam de 0,3 a 3,0 m/dia, dependendo das características do solo. O efluente, após passar por tratamento preliminar, é aplicado na superfície da coluna a taxas de infiltração determinadas e amostras são coletadas na superfície e a diversas profundidades, por meio de pontos de tomada colocados ao longo das colunas. Esses ensaios permitem determinar, em função das PARÂMETRO UNIDADES Bactérias (total) Coliformes totais E. coli S. fecalis No./ mL NMP./ 100mL NMP./ 100mL NMP./ 100mL taxas de infiltração, a profundidade mínima de camada insaturada necessária para que o efluente apresente qualidade adequada para integrar o aqüífero. O sistema TSA vem sendo empregado com sucesso em diversos países, entre os quais a Holanda (infiltração em dunas nas regiões de Castricum, Leiduin e Haia), Israel (região do Dan), Chipre (Limassol), Estados Unidos (Cedar Creek, no condado de Nassau, e em diversos sistemas localizados nos Estados da Califórnia, Arizona e Nevada), Polônia (Wroclav) e Japão (Akishima). Os Quadros 1 a 6 apresentam a capacidade de remoção de poluentes de diversos aqüíferos recarregados com efluentes domésticos tratados, em operação nos Estados Unidos. O Quadro 1 mostra a concentração de coliformes totais e fecais e de S. fecalis antes e após o TSA, efetuado por meio de uma bacia de infiltração. O Quadro 2 apresenta as eficiências de DESEMPENHO Concentração média Concentrações antes do SAT depois do SAT 100.000 400 50 150 40 - 120 0 - 20 0 0 Quadro 1 - Remoção de coliformes e organismos patogênicos em um sistema TSA PARÂMETRO UNIDADES DESEMPENHO Efluente Sólidos Suspensos Turbidez Algas DBO (particulado) DQO (particulado) Nitrogênio Orgânico (particulado) Recuperado Eficiência (%) mg/L NTU No./mm3 mg/L mg/L 34 13 100 14 38 <1 0,5 0 0 0 >99,5 95 100 100 100 mg/L 3 0 100 Quadro 2 - Remoção de material particulado e colóides em um sistema TSA FUNDAÇÃO DE APOIO À TECNOLOGIA 27 remoção de sólidos suspensos, material coloidal, algas, DBO, DQO e nitrogênio orgânico associados a material particulado, presentes no efluente utilizado para recarga. O Quadro 3 indica uma remoção de fósforo de 98,5% e eficiências elevadas de elementos traços. Com exceção de cádmio e molibdênio, que apresentam remoção de 67%, os demais elementos traços são removidos a valores superiores a 70%. No Quadro 4 é apresentada a remoção de nitrogênio. A amônia é removida a 99,6% e as remoções de nitrogênio orgânico e nitrito são superiores a 90%. Note-se o acréscimo de 98% na concentração de nitrato, após a pasPARÂMETRO Fósforo Cádmio Cromo Cobre Molibdênio Níquel Selênio sagem no sistema SAT, demonstrando a significativa nitrificação proporcionada na camada insaturada e no próprio aqüífero. As remoções de sódio, potássio, boro e a variação do Índice de Adsorção de Sódio – IAS são indicadas no Quadro 5. Note-se que a capacidade de troca de cátions do conjunto solo aqüífero diminui significativamente ao longo do tempo, indicando que, se o TAS foi projetado para tratamento de efluentes com vistas à irrigação de culturas, será necessário fazer a recarga em outra área, ou optar por um sistema de tratamento alternativo, uma vez que o aqüífero utilizado atingiu seu nível de saturação no que UNIDADES mg/L µg/L µg/L µg/L µg/L µg/L µg/L DESEMPENHO Antes do SAT Após SAT Eficiência (%) 2,1 3 10 18 9 38 8 0,03 <1 <3 5 <3 10 <2 98,5 >67 >70 72 >67 74 >75 Quadro 3 - Remoção de fósforo e elementos traços em um TSA PARÂMETRO UNIDADES Amônea N Orgânico Nitrito Nitrato N Total N (filtrado) mg/L mg/L mg/L mg/LL mg/L mg/L DESEMPENHO Antes do SAT Após SAT 5,0 7,7 0,2 0.1 13 10 < 0,02 0,7 0,02 6,5 7,2 7,2 Eficiência (%) 45 28 DESEMPENHO UNIDADES Concentração média antes do SAT Sódio Potássio LAS Boro mg/L mg/L mg/L Concentração Concentração recuperado recuperado após exaustão da enquanto capacidade capacidade de troca de troca é ativa 140 24 5,3 0,33 25 - 110 1-5 2,3 - 2,8 0.06 - 0,18 120 - 150 20 - 25 3,2 - 4,0 0,20 - 0,35 Quadro 5 - Variação da capacidade de troca iônica em um TSA PARÂMETRO UNIDADES DBO DQO COD KmnO4 (consumo como O2) Absorbância, UV254 Detergentes Fenóis mg/L mg/L mg/L mg/L cm-1 x 103 mg/L ?g/L DESEMPENHO Antes5do SAT Após?0,5 SAT DEZ'2004 e JAN/FEV'2005 Eficiência ?90,0 (%) 46 18 10,9 3,2 76 82 9 239 1,1 5 1,7 48 0,25 ?1,4 81 80 77 ?72 Quadro 6 - Remoção de compostos orgânicos dissolvidos em um TSA 28 As condições e características consideradas ideais para sistemas TSA são associadas aos seguintes fatores: • solos permeáveis com taxas de infiltração razoáveis; • camada insaturada com espessura suficiente para estocar o volume de recarga necessário; • ausência de camadas impermeáveis suspensas que causem excessiva acumulação da água infiltrada antes de atingir o aqüífero; • distribuição granulométrica na camada insaturada superior, que suporte a prática do sistema TSA; TAXA DE APLICAÇÃO (m/ ano) (%) Camp Pendelton, CA TAXA DE PERCOLAÇÃO (m/ dia) A prática de recarga artificial de aqüíferos está bem estabelecida em nível internacional e não apresenta, quando projetada e operada adequadamente, perigo de contaminação de aqüíferos. Constitui prática convencional de engenharia, que leva em conta todas as variáveis de importância para projetar sistemas econômicos, operacionais e com riscos aceitáveis, tanto do ponto de vista ambiental como de saúde pública. Quando adequadamente regulamentada e praticada no Brasil, a recarga artificial trará benefícios, introduzindo uma nova dimensão para a disposição de efluentes domésticos, proporcionando, simultaneamente, aumento da disponibilidade de água, proteção de aqüíferos costeiros contra salinização, controle de subsidência de solos e sustentação de níveis de aqüíferos freáticos submetidos a condições inadequadas de demanda. A recarga artificial por injeção direta envolve custos elevados, tanto aqueles associados à construção de poços profundos como à necessidade da produção de efluentes para recarga com qualidade de água muito próxima à da água potável. A recarga por sistemas de infiltração, que se beneficia do tratamento solo aqüífero, demanda condições especiais para permitir que os efluentes percolados mantenham a integridade dos