rádio hits: uma ação comunitária na engomadeira - Portal RP

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RÁDIO HITS: UMA AÇÃO COMUNITÁRIA NA ENGOMADEIRA
Gláucia Conceição Ventura
Resumo
Monografia que tem como objetivo analisar a rádio comunitária como elemento de mediação
para a integração da comunidade, a partir do estudo de caso da Rádio Hits, serviço de altofalantes localizado no bairro de Engomadeira, em Salvador. O trabalho foi constituído das
seguintes etapas: levantamento bibliográfico e de documentação existente; clipagem das notícias
veiculadas sobre o tema na mídia local e pesquisa de campo para conhecer as atividades
desenvolvidas pela Rádio Hits e a sua relação com a comunidade. A pesquisa de campo,
realizada entre setembro e dezembro de 2001, foi dividida em três partes: visitas à rádio e
entrevistas com os seus dirigentes; contatos com representantes de instituições e projetos sociais
que possuem algum vínculo com a emissora e entrevistas com pessoas que moram e/ou
trabalham na comunidade.
Palavras-chave: RÁDIO COMUNITÁRIA, LIDERANÇA COMUNITÁRIA, MEDIAÇÕES
SOCIAIS
A radiodifusão comunitária é um tema que tem começado a despertar o interesse da
comunidade acadêmica e da sociedade pela dimensão que o movimento vem atingindo. Existe
rádios comunitárias por todo o país, em muitos municípios do Estado da Bahia e em diversos
bairros de Salvador.
Conforme a Lei Nº 9.612, de 19 de Fevereiro de 1998, o Ministério das Comunicações
considera rádio comunitária aquela que, dentre outros aspectos, opera em FM, não possui fins
lucrativos, nem está ligada a partidos políticos ou instituições religiosas, e sim a uma
fundação/associação comunitária, que tem a função de gerir a rádio.
O que se percebe na prática é que o Governo dificulta a aprovação dos pedidos de
autorização para funcionamento de rádios comunitárias, embora a constituição brasileira garanta
no Artigo 5 item IX: “É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de
comunicação, independente de censura ou licença”. Essa situação acaba levando lideranças
comunitárias a montarem um “serviço de alto-falantes”, que possui registro na Prefeitura.
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Na Bahia, o “serviço de alto-falantes” – também chamado de “rádio a cabo” ou “rádioposte” – é concebido como “rádio comunitária” pela maioria de seus usuários, sobretudo na
capital. Apesar de se constituir em uma iniciativa particular e, de certa forma, as pessoas serem
obrigadas a ouví-lo, algumas vezes este tipo de serviço pode prestar relevantes trabalhos
comunitários, como por exemplo a divulgação de informações e de campanhas de interesse das
comunidades.
Embora o serviço de alto falantes não seja reconhecido como rádio comunitária pelo
Ministério das Comunicações e as rádios que se enquadram em sua definição encontrem
dificuldades para obter a autorização de funcionamento, o próprio Governo se utiliza dessas
rádios para a divulgação de campanhas de saúde e de educação, revelando uma incoerência que
merece atenção.
Considerando o domínio da informação pelos grandes meios de comunicação de massa,
que em sua maioria servem a interesses sócio-econômicos e políticos particulares, um trabalho
como este pode contribuir para a discussão acerca da possibilidade de construção e do exercício
da democracia e da cidadania pela mediação das rádios comunitárias, seja através de ondas ou
cabos.
Dessa forma, ressalta-se a importância da pesquisa sobre rádios comunitárias tendo como
estudo de caso um serviço de alto falantes que demonstra empenho em desenvolver um trabalho
voltado aos interesses locais.
Descrição da pesquisa e metodologia
Esta pesquisa tem como objetivo analisar a rádio comunitária como elemento de mediação
para a integração da comunidade e dos serviços por ela oferecidos, a partir do estudo de caso da
Rádio Hits, serviço de alto falantes localizado no bairro da Engomadeira, em Salvador.
O trabalho foi constituído das seguintes etapas: levantamento bibliográfico e de
documentação existente; clipagem das notícias veiculadas sobre o tema na mídia local e pesquisa
de campo para conhecer as atividades desenvolvidas pela Rádio Hits e a sua relação com a
comunidade.
A pesquisa de campo, realizada entre setembro e dezembro de 2001, foi dividida em três
partes: visitas à rádio e entrevistas com os seus dirigentes; contatos com representantes de
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instituições e projetos sociais que possuem algum vínculo com a emissora e entrevistas com
pessoas que tinham alguma relação com a comunidade.
Constituíram a amostra desta pesquisa a equipe responsável pela rádio, 04 instituições e 30
ouvintes. A maioria dos entrevistados são moradores que trabalham em estabelecimentos
próximos às caixas de som da rádio. Essas pessoas representam a principal audiência da
programação da Rádio Hits pois “não tem como não ouvir”, lembrando que não se pode desligar
ou mudar de estação quando bem desejar e que acaba sendo uma audiência obrigatória.
O instrumento escolhido para a coleta de dados, tanto para as instituições quanto para os
ouvintes, foi o questionário ou “entrevista estruturada”. O roteiro foi composto de perguntas
abertas e fechadas e apresentou questões referentes a aspectos de interesse da pesquisa e também
que pudessem contribuir com críticas e sugestões a serem aproveitadas pela própria equipe da
rádio a fim de melhorar o seu trabalho.