aqüíferos. • coeficientes de transmissividade que não causem retenção excessiva de água no aqüífero e • aqüíferos não confinados. Os custos associados aos sistemas TSA são, em média, 40% menores do que os custos de sistemas de tratamento convencionais equivalentes, operando na superfície. Os sistemas TSA proporcionam níveis de tratamento elevados em termos de compostos orgânicos (remoção de DBO, DQO, CODT), organismos patogênicos (coli-formes fecais, criptosporídeos, giardia e vírus) e compostos inorgânicos (nitrogênio e metais pesados). PROGRAMA DE CARREGAMENTO O técnico da Sabesp, Eraldo Rodrigues Araújo, observa vidros de água sem tratamento e tratada; em cinco anos, degradação mais que dobrou os custos para tratá-la e deixá-la potável. (São Paulo, SP, 23/07/2004. Foto: Marlene Bergamo/ Folha Imagem) TIPO DE SOLO - 2,4 Conforme a disponibilidade de efluente. Areia grossa Hernet, CA 27 0,8 Oceanside, CA 44 1,4 Areia média e grossa Areia grossa Phoenix, AZ 128 0.8 Carrega 1 dia (0,08m), drena 2 dias e seca 1 dia. Carrega até 0,90m, drena, seca e recarrega. Carrega 10 dias e seca 14 dias San Clemente, CA 131 1,5 - 3,0 Carregamento contínuo. 34 43 0,3 - 0,6 1,5 - 3,0 Carrega 18 dias e seca 30 dias. Carrega 7 dias (1,20m), drena 7 dias e seca 7 dias. 5. Conclusões e recomendações Quadro 4 - Remoção de nitrogênio em um TSA PARÂMETRO concerne à remoção dos elementos para os quais foi projetado. O Quadro 6 mostra as eficiências na remoção de compostos orgânicos dissolvidos. Note-se a elevada remoção de DBO solúvel (superior a 90%) e de Carbono Orgânico Dissolvido (superior a 80%). A redução da Absorbância em UV com comprimento de onda de 234 nm é também bastante significativa, demonstrando a capacidade de remoção de ácidos húmicos e fúlvicos, precursores da formação de trihalometanos, quando é praticada a desinfecção com cloro. O Quadro 7 ilustra a tecnologia de recarga artificial com efluentes tratados, mostrando as características de alguns sistemas em operação nos Estados Unidos. Como pode ser verificado, as taxas anuais de aplicação e as taxas de aplicação diárias dependem da disponibilidade de efluentes, das características do solo e da operação das bacias de infiltração. As características do solo e do efluente sendo percolado estabelecem as operações de manutenção da parte superficial das bacias, evitando a colmatação das camadas superiores. St. Croix, Virgin Island Whittier Narrows, CA Areia com argila e matéria orgânica na superfície, areia grossa e pedregulho Areia grossa e pedregulho Silte, areia e argila Areia argilosa com matéria orgânica MANUTENÇÃO DA SUPERFÍCIE DAS LAGOAS Rearranjo dos taludes e remoção de sólidos da superfície em anos alternados. Aração periódica das bacias Escarificação periódica das bacias Escarificação periódica Nenhuma manutenção Escarificação periódica Quadro 7 - Características operacionais de alguns sistemas TSA em operação nos Estados Unidos BIBLIOGRAFIA ARNOLD, R.G. & QANRUD, D.M. (1998). “Soil Aquifer Treatment - Performance Studies in Simulations Conducted in Column Reactors”, a joint study conducted by the University of Arizona and Arizona State University, draft, unpublished. BOUVER, H., (1991). Role of Groundwater Recharge in Treatment and Storage o Wastewater for Reuse. Water Science Technology, nº 24, p. 295-302, UK. ___________. & RICE, R.C. (1989). 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Carr, na Harvard Business Review (HBR) de maio de 2003, causou tanto rebuliço no mercado internacional de tecnologia que não demorou para que ele fosse convidado a vir ao Brasil, o que ocorreu no início de dezembro do mesmo ano. Em seu texto polêmico, Carr prevê um futuro no qual a Tecnologia da Informação (TI) será commodity e passará a ser comercializada como energia elétrica e água, remunerada pelo consumo mensal. A argumentação de Carr lembra o artigo “Strategy and the Internet”, de Michael Porter, guru da estratégia e professor de Harvard, editado na HBR por Carr em março de 2000. No artigo, Porter classificava a Internet como mais uma tecnologia, como CAD (Computer Aided Design) ou Video Streaming, sem a importância estratégica que lhe era atribuída na época. “O artigo do Porter me influenciou muito”, confessou Carr à RNT (Revista Nacional de Telecomunicações). Vivia-se a ressaca da bolha, época em que as empresas americanas estavam investindo algo em torno de 50% dos seus orçamentos de capital em tecnologia da informação. Mundialmente as empresas gastavam US$ 2 trilhões por ano em TI. Como outras tecnologias consumidas em escala global, a TI tornou-se “invisível”, ou seja, acessável e acessível por milhões. Na 30 DEZ'2004 e JAN/FEV'2005 visão de Carr, deixou de ser um bem escasso e por isso perdeu seu valor estratégico: “Quando um recurso empresarial não é ubíqüo e é escasso, aí sim podemos considerá-lo estratégico. As empresas ganham vantagem competitiva possuindo ou fazendo coisas que os concorrentes não podem ou não sabem fazer”. Nos primórdios da TI, empresas visionárias como a American Airlines, com seu sistema proprietário de reserva de passagens aéreas, o Sabre, único na época, e a Federal Express, com o sistema de acompanhamento de pacotes, ofereciam aos seus clientes serviços aparentemente inimitáveis. Hoje são apenas “mais uma” a oferecer esses serviços aos seus clientes. DIFERENCIAÇÃO COMPETITIVA – Carr cita a eletricidade como exemplo de tecnologia que hoje poucos usam como base de diferenciação competitiva. Uma das raras exceções é a indústria de alumínio, na qual a eletricidade é matéria-prima básica. O “apagão” de 2002 e o conseqüente racionamento provaram ter efeito devastador sobre a economia brasileira. Por ter investido em fontes próprias de energia próximas das suas plantas de processamento da bauxita, a CBA - Companhia Brasileira de Alumínio, do Grupo Votorantim, usufruiu dessa vantagem distanciando-se dos seus concorrentes, grandes grupos transnacionais. Hoje, uma paralisia dos sistemas de TI implantados nas empresas, causada por catástrofes como enchentes ou atos de terrorismo, podem ter efeitos igualmente negativos. Prejudica o relacionamento da empresa com seus clientes pelo atraso das entregas contratadas e cria custos de formação de estoques por falta de troca de informações entre os membros da rede de valor da empresa. Portanto, diz Carr, “administrar os riscos da ausência dos sistemas” é mais relevante hoje como fator de diferenciação competitiva que o próprio uso de TI. No entanto, o risco maior está no investimento excessivo em recursos de TI, adverte Carr, como aconteceu com os data centers implantados nos anos 2000 a 2002. Embaladas pela “euforia da demanda infinita” de capacidade de computação, algumas dessas empresas investiram demasiadamente em recursos de TI para logo descobrirem que o mercado não era tão grande para justificar os investimentos realizados. Com base nessas idéias, Carr resume suas recomendações para usuários de TI em tempos nos quais o controle de custo e de riscos é mais importante que investimento e inovação, nos seguintes pontos: 1. GASTE MENOS: avalie rigorosamente o retorno sobre os investimentos em TI. Separe os investimentos essenciais dos supérfluos, desnecessários ou contraprodutivos. Busque alternativas mais simples e baratas, como a terceirização, e melhore continuamente a produtividade dos recursos disponíveis. 2. NÃO SEJA PIONEIRO: adie investimentos, procure reduzir custos de forma significativa e minimize o risco de comprar recursos de TI próximos da obsolescência. Usuários inteligentes não são pioneiros, pelo contrário, só compram depois que os mais afoitos sofreram o ônus da experimentação e que as melhores práticas e padrões tecnológicos daquela tecnologia tenham se consolidado. 3. FOQUE NOS RISCOS, NÃO NAS OPORTUNIDADES: muitos grandes usuários de TI estão passando para terceiros suas aplicações e redes de comunicação. Os grandes bancos brasileiros terceirizaram suas redes de dados para prestadoras de serviços de comunicação seguindo a lógica da concentração de recursos nas atividades-chave do negócio. Paga-se o preço do aumento da vulnerabilidade e da redução da confiabilidade na comunicação com seus parceiros e clientes. Priorize seus investimentos em TI: gaste mais no preparo da organização para enfrentar eventuais emergências do que no uso radical de TI em novas aplicações. REPERCUSSÃO – A HBR é uma revista lida por CEOs dos quatro cantos do mundo acostumados a ver os investimentos em TI nos primeiros lugares das suas agendas. Obviamente as idéias de Carr geraram enormes controvérsias e protestos, principalmente por parte dos fornecedores de tecnologia. Paradoxalmente, esses fornecedores são em parte responsáveis pela crença de que a TI não contribui para criar diferenciação estratégica relevante. Em lugar de promover a TI como uma poderosa ferramenta de implementação de estratégia, a maioria dessas empresas apresentava seus produtos/serviços como panacéias. Quando os resultados não se materializaram, o humor dos CEOs migrou de um extremo para outro: “já que a TI não resolve todos os meus problemas, então não é relevante”. No entanto, poderíamos encontrar uma série de contra-argumentos para as proposições de Carr. Os dois mais importantes seriam os seguintes: 1. A EXTRAÇÃO DE VALOR DE TI EXIGE INOVAÇÃO NOS PROCESSOS DE NEGÓCIO: ou seja, sem mudança de processos, não tem sistema que dê jeito. A maioria das empresas não aproveita o uso da tecnologia, pois não transforma o modus operandi. Isso limita os benefícios decorrentes. Empresas de sucesso autosustentado, como a Dell, a Wal-Mart e a Cisco, provam isso. Mesmo depois que os concorrentes imitaram suas práticas de negócios, elas continuaram na frente, distanciando-se cada vez mais em produtividade e agilidade. Isso porque não pararam de inovar. Os avanços em TI criam novas possibilidades de crescimento e competitividade que se estendem além dos limites físicos da empresa e se espalham em toda a sua rede de valor. Se bem aproveitados, no momento certo, esses avanços criam novas vantagens competitivas difíceis de ser prontamente copiadas. 2. O IMPACTO ESTRATÉGICO DE TI SURGE DE INOVAÇÕES INCREMENTAIS E NÃO DE INICIATIVAS “BIG BANG”: raramente projetos de TI bem-sucedidos são gigantescos e baseados numa única inovação, como os de energia elétrica citados por Carr. Pelo contrário, em geral vão aparecendo paulatinamente e são focados em resultados de curto prazo, mas alinhados com a estratégia maior do negócio. Os avanços em TI estão longe de alcançar o ponto de retorno decrescente como aconteceu com ferrovias e distribuição de energia elétrica. Progressos em capacidade de processamento, de armazenagem de dados e em velocidade de transporte de dados continuam acontecendo em ritmo rápido e sustentado. Estamos à beira da eclosão de um novo paradigma, chamado pomposamente de “arquitetura de serviço distribuída” e que na verdade engloba os conceitos de computação sob demanda e grid computing, nada mais do que o velho princípio do ASP (Application Service Provider) incrementado, em que se paga na medida em que se usa. Com isso, a computação será acessível às pequenas e médias empresas que não teriam orçamento para comprar caras licenças de software ou equipamentos milionários. O resultado será um imenso impacto potencial na competitividade global de uma região ou país. MICHAEL PORTER publicou o artigo “Strategy and the Internet” na Harvard Business Review em março de 2001. De fato, a TI isoladamente não é relevante. Ela só é relevante num contexto de esforço conjunto de inovação baseado nas novas possibilidades e oportunidades criadas pela tecnologia. Nessa perspectiva, a TI faz diferença e continuará sendo assim por muito tempo. LUIZ CARLOS MORAES REGO [email protected] Professor da FGV-Eaesp. FUNDAÇÃO DE APOIO À TECNOLOGIA 31 ÁGUAS (São Paulo, SP, 10/05/2004. Foto: Juca Varella/ Folha Imagem) Por ANGELO ALBIERO FILHO [CIESP] Profetiza-se há alguns anos que o grande desafio do novo século será o fornecimento de água para o atendimento das necessidades da sociedade, desde as mais básicas, como o abastecimento público, até o 32 DEZ'2004 e JAN/FEV'2005 funcionamento e desenvolvimento das atividades produtivas industriais e agrícolas. Em especial na Região Metropolitana de São Paulo, os problemas