No caso das instituições, questiona-se a natureza do seu trabalho; as propostas que foram
apresentadas à rádio; as atividades realizadas em conjunto, a importância do meio para a
instituição; as sugestões para melhorar a vinculação e o grau de satisfação com a parceria. Em
relação à recepção, buscou-se verificar o conhecimento da existência da rádio no bairro; a
compreensão do que vem a ser uma rádio comunitária; a freqüência com que ouve e participa (e
de que forma) da programação e a opinião sobre a programação e sobre o trabalho realizado pela
emissora.
A legitimidade das informações obtidas a partir destas entrevistas se fundamenta em duas
obras principais: A voz do passado, de Paul Thompson, que apresenta argumentos acerca da
importância das tradições orais para o estudo da história, e O tempo das tribos, de Michel
Maffesoli, que aborda a necessidade de se voltar o olhar aos costumes para entender a vida
cotidiana.
Revisão Bibliográfica
A reflexão acerca dos conceitos de sociedade e comunidade tem como fundamento tanto
pensadores clássicos como Simmel, Tönnies e Weber, quanto autores contemporâneos como
Henri Lefebvre e Agnes Heller. Para entender o conceito de sociedade, George Simmel (1973)
destaca que a imagem da sociedade é atingida com a investigação dos elementos individuais,
como as sensações, “que só chegam à síntese da sociedade graças a um processo de consciência
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que põe em relação o ser individual de cada elemento com o do outro, em formas determinadas e
seguindo determinadas regras”(1973: 67).
Enquanto o ideal de socialização de Simmel culmina na relação funcional entre indivíduo e
sociedade, a concepção de Ferdinand Tönnies (1973), compreende as relações de troca de
mercadorias e serviços. Tönnies apresenta distinções entre os termos sociedade e comunidade
quando aplicados em diversos tipos de relação existentes entre indivíduos ou grupos. Na
comunidade, tudo é confiante, íntimo. Já a sociedade é o que é público, é o mundo, é terra
estrangeira.
Max Weber (1973) chama de sociedade a uma relação social quando a atitude na ação
social se inspira numa compensação de interesses por motivos racionais ou numa união de
interesses com idêntica motivação, enquanto que a comunidade se inspira no sentimento
subjetivo de seus participantes da constituição de um todo. A sociedade pode se basear em um
pacto racional e a comunidade pode se apoiar sobre toda espécie de fundamentos afetivos,
emotivos e tradicionais, com a ressalva de que a maioria das relações sociais participam
parcialmente tanto da “comunidade” quanto da “sociedade”.
Todas essas concepções representaram tipos ideais de sociedade que se aproximavam do
contexto daquelas sociedades antigas, nas quais havia rígida distinção de papéis sociais, diminuta
possibilidade de mobilidade social, além da limitação dos horizontes de conhecimento pelos
dogmáticos valores e crenças da época. A autora Agnes Heller, em “O cotidiano e a história”,
apresenta um episódio que ilustra tal situação: após transgredir as regras da sociedade ateniense,
o filósofo Sócrates tem de escolher entre a adaptação a estas regras ou o exílio e acaba preferindo
a morte.
Segundo Heller, “a vinculação do indivíduo com a sociedade coincide com a vinculação do
indivíduo com a comunidade quando a mais alta integração social assume ela mesma um caráter
comunitário. [...] Quanto mais diferenciada e estruturada é uma sociedade concreta, tanto menos
poder-se-á constituir ela própria em comunidade do homem” (1989: 73). Esse entrelaçamento
dos vínculos do indivíduo com a sociedade e com a comunidade é uma necessidade, diria até
mesmo um desafio, que as comunidades tem de enfrentar: ao mesmo tempo que elas tem de
contemplar as demandas dos seus membros, precisam estar integradas à sociedade como um
todo.
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Hoje, a situação é bem mais complexa e as sociedades permitem a existência de
heterogeneidades e contradições. Anthony Giddens, em seu texto “Admirável mundo novo”,
apresenta três conjuntos de importantes mudanças que influenciaram na configuração da vida
política atual e transformaram a sociedade nas últimas quatro ou cinco décadas: a globalização; a
“ordem social pós-tradicional” e a reflexividade social. O autor afirma que “um mundo de
reflexividade intensificada é um mundo de ‘pessoas inteligentes’”(1994: 13), sem querer dizer
com isso que as pessoas são mais inteligentes do que antes. Numa ordem pós-tradicional, os
indivíduos devem se engajar num mundo amplo se quiserem nele sobreviver.
Apesar de o mundo estar cada vez mais globalizado, a comunidade não foi dissolvida. Ao
contrário, ela se torna ainda mais importante no processo de valorização do local paralelamente à
globalização da cultura e dos costumes. Diante disso, a professora Elaine Tavares, em artigo
retirado da Internet, entende comunidade como algo “que as pessoas construíram com as próprias
mãos e que tem uma organização articulada, seja por uma Associação de Moradores ou algo
semelhante, que os unifica nos seus desejos. Para ela, “viver em comunidade é apostar que é
possível viver no encontro, na partilha, ao contrário do que remete a globalização, onde cada um
vive no seu canto, em solidão”.