relacionados com o tema são constantes no cotidiano da população, que sofre ora com o racionamento de água, ora com as constantes inundações, ou até mesmo ambas simultaneamente, bem como com a crescente poluição dos rios e mananciais da região. Em função disso, a água tornou-se o foco do discurso de inúmeros “especialistas de plantão”, sempre prontos a defender tudo aquilo que permita uma boa exposição nos meios de comunicação e, principalmente, sua autopromoção. Impõe-se uma “enxurrada” de desinformações, instaura-se uma verdadeira inquisição na busca incansável dos responsáveis pelos problemas, julgam-se e condenam-se publicamente os supostos culpados, sem a necessária identificação das reais causas e nenhuma preocupação com as conseqüências dessas acusações. Após o julgamento feito pelos “ambientalistas de plantão” e a condenação através dos meios de comunicação, passam a exigir a aplicação das sanções cabíveis. Como alguns dos réus listados não são facilmente localizados, o setor produtivo acaba sempre “pagando o pato”, pois, afinal, na sua grande maioria, está legalmente instalado, tem telefone e endereço fixo. Não é difícil, no entanto, encontrar as causas dessa situação e muito menos seus verdadeiros responsáveis, bastando apenas e tão-somente observar os fatos e as informações disponibilizadas pelos órgãos responsáveis pela gestão desse recurso tão precioso. No que se refere à escassez de água, até mesmo São Pedro chegou a ser responsabilizado pela falta de chuva na quantidade necessária para o atendimento da população. A chamada “vassoura hidráulica” também vai para o banco dos réus, como exemplo do desperdício de água na cidade. Não é divulgada, no entanto, a responsabilidade do setor de saneamento pelas perdas médias de 40% da água tratada dos sistemas públicos de abastecimento no Estado, o que significa cerca de 50 metros cúbicos por segundo, ou seja, quase 80% da água necessária para o abastecimento da população da Região Metropolitana de São Paulo, não sendo tampouco informado qual é o custo dessas perdas para a sociedade. Não merecem nenhuma nota na mídia os dados do Relatório de Situação dos Recursos Hídricos, publicados pelo Daee – Departamento de Águas e Energia Elétrica, em 2002, indicando que o setor industrial reduziu seu consumo de água em 18% e a irrigação reduziu em 7%, enquanto o consumo doméstico aumentou cerca de 50% no período de 1990 a 1998. Quando o enfoque é a poluição, invariavelmente o vilão principal é o setor produtivo. Estão também à caça dos usuários das águas subterrâneas, culpados pela poluição e pelo rebaixamento dos níveis desse manancial, dentre os quais enquadram-se os grandes condomínios, hotéis, restaurantes, hospitais e indústrias. Não existe, contudo, a necessária preocupação com as causas, que no caso da maior utilização de águas subterrâneas por parte de grandes consumidores em áreas urbanas, é o valor excessivo das tarifas de água potável fornecida pelas concessionárias públicas. Em outras regiões, a causa principal são os elevados níveis de poluição da água dos rios, que acaba inviabilizando sua utilização, devido aos altos custos de tratamento necessário para o seu aproveitamento, até mesmo para fins industriais. Aliás, o aumento das tarifas mencionadas decorre, em parte, justamente dos crescentes custos para tornar a água potável, tendo em vista o comprometimento da qualidade dos principais mananciais de abastecimento da Região Metropolitana de São Paulo, como as represas Billings e Guarapiranga. Normalmente, não é mencionado com a mesma ênfase que a poluição desses reservatórios é resultante da ocupação irregular de cerca de dois milhões de pessoas, sem nenhuma infra-estrutura, nas áreas de entorno e de preservação dos mesmos. Essa responsabilidade é exclusiva do de racionamento da água e sua poluição poder público. A atual legislação ambiental, decorrem fundamentalmente da má gestão decantada por muitos como sendo de dos serviços públicos de saneamento associa“Primeiro Mundo”, por ser extremamente da à falta de investimentos no setor, reflexo restritiva, acaba permitindo e fomentando a direto do descaso com que o problema é clandestinidade, que não encontra restrição tratado pelas esferas governamentais, tanto devido à falta de fiscalização dos órgãos do executivo, quanto do legislativo, a quem competentes, seja na esfera estadual ou cabe aprovar a priorização de recursos orçana municipal. mentários, seja no âmbito federal, estadual Da mesma forma acontece com a poluição ou municipal. dos rios, que tem como principal culpado o Não se pode mais imputar essa responpoder público, pela falta de tratamento de sabilidade ao setor produtivo, que já incoresgotos. Essa situação é agravada em decorporou, em maior ou menor escala, o tema na rência, novamente, da legislação ambiental, sua agenda, e está empenhado em garantir e que impõe limites para o lançamento de eflumelhorar o atual padrão de qualidade de vida entes que requerem sistemas avançados para o da sociedade contemporânea, resultado da seu atendimento, impedindo a execução de produção de bens e serviços que, além de sistemas mais simplificados, que trariam gerar renda e emprego, internaliza a preocuimensas melhorias ambientais e sociais. pação ambiental, e principalmente permite a Segundo dados do referido Relatório de arrecadação de significativa carga tributária, Situação, apenas 25% da carga orgânica de que, se devidamente aplicada pelo setor origem doméstica é removida, ou seja, uma público em áreas essenciais como o saneamengrande parcela dos esgotos domésticos to básico, resultaria na redução da poluição continua sendo lançada sem nenhum das águas e, conseqüentemente, na melhoria tratamento diretamente nos corpos de água, das condições da saúde da população. enquanto o setor industrial remove 96% da sua carga orgânica, atendendo à legislação em vigor. No âmbito do Programa de Despoluição do rio Tietê, todas as fontes de poluição de origem industrial foram controladas e cerca de 1.250 empreendimentos adequaram seus sistemas de tratamento de efluentes, sem se perceber, contudo, significativa melhora na qualidade de suas águas. De parte do poder público, das cinco estações de tratamento de esgotos construídas, a maioria está ociosa, operando em média com cerca de 60% de sua capacidade. A causa disso reside no fato de que os esgotos coletados não chegam às estações por falta ANGELO ALBIERO FILHO de planejamento, eficiência e gestão [email protected] da dos órgãos responsáveis, quer no âmbito Vice-presidente do Ciesp. estadual quer no municipal, mas, sobretudo, Diretor Titular do Departamento pela falta de vontade política e atuação de Meio Ambiente e Desenvolvimento responsável. Sustentável do Ciesp. No entanto, os “defensores do meio ambiente” de plantão não saem nos jornais divulgando esses dados, que estão disponíveis on-line nas páginas oficiais. Até mesmo os verdadeiros e legítimos defensores públicos parecem Silhueta de pessoa na represa de Guarapiranga, que está com desconhecer essa realidao nível de água abaixo do normal de, observando-se esparsas por conta da estiagem iniciativas para reverter que atingiu São Paulo. essa situação e obrigar os (São Paulo, SP, 20/06/2000. responsáveis a cumprir a Foto: Caio Guatelli/ Folha Imagem) Constituição Estadual. Com base nessas informações oficiais, pode-se afirmar que os problemas Foto: Rafaelle Sgueglia O DESAFIO DAS Vista aérea do rio Pinheiros, nas proximidades da avenida dos Bandeirantes, onde se vê o esgoto sendo despejado. As obras do Projeto Tietê, na marginal Pinheiros, fará a captação do esgoto da região e o conduzirá à estação de tratamento. ARTE E CIÊNCIA NÃO SÃO INCOMPATÍVEIS, MAS A MÍDIA SE IMPORTA COM ISSO? Por ENIO SQUEFF [ARTISTA PLÁSTICO] Assim como a vida é bem mais complexa do que sugerem os manuais de auto-ajuda, as relações entre a ciência e arte são muito mais íntimas do que indicam a indiferença que cientistas e artistas se votam mutuamente nesta altura do século. Há as especificidades dos trabalhos de um e de outro – isso é evidente. Einstein, que foi violinista, sabia o quanto tiraria de seu tempo à física se dedicasse ao violino o tempo despendido por seu amigo, o virtuose Jasha Heifez, um dos maiores violinistas de todos os tempos. No entanto, Einstein não imaginava o mundo sem música. Seu colega brasileiro, o também físico Mário Schenberg, foi um grande crítico de arte. Nunca se leu dele qualquer coisa que sugerisse que a física não tinha nada a ver com a arte; e vice-versa. 34 DEZ'2004 e JAN/FEV'2005 A rigor, não se trata de diferenças nem de confluências. Leonardo da Vinci – para citar um nome que serve tanto à ciência quanto à arte – jamais encarou como um problema o ser artista e cientista ao mesmo tempo, ou que as duas coisas se excluíssem. Eppur si muove, como diria Galileu Galilei, ele próprio um eclético que nunca imaginou a arte num canto e a ciência noutro. De fato assim é. A arte supõe uma formação que é difícil de imaginar num mundo dominado pela técnica, sobretudo pela técnica a serviço da indústria cultural. Digamos, como hipótese, que o assunto não se restringe a uma simples dicotomia – artes versus ciência e tecnologia. Esse talvez seja o grande desafio enfrentado pelas instituições científicas e tecnológicas de hoje. O comodismo de marchar a favor da corrente dá a idéia de que há um fosso genético entre a ciência e a grande arte, quando não é assim. Refiro-me especificamente à “grande arte” por uma razão até prosaica. Há quem imagine que Beethoven, Picasso ou Dostoiévsky podem ser substituídos pelo pagodeiro que nasceu ontem, pelo outdoor com a moça nua vendendo calcinhas, ou pelo último livro do Paulo Coelho. Isso faz a grande diferença. A idéia de que bastam grandes mestres em ciência e tecnologia para se formarem bons técnicos – que do resto o rádio e a televisão que temos se encarrega de difundir – é tão deletéria para o espírito científico quanto para o espírito crítico do cidadão que a todo momento se vê na contingência de escolher entre o bem e o mal para a sua cidade, o seu Estado ou o seu país. Fala-se aqui de um esforço, quase inútil, de se tentar uma nova ordem pelo menos no âmbito das academias. Diz-se “quase inútil” porque não há um só professor que rivalize com a televisão. Ou com o rádio escutado a todo o volume nos banheiros públicos, nos elevadores de aeroportos, nos hospitais estatais e privados, sempre com a mesma música imbecil. Portanto, qualquer ação que se conjugue a essa utopia de pensar num mundo onde as alternativas culturais possam ser postas com um mínimo de igualdade deveria ser determinante para todas as instituições de ensino, sejam estatais ou particulares. Será, porém, possível? Na impossibilidade de se responder imediatamente a esta questão, há sempre o paradigma da história ou dos exemplos alhures. Na guerra Franco-Prussiana, os generais de Napoleão III talvez pudessem evitar parte do fiasco do exército francês se atentassem para as teorias dos pintores impressionistas. Eles defendiam – com a Portanto, qualquer ação que se conjugue a essa utopia de pensar num mundo onde as alternativas culturais possam ser postas com um mínimo de igualdade deveria ser determinante para todas as instituições de ensino, sejam estatais ou particulares. Será, porém, possível? razão da ciência – que a cor vermelha sempre ressaltava no verde de uma campina. Ora, muitas ações militares dos dois exércitos aconteceram durante a primavera. Como parte da cor do fardamento dos soldados da França era vermelha, pode-se adivinhar o resto. Nunca os artilheiros e atiradores prussianos foram tão certeiros na sua pontaria. Foi um passeio de que os prussianos tiraram o melhor proveito possível. E venceram a guerra. Claro que não foi só porque os generais não atentaram para as teorias – de resto cientificamente corretas dos impressionistas – que a França acabou derrotada. Mas artistas e cientistas deveriam escutar mais uns aos outros. Na história da arte não são raros os artistas que trabalharam com ciência e viceversa. Goethe, à parte sua produção literária, foi um cientista mais que respeitável. No livro que escreveu ainda jovem sobre uma viagem que fez à Itália – obra de encantamento e de respeito de um dos maiores gênios do mundo germânico à civilização