Elaine Tavares considera fundamental “ver os fatos com o olhar da alteridade, contemplar
as coisas em sua origem, na essência, pelo lado de dentro”, destacando que as comunidades não
devem ser tratadas com miserabilidade, mas com respeito. Para isso, o primeiro passo é desvelar
o cotidiano, resgatar o homem comum na sua luta diária pela sobrevivência.
Agnes Heller afirma que todos vivem o cotidiano e que não é possível se desligar da
cotidianidade. A vida cotidiana é heterogênea e igualmente hierárquica. O homem, diz ela, já
nasce inserido em sua cotidianidade e o seu amadurecimento significa que ele adquire
habilidades para a vida cotidiana: ele assimila a manipulação das coisas e das mediações sociais
e também do intercâmbio ou da comunicação social.
Enquanto Heller trata de sociedade e da vida cotidiana a partir de uma concepção de
história como “substância da sociedade", o pensador francês Henri Lefebvre, em “A vida
cotidiana no mundo moderno”, discute a concepção de sociedade a partir do conceito de
cotidiano e de como ele serve de apoio a essa mesma sociedade, sendo estruturado através da
determinação ou influência de diversos elementos e instâncias. Para ele, a vida cotidiana oculta o
misterioso e o admirável que escapam aos sistemas elaborados. E é nesse cotidiano que se
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constróem e revelam as mediações culturais que atribuem significados à comunicação
comunitária no campo da produção e da recepção.
A menor mudança na vida cotidiana parece impossível e, por isso, é que se deve questionar
a cotidianidade. Para que reencontre a qualidade e as propriedades do ser humano – enfatiza
Lefebvre – o homo quotidianus deve superar o cotidiano, dentro dele e a partir da cotidianidade.
Colocar o cotidiano ao alcance da linguagem já é, de certa forma, transformá-lo, elucidando-o.
Enfim, Lefebvre propõe uma revolução cultural que tenha como fim e sentido a criação de
uma cultura que não seja instituição, mas estilo de vida pois só através dela se pode também
mudar a vida, e não somente o Estado ou as relações de propriedade. Também enuncia que os
meios não sejam o fim, que o cotidiano se torne obra e que toda técnica esteja a serviço dessa
transformação do cotidiano.
Para concretizar essa transformação, é válida a proposta de Martin-Barbero, apresentada
em sua obra Dos meios às mediações: Comunicação, Cultura e Hegemonia, de deslocar a análise
dos meios às mediações, ou seja, “para as articulações entre práticas de comunicação e
movimentos sociais, para as diferentes temporalidades e para a pluralidade de matrizes
culturais”(1997: 258).
O estudo dos usos acaba por levar ao deslocamento do espaço de interesse dos meios para
os movimentos sociais, especialmente àqueles que partem do bairro, que deixa de ser visto
apenas como residência e passa a ser um espaço que comunica e integra. Neste contexto,
podemos enfatizar as potencialidades da radiodifusão comunitária neste processo de integração
comunitária.
A tentativa de transformar o cotidiano da comunidade pode ser percebido no conjunto de
ações realizadas por diversas rádios comunitárias, dentre elas a Rádio Hits, através da vinculação
com as instituições sociais e comunitárias existentes no bairro de Engomadeira e da facilidade de
acesso dos moradores à rádio para a transmissão de suas opiniões e divulgação dos trabalhos que
estão sendo desenvolvidos na e/ou para a comunidade.
Diante do convincente apelo de Lefebvre, resta-nos destacar o papel que a rádio
comunitária, e no caso específico, a Rádio Hits, pode exercer no sentido de transformar o
cotidiano da comunidade na qual ela venha atuar, podendo representar, mais do que um meio de
comunicação, um instrumento de mobilização e integração social e de construção da cidadania.
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Bertolt Brecht, em “Teoria de la radio (1927-1932)”, já colocava que o importante não são
os resultados, mas simplesmente as possibilidades que um meio como o rádio pode oferecer às
organizações. O valor do rádio se encontra justamente, segundo ele, na sua capacidade de
permitir que se inventem “algo” e dele deve ser feita uma coisa de fato democrática. Brecht
defende que o rádio seja transformado de aparato de distribuição em aparato de comunicação, no
qual haja um intercâmbio, além de enfatizar a sua importância social.
A questão dos usos que os grupos e os indivíduos fazem dos objetos sociais também é
abordado por Michael de Certeau, em “A invenção do cotidiano: Artes de fazer”. Para Certeau,
embora seja comum o estudo das representações, neste caso dos programas radiofônicos, e do
comportamento dos grupos receptores, é importante também que se procure investigar o que o
consumidor cultural “fabrica” a partir da audiência da programação, da utilização do espaço
urbano, dos produtos, das notícias, etc.
A falta de dados e informações nas instituições ou órgãos competentes dificultam o
conhecimento preciso sobre as experiências de rádios comunitárias no Estado da Bahia. No
entanto, a análise do contexto local tem como fundamento os resultados da pesquisa de iniciação
científica desenvolvida por esta autora, na qual foi realizado o levantamento das rádios
comunitárias na capital e em alguns municípios do Estado.
As rádios comunitárias que são caracterizadas como tais, ou seja, que operam nas ondas
hertzianas, concentram-se no interior do Estado. Na capital, só existe o chamado “serviço de
alto-falantes”, que pode ser tratado como rádio comunitária conforme a concepção de Denise
Cogo. Outro aspecto relevante é o fato da criação e funcionamento de muitas rádios serem de
iniciativa de uma só pessoa, que acaba realizando todas as tarefas da rádio. Também existe o
apoio de organizações que acabam criando vínculos a exemplo de emissoras de associação de
bairros, ONGs, etc.
Os serviço de alto-falantes não costumam sofrer interferências da Agência Nacional de
Telecomunicações (ANATEL). Eventualmente, recebem algumas reclamações relacionadas à
poluição sonora. No interior do Estado, a repressão às FMs comunitárias tem sido freqüente e
intensa. A própria comunidade defende a rádio e os seus responsáveis, seja dificultando o acesso
à sedes da emissora, seja escondendo os equipamentos para que não sejam lacrados ou
apreendidos.
De modo geral, a programação das rádios é constituída de música, anúncios e utilidade
pública. No entanto, é possível perceber algumas tentativas de se construir uma programação
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com a participação dos próprios membros da comunidade. Outras prestam importantes serviços
como o auxílio aos Correios na entrega de correspondências; a divulgação de oportunidades de
emprego e a mobilização dos moradores para protestos e reivindicações sociais.
Assim, foram identificados dois tipos básicos de emissoras: a FM comunitária e o serviço
de alto-falantes. É preciso destacar a importância da rádio comunitária propriamente dita pois ela
está diretamente ligada a instituições e movimentos sociais bastante representativos. No
município de Valente, por exemplo, a FM comunitária através da Associação Comunitária de
Comunicação e Cultura de Valente incentiva a cultura local e promove campanhas e debates em
torno de temas relevantes à comunidade, representando um espaço para a voz da própria
população e uma possibilidade concreta para o seu desenvolvimento.
Embora o serviço de alto-falantes não se enquadre nas determinações do Ministério das
Comunicações, ele representa uma possibilidade de integração das comunidades e de realização
de relevantes trabalhos para a melhoria das suas condições de vida. Foi justamente a partir dessa
observação que surgiu a idéia de realizar um estudo aprofundado da Rádio Hits.
Análise dos resultados
Segundo informações de antigos moradores do bairro, uma senhora conhecida como Maria
da Gama fornecia goma para as “engomadeiras” – hoje conhecidas por “lavadeiras” – que
residiam onde hoje se encontra o bairro de Engomadeira e prestavam serviços para o Quartel 19BC, lavando e engomando as roupas que costumeiramente o Coronel Comandante deste batalhão
mandava em carroças do Exército.
Conta-se que o referido Coronel era gaúcho e dizia para aqueles que conduziam as
carroças: “Levem para as engomadeiras”. A origem do nome do bairro da Engomaderia é,
portanto, uma homenagem àquelas bravas mulheres que lavavam roupa para sustentar suas
famílias. O bairro de Engomadeira está localizado na região do Cabula e o seu acesso se dá pela
Estrada das Barreiras, próximo aos conjuntos residenciais Bahia de Todos os Santos II e Recanto
do Cabula.
Hoje, a Engomadeira tem uma população de aproximadamente 23.000 pessoas. Possui
várias escolas e um comércio bastante variado (farmácias, supermercados, confecções, salão de
beleza e bares). No entanto, o bairro ainda carece de melhores oportunidades de trabalho e outras
melhorias nas condições de vida de seus moradores.
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Com o objetivo de desenvolver atividades com a comunidade deste bairro, foi fundada em
agosto de 1999, a Rádio Hits, que é A rádio é dirigida pelo grupo formado por Cleber, pelo
técnico em computação Cristóvão, pelo produtor de eventos Jair – popularmente conhecido
como “Esquerdinha” – e pelo Disc Jockey Flávio. A iniciativa de montar a rádio foi do DJ
Flávio, que já trabalhava com música (daí a origem do nome da rádio) e, então, buscou o apoio
de um colega que havia instalado uma rádio em um outro bairro.
Assim, Flávio começou a colocar a rádio para funcionar de modo experimental e, aos
poucos, foi recebendo o apoio de comerciantes e moradores do bairro da Engomadeira. Jair
Santos, mais conhecido como Esquerdinha, que já era produtor cultural e nutria uma vontade de
realizar um trabalho voltado aos interesses da comunidade, foi convidado a fazer parte da equipe
por ser uma pessoa bastante conhecida no bairro, que possui amplo conhecimento da sua
realidade e dos seus problemas e que demonstra grande interesse em melhorar as condições de
vida dos seus moradores.
Entendendo comunidade como “união e interação entre as pessoas”, Esquerdinha comenta,
em entrevista concedida em 01/10/2001:“Quando a gente é jovem, tem uma visão sonhadora e só
com o tempo percebe que as pessoas não estão muito preocupadas com a realidade das
comunidades, mas sim em absorver o que ela tem a oferecer para os seus interesses particulares.