latina –, a todo momento as considerações se derramam sobre a paisagem em reflexões geológicas, botânicas e geográficas. Não há, porém, como evitar a idéia de que seu “Fausto” – o homem que à mercê de sua ciência faz um pacto com o demônio – não seja um tributo a uma reflexão pessimista, talvez mais sobre a ciência do que sobre a arte. De fato, mesmo que separados por pressupostos distintos, cientistas e artistas parecem comungar, pelo menos no nosso século, um mesmo pessimismo comum quanto ao futuro. Este é o legado talvez da figura múltipla de Fausto que Goethe elegeu como seu personagem-símbolo. A obra é típica do princípio do século XIX – momento decisivo da história do homem tecnológico e científico. O esplendor do pensamento racionalista, positivo, cientificista parecia, em princípio, indicar uma nova era. O próprio Karl Marx, desde as trincheiras de sua crítica ao capitalismo, não deixou de ser um otimista na antevisão de um mundo superável sem as contradições alienantes do sistema que ele, por assim dizer, desnudou. Não era, contudo, o que previa o poeta e cientista Goethe. Sob este e outros aspectos, arte e ciência parecem se nutrir do mesmo paradoxo quanto ao mundo contemporâneo e seu porvir. Tirante a brevíssima mistificação neolibe-ral, não há ninguém que jure pelas benfeitorias eternas da tecnologia, independentemente dos sistemas que a desenvolvem. As separações, contudo, persistem. Há cientistas que se julgam de bem com o mundo e com a ciência ao não atentarem para a grande cultura artística. Já os artistas pensam poder superar a alienação do mundo ao atacarem os sistemas tecnológicos, como se fosse possível ir de São Paulo a Porto Alegre de carroça. Ou a pé. Que fazer? Se não há incompatibilidades entre a arte e a ciência, há, sem dúvida, a indústria cultural. Os meios tecnológicos que desenvolveram os sistemas de reprodução deram numa indústria em que a própria cultura acabou envolvida. E privatizada. Mas essa é uma questão que afeta a sociedade como um todo, embora caiba aos cientistas – tanto quanto aos filósofos e artistas – pensarem essa nova realidade. É imperioso constatar que uma rede de TV impõe-se muito mais do que várias universidades juntas. Não é por um mero efeito virtual que um Bush ou um Berlusconni tenham se imposto a duas sociedades das mais desenvolvidas e civilizadas da história do mundo. ENIO SQUEFF [email protected] Pintor, jornalista e crítico de música. É autor dos livros: O Nacional e o Popular na Música (em co-autoria com José Miguel Wisnik) e A Música na Revolução Francesa. Ilustrou e escreveu (com Helder Perri Ferreira) A Origem dos Nomes dos Municípios Paulistas, editado pela Imesp em 2004. FUNDAÇÃO DE APOIO À TECNOLOGIA 35 ALTEC 2005 XI SEMINARIO DE GESTIÓN TECNOLÓGICA Salvador - BA - Brasil - 25 a 28 de Outubro 2005 INSCREVA SEU TRABALHO! PRAZOS: até 28 fevereiro 2005: submissão de resumos 31 de maio de 2005: submissão de trabalhos completos Mais informações podem ser obtidas pelo e-mail: [email protected] Ou pela Internet: www.fia.com.br/altec 36 DEZ'2004 e JAN/FEV'2005 A Associação Latino-Iberoamericana de Gestão Tecnológica - Altec é uma instituição de direito privado internacional sem fins lucrativos, fundada em 1984, com o propósito de vincular pessoas naturais e jurídicas ativas na reflexão e no exercício da gestão tecnológica, para realizar atividades de cooperação nesta área. A Altec está integrada por um grupo significativo de profissionais da região, interessados na gestão tecnológica, incluindo pesquisadores, professores universitários, empresários e executivos de empresas, especialistas governamentais, agentes financeiros e de cooperação e profissionais que se desempenham em consultorias privadas. A missão principal da Altec é promover o desenvolvimento socioeconômico da região Ibero-Americana por meio do aperfeiçoamento contínuo da gestão tecnológica. A Altec contribui também para gerar um pensamento ibero-americano sobre problemas relacionados com a inovação, que interfira no desenvolvimento de políticas de ciência e tecnologia e que fomente a inovação e a instrumentação de projetos de desenvolvimento tecnológico nos países da região. Na sua trajetória de quase 20 anos de existência, a Altec tem desenvolvido suas atividades com o apoio de distintas instituições científicas, tecnológicas e de cooperação, em âmbitos regional e internacional. Entre as mais significativas, destacam-se: Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial - Onudi, Organização dos Estados Americanos - OEA, Programa de Ciencia y Tecnologia para el Desarrollo, de Espanha - Cyted, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD, El Mercado Común del Conocimiento en C y T - Mercocyt. Da mesma forma, suas atividades têm contado com o respaldo institucional de organizações nacionais de ciência e tecnologia, instituições tecnológicas, organizações empresariais, órgãos governamentais e universidades dos países onde a Associação tem promovido atividades. Informações mais completas sobre a Altec podem ser encontradas na página www.fia.com.br/pgtusp/altec. A Diretoria de Altec está integrada por seis membros de diferentes países. A presidência para o período 20012005 localiza-se na Universidade de São Paulo, Brasil, junto ao Núcleo de Política e Gestão Tecnológica - PGT (www.fia.com.br/pgtusp). A Diretoria atual está integrada pelos seguintes profissionais: presidente Roberto Sbragia (Brasil); Ex-presidente Ignacio Fernandes de Lucio (Espanha); Diretores: Enrique Medellín (México), Enrique Ambrosio (Espanha), Oscar Galante (Argentina), Rodolfo Faloh Bejerano (Cuba) e Tatiana Láscaris (Costa Rica). Uma das atividades mais importantes da Altec tem sido a realização de um evento bienal sobre os temas relevantes de gestão tecnológica na América Latina e Península Ibérica, com sede nos distintos países no seu âmbito de atuação. A trajetória dos dez eventos promovidos pela Altec ao longo da sua história é a seguinte: 1985 Brasil, 1987 México, 1989 Argentina, 1991 Venezuela, 1993 Colômbia, 1995 Chile, 1997 Cuba, 1999 Espanha, 2001 Costa Rica e 2003 México. Para 2005, atendendo à proposta da Assembléia