Eu fiquei muito triste quando percebi essa realidade, mas nem por isso eu me senti desestimulado
a continuar o meu trabalho.” Assim, a rádio representava uma oportunidade de desenvolver este
tipo de trabalho idealizado por Esquerdinha, ou seja, a divulgação da cultura local e das
atividades desenvolvidas pelas instituições existentes no bairro.
O DJ Flávio se recorda de um fato que revela o prestígio conquistado pela rádio: ele estava
em um bar da Engomadeira quando alguém tentou provocá-lo para a briga. No entanto, alguém
que acompanhava a pessoa que iria agredí-lo lembrou e gritou: “Não faça nada com ele não, que
ele é brother da rádio!”. Isso pode ilustrar a observação de Maffesoli de que as discussões de
botequim e as trocas de sentimento são representações que se cristalizam a partir do substrato
cotidiano e que constituem a solidez da comunidade do destino.
Hoje, com dezesseis caixas, além de abranger todo o bairro de Engomadeira, a Rádio Hits
compreende a Estrada das Barreiras, os condomínios residenciais CHOPM II e Recanto do
Cabula. Apesar do reconhecimento do trabalho da Rádio Hits, seus dirigentes acreditam que
ainda falta um maior apoio do comércio local. A sustentação da rádio provém das colaborações
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de alguns comerciantes e integrantes da própria comunidade, que contribuem doando ou
emprestando CDs e outros materiais.
O trabalho desenvolvido pela rádio na Engomadeira pode ser classificado de duas formas:
através da ação direta e da ação indireta. A ação direta, caracterizada por uma intervenção
cotidiana, dá-se através da divulgação dos trabalhos da comunidade; das atividades sócioeducativas, por meio de campanhas de conscientização e de educação ambiental, como por
exemplo, o uso disciplinar para a coleta do lixo; da pesquisa interativa, que tem como objetivo
levantar dados da população para dinamizar as informações e valorizar a ação dos sujeitos; e do
marketing, através do qual procura viabilizar a execução de projetos para a melhoria do bairro.
A ação indireta é representada pela visibilidade que proporciona às organizações que
atuam na comunidade e pela contribuição para a autonomia dos grupos que realizam atividades
no bairro, através das campanhas sócio-educativas, mencionadas anteriormente. Dentre as
organizações e entidades que mantém algum vínculo com a Rádio Hits, podemos destacar o
Conselho de Moradores, a Associação Comunitária e Cultural Engenho dos Negros (ACCEN), a
Escola Municipal da Engomadeira e a Universidade Aberta à Terceira Idade (UATI), da
Universidade do Estado da Bahia (UNEB).
O Conselho de Moradores do Bairro de Engomadeira (COMOB), fundado em agosto de
1985, faz a divulgação de informativos de seus serviços – escola comunitária, atendimento
médico, cursos e campanhas – na rádio sem nenhum custo e reconhece a sua eficácia, afirmando
que o retorno é imediato. Para comprovar isto, o Conselho lembra que deixou de divulgar uma
promoção na rádio pois, conhecendo o seu alcance, não seria capaz de atender a demanda,
optando por uma divulgação mais informal.
A Associação Comunitária e Cultural Engenho dos Negros, dirigida pelo professor
Domingos Sérgio, mantém uma parceria com a Rádio Hits de divulgação mútua das suas
atividades. Embora o coordenador de cursos Júlio César esteja satisfeito com a parceria ele
acredita que ainda falta um agendamento para sistematizar as reuniões para torná-la mais ampla e
concreta.
A Escola Municipal da Engomadeira, que foi fundada em 1989 e possui 802 alunos,
também mantém parceria com a Rádio Hits. A divulgação de atividades escolares faz com que o
sistema de alto-falantes assuma um importante papel enquanto veículo de comunicação oral e
pelo próprio caráter de utilidade pública, assinalado anteriormente. (Cogo, 1998)
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A Universidade Aberta à Terceira Idade (UATI), programa de extensão universitária
voltado para a comunidade circunvizinha à UNEB e que atualmente conta com mais de 600
participantes, também tem seus eventos e atividades divulgados na Rádio Hits. No entanto, esta
divulgação é informal, através de professores e de idosos que participam dos trabalhos na UATI
e levam o material para ser divulgado em seu bairro.
Várias outras instituições divulgam suas atividades na Rádio Hits: o Posto de Saúde
fornece informações sobre cadastramento de pacientes, horários de funcionamento e campanhas
de vacinação; os grupos religiosos existentes na comunidade têm veiculados na rádio os seus
eventos – havendo um tratamento pluralista e uma valorização das diferentes manifestações
religiosas e culturais – e as entidades esportivas, tais como times de futebol e grupos de capoeira,
também encontram espaço para a divulgação de suas atividades.
A ausência de sistematização também é percebida na programação da Rádio Hits, que é
bastante variada e feita de forma improvisada e com o humor característico do seu principal
locutor, Esquerdinha. Divulga-se desde hora certa e aniversários do dia até informações de
utilidade pública e dos eventos locais. Existe apenas alguns programas específicos que possuem
dias e horários fixos e que são produzidos por membros da própria comunidade.
A programação musical busca contemplar todos os gostos e estilos a fim de tentar agradar
a todos os seus ouvintes. Também transmite o material que é enviado pelo SENAC, Ministério
da Educação, Ministério da Saúde e pela Prefeitura de Salvador.
A Rádio Hits também abre espaço à divulgação e promoção de bandas e grupos culturais
da comunidade e, ocasionalmente, distribui brindes aos ouvintes. Dentre os programas semanais
que constituem a programação da Rádio Hits temos o “Rap Nativa”, o “Quinta do Forró” e o
“Alcóolicos Anônimos”.
Os integrantes do grupo de Rap RBF (Rap da Baixa Fria), Joseilson, Ronald e Joe,
revezam-se na apresentação do programa “Rap Nativa”, que vai ao ar às quartas-feiras, de 15h às
16h, desde Abril de 2001. A programação do “Rap Nativa” é constituída de músicas do estilo rap
e das novidades referentes ao movimento. Também levam pessoas ligadas ao movimento para
serem entrevistadas como rappers, dançarinos de Break e grafiteiros.
Às quintas-feiras, das 15 às 16h, integrantes do grupo de forró “Caju com Sal”, composta
por integrantes da comunidade, apresenta o programa “Quinta do Forró”, no qual toca-se todas as
vertentes do estilo. Aos sábados, a Rádio Hits cede um espaço de 15 minutos, a partir das
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14:30h, para que um participante dos Alcoólicos Anônimos apresente em um programa
homônimo o depoimento sobre sua experiência de vida e sobre o seu ingresso e as atividades
realizadas no grupo. O conteúdo do programa compreende também uma orientação de como o
dependente deve proceder para deixar o vício e quais os grupos que ele pode procurar na região.
A fim de se ter uma idéia do retorno da programação da rádio, foi realizada uma pesquisa
de recepção com algumas pessoas que moram e trabalham na Engomadeira. A maioria dos
entrevistados (93,3%) respondeu que já tinha conhecimento da existência de uma rádio
comunitária no bairro.
A maior parte deles (90%) também disse ter alguma noção sobre o que deveria ser uma
rádio comunitária. De modo geral, as pessoas entendem por rádio comunitária “uma rádio que é
só do bairro”, que existe para informar, “alegrar” e “trazer benefícios” para os seus moradores.
Apenas 6,7% dos entrevistados disseram que não conheciam a Rádio Hits.
Embora 93,3% dos entrevistados tenham respondido que já conheciam a Rádio Hits, a
maioria destes hesitou à princípio, mas logo respondiam com a pergunta: “A de Esquerdinha?!”.
Isso revela que eles não entendem claramente o que representa uma rádio comunitária.
Outra questão que pode ser levantada é a influência da figura de Esquerdinha, uma pessoa
que, através do empenho em trabalhar pelos interesses da comunidade, acaba personificando-a,
lembrando a idéia de Simmel da fusão entre indivíduo e comunidade. Além disso, este dado
também reflete uma certa fragilidade do nome da rádio, com o qual as pessoas talvez não tenham
se identificado.
Esta observação sobre a figura de Esquerdinha é significativa pois durante as entrevistas
houve opiniões espontâneas: “Esquerdinha é um cara legal”, diz Jorge Sena dos Santos, 34 anos,
que já morou e hoje apenas trabalha no bairro. “Esquerdinha é uma pessoa dez, prestativo...”,
ressalta a jovem Eliane, 24 anos, que mora e trabalha na comunidade.
Esse destaque da pessoa de Esquerdinha em relação à própria rádio evidencia a
necessidade apontada por Barbero de se deslocar o espaço de interesse dos meios de
comunicação para o lugar onde é produzido o seu sentido. Deste modo, Esquerdinha é o
principal mediador, um importante “ator social”, que produz o sentido da Rádio Hits na
Engomadeira, através da sua mobilização dentro da comunidade.
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Realizando um trabalho de mediação social, através da rádio, Esquerdinha acaba por
assumir um papel de “líder comunitário” na Engomadeira pois suas ações refletem as funções de
um verdadeiro “líder comunitário”: a mobilização e a articulação da comunidade e das
organizações comunitárias para a participação no processo de luta e implantação de melhorias
nas condições de vida dos seus moradores.
Outro ponto que pode ser levantado é a persistência (ainda) de uma mentalidade
ultrapassada de delegar as responsabilidades de um bairro, comunidade ou grupo a uma única
pessoa, uma espécie de “salvador” capaz de resolver todos os seus problemas. Quanto a isso, o
próprio Esquerdinha reclama que as pessoas “deixam muito a desejar” e ele acaba assumindo a
iniciativa de fazer os contatos e buscar as informações de interesse local.
O fato de que a maioria dos moradores trabalham em estabelecimentos comerciais
próximos a alguma caixa da rádio reforça o índice de 83,3% de entrevistados que costumam
ouvir a programação diariamente. Dentre os 16,7% que não ouvem com freqüência a Rádio Hits,
6,7% não o fazem pelo fato de não residirem nem trabalharem próximo a algum poste que tenha
uma caixa da rádio, somente ouvindo quando estão de passagem pela rua. Outros 6,7% dizem
não gostar da rádio e reclamam da programação e do volume: “Só tem zoada”, diz uma
comerciante. “Não gosto, acho que não deveria nem existir”, desabafa outra comerciante.