Geral de Associados reunida no México, em 2003, a Junta Diretiva aprovou a realização do XI Seminário no Brasil, tendo como tema central Inovação Tecnológica, Cooperação e Desenvolvimento. O evento deverá ser organizado por um conjunto de instituições líderes no campo da Política e Gestão da Inovação Tecnológica no Brasil e será realizado em Salvador, Bahia, atendendo a um forte desejo de várias instituições locais e das excepcionais condições de desenvolvimento da região nos últimos anos. Tendo como eixo central o tema definido, o seminário terá por objetivo apresentar as últimas tendências, linhas de pensamento e experiências que têm se desenvolvido no âmbito ibero-americano em inovação e gestão tecnológica, com a intenção de: • gerar um diálogo aberto que incida no processo de definição das diretrizes que vão marcar o desenvolvimento do tema na região ibero-americana; • apoiar a geração de um pensamento ibero-americano sobre problemas relacionados com a inovação por meio da discussão de metodologias, enfoques e conceitos; • partilhar experiências de diferentes países e setores para aprender das mesmas e apoiar o desenvolvimento tecnológico; • brindar aos representantes acadêmicos, de negócios, assim como dos setores governamental e privado, com ferramentas novas que permitam compreender a importância do uso da ciência e da tecnologia para promover e fomentar o desenvolvimento das economias regionais e partilhar os avanços alcançados na matéria. Como é de tradição, no Seminário Altec 2005 poderão participar especialistas e dirigentes das organizações do sistema de inovação, executivos de empresas, diretores de marketing, produção, tecnologia e finanças, diretores e especialistas de pesquisa e desenvolvimento, gerentes de projetos, representantes de agências governamentais, professores e estudantes universitários que estejam vinculados às áreas de inovação tecnológica dos setores público e privado. LEITURA RECOMENDADA Ex-ministro Paulo Renato Souza lança livro sobre as recentes transformações na educação. Publicado pela editora Pearson Education, o livro intitulado A revolução gerenciada mostra as mudanças operadas na educação brasileira entre 1995-2002. Dividida em oito capítulos, a obra conta como o governo e a sociedade se uniram para em oito anos empreender uma verdadeira revolução em todos os níveis da educação brasileira, tendo como base um tripé formado por informação, avaliação e comunicação. Para tanto, aborda diversos tópicos - alguns bastante polêmicos, como o Provão - que foram fundamentais para o êxito do processo de mudança. Escrito de maneira bastante fluente e rico em detalhes - traz, por exemplo, algumas situações de bastidores que envolveram as principais medidas adotadas -, o livro possui fotos que contextualizam o momento político abordado, além de tabelas e figuras que mostram dados comparativos, permitindo uma completa visualização das mudanças. No prefácio assinado por Fernando Henrique Cardoso, ele afirma que basta ler este livro para comprovar a veracidade das mudanças: “Havia uma revolução silenciosa em marcha na educação brasileira. Se algum dia for possível publicar as anotações que tomei no dia-a-dia da Presidência, será provado que fiquei, desde o início, positivamente surpreendido com a ação intelectual e administrativa de Paulo Renato”, diz ele em seu texto. PAULO RENATO SOUZA Editora Pearson Education São Paulo, 2004 264 páginas, R$ 49,90 Governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin cumprimenta ex-ministro Paulo Renato Souza em noite de autógrafos. (Divulgação) SOBRE O AUTOR Ministro da Educação entre 1995 e 2002, Paulo Renato Souza é doutor em economia pela Unicamp — instituição da qual foi reitor de 1986 a 1990. Na vida pública, exerceu vários cargos técnicos e administrativos, entre eles o de secretário da Educação de São Paulo. Foi também gerente de operações e vice-presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Atualmente está à frente da Paulo Renato Souza Consultores, uma empresa de consultoria que tem como objetivo assessorar seus clientes em temas estratégicos e econômicos relacionados à educação. FUNDAÇÃO DE APOIO À TECNOLOGIA 37 INOVAR É PRECISO, IMPROVISAR NÃO É PRECISO FAT - FUNDAÇÃO DE APOIO À TECNOLOGIA Por GUILHERME ARY PLONSKI [IPT] A inovação vem sendo crescentemente invocada como mecanismo básico para redimir empresas, regiões e nações de suas crônicas aflições econômicas. Nesse sentido, a busca de políticas eficientes de estímulo à inovação tornou-se, a partir dos anos 1990, um dos eixos estruturantes da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Ecônomico (OCDE), que abrange 30 países comprometidos com a democracia pluralista e a economia de mercado. Essa proposição vem ganhando projeção no Brasil principalmente a partir de 2001, como decorrência da mobilização associada à Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, realizada em setembro daquele ano. A atual administração federal ratificou e, até certo ponto, amplificou essa projeção pela inclusão da dimensão tecnológica em um dos carros-chefe da política econômica, que é a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior. Das cinco linhas de ação para a implantação dessa política, a primeira focaliza, justamente, a inovação e o desenvolvimento tecnológico. Há desafios coletivos para que essa linha de ação gere resultados efetivos. Um deles é construir uma percepção compartilhada de que o progresso técnico pode ser acelerado quando o processo de inovação é entendido como fenômeno sociotécnico (e não só técnico) complexo, que precisa ser gerenciado estrategicamente. Isso requer o desenho e a validação, pelos agentes relevantes, de um mapa cognitivo abrangente em vez de paroquial, baseado em evidências e não reflexo de preconceitos. Entre os desafios nesse campo, destacam-se três pela sua atualidade: A) COMPREENDER EM PROFUNDIDADE E APLICAR O CONCEITO DE SISTEMA DE INOVAÇÃO. Isso implica identificar modos diversos de produção do conhecimento. Não faz mais sentido restringir-se ao clássico modelo linear, que parte da pesquisa ‘pura’ e chega até novos produtos no mercado. Decorrem