Somente 3,3% respondeu que não conhecia a rádio.
A falta de interesse e a incompreensão do sentido do termo “comunitária” da rádio talvez
expliquem que 76,7% dos entrevistados nunca tenham participado da programação ou do
trabalho da rádio. Alguns até se desculpam, alegando não saber o endereço ou o número do
telefone da rádio. Dentre os que já participaram de alguma forma, 13,3% faz propaganda
comercial na rádio, 6,7% já ligou para participar de promoções para ganhar brindes e 3,3 já fez
pedido de música através do telefone.
Quando questionados sobre o que mais gostam na Rádio Hits, a maioria dos entrevistados
(33,3%) destacou a programação religiosa (músicas e mensagens evangélicas). Esse elevado
índice a respeito da religiosidade pode ser explicado pela grande quantidade de adeptos de
diversas religiões, evidenciado pela existência de aproximadamente dez igrejas das mais variadas
doutrinas. A programação musical foi destacada por 16,7% das pessoas e 10% mencionou o
programa “Quinta do Forró”.
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Na mesma proporção (6,7%) foram considerados a programação de modo geral; os
acontecimentos da comunidade; as informações de utilidade pública; os anúncios comerciais e as
campanhas de conscientização promovidas por Esquerdinha (sendo que 3,3% destacou como um
aspecto bastante positivo a conscientização para que as mães acompanhem seus filhos na ida e
no retorno da escola). Apenas 3,3% mencionou o programa “Rap N’ativa” e o programa de
músicas românticas “Momento Romântico”. Além disso, 6,7% declarou não gostar da rádio e
10% se manteve indiferente em relação a esta questão.
Embora a Rádio Hits nunca tenha sofrido interferências do Ministério das Comunicações e
da Agência Nacional de Telecomunicações – tais como lacre e apreensão de equipamentos ou
agressão física e perseguição aos seus integrantes – já houve reclamações de poluição sonora por
parte de alguns moradores. Para evitar que essas ameaças resultassem no fechamento da rádio,
Esquerdinha fez um abaixo-assinado e teve apoio da maioria dos moradores para a continuidade
do funcionamento da emissora.
A respeito do que não gosta na rádio, 66,7% se manteve indiferente, o que demonstra uma
considerável aceitação da sua programação. Ainda assim, alguns pontos negativos foram
levantados, tais como a presença de alguns estilos de música (16,7%), com destaque ao pagode
(6,7%) e música baiana (3,3%); o volume muito alto (10%); falta de clareza na locução (6,7%); o
horário da programação da tarde (6,7%) e o fato de que “o locutor conversa muito” (3,3%).
Ainda em relação a essa pergunta, 3,3% declarou não gostar da rádio “quando está
desligada”. A respeito disso, o jovem Adenilson ressalta que “é bom para o pessoal que fica na
‘maresia’” e dois outros jovens concordam, respondendo a esta questão com uma enfática
pergunta: “Já pensou se não tivesse esse som aí?”. Esses dados mostram o papel da rádio
comunitária de “animar” o cotidiano do bairro, evitando a monotonia.
Embora a maioria (46,7%) tenha permanecido indiferente, a indagação a respeito do que
deveria ter na rádio, ou do que poderia ser mais frequente, resultou em diversas opiniões,
inclusive algumas que podem ser aproveitadas para aprimorar a sua programação: mais
informações sobre o bairro (16,7%); locutores mais qualificados ou mais “experientes” ( 13,3%);
mensagens de reflexão (6,7%) e maior volume na locução e menor volume na programação
musical (6,7%); mais programas de saúde (3,3%); maior divulgação do comércio local (3,3%);
anúncios de empregos (3,3%) e maior veiculação de outros estilos musicais tais como MPB e
Pop.
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Apenas 3,3% apontaram as seguintes sugestões: maior clareza nos anúncios; programa de
entrevistas; músicas menos agitadas – “para acalmar os ânimos do pessoal”, conforme
depoimento de uma jovem – e maior diversificação da programação musical. Enquanto houve
quem dissesse que “falta muita coisa” (3,3%), também foi destacado que a rádio “já tem um
pouco de tudo”.
Esses dados revelam a dificuldade de se atender as mais diversas demandas do público, as
quais Esquerdinha tenta contemplar através de contatos diretos e conversas informais com as
pessoas da comunidade. Ele revelou que desde o começo da rádio, tentou seguir o modelo das
rádios convencionais (comerciais), mas com o tempo percebeu que não era bem assim, que a
rádio ia sendo moldada pelas demandas da própria comunidade.
Quanto ao que não deveria ter na rádio, os dados das pessoas que permaneceram
indiferentes (76,7%) reforçam a observação anterior sobre a tolerância e a aceitação da
comunidade a respeito do trabalho desenvolvido pela rádio. No entanto, houve a indicação de
algumas falhas: deveria haver menor tempo de programação musical (3,3%); menos músicas
agitadas (3,3%); menos músicas dos estilos brega e pagode (3,3%) e menor volume (3,3%).
Na avaliação geral dos entrevistados, o trabalho da Rádio Hits teve o conceito BOM pela
metade dos moradores e comerciantes entrevistados e apenas 3% deles o classificaram como
RUIM, dados que mostram o esforço da Rádio Hits em promover a integração da comunidade
através da divulgação da cultura, do comércio local, de informações de utilidade pública e das
atividades desenvolvidas nas associações e entidades do próprio bairro.
Considerando a visão de Barbero do bairro como “um campo fundamental para a gestação
de novas formas de solidariedade”(1997:271) e como “um espaço que, em vez de separar e
isolar, comunica e integra” (1997:275), torna-se fundamental o papel que a rádio comunitária
pode assumir para a concretização do processo de integração comunitária. E a atuação da Rádio
Hits na comunidade da Engomadeira ilustra um bom exemplo dessa possibilidade.
Considerações Finais
Embora já tenhamos chegado ao século XXI, caracterizado pelo constante avanço das
novas tecnologias, a reflexão acerca dos resultados desta pesquisa evidenciam que a radiodifusão
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comunitária, e a comunicação comunitária de modo mais amplo, é de importância fundamental
para as comunidades.
No momento em que se valoriza o que é global, as rádios comunitárias representam um
excelente instrumento para a valorização do que é local. Elas funcionam como um elemento de
integração comunitária em meio a um mundo globalizado e regido por valores individualistas.
O estudo aprofundado da rádio comunitária da Engomadeira, portanto, serviu para mostrar
essas possibilidades, ainda que ela não seja caracterizada como tal perante o Ministério das
Comunicações, ou seja, dentre outras características, ser gerida por uma associação comunitária.
Apesar de ser bastante “jovem”, A Rádio Hits, que completou dois anos em agosto de 2001, já
conquistou a admiração e o respeito da comunidade, sobretudo pela realização de um trabalho
voltado às necessidades e interesses locais.
A Rádio Hits tem demonstrado enorme esforço em aprimorar o seu trabalho, no entanto, as
entrevistas realizadas com as instituições locais e com o seu público ouvinte permitiram verificar
a ausência de uma sistematização e solidez, tanto das parcerias com as entidades quanto da
própria programação, que ainda é comandada pelo improviso. A colaboração dos comerciantes
locais ainda é fraca, o que impossibilita um maior desenvolvimento da rádio.
Outro ponto que merece ser destacado é o fato de praticamente todo o trabalho ser
delegado a uma única pessoa: Esquerdinha. Tanto os representantes das instituições visitadas
quanto as pessoas entrevistadas demonstraram certo comodismo, destacando de forma positiva a
determinação e o desempenho de Esquerdinha. Essa situação indica a necessidade de uma maior
divulgação do trabalho da rádio e mobilização dos moradores e integrantes de entidades locais a
fim de conscientizar e motivar a sua participação individual nos acontecimentos e nos problemas
da comunidade.
É frequente o discurso, quase que um “lamento” de diretores de associações e lideranças
comunitárias sobre a dificuldade de conscientização e de angariar uma maior participação dos
moradores nas lutas coletivas. Existe uma preocupação comum com a descentralização do
trabalho e a integração de todos os moradores, visando a construção, na prática, do sentido
político do termo “comunidade”.
Diante de tudo isso, é possível compreender as dificuldades e conflitos, bem como
contextualizar a concepção que muitos moradores costumam ter sobre as lideranças
comunitárias. Moradores e sociedade em geral vivem uma cultura de tradição autoritária,
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necessitando de uma identificação com lideranças fortes, eventualmente associados a uma visão
“salvacionista” dos problemas dos moradores.
Nesta medida, muitos líderes se tornam uma “referência de poder afetivo e efetivo”,
sobretudo quanto maior for a sua presença e a sua ação no cotidiano dos moradores. Assim,
Esquerdinha se destaca na Engomadeira, tanto pelo seu empenho no trabalho da rádio quanto nas
suas ações em busca da melhoria das condições de vida das pessoas da comunidade. Ainda
faltam, entretanto, apoio e participação destas pessoas para que a rádio comunitária da
Engomadeira faça verdadeiramente jus a este nome.
É preciso reconhecer a importância da rádio comunitária, que se constitui em uma
alternativa para o processo de democratização dos meios de comunicação, representa a
possibilidade de espaço à pluralidade, de participação ativa dos membros da comunidade – na
qual eles se tornam sujeitos ativos do processo de comunicação e na qual se pode concretizar a
chamada “comunicação de mão-dupla” – e de integração da comunidade.
A concretização desta comunicação de mão-dupla pode ser um caminho para se fazer da
rádio um espaço de construção da cidadania. Lembrando a idéia de Lefebvre, segundo a qual é
possível a transformação da vida cotidiana, pode-se considerar a possibilidade da rádio
comunitária de gerar mudanças no cotidiano da comunidade. Enfim, destacamos o valor social
deste estudo, que pode despertar maior atenção tanto da comunidade acadêmica quanto da
sociedade para as discussões acerca de um tema tão fundamental quanto a questão da
radiodifusão comunitária.
Bibliografia consultada
Periódicos
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trabalho:
VENTURA, Gláucia Conceição. Rádio Hits: uma ação comunitária na Engomadeira [online] Disponível na internet via WWW URL: http://www.rpbahia.com.br/trabalhos/paper/monografias/uma_acao_comunitaria_na_engomadeira.pdf Capturado em XX/XX/200X.
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