dele conceitos obsoletos, ainda que correntes, como o de que a ‘transferência de tecnologia’ é o epicentro do processo de inovação. Há outros modos de produção do conhecimento, igualmente rigorosos, que partem da busca de soluções para questões de interesse da sociedade ou de seus segmentos. É preciso reconhecer sua legitimidade, apreciar sua relevância e estabelecer mecanismos de estímulo que levem em conta a sua singularidade. B) EVITAR O REDUCIONISMO SIMPLIFICADOR QUE CONCENTRA NA EMPRESA O ALFA E O ÔMEGA DA INOVAÇÃO. Inovar requer jogo de equipe, em que a improvisação apenas complementa o planejamento e a coordenação das ações entre os agentes. É evidente que as empresas têm um papel protagonista. Todavia, como demonstram casos de referência no País – da gigantesca Petrobras à média Vallée e ao Programa de Pobreza e Meio Ambiente da Amazônia (Poema) – as empresas inovadoras estabelecem parcerias estratégicas ativas com outros agentes qualificados – insti-tuições de ensino superior e médio, institutos de pesquisa tecnológica, organizações não-governamentais, entidades do sistema financeiro, empresas de consultoria e de prestação de serviços especializados, sociedades profissionais e outras. Situação similar ocorre no exterior. Uma ilustração do potencial da ‘parceria público-privada’ emana do conhecido estudo pelo qual a National Science Foundation dos Estados Unidos mostrou que 73% da base de conhecimento que sustentava a reivindicação de patentes depositadas naquele país por empresas decorriam da pesquisa pública. 38 DEZ'2004 e JAN/FEV'2005 C) ACOMPANHAR AS TENDÊNCIAS DE REFORMULAÇÃO DA DIVISÃO SOCIAL DE PAPÉIS DAS EMPRESAS NO SISTEMA DE INOVAÇÃO. Contrariamente ao senso comum, as inovações radicais são, cada vez mais, fruto de empresas de pequeno porte. Freqüentemente são firmas nascentes, geradas por empreendedores tecnológicos. Elas estão tipicamente abrigadas em incubadoras, nas quais ingressaram após rigoroso processo seletivo e onde contam com forte suporte. Às empresas de grande porte cabe, nessa divisão de papéis, identificar novos empreendimentos alinhados com suas macroestratégias, provendo-os de componentes críticos do processo (inovação incremental) que vão além da chispa genial: engenharia do produto, excelência na produção, credibilidade e logística de distribuição, capital para adquirir rapidamente porte compatível com o mercado. Algumas empresas transnacionais inovadoras criaram núcleos que funcionam como radar, perscrutando sistematicamente hábitats de inovação selecionados, na captura de oportunidades dessa natureza. Talvez possamos aprimorar o tratamento da inovação inspirando-nos em doutrinas que se mostram bem-sucedidas em outros campos. Exercitando com doutrinas do campo da saúde, emergem alguns aforismos. A inovação tem baixo efeito se for um ato esporádico, devendo ser um estilo de atuação permanente. Não é suficiente para uma organização ser inovadora, é necessário que o seu entorno também o seja. A atenção à inovação se beneficia de apoio profissional qualificado. Um sistema de apoio à inovação deve conter iniciativas de atenção primária (por exemplo, de tecnologia industrial básica – TIB), secundária (por exemplo, desenvolvimento, engenharia e tecnologia de gestão) e terciária (por exemplo, pesquisa avançada, TIB high tech e capital de oportunidade). Quando se percebem os problemas decorrentes da falta de inovação, por vezes já é tarde demais. Inovação sustentada não é fruto de improviso, mas de planejamento cuidadoso e operação competente. GUILHERME ARY PLONSKI [email protected] Diretor Superintendente do Instituto de Pesquisas Tecnológicas - IPT. Prof. da Universidade de São Paulo - USP. Vice-presidente da Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores - Anprotec. Atendimento diferenciado de cada projeto de assessoria, ensino, pesquisa e treinamento. A partir do conhecimento e análise dos problemas e das necessidades da organização, a FAT propõe, desenvolve e implanta soluções específicas para cada caso, desenvolvendo projetos sob encomenda. A FAT posiciona-se, assim, na vanguarda do conhecimento técnico e tecnológico, estando capacitada para desenvolver estudos e prestar serviços nas mais variadas áreas do conhecimento: educação, saúde, indústria e meio ambiente, entre outras. • Cursos - Especialização,Atualização e Capacitação • Prestação de Serviços nas áreas da Educação, Saúde, Meio Ambiente,Transportes e Indústria, entre outras (Hannover, Alemanha, 14/05/2000. Foto: Lalo Almeida/ Folha Imagem) EXPO são séries de exposições mundiais realizadas periodicamente, em diferentes cidades do mundo, com o objetivo de divulgar novas tecnologias. Na primeira edição, em 1851, em Londres, por exemplo, foi montado o Palácio de Cristal. Em 1876, na Filadélfia, Graham Bell mostrou ao mundo o seu telefone, ocasião em que D. Pedro II também visitava a feira. Em Paris, 1889, foi construída a torre Eiffel, uma das mais originais edificações de todas as Exposições Universais até hoje realizadas. Nessa mesma mostra, foi apresentado o fonógrafo de Thomas Edison. A última foi em 2000, em Hannover (Alemanha) e a próxima será em 2005, em Aichi (Japão) e terá como tema principal “a sabedoria da natureza”. • Concursos - Vestibular, Vestibulinhos e outros • Apoios a Eventos e Publicações SEDE: Rua Três Rios, 131 - cj. 42 - Bom Retiro - São Paulo - SP - CEP 01123-001 Telefones: (11) 3313-1200 / 3315-9511/ 228-8373 - [email protected] www.banespa.com.br Programa Universidades. Imprescindível no currículo das melhores instituições de Ensino Superior. Com o Programa Universidades Banespa, o ensino superior no Brasil vem ganhando mais conteúdo, mais incentivo e mais modernização. Por meio deste programa, o Banespa faz parceria com instituições universitárias, destinando recursos para que se atualizem tecnologicamente e desenvolvam programas educacionais inovadores. Hoje já são dezenas de universidades conveniadas que estão beneficiando toda a sua comunidade com esse apoio. Programa Universidades Banespa. Porque incentivar o Ensino Superior faz parte da nossa história. banespa_208x273.indd 1 03/12/2004 15:40:28